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Crer e Observar © 2009 Editora Cultura Cristã. Publicado originalmente nos Estados Unidos com o título
Trust and Obey © 1996 by Soli Deo Gloria Publications, a division of Ligonier Ministries. Traduzido com
permissão. Todos os direitos são reservados.
Conselho Editorial
Ageu Cirilo de Magalhães, Jr. Aided Souza de Matos André Luís Ramos Cláudio Marra
(Presidente) Fernando Hamilton Costa Francisco Solano Portela Neto Mauro Fernando Meister Tarcízio
José Freitas de Carvalho Valdeci da Silva Santos
Produção Editorial
Tradução
Capa
Leia Design
Sproul, R.C
Sp87c Crer e observar/R.C. Sproul; traduzido por Heloisa Cavallari. São Paulo: Cultura Cristã, 2009.
ISBN 978-85-7622-245-3
248.4 CDD
Sumário
Prefácio
Oh! Como amo a tua lei!
Trapos sujos (da imundícia) ou perfeita justiça?
Obediência: amor ou legalismo?
Quão mortal é o legalismo?
Martinho Lutero
Legalismo e antinomianismo: duas rotas mortais fora do caminho estreito
O cristão carnal
Alegre obediência: o terceiro uso da lei
O sábado como sinal escatológico
Posfácio
Notas
Sumário
137
Don Kistler
Notas
Prefácio
dade” (Jo 14.15-17a). Essas palavras de Jesus afirmam explicitamente que tanto
a santidade de coração (amor) quanto a santidade de conduta (obediência) são
absolutamente necessárias para evidenciar nossa confissão de fé. A essência da
obediência se encontra num amor sincero e cordial que impele à ação e não a
ação em si mesma. A questão não é tanto o que estamos fazendo ou dizendo,
mas o que o nosso coração está compreendendo e pretendendo - embora o que o
nosso coração está compreendendo e pretendendo seja normalmente visto
naquilo que estamos fazendo ou dizendo. Pela obediência aos mandamentos de
Deus damos evidência de nossa santa conversão. Por isso, nossa fé é declarada
genuína diante do mundo. Quem quer que pretenda crer em Jesus e não seja
habitualmente zeloso em ser obediente, sua fé, sendo manifestada por falta de
obras, é estéril, inútil, morta. Ao andar nos caminhos do dever, expressamos
nossa gratidão a Deus por seus graciosos benefícios, e também glorificamos seu
santo nome, que é o grande objetivo de toda obediência (Mt 5.16).
É necessário afirmar que nem nossa obediência externa, nem nossa santidade
interna constituem uma porção de justiça pela qual possamos ser justificados
(declarados justos diante de Deus). Nem são, ambas, a causa ou a condição de
sermos aceitos por Deus. A justiça pela qual somos justificados deve ser
absolutamente perfeita (ver nosso livro Justification by Faith ALONE!). Assim,
Paulo, o grande mestre dos gentios, ao considerar que estaria em pé diante do
tribunal de Deus, declarou sua esperança de que pudesse “ser achado nele, não
tendo justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo,
a justiça que procede de Deus, baseada na fé” (Fp 3.9). Essa justiça, tendo
sido forjada antes do nosso nascimento, é o único fundamento por intermédio do
qual nosso Juiz supremo pode absolver (desonerar) nossa culpa. Se alguém
perguntasse: como poderei me colocar diante de Deus e ser considerado justo? A
resposta seria: confie na obediência de Cristo. Se a pergunta fosse: como posso
expressar minha gratidão a Deus por sua graciosa misericórdia para comigo?, a
resposta seria: obedeça aos mandamentos de Cristo e viva em conformidade com
sua vontade revelada.
te, embora nossas obras de obediência não sejam levadas em consideração para
conseguirmos justificação ou para obtermos uma qualificação para a vida eterna,
elas são de suma importância para contrabalançar aqueles dois extremos opostos
e fatais: legalismo e antinomianismo. O primeiro comete delito contra a glória da
graça, exalta o eu e fere a nossa paz. O segundo transforma a graça de Deus em
licenciosidade, endurece a nossa consciência e nos toma piores que os
descrentes. Os ilustres autores deste trabalho se uniram a nós na exortação ao
rebanho do Senhor para distinguirmos com seriedade os fundamentos de
nossa aceitação diante de Deus (justificação) da superestrutura da
santidade prática (santificação).
John Bishop Millersville, Maryland Peter Neumeier Atlanta, Geórgia Rev. Don
Kistler Pittsburgh, Pensilvânia Rev. Lance Quinn Little Rock, Arkansas
Oh! Como amo a tua lei!
Paulo diz que nossas inclinações pecaminosas são tão intensas que não apenas
fazemos as coisas que Deus proibiu, mas também encorajamos outras pessoas a
fazê-las conosco.
De alguma forma imaginamos que nossos pecados não serão vistos como
pecados, se pudermos reunir um bom número de pessoas para participar deles
conosco. Mas bem-aventurado é o homem que não anda de acordo com esse tipo
de conselho, que não anda no conselho dos ímpios, que não se detém no
caminho dos pecadores. Isso não quer dizer que uma pessoa é abençoada quando
se coloca diante dos pecadores, impedindo-os de se movimentarem. Não é esse o
sentido de “não se detém no caminho dos”. Esse é um linguajar arcaico.
Significa a pessoa que não permanece no caminho dos pecadores, que não
participa da impiedade dos ímpios. Bem-aventurada a pessoa que não se assenta
com os escamecedores.
A forma mais rasteira de reconhecimento intelectual que uma pessoa, que não
tem profundidade em sua análise intelectual, pode apresentar, o modo mais
rápido e vil para alcançar uma respeitabilidade intelectual enganosa, é o cinismo.
Qualquer um pode ser cínico. E não há nenhum tipo pior de cinismo do que
aquele que se compraz em zombar da busca do ser humano por santidade. O
salmista nos diz que bem-aventurado é o homem que não se assenta nessa roda.
O oposto é concluído por meio de uma elipse: “Maldito o homem que age
assim”. Mas observe que até esse ponto o salmo está descrevendo a pessoa em
O que ela faz? O que caracteriza uma pessoa abençoada? “Antes, o seu prazer
está na lei do SENHOR, e na sua lei medita de dia e de noite” (SI 1.2). Não é
apenas uma questão de “bem-aventurado aquele que não faz essas coisas”, mas
“bem-aventurado aquele cujo prazer está na lei do Senhor”. Estou me alongando
sobre isso porque se há uma coisa que não caracteriza a igreja contemporânea,
uma coisa que não capta o espírito do assim chamado “evangelicalismo” do
século 20, é o prazer difundido e penetrante na lei de Deus. Sei que há pessoas
lendo o que escrevi e retrucando: “Você está louco? Por onde tem andado? Você
não sabe que vivemos deste lado da cruz? A lei foi colocada de lado. Nós somos
cristãos. Não ficamos sentados nos deliciando com a lei de Deus”.
Se você é um cristão, você tem prazer. E se você não tem prazer na lei de Deus,
não engane a si mesmo pensando que é uma pessoa regenerada. Não pense que o
evangelho que o liberta da maldição da lei é uma licença para você desprezar e
ignorar a lei. Esse pronunciamento de bem-aventurança é aplicável hoje assim
como quando foi escrito. Sei que não falamos dessa maneira, contudo, ele é
verdadeiro.
Salmos 119 é uma das mais magníficas peças literárias do Antigo Testamento. É
um elogio sem paralelo à doçura da lei de Deus. E segue o alfabeto hebraico em
métrica poética. Chamo sua atenção para o versículo 97, em que lemos as
seguintes palavras: “Quanto amo a tua lei!”.
Você percebe o que o salmista está dizendo? A pessoa que escreveu essas
palavras faz parte da comunhão dos santos. A pessoa que escreveu essas palavras
faz parte da família de Deus. A pessoa que escreveu essas palavras é um santo do
Antigo Testamento. A pessoa que escreveu essas palavras fez isso sob a
inspiração de Deus, o Espírito Santo. E temos aqui um derramamento de afeição
religiosa, uma explosão não contida de emoção. O Espírito Santo, assim nos diz
o Novo Testamento, algumas vezes nos leva a gemer. Posso imaginar o
salmista gemendo enquanto escrevia essas palavras. “Oh! Como amo a tua
lei!” Quando foi a última vez que você ouviu um cristão derramar seu coração
em afeição pela lei de Deus? Como isso é estranho para nós!
O que o salmista ama e por quê? Do que estaria ele falando quan-
do menciona essa lei a qual ama tão desesperadamente e qual é a razão desse
amor?
Na versão de Hollywood do filme O rei e eu, o rei do Sião muitas vezes repetia a
afirmação: “Que seja escrito; que seja cumprido”. Todos no Sião aceitavam a
palavra do rei como lei (exceto Ana). Mas a pessoa piedosa se maravilha com
cada palavra que sai da boca de Deus. Jesus a considerava como sua comida e
bebida. E, para resistir a Satanás e às próprias forças do inferno, ele disse: “Está
escrito: Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da
boca de Deus”. Jesus afirmou que as Escrituras não podem ser infringidas.
“Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios ... Antes, o seu
prazer está na lei do SENHOR, e na sua lei medita de dia e de noite” (SI 1.1,2).
Será que é isso que acontece? Não.
Tomo a fazer a pergunta: “Por que ele a ama?” Observe Salmos 119.89-91: “Para
sempre, ó Senhor, está firmada a tua palavra no céu. A tua fidelidade estende-se
de geração em geração; fundaste a terra, e ela permanece. Conforme os teus
juízos, assim tudo se mantém até hoje; porque ao teu dispor estão todas as
coisas”.
Converso com cristãos que se afligem com o estado de sua alma, que não estão
certos de sua salvação, e lhes digo: “A prioridade das Escrituras é que tenhamos
certeza de nossa eleição. Resolvam isso”. Ajo assim porque nossa consistência
como cristãos está ligada à firmeza de nossa fé. A pessoa irresoluta é alguém
com duas mentes, uma pessoa instável em todos os seus caminhos e levada por
todo vento de doutrina. Não é isso que o salmista deseja. O salmista deseja uma
âncora para a alma e ama aquilo que firma essa âncora para ele. “Oh! Como amo
a tua lei porque está firmada no céu e estende-se de geração em geração”.
Salmos 119.105 afirma: “Lâmpada para os meus pés é a tua palavra e luz, para
os meus caminhos”.
Quando eu era menino, minha tarefa era ir até um armazém buscar o pão, pegar
a encomenda que minha mãe havia feito, ou ir à farmácia, à noite, buscar os
medicamentos para a família. Eu gostava muito de ir à farmácia à noite e fazer
hora no balcão onde eram servidas bebidas gasosas, mas depois que o sol se
punha, sempre sentia medo e tremor porque, para chegar até o armazém, eu
precisava atravessar o pomar dos Green. Para um garoto, aquele era um dos
lugares mais assustadores do oeste da Pensilvânia. Havia um caminho estreito
que atravessava o pomar coberto de árvores, uma das quais era um enorme
carvalho. No auge do inverno, quando seus galhos varavam a noite estrelada,
parecia que tinha braços enormes que ele poderia baixar e agarrar qualquer ga-
rotinho que corresse pelo pomar. Eu ficava apavorado quando precisava ir buscar
alguma coisa à noite. Fiz isso mil vezes, mas toda vez que me aproximava do
pomar era como passasse por um cemitério. O que eu desejava era uma lua
cheia, uma lanterna, uma lâmpada para os meus pés, uma luz para o meu
caminho.
A árvore nunca me machucou e nunca me agarrou. Mas tenho passado por outras
experiências como aquela no mundo e ainda preciso de uma lâmpada, ainda
preciso de uma luz. “Oh! Como amo a tua lei!”, porque a lei de Deus é um
espelho e um reflexo de sua santidade e de sua excelência. João Calvino
compreendeu claramente sua importância para o cristão do Novo Testamento
quando discutiu seu terceiro uso da lei, o caráter de revelação - de que a lei de
Deus revela para nós o que é agradável aos olhos do Pai. Quando um cristão diz:
“Não tenho de prestar nenhuma atenção à lei”, eu pergunto imediatamente:
“Você tem de
Certa vez, fiz uma conferência em Nova York sobre “A Santidade de Deus”.
Concordei em ir à casa de um dos presentes, após o culto da noite, para um
momento de oração com outras vinte pessoas. Após os refrescos, eles disseram:
“Agora vamos ao nosso momento de oração”. Apagaram as luzes e
repentinamente começaram a orar aos parentes mortos.
A resposta foi: “Essa é uma oração dirigida pelo Espírito e o Espírito nos
possibilitou fazer contato...”.
Eu indaguei: “Vocês sabem o que a Bíblia diz a esse respeito? Vocês não sabem
que no Antigo Testamento isso era uma ofensa capital? Deus descreve esse tipo
de comportamento como uma abominação pela qual, se não for punido, ele
amaldiçoará uma nação inteira”.
Eles responderam: “Sim, nós sabemos disso. Mas isso é Antigo Testamento. Não
fique preso à lei, Sproul”.
O salmista amava a lei de Deus. Leia novamente o que ele escreveu: “Oh! Como
amo a lei!”. É assim que está escrito? O que eu mudei? O salmista diz: a “tua”
lei. Não podemos passar do pessoal para o impessoal, para uma lista de leis e
regulamentos abstratos. Ninguém, em Israel, estava morrendo de amores por
leis. O salmista diz: “Oh! Como amo a tua lei!”
Amavam a lei porque eles compreendiam que a lei revelava o Senhor a quem ela
pertencia. Se nós o amamos, então obviamente desejamos viver uma vida que o
agrade. Desejamos compreender que aquilo que ele diz é virtuoso. Amamos a lei
porque é a sua lei, porque amamos o Legislador. Como é possível amar a Deus e
odiar a sua lei? É exatamente isso que Jesus disse: “Se me amais, guardareis os
meus mandamentos”.
Salmos 119.140 diz: “Puríssima é a tua palavra; por isso, o teu servo a estima”.
“Oh! Como amo a tua lei!” Não há nenhuma impureza nela; não há nenhum erro
nela. Ela é pura e imaculada. Tudo o mais, todas as deliberações, todas as
introspecções, todas as opiniões dos homens que eu já examinei são falíveis. Não
existe nelas aquela qualidade de pureza, da pureza essencial, mas “A tua palavra
é pura, por isso eu a amo”.
Jesus respondeu a Pilatos: “O meu reino não é deste mundo. Se... fosse... os
meus ministros se empenhariam por mim... Eu para isso nasci e para isso vim ao
mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve
a minha voz” (Jo 18,36,37).
Quando estava em julgamento, Jesus, nas palavras mais claras que poderia usar
para definir sua missão, a razão para vir ao mundo, escolheu descrevê-la da
seguinte forma: “Eu vim para dar testemunho da verdade”. Hoje vivemos numa
igreja que se incomoda menos com a verdade que com qualquer artigo. O amor à
verdade não é nem mesmo uma virtude; é um defeito, porque a verdade divide as
pessoas. A verdade causa controvérsia. A verdade causa debate. A verdade causa
transtorno aos relacionamentos. A verdade crucifica pessoas. Jesus afirmou:
“Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz” (Jo 18.37).
“Oh! Como amo a tua lei!”, porque “tua palavra é a verdade”. O homem que
escreveu essas palavras era como a árvore plantada junto ao ribeiro de água viva
cujos frutos não murcham e que dá frutos no devido tempo. Mas “os ímpios não
são assim, são como a palha que o vento dispersa”.
Os capítulos deste livro procuram mostrar o que significa, para os cristãos, amar
a lei de Deus. Amar a lei de Deus é amar a Deus. Todo
verdadeiro cristão deve amar a Deus. E, uma vez que amar a Deus é guardar (e
amar) seus mandamentos, então, todo verdadeiro cristão deve dizer como o
salmista: “Oh! Como amo a tua lei!”
Trapos sujos (da imundícia) ou perfeita justiça?
corpo humano era mais esplendoroso que o templo de Salomão. Então veio a
revolta infame. Após descobrirem que, em vez de iluminados, es-tavam nus e
envergonhados, eles se voltaram para os próprios recursos. “Abriram-se, então,
os olhos de ambos; e, percebendo que estavam nus, coseram folhas de figueira e
fizeram cintas para si” (Gn 3.7).
Quando Deus fez seu pacto com Abraão, o patriarca creu e foi justificado (Gn
15.6). A despeito da infidelidade de Abraão, e da infidelidade de seus filhos, o
pacto de graça de Deus segue seu curso. Deus é o único herói dessas histórias.
Após a estranha luta de Jacó com a manifestação do Senhor, ele finalmente
encetou seu retomo vitorioso a
Por todo o Antigo Testamento o ato de Deus revestir seu povo pecador em sua
justiça é um tema recorrente. Jó clama: “Eu me cobria de justiça, e esta me
servia de veste” (Jó 29.14). O salmista se alegra: “Converteste o meu pranto em
folguedos; tiraste o meu pano de saco e me cingiste de alegria” (SI 30.11).
“Regozijar-me-ei muito no SENHOR”, exulta Isaías, “a minha alma se alegra no
meu Deus; porque me cobriu de vestes de salvação e me envolveu com o manto
de justiça, como noivo que se adorna de turbante, como noiva que se enfeita com
as suas jóias” (Is 61.10). Sem essa vestimenta real, a situação do pecador é de-
sesperadora: “Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças,
como trapo da imundícia” (Is 64.6a). Observe que não são apenas nossos atos de
desobediência, mas nossos atos de justiça também são descritos assim.
3.1-5:
Mas o SENHOR disse a Satanás: O SENHOR te repreende, ó Satanás; sim, o SENHOR, que
escolheu a Jerusalém, te repreende; não é este um tição tirado do fogo?
Tomou este a palavra e disse aos que estavam diante dele: Tirai-lhe as vestes
sujas. A Josué disse: Eis que tenho feito que passe de ti a tua
Mas essas imagens são conduzidas até seu cumprimento no Novo Testamento.
Ficamos admirados pela graciosidade do pai recebendo o filho pródigo, que
havia desperdiçado sua herança com prostitutas, em um país distante. Desejando
retomar como servo e não mais como filho à casa de seu pai, o filho, entretanto,
foi recebido com pura misericórdia. Embora o pródigo confessasse sua
indignidade de ser chamado filho, o pai pede a seus servos: “Trazei depressa a
melhor roupa, vesti-o, ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés; trazei
também e matai o novilho cevado. Comamos e regozijemo-nos” (Lc 15.22,23).
Na parábola das bodas, Jesus compara sua obra à de um rei que enviou seus
servos às ruas para convidar participantes para a recepção festiva.
“Entrando, porém, o rei para ver os que estavam à mesa, notou ali um homem
que não trazia veste nupcial.” Como Deus perguntando a Adão como soube que
estava nu, o rei pede ao cavalheiro: “Amigo, como entraste aqui sem a veste
nupcial?” Mudo, o homem é lançado fora, nas trevas (Mt 22.1-14).
Mas a maioria dos leitores deste volume não estará entre o vasto corpo de
homens e mulheres que hoje recusam o evangelho da graça livre. A doutrina da
justificação não será problema para a maioria dos leitores de um livro como este;
mas o usufruto dele, na vida cristã, é outra coisa. Um livro sobre a relação da fé
com a obediência provavelmente não é capaz de nos estimular a uma fidelidade
maior; ele poderá levar alguns ao desespero total. Mas esse é o efeito que tais
pensamentos devem ter em todos nós. Precisamos não apenas ouvir os apelos à
fidelidade, repetidas vezes, porque somos lentos para ouvir e obedecer;
precisamos ouvi-los como uma sentença divina até sobre as nossas melhores
obras como cristãos! Augustus Toplady estava bem certo ao lamentar
que mesmo as melhores coisas que fez em sua vida mereciam condenação.
Esse é um ponto importante, pois, mesmo onde muitos evangélicos têm resistido
às óbvias distorções e desvios, há uma tendência de incorporar uma sutil forma
de justiça de obras ao conceito da fé em si mesma. É essencial que não vejamos
a fé como algo derivando de nós, que de alguma forma possui uma qualidade
que substitui outras obras, talvez mais difíceis. A fé em si mesma não é de
nenhum modo uma virtude. Ela é, em questão de justificação, um instrumento de
recebimento, e não um instrumento de doação. Enquanto essa fé produz boas
obras, ela não é em si mesma uma boa obra que serve de base para uma
posição correta. É apenas Cristo quem salva, somente pela graça, somente
pela fé. Cristo é a base da salvação; a graça é o motivo; a fé é o
instrumento. Devemos resistir à tendência de ver a fé como a base de nossa
justificação em vez de justiça de Cristo.
tão, atualmente, podem ser dados por mórmons ou outros cujo estilo de vida tem
melhorado grandemente; mas onde está o evangelho? As boas-novas não são o
que acontece dentro de mim, mas o que aconteceu há dois mil anos por mim! O
que realmente importa é o relato de testemunhas oculares daquele evento, se é
que somos pessoas centradas no evangelho. Embora o evangelicalismo moderno
foque seu alcance no testemunho de “vidas transformadas”, em vez da vida,
morte e ressurreição do Deus-homem por nós, parece haver uma carência de
vidas transformadas. Perdemos o poder da espiritualidade, porque colocamos de
lado o poder de Deus para a salvação. Ao nos voltarmos do evangelho para
abordagens mais “práticas”, nós, além de deixarmos de honrar o evangelho,
sabotamos a única possibilidade de conversão genuína e de crescimento em
santidade.
Mas isso está acontecendo no nível acadêmico. Muitos dos cristãos, atualmente,
de maneira semelhante aos leigos medievais, são simplesmente deixados na
ignorância, enquanto sermões sobre auto-estima, estresse e sucesso aprofundam
o narcisismo da “geração eu”. Oitenta e quatro por cento dos evangélicos
confessos sustentam que “Deus ajuda aqueles que se ajudam”, coisa que faz
sentido quando se sabe que 77% acreditam que os seres humanos são
basicamente bons. Na teologia evangélica, quaisquer que sejam as revisões
detalhadas que possam ser necessárias nos seminários, parece que a dieta de
pregação, evangeliza-
E nós? Como estamos executando nossos deveres, nós que nos consideramos
herdeiros dos apóstolos, de Agostinho e dos puritanos? Que a justificação é útil
para sermos assentados com Deus em primeiro lugar é uma coisa certa. Todavia,
com muita freqüência, paramos aí, mudando para outras doutrinas para guiar a
vida cristã. Na verdade, somos comissionados a pregar toda a deliberação de
Deus, e não pode haver nenhum crescimento genuíno em Cristo, a não ser que
entendamos o novo nascimento, santificação, união com Cristo, ministério da
Palavra e sacramento e deveres práticos. É importante que não apenas
algumas, mas todas as doutrinas da salvação sejam restabelecidas, antes que
um avivamento genuíno possa acontecer e produza, pelo poder do
Espírito Santo, homens e mulheres que estejam crescendo para o discipulado
maduro. Não obstante, a justificação precisa ser mais que o centro de
nosso modo de entender como somos inicialmente aceitos por Deus, ela
não pode nunca ser movida para a periferia nas discussões da vida cristã.
Em muitos casos, tenho ouvido as pessoas dizerem que houve graça para elas no
início, quando se tomaram cristãs, mas que agora não têm tanta certeza disso.
Deus me salvou como pecador, mas será que ele ainda me salva como um
pecador? Especialmente nos planos de “vida cristã vitoriosa”, em que a morada
do Espírito Santo é simplificada a favor de um tipo de perfeccionismo místico,
muitos chegam a crer (implicitamente, pelo menos) que foram justificados
somente pela graça, por meio da fé somente no início, mas agora não estão
seguros. Assim, voltam aos andrajos das folhas de figueira e argumentos.
Como nenhuma perfeição pode ser atribuída a nós nesta vida, e a lei, ademais,
pronuncia morte e julgamento sobre todos aqueles que não mantêm perfeita
justiça em suas obras, ela sempre terá base para nos acusar e condenar a não ser
que, ao contrário, a misericórdia de Deus se contraponha e por seu contínuo
perdão de pecados repetidamente nos absolva.5
Como se pudéssemos pensar em algo mais difícil do que amar a Deus de todo o
nosso coração, de toda a nossa alma e com toda a nossa força! Comparado a essa
lei, tudo o mais poderia ser considerado fácil ... [Pois] a lei não podia fazer nada
mais senão acusar e culpar tudo ao homem, condená-lo e, por assim dizer,
prendê-lo; em punição, condená-lo ao julgamento de Deus: de modo que apenas
Deus pudesse justificar, que toda carne pudesse guardar silêncio diante dele.7
Claro, ninguém alega ter chegado à perfeição, mas, diz Calvino, muitos alegam
“ter se submetido completamente a Deus, [alegando que] guardaram a lei em
parte, e que, em respeito a essa parte, são justos”.9 Apenas o terror da lei pode
nos abalar dessa autoconfiança. Assim, a lei condena e nos leva a Cristo de
modo que o evangelho possa nos confortar sem ameaças ou exortações que nos
poderiam levar à dúvida. Em um de seus primeiros escritos, Calvino defendeu a
distinção evangélica entre lei e evangelho:
Enquanto a lei continuar a guiar os crentes na vida cristã, Calvino insiste que ela
não poderá nunca ser confundida com as boas-novas. Mesmo após a conversão,
o crente está em desesperada necessidade do evangelho porque ele lê os
mandamentos, as exortações, as ameaças e as advertências da lei e, muitas vezes,
hesita em sua verdadeira confiança porque não vê em si mesmo a retidão que é
requerida. Eu realmente me submeti? Será que eu me entreguei
verdadeiramente em todas as áreas da minha vida? E se eu não experimentei o
mesmo que outros cristãos consideram normativo? Será que eu realmente possuo
o Espírito Santo? E se eu cair em algum pecado sério? Essas são perguntas que
todos nós encontramos no ministério pastoral assim como em nossa vida. O
que poderá restaurar nossa paz e esperança diante de tais questões? Os
reformadores, com os profetas e apóstolos, estavam convencidos de que apenas
o evangelho poderia trazer conforto para o cristão que se debate.
busca a lei e ama essa lei em razão da sabedoria divina desta, pois ela revela a
vontade daquele com quem estamos agora reconciliados por meio do evangelho.
Mas o crente não pode encontrar perdão, misericórdia, vitória nem mesmo
capacidade para obedecê-la buscando a lei em si mesma, mais depois de sua
conversão do que antes. Não obstante, será sempre a lei que ordena e o
evangelho que doa. Essa é a razão por que todo sermão deve ser cuidadosamente
formulado sobre essa distinção fundamental.
Não há nenhum ponto a respeito do qual o homem cometa erros maiores do que
a respeito da relação existente entre lei e evangelho. Alguns propõem a lei em
vez do evangelho, outros propõem o evangelho em vez da lei. Certos grupos
declaram que a lei e o evangelho estão misturados... Esses homens não
compreendem a verdade e são falsos mestres.15
Em nossos dias, esses grupos se encontram mais uma vez confusos até mesmo
nas igrejas mais conservadoras. Mesmo onde grupos de psicologia, marketing e
política não substituem a lei e o evangelho, muitos pregadores evangélicos, hoje,
suavizam a lei e confundem o evangelho com exortações, deixando, muitas
vezes, os ouvintes com a impressão de que Deus não espera a perfeita justiça
descrita peta lei, mas uma atitude geral de bondade e esquiva de pecados
maiores. Apesar de uma afirmação geral das doutrinas evangélicas, em grande
parte da pregação evangélica atual prevalece um moralismo polido e cortês, e
raramente ouvimos a lei pregada como a condenação e a ira de Deus, mas sim
como sugestões úteis para uma vida mais abundante.
Algumas vezes, esse erro se deve menos à convicção do que a uma falta de
precisão. Por exemplo, com freqüência ouvimos convites para “viver o
evangelho”, entretanto, em nenhum ponto das Escrituras somos chamados a
“viver o evangelho”. Ao contrário, somos instados a crer no evangelho e a
obedecer a lei, recebendo o favor de Deus de um e a direção de Deus da outra. O
evangelho - ou boas-novas - não é a afirmação de que Deus nos ajudará a
alcançar o seu favor por meio de
seu auxílio, mas que alguém viveu a lei em nosso lugar e cumpriu toda a justiça.
Outros confundem a lei e o evangelho substituindo as exigências da lei por um
mandamento simples de “entregar tudo” ou “fazer de Jesus seu Senhor e
Salvador”, como se essa pequena obra assegurasse a vida eterna. No começo do
século 20, J. Gresham Machen declarou:
Que proveito eu teria dizer que o tipo de religião que a Bíblia apresenta é um
tipo muito especial e fino de religião e que a coisa certa para eu fazer seria
começar imediatamente a praticá-la?... Eu lhe direi, meu amigo. Isso não me
faria nem um pouco bem... O que necessito, antes de qualquer coisa, não é
exortação, mas do evangelho, não de orientação para salvar a mim mesmo, mas
do conhecimento de como Deus me salvou. Você tem alguma boa-nova? Essa é a
pergunta que lhe faço. Sei que suas exortações não irão me ajudar. Mas se
alguma coisa já foi feita para me salvar, você poderia me contar o que foi?17
Isso quer dizer que a Palavra de Deus não exige nossa obediência, ou que tal
obediência é opcional? Certamente que não. Mas significa que a obediência não
deve ser confundida com o evangelho. Nossa melhor obediência é corrompida,
portanto, como ela poderia ser boa-nova? O evangelho é a proclamação de que
Cristo foi crucificado por nossos pecados e ressuscitou para a nossa justificação.
O evangelho produz vida nova, novas experiências, e uma nova obediência, mas,
com muita freqüência, nós confundimos os frutos ou efeitos com o próprio
evangelho. Nada daquilo que acontece dentro de nós é o “evangelho”
propriamente
dito, mas o efeito do evangelho. Assim Paulo nos instrui: “Vivei, acima de tudo,
por modo digno do evangelho de Cristo” (Fp 1.27). Enquanto o evangelho não
contém nenhum tipo de ordem ou ameaças, a lei, de fato, contém, e o cristão
ainda tem compromisso com essas duas palavras que ouve da boca de Deus.
Assim como a Trindade, ou as duas naturezas de Cristo, não devemos nem
separar, nem confundir lei e evangelho.
Quando promessas gentis suavizam a lei e condições e exortações endurecem o
evangelho, o crente, muitas vezes, se descobre num estado deplorável. Como já
vimos, para os que conhecem o próprio coração, a pregação que tenta abrandar a
lei, por meio da asseveração de que Deus olha para o coração, os atinge como
má notícia, não boas-novas: “Enganoso é o coração, mais do que todas as
coisas” (Jr 17.9). Muitos cristãos têm experimentado uma confusão de lei e
evangelho em seu sustento, na qual o evangelho era livre e incondicional quando
se tomaram cristãos, mas agora foi empurrado para o fundo para dar lugar a uma
ênfase quase exclusiva em exortações. Novamente, não estamos dizendo que as
exortações não tenham o seu lugar, mas elas nunca devem ser confundidas com o
evangelho; e o evangelho do perdão divino é tão importante para os ouvidos dos
crentes pecadores quanto para os não-crentes. Nós também não devemos aceitar
que os crentes irão progredir sempre depois do estágio em que tenham
necessidade de ouvir o evangelho, como se as boas-novas terminassem com a
conversão. Pois, como disse Calvino: “Somos parcialmente não crentes ao longo
de toda a nossa vida”. Precisamos ouvir constantemente a promessa de Deus
para contrabalançar as dúvidas e medos que são naturais em nós.
do pecado, ela acentua e confirma essa escravidão”, de modo que “há uma
absoluta antítese entre o poder e as provisões da lei e o poder e as provisões da
graça”.19
Outra forma de ajudar a demonstrar esse ponto é seguir a distinção entre o modo
indicativo e o modo imperativo. O indicativo nos diz aquilo que já é verdade a
nosso respeito, enquanto o imperativo se refere às obrigações que temos à luz
daquela verdade. Na maioria dos casos, a mudança do modo indicativo para o
imperativo é anunciada pela conjunção “portanto”. Em Romanos, capítulo 6, por
exemplo, le-mos que somos sepultados com Cristo no batismo e ressuscitados
com ele para uma nova vida. Não somos ordenados a morrer, a “entregar tudo a
Deus” a “entregar tudo diante do altar”, ou a conquistar a vitória. Apenas somos
informados de que Deus já nos enterrou com Cristo e nos ressuscitou em
novidade de vida. Ele nos deu um coração novo e colocou dentro de nós o seu
Espírito, cumprindo as expectativas proféticas. Assim, na segunda metade do
capítulo 6, nos é dito para apresentar nosso corpo a Deus em serviço santo. O
imperativo se segue ao indicativo em vez de levar a ele.
A não ser que nossa confiança nessa novidade de vida que já nos foi assegurada
nos leve outra vez à autoconfiança ou ao triunfalismo, Paulo prossegue, no
capítulo 7 de Romanos, descrevendo a verdade do pecado interior e a luta
constante que é a santificação. Nas Escrituras, não é a ausência da luta contra o
pecado, mas é a presença dessa luta contra o pecado que se toma a marca
característica e a evidência da santificação. Quando as pessoas concluem que,
provavelmente, não são verdadeiramente convertidas porque ainda lutam contra
o pecado residente, elas estão, de fato, confirmando seu chamado! Não é o não-
regenerado que luta contra sua pecaminosidade (ICo 2.14), mas o crente, como
observa Paulo. Ele ama a lei de Deus e se submete ao seu conselho,
mas descobre outro fator trabalhando em sua vida: o pecado residente. É
essa batalha que garante santificação progressiva em vez de imediata.
Paulo expressa uma profunda insatisfação com sua santificação, sua alma
é novamente restaurada quando levanta seu olhar de si mesmo e o focaliza em
Cristo (Rm 7.24,25).
Isso, sem dúvida, não é nada mais, nada menos que a linha central do
evangelicalismo tem, historicamente, afirmado. Praticamente todos os
pronunciamentos de fé importantes dentro do Protestantismo dizem exatamente
a mesma coisa. No Breve Catecismo de Westminster, por exemplo, a questão 86
é: “O que é fé em Jesus Cristo?” E a resposta: “Fé em Jesus Cristo é uma graça
salvadora, pela qual o recebemos e confiamos só nele para a salvação, como ele
nos é oferecido no evangelho” (grifo nosso). A questão 87 segue definindo
arrependimento para a vida como “uma graça salvadora, pela qual o pecador,
tendo uma verdadeira
Caro John,
Sou solidário com sua postura sobre o senhorio de Cristo. Você está certo
quando ensina que o evangelho chama pecadores ao arrependimento e clama à
obediência a Cristo como Senhor. Seu senhorio é tão crucial para a mensagem do
evangelho quanto sua divindade. De fato, como você demonstrou, sua divindade
e seu senhorio são tão inextricavelmente ligados que um Cristo que não é Senhor
de tudo não é o Cristo que salva. A noção moderna de que o pecador
pode rejeitar a Cristo como Senhor, mas pode recebê-lo como Salvador, é
estranha a todos os credos históricos. No meu entendimento, toda mensagem que
exclua o senhorio de Cristo não é, de modo nenhum, evangelho.
espero, considere útil, não ofensiva: observo que você apresenta a obediência
cristã como um dever. Você sempre cita passagens que falam do cristão como
um escravo, como se isso significasse que somos escravos abjetos de Cristo. Sua
ênfase é colocada na autoridade do Senhor para exigir obediência. E, portanto,
você fala de obediência como uma obrigação à qual o crente está amarrado.
Percebo uma ênfase diferente nas Escrituras. A fé trabalha por meio do amor (G1
5.6). O cristão obedece a Cristo em razão de seu amor por ele. Obediência, para
o cristão, não é tanto um dever quanto um prazer. Os crentes obedecem porque
nisso encontram sua satisfação, não porque são obrigados a fazê-lo.
Obedecemos por amor a Cristo, não por medo ou por obrigação. Creio que essa
perspectiva é essencial para uma vida cristã cheia de alegria. E faz toda a
diferença entre legalismo e verdadeiro Cristianismo.
em algo opcional. Cristo ainda é nosso Mestre, e nosso relacionamento com ele
acarreta uma grande responsabilidade. Devemos servi-lo como servos devotados
e amorosos. “Escravos abjetos”, provavelmente, não é um termo tão forte.
Qual de vós, tendo um servo ocupado na lavoura ou em guardar o gado, lhe dirá
quando ele voltar do campo: Vem já e põe-te à mesa? E que, antes, não lhe diga:
Prepara-me a ceia, cinge-te e serve-me, enquanto eu como e bebo; depois,
comerás tu e beberás? Porventura, terá de agradecer ao servo porque este fez o
que lhe havia ordenado? Assim também vós, depois de haverdes feito quanto vos
foi ordenado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos apenas o que
devíamos fazer (Lc 17.7-10).
Mas isso é apenas metade do quadro. O Senhor também nos chama para a
obediência do amor: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos” (Jo
14.15). E ele elevou aqueles que obedeciam à condição de amigos:
Vós sois meus amigos, se fazeis o que eu vos mando. Já não vos chamo servos,
porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas tenho-vos chamado amigos,
porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho dado a conhecer (Jo 15.14,15).
Obviamente nosso Senhor encarava nosso amor por ele e nosso dever para com
ele como motivos para a obediência, que estão inextricá-vel e necessariamente
ligados: “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me
ama” (Jo 14.21). “Se guardares os meus mandamentos, permanecereis no meu
amor; assim como também eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai e no
seu amor permaneço” (Jo 15.10).
Sem dúvida, porque ainda somos criaturas carnais, nossa obediência nem sempre
é prazerosa. E assim devemos compreender que, mesmo quando nosso coração
não está transbordando de alegria pelo Senhor, a obediência continua sendo um
dever. Devemos obedecer quando isso nos traz prazer, mas também devemos
obedecer quando não sentimos vontade de fazê-lo. Tanto nosso amor pelo
Senhor, quanto nosso senso de dever para com ele devem motivar nossa
obediência. Um não deveria nunca eliminar o outro.
Temo que a igreja, em nossa geração, esteja perdendo de vista o papel do dever
na vida cristã. Multidões consideram o “dever” como algo completamente
estranho ao Cristianismo. A obediência aos mandamentos de Cristo é
considerada opcional. Se ousar sugerir que a obediência é obrigatória, você será
acusado de legalista.
“Não estamos sob a lei, mas sob a graça” tem se tomado o lema do Cristianismo
moderno. Mas muitos dos que apregoam essa frase hoje em dia querem dizer
algo dramaticamente diferente daquilo que o apóstolo Paulo intentou dizer em
Romanos 6.14 quando escreveu: “pois não estais debaixo da lei, e sim da graça”.
Em que sentido estamos livres da lei quando nos encontramos sob a graça?
A frase “sob a lei” ocorre pelo menos dez vezes nas epístolas de Paulo e,
portanto, sabemos que esse é um conceito importante em sua teologia. Em
Gálatas 3.23, por exemplo, ele escreve: “Mas, antes que viesse a fé, estávamos
sob a tutela da lei”. No entanto, em Gálatas 5.18 ele afirma: “...se sois guiados
pelo Espírito, não estais sob a lei” (grifos nossos).
Com freqüência, ouço cristãos recitando a frase: “Não sob a lei, mas sob a
graça”, como se isso significasse que nenhum padrão de lei,
qualquer que seja ele, será obrigatório para os cristãos. A graça é vista como uma
vasta permissibilidade, em contraste com o padrão moral intransigente da lei.
Certo homem escreveu:
De acordo com Paulo, não estou sob a lei. Isso tem conseqüências práticas
radicais para a minha vida cristã. Significa que não preciso me preocupar com a
lei e julgar a minha vida por ela. A lei tinha um padrão negativo. Estava cheia de
proibições e punições. A graça é o oposto. Está cheia de estímulos positivos e
promessas. Qual deles você preferiria ter como regra de vida? Eu vivo sob a
graça, não sob a lei. E isso significa que todas as vezes que a lei traz sua
mensagem negativa - quando ela diz: não farás - isto não se aplica a mim.
A noção de que nenhuma lei é obrigatória para o cristão é uma forma clássica de
antinomianismo. Esse tipo de concepção coloca a graça contra a lei, como se as
duas fossem antitéticas. E há algumas terríveis conseqüências teológicas.
mais que simples perdão, a graça também garante a nossa obediência, confere a
nós um verdadeiro amor a Deus e transforma nossa vida em todos os sentidos.
Portanto, o padrão moral estabelecido pela lei não muda quando estamos sob a
graça. De fato, isso não seria possível; a lei é um reflexo do caráter de Deus.
Mas a graça divina, na verdade, nos capacita a cumprir as exigências da lei
moral de uma forma que a lei sozinha nunca poderia fazer.
O que exatamente o apóstolo Paulo quer dizer quando afirma que não estamos
sob a lei? Há dois sentidos segundo os quais as Escrituras claramente nos
ensinam que não estamos sob a lei:
A epístola de Paulo aos Gálatas apresenta várias vezes a expressão “sob a lei”
(3.23; 4.4,5-21; 5.18). Paulo escreveu essa epístola para defrontar a influência
dos judaizantes, legalistas judeus que estavam tentando impor as cerimônias e
rituais da lei mosaica sobre todos os cristãos. De acordo com os judaizantes, para
se tomar um verdadeiro cristão o gentio deveria se tomar primeiro um prosélito
judeu.
Pelo que, julgo eu, não devemos perturbar aqueles que, dentre os gentios, se
convertem a Deus, mas escrever-lhes que se abstenham das contaminações dos
ídolos, bem como das relações sexuais ilícitas, da came de animais sufocados e
do sangue (vs. 19,20).
Isso significou que as exigências cerimoniais da lei mosaica não deveriam ser
impostas sobre a igreja. A circuncisão não poderia ser exigida dos gentios. A
obediência estrita às leis relativas à dieta não deveria ser prescrita. No entanto,
para não ofender os irmãos judeus, os gentios foram solicitados a se abster das
práticas dietéticas mais ofensivas: comer as carnes oferecidas aos ídolos ou de
animais sufocados e do sangue. Ainda que essas restrições não tivessem sido
impostas como questões obrigatórias de necessidade legal, elas eram requeridas
dos gentios apenas como uma questão de boa vontade para com seus irmãos
judeus.
Como sabemos que a proibição de comer certos alimentos não tinha a intenção
de se tornar um padrão permanente para a igreja para sempre? Como Paulo
escreveu a Timóteo: “ ... tudo que Deus criou é bom, e, recebido com ações de
graças, nada é recusável” (lTm 4.4). Mas essas medidas foram estabelecidas pelo
Concilio de Jerusalém na igreja primitiva como uma questão de boa vontade e
respeito para com os muitos crentes judeus que viam tais práticas como
inerentemente pagãs. O apóstolo Paulo resume esse princípio de liberdade e
deferência:
si mesma impura, salvo para aquele que assim a considera; para esse é impura.
Se, por causa de comida, o teu irmão se entristece, já não andas segundo o amor
fraternal (Rm 14.14,15).
A resposta está na compreensão das religiões pagãs das quais tinham vindo
muitos gentios convertidos. A prática de relações sexuais de caráter cerimonial
era comum. Muitos dos santuários pagãos davam destaque a prostitutas cultuais
com as quais os atos sexuais eram considerados como experiências religiosas.
Portanto, quando proibiu “contaminação dos ídolos e... relações sexuais ilícitas”,
o Concilio estava proibindo a observância de cerimônias religiosas pagãs. E
quando pedia a “abstinência de animais sufocados e do sangue”, estava
solicitando aos gentios que tivessem respeito pelos escrúpulos profúndamente
enraizados de seus irmãos judeus, que eram resultado de uma
obediência perpétua às cerimônias mosaicas.
Por que tanto Paulo quanto o escritor de Hebreus consideraram a doutrina dos
judaizantes um erro tão sério? Porque retrocedendo aos tipos e sombras da velha
aliança essas pessoas eram culpadas de substituir a verdade absolutamente
importante de um Salvador vivo por símbolos ultrapassados que apenas
apontavam para ele. Sua vinculação com aqueles agora irrelevantes símbolos
religiosos, necessariamente, os inseria num sistema de obras. Voltar para a velha
aliança seria uma rejeição real de Cristo a favor de tipos e símbolos obsoletos.
Quando, porém, Cefas veio a Antioquia, resisti-lhe face a face, porque se tomara
repreensível. Com efeito, antes de chegarem alguns da parte de Tiago, comia
com os gentios; quando, porém, chegaram, afastou-se e, por fim, veio a apartar-
se, temendo os da circuncisão. E também os demais judeus dissimularam com
ele, a ponto de o próprio Barnabé ter-se deixado levar pela dissimulação deles.
Quando, porém, vi que não procediam corretamente segundo a verdade
do evangelho, disse a Cefas, na presença de todos: se, sendo tu judeu, vives
como gentio e não como judeu, por que obrigas os gentios a viverem como
judeus?
O tema em debate, nesse caso, não era mais a questão de respeito para com os
irmãos judeus, mas toda a doutrina de justificação pela fé. Aparentemente,
mesmo depois de o Concilio de Jerusalém já ter pronunciado sua decisão, os
judaizantes, no entanto, voltaram a exigir a circuncisão de todos os gentios
convertidos. Eles estavam, na realidade,
“Sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras da lei, e sim
mediante a fé em Cristo Jesus, também temos crido em Cristo Jesus, para que
fôssemos justificados pela fé em Cristo e não por obras da lei, pois, por obras da
lei, ninguém será justificado” (G1 2.16).
Quando Deus justifica um pecador, ele olha para a pessoa e diz: “Eu aceito essa
pessoa como perfeitamente justificada”. E um veredicto divino de “não
culpado”, e mais que isso, ele eleva o pecador da condenação que merece para
uma posição de privilégio divino em Cristo.
nossa ficha pudesse ser completamente limpa, tudo o que teríamos seria uma
ficha em branco. Porém, para sermos aceitáveis a Deus, nos é exigido ter todo o
mérito que se alcança mediante a perfeita obediência à sua lei. Perdão para os
nossos pecados não é suficiente. Nós ainda precisamos do mérito de uma justiça
absolutamente perfeita (Mt 5.20,48).
Todavia, houve pessoas no tempo de Paulo que pensavam que, se elas pudessem
ser tão boas, tanto quanto fosse possível, elas poderiam conseguir mérito
suficiente para agradar a Deus. Essa era a atitude por detrás da insistência dos
judaizantes em relação à observação das leis cerimoniais. Eles estavam tentando
justificar a si mesmos diante de Deus por meio das suas obras.
Jesus ensinou tão claro quanto possível que Deus não se agradaria a não ser com
a justiça absoluta e perfeita. Ele ensinou que não é suficiente evitar matar
alguém, devemos também evitar o pecado do ódio (v. 22). Ele ensinou que se
adulterarmos em nosso coração, isso seria o mesmo que cometer adultério (v.
28). Ele estabeleceu o padrão mais alto possível e então afirmou que, se não
alcançássemos esse padrão perfeito, não poderíamos entrar no reino de Deus. E,
assim, condenou todos nós.
O apóstolo Tiago destruiu todo vestígio de esperança que ainda pudéssemos ter
de ser justificados pela lei quando escreveu: “Pois qualquer que guarda toda a
lei, mas tropeça em um só ponto, se toma culpado de todos” (Tg 2.10).
O que devemos concluir? Que não podemos ser justificados pelas obras da lei. É
absolutamente impossível. O apóstolo Paulo reafirma a mesma verdade muitas
vezes:
... vós não pudestes ser justificados pela lei de Moisés (At 13.39).
Ora, sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz para que se
cale toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus, visto que ninguém
será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o
pleno conhecimento do pecado (Rm 3.19,20).
Todos quantos, pois, são das obras da lei estão debaixo de maldição; porque está
escrito: Maldito todo aquele que não permanece em todas as coisas escritas no
Livro da lei, para praticá-las... ninguém é justificado diante de Deus (G1
3.10,11).
Paulo não poderia declarar essa verdade de modo mais claro do que o fez.
Cometer o erro fatal de pensar que podemos ser justificados sendo
suficientemente bons para nos fazermos aceitáveis diante de Deus é nos
colocarmos sob a condenação da lei.
Quando Paulo falou sobre aqueles que estavam “sob a lei”, ele estava falando de
pessoas que pensavam que poderiam ser justificadas pela obediência à lei. Duas
expressões paralelas em Gálatas tomam isso extremamente claro. Uma é em
Gálatas 4.21: “Dizei-me vás; os que quereis estar sob a lev. acaso, não ouvis a
lei?” (grifo nosso). Se tivessem ouvido a lei em si mesma, teriam ouvido que ela
estabelece condições impossíveis para a justificação. Para pecadores, a lei
poderia ser um meio de condenação, mas nunca de justificação.
Portanto, estar “sob a lei” na terminologia de Paulo é estar sob a lei como um
meio de justificação. É essencial compreender como Paulo usa essa expressão.
Quando ele diz, em Romanos 6, que não estamos sob a lei, mas sob a graça, ele
não está descartando os ensinamentos morais da lei. Ele não está dando
credenciais a nenhum tipo de doutrina antinomianista. Não está minimizando o
pecado de desobediência aos ensinos morais da lei. Não está desprezando a lei
em si mesma. Na verdade, em Romanos 7.12, ele afirma: “a lei é santa; e o
mandamento, santo, e justo, e bom”.
O ensino consistente de Paulo em relação à lei é que ela nunca pode ser um meio
de justificação. E quando ele diz que “não estamos sob a lei” ele quer dizer que
não baseamos nossa justificação em nossa obediência pessoal.
Não estamos mais tentando nos justificar pela obediência à lei. Somos
justificados pela graça por meio da fé, não pelas obras da lei (G1 2.16). E,
portanto, não estamos mais sob a condenação da lei.
Como então podemos ser justificados? Como Deus pode declarar pecadores
culpados como justos sem diminuir ou comprometer seus padrões de justiça?
A resposta pode ser encontrada na obra de Cristo a nosso favor. Em Gálatas 4.4,
o apóstolo afirma que Jesus Cristo nasceu “sob a lei”. Obviamente isso não
significa meramente que Jesus nasceu judeu. Significa que ele estava sob a lei no
sentido paulino, obrigado a cumprir a lei perfeitamente como um sentido de
justificação.
Já dissemos que a lei não pode ser um meio de justificação para pecadores. Mas
Cristo não era pecador. Ele viveu impecavelmente “sob a lei”. Hebreus 4.15 nos
diz que ele foi “tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem
pecado”. Ele cumpriu a lei perfeitamente nos mínimos detalhes. Em 1 Pedro
2.22, lemos: “o qual não cometeu pecado, nem dolo algum se achou em sua
boca”. Novamente Hebreus 7.26 nos diz que ele é “inculpável, sem mácula,
separado dos pecadores e feito mais alto do que os céus”. Assim, sua obediência
impecável à lei obteve o perfeito mérito que é necessário para agradar a Deus.
Se Cristo era perfeitamente sem pecado, então ele não merecia morrer. Ele
estaria sujeito à maldição da lei, se tivesse violado um só mandamento, mas,
obviamente, ele não o fez - ele não poderia fazê-lo, pois era Deus. Ele cumpriu
todos os aspectos da lei em seus mínimos detalhes.
Todavia, ele morreu. Mais do que isso, ele sofreu a ira total de Deus sobre a
cruz. Por quê? As Escrituras nos dizem que a culpa de nossos pecados foi
imputada a ele, e Cristo pagou o preço por ela. Por conseguinte, o mérito de sua
perfeita obediência também pode ser imputado a nosso crédito. Esse é o
significado de 2 Coríntios 5.21: “Aquele que não conheceu pecado, ele o fez
pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus”.
Sua morte se encarrega da nossa culpa, e sua vida perfeita nos supre de todo o
mérito de que necessitamos para ser aceitáveis a Deus. Desse modo, Deus supera
os dois grandes obstáculos para a nossa justificação. E como Paulo escreve em
Romanos 3.26, essa é a maneira que Deus pode permanecer justo e justificar
aqueles que crêem em Jesus. Cristo pagou pessoalmente a penalidade pelos
pecados e obteve pessoalmente uma perfeita justiça a favor dos pecadores.
Assim, ele pode justificar o ímpio (Rm 4.5).
ensinam que Abraão foi justificado por uma justiça que lhe foi atribuída. Seja
qual for a ocasião, todo e qualquer pecador redimido nas Escrituras o é por uma
justiça atribuída a ele, não por uma justiça que tenha sido conquistada de alguma
forma ou ganha pelo pecador para a própria redenção.
Essa é a razão pela qual nossa obediência não pode nunca ser suficientemente
boa. Essa também é a razão pela qual os que apoiam a esperança do céu em suas
boas obras, na realidade, apenas condenam a si mesmos.
Quão mortal é o legalismo?
Tudo isso deveria deixar muito claro que o legalismo condenado por Paulo como
“outro evangelho” é um tipo de legalismo que procura estabelecer a nossa
justificação na obediência pessoal, em vez de colocá-la na justiça que nos é
atribuída de Cristo. Quão mortal é esse legalismo?
O apóstolo Paulo sugere que essa foi precisamente a causa que determinou a
rejeição a Cristo por parte da maioria em Israel: “Porquanto, desconhecendo a
justiça de Deus e procurando estabelecer a sua própria, não se sujeitaram à que
vem de Deus” (Rm 10.3).
Afastando-se da perfeita justiça de Cristo (que seria atribuída a eles pela fé),
optaram, ao contrário, pela própria justiça imperfeita. Er-radamente assumiram,
como fazem muitas pessoas hoje, que o melhor que podiam fazer seria
suficientemente bom para Deus.
Para o próprio Paulo, essa verdade tinha profundas implicações pessoais. Ele
havia lutado durante toda a vida como um fariseu legalista tentando estabelecer a
própria justiça pela lei. Ele descreve seus esforços em Filipenses 3.4-8:
Bem que eu poderia confiar também na came. Se qualquer outro pensa que pode
confiar na came, eu ainda mais: circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de
Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; quanto à lei, fariseu, quanto ao
zelo, perseguidor da igreja; quanto à justiça que há na lei, irrepreensível. Mas o
que, para mim, era lucro, isto considerei perda por causa de Cristo. Sim, deveras,
considero tudo como perda, por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo
Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como
refugo, para ganhar a Cristo.
Por que era tão importante para Paulo a rejeição de toda a sua justiça? Por que
ele reputava como refugo toda uma vida de boas obras? Porque ele sabia que
tudo isso era imperfeito. E sabia que, em Cristo, ele seria o recipiente de uma
justiça perfeita. Atente para o versículo 9: "... e ser achado nele, não tendo
justiça própria, que procede de lei, senão a que é mediante a fé em Cristo, a
justiça que procede de Deus, baseada na fé”.
Toda a justiça, a não ser a justiça de Cristo atribuída a nós, é mero legalismo. É
incapaz de salvar alguém. Mais do que isso, é uma afronta a Deus - como se
pudéssemos oferecer a ele trapos sujos e esperar que ele nos aplaudisse por isso.
Esse tipo de legalismo é espiritualmente fatal.
Biblicamente, não existe base para esse pensamento. Como cristãos, ainda
somos obrigados a obedecer a Deus, embora saibamos que nossa obediência não
oferece base para a nossa justificação. Essa é, precisamente, a razão por que
nossa obediência deveria ser motivada em primeiro lugar pela gratidão e amor
pelo Senhor. Estamos livres da ameaça da condenação eterna (Rm 8.1). Estamos
livres da lei do pecado e da morte (v. 2) e capacitados pela graça de Deus para
tanto desejar quanto realizar seu bom propósito (Fp 2.13). Temos todas as razões
para obedecer alegremente - e nenhum verdadeiro cristão nunca pensará
em obediência como algo opcional.
Não estamos sob a lei, mas sob a graça. Entretanto, longe de ser um manifesto a
favor do antinomianismo, ou uma autorização para um comportamento
licencioso, essa importante verdade nos ensina que tanto nossa justificação
quanto nossa obediência devem estar corretamente fundamentadas em Cristo e
naquilo que ele fez por nós, e não em nós mesmos e naquilo que possamos fazer
para Deus.
A doutrina da justificação pela fé, portanto, provê o mais alto e puro incentivo
para a obediência cristã. Como Paulo escreveu em Romanos, as misericórdias
que Deus nos dispensa em nossa justificação oferecem todas as razões de que
necessitamos para nos submeter a ele como sacrifícios vivos (Rm 12.1).
Libertados das penalidades da lei
Não, obediência não é uma questão de legalismo como muitos em nossa época
libertina gostariam que acreditássemos, ela é uma questão de amor - amando a
Deus como ele nos ordena fazer, cumprindo seus mandamentos - e nós fazemos
isso porque o amamos.
Parece que, na era moderna, as definições claras sobre fé salvadora são poucas e
raras. E definições claras concernentes à relação correta entre a fé dada por Deus
e a obediência humana estão menos disponíveis ainda. De um lado, os
evangélicos modernos, ao insistirem corretamente que fé e obediência não são a
mesma coisa, colocam fé e obras uma contra a outra transformando-as
praticamente em sinônimos. Nessa abordagem não é feita nenhuma distinção
relevante entre fé e obediência. De outro lado, um grande número de professores
modernos tem argumentado que, pelo menos em princípio, fé e obediência não
têm nenhuma relação necessária ou intrínseca, portanto, são praticamente
exclusivas. Nesse modelo, o qual em geral resulta em práticas aberrantes, o povo
crê
Talvez a ligação mais direta entre fé e obediência nos escritos de Paulo possa ser
encontrada nas seguintes palavras familiares:
Já dissemos que essa frase ocorre novamente no final dessa carta aos Romanos
16.25-27:
Ora, àquele que é poderoso para vos confirmar segundo o meu evangelho e a
pregação de Jesus Cristo, conforme a revelação do mistério guardado em
silêncio nos tempos eternos, e que, agora, se tomou manifesto e foi dado a
conhecer por meio das Escrituras proféticas, segundo o mandamento do Deus
eterno, para a obediência por fé, entre todas as nações, ao Deus único e sábio
seja dada glória, por meio de Jesus Cristo, pelos séculos dos séculos. Amém!
Primeiro, essa frase poderia ser interpretada como se referindo à obediência que
a fé produz, ou que é resultante da fé. Aqui, a palavra fé é um substantivo no
caso genitivo. Esse é o caso da definição, da fonte ou da descrição. Os
especialistas em gramática grega concordam que isso, geralmente, faz um
substantivo ter função adjetivada. Nesse caso, os comentaristas discordam se a
palavra “fé” (no caso genitivo) tem função subjetiva ou objetiva.
Argumentos a favor do genitivo objetivo, nesse caso, não são tão fortes quanto
os favoráveis ao subjetivo. O ponto de vista subjetivo argumenta que Paulo tem
em mente tanto a “obediência que é produzida pela fé” como a “obediência que é
exigida pela fé”. A real intenção dessas duas opções é que a obediência encontra
sua verdadeira fonte na fé. Embora seja verdadeiro, isso não abrange o sentido
total da frase.
A verdade quanto à questão exegética, nesse caso, como Douglas Moo apresenta
com propriedade, é que: “O genitivo pisteos é difícil de ser estabelecido”.3 Se a
fé em questão aqui é subjetiva, então ela poderia ser traduzida por “a obediência
que procede da fé”. Essa interpretação é sustentada por um grande número de
comentaristas importantes. William Hendriksen é um exemplo dos que adotam
essa posição:
O propósito para o qual Paulo foi designado foi produzir obediência da fé. Tal
obediência é baseada na fé e procede da fé. De fato, fé e obediência estão tão
intimamente relacionadas que podem ser comparadas a gêmeos idênticos e
inseparáveis. Uma pessoa não pode ter fé genuína sem obediência, e vice-versa.4
Quanto a esse significado de fé, o apoio pode ser encontrado em vários textos
em que obediência e fé, na verdade, ocorrem juntas nessa epístola.
Romanos 1.8 e 16.19 são um importante par de passagens que ilustram esse
ponto. Em Romanos 1.8 Paulo escreve: “Primeiramente, dou graças a meu Deus,
mediante Jesus Cristo, no tocante a todos vós, porque, em todo o mundo, é
proclamada a vossa fé”. No texto paralelo de Romanos 16.19, ele diz: “Pois a
vossa obediência é conhecida por todos; por isso, me alegro a vosso respeito...”.
Aqui, a fé dos crentes romanos, a qual é amplamente reconhecida, é equiparada à
obediência deles, que é igualmente reconhecida. Paralelos semelhantes podem
ser encontrados em Romanos 10.16a e 10.16b, assim como em 11.23
com 11.30,31.
Além disso, Paulo fala claramente de “obedecer” ao evangelho. Foi isso que
levou João Calvino a afirmar corretamente que: “Fé é exatamente o meio pelo
qual obedecemos ao evangelho”.9
O evangelho reforma aqueles que nele crêem; mas estaríamos apresentando uma
visão imperfeita do assunto se disséssemos que ele foi dado para reformar o
mundo. Ele foi dado para que as pessoas pudessem crer e ser salvas. Portanto, a
obediência aqui referida significa submissão à doutrina do evangelho.12
Tudo isso aponta para a tragédia de grande parte da pregação moderna. Com
freqüência ouvimos a fé sendo oferecida às pessoas como algo que é (em nossa
opinião), bom para elas. Ela trará felicidade e paz à vida delas. Assim, pensamos
que devemos encorajá-las a crer embora tenham completa liberdade para dizer
“não!” Demonstramos essa falsa noção quando fazemos pronunciamentos tolos
como: “O Espírito Santo é um cavalheiro, ele não o forçará a crer no
evangelho!” Ou “Cristo bate pacientemente à porta de seu coração, mas não
entrará a não ser que você abra a porta. Ele respeita a sua escolha a ponto de não
fazer mais do que bater, portanto você deve tomar a iniciativa seguinte!” Tudo
isso le-
vou James M. Boice a observar que com tal estrutura “o pecado se toma um
pouco mais que más escolhas, e fé significa simplesmente começar a ver mais
claramente as questões”.13
Ora, não levou Deus em conta os tempos da ignorância; agora, porém, notifica
aos homens que todos, em toda parte, se arrependam; porquanto estabeleceu um
dia em que há de julgar o mundo com justiça, por meio de um varão que
destinou e acreditou diante de todos, ressuscitando-o dentre os mortos (At
17.30,31).
Paulo não está dizendo que fé, mais “observar a lei” (isto é, as obras da lei) (cf.
G1 2.16; 3.2, etc.), justifica o pecador diante de Deus. Nem o cumprimento de
rituais ou cerimônias, mesmo os rituais ordenados por Deus (isto é, o batismo e a
Ceia do Senhor), nem a guarda pactuai da própria lei podem levar alguém a um
relacionamento com Deus ou manter alguém nesse relacionamento.
Mas Paulo não está afirmando que se pode crer sem obedecer, ou que a
necessidade de fidelidade ao Deus do pacto é, de alguma forma, opcional. Paulo
chamou homens e mulheres a uma fé em Jesus Cristo que era concebida como
inseparavelmente ligada à obediência a Deus e à aliança. O Salvador ao qual os
adoradores crentes se aproximam é o Senhor Jesus Cristo. Os mestres do assim
chamado “não senhorio” são propensos a sugerir que vamos a Jesus como Deus
(isto é, divindade) e que isso não tem nenhuma relação com nossa submissão a
ele como nosso Senhor (em termos da resolução e do compromisso de segui-lo).
Na verdade, essa explicação exige um debate, porque se alguém vem a Jesus
como Deus, então essa pessoa deve verdadeiramente responder a Jesus, em fé,
como Deus Iahweh. Fazer isso, obviamente, implica que ela se submeta.
Nós só podemos ir a Cristo por meio da fé, não “por aquilo que nossas mãos
culpadas fizeram”. Mas a fé com a qual nos achegamos está claramente unida à
obediência que Deus confere àqueles que vêm crendo. Além disso, nós só
podemos obedecer a Jesus como Senhor, dia após dia, quando nos entregamos
continuamente a ele em fé. Moo complementa:
Encarada por essa óptica, a frase [“a obediência por fé”] capta a completa
dimensão da tarefa apostólica de Paulo, uma tarefa que não estava confinada à
evangelização inicial, mas que também incluía a edificação e o firme
estabelecimento de igrejas.16
... de longo alcance. Pois a fé que o apostolado tencionava promover não era um
ato evanescente de emoção, mas um compromisso de devoção sincera e convicta
a Cristo e à verdade de seu evangelho. E para essa fé que todas as nações são
chamadas.19
Com efeito, tudo isso é uma maneira de dizer que “a obediência que consiste em
fé não pode ser abstraída da obediência exigida pelo evangelho”.20
A frase “a obediência por fé”, afinal, parece muito ambígua. Pelo menos não é
uma frase simples. Isso deveria levar os exegetas a serem cautelosos. Parece que
é possível apresentar razões para ambos os sentidos: “a obediência que consiste
em fé” e “a obediência que é o produto da fé”.
Em última análise, isso significa que muitas das opiniões sobre esse texto são
muito restritivas. Por conseqüência, uma tradução como “obediência por fé” (ou
“obediência crente”) parece melhor para preservar a ambigüidade erudita de
Paulo. Essa tradução, na verdade, preserva a ambigüidade e honra o modo pelo
qual Paulo relaciona fé e obediência ao longo da epístola.
Fé, ao longo de todas as cartas de Paulo, tem início tanto na ação de escutar o
evangelho quanto confiar no prometido a todos os que crêem. Mas a fé nunca
termina aí. A fé é dinâmica e viva. Ela sempre leva o crente a uma união viva
com Cristo Jesus que é Senhor. “A palavra [fé] implica a resposta de total
submissão pessoal do crente ao Senhor ressurreto.” Esse “fator de compromisso”
demonstra que a preocupação principal de Paulo em relação aos crentes de Roma
era a perseverança deles na verdadeira fé.21
... embora a frase “a obediência por fé” ocorra apenas duas vezes (ou apenas
uma) em toda a literatura paulina, ela compreende o início, o meio e o fim da
pregação de Paulo. Observada dentro do contexto de seu esforço missionário, “a
obediência por fé” é uma forma sucinta de trazer à memória a necessidade de fé
inicial, fé perseverante, e a fé que justifica no último julgamento. Nessa
perspectiva, [“a obediência por fé”] forma o complemento de “a justiça de Deus”
como revelada [“de fé em fé”] (Rm 1.17). Em resumo, “a obediência por fé”
concentra, em uma pequena seqüência de palavras, a essência do evangelho de
salvação de Paulo para o mundo.23
Em Romanos, Paulo está demonstrando como os gentios, que não têm a lei e as
alianças, realmente chegaram a um relacionamento pactuai com o Deus de Israel
crendo no evangelho, e assim foram integrados na obediência de um novo
homem (cf. Rm 5.12-21). Por intermédio da união com esse homem, aqueles que
crêem também entram num relacionamento vital com o próprio Deus. Essa união
resulta em fidelidade a Deus por meio da nova aliança. E essa fidelidade é
“obediência” ou, como tenho chamado por uma questão de clareza, “obediência
evangélica”.
se um crente pode ter certeza do perdão final. Posso ter certeza de que tenho a
“justificação de Deus”, de modo que eu poderia me apresentar absolvido de
todos os meus pecados, coberto pela perfeita justificação que Deus aceitará no
último dia?
Confiança?
Então, o que significam esses avisos para a segurança da fé? Creio que Paulo
responde apropriadamente essa questão quando escreve: “Todavia, não é assim o
dom gratuito como a ofensa; porque, se, pela ofensa de um só, morreram muitos,
muito mais a graça de Deus e o dom pela graça de um só homem, Jesus Cristo,
foram abundantes sobre muitos” (Rm 5.15). “O dom gratuito de Deus é a vida
eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 6.23). G. C. Berkouwer, em seu
clássico trabalho sobre perseverança (o qual pessoalmente sustentou minha alma
durante os dias que cercaram a morte de meu pai), coloca muito bem esse
relacionamento quando diz: “A fé conhece a precedência da graça de Deus e o
dom da perseverança que é idêntico ao ato de preservação de Deus, porque, pela
graça, a transição da morte para a vida é irreversível”.26 Essa é, afinal, a correta
abordagem para uma segurança bem firmada.
Mesmo quando o apóstolo exorta os crentes a examinar sua fé, o que ele faz
sinceramente (cf. 2Co 13.5), deve-se observar que ele os exorta para verificar se
estão se apegando à fé e não às obras. Esse apelo demonstra que não ganhamos
confiança levando em consideração as nossas obras. Recebemos e mantemos
uma forte confiança contemplando Cristo com a fé que essencialmente medita
em sua glória e seu trabalho completado. Nós nos lembramos de que ele, apesar
de tudo, está intercedendo por nós e levando em seu corpo as marcas de
nossa redenção.
Além disso, o método pastoral utilizado por Paulo a esse respeito é digno de
cuidadosa atenção. Paulo escreve: “não que tenhamos domí-
nio sobre a vossa fé, mas porque somos cooperadores de vossa alegria;
porquanto, pela fé, já estais firmados” (2Co 1.24). Muitos pastores modernos,
ao compreenderem passagens de advertência e a relação entre fé e obediência
como descrito supra, deixam de lutar pela alegria de seus ouvintes e, na verdade,
levam homens e mulheres a se apoiarem em algo diferente da fé.
Martinho Lutero
Mas e quanto à solafidel Deveríamos ainda falar de uma salvação que vem
totalmente pela graça e é apropriada unicamente pela fé? Ao longo deste
capítulo, temos visto uma relação positiva entre o que podemos denominar
apropriadamente de justificação e santificação. A salvação é uma iniciativa de
Deus, entretanto, a resposta a essa iniciativa em graça também é parte da obra
salvadora de Cristo. É isso o que Deus faz ao dar o seu Espírito àqueles a quem
ele, graciosamente, escolhe redimir. É o Espírito de vida que fortifica e capacita
o crente tanto a vir para a fé quanto a permanecer na fé. Uma concepção mais
trinitária de salvação protegeria nosso pensamento de inúmeras idéias falsas.
voltar para o Pai?” O que Lutero descobriu foi que a justiça de Deus, a qual o
homem deve possuir se deseja ser perdoado e aceito, não é fruto de esforços
humanos, mas nos é dada unicamente “pela fé do começo ao fim” (cf. Rm 1.17).
A salvação de Lutero e sua plena libertação vieram da compreensão de que a
graça não procede do esforço e da luta humana - apesar dos sacramentos e da
vida eclesiástica - mas somente pela fé. Ele entendeu receber a graça como
crença verdadeira nas promessas oferecidas aos pecadores no evangelho.27
Enquanto a sola fide for compreendida nesse contexto, o que não tem sido o
caso mesmo do lado protestante do debate, ela é uma afirmação adequada e
válida.28 Entretanto, quando a justificação não é considerada no contexto mais
amplo do Novo Testamento, inevitavelmente aparecem problemas porque não
damos a devida atenção ao ensino da própria Bíblia. Permitam-me explicar.
Cristo, a justiça de Deus “comunicada aos cristãos não é senão a contínua justiça
de Cristo, a contínua obediência do único homem justo, agora vivida nos cristãos
e constituindo a base de seu destino para a vida eterna”.31
A base para toda a vida do povo de Deus é a justiça dele - sua misericórdia
abrangente e salvadora, que resgata sua criação para si mesmo. Essa justiça foi
agora supremamente expressada em Cristo. Mas à medida que os homens são
alcançados por ela, “justificados” e feitos aceitáveis diante de Deus, eles também
são marcados com a imagem de seu justo Salvador, e chamados a viver em
imitação a ele como seu povo.32
Por tudo isso, devo pleitear uma aplicação mais equilibrada das conclusões a que
chegamos neste capítulo. Devemos sempre afirmar e reafirmar, por causa de
nossa propensão à confusão a esse respeito, que não há, absolutamente,
nenhuma possibilidade de uma “justiça pelas obras” (cf. Rm 5.15-17; 6.23).
Nesse sentido, a sola fide é apropriadamente defendida e permanece até hoje
como “a edificação ou queda da verdadeira igreja” (Lutero). O caráter de dádiva
da justiça de Deus em Cristo exclui apenas toda conquista moral ou jactância
humanas. Não há nada que possamos trazer à obra reconciliadora de Deus em
Cristo, senão nossas vidas pecaminosas. Por essa razão, o modelo comum jus-
tificação/santificação, com sua ênfase no fato de que a salvação é totalmente de
Deus, ainda é útil.
Ordo salutis?
que “se esses outros atos são, de certa forma, anteriores à união com Cristo,
então essa união está impropriamente subordinada a eles, e sua importância
bíblica, severamente enfraquecida” (grifos do original).35
Conclusão
sobre elas de modo a que não vejam a iminente ira do Cordeiro. Muitos,
entretanto, aglomeram-se para ver Cristo, saudando-o não como um grande
mestre, mas como quem ele verdadeiramente é - o Senhor. Esses viveram em
alegre antecipação desse dia realizando admiráveis obras de ministério em nome
de Cristo. O Senhor Jesus vira-se para essa multidão de crentes com palavras que
ressoam pelos céus e pela terra: “Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os
que praticais a iniqüidade”
(Mt 7.23).
Essa cena do final dos tempos permanece como uma das mais importantes lições
que o Senhor ensinou aos seus discípulos. Apropriadamente, ela aparece no final
do Sermão do Monte, endereçada de forma especial àqueles que haviam
suportado suas duras palavras anteriores e que ainda estavam considerando a
possibilidade de segui-lo. Além dos muitos que serão perdidos, e sabem disso,
quando Cristo retomar haverá muitos perdidos que confiantemente se apressarão
para encontrar aquele que consideram como seu Senhor.
dade é muito mais assustadora do que a teoria. Esse aviso de Cristo não é sobre
apostasia. Ele não dirá: “Eu os conheci, mas vocês se desviaram”. Ao contrário,
ele dirá: “Nunca os conheci. Durante toda a vida de vocês nesta terra, em todo o
ministério feito em meu nome, eu nunca os conheci”. Cristo não adverte os que
conhecem o perigo de se afastar. Adverte seus discípulos a que verifiquem se são
realmente discípulos dele. Alguém pode operar feitos maravilhosos, e até mesmo
miraculosos em nome de Cristo, ter absoluta confiança de que está vivendo
num estado de graça salvadora, ser suficientemente confiante para saudar
a Cristo no dia do julgamento sem nunca ter tido uma relação viva com ele.
Este capítulo tem por objetivo se ocupar dos fundamentos teológicos por trás
dessa sóbria verdade. Há dois erros idênticos que abrem as portas para a falsa
segurança dos perdidos. O legalismo envolve as muitas maneiras pelas quais os
indivíduos crêem que as próprias ações morais são pelo menos uma parte da
base para a sua justificação diante de Deus. O legalismo é, provavelmente, o erro
de muitos no grupo mencionado no Sermão do Monte, pois eles rapidamente
relembram a Cristo os atos que fizeram em nome dele. Isso implica uma
confiança nesses atos ao se apresentarem diante do Senhor.
O erro oposto é chamado antinomianismo. Essa ideologia diz que a pessoa pode
estar em conformidade com Deus por meio de um tipo de fé que não transforma
a vida da pessoa e não produz boas obras. Esses indivíduos condenados são os
“obreiros da iniqüidade”, aqueles que vivem uma vida sem arrependimento.
das. Hoje, contudo, existe uma explosão sem precedentes desses erros entre
evangélicos professos. Apontar a natureza prevalecente desses erros é um dever
espinhoso. Examinaremos o excesso de termos para livrar aqueles que são
inocentemente acusados. Homens e mulheres que têm expulsado demônios e
feito muitas obras maravilhosas em nome de Cristo ainda serão encontrados
entre os que defendem um evangelho falsificado. Pessoalmente, tenho sido
abençoado pelos escritos e conferências dos que, hoje, defendem outro
evangelho, assim como estou certo de que os crentes no tempo de Paulo tinham
memórias agridoces do começo do ministério de Demas. Minha mais profunda
esperança é que Deus será glorificado e que sua misericórdia use este capítulo
para condenar e converter pessoas tanto famosas quanto desconhecidas, para que
juntos possamos nos regozijar naquele dia.
“Entrai pela porta estreita (larga é a porta, e espaçoso, o caminho que conduz
para a perdição, e são muitos os que entram por ela), porque estreita é a porta, e
apertado, o caminho que conduz para a vida, e são poucos os que acertam com
ela” (Mt 7.13,14). Nosso Senhor tem um dom especial para “discursos duros”.
Poucos têm sido tão devastadores e difíceis de aceitar como esse sobre quão
incomparável é, na verdade, o caminho para a vida.
Somente Jesus Cristo é o Salvador. Mas como Cristo salva? Se Cristo tivesse
sido meramente um bom professor, então muitas pistas poderiam ser encontradas
no caminho da vida. Fragmentos de seu ensino divino permanecem em outras
religiões e filosofias. Entretanto, o caminho estreito proclama que Cristo era o
único Deus-Homem inteiramente Deus e inteiramente homem. Ele veio para
morrer, para ser o sacrifício que desviaria a ira de Deus de certos pecadores.
Mas as Escrituras deixam muito claro que a redenção adquirida por Cristo deve
ser aplicada pelo seu Espírito na vida, no tempo e no espaço sobre esta terra. A
aplicação da redenção adquirida por Cristo é mais bem resumida na fórmula que
meu pai, Dr. John H. Gerstner, produziu tão sucintamente e está registrada em
seu Primer on Justification (hoje reunido a todos seus outros escritos num
volume que ele denominou Primitive Theology, publicado pela Soli Deo Gloria):
Fé -» Justificação + Obras
Uma pessoa pecadora é tomada justa aos olhos de Deus unicamente pela fé.
Passivamente, ela recebe a redenção confiando que Cristo comprou essa
redenção para ela. Mas a confiança em si mesma nasce apenas pela ação do
Espírito de Deus, que abre o coração para crer, e o novo coração, dado pelo
Espírito instantaneamente, nos leva adiante na busca por realização de obras de
gratidão, para trazer glória ao Senhor que nos redimiu.
esse caminho estão em grande perigo de afirmar a validade das estradas ao largo
da margem como, de fato, partes integrantes do caminho estreito.
A primeira pista da rota ampla que pretende ser parte do caminho estreito é o
legalismo. O legalismo deve ser muito cuidadosamente definido. O legalismo
ensina que a posição de retidão da pessoa diante de Deus e o recebimento da
vida eterna são adquiridos totalmente ou em parte pela observância à lei por
parte dessa pessoa. O homem ganha toda ou parte de sua redenção por meio dos
próprios bons esforços.
O legalismo clássico não adulterado pode ser mais bem representado pela
fórmula:
Obras Justificação - Fé
Em outras palavras, não importa no que a pessoa crê; ela irá para o céu se
realizar boas obras.
A teologia da libertação apresenta uma ênfase muito mais séria quanto ao papel
das Escrituras que o liberalismo clássico; no entanto, na prática, ela transforma o
fato de colocar-se ao lado dos oprimidos como o critério-chave para ser
considerado justificado diante de Deus. Minha permanência temporária na igreja
da África do Sul, nos últimos anos do governo branco, demonstrou semelhanças
assustadoras nos dois maiores campos opostos que então lutavam pela alma do
Cristianismo. De um lado, muitos dos defensores da segregação [apartheid]
agiam como se todas as pessoas que defendiam esse entendimento das culturas
fossem justas diante de Deus, quer fossem evangélicas professas ou
certas, elas têm valor apenas como um tipo de obra. A pessoa carrega sua
compreensão correta das realidades espirituais ao tribunal da redenção como
parte de sua moralidade genérica. Essa rota ao longo da margem conquistou a
maioria do mundo.
Quanto mais se depara com o ocidental típico sem relacionamento com a igreja,
mais se descobre que o legalismo legítimo está vivo e forte entre os não-
religiosos também. O método da Explosão do Evangelismo fez a, hoje famosa,
pergunta a inúmeras pessoas: “Se você fosse morrer esta noite e Deus lhe
perguntasse ‘Por que eu deveria deixá-lo entrar no meu céu?’, o que você diria?”
A maioria absoluta dos que não têm nenhum relacionamento com algum tipo de
religião deu uma resposta do tipo legalista: “Sou uma boa pessoa”. “Tento viver
uma vida moralmente decente.” “Nunca machuquei ninguém.” No fundo da
condição decaída do homem está o desejo de conquistar a própria redenção.
Parte desse desejo universal do homem, de redimir-se por meio de obras, reflete
uma arraigada nostalgia do relacionamento original que havia entre Deus e os
humanos. Deus criou a humanidade para um relacionamento com ele. Viver uma
vida de completa santidade, ser reflexo humano da natureza de Deus,
proporcionaria a continuidade da vida eterna. Esse relacionamento, muitas vezes
denominado “pacto das obras”, ligava a vida eterna na presença de Deus à
fidelidade aos mandamentos de Deus e à capacidade de refletir a sua natureza.
Em sentido básico, esse pacto nunca foi revogado, pois a natureza de Deus
jamais muda. Cristo ainda pode dizer ao especialista na lei, que tolamente
pensou que guardava perfeitamente os mandamentos: “Faze isto e viverás” (Lc
10.28). O problema não é o instinto dado por Deus de que as boas obras são um
caminho para a vida, mas sim a terrível incapacidade de compreender que, neste
mundo decaído, “Bom só existe um” (Mt 19.17). “Pois todos pecaram e carecem
da glória de Deus” (Rm 3.23). Em outras palavras, qualquer ação que seja menor
que o perfeito reflexo da bondade de Deus não é verdadeiramente boa.
Legalismo é, na sua essência, uma incapacidade humana de reconhecer o próprio
estado moral.
Fé + Obras Justificação
Gálatas prova que a Bíblia nos ensina que a fé é o único caminho para a
justificação.
Essa heresia mostrou novamente sua face feia no tempo da igreja medieval. A fé
ainda era vista como essencial; ninguém seria justificado sem fé. Fé e obras
cooperavam na justificação. A bela passagem sobre a “fé que atua pelo amor”
(G1 5.6) foi torcida para defender essa heresia. Esse texto, vindo do âmago da
luta de Paulo contra a heresia da Galácia, ensina claramente a verdade ortodoxa:
que a única fé que justifica é a verdadeira fé, evidenciada por seus frutos de
atuação amorosa. Entretanto, aqueles que deturparam as palavras de Paulo,
assim como outros textos das Escrituras, para a destruição deles mesmos,
alegavam que a fé com suas obras de amor eram os elementos com que
adquiriam redenção.
Essa heresia começou a ganhar um controle cada vez mais profundo na igreja
medieval. A invenção do purgatório, um lugar onde os crentes podiam completar
a aquisição de mérito aos olhos de Deus para serem admitidos no céu,
acrescentava mais estrutura e peso ao erro. De modo semelhante, a penitência,
um comportamento prescrito para conseguir a aprovação de Deus, tornou-se um
sacramento falso de um evangelho falso. Historicamente, a penitência tem suas
raízes na percepção da necessidade de uma evidência externa da sinceridade da
pessoa que alegava arrependimento e fé. No entanto, como todas as inovações
extrabíblicas da igreja, ela foi rapidamente utilizada pela crescente heresia.
Eles bem poderiam dizer: “Se eu ou um anjo do céu pregar outro evangelho, que
ele seja reconhecido como meu irmão em Cristo, co-signatário de manifestos
religiosos e co-autor de livros que encorajam níveis ainda mais altos de
cooperação”. Paulo, pelo Espírito de Deus, condena aqueles que colaboraram
com os hereges da Galácia, assim como os próprios heréticos. Pela graça de
Deus, um número crescente de organismos e instituições cristãs tem exercido
disciplina para barrar a entrada de signatários do ECT em seus ministérios até
que esses homens se arrependam e renunciem ao documento retirando os seus
nomes dele.
Alguns escritores evangélicos são há muito tempo conhecidos por seus escritos
antinomianos. Suas afirmações em defesa do Evangelicals and Catholics
Together têm demonstrado que eles crêem que o fato de se manterem fiéis à
heresia legalista dos gálatas não representa uma barreira para serem um em
Cristo. Embora mantendo uma teologia pessoal antinomiana, ao mesmo tempo
eles aparentemente crêem que podem ter unidade espiritual com pessoas que
aderem a esse tipo de legalismo. Ou Deus tem preservado esses crentes ao longo
de uma inconsistência sem paralelos enquanto ele mantém neles um amor
escondido pelo verdadeiro evangelho, ou consistentemente eles estão declarando
um legalismo em que obras justificação, um legalismo em que a fé é a única
obra requerida. Assim, aquele que possui essa fé produzida humanamente
é salvo, mesmo se acreditar erroneamente que outras obras humanas são também
pré-requisitos, ainda que da perspectiva do signatário a fé seja a única obra
necessária não exigindo nem mesmo boas obras subseqüentes como evidência de
verdadeira fé. O documento ECT não divide o evangelicalismo, ele apenas
revela que muitos evangélicos professos estão tão perdidos quanto católicos
romanos ortodoxos.
aquele que ataca a igreja contrária ao cinema for capaz de demonstrar que sua
igreja de fato ensina que a pessoa justificada pela fé não pode ir ao cinema, então
ele realmente provou que aquele grupo faz parte de um culto legalista e não de
uma igreja. Esse grupo seria análogo aos judaizantes da Galácia. Se eles
encontrassem um crente professo que vai ao cinema, eles diriam que esse
indivíduo ainda não pode ser um verdadeiro crente porque se abster do cinema é
um pré-requisito para ser cristão. Espero ter demonstrado quão absurdo (bem
como descaridoso) é esse uso comum da palavra, e duvido que uma pessoa que
usa o termo tão superficialmente, quando confrontada, tenha condições de
estabelecer tal declaração.
Até onde posso falar, a pessoa que grita “legalismo” está atacando grupos que
pensam que a lei de Deus exige, explícita ou implicitamente, algum tipo de
comportamento que ela pessoalmente não acredita ser exigido. Voltando ao
nosso exemplo, parece-me que à resposta dos membros da igreja em questão, se
fossem desafiados quanto à sua posição, diriam que eles crêem que a justificação
é pela fé somente, e que parte da vida de gratidão que se segue ao fato de ser
redimido inclui não ir ao cinema. Obviamente, esses crentes estariam
moralmente obrigados a basear seu argumento contra o cinema nas Escrituras, e
estou certo de que estariam dispostos a aceitar o desafio. Quer sejam capazes de
persuadir outros ou não, esses crentes certamente não são legalistas. O
uso incorreto do termo distorceu uma questão exegética entre dois crentes e fez
parecer que há uma diferença entre o evangelho verdadeiro e o falso evangelho!
Em meio à luta de vida ou morte contra o verdadeiro legalismo, o uso errado e
indelicado do termo deve cessar.
Uma última observação àqueles que acreditam que a Palavra de Deus identifica
uma ação particular como parte do caminho da obediência agradecida que o
convertido deve demonstrar enquanto outro crente professo não participa da
mesma opinião (devo mencionar que, num contexto ou outro, esse conflito,
provavelmente, está presente entre todo par de crentes). Em nosso exemplo, o
irmão que pensa que a Bíblia não exige que ele se abstenha de ir ao cinema pode
não ser chamado de antinomiano ou libertino pelo irmão que vai ao cinema.
Aqui, também, temos uma diferença exegética entre dois crentes, não uma
negação do
evangelho. Parte do nosso crescimento na graça está em nos tornarmos cada vez
mais capazes de perceber as implicações da Bíblia e não apenas a literatura.
Como nós, que andamos com o Senhor há anos (e todos que compreendem o
Sermão do Monte), sabemos o espírito da lei é mais rigoroso que o da literatura,
e não mais indulgente. Ensinar um jovem cristão vai ajudá-lo, inevitavelmente, a
perceber as implicações nos mandamentos de Cristo que ele não vira
anteriormente, assim como vai ajudá-lo a perceber os valores culturais que têm
sido confundidos com implicações da lei de Deus. Entretanto, isso não significa
que, quando o indivíduo ainda não enxergou a ramificação especial da lei, ele
esteve alegando ser crente enquanto intencionalmente está vivendo em pecado.
Tenho visto pessoas fazerem de tudo em sua vida espiritual a esse respeito.
Primeiro, como jovens cristãos, guardam uma obediência implícita a Deus, na
medida em que observam os outros na igreja. Mais tarde, sob a influência de
ainda outros que não vêem a implicação, passam a atacar a prática em questão de
forma incorreta e insensata, como “legalista”. Finalmente, descobrem a base
bíblica para o princípio e são persuadidos de que a prática era, de fato, uma
implicação da lei de Deus e voltam, então, a observá-la. Sem dúvida, nem todas
as inferências são válidas e alguns indivíduos, inconscientemente, permitem que
valores culturais sejam confundidos com implicações das Escrituras, mas
não devemos condenar como legalistas nem mesmo aqueles que erram tirando
falsas inferências do ensino ético das Escrituras, não obstante, não devemos
condenar como antinomianos aqueles que deixam de perceber as inferências
válidas desses ensinamentos.
Eu acredito que esta discussão nos tomou mais interessados no campo prático da
ética bíblica ou, como os puritanos gostavam de chamar, nos casos de
consciência.
Fé Justificação - Obras
à sensualidade como um adultério do coração. Querer dizer que uma pessoa que
tenha uma quantidade normal de desejo sexual é, de fato, adúltera, é má
interpretação. De fato, a sensualidade é também um pecado evidente, a escolha
de desejar aquilo que não se tem. Nenhum crente praticará a cobiça assim como
não praticará o adultério. Qualquer adúltero praticante, aquele que vive em
imoralidade sexual explícita, estará perdido etemamente, seja ele membro da
igreja visível ou não.
Outro clássico é o livrete “My House, Christ’s Home”. Nele, o indivíduo aceita a
Cristo em sua vida, e quase na totalidade de sua vida.
Na verdade, “Todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática de pecado...
esse não pode viver pecando, porque é nascido de Deus” (1 Jo 3.9). Cristo não
permanecerá numa casa em que todas as portas não estejam abertas. Com
certeza, cada crente descobre que alguns pecados são desafios especiais, mas ele
luta contra todos os pecados que conscientemente reconhece, ou não será um
crente.
O cristão carnal, na visão de Paulo, não é de modo algum alguém que vive em
pecado ou nega o senhorio de Cristo. Ele está percebendo as coisas de modo
infantil, de uma perspectiva terrena e não está discernindo as realidades
espirituais como deveria fazer. O cristão carnal ainda não cresceu o suficiente
para, por exemplo, saber que é pecaminoso exaltar um professor acima de outro
provocando, assim, uma divisão na igreja. Esse pecado tênue está além de sua
percepção. Ele não está consciente da existência daquele quarto no porão, mas
não está delibe-radamente impedindo que Cristo entre nele.
Tudo Jesus pagou, não devo nada a ele: um grupo surpreendentemente diverso
de evangélicos professos tem aconselhado a rejeição do conceito cristão central
da gratidão. Essa compreensão errônea, co-mumente, resulta de uma
incapacidade de distinguir entre a completa redenção em Cristo de todo aquele
que crê, e o nosso contínuo débito a ele. De acordo com esse falso ensino,
porque Cristo pagou inteiramente o nosso débito, nós não devemos fazer nada.
“Todo o meu débito está pago.” Esses antinomianos terminam a frase com um
ponto final em vez de usar um ponto e vírgula. Nos casos mais extremos, o
crente é proibido até mesmo de confessar os seus pecados, uma vez que Cristo já
os pagou todos!
Na verdade, todo o meu débito está pago - até eu mesmo fui comprado. Desde
que fomos comprados por um preço, todos nós pertencemos ao nosso Salvador.
Os crentes pertencem a Cristo como “servos da justiça” (Rm 6.18) para a sua
glória. A vida do crente deve ser confessar os seus pecados e lutar diariamente
contra eles, sabendo que ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos
purificar de toda injustiça (Do 1.9). Os discípulos que estão limpos ainda
necessitam ter seus pés diariamente lavados por Cristo (Jo 13.10).
dade entrará no reino do céu. Os redimidos servirão ao seu Mestre com gratidão
constante por aquilo que ele lhes fez.
Qualquer um que tenha como base tanto uma fé que não produz uma vida
transformada quanto uma fé associada a obras como um pré-requisito necessário
para ganhar a vida eterna, para reivindicar Cristo como Salvador, estará perdido
etemamente. Alguns que têm pregado o verdadeiro evangelho e têm sido usados
pelo Espírito para levar outros à vida eterna têm vivido no próprio coração outro
evangelho com uma fé morta e falsificada. Eles estarão perdidos, enquanto
alguns indivíduos que ouvirem o evangelho por seu intermédio serão salvos.
O próprio Deus determina o destino eterno de todos aqueles que ensinam em seu
nome. Entretanto, como ministro do evangelho, devo colocar uma admoestação
final a todo professor que esteja defendendo a possibilidade de haver outros
meios de apropriação da salvação a não ser somente pela fé viva. O profeta
Ezequiel adverte, com respeito àqueles que não chamam os ímpios ao
arrependimento, que o sangue daqueles que perecem cairá sobre suas cabeças
(Ez 33). Paulo retrata a verdade eterna dessa advertência ao se declarar inocente
do sangue de todos os homens, pois ele nunca deixou de anunciar todo o
desígnio de Deus (At 20.26,27). Uma leitura objetiva das Escrituras, sem
considerarmos os indivíduos, deixaria claro que nenhum professor
regenerado proclamaria ou ensinaria que noções heréticas do evangelho como
legalismo ou antinomianismo são permissíveis. Assim, um professor que tenha o
sangue de perdidos sobre sua cabeça, tanto quanto um adúltero, não herdará o
reino de Deus.
O dia do julgamento é uma questão muito séria para permitir que se encubra a
verdade a esse respeito. Posso expressar uma esperança pessoal de que alguns
desses mestres serão salvos pelo fogo, se pecaram por ignorância ao ensinar tais
opções errôneas. Mas também devo dizer que minha esperança é apenas uma
suposição; as afirmações explícitas da Palavra apontam na direção oposta.
Este capítulo está sendo lido por muitos pastores que vivem num pecado sem
arrependimento, inclusive o pecado de declarar paz por meio de outro caminho
que não o verdadeiro evangelho. Espero e oro para que o Espírito sustente a
todos os que lêem este capítulo numa condição de arrependimento e crença nas
boas-novas. Possa esse dia raiar quando todos pudermos correr para encontrar o
nosso Senhor com
uma regra de grata obediência por parte do cristão.2 O último ou o terceiro uso
da lei inspirou a oração do salmista citada no começo do capítulo, pois ele sabe
que apenas a lei de Deus poderia dirigi-lo em seu esforço para viver “em alegre
obediência” como um filho de Deus.
Os usos da lei
Neste capítulo daremos um resumo dos dois primeiros usos da lei, para examinar
o terceiro uso no contexto exato da santificação que, necessariamente, envolve
uma alegre obediência a Deus por toda sua inclusiva salvação em Cristo Jesus. O
crente que é justificado pela fé somente {sola fide), e que aceita o princípio de
somente as Escrituras (sola Scriptura), confiará graciosa e sinceramente no
Senhor. Essa resposta de alegre obediência é corporificada num estudo de caso
do mandamento mais controvertido da lei: a santificação do dia do sábado. Tudo
isso nos permitirá extrair várias conclusões significativas sobre o cristão e
seu relacionamento com o terceiro uso da lei.
O primeiro uso da lei é seu exercício na vida pública como um guia para o
magistrado civil em sua tarefa como ministro de Deus em assuntos pertinentes
ao Estado. Do magistrado se exige que recompense o bem e castigue o mal (Rm
13.3,4). Nada poderia ser mais importante para este trabalho que um padrão
confiável de certo e errado, bem e mal; e não nenhum padrão melhor do que a lei
de Deus.
A... função da lei é a seguinte: pelo menos por medo da punição coibir certos
homens que não são tocados por quaisquer cuidados por aquilo que é justo ou
direito a não ser obrigados a ouvir as terríveis ameaças contidas na lei. Esses são
coibidos não porque a mente deles foi instigada ou afetada mas porque, sendo,
por assim dizer, refreados, eles se abstêm de atividades externas e mantêm para
si mesmos a depravação que, de outra forma, teriam audaciosamente saciado.4
O primeiro uso da lei, entretanto, serve não apenas para prevenir a sociedade de
mergulhar no caos; mas serve também para promover a justiça: “Antes de tudo,
pois, exorto que se use a prática de súplicas, orações, intercessões, ações de
graças, em favor de todos os homens, em favor dos reis e de todos os que se
acham investidos de autoridade, para que vivamos vida tranqüila e mansa, com
toda piedade e respeito” (lTm 2.1,2).
Para o cristão, as implicações do primeiro uso da lei são inevitáveis: ele deve
respeitar e obedecer o Estado até onde o Estado não exija aquilo que Deus proíbe
ou não proíba o que Deus ordena. Em todos os outros casos, a desobediência
civil é ilegal. Resistir à autoridade é resistir à ordenança de Deus, “e os que
resistem trarão sobre si mesmos condenação” (Rm 13.2). É difícil afirmar isso
em nossos dias em que
até mesmo os cristãos estão propensos a ser engolfados por um espírito mundano
de rebelião e desprezo pela autoridade. Precisamos ouvir e atender ao que
Calvino escreve:
O primeiro dever dos súditos para com os seus magistrados é considerar seu
ofício como altamente honrado, o qual eles reconhecem como uma jurisdição
outorgada por Deus e por causa disso apreciá-los e reverenciá-los como
ministros e representantes de Deus... [Até mesmo] em uma pessoa muito iníqua
absolutamente indigna de toda honra, uma vez que tenha o poder público em
suas mãos, aquele nobre e divino poder consiste em que o Senhor tem por sua
palavra dado aos ministros de sua justiça e julgamento.5
Sem dúvida, isso não significa que o crente perde o direito de criticar ou mesmo
condenar uma lei que fuja dos preceitos das Escrituras. Mas significa dizer que
uma parte significativa de atendermos ao apelo de Paulo de “a fim de ornarem...
a doutrina de Deus” (Tt 2.10) envolve a nossa sujeição de boa vontade à
autoridade legal em todas as esferas da vida - seja no lar, escola, igreja ou
Estado.
Autorizada pelo Espírito de Deus, a lei moral também exerce uma função crítica
na experiência da conversão. Ela disciplina, educa, declara culpado e condena. A
lei não expõe apenas nossa pecamino-sidade; ela também nos condena,
pronuncia maldição sobre nós e nos declara passíveis da ira de Deus e dos
tormentos do inferno. “Maldito todo aquele que não permanece em todas as
coisas escritas no Livro da lei, para praticá-las” (G1 3.10). A lei é um feitor
cruel, ela não conhece misericórdia. Ela nos aterroriza, despe-nos de toda
justificação e nos conduz ao fim da lei, Cristo Jesus, o qual é a nossa única
justiça aceitável diante de Deus. “De maneira que a lei nos serviu de aio para
nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé” (G1 3.24). Não
que a lei em si mesma possa nos levar a um conhecimento salva-
dor de Deus em Cristo. Ao contrário, o Espírito Santo usa a lei como espelho
para nos mostrar nossa impotência e culpa, para nos obrigar a esperar
unicamente na misericórdia, e para induzir ao arrependimento, criando e
sustentando a percepção da necessidade espiritual da qual a fé em Cristo nasce.
O uso apropriado e o objetivo da lei são tomar culpados os que são presunçosos
e estão em paz, de sorte que possam ver que estão em perigo de pecado, ira e
morte, de modo que fiquem aterrorizados e desesperados, empalidecendo e
tremendo ao farfalhar de uma folha (Lv 26.36) [...] Se a lei é um ministro do
pecado, segue-se que ela é também um ministro da ira e da morte. Pois assim
como a lei revela o pecado, ela também lança a ira de Deus sobre o homem e o
ameaça com morte.8
[A lei] adverte, informa, declara culpado e finalmente condena, todo homem pela
própria iniqüidade... Depois que ele é compelido a pesar sua vida pelo padrão da
lei, colocando de lado toda presunção de justificação inventada, ele descobre que
está muito longe da santidade, e está, de fato, cheio de um enorme número de
vícios dos quais ele anteriormente se julgava imaculado... A lei é como um
espelho. Nele contemplamos nossas fraquezas, a seguir a iniqüidade que surge
delas, e finalmente a maldição que vem de ambas - assim como o espelho nos
mostra as marcas em nosso rosto.9
Esse terceiro uso da lei, o uso didático, se aplica à vida diária do cristão. Nas
palavras do Catecismo de Heidelberg, a lei instruí o crente como expressar sua
gratidão a Deus pelo livramento de todo o seu pecado e miséria (questão 2). O
terceiro uso da lei é um assunto que preenche um rico capítulo na história da
doutrina reformada.
também uma segunda justiça - a justiça de uma boa consciência a qual, não
obstante sua imperfeição, ainda é agradável a Deus, uma vez que o próprio
crente está em Cristo.14 A consciência do crente, tomada boa pela declaração
divina, deve continuar a usar a lei para agradar a Deus, pois a lei revela a
essência da vontade de Deus e oferece a estmtura da obediência cristã. Ele
declarou que essa “boa consciência” é uma “grande e necessária consolação
divina”.13 Como Timothy Wengert assevera, sem dúvida ele foi encorajado a
enfatizar a conexão entre uma boa consciência e boas obras pelo desejo de
defender Lutero e outros protestantes da acusação de que eles rejeitavam as boas
obras “ao mesmo tempo, sem despojar a consciência da consolação do
evangelho. Assim, ele delineou uma forma de falar sobre a necessidade das
obras para o crente excluindo sua necessidade para a justificação”.16 Wengert
conclui que, argumentando a partir da necessidade de saber como somos
perdoados para a necessidade de obedecer a lei e para a necessidade de
sabermos como essa obediência agrada a Deus, Melanchthon conseguiu
colocar lei e obediência no centro de sua teologia.17
lei, a qual serve como uma “vara” (isto é, bastão - o segundo uso) usada por
Deus para empurrá-lo para Cristo é, simultaneamente, uma “vareta” (isto é uma
vara - que Calvino chamaria de terceiro uso) que o assiste em seu caminho na
vida cristã. Essa ênfase na lei como uma “bengala” surge implicitamente pela
sua exposição sobre os Dez Mandamentos em vários contextos - cada um dos
quais indica que Lutero acreditava firmemente que a vida cristã deve ser
regulada por esses mandamentos.22
A preocupação de Lutero não era negar a santificação nem a lei como uma
norma diretiva na vida do crente; ao contrário, ele desejava enfatizar que boas
obras e obediência à lei não podem de forma alguma nos tomar aceitáveis diante
de Deus. Portanto, ele escreve em seu The Freedom of the Christian: “Nossa fé
em Cristo não nos isenta das obras, mas das falsas opiniões a respeito das obras,
isto é, da tola presunção de que a justificação é adquirida pelas obras”. Em Table
Talk, ele é citado afirmando que “Aquele que tem a Cristo cumpriu corretamente
a lei, mas retirar completamente a lei, que está cravada na natureza e está escrita
em nosso coração e nasce em nós, é algo impossível e contrário a Deus”.23
Crentes... beneficiam-se da lei porque por meio dela aprendem mais cabalmente
a cada dia qual é a vontade de Deus... É como se um servo já preparado com
absoluta sinceridade de coração para recomendar-se ao seu mestre devesse
procurar e observar as atitudes de seu mestre para conformar-se e acomodar-se a
elas. Além disso, por mais que sejam impelidos pelo Espírito e desejosos de
obedecer a Deus, ainda são fracos na came e poderiam preferir servir ao
pecado em vez de servir a Deus. A lei, para essa came, é como um chicote para
um asno preguiçoso e empacado, para espicaçar, incitar e estimulá-lo ao
trabalho.27
Essa noção predominantemente positiva da lei como norma e guia para o crente,
para encorajá-lo a apegar-se a Deus e a obedecê-lo
São mais desejáveis do que ouro, mais do que muito ouro depurado; e são mais
doces do que o mel e o destilar dos favos.30
Deve existir também outra lei escrita sobre tábuas, para ser lida pelos olhos e
ouvida pelos ouvidos: do contrário... como poderá o crente se assegurar de que
ele não se desviou do caminho certo pelo qual deveria andar?... O Espírito, eu
concordo, é o Guia e o Mestre do homem justificado... Mas ele os ensina... pela
lei e pelo testemunho.35
uma indizível liberdade. Samuel Crooke coloca desta forma: “Do mandamento
como regra de vida, [os crentes] não estão livres, ao contrário, estão inclinados e
dispostos, por [seu] espírito livre, a obedecê-lo. Assim, para o regenerado, a lei
se toma, por assim dizer, evangelho, e até mesmo uma lei de liberdade”.37 O
Catecismo maior de Westminster, que em grande parte foi composto pelos
teólogos puritanos, nos proporciona o mais adequado resumo da visão reformada
e puritana sobre o relacionamento do crente com a lei moral.
Questão 97. De que utilidade é a lei moral aos regenerados? Resposta: Embora
os que são regenerados e crentes em Cristo sejam libertados da lei moral, como
pacto de obras, de modo que nem são justificados nem condenados por ela,
contudo, além da utilidade geral dessa lei comum a eles e a todos os homens, é
ela de utilidade especial para lhes mostrar quanto são devedores a Cristo por
cumpri-la e suportar a maldição dela, em lugar e para o bem deles, e
assim constrangê-los a uma gratidão maior, e a expressar essa gratidão por um
maior cuidado de sua parte em conformar-se a essa lei, como regra de sua
obediência.38
Vil. Como é lei da natureza que, em geral, uma devida proporção de tempo seja
destinada ao culto de Deus, assim também, em sua Palavra, por um preceito
positivo, moral e perpétuo, preceito que obriga a todos os homens, em todas as
épocas, Deus designou particularmente um dia em sete para ser um sábado (=
descanso) santificado por ele; desde o princípio do mundo, até a ressurreição de
Cristo, esse dia foi o último da semana; e desde a ressurreição de Cristo, foi
mudado para o primeiro dia da semana, dia que, na Escritura, é chamado dia do
Senhor (= domingo), e que há de continuar até o fim do mundo como sábado
cristão.
Esse feliz estado de coisas prevaleceu durante todo o século 19 e no século 20.
Grandes centros urbanos, como Filadélfia e Toronto, eram conhecidos pelo
cuidado que o sábado era observado por seus habitantes. No final do século 19,
algumas ferrovias importantes cessaram suas operações durante o domingo.
Balneários à beira-mar tomaram medidas a respeito de todo o tráfego motorizado
nas ruas aos domingos (Ocean Grove, Nova Jersey) e ao uso de cinemas para o
culto público, nos domingos à noite (Ocean City, Nova Jersey).
“O sétimo dia é o sábado do SENHOR, teu Deus” (Êx 20.10). Essas palavras nos
relembram de que o sábado é uma instituição divina em dois sentidos. Primeiro,
o sábado semanal é instituído pela palavra de ordem de Deus. Em segundo lugar,
Deus requer esse dia para si mesmo: “o sábado do SENHOR, teu Deus”. Os seis
dias de trabalho foram cedidos ao homem para a busca de seu trabalho e lazer;
mas não o sábado que Deus chama de “meu santo dia” (Is 58.13). Não devotar
esse dia aos
Essa verdade é reforçada pelas palavras do Senhor Jesus Cristo, registradas pelos
três primeiros evangelistas (Mt 12.8; Mc 2.28; e Lc 6.5), quando ele afirmou: “O
Filho do homem é senhor do sábado”. Em uma só frase, Cristo declara sua
completa divindade e identidade com lahweh e reafirma a reivindicação de Deus
sobre as horas do sábado semanal, adotando a exigência e a apresentando
novamente em seu nome. A reivindicação deixou sua marca nas crenças, práticas
e usos da igreja apostólica de tal forma que, ao final daquela era, o sábado
cristão era conhecido como “dia do Senhor” (Ap 1.10).
A resposta bíblica para a questão de quando o sábado foi instituído é muito clara:
o sábado foi instituído por Deus no alvorecer da História. Sem dúvida, o homem
estava presente e, significativamente, foi o primeiro dia completo de sua vida
sobre a terra (Gn 2.1-3). Se o padrão foi perpetuado depois desse dia ou não
talvez seja uma questão especulativa, mas a história do sábado não foi perdida.
Tudo que foi necessário no Sinai foi recordar aquela história e ordenar ao povo
que, posteriormente, mantivesse sempre a sua lembrança.
Porque, como os novos céus e a nova terra, que hei de fazer, estarão diante de
mim, diz o SENHOR, assim há de estar a vossa posteridade e o vosso nome. E será
que, de uma Festa da Lua Nova à outra e de um sábado a outro, virá toda a came
a adorar perante mim, diz o SENHOR (Is 66.22,23).
Cristo e o sábado
O conflito entre Cristo e os fariseus deve ser encarado, portanto, como uma
campanha não para destruir, mas ao contrário, para tomar a reclamar e restaurar
a instituição bíblica do sábado. Para tanto, Cristo acolheu o sábado e o requereu
como sua propriedade. Além disso, declarou que ele pessoalmente cumpriria a
promessa do sábado na vida de seus discípulos: “Vinde a mim, todos os que
estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu
jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis
descanso para a vossa alma” (Mt 11.28,29). Mesmo aqui Cristo faz soar a nota
de oposição aos fariseus e ao seu “jugo” de proibições e prescrições tradicio-
nais, em relação ao sábado. Pedro se referiu a esse jugo e declarou que “nem
nossos pais puderam suportar, nem nós” (At 15.10). Cristo oferece um jugo
muito diferente e diz: “... meu jugo é suave, e o meu fardo é leve” (Mt 11.30).
Tomar o jugo de Cristo é tomar-se seu discípulo, assim como aceitar o jugo dos
fariseus era tomar-se discípulo deles. Àqueles que aceitam a Cristo com fé
verdadeira, ele promete descanso como cumprimento da redenção em agudo
contraste com a negação desse descanso para os israelitas não crentes e
desobedientes (Sl 95.10,11). Esse descanso consiste em colocar um fim no
trabalho infrutífero de buscar ser justificado pelas obras da lei. Cristo também
retira de nossas costas a carga da culpa por todos os nossos pecados. E isso não é
tudo, pois há a promessa de mais para o futuro quando tivermos nos livrado “do
corpo desta morte” (Rm 7.24).
Então, ouvi uma voz do céu, dizendo: Escreve: Bem-aventurados os mortos que,
desde agora, morrem no Senhor. Sim, diz o Espírito, para que descansem das
suas fadigas, pois as suas obras os acompanham (Ap 14.13).
Com isso em mente, o apóstolo relembra aos crentes que “sendo-nos deixada a
promessa de entrar no descanso de Deus”, e acrescenta essa exortação,
envolvendo um profundo jogo de palavras: “Esforcemo-nos, pois, por entrar
naquele descanso” (Hb 4.1-11).
O cristão e o sábado
O profeta Isaías viveu numa época muito parecida com a nossa, um período de
prosperidade e abundância geral. Ele tem uma palavra clara para falar sobre os
perigos dessa abundância, na forma da “cultura do lazer” que a prosperidade
toma possível:
O caráter bíblico do terceiro uso da lei Podemos agora tirar várias conclusões
importantes sobre o terceiro uso da lei por parte dos cristãos.42 Primeiro: o
terceiro uso da lei é bíblico. As escrituras do Antigo e do Novo Testamento são
prolíficas em exposições da lei dirigidas principalmente aos crentes, para ajudá-
los em sua constante busca de santificação. Os Salmos repetidamente
afirmam que o crente sente prazer na lei de Deus tanto no íntimo de sua pessoa
quanto em sua vida pública.43 Uma das maiores preocupações do salmista é
certificar-se a respeito da boa e agradável vontade de Deus e então andar nos
caminhos de seus mandamentos. O Sermão do Monte e as porções éticas das
epístolas paulinas são exemplos primordiais no Novo Testamento do uso da lei
como regra de vida. As orientações contidas nessas porções das Escrituras são
dirigidas principalmente para aqueles já redimidos, e procuram encorajá-los a
refletir uma teologia da graça com uma ética de gratidão. No contexto dessa
ética de gratidão, o crente vive sua vida e segue nas pegadas de seu Salvador que
foi, ele mesmo, o servo do Senhor e Legislador, diariamente obedecendo a todos
os mandamentos de seu Pai ao longo de sua jornada terrena.
A lei nos confere uma ética abrangente, mas não uma aplicação exaustiva. As
Escrituras nos fornecem princípios amplos e paradigmas ilustrativos, mas não
particularizações minuciosas que podem ser mecanicamente aplicadas a todas as
circunstâncias. Diariamente, o cristão deve utilizar as amplas pinceladas da lei
para auxiliá-lo em suas decisões particulares, pesando cuidadosamente todas as
coisas de acordo com a lei e o testemunho (Is 8.20), lutando e orando durante
todo o tempo por um crescente senso de prudência cristã.
O terceiro uso da lei promove o amor. “Porque este é o amor de Deus: que
guardemos os seus mandamentos; ora, os seus mandamentos não são penosos”
(1 Jo 5.3). A lei de Deus é uma dádiva e uma evidência de seu temo amor para
com seus filhos (SI 147.19,20). Não é um feitor cruel ou duro para aqueles que
estão em Cristo. Deus não é mais cruel ao dar a lei para os seus do que seria um
fazendeiro que constrói cercas para proteger seu gado e seus cavalos de
caminharem pelas estradas e rodovias. Isso foi vividamente ilustrado em Alberta
recentemente, quando um cavalo que pertencia a um fazendeiro passou pela
cerca, encontrou o caminho até a rodovia e foi atropelado por um carro. O cavalo
e também o motorista, de 17 anos de idade, morreram instantaneamente. O
fazendeiro e sua família choraram a noite toda. Cercas quebradas
provocam danos irreparáveis. Mandamentos quebrados colhem conseqüências
in-dizíveis. Mas a lei de Deus obedecida e o amor trabalhado pelo
Espírito promovem alegria e regozijo de coração. Agradeçamos a Deus por
sua lei que nos cerca no agradável contentamento dos pastos verdes de
sua Palavra.
Nas Escrituras, lei e amor não são inimigos, mas amigos inseparáveis. Na
realidade, a essência da lei é o amor: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu
coração, de toda a tua alma e todo o teu entendimento. Este é o grande e
primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo
como a ti mesmo. Destes dois mandamen-
tos dependem toda a Lei e os Profetas” (Mt 22.37-40; cf. Rm 13.8-10). Assim
como um súdito dedicado obedece ao seu rei, um filho amoroso obedece ao seu
pai, uma esposa amorosa se submete ao seu marido, assim um crente dedicado
almeja obedecer à lei de Deus. Então, como temos visto, a dedicação do sábado
inteiro a Deus se toma não um jugo, mas um prazer.
A Palavra de Deus nos sujeita como crentes, mas nos sujeita apenas a ele e à sua
Palavra. Apenas ele é Senhor de nossa consciência. Somos verdadeiramente
livres em guardar os mandamentos de Deus, pois a liberdade flui de uma
servidão agradecida, não da autonomia ou da anarquia. Fomos criados para amar
e servir a Deus acima de todas as coisas, e ao nosso próximo como a nós
mesmos - tudo de acordo com a vontade de Deus e da sua Palavra. Somente
quando compreendemos de novo esse propósito encontramos verdadeira
liberdade cristã. Liberdade verdadeira, escreve Calvino, é “uma servidão livre e
uma liberdade servidora”. Liberdade verdadeira é uma liberdade obediente.
Apenas “aqueles que servem a Deus são livres. Obtemos liberdade para que
possamos obedecer a Deus mais pronta e rapidamente”.49
Filho teu, feitura de tuas mãos cujas algemas tu quebraste; Redimido pela
graça, renderei como oferta de gratidão meu constante louvor a ti.50
O individualismo de nossos dias (tão bem ilustrado pelos Doobie Brothers: “Eu e
Jesus levamos uma boa conversa, não precisamos de ninguém para nos dizer o
que isso significa”) produziu uma confusão no que diz respeito ao papel da
obediência para o cristão. Alguns desejam
abolir a lei (“não estou sob a lei, estou sob a graça!”). Entretanto, Paulo
escreveu: “ ... a lei é santa; e o mandamento, santo, e justo, e bom” (Rm 7.12).
Por que alguém desejaria pôr de lado algo que era santo, justo e bom? O
verdadeiro crente não deseja suprimir a lei, assim como não o fez Jesus, que
afirmou especificamente que não tinha vindo para abolir a lei, mas para cumpri-
la. Ao contrário, como R. C. Sproul afirmou, o verdadeiro crente, como Davi,
ama a lei de Deus! Ela é o seu compasso moral e espiritual. A lei de Deus, como
os puritanos gostavam de dizer, é o caráter de Deus em forma escrita.
Obediência a Deus e à sua lei é a marca do verdadeiro crente. Ele diz como
Davi: “Tua lei é o meu prazer”. Ele afirma com Cristo: “Vim para fazer a tua
vontade, ó Deus”. Ele concorda com Cristo quanto ao fato de que a evidência de
nosso amor por Cristo é a nossa obediência a Cristo. Deus deseja nossa
obediência, pois dessa forma o honramos por nossa submissão a suas leis, seus
estatutos e seus mandamentos. Entretanto, como Spurgeon afirmou
acertadamente: “Ele ordena e recebe obediência, mas é a obediência de boa
vontade do rebanho bem cuidado que expressa alegremente ao seu amado pastor
cuja voz eles conhecem tão bem”.
João foi muito claro ao afirmar que obedecer a Cristo é amar a Cristo: “E o amor
é este: que andemos segundo os seus mandamentos”. No entanto, é muito
importante que compreendamos que nossa obediência não contribui nem
adiciona qualquer coisa à nossa justificação. Como se pode adicionar água a um
copo cheio? Jesus pagou tudo! Constantemente afirmamos que obediência a
Cristo, nossas boas obras, provam nossa salvação, não trazem nossa salvação!
Como poderia uma pessoa em pleno uso de sua razão pensar que nossas obras
imperfeitas adicionam alguma coisa a sua perfeita obediência e retidão? O
grande poeta de hinos Horatius Bonar escreveu estas palavras para meu hino
favorito:
Não o que fizeram minhas mãos Pode purificar minha alma culpada Não o
que minha carne suportou Pode curar o meu espírito Não o que sinto ou faço
Nem todas as minhas orações, ânsias e lágrimas Podem suportar meu terrível
fardo.
Não, não é uma questão de fazer o que pudermos e Cristo fazer o restante; é
Cristo cumprindo toda a obra da salvação e nós respondendo com gratidão para
fazer o que ele ordena com coração cheio de amor por sua grande salvação.
William Seeker disse: “Temos o penhorado dever de viver em obediência, mas
viver pela obediência provaria nossa absoluta ruína”.
Jesus foi absolutamente claro em Lucas 17.10 ao dizer que mesmo que
guardássemos perfeitamente todos os mandamentos durante todos os dias da
nossa vida, não mereceríamos nem sequer um “muito obrigado”. Teríamos
apenas feito o nosso dever e isso nos qualificaria como servos indignos, sem
proveito, inúteis nas palavras do próprio Cristo! Portanto, se obras perfeitas não
mereceriam nada de Deus, então certamente nossas obras imperfeitas merecem
ainda menos! Não existe possibilidade de alguém pensar que qualquer coisa que
fizéssemos colocaria Deus sob a obrigação de nos salvar. Entretanto, os Cânones
e decretos do Concilio de Trento da Igreja Católica Romana nos dizem que:
“Por meio de tais boas obras feitas pela graça de Deus e dos méritos de Cristo de
quem ela
Nós cantamos:
Crer e observar, tudo quanto ordenar O fiel obedece ao que Cristo mandar.
Verdadeiro como isso é igualmente verdadeiro que não há outra maneira de estar
em Jesus! “Tomai-vos, pois, praticantes da palavra e não somente ouvintes,
enganando-vos a vós mesmos” (Tg 1.22). Não se engane. Judas ouviu todos os
sermões de Cristo, no entanto, hoje está no inferno atormentado pelo que ouviu e
ao qual deixou de responder. Aqueles que um dia verão a Cristo são os que o
obedecem de coração - não para ganhar o seu favor, mas para evidenciar o seu
favor.
4 Clark Pinnock, org. The Grace of Gad and the Will of Man (Grand Rapids, Michigan: Zondervan, 1989).
‘Theodore Beza.Trad.James Clark. The Christian Faith (East Sussex, Inglaterra: Focus Christian Ministries
Trust, 1992), pp. 40,41. Publicado primeiramente em Genebra, em 1558, como Confession de foi du chrétien.
7 João Calvino.Trad. F. L. Battles. Institutos (ed. 1536), 2.7.5 (Grand Rapids: Eerdmans, 1975), pp.
30,31, cf.ed. 1559,2.11.10.
5 Ibidem.
10 Essas palavras foram pronunciadas por Nicolas Cop no seu Ato de Posse da Reitoria da
Universidade de Paris; há um grande consenso (embora não unânime) entre os estudiosos de Calvino de que
Calvino tenha sido o autor. Elas foram citadas na tradução das institutos, edição de 1536, feita por F. L.
Battles (Grand Rapids Mich.: Eerdmans, 1975), p. 365.
11 Ibidem, p. 366.
12 Ibidem, p. 369.
13 Ursinus, Commentary an the Heidelberg Catechism (Phillipsburg, Nova Jersey: Presbyterian and Reformed,
14 Ibidem, p. 3.
15 Charles Spurgeon. New Park Street Pulpit (Pasadena,Texas: Pilgrim Publications, 1975, vol. I), p. 285.
l6J.Gresham Machen, Christianity and Liberalism (Nova York: Macmillan, 1923), p. 143.
17 J. Gresham Machen, Christian Faith in the Modern World (Nova York: Macmillan, 1936), p. 57.
18 J.Gresham Machen, What is Faith? (Nova York: Macmillan, 1925), pp. 137- 139-152.
19
John Murray, The New International Commentary on the New Testament'Romans (Grand Rapids, Michi
2 Ibidem, p. 13.
1 Douglas Moo, Romans 1-8: TheWycliffe Exegetical Commentary (Chicago: Moody Press, 1991), p. 44.
4 William Hendriksen, Romans 1-8: The New Testament Commentary (Grand Rapids, Michigan: Eerdmans,
1980), p. 45.
5F. F. Bruce, The Epistle of Paul to the Ramans (Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1963), p. 74.
6 Charles Hodge, Commentary on Romans, 2‘ ed. (Edimburgo: Banner of Truth, 1972), pp. 21,22.
’ João Calvino, Commentary on Romans, ed. de 1979, Beveridge Edition, vol. 19 (Grand Rapids, Michigan:
Baker), p. 18.
10 D. Martyn Uoyd-Jones, Romans.’An Exposition of Chapter I,The Gospel of God (Grand Rapids, Michigan:
Zondervan, 1985), pp. 137,138.
1 ' John Murray, The Epistle ta the Romans (Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1968), p. 13.
12 Robert Haldane, An Exposition to the Romans (s.d., MacDill AFB, Flórida: MacDonald),pp. 30,31. l3James
M. Boice, Romans I —4:An Expositional Commentary (Grand Rapids, Michigan: Baker, 1991), p. 55.
18 C. E. 8. Cranfield, A Critical and Exegetical Commentary an the Epistle to the Romans, 2 vols.
(Edimburgo: T.&T. Clark, 1979), 1:66,67.
20
Don B. Garlington, Faith, Obedience and Perseverance, trad. Paul 5iebeck (Tubingen, Germany: J. C.
B. Mohr, 1994), p. 17.
21 Ibidem, p. 31.
22 G. C. Berkouwer, Faith and Justification (Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1954), p. 195.
23 Don B. Garlington, Faith, Obedience and Perseverance, trad. Paul Siebeck (Tubingen, Germany: J. C.
B. Mohr, 1994), p. 145.
24 Ibidem, p. 147.
25 Ibidem, p. 147.
24 G. C. Berkouwer, Faith and Perseverance (Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, I9S8), pp. 237,238.
27 Ver John H. Armstrong, org. Roman Catholicism: Evangelical Protestants Analyse What Divides and Unites
Us; 1994. No capítulo 2, D. Clair Davis,“How Did the Church in Rome Become Roman Catholicism?’’,
mostra com clareza como toda a matéria se desenvolveu. No capítulo 3, Robert D. Godfrey, “What Caused
the Great Divide?” mostra como Lutero creu e encontrou paz.
28
Ver Don Kistler, org. Justification by Faith ALONE! (Morgan, Pensilvânia: Soli Deo Gloria, 1994).
Don B. Garlington, Faith, Obedience and Perseverance, trad. Paul Siebeck (Tubingen, Germany: J. C. B.
Mohr, 1994), p. 153.
30D.A. Carson, org., Right With Gad (Grand Rapids, Michigan: Baker, 1992), cf. capítulo de P.T. O’Brien’s,
“Some Crucial Issues of the Last Two Decades”, p. 94.
32-5teve Motyer, “Righteousness By Faith in the New Testament”, in Here We Stand: Justification By Faith
Today (Londres: Hodder & Stoughton, I9B6), pp, 53,54.
33' Don B. Garlington, Faith, Obedience and Perseverance, trad. Paul Siebeck (Tubingen, Germany: J. C. B.
Mohr, 1994), p. 157.
34' Ibidem, p. 158.
35 Ibidem, p. IS8.
36
Anthony A. Hoekema, Saved by Grace (Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1989), pp. 11-17. Esse
é um excelente livro que usei muitas vezes, de modo proveitoso, como texto nas aulas de
soteriologia. Utilizei profusamente esse material nos últimos parágrafos deste capítulo. Ele considera, com
propriedade, a importância das categorias de pensamento sistemático e reformado, assim como os debates e
questões históricas. Ao mesmo tempo, baseia profundamente a doutrina da salvação na exegese do texto das
Escrituras.
"■Sinclair B. Ferguson, “Recovery and Confession”, in James M. Boice, org. Here / Stand:A Call from
Confessing Evangelicals (Grand Rapids, Michigan: Baker, 1996), no cap. 6,“Recovery and Confession”,
Sinclair B. Ferguson, p. 135.
“ Anthony A. Hoekema, Saved by Grace (Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1989), pp. 11-17.
1 Muitos teólogos reformados seguindo Calvino invertem o primeiro e o segundo usos da lei.
3i Lectures on Galatians, 1535, vol. 26 de Luther’s Works, org. Jeroslav Pelikan (St. Louis: Concórdia, 1963), pp.
30B.309.
4João Calvino, Institutos da Religiãa Cristã, org.JohnT. McNeill,trad. Ford Lewis Battles (Filadélfia:West-
minster Press, 1960). Livro 2, capítulo 7, parágrafo 10 (daqui em diante: Institutos 2.7.10).
6,Ao selecionar um termo para esse uso da lei, estamos conscientes das muitas possibilidades existentes na
literatura, mas escolhemos o termo que melhor expressa a noção reformada do relacionamento entre lei e
evangelho, a saber, que elas são complementares e não antitéticas. Estamos aqui tratando daquela função da
lei que prepara o coração do pecador para receber a Cristo livremente oferecido nos evangelhos aos
pecadores como o único Salvador da condenação, maldição e punição da lei - isto é, a convicção evangélica
e não legal. Os puritanos se destacaram na descrição dessa distinção, enfatizando o conceito de que a
convicção legal lida com o pecado em si mesmo e com a necessidade
de ser libertado dele por Cristo. Por exemplo, Stephen Charnock escreveu: “Uma pessoa convencida
legalmente estaria livre unicamente da dor [o pecado], a pessoa convencida evangelicamente estaria livre do
pecado [em si mesmo]”. (I. D. E.Thomas, Puritan Quotations (Chicago: Moody, 1975), p. 167.
7 A única diferença substancial entre Lutero e Calvino sobre o uso evangélico da lei é que, para
Lutero esse é o primeiro uso da lei, enquanto para Calvino o terceiro uso é o primeiro.
8 Luther’s Works, vol. 26, pp. 148, 150.
'“ The Loci Communes of Philip Melanchthan [1521] trad. Charles Leander Hill (Boston: Meador, 1944), p. 234.
"■ Scholia in Epistalam Pauli ad Calassense iterum ab authore recognita (Wittenberg: J. Klug. 1534), XLVIII r,
LXXXII v - LXXXIII v.
12 Ibidem, XCIIII v.
13 Ibidem, XVII r.
14 Ibidem, XC v.
I5, Ibidem, L v.
16 Timothy Wengert, Lex et Poenitentia: The Anatomy of an Early Reformation Debate Between
Philip Melanchthon and John Agricola from Eisleben (a sair), 303 (trabalho datilografado).
18 Melanchthon on Christian Doctrine (Lad communes 1555), trad, e ed. Clyde L. Manschreck
(Oxford: University Press, 1965), p. 127.
19
Cf. Hans Engelland,Melanchthon, Glauben und Handeln (Munique: KaiserVerlag, l93l);Werner Elert, “Eine
theologische Falschung zur Lehre vom tertius usus legis”, Zeitschrift fur Religions- und Geistesge-schichte I
(1948): pp. 168-170; Wilfried Joest, Gesetz und Freiheit: Das Problem des tertius usus legis bei Luther und die
neutestamentliche Parainese (Gottingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1951); Hayo Gerdes, Luthers Streit mit den
Schwarmern urn das rechte Verstandnis des Gesetzes Mose (Gottingen: Gottiner Verlagsanstalt, 1955), pp. I I l-l
16: Gerhard Ebeling, Luther:An Introductions to His Thought, trad. R. A. Wilson (Filadélfia: Fortress, 1970);
Eugene F. Klug,“Luther on Law, Gospel, and the Third Use of the Law”, The Springfielder 38 (1974), pp. I55-
I69;A. C. George,“Martin Luther’s Doctrine of Sanctification with Special Reference to the Formula Simul
lustus et Peccator: A Study in Luther’s Lectures on Romans and Galatians” (dissertação de doutorado,
Westminster Theological Seminary, 1982), pp. 195-210.
20 Cf. Paul Althaus, The Theology of Martin Luther, trad. Robert Schultz (Filadélfia: Fortress, 1966), p. 267.
22 Ver tratados de Lutero: On Good Works,The Freedom of the Christian, Small Catechism, Large Catechism, e
Disputations with Antinomians.
23 Citado por Donald MacLeod,“Luther and Calvin on the Place of the Law”, in Living the Christian
Life (Huntingdon,lnglaterra:Westminster Conference, 1974),pp. 10,11.
24 Falando sobre os crentes, Bucer ensinou que “Cristo certamente nos libertará [//berosse], mas não nos
eximirá [so/visse] da lei”, (Enarratianes [1530], 158b; cf. 50a-5lb). François Wendel sugere que as três
funções da lei “reconhecidas por Melanchthon” foram “mais enfatizadas por Bucer em seu Commentaries”
(Calvin: The Origins and Development of His Religious Thought, trad. Philip Mairet [Nova York: Harper & Row,
1963], 198). Por exemplo, Bucer escreveu que a lei “de forma nenhuma está abolida, mas é tão mais potente
em cada um daqueles que são mais ricamente contemplados com o Espírito de Cristo” (Wendel, Calvin, p.
204). Cf. Ralph Roger Sundquist,“The Third Use of the Law in theThought of John Calvin: An
Interpretation and Evaluation” (Ph.D. dissertation, Union Theological Seminary, 1970), pp. 317,318.
25 Para Calvino, o uso condenatório da lei não é o seu uso “apropriado”, pois essa função servia apenas
para conduzir o pecador a Cristo, e o uso civil representou apenas um propósito “acidental”. Cf. Victor
Shepherd, The Nature and Function of Faith in the Theology of John Calvin (Macon, Geórgia: Mercer University
Press, 1983), pp. I53ss.
26 Selected Works of John Calvin: Tracts and Letters, org. Henry Beveridge and Jules Bonnet, 1849; reimp.
27 João Calvino, Institutos do Religião Cristã: 1536, trad. Ford Lewis Battles (Grand Rapids,
Michigan: Eerdmans, 1975), p. 36.
28 Institutos 2.7.12. Calvino colige considerável apoio para esse seu terceiro uso da lei dos salmos da-
vidicos (cf. /nst/tutas 2.7.12 e seu Commentary on the Book of Psalms, trad. James Anderson, 5 volumes [Grand
Rapids: Eerdmans, 1949]).
29 I. John Hesselink,“Law - Third Use of the law", in Encyclopedia of the Reformed Foith, org. Donald
K. McKim (Louisville, Kentucky: Westminster/John Knox, 1992), pp. 215,216. Cf. Edward A.
Dowey,Jr.,“Law in Luther and Calvin”, Theology Today 41,2 (1984): 146-153; I. John Hesselink, Calvin's
Concept of the Low (Allison Park, Pensilvânia: Pickwick, 1992), pp. 251-262.
31 W. Robert Godfrey, “Law and Gospel”, in The New Dictionary of Theology, org. Sinclair B.
Ferguson, David F. Wright, e J. I. Packer (Downers Grove, III.: InterVarsity Press, 1988), p. 379.
33 Ernest F. Kevan, The Groce of Law (Pittsburgh: Soli Deo Gloria, 1990) fornece uma exposição
completa do ensino puritano sobre o relacionamento do crente com a lei.
34 Anthony Burgess, Spiritual Refining: or o Treatise of Grace ond Assurance (Londres: A. Miller, 16S2),
p. 563.
35 Thomas Bedford, An Examination of the Chief Points of Antinomionism (Londres, 1646), pp. 15,16.
36 Samuel Rutherford, The Trial andTriumph of Faith (Edimburgo:William Collins, 1845),p. 102; Catechisms of
the Second Reformation, org.Alexander F. Mitchell (Londres: James Nisbet, 1886), p. 226.
37 Samuel Crooke, The Guide unto True Blessedness (Londres, 1614), p. 85.
34
Westminster Confession of Foith, pp. 94,95.
41 Além dos tratados sobre os Dez Mandamentos e sobre os Padrões de Westminster, veja
Thomas Shepard,The Doctrine ofthe Sabbath (Pittsburgh: Soli Deo Gloria, 1992); John Owen, An Exposition of
the Epistle to the Hebrews, org.W. H. Goold (Londres: Johnstone & Hunter, 1855), vols. 3,4 sobre
Hebreus 3,4; Jonathan Edwards,"The Perpetuity and Change of the Sabbath”, in TheWorks of Jonathon
Edwards (1834; reimp. Edimburgo: 8anner ofTruth Trust, 1974), vol. 2, pp. 93-103; Robert Dabney,“The
Christian Sabbath: Its Nature, Design, and Proper Observance”, in Discussions: Evangelical ond Theological
(1890; reimp. Londres: Banner ofTruth Trust, 1967), vol. I, pp. 496-S50; Matthew Henry,"A 5erious
Address to Those that Profane the Lord's Day”, in The Complete Works of Matthew Henry (1855; reimp.
Grand Rapids, Michigan: Baker, 1979), vol. I, pp. 118-133;W. B. Whitaker, Sundoy in Tudor ond Stuart Times
(Londres: Houghton, 1933); Daniel Wilson, The Divine Authority and Perpetual Obligation of the Lord's Day (1827;
reimp. Londres: Lord’s Day Observance Society, 1956); John Murray, “The Moral Law and the Fourth
Commandment", in Collected Writings (Edimburgo: Banner of Truth Trust, 1976), pp. 193-228; James I.
Packer,“The Puritans and the Lord’s Day", in A Quest for Godliness (Wheaton: Crossway, 1990), pp. 233-
243; RogerT. Beckwith and Wilfrid Stott, The Christian Sundoy:A Biblicol ond Historical Study, 1978; reimp.
(Grand Rapids, Michigan: Baker, 1980); Errol Hulse,“Sanctifying the Lord’s Day: Reformed and Puritan
Attitudes", in Aspects of Sanctification (Westminster Conference of 1981; Hertfordshire,
Inglaterra: Evangelical Press, 1982), pp. 78-102; James T. Dennison, Jr. The Morket Day of the Soul.-The Puritan
Doctrine of the Sobboth in England, 1532-1700 (Nova York: University Press of America, 1983); Walter
Chantry, Coll the Sobboth o Delight (Edimburgo: Banner ofTruth Trust, 1991).
42 Cf. MacLeod,“Luther and Calvin", pp. 12,13, a quem somos devedores por um útil resumo de
observações sobre a normatividade da lei para o crente.
44 Citado em John Blanchard, Gothered Gold (Welwyn, Hertfordshire, Inglaterra: Evangelical Press, 1984),
p. 181.
46- Para uma descrição mais detalhada do relacionamento entre justificação e santificação, veja Joel
R. Beeke,“The Relation of Faith to Justification”, in Justification by Faith ALONE!, org. Don Kistler
(Morgan, Pensilvânia: Soli Deo Gloria, 1995), pp. 82ss.
47- Ernest F. Kevan, Keep His Cammondments:The Place of Law in the Christian Life (LondresrTyndale
Press, 1964), p. 28.
51
Calvino, Institutas 3.7.1.
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