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A contextualização da

igreja de Cristo
Igrejas fiéis no mundo de hoje
Paschoal Piragine Júnior, compilador

A contextualização da
igreja de Cristo
Igrejas fiéis no mundo de hoje

ál
JUERP

Rio de Janeiro
O Paschoal Piragine Júnior, 2002

Com todos os direitos de publicação reservados a


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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ, Brasil)

Piragine Júnior, Paschoal, compilador


A contextualização da igreja de Cristo — Igrejas fiéis no mundo de hoje/Paschoal Piragine
Júnior (Compilador) — Rio de Janeiro: JUERP, 2003
Inclui bibliografia
ISBN 85.350-0211.8
1. Igreja de Cristo, A contextualização da — Natureza. História. Movimentos. I. Título

CDD 280.286

(") Este livro foi editado em convênio com a CBB e suas entidades de Educação Religiosa
por se tratar do livro-tema do ano de 2003 para a Convenção Batista Brasileira.
A contextualização
da igreja de Cristo

Igrejas fiéis no mundo de hoje

Apresentação - Pr. Sócrates Oliveira de Souza 07


Dedicatória —O editor 09
Introdução - "Entrando no círculo" - Pr. Paschoal Piragine Jr 13

Primeira parte - Fundamentação teológica

Capítulo 1 - Que é contextualização?


Uma ferramenta indispensável à obra missionária. - Pr. Donald Price 19
Capítulo 2 - O Brasil um país multicultural
Contextualizando a evangelização no Brasil - Pr. Hans Udo Fuchs. 25
Capítulo 3 - Contextualização:
Ferramenta do Espírito Santo no livro de Atos - Pr. Russel Shedd 39
Capítulo 4 - Contextualização e tradição na igreja pós-moderna
Pr. Luís Saião 51
Capítulo 5 - Que significa contextualização em uma igreja local
Pr. Lourenço Stélio Rega 65
Capítulo 6 - Contextualizando a visão para uma igreja local
Pr. Paschoal Piragine Jr 87
Capítulo 7 - Contextualizando a celebração na igreja brasileira
Pr. Marcílio de Oliveira Filho 101
Segunda parte - Movimentos contemporâneos de contextualização

Capítulo 8 - Igreja com propósitos


Pr. Carlito Machado Paes, São José dos Campos, SP 121
Capítulo 9 - Rede Ministerial e Projeto Ponte da Fé
Pr. Manoel Xavier dos Santos Filho, Tijuca, RJ 149
Capítulo 10 - Igreja em células
Pr. Jésus Silva Gonçalves, Vitória, ES 155
Capítulo 11- Igreja em células
Um processo contínuo de transformação - Pr. Joarês M. de Freitas, Vitória,ES.. 171
Capítulo 12 - Igreja em células
Células com DNA Batista - Pr. Gilson Breder, Campo Grande, MS 181

Terceira parte - Exemplos brasileiros de contextualização da igreja local

Capítulo 13 - Usando a tecnologia como ferramenta de contextualização


MM Eudes Jansen 189
Capítulo 14 - Alcançando as pessoas do nosso bairro
Pr. Lysâneas Moura, Morumbi, SP 197
Apêndice ao capítulo 14
Entrevistando o Pr. Ary Veloso, Morumbi, SP 213
Capítulo 15 - Contextualização em uma igreja centenária
Pr. Elias Theodoro, P113 de Belém, PA 219
Capítulo 16 - Contextualização e revitalização
Pr. Rafael Antunes Vieira, Casimiro de Abreu, RJ 227
Capítulo 17 - A igreja subsistindo num centro sem comunidade
Pr. Miquéias da Paz Barreto, Recife, PE 231

Quarta parte - A batalha da contextualização

Capítulo 18 - Os principais desafios


Pr. Washington R. de Souza, Méier, RJ 255
Capítulo 19 - Os problemas que enfrentamos
Pr. Edvar Gimenez, Recife, PE 261

Conclusão — Pr. Paschoal Piragine Jr, Curitiba, PR. 265

Bibliografia 271
Apresentação

Nós, os batistas estamos recebendo da Convenção Batista Brasileira,


através de nossa editora - JUERP - uma das mais profundas contribuições
para a vida da igreja nos últimos anos. Esta obra vem contribuir para o
enriquecimento de todos aqueles que estão comprometidos com a missão
integral da igreja. Com certeza os frutos da leitura e aplicação dos princípios
aqui contidos serão imediatamente vistos e ouvidos.

Apesar de todo o crescimento tecnológico atual da busca intensa de


governos e organizações do terceiro setor para a inclusão digital a verdade
é que grande parte das dificuldades e crise que a humanidade enfrenta
hoje é a da comunicação, não por falta de meios, mas pela pluralidade
transcultural a que estamos submetidos. A cada dia vem crescendo
geometricamente a comunidade global, onde pessoas de diversas culturas,
dos mais diferentes costumes vêem-se obrigadas a conviverem juntas, a
dividirem os mesmos espaços, os mesmos recursos e isto cria uma grande
dificuldade de comunicação.
A linguagem usada é cada vez mais global e passageira, gerando tensões
nos processos de transmissão de valores educacionais, morais e religiosos.
Isto coloca a igreja diante de desafios nada fáceis de serem vencidos. É
preciso ter coragem de apresentar a mensagem das boas novas em
linguagem atual; não se pode subestimar a importância dos fatores culturais
da comunicação sem correr o risco da mensagem não encontrar eco. A
tarefa é cada dia mais intensa e desafiadora uma vez que as oportunidades
escasseiam, outros valores estão sendo permeados e distanciam mais e
mais a humanidade dos verdadeiros valores espirituais.

Este livro foi preparado com o objetivo de ajudar os crentes, como


igreja, a enfrentarem os desafios do sincretismo crescente, a correrem com
segurança os riscos naturais da modernidade ou da pós-modernidade e a
perceberem que se de um lado existe a necessidade de atitudes ousadas e
de formas criativas para alcançar a todas as pessoas, do outro lado existe
também a preocupação de não comprometer a fidelidade aos princípios
bíblicos doutrinários, a autenticidade da fé e da vida cristã. Este livro foi
compilado e escrito por homens que estão profundamente comprometidos
com a Palavra de Deus e com a missão da igreja hoje. Não se trata de um
conjunto de conceitos ou regras teóricas, mas de valores vivenciados no
dia-a-dia do ministério na igreja.

Expressamos nossa gratidão aos autores pela dedicação, pela presteza


de contribuírem de forma voluntariosa para que a Convenção Batista
Brasileira, dentro de seu plano global de atuação, pudesse neste ano oferecer
o conteúdo desta obra que expressa a nossa preocupação contínua com a
continuada tarefa em busca da excelência.

Pr. Sócrates Oliveira de Souza

Secretário Geral da Convenção Batista Brasileira


Dedicatória
A JUERP - Junta de Educação Religiosa e Publicações da Convenção Batista
Brasileira, no momento em que temo privilégio, como editora da denominação, de
trazer às nossas igrejas e suas lideranças, um livro de tal envergadura editorial,
dedica esta obra a todo o ministério pastoral batista que num momento como
o presente, se debate e luta por manter fiel a sua igreja, diante de um mundo
em constante mutação, aos padrões que recebemos da Palavra de Deus.

Isto faz, porque pastores como:

Donald Price, pastor batista, missionário no Brasil da Missão


Batista Conservadora da outra América. É o Diretor Presidente
da Edições Vida Nova, em SP, capital, onde presentemente conduz
em parceria com a JUERP uma revisão da versão "Revisada", a
nova "Almeida Século XXI";

Hans Udo Fuchs, editor e tradutor, membro da I.B. Central em


Londrina, PR.

Russel Shedd, editor, autor de livros e conferencista dos mais


renomados entre a liderança evangélica no Brasil nos dias de hoje.
Nascido na Bolívia, filho de pais missionários, fez seus estudos nos
Estados Unidos e na Europa. Bacharel, Mestre e Doutor em
Divindades. Pastor batista, trabalhou também em Portugal. Aqui no
Brasil foi professor da FTBSP tendo implantado diversas igrejas no
estado de SP. Foi fundador e primeiro diretor por muitos anos da
Edições Vida Nova e participante da Comissão da NIV para o Brasil.
Casado com Patrícia D. Shedd, têm cinco filhos e nove netos;
Luís Saião, pastor da I.B. Graça e Paz, em SP, lingüista, Mestre
em Hebraico pela USP, Coordenador na NVI da Bíblia, editor
acadêmico de Edições Vida Nova, onde coordena para a IBB a
nova versão "Almeida Século XXI" e professor da área bíblica
da Faculdade Teológica Batista de São Paulo;

Lourenço Stélio Rega, bacharel e Mestre em Teologia, licenciado


em Filosofia, Mestre em Educação e doutorando em Ciências da
Religião. Diretor da Faculdade Teológica Batista de SP,
Presidente da ABIBET da CBB;

Paschoal Piragine Júnior, pastor da Primeira Igreja Batista de


Curitiba, professor na Faculdade Teológica Batista do Paraná,
doutorando em Ministério pela Faculdade Teológica Sul
Americana, casado com Cleusa Ferreira Piragine, compilador
deste livro, autor da Introdução, do capítulo 6 e da Conclusão;

Marcílio de Oliveira Filho, nascido em Santos, SP em 1947. Técnico


em Adm. de Empresas, Bacharel em Música Sacra, Bacharel em
Canto. Atuou como Ministro de Música na PIB de Santos e IB do
Ipiranga, ambas em SP e há 13 anos na PIB de Curitiba, PR.
Fundador e ex-presidente da AMBB, foi membro da Comissão
encarregada da preparação do Hinário para o Culto Cristão.
Compositor, escritor de diversos artigos em periódicos evangélicos,
conferencista e idealizados do congresso "Louvação" há 7 anos e
vários outros congressos de louvor e adoração nacionais e
internacionais. Casado com Zelda Cardoso Schimenes de Oliveira
há 33 anos. Pais do Pr. Marcílio de Oliveira (casado com Ana
Cristina MOliveira), Mônica Schimenes e Marcelo C.S. de Oliveira;

Carlito Machado Paes, natural de Macaé, RJ, é pastor batista


há 10 anos; casado com a Profa. Leila Apse Paes têm quatro
filhos (Ana Carolina, Ana Beatriz e os gêmeos João Pedro e João
Victor). Formado em Teologia é Bacharel e Mestre pelo STBSB;
E o pastor titular da PIB de São José dos Campos, SP, diretor do
CETEVAP, membro do Conselho da O.M. Brasil e do Ministério
Caminhada Bíblica no Brasil. Presidente do Ministério Propósitos:
Treinamento & Recursos;

Manoel Xavier dos Santos Filho, pastor da Igreja Batista


Memorial da Tijuca, RJ, nos últimos 11 anos, foi pastor auxiliar
da PIB de Curitiba e da IB Bacacheri, ambas no Paraná onde
começou seu ministério. Casado com Clenir da Trindade Xavier
dos Santos, têm três filhos: Fábio, Filipe e Luana. Formado pelo
STBSB em 1978, em Psicologia pela UES no RJ foi professor no
STB do Paraná e do Mestrado no STBSB. Tem diploma em Estudos
Pastorais pelo Spurgeon's Seminary e em Mestrado em Teologia
Pastoral pela Universidade do País de Gales. Foi presidente da
JUMOC por duas vezes;

Jésus Silva Gonçalves, formado pelo STBSB onde fez o


Bacharelado e o Mestrado, é atualmente, pastor da Igreja Batista
do IBES (Instituto do Bem Estar Social), em Vitória, ES. Doutor
em Teologia pelo STBNB tendo defendido sua tese nos dias em
fechávamos esta edição (Sábado, 01.12.02);

Joarês Mendes de Freitas, pastor há 20 anos. Dez deles na PIB


da Barra da Touca, RJ, e os últimos 10 na IB Jardim Camburi,
Vitória, ES. Foi professor no STBSB e no IBER, enquanto no Rio,
e agora em Vitória, no SETEBES da CBES. Ex-presidente da JMN
e da CBEES. Casado com Ana Gilda Macêdo Mendes têm três
filhas: Grasiele, Lisiane e Ana Rachel;

Gilson Breder, pastor da Primeira Igreja Batista de Campo


Grande, MS, há doze anos. Anteriormente pastor da I.B. de São
Bernardo do Campo, SP, por onze anos. Formado em Bacharel
em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de SP, e em
Psicologia pela Universidade Católica Dom Bosco, MS. Tem
atuado como Vice-Presidente da JMM da CBB, Presidente da
OPB (Secção ABC-SP) e Secretário da Faculdade Teológica
Batista do Grande ABC-SP. Casado com Vasti Siébra Breder,
psico-pedagoga, mestranda em Educação na UFMS. Pai de Emili,
Aline e Yuri S. Breder.

MM Eudes Jansen, Ministro de Música na Igreja Brasileira na


Bay Area — São Francisco — Califórnia — USA.

Prs. Lysânias Moura e Ary Veloso. Pastor Lysânias exerce seu


ministério como auxiliar do Pastor Ary Veloso na Igreja Batista
do Morumbi, SP. Este, que é o pastor titular da igreja, também
participa de nosso livro com uma entrevista muito bem formulada
pelo autor deste capítulo.
Elias Teodoro, pastor há 33 anos, passou por ministérios em
Recife e Caruaru (PE), Ribeirão Preto (SP), Salvador (BA),
Fortaleza (CE), estando presentemente há 11 anos no ministério
da PIB do Pará, em Belém, uma das poucas igrejas centenárias
do nosso Brasil Batista;

Rafael Antunes Vieira, pastor há 20 anos, já está há 12 anos na


PIB de Casimiro de Abreu, RJ. Casado com Rosimar de C.A. Vieira
há 22 anos são pais de Flávia e Lyvia. Bacharel em Teologia
pelo STBFluminense onde também é pós-graduando em História
da Igreja. Membro do Haggai Institute é Diretor-Executivo do
Centro Educacional Batista.

Miquéias da Paz Barreto, pastor da I. B. Concórdia, Recife, PE ;


foi o presidente da última Campanha Nacional de Evangelização
da CBB realizada em 1999, sob o tema "Proclamando Cristo —
Jesus Cristo é a Ún
ica Esperança".

Washington Rodrigues de Souza, pastor da Igreja Batista do


Méier, RJ, professor do STBSB; preletor, juntamente com a esposa,
Marizete Rodrigues, em inúmeros congressos e seminários sobre
Família; autor de uma revista alternativa da JUERP abordando
o tema "A família diante de Deus".

Edvar Gimenes de Oliveira, nasceu em Garça (SP); esposo de


Gláucia Carvalho Gimenes; pai de Mônica e Raphael; pastor da
Igreja Batista Emanuel, em Boa Viagem, Recife, PE; Bacharel e
mestrando em Teologia pelo STBNB. Licenciado em Pedagogia e
habilitado em Administração Escolar pela UFPE; colunista do
"O Jornal Batista" e Presidente da Comissão Predial Batista; foi
diretor do Colégio Americano Batista do Recife, PE; Membro da
JUMOC e da Junta do STBNB; professor do STBNB e do SEC;
tem atuado como preletor em congressos, seminários e
conferências em diversos estados da federação.

... em meio a tantas injunções de marketing e de modismos modernos,


resistem por manter as suas igrejas contextualizadas mas fiéis no mundo de
hoje ao Senhor dela.

O editor.
Introdução
"Entrando no círculo"
Pastor Paschoal Piragine Júnior
Compilador

Há tempos ouvi um querido amigo Pr. Paulo Solonca, contar-me uma


experiência que marcou a sua vida. Ele havia se candidatado a ajudar uma
missão a introduzir Bíblias em países fechados à fé cristã, na África . Estava se
preparando para desincumbir-se de sua missão e recebia orientações na África
do Sul, próximo de uma região onde um avivamento ocorre há vários anos e
um desejo ardente tomou o seu coração. Estou tão perto, por que não ver o
que Deus tem feito neste lugar? Fez os arranjos necessários e foi. Seu coração
vibrava de ansiedade para poder aprender o mais que pudesse sobre este
mover do Espírito Santo naquele lugar. Conheceu tudo o que pôde, ficou
impressionado com a obra de Deus e desejoso de saber o segredo que poderia
produzir tudo aquilo no seu ministério e igreja. Por isso, insistentemente, ele
perguntava ao líder espiritual daquele lugar: qual era o segredo? Aquele sábio
ancião lhe disse: Vou lhe contar o segredo! Venha comigo!

Levou-o a uma pequena choupana, tomou um giz em sua mão e


cuidadosamente desenhou um círculo no chão e disse: entre dentro deste
A contextualização da igreja de Cristo

círculo e não saia daí sem que tenha resolvido a sua própria vida com
Deus. Este é o segredo!

Muitas vezes, pegamos um livro ou ouvimos um sermão na esperança


de que o segredo do sucesso nos seja ensinado passo a passo. Se esta foi
a sua motivação ao começar a ler este livro quero desanimá-lo desde agora.
Este trabalho não tem como propósito dar-lhe a receita de um ministério
bem-sucedido, nem ser outro enlatado que possamos usar como receita
mágica de crescimento numérico.

Mas é uma tentativa de ajudar-nos a entender a igreja e a sua missão,


no sentido mais amplo, de levar a mensagem de Deus a um determinado
povo, em uma determinada época e cultura.

Charles Van Egen, em seu livro, "Povo Missionário, Povo de Deus",


diz que há várias formas de se entender a igreja destacando as três que
mais identificam os movimentos contemporâneos: 1) o da igreja modelo
- que usa certas congregações como exemplos ou modelos para outras;
2) o da amostragem maior - que usa a análise estatística e os estudos
sociológicos para ressaltar certos aspectos importantes que talvez se
mostrem oportunos; 3) o da pesquisa bíblica - que leva em conta os
exemplos, as ordenanças e as verdades proposicionais da Bíblia a
cerca da igreja' e os contextualiza a um povo em uma determinada
época.

A nossa proposta é olharmos como uma igreja pode crescer


integralmente retirando princípios, motivação e poder, das Escrituras e
aplicando-os de modo prático às realidades de uma igreja local que tem as
suas peculiaridades intrínsecas e extrínsecas, pois ela está inserida em uma
cultura local, tem uma história por trás, uma tradição consolidada e ministra
a um povo cuja cultura é própria e tem necessidades específicas.

' Egen, Charles Van , pg 19

14
Introdução — "Entrando no círculo"

Ao mesmo tempo aprender com as experiências bem-sucedidas


daqueles que têm tentado contextualizar a sua ação lembrando, entretanto,
que as suas estratégias, métodos e filosofia levaram em conta todas as
variantes de uma localidade, por isso, não podem ser vistas como um
pacote pronto que se encaixe a forma de qualquer lugar em qualquer época.

Queremos também levar em conta as descobertas feitas pela


amostragem maior, e pelos estudos tanto da sociologia quanto dos
movimentos missiológicos contemporâneos, mas sempre enfatizando que
os valores que devem nortear a nossa missão precisam ser oriundos da
Palavra e os métodos contextualizados à cultura e às necessidades do
povo para quem Deus nos colocou como pastores.

Para cumprir este propósito, Deus nos permitiu juntar um grupo de


colaboradores que tem conhecimento, experiência e vida para compartilhar
conosco. Alguns estão nos ajudando a conceituar o nosso assunto, outros
estão compartilhando os processos que os levaram a viver o estilo de
ministério que estão realizando e quase todos estão compartilhando tanto
as suas vitórias quanto seus fracassos no processo de implantar a visão de
Deus no seu contexto. Espero que as realidades aqui compartilhadas
possam ajudá-lo a crescer na descoberta da sua própria missão.

Na história do meu amigo, ele procurava um modelo, ou um método e


o sábio ancião o conduziu a Deus, à sua Palavra e a ele mesmo.

Creio que o grande desafio da contextualização é uma recondução a


Deus e à sua Palavra, a nós mesmos e ao povo que ministramos, pessoas
que carecem ser trabalhadas e alcançadas pela graça, sendo, para isto,
dirigidos pelo soberano Senhor de nossa vida e não conduzindo Deus aos
projetos, sonhos e motivações do nosso coração.

A contextualização começa comigo e com você, servos de Deus,


entrando dentro deste circulo, não somente para ter a revelação de Deus,
mas para sermos revelados a nós mesmos pelo nosso Senhor, vendo com

15
A contextualização da igreja de Cristo

os olhos dele as realidades que nos cercam e a missão que temos a executar
em seu nome.

Ali, no centro do círculo, nos vemos e vemos Deus, nos analisamos


com os olhos de Deus, percebemos as pessoas que são o alvo do amor do
nosso Deus. Choramos as nossas motivações, que nem sempre são as do
nosso Senhor - dar a vida para redenção de muitos!

Por isso, ao começar a leitura deste livro quero desafiá-lo, antes de


mais nada, a entrar neste círculo e deixar que o Espírito do Deus vivo
trabalhe primeiro o seu coração para que os valores se impregnem em sua
alma, para que a glória de Deus seja, verdadeiramente a sua motivação, a
espada do Espírito a sua arma, e a amplitude do reino a sua visão.

Só dentro do círculo entendemos e vemos estas coisas.

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Primeira parte

Fundamentação teológica
Capítulo 1

Que é contextualização?
Na corda bamba entre a fidelidade às
Escrituras e a relevância cultural
Pastor Donald Price

Em termos históricos, todas as igrejas evangélicas do Brasil têm suas


origens ou na imigração de estrangeiros ao Brasil ou no trabalho de
missionários transculturais no Brasil oriundos, em sua maioria, dos Estados
Unidos. Até as igrejas e denominações mais recém-formadas, que
atualmente não têm absolutamente nenhum vínculo institucional com
entidades estrangeiras podem encontrar nas raízes de sua árvore genealógica
traços do protestantismo de imigração ou do protestantismo de missão.'
1 Diga-se, de passagem, que a própria Igreja Católica não se isenta. Ela apenas
veio a estas bandas junto com os colonos portugueses, uns séculos antes dos
evangélicos atuais.
A contextualização da igreja de Cristo

As igrejas da Convenção Batista Brasileira não fogem a esse padrão.


Muito embora as igrejas da Convenção possam encontrar suas eventuais
raízes históricas no trabalho dos primeiros missionários vindos da Convenção
Batista do Sul dos Estados Unidos, esses missionários foram convidados
a virem ao Brasil pelos colonos sulistas que para aqui vieram dos Estados
Unidos após a derrota do Sul na Guerra Civil daquele país. Ou seja, muito
embora o trabalho da CBB seja fruto direto do protestantismo de missão,
também é fruto indireto do protestantismo de imigração.

Alguém perguntará: Por que esta aula de história? Pensei que íamos
falar da contextualização!

Sim, vamos falar da contextualização. Mas, para isso, temos de


entender que nossas crenças e práticas eclesiásticas não vieram diretamente
do céu. Muito pelo contrário, vieram mediadas por processos históricos.
A própria revelação de Deus veio em muitas formas dentro da história, foi
transcrita pelos homens que a receberam dentro da história. Portanto, é
mister entender o processo mediante o qual o evangelho vem sendo
contextualizado ao longo da história, pois ainda fazemos parte dele.

Para explicar a contextualização, usarei o modelo a seguir. Nele, o


triângulo representa as diversas culturas bíblicas, dentro das quais Deus se
revelou, e a Bíblia veio a nós. O quadrado representa a cultura do
missionário, daquele agente transcultural que saiu da sua casa, e da cultura
de origem para levar a Palavra a pessoas que, sem ele, não poderiam ouvir
do grande amor e da graça de Deus. E o oval representa a nossa cultura,
qualquer que seja, quando recebemos o evangelho de pessoas de uma
outra cultura.

Modelo da comunicação tricultural

Três culturas na comunicação da mensagem bíblica: É bom lembrarmo-


nos de que o missionário que comunica a mensagem bíblica não lida apenas
com duas culturas, e sim com três. Além do fato de a cultura do respondente

20
Capítulo 1— O que é contextualização

ser diferente da cultura do iniciador, os autores dos livros da Bíblia, que


são os iniciadores primários, viviam em outra ainda bem diferente. Usando
o triângulo, o quadrado e o círculo para representar as três culturas,
podemos elaborar um modelo gráfico da comunicação missionária:

IMR

CULTURA DO
MISSIONÁRIO

O processo da contextualização dá início à auto-revelação de Deus a


seres humanos dentro de determinados contextos histórico-culturais. Em
cada momento de comunicação entre Deus e as pessoas, existem quem
inicia a comunicação (I), a mensagem comunicada (M) e quem responde
àquilo que foi comunicado (R). Quem responde inicia outro ciclo de
comunicação, e assim vai sucessivamente, ao longo dos milênios.

Para que fosse entendido, Deus teve de codificar sua mensagem em um


código de modo que quem a recebia seria capaz de compreender. Simplesmente
não existe comunicação sem compreensão por parte de quem recebe a mensagem

Isso quer dizer que, no mínimo, Deus teve de usar a linguagem de


quem o ouvia e explicar sua mensagem dentro do frame de referência de
quem a recebia, ou seja, dentro de seu contexto histórico, social, cultural
e psicológico, para assegurar-se de que quem recebia a mensagem
entenderia o que Deus queria comunicar-lhe. E essa é a essência da

21
A contextualização da igreja de Cristo

contextualização: colocar-se dentro da perspectiva da outra pessoa e buscar


comunicar-lhe tudo que nós entendemos e experimentamos de Deus de
maneira que ela possa chegar a ter o mesmo entendimento e a mesma
experiência de Deus que nós temos, resguardadas as diferenças de
personalidade e cultura. Talvez seja melhor dizer que nosso objetivo é que
a outra pessoa entenda e experimente o mesmo Deus que nós !

Existem, portanto, pelo menos três momentos distintos na


contextualização. O primeiro veio quando Deus se revelou às pessoas dentro
do contexto das diversas culturas bíblicas. O segundo veio quando esta
revelação foi transmitida pelos seus receptores iniciais para pessoas de
outras culturas e contextos histórico-sócio-culturais. E o terceiro vem
quando nós, neste momento histórico, dentro da cultura brasileira, buscamos
fazer sentido da revelação de Deus e o que ela tem a nos dizer dentro do
nosso contexto.

Quais são as implicações deste modelo para a nossa prática da


contextualização? Em primeiro lugar, entendemos que a maneira como
Deus falou para quem recebeu sua revelação nas Escrituras se enquadrava
dentro da forma de pensar daquela pessoa ou povo. Trocando em miúdos,
os livros de Isaías e Marcos foram escritos para audiências diferentes e
nenhum deles foi escrito diretamente para nós, os servos de Deus no Brasil
na virada do milênio. Portanto, precisamos entender, primeiro, o que Deus
queria dizer a quem recebeu esses livros para depois compreender o que
está nos dizendo. Erramos, muitas vezes, porque queremos pular
diretamente para aquilo que está nos dizendo, como se sua Palavra nos
fosse dirigida inicialmente.

Em segundo, uma parcela relativamente grande da nossa doutrina e


prática eclesiástica vem da nossa tradição, de pessoas que vieram antes
de nós e procuraram interpretar as Escrituras para seu momento histórico
e cultural, que, obviamente, não é o mesmo momento que estamos vivendo.

Devemos jogar fora a tradição, então? Não necessariamente.

22
Capítulo 1— O que é contextualização

Mas precisamos reavaliá-la para ver até


vemos jogar
que ponto ela é relevante ao nosso contexto tra t ao nt
atual. o
cessanamente
O que nos traz à terceira e mais
importante conclusão: nós, em nosso atual vai a para
momento histórico, temos a incumbência de
interpretar as Escrituras para o nosso
momento. Quando fazemos isto, precisamos
buscar entender o que Deus queria dizer aos
seus primeiros interlocutores, fazer uma leitura da nossa cultura para ver
os pontos coincidentes com a experiência dos que primeiro receberam a
Palavra e aplicá-la ao nosso momento histórico.

Portanto, permanecemos na corda bamba entre a fidelidade às


Escrituras, ou seja, o desejo de interpretá-las segundo as intenções de seu
Autor divino, e a relevância à nossa cultura. Se exagerarmos com relação
à relevância, corremos o risco de nos esquecermos da fidelidade à
mensagem de Deus. E se, em nome da fidelidade às Escrituras, não
dirigirmos a Palavra para os anseios e necessidade do nosso momento
histórico, corremos o risco da irrelevância.

Contextualização, portanto, é permanecer na corda bamba entre a


fidelidade às Escrituras e a relevância à nossa cultura, sem cairmos para
um lado ou para o outro.

23
Capítulo 2

Brasil, um país multicultural


Contextualizando o evangelho no Brasil
Pastor Hans Udo Fuchs

Nasci no Rio Grande do Sul, mas mudei para o Paraná quando jovem,
e minha esposa, curitibana, sempre diz que sou gaúcho "fajuto" (jargão do
sul - caipira): não uso bombachas, só tomo chimarrão na casa dos outros,
e o pouco que sei sobre assar churrasco aprendi com um paranaense.

Depois de uma década longe do Rio Grande, voltei para lá para dar
aulas num seminário. Em parte do tempo, pastoreei uma igreja local. A
igreja estava no começo, e o trabalho era missionário, que tem seus lados
bons: todo domingo quando eu voltava do culto da manhã, meu vizinho
estava começando a assar seu churrasco. Enquanto minha esposa preparava
o nosso almoço, eu sentava com ele para fiscalizar quando as lingüicinhas
A contextualização da igreja de Cristo

ficariam prontas; durante a semana, minha esposa trocava idéias com a


esposa dele sobre seu trabalho como costureira. Alguns poucos meses de
amizade despertaram neste casal o desejo de encontrar em Cristo a paz
de coração que nós tínhamos.

Eu gosto do trabalho pastoral: visitar membros da igreja e interessados,


estudar a Bíblia com crentes e descrentes, desafiá-los à fé e à vida para
Cristo. Quase todas as noites estávamos com alguma família. Nunca faltava
uma cuia de chimarrão a passar de mão em mão. É a primeira coisa que o
gaúcho se lembra pela manhã e a última à noite, e se ele é cristão, lê a
Bíblia cedo, acompanhado do mate.

O problema é que a mateína é um estimulante mais forte que a cafeína!


Depois dessas visitas, eu não conseguia dormir, às vezes por horas além
da meia-noite. É claro que eu poderia recusar o chimarrão; mas eu não
estaria inserido nas famílias, como amigo da casa; pareceria um estrangeiro.

Agora moro em Londrina, no Paraná. Nessa região, o principal grupo


étnico imigrante são os japoneses. Olhando para mim, com aparência e
nome de alemão, com freqüência as pessoas me dizem: "Você fala tão
bem o português ! Há quanto tempo está no Brasil?" E eu tenho de
responder: Há quarenta e sete anos!

Minha experiência não é diferente de tantos outros brasileiros. Há


quem diga que o passaporte brasileiro é um dos que mais se tenta falsificar,
porque há brasileiros de todas as raças: italianos, árabes, africanos, chineses,
coreanos, ucranianos, russos, poloneses... Na primeira e ainda na segunda
geração, esses grupos são bastante voltados para dentro, mas seus netos
começam a se abrir para o país, e aí temos essa maravilhosa mistura que é
o povo brasileiro.

Como levar o evangelho a toda essa gente? Cada um a partir de


seu contexto cultural, já em parte atenuado, para o contexto cultural
do outro?

26
Capítulo 2 — Brasil, um país multicultural

1. Salvação para os que estão perto de nós

Nesta breve reflexão, quero basear-me num trecho bíblico bem


conhecido, o capítulo 15 de Lucas. Quem está acostumado a pregar baseado
em textos das cartas de Paulo ou das cartas gerais, voltados para a edificação
dos crentes, surpreende-se ao pregar sobre passagens dos evangelhos: Jesus
é primordialmente evangelístico. Ele explica que veio para morrer em nosso
lugar por nossos pecados, para o castigo não cair sobre nós e podermos
estar vivos na presença de Deus Pai. E suas parábolas ou milagres são um
convite e um desafio para largar tudo e segui-lo, como fizeram os primeiros
discípulos à beira do lago da Galiléia. Dessas parábolas queremos tirar lições
para nós hoje, em nosso afã de seguir a Jesus e "pescar gente".

Em Lucas 15, Jesus conta três parábolas aos fariseus e escribas que o
criticavam por andar com "pecadores" e até comer com eles. Eles sabiam
que "compartilhar a mesa é compartilhar a vida: é oferecer honra, paz,
confiança, fraternidade, perdão. Jesus celebra antecipadamente o banquete
do fim dos tempos, expressando seu amor redentor" (Bíblia de Jerusalém,
nota). Esta também é a primeira lição para nós, missionários evangelistas:
"A chave para o coração das pessoas está na casa delas", dizia um pastor
que conheci há muitos anos. Cultivar a amizade dos descrentes, visitá-los
e franquear-lhes a nossa casa lhes comunicará o amor autêntico que o
Espírito Santo derramou em nosso coração.

A primeira parábola fala de um homem que levou cem ovelhas ao


pasto e, ao contá-las no fim do dia, constatou que faltafaltava uma. Ele
parte à sua procura, provavelmente com uma lanterna porque o dia já vai
terminando, e não desiste até encontrá-la. É possível que ela tenha caído
em uma ribanceira e se machucado; talvez estivesse a balir. Ele então a
toma sobre os ombros e retorna para casa, onde convoca todos da aldeia
para se alegrar com ele.

Richard Bailey, autor de As parábolas de Lucas (A poesia e o


camponês, na primeira edição; S. Paulo, Ed. Vida Nova), filho de

27
A contextualização da igreja de Cristo

missionários no Líbano, aproveitou o tempo


pecador e ai que passou no Oriente Médio para estudar
erda counaárta
m a cultura dos moradores dos rincões mais
sua sa vaçaogere distantes, à procura de semelhanças com os
alegra imensa tempos bíblicos. Seus achados são muito
céu e tambern `e interessantes e instrutivos.'
ser o
es a Diz ele que cem ovelhas é um número
na terra. muito grande para que todas sejam desse
homem; ele seria rico o bastante para pagar
alguém pelo serviço de cuidar delas. Provavelmente o rebanho pertence
à família extensa, e os homens se revezam no pastoreio. Por isso, a
perda de uma é uma perda coletiva; e todos se alegram quando ela é
achada. Da mesma forma, um pecador é uma perda comunitária, e sua
salvação gera alegria imensa no céu e também deve ser o maior anseio
dos crentes aqui na terra.

Que desafio! Que vergonha! As palavras de Jesus denunciam nossa


vida confortável, voltada para nossos interesses pessoais, pouco importando
a sorte dos perdidos. Às vezes somos como os fariseus e escribas, que até
se ressentem dos que vão atrás dos pecadores, pois estão mais
preocupados com regras e normas de conduta do que com redenção. A
eles é a referência aos noventa e nove que não precisam se arrepender.
Onde o pastor deixou as noventa e nove ovelhas? - No aprisco! - é nossa
primeira resposta, que não condiz com a realidade: elas ficaram no campo
e ainda precisam ser recolhidas, pois não existe ninguém que não precisa
se arrepender.

O homem da parábola procurou a ovelha até encontrá-la, mas também


depois não poupou esforços para trazê-la de volta para casa. A história
não acaba com o achado; restaurar é um fardo, que é carregado em meio
a perigos, até que finalmente se chega à alegria — a mensagem central da

1 Várias idéias a seguir são derivadas dessa obra.

28
Capítulo 2 — Brasil, um país multicultural

parábola, como Bailey mostra tão bem com a estrutura quiástica da


parábola que ele apresenta.

Estamos dispostos a pagar esse preço? Muitas vezes achamos que


simplesmente evangelizando já fizemos nossa parte. Distribuímos folhetos
"espalhando-os de avião sobre a cidade", sem qualquer informação sobre
o efeito que causaram, além da sujeira. O caçador não pode apenas dar
tiros no mato e depois dizer: "Cacei." Onde está a caça?

Na verdade, não é difícil trazer os perdidos à salvação em Cristo. É


só estar atento aos seus balidos. Onde há alguém fazendo "béééé" perto
de mim? Alguém que tem feridas profundas no coração, causadas por
decepções com traições de entes queridos,
alguém triste por causa de um filho que
sucumbiu às drogas, alguém doente ou em
dificuldades financeiras, necessitado de um
ombro amigo para chorar? Não é difícil
encontrá-los; estão em todo lugar. O que
precisamos é encontrar pessoalmente a
satisfação em Cristo, e assim estarmos livres
para nos dedicarmos aos outros. É trabalhoso:
implica ir às casas das pessoas ou recebê-
las na nossa, arregaçar as mangas e ajudá-las em suas dificuldades, criar
centros de recuperação para drogados, cursos de profissionalização para
desempregados, hospitais para doentes, cursos individuais e em grupo para
aprofundamento bíblico para novos convertidos, aplicando todos os
recursos que Deus pôs à nossa disposição para equipá-los, a fim de que
façam o mesmo o mais rápido possível.

As primeiras igrejas evangélicas que surgiram no Brasil não tinham um


perfil evangelístico. Eram igrejas de imigrantes. Em 1555 huguenotes
franceses ocuparam o Rio de Janeiro, liderados pelo almirante Villegaignon;
alguns deles foram martirizados e os demais expulsos depois de três anos.
Em 1624 os reformados holandeses conquistaram o Nordeste, tendo por

29
A contextualização da igreja de Cristo

governador principal Maurício de Nassau, e foram derrotados depois de


trinta anos. Em 1819 foi fundada no Rio de Janeiro a primeira igreja
evangélica, que existe até hoje, formada por ingleses que vieram após a
abertura dos portos brasileiros às "nações amigas" por D. João VI. Em
1823 chegaram luteranos alemães ao Rio Grande do Sul, ao estado do
Rio de Janeiro e ao Espírito Santo, a convite do imperador D. Pedro I, por
sugestão da imperatriz Leopoldina, austríaca. Em 1871 confederados
americanos se fixaram no interior de São Paulo, depois da derrota na guerra
civil nos Estados Unidos.2 Essas igrejas estavam voltadas para dentro, e
seu trabalho evangelístico entre o povo "brasileiro" foi ínfimo.

As igrejas evangélicas fundadas por missionários tiveram um


crescimento lento no começo, devido à condição da Igreja Católica
como igreja oficial, opositora bem sucedida
do trabalho evangelístico até poucas
décadas atrás. Os primeiros missionários
enviados para estas terras foram metodistas
americanos em 1836, que desistiram depois
de cinco anos. Nessa época também
atuaram por aqui vários colportores das
sociedades bíblicas americana e inglesa, já
que a impressão de bíblias no Brasil só
começou na década de 1940. Depois
vieram missionários para ficar: Robert
Kalley, congregacional escocês, em 1855; Ashbel Simonton,
presbiteriano americano, em 1859; William Bagby, batista americano,
em 1881; Gunnar Vingren e Daniel Berg, assembleianos suecos, em
1910, e tantos outros. Lentamente foram levando o evangelho do litoral
para o interior de todo o país, e durante o século passado os crentes
nacionais foram se multiplicando, até sermos, pelo censo de 2000,
15,4% da população — 26 milhões de evangélicos.

Intormações como estas podem ser encontradas em Ruth Tucker, Até os


confins da terra. São Paulo, Ed. Vida Nova.

30
Capítulo 2 — Brasil, um país multicultural

E os outros 85%? Ainda há muito a ser feito. Um trabalho


individual, pessoal, uma conquista pela amizade genuína, pelo
testemunho da nova vida encontrada em Cristo. Existem áreas mais
carentes que outras: o sertão nordestino, também a região
materialmente mais pobre do Brasil, tem a proporção regional mais
baixa de evangélicos do país, segundo o censo. O interior do Rio
Grande do Sul e o oeste de Santa Catarina têm as taxas mais baixas
de freqüência aos cultos. Os condomínios fechados da classe alta
nas grandes cidades são um grupo praticamente não alcançado pelo
evangelho, fiado na abundância dos bens materiais e concentrado em
aproveitar a vida, mas sem ter real sentido na vida. Há muitas ovelhas
perdidas a trazer dos peraus para o aprisco! Colocadas sobre os
ombros, em formato de cruz.

2. Ultrapassando barreiras culturais

A segunda parábola é a da moeda perdida. Nesta, a personagem


principal é uma mulher — desprezada pelos fariseus como os pastores de
ovelhas da parábola anterior. Jesus está disposto a ofender os fariseus,
usando comparações com pessoas que eles desprezavam em sua arrogância
farisaica sem amor, chegando ao ponto culminante com o guardador de
porcos na terceira parábola, para levá-los a abrir seu coração para o amor
que abraça todas essas pessoas, apesar de saber que eles se fechariam
ainda mais, lamentavelmente.

Nesta parábola a proporção da perda é maior: uma moeda em dez.


Na parábola dos trabalhadores na vinha, em Mateus 20, vemos que um
denário era o pagamento por um dia de trabalho - muito dinheiro, em
uma sociedade em que o dinheiro nem entrava em todas as transações.
Mas a mulher tem certeza de que vai achar a moeda, porque as mulheres
não costumavam sair muito de casa. Mas ela terá de se esforçar, como o
pastor na parábola anterior. Ela tem de acender uma lamparina, pois o
buraco da janela é pequeno, e varrer todos os cantos - os móveis não
são muitos.

31
A contextualização da igreja de Cristo

Há uma diferença marcante entre a


ovelha perdida e a moeda perdida. A moeda
não berra. Ela nem sabe que está perdida.
Enquanto no primeiro caso o crente só
precisa estar atento àqueles à sua volta que
manifestam a necessidade e o anseio de ser
ajudados, aqui ele precisa tomar a iniciativa.
A igreja precisa ter visão missionária e enviar
seus membros para alcançar os perdidos,
ao preço de atravessar montanhas e mares e
barreiras culturais.

Há muitas dessas barreiras dentro do nosso próprio país. Somos um


país de imigrantes; a população indígena se resume a 0,3% da nação, ou
0,7% se contarmos os que estão inseridos no restante da população. Das
230 tribos existentes no Brasil, metade não tem nenhum versículo bíblico
em sua língua e nunca contou com a presença de um missionário. Dos
grupos imigrados, muitos ainda se mantêm isolados. Moro no Paraná, que
tem a maior diversidade étnica entre os estados brasileiros. São ucranianos,
árabes, poloneses, russos, espanhóis, alemães, italianos, japoneses,
coreanos e tantos outros. Na cidade de São Paulo está a maior colônia
japonesa fora do Japão. E há chineses, libaneses, portugueses e outros.
Quanto mais avançarmos para o nordeste e o norte, maior é a proporção
de negros na população. Ao todo são 6% de negros no Brasil e 45% de
"pardos".

Para um crente de um desses grupos evangelizar alguém de outro


grupo, é preciso levar em conta a sua cultura. Ted Ward, em seu livro
Living overseas ("A vida no exterior", útil também para empresários e
diplomatas), faz duas sugestões fundamentais. A primeira é que temos
de admirar a outra cultura. Há tanta riqueza na sabedoria do mineiro, no
jogo de cintura do baiano, na habilidade do nortista, nos costumes de
cada região do país. Dentro do nosso próprio país podemos cometer o
erro da arrogância cultural, que tanto condenamos nos missionários

32
Capítulo 2 — Brasil, um país multicultural

estrangeiros, fruto do choque cultural, em que, passados os primeiros


meses de deslumbramento com a nova cultura, começamos a compará-
la com a de onde viemos e a sentir a falta de confortos que tínhamos lá,
até chegar à conclusão de que a nossa cultura é melhor. Ela pode ser
melhor se medida por avanços tecnológicos, mas a perda em valores
humanos é proporcional. Se prestarmos atenção, veremos que temos
muito a aprender.

A outra sugestão é que o missionário precisa amar e não só servir.


Qual é a diferença? Podemos servir das 8 às 18 horas e depois ir para
casa, sem nos envolvermos pessoalmente com ninguém. Durante os dois
anos que passei no campo missionário, caiu-me nas mãos o livro Helping
missionarias grow ("Ajudando missionários a crescer"), um simpósio
de psicólogos que trabalham com missionários. Uma das palestras tratava
do envolvimento do missionário com a gente do lugar e dizia que ele
precisa ter pelo menos cinco amigos dali — pessoas que fazem os olhos
dele brilhar quando chegam. Você tem cinco amigos assim? Eu não tinha,
e foi uma constatação que mudou os rumos do meu ministério.

É claro que a adaptação à cultura local não pode nem deve ser total.
Além da impossibilidade de sair de sua pele, o missionário precisa levar
em conta uma progressão de valores de que os missiólogos têm falado:

1)Há valores que não podem ser tolerados. Os que competem pela
lealdade a Cristo, por exemplo, como a idolatria e a adoração de espíritos.
O sincretismo não pode ser tolerado. A fé em Cristo é uma coisa muito
simples, que dispensa o uso de qualquer objeto e não pode ser engessada
por qualquer ritual.
2) Há costumes que têm de ser tolerados por algum tempo. Lourenço
Rega (O jeitinho brasileiro. São Paulo, Editora Mundo Cristão) tem falado
de uma aceitação temporária de situações erradas, pois a alternativa seria
pior. Um exemplo do contexto africano é a poligamia: não se pode jogar
na rua mulheres e crianças que ficariam sem família e sem assistência. É
preciso preparar uma nova geração.

33
A contextualização da igreja de Cristo

3) Muitas coisas são neutras. Instrumentos musicais, por exemplo.


São de metal ou madeira, e o fato de serem usados para propósitos
mundanos não os contamina. Podemos usá-los para louvar ao Senhor;
eles não têm preferência. Devemos incentivar o uso da música do lugar na
adoração; os hinos antigos também foram populares a seu tempo, e sua
idade não os torna melhores que os atuais.
4) Para muitas coisas que tiramos, precisamos criar substitutos, para
não deixar um vazio.

O povo brasileiro tem um grande potencial missionário. Valdir Steuernagel,


em artigo preparatório para o II. Congresso Brasileiro de Missões, enfatiza três
contribuições que temos para dar. Em primeiro lugar, sabemos fazer missão com
pouco dinheiro. O simples fato de chegarmos a outro lugar sem distribuirmos
recursos de modo paternalista volta a atenção para o que realmente interessa, o
evangelho. Em segundo lugar, somos uma mistura racial. Há muitas injustiças em
nosso país, mas também há uma alegre integração de cozinhas, músicas,
vestimentas e outros costumes, que gera simpatia aonde quer que vamos. Em
terceiro lugar, somos criativos. Nosso improviso e carisma irritam a alguns, mas
via de regra abrem portas em um mundo que atende mais ao apelo emocional do
que ao racional. Está na hora de usarmos nosso potencial!

Há trinta anos, quase ninguém falava de missão transcultural no Brasil.


Agora já são entre 3.500 e 4.000 brasileiros trabalhando em outra cultura,
e estamos apenas no começo. A década de 1980 foi a da infância do
movimento missionário no Brasil: demos os primeiros passos trêmulos. A
de 1990 foi a da adolescência: muito entusiasmo, mas, às primeiras
dificuldades, muitos missionários voltaram correndo. A década atual é a
da juventude: já há firmeza e tenacidade, mas ainda falta experiência, que
só vem mesmo com o tempo. Ainda há muitas moedas perdidas para achar.

3. Uma nova perspectiva de vida

A terceira parábola é a do filho perdido. É a mais rica e detalhada das


três, mas aqui apenas podemos nos deter nos detalhes principais. Ela começa

34
Capítulo 2 — Brasil, um país multicultural

com um insulto. Ao exigir sua parte na herança, o filho mais moço está
dizendo: "Pai, eu quero que você morra, para eu poder pôr a mão na
grana!" E o pai não lhe deu uma surra: respondeu com amor e graça. O
filho mais velho é tão ou mais culpado quanto o mais novo: também recebeu
(porção dobrada, pela lei) e não disse nada, nem tentou promover a
reconciliação, como era seu dever.

O filho mais moço partiu "poucos dias depois", com pressa, depois
que os fazendeiros vizinhos descobriram por que ele estava vendendo os
bens de seu pai, deixando-o desamparado na velhice, vivendo em usufruto
na casa do mais velho. O pecado o levou à dissolução e ao endurecimento,
até que ele chegou ao fundo do poço. Aí ele imaginou um estratagema:
oferecer-se como empregado ao seu pai e talvez pagar e compensar o que
tinha feito. E se dirigiu para casa. Mas ele ainda tinha de contar com a
possibilidade de ser apedrejado pela gente do povoado. O pai também
sabia disso. Para preveni-lo,-ele se humilha no lugar do filho: um homem
rico correndo pela poeira, com suas roupas esvoaçantes! E o filho esperava
hostilidade! Diante de tamanha bondade, seu arrependimento não é mais
interesseiro: ele aceita a graça e se reconhece indigno dela.

A meu ver, essa é a história mais bonita que Jesus criou para ilustrar a
condição da raça humana: o ser humano estava com Deus no começo e usufruía
de todos os seus bens, mas quis ser independente dele. Queria as coisas de
Deus, mas não a Deus. O fim disso é a sarjeta. E é assim até hoje. Em toda a
terra, as pessoas usam e gastam o que é de Deus, mas não querem saber dele.
Independência ou morte! Acabam recebendo as duas coisas.

Onde Jesus entra nessa história? Ele é Deus que se humilha em nosso
lugar. Como o filho perdido, nós merecemos a morte por nossos atos de
maldade sem limites. Mas, "fora do acampamento", ele "sofreu desonra
por nós" (Hb 13.13). E possibilita sermos recebidos pelo Pai, vestidos da
melhor roupa (a do pai), com seu anel-sinete no dedo (equivalente ao
talão de cheques), usando sandálias como uma pessoa livre (o escravo
andava de pés descalços), com um banquete — toda a aldeia participa da

35
A contextualização da igreja de Cristo

festa e se alegra. Mais uma vez, o céu é comparado a um banquete, com


música, dança, comida, alegria e confraternização.

O filho mais velho representa Israel, ou pelo menos os seus líderes.


Eles deviam ter atuado como intermediários para reconciliar a
humanidade perdida com Deus, mas estavam mais interessados em seu
proveito próprio. Como o filho mais velho na história, estão perturbados
com sua condição de pecado e acabam não usufruindo do que usurparam.
O filho podia ter entrado na casa mesmo sem saber o porquê da festa,
pois a casa era sua. Ele deveria ter entrado, pois era o proprietário. Mas
ele se sente como um escravo! Não há alegria nele. Acaba agindo como
o irmão mais moço, insultando o pai, recriminando-o na frente dos
hóspedes! O pai se humilha de novo, em amor, saindo para tentar
convencê-lo a abrir seu coração.

A história fica em aberto. Não sabemos o resultado: será que ele entrou
na festa? Será que ficou fora? Como em várias outras histórias contadas por
Jesus, cabe a nós escrever a conclusão: vamos aceitar a reconciliação, com
o pai e com o irmão? Ou vamos nos manter autônomos, independentes,
agindo como se Deus não existisse, perpetuando o pecado de Adão e Eva?

Trazendo a história para bem perto de nós, o desafio que se nos coloca
é o da sinceridade. Queremos mesmo receber pecadores em nosso grupo
santo? Ou damos mais valor aos nossos tapetes vermelhos? Preferimos gastar
nosso dinheiro com construções faustosas do
que com pessoas? É-nos penoso sair de diante
de nossa televisão? Concentramo-nos em
ganhar dinheiro para gastá-lo em nosso lazer?
Então talvez não tenhamos entendido nada.
Não entendemos a graça de Deus, que nos
alcança e transforma. Não entendemos como
somos indignos e perdidos; queremos fazer
negócios com Deus, pagar pela salvação e
ainda ficar com algum por fora.

36
Capítulo 2 — Brasil, um país multicultural

Lembro de uma história que li há muito tempo, de uma médica recém-


formada que sofreu um acidente de carro com o grupo de jovens da igreja e
ficou paraplégica. Ela ficou meses no hospital curando-se de seus ferimentos e
depois das assaduras, deitada em posições muito desconfortáveis. Consumia-a
uma raiva surda de Deus. Ela se queixava: O que vai ser da minha vida agora?

Quando seu tumulto interior se acalmou, Deus começou a lhe dar idéias.
Ela trabalhava em um hospital de leprosos antes do acidente e, deitada meses
a fio em seu leito, teve muito tempo para pensar nos procedimentos cirúrgicos
aplicados aos doentes. A lepra é uma doença degenerativa; carne, pele e
tendões vão se deteriorando. No caso das mãos, os tendões superiores dos
dedos enfraquecem primeiro, e a força dos tendões internos faz os dedos
cravarem as unhas na palma da mão, numa distorção grotesca e inutilizadora.

A médica acidentada imaginou, então, uma cirurgia em que ela dividiria o


tendão inferior de cada dedo em duas tiras, passando uma por baixo da pele
para cima, devolvendo à mão a capacidade de se abrir. Assim que teve condições
de operar, pediu a um rapaz que já tinha as duas mãos inutilizadas que servisse de
voluntário. Como não tinha nada a perder, ele concordou. Depois de horas de
cirurgia e semanas de recuperação, chegou o dia de retirar as ataduras das suas
mãos. Então ele estendeu as mãos à médica e, com lágrimas de alegria nos olhos,
disse: Doutora, estas mãos antes não serviam para nada. Eu não tinha mãos;
estas que agora tenho são suas. Faça delas o que melhor lhe aprouver.

Conclusão

Essa é a nossa situação diante de Deus. Nossa vida antes não servia
para nada; estávamos perdidos, avançando a passos largos para a morte
eterna. Se agora temos vida, é por graça de Deus; portanto, "nenhum de
nós vive para si mesmo, nem morre para si. [...] Quer, pois, vivamos ou
morramos, somos do Senhor" (Rm 14.7-8).

Como vai ser? Vamos presidir a festa e receber os perdidos que o Pai
está salvando, ou vamos nos retirar, amuados? Vamos ao encontro de

37
A contextualização da igreja de Cristo

quem está lá fora, ou vamos nós acabar ficando de fora? Quem de fato
entregou sua vida a Cristo não tem alternativa. E não deve deixar sua
carne, o mundo e o diabo iludi-lo de que tem.

Na igreja evangélica brasileira ocorreu uma revolução cultural nas últimas


duas décadas. Menos ternos e gravatas, menos engessamento litúrgico, menos
oratória pomposa, mais hinos e cânticos compostos aqui mesmo, com a
alegria e informalidade que são típicos do nosso povo, mais sermões
expositivos que trazem o sumo da palavra de Deus e não as idéias preferidas
do pregador. Algumas igrejas ainda não entenderam, mas se insistirem em
funcionar com as formas do passado, estão fadadas ao fracasso. Não se
trata de questões teológicas, mas de alcançar o coração das pessoas.

A cultura é expressão da riqueza da criação; Deus não nos criou


uniformizados, mas multicores e dinâmicos., Ela pode constituir um risco
para o evangelho, quando a tornamos parte deste e o anunciamos trazendo-
a de reboque. Ela pode ser um fator
agregador, quando mostramos aos que
estamos evangelizando que a mensagem que
anunciamos é de libertação dos seus aspectos
nefastos, também para nós.

O evangelho é muito simples, passível


de ser entendido pelos "pequeninos": Deus
nos criou com liberdade, o que permite que
pequemos, nos afastando de Deus. Jesus
tomou sobre si o castigo pelo nosso pecado, o que possibilita que sejamos
adotados na família de Deus, quando cremos nele (Jo 1.12). Todos os
elementos humanos que cercam essa verdade central são passíveis de
adaptação. Feliz é o cristão que, ao evangelizar, leva isso em consideração
e deixa a adaptação da aparência e da conduta da outra pessoa por conta
do Espírito Santo. Cabe a ele convencer do pecado e dos pecados. Nosso
privilégio é assistir de camarote à transformação criativa que ele vai
efetuando.

38
Capítulo 3

Contextualização:
Ferramenta do Espírito Santo
no livro de Atos
Uma visão bíblica da contextualização
na igreja primitiva
Pastor Russel P. Shedd

Introdução

O modo com que o Espírito Santo contextualizou o evangelho na


primeira igreja em Jerusalém, em Samaria, e depois na missão entre os
gentios demonstra como Deus usou esta ferramenta para impactar a
sociedade e alcançar multidões que doutra maneira não teriam dado boas
vindas à nova mensagem da salvação.
A contextualização da igreja de Cristo

Quero mostrar como a adaptação do


evangelho à nova sociedade do reino fez as
pessoas tomarem nota de que algo
cru tants importante acontecia, criando motivos para
tornou-se se interessar no movimento cristão. O
atraen cristianismo tornou-se atraente e persuasivo.
ersuaszvo.
Mesmo que não seja fácil definir
"contextualização", é possível esclarecer este
termo chave na "transmigração de idéias
religiosas", uma frase sugestiva criada por Gilbert Highet.

Primeiro, contextualizar quer dizer tornar a mensagem do evangelho


e as doutrinas que o acompanham compreensíveis. Não faz sentido pregar
as boas-novas para uma tribo indígena da Amazônia em inglês ou português.
Paulo afirmou que preferiria falar cinco palavras na língua do povo do que
dez mil palavras em "língua estranha". Contextualizar quer dizer comunicar
em linguagem compreensível.

Segundo, a contextualização ameniza o choque que uma nova doutrina


cria ao penetrar numa velha tradição. Há um sentimento arraigado no
coração do povo recipiente de que a nova religião deve ser rejeitada se
não houver alguns elementos que tornem a sua recepção mais aceitável.
Não há nenhuma vantagem em fazer inimigos ou levantar barreiras
desnecessárias.

Terceiro, contextualizar a mensagem significa torná-la mais atraente


do que a fé que deve ser abandonada. Um hindu ou um animista não
deve se converter ao cristianismo se não for convencido de que suas
crenças de fato são supersticiosas e que o evangelho é verdadeiro.
Contextualizar é tomar a sério a necessidade de persuadir em vez de
tentar forçar pessoas a se converterem. Lucas descreve o ministério
de Paulo em Tessalônica assim: "Segundo o seu costume, Paulo foi à
sinagoga e por três sábados discutiu com eles com base nas Escrituras,

40
Capítulo 3 — Contextualização: Ferramenta do Espírito Santo no livro de Atos

explicando e provando que o Cristo deveria sofrer e ressuscitar dentre


os mortos. E dizia: "Este Jesus que lhes proclamo é o Cristo" (At
17.2,3). Paulo usou as Escrituras para persuadir os judeus da Macedônia
porque sabia que a B íblia tinha autoridade suprema para eles. Num
ambiente gentio, o uso da Palavra de Deus para persuadir pagãos tem
maior chance de fracassar. Persuasão colabora com o Espírito Santo
para produzir conversões.

Em quarto lugar, contextualizar a mensagem significa extrair todo


elemento ofensivo desnecessário. Paulo se fez escravo de todos, para ganhar
o maior número possível. Para não ofender os judeus, tornou-se judeu e
fazia o mesmo para os gentios. Tornou-se como sem lei a fim de ganhar os
que não têm a Lei (1Co 9.19-21). Ainda que haja um perigo de sincretismo
que acompanha esta acomodação, adaptar-se à prática do povo-alvo
promete maior sucesso. Adotar práticas ofensivas ou isolar-se pelo contraste
no estilo de vida não favorece uma aceitação do evangelho da parte do
povo.

Este capítulo pretende ilustrar do livro de Atos dos Apóstolos algumas


das maneiras pelas quais a contextualização, acompanhada pelo poder do
Espírito Santo, promoveu um rápido avanço do evangelho.

1. O dia de pentecostes

O enchimento de cento e vinte discípulos de Cristo pelo Espírito Santo


no dia de Pentecostes teve um efeito inesperado. Eles começaram a falar
línguas que jamais tinham aprendido. Jesus não prometeu que eles falariam
línguas comprensíveis para os milhares de adoradores que costumavam
encher as ruas de Jerusalém na época da festa, especialmente a área do
templo. Os peregrinos ficaram "atônitos e maravilhados" (At 2.7),
questionando como poderiam os galileus, gente do "interior" carente de
cultura, falar as línguas maternas dos peregrinos vindos dos mais diversos
pontos do império. Confirmaram entre si que estes incultos declaravam as
"maravilhas de Deus em nossa própria língua" (v.11).

41
A contextualização da igreja de Cristo

A contextualização que o Espírito Santo


A contextualiza ao r ue realizou suscitou grande interesse e curiosidade
frio Sinto
realizou suscitou pelo evangelho através do milagre de falar
grande interesse e línguas nativas que os peregrinos falavam.
curiosidade pelo Perguntaram "Que significa isto?", sinal de que
evangelho atraves do a maioria da multidão estava preparada para
xlagre de falar ouvir a mensagem de Pedro com simpatia. Se
línguas nativas ►ue: o
peregrinos alavam o milagre ocorreu dentro dos ouvidos dos
ouvintes (como é provável - veja o v.6), ou se
foi de indivíduos expressando idéias em idiomas
nunca aprendidos, pouco importa. O efeito foi eletrificante. O milagre da
comunicação cativou o auditório.

2. A mensagem de Pedro

Depois de desmentir a explicação sem procedência, "eles beberam


demais", o apóstolo Pedro citou o texto do profeta Joel 2.28-32.
Novamente, um fator contextualizante forneceu um ambiente de expectativa.
A esperança escatológica do povo judeu no primeiro século tinha fortes
raízes na Bíblia. Acreditaram piedosamente na inspiração e veracidade do
texto sagrado (2 Tm 3.16). Se as predições do profeta Joel finalmente
estavam se cumprindo, seria natural que os ouvintes sentissem o impacto
do cumprimento da promessa do derramamento do Espírito sobre o povo
em geral, começando com os cento e vinte seguidores de Cristo.

Pedro leu o resto do texto que fortemente sugeriu que não demoraria em se
cumprir. "mostrarei maravilhas em cima, no céu, e sinais embaixo, na terra: sangue,
fogo e nuvens de fumaça. O sol se tornará em trevas, e a lua em sangue, antes
que venha o grande e glorioso dia do Senhor. E todo aquele que invocar o nome
do Senhor será salvo" (At 2.19-21). Os ouvintes facilmente acreditaram que
algo muito pior do que os atentados terroristas nos Estados Unidos em 11 de
setembro de 2001 brevemente aconteceria. Como João Batista usou palavras
contundentes três anos antes para convencer multidões de judeus de que o fim se
aproximava, Pedro conclama os milhares a se prepararem para o pior.

42
Capítulo 3 — Contextualização: Ferramenta do Espírito Santo no livro de Atos

No judaísmo contemporâneo o arrependimento geral do povo alimentaria


o cumprimento da esperança de dias prósperos e libertação da opressão
romana . Novamente é Pedro quem fala: "Foi assim que Deus cumpriu o que
tinha predito por todos os profetas, dizendo que o seu Cristo haveria de
sofrer. Arrependam-se, pois, e voltem-se para Deus, para que os seus
pecados sejam cancelados, para que venham
tempos de descanso da parte do Senhor, e
ele mande o Cristo, o qual lhes foi designado,
Jesus" (3.18-20). Positivamente, o tempo da
restauração de todas as coisas por Deus
depende das mudanças que o arrependimento eaças escatológicas
provocaria (v.21). Negativamente, se qualquer exeram
israelita não ouvir o profeta como Moisés, el te
será eliminado do seu povo (3.23). Percebe- m o ovo.
se que o contexto em que a igreja de Jerusalém
surgiu foi aquele em que esperanças e ameaças escatológicas mexeram
profundamente com o povo.

O argumento que Pedro usou para convencer seus ouvintes de que


Jesus era o Messias se encaixa especificamente no contexto judaico. Os
milagres que Jesus operou no meio do povo eram persuasivos. As multidões
viram Jesus realizando esses sinais. Pedro declarou: "Deus fez
{ milagres }entre vocês por intermédio dele". O contexto teológico dos judeus
mantinha a convicção de que somente Deus faria maravilhas como Jesus
fez (Jo 3.2). Foi natural concluir que Jesus era o Messias, esperado durante
longos séculos, de fato enviado por Deus.

Mas a crucificação de Jesus, predeterminada por Deus e efetuada por


mãos perversas, não foi o fim da história. Deus o ressuscitou dos mortos e
assim cumpriu o que o mais importante rei de Israel tinha profetizado no
Salmo 16. Ele não permitirá "que o teu Santo sofra decomposição" (At
2.27). A evidência da ressurreição estava muito próxima no tempo (apenas
50 dias passados), e o túmulo vazio ficava próximo no espaço (em Jerusalém).
Era o milagre mais estupendo entre muitos que Jesus operou,

43
A contextualização da igreja de Cristo

conseqüentemente comprovaria que ele era de fato o vitorioso Messias


sofredor. O profeta Isaías tinha proclamado que o Servo sofreria vicariamente
e ressuscitaria para ver a sua prole e prolongar os seus dias (Is 53.10). Foi
muito significativo para a aceitação do evangelho pelo povo fazer essa conexão
entre a cruz de Cristo e as profecias sobre o Servo sofredor.

A citação de Salmo 110.1 (At 2.34) serviu também para exaltar Jesus
como o Messias divino, uma vez que o título "Senhor" (kúrios em grego e
Adonai em hebraico) teria essa conotação (v. 36). O contexto religioso,
que dava absoluta autoridade à Palavra de Deus, e os milagres que Jesus
operou, persuadiram o auditório de que o crime de promover a crucificação
de Jesus foi o pecado mais horrível que os homens cometeram. Não é de
admirar que os ouvintes tenham ficado "aflitos de coração" e perguntassem:
"Irmãos, que faremos?" (v.38)

Os elementos do contexto religioso, o embasamento bíblico pelas


línguas milagrosas, os textos que Pedro escolheu e o profundo sentimento
de culpa que os ouvintes sentiram pela crucificação do Messias os
persuadiram de que o arrependimento e a busca pela misericórdia de
Deus eram imprescindíveis. A contextualização da apresentação do
evangelho no dia de Pentecostes fica muito evidente para qualquer pessoa
que se detém para pensar no assunto.

3. A cura do coxo

A importância dos milagres para confirmar a mensagem dos apóstolos


recebe um destaque especial no livro de Atos. Foi por intermédio da cura do
aleijado, que diariamente ficava à porta do templo pedindo esmolas, que se
abriu a porta para a pregação de Pedro no Pórtico de Salomão. Pedro desmente
qualquer poder para curar. Não! Foi seu servo Jesus que Deus glorificou.
"Vocês negaram publicamente o Santo e Justo e pediram que lhes fosse libertado
um assassino. Vocês mataram o autor da vida, mas Deus o ressuscitou dos
mortos" (At 3.13-15). Não se deve atribuir erradamente a fonte do prodígio.
Foi o Cristo ressurreto que operou este inconfundível milagre.

44
Capítulo 3 — Contextualização: Ferramenta do Espírito Santo no livro de Atos

O contexto em que Pedro embasa seu apelo evangelístico novamente


se fundamenta nas Escrituras (especialmente nos trechos de Isaías que
falam do "Servo de Jahweh"). Mais ainda, ele declara que foi o Nome que
curou esse homem tão conhecido (3.16).

Quando Pedro e João foram intimados a depor diante da assembléia


das principais autoridades do povo, Pedro ficou novamente cheio do Espírito
Santo (4.8). Ele destacou o poder sobrenatural do nome de Jesus,
comprovado pelo milagre que foi realizado nesse nome. Assim, Pedro disse,
"Visto que hoje somos chamados para prestar contas de um ato de bondade
em favor de um aleijado, sendo interrogados acerca de como ele foi curado,
saibam os senhores e todo o povo de Israel que, por meio do nome de Jesus
Cristo,...a quem os senhores crucificaram, mas a quem Deus ressuscitou dos
mortos, este homem está aí, curado diante dos senhores"(4.9,10).

Continuando nessa mesma linha, o apóstolo declara: "Não há salvação


em nenhum outro, pois debaixo do céu não há nenhum outro nome dado
aos homens pelo qual devamos ser salvos" (4.12). Foi estabelecido em
dois pilares o contexto propício para confiar nesse Nome para a salvação:
primeiro o milagre e segundo o embasamento na Palavra de Deus (citando
Salmo 118.22 acerca da pedra rejeitada).

O profeta Joel escrevera que apelar para o nome de Deus com fé alcança
a salvação (2.32). Agora Pedro proclama que o nome de Jesus Cristo também
tem poder para salvar. A coragem (parresian — teimosia, liberdade para
falar) dos apóstolos, sem instrução e incultos, mas transformados pela
comunhão com Jesus (v.15), foi instrumental em mudar a oposição do Sinédrio
que tinha taxado Jesus de blasfemo e de falso Messias.

4. O contexto social e espiritual

Ao ler os primeiros capítulos de Atos, nota-se quão profundamente a


conversão ao cristianismo mudou o clima social dos novos convertidos.
Isso influenciou positivamente as atitudes dos judeus por causa da

45
A contextualização da igreja de Cristo

mentalidade judia da época. Observe as palavras descritivas como:


"comunhão", "mantinham-se unidos", "tinham tudo em comum", "partiam
o pão em suas casas", "distribuíam a cada um conforme a sua necessidade",
"alegria e sinceridade de coração, louvando a Deus" (2.42-47). Não nos
surpreende que a igreja tenha ganhado "a simpatia de todo o povo" (v.47).

A perseguição foi promovida pelos judeus nacionalistas. Eram


extremistas que viam na nova fé uma grave ameaça à nação que lutava
para não ser absorvida pelo paganismo que a rodeava. Mas fraternidade e
parceria com os necessitados era um ideal fortemente apoiado nas
sinagogas. Jesus tinha reforçado este valor com o novo mandamento:
"Amem-se uns aos outros como eu os amei" (Jo 13.35). Todos saberiam
que os cristãos eram discípulos de Jesus se demonstrassem este amor
além do natural. Amor sacrificial atrai e convence.

Paulo acreditava que se ele pudesse


contextua izaçao entregar à igreja de Jerusalém uma quantia
social
so a oevangelho expressiva, levantada nas igrejas gentias,
arou a cama: diminuiria as tensões que o crescimento do
ertil paraproduzir evangelho suscitava entre os judeus. Isso deu
mui ensejo para Tiago chamar a atenção de Paulo:
"Veja quantos milhares de judeus creram, e
todos eles são zelosos da lei"(At 21.20). A
contextualização social do evangelho preparou
o campo fértil para produzir muito fruto.

Tiago recomendou que Paulo se juntasse a quatro homens que fizeram


um voto e participasse dos rituais de purificação no templo. Paulo
concordou por causa do princípio de "tornar-se judeu para os judeus",
com a intenção de persuadi-los de que ele não ameaçava a identidade da
nação israelita (At 21.23,24). É sugestivo que essa iniciativa tenha
fracassado por causa do tumulto criado por falsas acusações de judeus
vindos da Ásia e não de Jerusalém. Tanto Tiago como Paulo não duvidaram
absolutamente da importância de contextualizar o evangelho.

46
Capítulo 3 — Contextualização: Ferramenta do Espírito Santo no livro de Atos

Lucas não comenta sobre a influência da libertação de Pedro da prisão


e a morte que Herodes planejara. Tiago morrera por ordem do mesmo rei,
interessado em agradar os judeus que combatiam mais calorosamente o
cristianismo em Jerusalém (At 12.3). Herodes pretendia submeter Pedro a
julgamento público depois da Páscoa, de modo que a "festa" macabra teria
maior impacto sobre a população do país. Mas o planejado martírio não
aconteceu. Pedro, como em ocasião anterior, junto com os apóstolos (At
5.19), foi libertado por um anjo. Novamente, o raciocínio de Gamaliel deve
ter prevalecido na mente do populacho. "Deixem esses homens em paz e
soltem-nos. Se o propósito ou a atividade deles for de origem humana,
fracassará; se proceder de Deus, vocês não serão capazes de impedi-los,
pois se acharão lutando contra Deus" (At 5.38,39). Podemos imaginar os
comentários semelhantes que certamente dominaram as conversas dos
cidadãos de Jerusalém. "Estes seguidores de Cristo devem estar com a razão,
uma vez que o poder de Herodes não foi capaz de esmagar seu líder principal".

Reforçou esta conclusão mais ainda a morte súbita de Herodes, ferido


por um anjo do Senhor e comido por vermes. Nada mais persuasivo de
que Deus está do lado dos desprezados, desprovidos e desamparados
seguidores do crucificado do que uma libertação milagrosa.

A contenda que assolou as igrejas gentias, recém-plantadas por


Barnabé e Paulo, concentrava na questão da necessidade da circuncisão
(At 15.1). A centralidade da circuncisão para o judaísmo não precisa
de comentário. Decidir que gentios não
necessitam e não devem se circuncidar foi
uma decisão que contextualizou o
evangelho para o mundo. Paulo tinha
escrito para os gálatas: "Caso se deixem
circuncidar, Cristo de nada lhes servirá"
(G1 5.2). Para o Concílio de Jerusalém,
tanto a circuncisão como a obrigação de
guardar a Lei de Moisés, colocaria um jugo
no pescoço das igrejas gentias que nem os O un

47
A contextualização da igreja de Cristo

judeus contemporâneos e nem os antepassados conseguiram suportar


(At 15.10). Desobrigar os cristãos do mundo gentio de guardar a Lei
foi um passo largo para a contextualização do cristianismo. Para todos
que não eram judeus ou prosélitos a Lei apresentava uma barreira quase
intransponível.

Por outro lado, o Concílio não determinou que as igrejas fora da


Palestina estavam totalmente livres para manter o estilo de vida que
tradicionalmente seguiram. A carta que a liderança da igreja preparou mostra
sinais importantes de contextualização. "Devemos escrever a eles, dizendo-
lhes que se abstenham de comida
contaminada pelos ídolos, da imoralidade
ncontramos os
irmos nos sexual, da carne deanimais estrangulados e
tgi-eja do sangue" (At 15.20). Era de se esperar
que a "fornicação" (porneia) fosse proibida,
mas qual o motivo de mencionar "carne de
animais estrangulados" ou "sangue"? Jesus
não purificou todos os alimentos (Mc 7.19)?
Sim, mas estavam de olho no princípio do
amor (1 Co 8.19). A fim de evitar reações
negativas dos judeus da Diáspora contra a
igreja gentia, a liderança da igreja recomendou a abstenção de alimentos
que provocariam uma reação de horror por parte dos judeus piedosos.
Novamente, encontramos os irmãos nos primórdios da igreja apoiando
uma contextualização sadia, sem sincretismo, para manter a unidade da
igreja.

Conclusões

A contextualização da mensagem serve para persuadir céticos e


indiferentes de que o evangelho tem sua origem e fonte em Deus.
Compreendeu-se a importância de adaptar o estilo da pregação à sua
audiência. O denominador comum que temos com os não-crentes hoje
não é a Bíblia (como foi em Jerusalém), mas as necessidades, sofrimentos

48
Capítulo 3 — Contextualização: Ferramenta do Espírito Santo no livro de Atos

e interesses dos seres humanos. Mas a Bíblia ainda é um livro sagrado no


Brasil.

É recomendável tornar a Bíblia acessível aos não-cristãos, dando


cuidadosa atenção ao contexto cultural e social. Os incrédulos podem sentir-
se intimidados ou manipulados pela pregação da Bíblia.

Mensagens que interessam seu auditório apelam para as necessidades


humanas, os conflitos e temores, enterrados nos segredos do futuro. Que
será que Deus tem para falar sobre o mundo em que vivemos e a nossa
vida particular?

Conheça o seu auditório e focalize nos ouvintes não cristãos ou cristãos.


É a maneira recomendada pela psicologia social e pela Bíblia também.
Assim, cria-se o ambiente em que a "transmigração de idéias" possa ocorrer.

49
Capítulo 4

Contextualização e tradição
na igreja pós-moderna
Pastor Luiz Sayão

1. A tradição cristã

O cristianismo é uma religião essencialmente histórica. Portanto, um


dos termos necessariamente mais preciosos para a fé cristã é a palavra
"tradição"'. No contexto judaico o termo já era utilizado no sentido bastante
positivo significando "o saber e os ritos da fé acumulados na experiência histórico-

Merece atenção o fato de que o termo é usado desse modo em 2


Tessalonicenses, que deve ser datada no ano 51, durante a 2' Viagem Missionária de
Paulo. É praticamente certo que a epístola foi escrita em Corinto, logo depois da
fundação da igreja de Tessalônica. Isso mostra que o termo foi usado no sentido
positivo de "ensino cristão" bem cedo na igreja primitiva.
A contextualização da igreja de Cristo

religiosa do povo de Deus". O cristianismo, enquanto religião, no sentido


sociológico, nasce dentro do contexto judaico. Surge como elemento crítico
do "tradicionalismo" irrefletido e incoerente de certos grupos judaicos (Mt
15.6; Mc 7.8), mas desenvolve sua própria tradição. Por essa razão, o termo
grego paradosis, "tradição", é usado duas vezes no sentido positivo no Novo
Testamento, referindo-se à "tradição cristã". Os textos (NVI) dizem:

"Portanto, irmãos, permaneçam firmes e apeguem-se às tradições


que lhes foram ensinadas, quer de viva voz, quer por carta nossa"
(2Ts 2.15).

"Irmãos, em nome do nosso Senhor Jesus Cristo nós lhes


ordenamos que se afastem de todo irmão que vive ociosamente e
não conforme a tradição que vocês receberam de nós" (2Ts 3.6).

Fica claro, a partir dessas referências,


que desde os primórdios o cristianismo
desenvolveu sua própria tradição, o que
d esenvol veuk:::$ua posteriormente trouxe o conceito de
roprzo::: 11":44 "ortodoxia doutrinária", ou seja, o ensino de
que posfrnprerge acordo com o Senhor Jesus e os apóstolos.
Nesse sentido, o cristianismo mostra-se
ortoco sempre conservador, preservando fidelidade
oüttlft às origens. Praticamente não há nenhuma
tradição cristã eclesiástica ou teológica que não
evoque autoridade e legitimidade a partir da "tradição" ligada, de alguma
forma, às origens.

Assim, desenvolve-se na fé cristã histórica uma rejeição e uma critica


das "tradições" que destoam ou desviam-se da ortodoxia do cristianismo
(Cl 2.8; 1Pe 1.18). Esse é um dos critérios de determinação da heresia.

Por outro lado, o cristianismo surge em parte como um movimento


que rompe com tradições religiosas e traz escândalo. Além disso, a fé

52
Capítulo 4 — Contextualização e tradição na igreja pós-moderna

cristã apresenta uma flexibilidade de posturas tão nítida que ainda hoje
confunde estudiosos fundamentalistas, racionalistas e liberais, que muitas
vezes exigem do texto bíblico uma isonomia maior do que ele promete.
Alguns fatos comprovam essa flexibilidade:

1.0 cristianismo do Novo Testamento abre os braços para os grupos


sociais e religiosos rejeitados e excluídos do judaísmo tradicional, como
publicanos, prostitutas, eunucos, gentios, samaritanos, mulheres, pobres.2
2. Paulo apresenta uma diversidade de abordagens em sua obra
missionária. Em Atenas ele é muito diferente do Paulo de Tessalônica (ambos
em Atos 17). Ele de fato é "judeu para os judeus" e "sem lei para quem
não está debaixo da lei" (1Co 9.19-22).
3. A adaptação de Paulo a novas situações é surpreendente. Em Éfeso
(At 19.8-10), onde teve seus ministério mais longo, ele deixa a sinagoga e
"abre uma igreja numa escola" com facilidade muitas vezes rara atualmente.

Portanto, o cristianismo traz consigo uma


tensão de forças: por um lado é essencia-
lmente "conservador", apelando para as
tradições originais como fonte de
legitimidade; por outro lado, é "liberal",
rompendo com determinadas tradições
religiosas estabelecidas. Parece que a difícil ro
ro: z eu
relação entre as duas vertentes desta tensão ína
é o maior problema pragmático da história
da igreja; de fato é do equilíbrio entre essas
duas forças que depende o crescimento saudável da igreja cristã.

2. A tradição protestante evangélica e suas lacunas

A tradição protestante evangélica clássica possui vários aspectos em


sua construção histórico-teológica: em primeiro lugar, deve sua teologia

2 Destaque especial deve ser dado aos escritos de Lucas quanto a esta ênfase.

53
A contextualização da igreja de Cristo

fundamental aos Pais da igreja. A teologia propriamente dita, a cristologia


e a bibliologia fundamental (cânon) são heranças muito anteriores à Reforma
Protestante. Não há dúvida de que o protestantismo foi um movimento de
ruptura com uma tradição estabelecida, mas foi também uma busca de
raízes antigas que o legitimassem. Em segundo lugar, grande parte do edifício
herdado era nitidamente helênico: no arcabouço lógico e sistemático, Platão
e, principalmente, Aristóteles foram as duas influências diretas ou indiretas
de nossa herança teológica e espiritual. Finalmente, deve ser dito que
construção teológica dos reformadores, radicais ou não, foi principalmente
soteriológica e eclesiológica. Assim, a patrologia, a filosofia grega e o
contexto sócio-cultural e teológico do protestantismo do século XVI são a
base da nossa tradição. Os batistas, herdeiros da reforma radical,
contribuíram muito para a eclesiologia e herdaram muito de sua teologia de
outras fontes.

Historicamente, a tradição protestante evangélica influencia e recebe


influência de vários elementos de transformação. No contexto político e
econômico destacam-se o absolutismo, o colonialismo, os movimentos
democráticos, a escravidão, guerras mundiais, ditaduras, socialismo,
capitalismo e globalização. Filosoficamente, o impacto do racionalismo,
do iluminismo, do existencialismo e do irracionalismo foi enorme. Além
disso, mudanças sociais e antropológicas foram tremendas e deram novo
contorno ao mundo.

O protestantismo implantado no Brasil foi basicamente de origem anglo-


saxã, principalmente dos EUA. Historicamente, os invasores franceses e
holandeses protestantes marcaram presença no Brasil colonial, sem todavia
deixar continuidade histórica. Com a abertura constitucional de 1824 e
entrada de imigrantes alemães em terras brasileiras, os luteranos germânicos
se estabeleceram no país. Sendo, porém, uma religião étnica, só teve
influência decisiva na formação religiosa entre os imigrantes e seus
descendentes. Paralelamente, os cidadãos ingleses que aqui viviam tiveram
liberdade de praticar o anglicanismo, ainda que de maneira restrita. O
protestantismo missionário chegou posteriormente com os congregacionais

54
Capítulo 4 — Contextualização e tradição na igreja pós-moderna

(1855), os presbiterianos (1859), os


metodistas (1867) e os batistas (1882).3 ,estantes
tona seoski:On
entone
Tradicionalmente vistos como agentes Çrior,
da modernidade e de secularização quando ara'ài‘
comparados com os católicos, os
protestantes, na sua maioria, se posicionaram
com um sentimento de superioridade e de
ruptura com a cultura brasileira comum. tise
Trazendo uma herança puritana, uma
espiritualidade pietista, uma ênfase rotg
individualista (relacionada à doutrina da mi.
fica =d
salvação individual), os protestantes . raso'
percebiam a latinidade e a cultura católica
como marcos de atraso, pobreza e
inferioridade social. O protestantismo foi marcado pela modernidade,
valorizava o trabalho, a repressão das paixões, a intelectualidade produtiva
e a tranqüilidade econômica da posteridade.4 As características
fundamentais do protestantismo missionário introduzido no Brasil podem
ser assim resumidas:

2.1 - Doutrinária. Ênfase teológica na autoridade exclusiva da Bíblia


em oposição ao magistério católico e à tradição, crença na salvação
individual pela graça e pela fé em oposição às obras e aos sacramentos,
intermediação única de Cristo entre Deus e o homem em oposição à
intercessão de Maria e dos santos.

2.2 - Organização e culto. Abolição e rejeição dos ícones como


referencial de culto, a centralidade da pregação, a valorização da atuação
dos leigos, a introdução e idealização da cultura anglo-saxã, evangelização,

3 Considerando-se o início da obra batista brasileira em Salvador.


Prócoro Velasquez Filho, em Culto Protestante no Brasil, "Características,
Ênfases e Teologia", Estudos da Religião 2, S. Bernardo, 1985, p. 66.

55
A contextualização da igreja de Cristo

negação do mundo e repressão das paixões (santificação), maior


participação dos membros no culto.

Discute-se até que pontoo protestantismo missionário brasileiro representa


o protestantismo clássico. Ainda que se possa discutir os detalhes da questão,
deve-se admitir que em grande parte isso ocorre. Todavia, a excessiva negação
do mundo, a alienação política e social e o fundamentalismo marcam uma certa
distinção entre o protestantismo evangélico brasileiro e o protestantismo clássico
progressista analisado por Max Weber. Não há dúvida de que o protestantismo
evangélico teve sucesso na expansão missionária em terras brasileiras. A enorme
extensão territorial do Brasil, associada a falta de sacerdotes católicos marcou
a dificuldade da Igreja Católica de cuidar de seus fiéis. Além disso, desde o
início o país mostrou um catolicismo mais diversificado. Conforme observou
Gilberto Freyre, os portugueses sempre tiveram um perfil de divisão de
personalidade. Foi um povo acostumado com diferenças raciais e religiosas
que marcaram a história da Península Ibérica. No caso do Brasil caboclo e
mulato, esta flexibilidade e convivência com a contradição se tornaram uma
realidadepresente.5 As idéias liberais e positivistas, presentes na elite brasileira,
permitiram maior liberdade religiosa no país. Diante desse quadro, os
protestantes começaram a evangelização com o propósito de converter os
católicos à fé. Através dos colportores de Bíblias, de um culto espiritual, da
proclamação de uma ética superior e da verdade, do uso dos leigos nos cultos
e nas pregações, das escolas dominicais e de uma estrutura de igreja marcada
pela ampla participação e comunhão entre os fiéis, o sucesso da empreitada foi
grande no país. Já em 1930, entre 25 milhões de brasileiros, os protestantes
(incluindo luteranos) já atingiam cerca de 500 mil fiéis (2% da população)6 .
Este crescimento já alcança hoje 16 % da população, isto é, mais de 26 milhões
de pessoas.'

'Discutido por Carl Hahn em Op. Cit., "Breve Histórico dos Cultos Evangélicos
no Brasil", p. 17-18.
6 William R. Read, Fermento Religioso nas Massas do Brasil, Cristã Unida, p. 228.
Conforme o último censo do IBGE. O crescimento expressivo, porém, ocorre
entre pentecostais e neopentecostais. As denominações históricas têm crescido de
modo mais lento.

56
Capítulo 4 — Contextualização e tradição na igreja pós-moderna

Diante desse quadro, torna-se necessário destacar os aspectos principais,


positivos e negativos' , da tradição protestante no contexto brasileiro, observando-
a como parte da história, como força conservadora e como força de ruptura.

an e leo irn ai
Características gerais Elementos positivos Elementos negativos

Bibliocentrismo Crescimento rápido Perfil colonialista


Salvação pela fé e pela graça Agente de modernização, "Anglocentrismo"
Exclusividade de Cristo de educação e progresso Pragmatismo exacerbado
Influência iluminista Adaptação tranqüila Individualismo
Aliança com o progresso "Nacionalização" intensa nas Tendência a divisões
Perfil anti-católico últimas cinco décadas Formação de subcultura
Centralidade da pregação Mensagem voltada aos Carência de espiritualidade
Valorização dos leigos "sem esperança" "social"
Evangelização Crítica moral: vícios e Tendência à micro-ética
Ênfase no individual prostituição Ênfase mais fundamentalista
Repressão das paixões Liberdade e democracia e metafísica

Como se pode observar, a tradição protestante evangélica merece


críticas 9 em seu processo de estabelecimento na realidade brasileira. Parte
de sua herança histórica e sua ineficácia de contextualização solicitam maior
reflexão para o futuro. As principais lacunas, presentes na coluna da direita,
merecem reavaliação e serão mais urgentes diante da realidade da pós-
modernidade.

3. Modernidade e Pós-modernidade
A pós-modernidade é o movimento da
cultura que rejeita os valores da modernidade
e vê com desconfiança os princípios racionais racionais....:
MEMMRINC
supostamente universais, desenvolvidos na
época do iluminismo.rn A filosofia irra-
cionalista do final do século XIX prepara
terreno para a pós-modernidade. A pós-
8 Avaliação principalmente sociológica.
9 Talvez a crítica mais dura do protestantismo histórico é a de Rubem Alves em
Protestantismo e Repressão, Ed. Ática, S. Paulo, 1979.
10 Grenz, S., Guretzki, D & Nordling, C. E Dicionário de Teologia, Ed. Vida, S.
Paulo, p. 107.

57
A contextualização da igreja de Cristo

modernidade propriamente dita tem origem nas primeiras décadas do século


XX, todavia o seu efeito específico varia de contexto para contexto. O
fenômeno começa nas artes, inicialmente na arquitetura, e depois tem espaço
ampliado na cultura Seu impacto maior na sociedade deve-se à
influência da mídia. O cinema, a televisão e a intersete são seus principais
disseminadores. A verdade é que no Brasil de hoje temos pessoas pré-
modernas (medievais em sua cosmovisão), modernas e pós-modernas. O
fato, porém, é que o pós-modernismo tem se tornado o paradigma cultural
padrão.

A compreensão da pós-modernidade depende de seu contraste com


as perspectivas da modernidade.
Mode •inoderilidade
1. Naturalismo 1. Metanaturalismo
2. Humanismo 2. Desespero humanista
3. Racionalismo 3. Irracionalismo, misticismo
4. Método científico 4. Conhecimento incerto e não desejável
5. Certeza objetiva 5. Não há certeza objetiva (relativismo)
6. Progresso indefinido 6. Rejeição da idéia de progresso
7. Individualismo 7. Verdade do grupo
8. Determinismo (s) 8. Valor do existencial
9. Crítica da tradição 9. Pluralismo de tradições

A compreensão da pós-modernidade depende não apenas desses


referenciais teóricos, mas também de uma série de mudanças significativas
de perfil sociológico das últimas décadas. Muitas dessas mudanças são
fruto da pós-modernidade, outras contribuem para delineá-la. Aqui vai
uma lista delas:

3.1 - Impacto da mídia e a globalização do mundo. O mundo tende


a um domínio da mídia e a uma uniformidade de perspectivas.

3.2 - Cultura da imagem. O raciocínio linear está em segundo plano.


A verdade é a "verdade da tela"; os paradigmas da imagem são felicidade,
riqueza e juventude.

1 ' Grenz, S. Pós-modernismo. Vida Nova, S. Paulo.

58
Capítulo 4 — Contextualização e tradição na igreja pós-moderna

3.3 - Aceleração da história. Maior conflito de gerações. Mudanças


rápidas distanciam mais as gerações. Hoje a diferença entre um jovem, um
adolescente e um adulto é maior.

3.4 - Alienação e passividade. A geração pictórica tende a ser passiva


e carece de utopia.

3.5 - Consumismo como referencial de valoração. Consumir e


usar certas etiquetas definem o valor do sujeito. Consumir é um ato místico
e existencial.

3.6 - Incerteza social econômica. A economia sofre grandes abalos.


A miséria é terrível; há uma crescente polarização entre dominantes e
excluídos.

3.7 - Envelhecimento da população. Cresce o número de idosos;


eles serão uma grande maioria na próxima década.

3.8 - Família em crise. Como herança da imoralidade sexual


generalizada, as famílias têm sofrido rupturas. Há modelos variados e
imprevistos.
3.9 - Rejeição do autoritarismo. As ditaduras caíram; rejeita-se o
autoritarismo; abre-se espaço para o pluralismo de idéias. A realidade não
é mais monolítica.

3.10 - Misticismo desenfreado. Com o fim do racionalismo e a falta


de propostas, o misticismo surge como alternativa irracionalista imediata.

3.11 - Pansexualismo e erotização. A sexualidade nunca foi tão


explorada como hoje. A busca frenética pelo sensorial e pela experiência
mais intensa acelera a pansexualização e a busca de drogas.

3.12 - Tensão entre uniformidade de perspectivas e movimentos


extremistas. Crescem movimentos extremos como reação à uniformidade

59
A contextualização da igreja de Cristo

delineada pela cultura dominante. Movimentos de extrema direita e de


fundamentalismo religioso e social propenso à violência são exemplos disso.

3.13 - Urbanização. A população mudou drasticamente de rural para


predominantemente urbana. Parte do crescimento evangélico deve-se
também a esse fator. Os migrantes são mais propensos à qualquer conversão
religiosa, pois estão abertos para uma nova realidade e buscam respostas.

4. Propostas frente à nova realidade

Diante desse quadro, é absolutamente necessário que a igreja de hoje entenda


o que está acontecendo para que seja capaz de cumprir sua missão de maneira
adequada e contextualizada.12 Aqui vão algumas sugestões para reflexão e prática:

4.1 - Reavaliação da teologia iluminista e racionalista. Nossa


herança teológica histórica' 3 é essa. A nossa teologia sistemática precisa
interagir mais com a teologia bíblica. O texto bíblico tem riqueza suficiente
para revelar a Deus e a salvação à geração atual. Falta uma reflexão
teológica contemporânea contextualizada e que afirme o texto bíblico. A
maioria das propostas mais recentes não tem alcançado a igreja. Essa
lacuna permite a perpetuação de práticas históricas que se tornaram
verdadeiras "pedras de tropeço" para a geração da pós-modernidade.14

4.2 - A pós-modernidade é tendência da cultura. Não há como


"combater" a pós-modernidade; trata-se do caminho da história. Uma
tentativa de reproduzir o passado não trará resultados. Nenhum saudosismo
poderá reverter o quadro. É preciso avançar na direção do futuro. Um
ministério efetivo deve adequar-se aos novos tempos.

12 Phillips, T. R. & Okholm. Christian Apologetics in the Postmodern World.

IVP, Downers Grove, 1995.


'3 Uma das leituras mais recomendadas para entender o assunto é a obra de Paul
Hiebert, Missiological Implications of Epistemological Shifts: Affirming Truth in a
Modern/Postmodern World. Trinity Press, Harrisburg, 1998.
14
Veja Émile Leonard. O Protestantismo Brasileiro, Rio de Janeiro: Juerp/ASTE, 1963.

60
Capítulo 4 — Contextualização e tradição na igreja pós-moderna

4.3 - Pluralismo. No passado a visão


religiosa do país era praticamente
a iscipuia
monolítica. Hoje há muitas respostas
(E'necessi
oferecidas. Isso é positivo, pois há mais
sota;

espaço para que a igreja evangélica
maioria
apresente suas propostas de fé n „•
estas; este
sociedade. Todavia, a mente da população
em geral mudou. A tendência atual é aceitar
o evangelho de modo superficial, como mais
uma ajuda espiritual. Nunca houve tantas
"conversões" evangélicas; mas nunca foram tão superficiais. Hoje, mais
do que nunca é preciso deixar claro que "ser cristão" significa mudança
de vida definida. O discipulado é uma necessidade absoluta, pois a
maioria das pessoas está sedenta e confusa.

4.4 - Relativismo doutrinário e ético. O indivíduo pós-moderno


tem facilidade maior em viver de modo contraditório. Já não se vive sob a
lógica clássica da não-contradição. Hoje é comum encontrarmos pessoas
que dissociam a ética da experiência religiosa sem qualquer constrangimento.
A definição clara da doutrina central da fé cristã e a afirmação inequívoca
da ética do cristianismo é mais do que uma necessidade em nossos dias. A
voz profética precisa ser ouvida.

4.5 - O cognitivo numa cultura existencial. Nossa tradição


privilegia o cognitivo e o racional. Uma igreja histórica tradicional visa
principalmente transmitir informações. Todo domingo ouve-se pelo
menos três mensagens ou aulas voltada para a mente. A idéia é que
"quanto mais se conhece, melhor será". Essa perspectiva é da
modernidade e já apresentava problemas de eficácia anteriormente.
Muitos crentes tornam-se apenas ouvintes passivos. Principalmente na
cultura pós-moderna é necessário "fazer digerir" a informação dada. É
importante diminuir o conteúdo semanal ministrado e enfatizar a
aplicação e a prática. O ensino, mais do que nunca, precisa descer à
realidade vivencial.

61
A contextualização da igreja de Cristo

4.6 - Arte e a apreensão indutiva. A


tradição protestante que herdamos sempre
lidou com dificuldades com a questão da
arte. Os primeiros calvinistas chegaram a
rejeitar o uso de instrumentos musicais no
culto, temendo a idolatria» Por razões de
tradição e de história, a maioria de nossos
templos carece de estética. O que precisa
ser percebido é que em nossa sociedade
atual a arte é o principal meio de difusão de
conteúdo. São os filmes, as novelas e as músicas populares que
disseminam idéias no mundo de hoje. O problema foi que a igreja
erroneamente afastou-se do mundo artístico no século XX, com receio
de contaminar-se.16 Isso deixou toda expressão artística contemporânea
sob o controle absolutamente secularizado. Somente nas últimas décadas,
os cristãos evangélicos começaram a utilizar-se timidamente do cinema,
do teatro e da música popular. Além disso,
deve-se considerar a apreensão dos
conteúdos. Na maioria das igrejas ouve-se
uma aula, muitas vezes abstrata, que
precisa ser levada a
compete com a mídia eletrônica colorida e
trabalha o conteúdo a partir do concreto,
indutivamente. A expressão artística precisa
ser levada a sério pela igreja que pretende
alcançar uma sociedade pós-moderna.

15 Além das dificuldades de lidar com os movimentos carismáticos e

neopentecostais, os batistas enfrentam a dura tensão entre fraternidade cristã e


pureza denominacional. O caso mais concreto é o da relação com os presbiterianos.
Muitas igrejas batistas dão ceia a presbiterianos, outras não. Em algumas igrejas,
alguns presbiterianos "funcionam" como membros, sem nunca o serem de fato. Para
quem não conhece a história e não entende o contexto, essa relação ambígua parece
muito difícil de entender.
16
Appleby, D. P. History of Church Music. Chicago: Moody Press, 1965, p. 89.

62
Capítulo 4 — Contextualização e tradição na igreja pós-moderna

4.7 - Expressão contemporânea, busca do sensorial e do místico.


Qualquer pessoa que não esteja alinhado com a linguagem da mídia é
"desligado" por seus ouvintes. Se os pastores e preletores não se
comunicarem de modo contemporâneo não serão ouvidos pela maioria da
sociedade. A intensificação dos sentidos, aliada à cultura existencial, tem
produzido uma geração frenética e motivada por estímulos sonoros e visuais.
A busca do místico também está relacionada com a experiência sensorial
mais intensa. E claro que não se pode permitir que esse elemento seja o
condutor absoluto de nossa abordagem; todavia, devemos considerá-lo
seriamente; do contrário, não conseguiremos comunicar nada. A
espiritualidade e a adoração devem ser envolventes, pois, além de
cativarem, respondem a uma busca espiritual e existencial profunda, que
vai além de expressões racionais de conteúdo religioso.

4.8 - Pluralismo e diversidade. O pluralismo trouxe uma diversidade


de "tribos" urbanas. Segue-se que teremos diversidade maior de idéias,
de perfil social, de estilos musicais etc. Todo ministério contemporâneo
deve procurar o seu próprio caminho, desistindo de propostas absolutas e
genéricas. A evangelização deve ser contemporânea e homogênea, isto é,
voltada para o grupo específico que se quer atingir. Uma igreja pode e
deve trabalhar sua diversidade com cultos de estilos distintos. A diversidade
é fato incontestável.

4.9 - Reestruturação eclesiológica. Algumas propostas


eclesiológicas pragmáticas têm sido
apresentadas nos últimos anos. Destacam-
se "Igreja com Propósitos", "Igreja em evatt ao, kge ser
finkoporagça4e
Células", "Rede Ministerial" e "Crescimento enea :é, volta
Natural da Igreja". Todas são úteis e .raRg
aplicáveis, se devidamente adaptadas a certos ~ramo it
re:ood neve
contextos. O sucesso dessas propostas é cr ua diversidade
relativamente simples: descentralizam o co cultos
poder, enfatizam o lugar de cada um na fS;
comunidade, valorizam os dons, dão atenção

63
A contextualização da igreja de Cristo

aos grupos pequenos e valorizam a atuação dos leigos. A pós-modernidade


enfatiza a comunidade e rejeita o autoritarismo. A flexibilização das formas
é fundamental para uma sociedade que se transforma com rapidez.

4.10 - Importância da cura das feridas. A dimensão psicológica é


uma das áreas de maior necessidade da igreja. Casais separados, ausência
de pai, problemas sexuais e traumas de infância são realidade do cotidiano.
A igreja, que também é hospital, mais do que nunca deve valorizar o aspecto
terapêutico. Dificuldades nessa área quase sempre foram entendidas como
falta de espiritualidade ou como problemas espirituais sérios. Todavia, as
necessidades são imensas.

64
Capítulo 5

Que significa contextualização


em uma igreja local?
Pastor Lourenço Stelio Rega

Uma igreja contextualizada é uma igreja que vive no mundo de modo


significativo e relevante. A palavra "mundo" tem um significado especial
na Bíblia, pois geralmente se refere ao "curso
desta vida" , ao "estilo de vida adotado pela
humanidade decaída no pecado e governada
por Satanás" . Constantemente ouvimos os sem
chavões "o mundo está invadindo a igreja"
ou "a igreja está ficando mundana" . Como rito ser
a igreja pode viver neste mundo sem ser corttextitaltza
"contaminada" por ele? Como ser contex- m ser urna igre
tualizada, sem ser uma igreja mundana?
A contextualização da igreja de Cristo

a luz do mundo" (Mt 5.14-16). Antes de ser crucificado, Jesus orou ao


Pai: "não peço que os tires do mundo... eles não são do mundo... a fim
de que todos sejam um... para que o mundo creia que tu me enviaste"
(Jo 17.15,16,21,22). O que precisamos, então, não é de uma igreja isolada
do mundo, mas saber qual é seu papel perante o mundo. Desde o princípio,
deve ficar claro que o evangelho não é hóspede do estilo de vida do mundo,
mas seu juiz e redentor (Nicholls, p. 13). Sendo assim, o evangelho é
colocado em superioridade.

Temos de aprender a manter o equilíbrio entre o isolamento do mundo


e o envolvimento com esse mesmo mundo de tal modo a ser por ele
"contaminado". Paulo nos admoesta: não vos CONFORMEIS COM
(moldar a vida conforme) este mundo, mas TRANSFORMAI-VOS (Rm
12.2). É possível a igreja se contextualizar e mesmo assim manter seu
compromisso bíblico?

1. Quão diferentes são as culturas


em que a igreja deverá viver!!!

No passado, para viver entre os povos de culturas diferentes bastava


ter facilidade em aprender idiomas, uma passagem e sustento garantido. O
resto ia acontecendo. Com as mudanças e complexidade na vida moderna,
muitos hábitos e costumes dos povos foram se alterando e o choque cultural
começou a se tornar mais evidente exigindo um aprofundamento no estudo
da questão entre o evangelho e a cultura. Existem diversas definições de
cultura. Utilizaremos a de H. Richard Niebuhr (1967, p. 51-56). A cultura
é o ambiente artificial e secundário que o homem sobrepõe ao natural.
Ela abrange a linguagem, hábitos, idéias, crenças, costumes, organização
social, produtos hereditários, processos técnicos e valores. Niebuhr lembra
que um rio é natureza, um canal do rio, por outro lado, é cultura. Assim
também, uma pedra é natureza, uma flecha é cultura.

A cultura não é única, ela se manifesta diferente para cada povo, região.
Assim temos os fenômenos transculturais, especialmente quando pessoas

66
Capítulo 5 — O que significa contextualização em uma igreja local?

de diversas culturas precisam se relacionar, fazer transações, por exemplo.


Até mesmo o comportamento biológico dos homens é controlado pela
cultura. Todos têm de se alimentar e dormir. Mas quando, como, por que,
onde e com quem o fazem é determinado geralmente pela cultura.

Ao viver no mundo, a igreja estará constantemente promovendo


relacionamentos transculturais, especialmente nos grandes centros urbanos
— ricos em variedades culturais, Um grande perigo num relacionamento
transcultural é atrair o receptor para nossa cultura forçando-o a aprender
nossos padrões culturais. Pior ainda quando acreditamos que nossa
cosmovisão, nossa concepção de mundo, que
é culturalmente dependente, se torna
sacralizada e acreditamos que essa cosmo-
visão seja a própria verdade e revelação de
Deus. Assim, numa convivência transcultural,
precisamos levar a pessoa a se converter ao
cristianismo e não à nossa cultura. É preciso
levar o convertido a viver o cristianismo do
modo mais natural possível dentro de sua
própria cultura.

Um exemplo de comunicação transcultural eficiente pode ser


apreendido com o apóstolo Paulo. Em primeiro lugar, temos o_conhecido
encontro dele com os atenienses, quando fala sobre o deus desconhecido
(At 17.16ss), para mostrar-lhes o evangelho. Ele poderia bem começar
criticando-lhes o espírito pagão e idólatra. Mas, ele buscou um ponto de
contato entre o evangelho e a cultura local. Já que eles eram tão religiosos,
por que não começar por aí?

Em segundo lugar, em 1 Coríntios 9.16-27, o apóstolo nos ensinou


... fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos,
salvar alguns..." Novamente ele demonstrou sua estratégia em mergulhar
na cultura destinatária, para a partir dela falar do evangelho. É claro que
esse "mergulho" não implicava em que Paulo despia-se do evangelho, em

67
A contextualização da igreja de Cristo

sua essência, pois nesse texto ele mesmo disse: 'fiz-me sem lei para os
que estavam sem lei (não estando sem lei para com Deus, mas debaixo
da lei de Cristo) ..." (v.21). Em outras palavras, Paulo partia de um
referencial — a lei de Cristo — para desenvolver o relacionamento
transcultural.

Além disso, é preciso compreender que a comunicação se realiza com


o uso de símbolos e por trás dos símbolos, estão as idéias, isto é, os
conteúdos. Muitas vezes a forma de um determinado símbolo entre duas
culturas diferentes parece ser igual, mas o seu conteúdo, o seu significado
poderá ser diferente. O sangue, por exemplo, para nós geralmente é algo
asqueroso, mas para os povos que utilizam o sacrifício cultual de animais é
algo significativo. Não é preciso ir muito longe para compreender isso,
aqui mesmo, no Brasil, quando tentamos entender os rituais umbandistas,
por exemplo.

Os significados da mensagem bíblica são


4 rg:mg0:Aii.41.44e':: absolutos e permanentes, mas as formas são
e :comunwaros relativas. Absoluto é algo que não muda. No
rinciposibíbliê64,
. .:. : .: .: : ministério intercultural a expressão signi-
que jam mI am, ficados absolutos está ligada à necessidade
através formas de se seguir estritamente os princípios
04fttiMbilen bíblicos, tal como se encontram na Palavra
que são mut : s. de Deus. A responsabilidade do ministro
intercultural é comunicar os princípios
bíblicos, que jamais mudam, através de formas culturalmente significativas,
que são mutáveis.

Considerar isso é especialmente importante, pois, se existem significados


absolutos nas Escrituras, sejam doutrinários, sejam de cunho ético, há entre
as culturas diferenças básicas. Por exemplo, cada cultura tem a sua própria
cosmovisão, isto é, cada cultura tem o seu próprio modo de encarar a
realidade e o mundo. Assim, é possível observar a existência de uma
cosmovisão temporal, que pode ser entendida por dois modos:

68
Capítulo 5 — O que significa contextualização em uma igreja local?

(1) cosmovisão temporal cronológica: indicando que existem povos


que são orientados pelo tempo (norte-americanos, por exemplo). Uma
pessoa planeja o seu dia com certa inflexibilidade e geralmente não gosta
de interromper o seu horário; e
(2) cosmovisão acontecimental: indicando que existem povos
orientados pelos acontecimentos e eventos. Neste caso, geralmente não
se dá tanta importância ao tempo, ao relógio. O tempo não é contado,
mas vivido, e as pessoas, os eventos são mais importantes. Uma pessoa
com esta cosmovisão interromperia, por exemplo, o seu horário para receber
hóspedes, para conversar com um amigo ou participar de acontecimentos
especiais como festas etc.

Temos ainda a cosmovisão a respeito do prestígio da pessoa. Também


temos duas grandes possibilidades: (1) em algumas culturas, o indivíduo
pode obter posição e prestígio mediante o nascimento, ligação
ideológica, étnica ou crômica. Na índia, se um hindu nasce na casta dos
Brâmanes, recebe automaticamente mais prestígio, mais privilégios e honras.
Não precisamos ir muito longe; assim, um favelado, por exemplo, tem
mais facilidade de aceitar outro favelado em seus contatos; um sindicalista,
idem; um negro ou branco também; alguém de uma raça facilmente aceitará
a comunicação de outro da mesma raça. Temos aqui as culturas de prestígio
atribuído. (2) Por outro lado, em outras culturas, o povo pode adquirir
posição e prestígio mediante esforço e trabalho, e assim conseguirá as
coisas que essa cultura admira. São as culturas de prestígio adquirido.

Se observarmos os valores e as normas de conduta de diversas


culturas, veremos também as diversas diferenças. Aqui temos um dos pontos
mais complexos quando se trata de relacionamento com o evangelho, com
as verdades das Escrituras. É comum ser citado o costume dos esquimós.
Por exemplo, para um marido esquimó, é indelicadeza um hóspede não
dormir com a esposa do anfitrião. Em inúmeras culturas a poligamia
(geralmente a poliandria — muitos maridos para uma mulher) é o normal.
Duas missionárias tiveram certa dificuldade no início de seu trabalho numa
região do México, porque costumavam tomar limonada. Ninguém aceitou

69
A contextualização da igreja de Cristo

a mensagem delas até que elas descobriram que as pessoas daquela região
criam que a limonada era um anticoncepcional (Nida, 1985).

Cada cultura tem a sua própria forma de comunicação verbal. Uma


vez entrei num ônibus aqui em São Paulo e vi alguns rapazes conversando.
Confesso que entendi pouco do que eles falavam. É bom lembrar que eles
falavam português, mas numa espécie de dialeto próprio do grupo deles.
Até os bandidos têm a sua própria linguagem. E nós, não temos o
evangeliquez — um dialeto cifrado do conteúdo do evangelho, que quem
não vive na igreja não entende? No campo da comunicação transcultural
alguns exemplos se tornaram clássicos. Vamos citar alguns deles
(especialmente em Nida, 1985). Entre o povo hindu havia abrigo para as
pessoas e suas cargas, que era chamado de sumatanga. Na pregação a
este povo, um missionário afirmou e foi bem entendido que Cristo é nosso
sumatanga. Há ainda o exemplo de um missionário que não conseguia
encontrar uma expressão que pudesse equivaler à idéia de redenção para
uma determinada tribo indígena. Uma índia estava tendo um trabalho de
parto, e ele assistia de longe. Ao nascer a criança, a mãe a deixou no chão;
o missionário vendo aquilo foi e levantou aquela criança entregando-a à
sua mãe, que a recolheu com muita alegria. Depois, alguém da tribo lhe
deu a idéia de que ele havia salvado a vida daquela criança pelo fato de a
ter levantado do chão. Ele entendeu o fenômeno e começou a pregar dizendo
que Cristo nos levantou e por isso estamos vivos. Há também o caso de
que em alguns povos o escravo tem no seu pescoço uma argola indicando
a sua condição. Quando alguém tira a argola do pescoço do escravo,
significa que ele está livre. Jesus nos tirou a argola - seria a pregação.

Cada cultura também tem o seu próprio sistema social. No ocidente,


por exemplo, valorizamos a juventude, daí o enfoque na aparência,
cosméticos, pintura de cabelos brancos, etc. Enquanto isto, para asiáticos
e africanos, a juventude é para ser superada. Existem ainda outros exemplos:
em sociedades fechadas é proibido o casamento de pessoas de castas
diferentes. Em nossa cultura, temos também preconceitos assim como o
casamento entre pessoas pobres e ricas ou entre pessoas negras e brancas.

70
Capítulo 5 — O que significa contextualização em uma igreja local?

2. A cultura, a igreja e o reino de Deus

Já existem muitos estudos sobre o confronto do evangelho com a


cultura. O mais clássico que tem sido considerado é o de Niebuhr, já citado
em seu livro "Cristo e Cultura". Ele demonstra cinco categorias que
surgiram no decorrer da história da igreja demonstrando como esse tema
foi tratado. Ele utiliza o confronto entre Cristo e a cultura para demonstrar
isso (NIEBUHR, 1967):

1)Cristo contra a cultura. Cristo é a única autoridade para o cristão,


e as reivindicações e a sua lealdade à cultura devem ser rejeitadas. Os
cristãos devem ser radicais como Cristo o foi contra a cultura judaica,
como Tertuliano, que demonstrava em sua literatura o cristianismo como
uma maneira de viver completamente separada da cultura.
2) 0 Cristo da cultura. É possível manter a lealdade a Jesus
Cristo sem abandonar nenhuma parte importante da vivência cultural. Os
agnósticos, por exemplo esforçaram-se visando adaptar o cristianismo à
cultura dos seus dias ao dar interpretação científica e filosófica da pessoa
e da obra de Cristo conforme sua cultura.
3) Cristo acima da cultura. A cultura não é má em si mesma, pois é
baseada na natureza retamente ordenada por Deus. Onde domina essa
convicção, Cristo e o mundo não podem simplesmente ser mutuamente
opostos. A recepção da graça aperfeiçoa e completa a cultura. Temos aqui
os cristãos sintéticos. Exemplos: Tomás de Aquino e Clemente de Alexandria
4) Cristo e a cultura em paradoxo. Tanto Cristo como a cultura são
autoridade para a pessoa que deverá aprender a viver com esta tensão.
Temos aqui o dualismo. Temos nesse grupo Lutero.
5) Cristo, o transformador da cultura. A cultura revela o estado
pecaminoso do homem. O homem poderá ser redimido e a cultura poderá
ser renovada com o fim de glorificar a Deus e de realizar os seus propósitos.
É uma postura conversionista. Nesse caso, temos Calvino como exemplo.

Em 1974, ocorreu em Lausanne o Congresso de Evangelização


Mundial. Os resultados do congresso foram resumidos num documento

71
A contextualização da igreja de Cristo

conhecido como Pacto de Lausanne. No parágrafo 10 desse famoso pacto


temos um posicionamento sobre o relacionamento entre evangelho e
cultura, que nos interessa nesse momento:

"O desenvolvimento de estratégias para a evangelização


requer metodologia nova e criativa. Com a bênção de Deus, o
resultado será o surgimento de igrejas profundamente
enraizadas em Cristo e estreitamente relacionadas à cultura
local. A cultura deve ser sempre julgada e provada pélas
Escrituras. Uma vez que o homem é criatura de Deus, parte
de sua cultura é rica em beleza e bondade. Pelo fato de o
homem ter caído, toda a sua cultura (usos e costumes) está
manchada pelo pecado, e parte dela é de inspiração demoníaca.
O evangelho não pressupõe a superioridade de uma cultura
sobre outra, mas avalia todas elas segundo o seu próprio
critério de verdade e justiça, e insiste na aceitação de valores
morais absolutos, qualquer que seja a cultura em questão. As
organizações missionárias muitas vezes têm exportado
juntamente com o evangelho a cultura de seu país de origem,
e tem acontecido de igrejas ficarem submissas ao ditames de
uma determinada cultura, em vez de à Escritura. Os
evangelistas de Cristo devem, humildemente, procurar
esvaziar-se de tudo, exceto de sua autenticidade pessoal, a
fim de se tomarem servos dos outros. As igrejas devem se
empenhar em enriquecer e transformar a cultura local, tudo
para a glória de Deus" (Pacto de Lausanne, parágrafo 10).

Este parágrafo do Pacto de Lausanne foi ampliado pelo trabalho


realizado em Willowbank, em Somerset Bridge, nas Bermudas, entre 6 e
13 de janeiro de 1978, pelo Grupo de Teologia e Educação da Comissão
de Lausanne, na Consulta sobre Evangelho e Cultura. O resultado desse
trabalho ficou conhecido como Relatório de Willowbank - The Willowbank
Report (As monografias sobre essa consulta e o Relatório de Willowbank
foram publicados em COOTE, Robert T. & STOTT, John (editores), Down

72
Capítulo 5 — O que significa contextualização em uma igreja local?

to earth - studies in christianity and culture, Eerdmans, 1980, 342 p.


Em português o Relatório de Willowbank apareceu em O evangelho e a
cultura, ABU e Visão Mundial, 1983, p. 54).

O Pacto de Lausanne apresenta uma base bíblica para a cultura. Uma


vez que o homem é criatura de Deus, parte de sua cultura é rica em beleza e
bondade. Pelo fato de o homem ter caído, toda a sua cultura (usos e costumes)
está manchada pelo pecado, e parte dela é de inspiração demoníaca. Sobre
isso Nicholls menciona que o evangelho nunca é hóspede de qualquer
cultura; sempre é o seu juiz e redentor (NICHOLLS, p. 13).

Por um lado, em termos ideais, pode-se dizer que o evangelho é sempre


superior à cultura. Mas, por outro, é preciso estudar estratégias para que
esse ideal se concretize, pois, em muitas ocasiões, há forças inibidoras na
sociedade e na cultura que impedem a imediata transição de práticas
culturais reprováveis para práticas aceitáveis diante da ética cristã. Vale a
pena lembrar aqui o que Haering afirmou:

"Se o homem é criatura colocada num mundo imperfeito e


numa história caracterizada pelo pecado e pela redenção, não se
espera dele que tome decisões perfeitas, mas tão-somente que
faça o que melhor puder fazer .no seu esforço de auto-realização
e de construção de um mundo melhor" (HAER1NG, p. 92).

No estabelecimento de estratégias para esse confronto do evangelho


com a cultura, Stephen C. Neil (In: Coam & Sttot, op. cit., p. 8-13) propõe
um modelo hierárquico de ação em três níveis sobre a penetração do
evangelho na cultura. Para ele, há, em primeiro lugar, alguns costumes que
não podem ser tolerados, tais como: idolatria, infanticídio, canibalismo,
vingança, mutilação física, prostituição ritual etc. Em segundo lugar, há
alguns costumes que podem ser temporariamente tolerados, tais como a
escravidão, o sistema de castas, o sistema tribal, a poligamia, etc. E, em
terceiro lugar, há alguns costumes cujas objeções não são relevantes para
o evangelho, tais como o homem e a mulher sentarem-se separados nos

73
A contextualização da igreja de Cristo

cultos, costumes alimentares, vestimenta, hábitos de higiene pessoal etc. O


Congresso de Lausanne I, através do Relatório Willowbank, anteriormente
citado, adota essa abordagem de Neill, acrescentando uma categoria entre
a segunda e a terceira, tratando de assuntos onde há controvérsia entre as
igrejas, tal como a questão da consangüinidade (In: Coam & Sttot, p.337).

3. Como a igreja pode viver no mundo


e ainda assim se manter relevante?

Então, como a igreja pode viver no mundo e ainda assim se manter


biblicamente relevante e comprometida? Como considerar, por exemplo,
jovens que são estudantes, vivem nos colégios e universidades em contato
direto e diário com a cultura nada religiosa? E quando alguns desses jovens
ainda aparecem na igreja com tatuagens, e rapazes com brincos? Como
considerar situações como essas, ou mesmo quando jovens questionam o
sexo mesmo antes do casamento? Devemos rejeitar a cultura? Devemos
desenvolver uma vida monasterial, isolada deste mundo, como alguns grupos
tentam fazer?

Em primeiro lugar, é preciso considerar que há aspectos na cultura


que não contradizem a Palavra de Deus. O avanço tecnológico, por
exemplo, tem sido utilizado para trazer maior dignidade à vida humana.
Muitas vidas são salvas devido ao avanço da Medicina. A descoberta das
vacinas, a eletrônica aplicada à medicina e outras ciências. Além de salvar
muitas vidas, o avanço tecnológico oferece-nos maior mobilidade, maior
confiabilidade em nosso trabalho, maior conforto etc.

Em segundo lugar, há na cultura moderna um elevado grau de


valorização da vida. Tempos atrás pouco se falava em direitos humanos.
Não precisamos ir muito longe, pois antes de 1948 o trabalhador brasileiro
poucos direitos tinha, trabalhava cerca de 12 a 14 horas diárias. Com a
instituição da Consolidação das Leis do Trabalho, a situação se alterou,
justamente no ano da instituição da Declaração dos Direitos Humanos
pela ONU, em 1948. É claro que estamos entrando num outro extremo

74
Capítulo 5 — O que significa contextualização em uma igreja local?

com essa era dos direitos humanos, pois muita gente valoriza tanto os seus
próprios direitos que acaba esquecendo de inserir o próximo em sua história
pessoal. Como os filósofos dizem, precisamos resgatar o senso da alteridade,
isto é, do outro, do próximo.

Em terceiro lugar, as diferenças que existem entre a cultura ocidental e


a cultura oriental e as suas peculiaridades, necessariamente não são erradas,
mas demonstram a riqueza de diversas possibilidades da vida. Na cultura
ocidental, por exemplo, temos o raciocínio linear, proposicional, o senso
de fragmentação, o tempo geralmente cronológico etc. Na oriental, temos
o raciocínio geralmente não-linear, não-proposicional, unidade, tempo
orientado por eventos etc. Em vez de pensamos nos choques das diferenças
entre estas duas grandes culturas, precisamos aprender com elas maneiras
diferentes de encararmos a vida. Assim, é preciso considerar as diferenças
culturais para que possamos ver por outros ângulos as muitas faces da
vida.

Em quarto lugar, é preciso considerar que na antiguidade Deus levou


em conta, isto é, considerou certos aspectos da cultura, tais como: a
poligamia (embora sempre com as suas conseqüências); a visão astronômica
e limitada de Josué quando escreveu que o sol parou; o estilo semítico-
oriental na composição dos livros bíblicos.

Sendo assim, é preciso desenvolver uma abordagem à cultura pelo


evangelho, para que a igreja tenha condições de estar e de viver no mundo.
Vamos começar indicando o fato de que a norma de conduta da cultura
hospedeira não é o alvo, mas o ponto de partida. "O Evangelho nunca é
hóspede de qualquer cultura, mas sempre o seu Juiz e Redentor
(Nichols, p.13). Além disso, e preciso relembrar que Deus é imutável e
seus princípios de vida também (M13.6; Tg 1.17). Isso conduz ao fato de
que há um padrão bíblico de virtudes que é universal e é atemporal, e isso
é superior à cultura. Por isso, é preciso distinguir princípios e práticas (1Co
8.13). Nem sempre podemos transportar para nossa cultura presente
práticas descritas no Novo Testamento, por exemplo, mas levar em conta

75
A contextualização da igreja de Cristo

os princípios éticos e teológicos que estão sendo considerados no


tratamento dessas mesmas práticas no próprio Novo Testamento. Assim,
quando temos no Novo Testamento a proibição do uso de cabelo comprido
pela mulher, na realidade o que se considerava era a necessidade de o
crente (naquele caso específico, a mulher) ter valores de vida diferenciados
dos padrões do mundo pagão da época.

Assim, de forma objetiva, temos na Bíblia a fonte de nossos padrões


de conduta e decisões (2Tm 3.16-17) e uma maneira de diferenciarmos
práticas de princípios é que, geralmente, os princípios bíblicos estão de
forma exortativa ou imperativa positiva ou negativa, ou ligados a situações
que indicam prudência, que pertencem ao reino de Deus, felicidade etc.
Veja Êxodo 20 (Os dez mandamentos), Mateus 5-7 (As bem-
aventuranças), Gálatas 5.16-23 (As obras da
carne e o fruto do Espírito) etc. Estes
mant açao princípios éticos podem ser chamados de
cultura virtudes cristãs. Temos também de distinguir
eve extsttr, mas aqui o conteúdo ético da Bíblia, que é
evetambém essencial, do conteúdo estético, que é
ser administrada. culturalmente dependente. Assim, a
pelás:valores manifestação cultural deve existir, mas deve
a Bíblia também ser administrada pelos valores da
Bíblia.

4. Como a igreja deve decidir sobre


questões culturais não claras nas Escrituras

No campo da psicologia há questões comportamentais que ficam nas


regiões limítrofes entre a normalidade e a patologia. Alguns estudiosos
chamam isso de situações borderline . Isso também ocorre no campo da
ética cristã. Há situações de natureza borderline,. isto é, situações que não
possuem paralelo nos princípios ou ideais bíblicos, numa análise de ética
teológica. Nesse caso, poderemos buscar nas Escrituras princípios gerais
que possam ser norteadores de uma decisão, especialmente no trato de

76
Capítulo 5 — O que significa contextualização em uma igreja local?

questões culturais e transculturais. Embora a Bíblia não seja específica


nestes casos, ela nos apresenta certos casos dos quais poderemos extrair
alguns princípios que nos ajudem nestas ocasiões. A seguir apresento treze
destes princípios, na esperança de que o leitor busque ampliar a lista.

1. Estarei glorificando ou alegrando a Deus com isso que tenciono


fazer? (I Co 10.31)
2. Será que a motivação que me está induzindo a esta decisão não é
fruto da minha natureza pecaminosa? (Gl 5.1,13)
3. Estou certo de que isto que vou fazer é realmente certo? Não
tenho dúvidas? (Rm 14.23)
4. Posso orar a Deus a respeito disto? Posso orar ao mesmo tempo
em que faço isso? (lTs 5.17)
5. Posso dar graças a Deus a respeito disso que tenciono fazer?
(lTs 5.18; Fp 4.6)
6. Em meus passos o que faria Jesus? (1Pe 2.21; Jo 13.15)
7. Será que isso que vou fazer vai me edificar? Não será embaraço
para a minha vida? Quais são os resultados disso que tenciono fazer? (1Co
10.23; Hb 12.1; 1Pe 2.20; 4.15-16)
8. É verdade, é honesto isso que tenciono fazer? (Jo 14.6; Fp 4.8)
9. Isso que vou fazer vai me dominar? (1Co 6.12; Mt 6.24)
10. Qual é o efeito sobre o meu corpo disso que tenciono fazer? (1Co
6.19,20)
11. Qual é o efeito sobre o meu próximo? Serei exemplo para outros
seguirem? (1Co 8.1ss; Fp 4.9; 1Co 11.1)
12.Estou me omitindo de fazer o bem? (Tg 4.17)
13.E se minha consciência estiver em paz, devo fazer? A consciência
pode ser um referencial ético seguro? (1Tm 1.5,19; 3.9; 4.2; Tt 1.15; Hb
13.18; 1Pe 3.21)

5. Embora não sendo do mundo, estamos no mundo ...

Somos enviados ao mundo (Jo 17.18) não para vivermos para ele, mas
para vivermos para Cristo nele (2Co 5.15). Somos cristãos, mas também

77
A contextualização da igreja de Cristo

continuamos a "ser gente"; então devemos viver


a vida o mais normalmente possível, sem contudo
nos mancharmos com o pecado (Gl 5.1-13).

Mas é bom lembrar que este mundo (no


grego aion) é governado por Satanás, o
príncipe das trevas (Ef 2.1-10). Por isso
mesmo, o roteiro de vida deste mundo
promove, em muitas ocasiões, a inversão dos
valores de Deus (Is 5.20). Nisso tudo, qual
tem sido a influência da sociedade presente em suas decisões pessoais e
padrões de conduta na vida diária? Por um lado, como igreja, podemos
ser como que uma esponja, absorvendo toda a cultura do mundo. Por
outro lado, poderemos ser como um copo onde tentamos misturar óleo
e água. No primeiro caso, um exemplo contemporâneo é a lógica e a
racionalidade empresarial e do mercado que temos visto ser aplicada no
ministério e na própria vida da igreja. No segundo caso, temos a alienação
que muitas igrejas promovem, ao policiar e controlar a vida de seus
membros de modo a gerar uma vida eclesiástica ao estilo de um convento.
Por isso mesmo, Jesus utilizou as figuras comparativas do sal e da luz (Mt
5.13-16). O sal dá sabor, tempera o alimento, tem efeitos terapêuticos. Ele
também conserva. A luz traz ao ambiente clareza. Nas duas figuras vemos que
o elemento comparador influencia onde toca. Assim também a igreja precisará
desenvolver uma vida significativa e contextualizada no ambiente em que está
inserida, tendo como sua bússola a Bíblia, como revelação da vontade e verdade
de Deus.

6. Que compromissos uma igreja


contextualizada tem com o mundo?

Tendo em vista os princípios que apresentamos anteriormente, vamos


levantar algumas alternativas de compromisso que a igreja tem diante do
mundo em sua vivencia contextualizada, mas também ativa na busca de
transformar o mundo e redimir a cultura.

78
Capítulo 5 — O que significa contextualização em uma igreja local?

6.1 - Pregação do evangelho


mos tanto que
precisa melhorar,
O mundo está sem Deus, tendo como seu
governante a Satanás, e as estruturas sociais, a isso "morrer, preciso
políticas e econômicas da sociedade estão em as no
prima-causa nas suas mãos (Ef. 2.1-3; Jo
14.30; 16.11). Por isso é que o mundo é o que armes e evan
é. Falamos tanto que o mundo precisa melhorar, rmos omens
corrs em
mas nos esquecemos que, para isso ocorrer, é
preciso que haja mudanças no coração do
homem e isso só terá início quando pregarmos o evangelho e levarmos os
homens à conversão em Cristo Jesus. O homem arrependido e liberto do seu
pecado dará livre acesso à atuação de Jesus Cristo em sua vida, e a
conseqüência será uma vida transformada. Nossa tarefa e responsabilidade
primeira, como cristãos, perante este mundo é a sua evangelização. Primeira,
mas não a única.

6.2 - Responsabilidade social pelos pobres e necessitados

Ninguém nega que devemos ter um cuidado especial pelos nossos


irmãos necessitados. Façamos o bem a todos, principalmente aos
domésticos da fé (Gl 6.10). Mas muitas vezes nos esquecemos que o não
crente também merece a nossa atenção. Façamos o bem a TODOS, diz o
texto. A primazia está na assistência aos irmãos na fé, mas o texto não
exclui a ajuda aos pobres e necessitados do mundo. Devemos amar o
nosso próximo; é o segundo e grande mandamento. A Bíblia nunca fala
que esse amor ao próximo deve ser só para os irmãos na fé. É verdade
que não somos salvos PELAS boas obras, mas é verdade também que
somos salvos PARA as boas obras (Ef 2.8-10).

Muitas vezes queremos negar a nossa responsabilidade pelos pobres


e necessitados do mundo, afirmando que o que eles precisam mesmo é do
evangelho. Sendo assim, tenderemos a achar que essas duas tarefas —
evangelização e assistência social — são incompatíveis.

79
A contextualização da igreja de Cristo

Mas já afirmamos que a evangelização tem prioridade e isso não


exclui a possibilidade de assistência social; aliás, incentiva-a, pois como
poderemos pregar que o evangelho liberta-nos do pecado fazendo-nos
amar o nosso próximo (Tg 2.1-13) e ao mesmo tempo negligenciar o
sofrimento alheio???

Sendo assim, a assistência social é, em primeiro lugar, conseqüência


da evangelização. Ou seja, a evangelização é um meio pelo qual Deus
produz nas pessoas um novo nascimento. E esta nova vida se manifesta no
serviço prestado aos outros. E, em segundo lugar, a assistência social pode
ser uma ponte para a evangelização. Ela pode destruir barreiras,
preconceitos, desconfianças, abrir portas fechadas e ganhar a atenção do
povo para o evangelho. O próprio Jesus algumas vezes realizou obras de
misericórdia antes de proclamar as boas-novas do reino. (Adaptado de
Evangelização e Responsabilidade Social, p. 20,21).

Temos de deixar claro que o evangelho não tem uma opção preferencial
pelos pobres, como dizem os defensores da Teologia da Libertação. A
nossa opção preferencial deve ser por Jesus Cristo. O evangelho não faz
acepção de pessoas, pelo mesmo fato de que sem Cristo todos somos
pecadores, ricos ou pobres.

Dizer que Deus é pelos pobres e que nós precisamos optar por eles é
uma coisa. Outra é proclamar que o pobre é salvo por ser pobre. Ora, se
o pobre é salvo por ser pobre, para que tentar tirar-lhe a pobreza e fazê-
lo perder a salvação? (Sturz, p. 159).

6.3 - Participação na vida

Já vimos que ser cristão não significa isolar-se da vida. Por outro lado,
participar ativamente da vida não significa se isolar da vida eclesiástica.
Num outro estudo já afirmamos que, como cristãos, formamos uma
sociedade de impacto perante a deste mundo e que nossa força motriz é o
amor e a fidelidade a Deus. Não podemos continuar vivendo duas vidas —

80
Capítulo 5 - O que significa contextualização em uma igreja local?

uma no domingo e outra totalmente diferente durante a semana.


"Domingueiro nunca queira sen.." - diz a bela canção.

Como "embaixadores de Cristo" (2Co 5.20-6.3) representamos o


reino de Deus aqui no mundo e devemos viver de tal modo que não o
envergonhemos sendo pedra de tropeço, seja a crentes, seja a não-crentes.

Se vivemos neste mundo e dele colhemos nosso sustento pelo nosso


trabalho, como cristãos devemos participar nas diversas esferas da vida,
penetrando e influenciando com uma vida contagiante e autenticamente
cristã. Novamente voltamos à figura — somos o sal da terra e a luz do
mundo. Paulo afirma que tudo fazia para ver se alcançava alguns, ainda
que ele mesmo cuidasse de não estar sem lei em sua vida, estando debaixo
da lei de Cristo (veja 1Corintios 9.19-27).

A título de exemplo falemos sobre o nosso trabalho profissional citando


Forrel (p. 179):

Não pode ser negado que os homens precisam trabalhar


para sobrevivei: O trabalho é mais do que um mal necessário;
ele dá significado e propósito a vidas que de outra forma seriam
completamente fúteis. Mas o trabalho não é um mero meio de
adquirir propriedades nem meio de servir ao Estado ou partido;
antes, ele é uma oportunidade de servir a Deus. O conceito
cristão de chamado (vocação-profissão) significa que pela fé todo
cristão pode e deve encarar seu trabalho diário como uma
oportunidade de servir a Deus... Não existe domínio de trabalho
em que Deus não é o Senhor. É impossível dizer, como cristão:
Negócios são negócios, ou política é política, como se existissem
áreas da vida que pudessem funcionar conforme suas próprias
regras e independentes da vontade de Deus... Tem de haver uma
diferença na maneira de um cristão fazer o seu trabalho. Isso
não significa que se espera dele que interrompa as suas
atividades de soldador, por exemplo, a cada meia hora para

81
A contextualização da igreja de Cristo

dirigir um sermonete a seus colegas.


evar. s
Significa, no entanto, que ele será o melhor
r soldador possível para a sua capacidade,
encarar o mu'a
com sabe orlo, porque ele estará soldando para a glória
aceitandodescri' de Deus e verá em seu trabalho diário uma
viver nele a v oportunidade de glorificar a Deus e de
modo igtrio servir a seus semelhantes.
na arabize
x 1Ï
Que tal levar os membros da sua igreja
a encarar o mundo com sabedoria, aceitando
o desafio de viver nele a vida de modo cristão o mais naturalmente possível?

7. Partindo para a prática na cultura brasileira

Neste capítulo destacamos a necessidade de considerarmos os


fenômenos culturais durante a pregação, o ensino e a vivência do eangelho.
Como vivemos numa cultura específica — a brasileira — que tal ocuparmos
um pouco de nosso tempo para conhecer um pouco melhor quem somos,
como é nossa cultura? Vamos então apresentar um pequeno resumo
descritivo de nossa cultura para que você possa fazer um exercício de
dedução dos seus significados para facilitar a pregação, ensino e vivência
do evangelho. (Mais detalhes sobre a cultura brasileira podem ser obtidos
no livro de minha autoria com o título Dando um jeito no jeitinho — como
ser ético sem deixar de ser brasileiro - Editora Mundo Cristão).

O povo brasileiro encara a vida de modo festivo. Roberto Da


Matta (veja seus livros Carnavais, Malandros e Heróis, e O que faz o
Brasil, brasil) nos lembra que o ritualismo na vida brasileira se restringe
nas festas da ordem ou ritos de reforço e nas festas da desordem ou
ritos de inversão — festas oficiais e religiosas em oposição às festas
populares tais como o carnaval, o futebol. Há a valorização de cerimônias,
cultos, festas, reuniões.'

Veja Bibliografia (página 268);

82
Capítulo 5 - O que significa contextualização em uma igreja local?

O brasileiro gosta de ter prazer naquilo que está fazendo. O rotineiro


está relacionado ao trabalho. O que vale-a-pena fazer está ligado ao prazer,
à realização pessoal.

Novamente Da Matta nos lembra que é preciso considerar o lugar


da casa na cultura brasileira. Ela não se refere apenas ao local de repouso,
alimentação e abrigo. Não é um lugar físico, mas um lugar moral onde
ocorre a realização integral do brasileiro. Em oposição está a rua. Na casa
há segurança; na rua a insegurança. Na casa, a pessoa tem identidade, na
rua ela é anônima. Por isso, os cultos nos lares talvez possam ser uma boa
opção para a pregação do evangelho.

Outro traço de nossa cultura é a valorização mais das pessoas


do que das instituições. As instituições são coisas abstratas, o que
conta mesmo são as pessoas. Há uma busca incessante por heróis,
"salvadores-da-pátria". A ação interpessoal é o elo da corrente cultural
brasileira. As relações pessoais passam a ter mais peso do que as leis, as
normas e os regulamentos. Sérgio Buarque de Holanda (no livro Raízes
do Brasil) afirma que "o desconhecimento de qualquer forma de convívio
que não seja ditada por uma ética de fundo emotivo representa um aspecto
da vida brasileira que raros estrangeiros chegam a penetrar com
facilidade." Neste caso, muitos de nós erramos quando queremos abrir,
por exemplo, uma congregação começando pela elaboração de seu
estatuto ou regimento interno. Por que não por reuniões informais ou
sociais, que parece ser mais compatível com o nosso "jeitão" de ser?

A anarquia e o caos, em geral, definem o estilo organizacional íntimo


do brasileiro. A vida planejada e padronizada torna-se um tormento para
o brasileiro comum que prefere viver conforme "lhe dá na telha".

Coube a Holanda destacar a cordialidade do brasileiro. A


cordialidade gera uma vida em sociedade e uma libertação do pavor
provocado pela solidão. É no "tudo bem", "numa boa", "deixa pra lá", que
muitos conflitos são resolvidos.

83
A contextualização da igreja de Cristo

Temos de destacar ainda o humor incontinente do brasileiro que


"vai levando a vida" e com isto são solucionados dilemas que, normalmente,
resultariam em tragédia. O brasileiro é um descontraído por natureza.

É preciso considerar a inventividade semântica do brasileiro que cria


termos e expressões para descrever realidades do quotidiano. É o tatuzão
(máquina de perfurar túneis do metrô paulistano), minhocão (viaduto comprido
em São Paulo), papagaio (empréstimo bancário) etc. O lado negativo disso
pode ser chamado de "Código Secreto" tais como, "amanhãs" que nunca
chegam; "apareça lá em casa", que na realidade não é um convite, mas um
modo cordial de se despedir, assim como "tá cedo, não vá embora ainda";
"irei se Deus quiser", significa "não conte com a minha presença"; "já foi
providenciado", que quer dizer "ainda não vi o caso, nem sei de que se trata";
"eu telefono mais tarde", é para entender "eu não tenho tempo para tratar
disso". Como enfrentar essa situação quando você está pregando o evangelho?

O conceito de tempo entre o povo brasileiro merece estudo profundo.


Para nosso povo é "chique" chegar atrasado num compromisso. Nosso
conceito de tempo não é cronológico, mas acontecimental, isto é, que
valoriza os acontecimentos. Três horas da tarde não significa que o relógio
esteja marcando 15h00, mas que tal ou tal acontecimento tenha se
concluído.

Não poderíamos deixar de falar que o brasileiro tem o hábito de querer


"levar vantagem" em tudo. Ele gosta de dar um jeito nas coisas. 0,jeitinho
já faz parte do dia-a-dia e já se consagrou como a maneira de se trafegar
nas diversas esferas da sociedade brasileira. Como mostrar a vantagem
do evangelho que exige tudo, para um povo que quer levar vantagem?

Como você pode ver, será preciso considerar a maneira como um


povo encara a vida para que o evangelho tenha um significado completo
para tal povo. Novamente apelamos que o leitor aliste para cada parágrafo
as implicações e significados que cada item da nossa cultura possuem para
uma eficaz pregação do evangelho.

84
Capítulo 5 — O que significa contextualização em uma igreja local?

Conclusão

Como a igreja pode viver no mundo e manter sua lealdade a Cristo? É


uma pergunta perturbadora. Desenhamos nesse capítulo alguns princípios
e estratégias. Como a cultura é dinâmica e sempre se altera, sobrará a
constante vigilância de cada crente, de cada líder em tornar o evangelho
significativo não apenas na pregação, mas também na vivência ética
cotidiana.

Hoje há, por exemplo, a lógica do mercado que tem sido lançada
sobre a vivência eclesiástica. Se no passado temos a famosa luta das duas
espadas — a do poder temporal e político e a do poder espiritual da igreja
— hoje temos essas duas tensões, qual sejam: a do poder empresarial, que
tenta trazer toda a sua racionalidade pragmática, fabril e produtiva para
dentro da igreja, que lida com vidas. Se na lógica empresarial o foco é a
produtividade, o tempo cronológico fabril, como lidar com isso na igreja
em que o foco está em atender pessoas, vidas, e cuja racionalidade está
mais para a cosmovisão do relacionamento do que para o tempo
cronológico, por exemplo?

Em outras palavras, precisaremos ser relevantes em qualquer


momento, em qualquer cultura, mas devemos manter nossa lealdade a
Deus. Na bibliografia cito um livro sobre a cultura brasileira (Dando um
jeito no jeitinho) onde o leitor poderá ampliar a sua compreensão sobre
o assunto.

Para você pensar:

1.Qual tem sido a influência da sociedade presente em suas decisões


pessoais e padrões de conduta na vida diária?

2. Na sua pregação e testemunho do evangelho você tem procurado


transmitir uma mensagem compreensível ao seu ouvinte? Ou vive usando o
"evangeliquez" que ninguém entende e aceita?

85
A contextualização da igreja de Cristo

3. Como você falaria acerca do pecado para um jovem universitário e


para uma pessoa que mora na periferia da cidade?

4. Como viver o evangelho numa cultura como a brasileira, onde o


"jeitinho" abre caminhos e muitas vezes contradiz a norma de vida cristã?

86
Capítulo 6

Contextualizando a visão
para a igreja local
Pastor Paschoal Piragine Júnior

1. Entendendo os processos da
contextualização em uma igreja local

Quando assumi o ministério da Primeira Igreja Batista de Curitiba, ela


já era uma grande e próspera igreja com 1014 membros, um patrimônio
invejável que lhe permitia sonhar com a expansão, pois há pouco havia se
mudado para o novo complexo em construção, em uma área de 12300
m2 e uma potencialidade de edificação de mais de 23.000 m2. Possuía
uma história de arrojo e compromisso com a plantação de igrejas no estado
e um grupo de diáconos e líderes capazes e muito bem treinados.

Nessa época, eu tinha 29 anos de idade e oito anos de experiência


ministerial à frente da Igreja Batista de Água Branca, em São Paulo, que
A contextualização da igreja de Cristo

sempre foi uma igreja de vanguarda e que fora a minha casa desde a
minha infância.

Nunca poderia imaginar que 400Km pudessem influir tanto em termos


de cultura. Curitiba parecia ser tão próxima da cultura de São Paulo, mas,
ao mesmo tempo, tão diferente.

Foi então que contextualização passou a ter sentido para mim. Com
bem pouco tempo de ministério, comecei a perceber que certos
procedimentos tão normais para mim eram interpretados pelo staff em
Curitiba de maneira diferente do que imaginava.

Lembro-me de ter enviado um memorando ao secretário da igreja


com alguns pedidos e sugestões que provocou uma ida imediata do querido
irmão a minha casa para entender por que me reportava a ele daquela
forma. Quando ele começou a expressar os seus sentimentos ao receber
aquele papel, eu quase entrei em choque. Como algo tão simples e rotineiro
para mim poderia ter conotações tão diferentes para aquele irmão?

Pouco a pouco, fui percebendo que existiam outras questões que eu


desconhecia no modo de reagir, característico da igreja e da nova cultura em
que estava inserido. Tenho que confessar que entrei em pânico, senti-me como
que pisando em ovos o tempo todo, pois eu era a grande diferença. No primeiro
momento em que se vive um choque cultural, a grande tentação é mudar o
mundo a seu redor para que ele fique parecido com o seu mundo conhecido,
mas isto é uma grande tolice, pois quem precisava primeiro aculturar-se era eu.

Se eu não me identificasse com aquele povo, nunca poderia ser seu


pastor ou construir qualquer tipo de mudança que trouxesse algum benefício
tanto para a vida deles quanto para o progresso do reino. Talvez esta
tenha sido uma dolorosa, porém preciosa lição.

Outra questão preponderante era que, no coração e na alma dos meus


queridos irmãos, eu ainda não era o pastor deles. O referencial interior de

88
Capítulo 6 — Contextualizando a visão para a igreja local

pastor registrado em seus corações naturalmente era do Pastor Marcílio


Sebastião Teixeira, que exercera um profícuo ministério ao longo de
quatorze anos naquela igreja. Fora ele quem chorara as lutas daqueles
irmãos e se alegrara com as suas vitórias.

Outra grande dificuldade é que a igreja não se parecia nem um pouco


comigo. Seu estilo, tanto de culto quanto de solução de problemas, não
refletia nem um pouco a minha filosofia de ministério.

Se você já mudou de ministério alguma vez, certamente estará se


identificando com estas recordações. Mas a grande pergunta é : O que
fazer?

Para mim, a verdadeira contextualização nasce deste sentimento de


impotência e até mesmo de incompetência, pois é através dele que Deus
começa a quebrar as fortalezas que se instalam em nossa mente e que nos
impedem de ser flexíveis, primeiro à vontade de Deus e depois em
metodologias que nunca foram sacrossantas em si mesmas.

Todo líder que se vê em uma situação assim só tem uma saída: buscar
com uma intensidade maior o discernimento divino e uma inteira submissão
ao que o Senhor revelar.

Fiz um programa intenso de visitação aos líderes da igreja, ajudado


por uma querida diaconisa que conhecia muito bem a vida e a história da
igreja. O meu objetivo era recolher informações que me ajudassem a definir
que rumo seguir .

Foi em uma dessas visitas que ouvi a coisa mais importante para o
início do meu ministério. Almoçando com um desses líderes e ávido por
informações que me ajudassem a delinear o projeto inicial de ministério,
ele me disse: "pastor, antes de qualquer projeto, eles precisam de um pastor.
Pastoreie a igreja, cure as feridas das ovelhas, conduza-as aos pastos
verdejantes. Seja você o pastor delas!"

89
A contextualização da igreja de Cristo

Que palavra sábia! Certamente ela vinha de Deus! Como poderia eu,
uma pessoa tão diferente do meu povo e totalmente desconectada da sua
história e costumes, presumir que me seguiriam e me apoiariam, pagando
os preços que qualquer mudança sempre impõe, sem que seus corações
tivessem sido apascentados, suas feridas tratadas e sem que o amor pastoral
tivesse conquistado os seus corações? Certamente eles não me seguiriam.

Todo processo de contextualização exige identificação. Para o pastor,


identificação significa mais que conhecer o seu povo, identificar-se com os
seus problemas , medos, tratar as suas feridas, ser instrumento de Deus
para fortalecimento e transformação espiritual de suas vidas e famílias. É
desta santa identificação que vem a verdadeira autoridade da liderança
pastoral. É mais que um cargo, um título, ou uma atribuição estatutária; é
vida, é compromisso, é batalha espiritual a favor do povo que Deus colocou
sob sua responsabilidade. Somente após esta santa identificação, qualquer
projeto poderá dar certo.

2. Ganhando visão

Muito se tem falado de visão para o ministério. Tenho lido muito a


esse respeito e sei que todo projeto ministerial nasce de uma visão dada
por Deus. Não sei se o mesmo ocorreu com você, mas, para mim, a visão
não foi uma revelação única e pronta, como se Deus desse uma única
ordem e meus ouvidos tivessem a capacidade de entendê-la por completo,
de uma vez.

Creio que a falta deste entendimento tem levado muitos de nós,


pastores e líderes, a copiar visões de outros ministérios, pois elas já
apresentam numa estrutura entendível e aplicável. Porém, nem sempre é
adequável ao nosso povo e contexto.

A percepção da visão e do projeto de Deus para a nossa igreja neste


tempo foi um processo lento, tanto em meu coração quanto na percepção
da própria igreja. Deus, na sua sabedoria, caminhou pacientemente comigo,

90
Capítulo 6 — Contextualizando a visão para a igreja local

permitindo que cada faceta da visão fosse percebida, apropriada e semeada


no coração da igreja.

Este processo demorou alguns anos de ministério, onde cada pedacinho


da visão foi sendo incorporado.

Primeiro foi um forte sentimento de que nada poderia ser feito sem
uma busca intensa de um relacionamento íntimo com Deus, tanto da minha
parte quanto da liderança e de cada membro. Precisávamos crescer para
cima , em direção ao Senhor. Sem este crescimento, qualquer tipo de ação
pareceria sem sentido.

Depois foi a percepção de que um genuíno crescimento espiritual


teria efeitos colaterais naturais e constatáveis, e, por isso, deveríamos
crescer para fora, em direção aos perdidos, tanto de perto como de
longe, fazendo da proclamação do evangelho uma das metas
prioritárias.

Mas, sem uma forte unidade comunitária e um sentimento de corpo,


pouco poderíamos alcançar. Por isso precisávamos crescer para dentro,
desenvolvendo uma comunhão diferenciada, promovendo a descoberta e
o uso dos dons do Espírito Santo e o sentimento de que todos nós somos
servos de Deus e que servimos uns aos outros dentro do corpo.

A forte e crescente impressão que Deus colocava em meu coração é


que nosso alvo era crescer para cima, para fora e para dentro, e que deste
sentimento deveriam nascer os projetos e as estratégias.

Uma coisa importante ao pensarmos em contextualização é que logo


percebemos que os processos e estratégias não são o mais importante, e
sim as pessoas e como podemos alcançá-las de modo que elas tenham de
enfrentar o menor número possível de barreiras não-significativas para o
reino, a fim de que o evangelho possa transformá-las mais intensa e
rapidamente.

91
A contextualização da igreja de Cristo

Por isso, o delinear das estratégias viria depois. Antes de propormos


atividades, era necessário ampliar o conteúdo desta visão em uma série de
valores que norteariam as estratégias.

Cada uma destas ênfases de crescimento determinava valores


específicos que precisavam ser clarificados e trabalhados.

3. Descobrindo os valores que solidificam a visão

3.1 - Crescer para o alto

Crescer para o alto significava levar a igreja a crescer em uma adoração


viva e contagiante. A adoração precisava ser um valor da vida comunitária,
mais que uma atividade ou um processo. De algum modo, ainda não muito
bem definido, entendíamos que, se desejássemos conduzir o nosso povo a
crescer para o alto, em direção ao Senhor, era necessário que o valor da
adoração passasse a ser preponderante tanto nos cultos quanto na vida
pessoal de cada um . Mas como?

Entendíamos também que, para crescer para o alto, outro valor era
imprescindível. Todo o povo de Deus em nossa comunidade, pastores,
diáconos, líderes e mesmo uma criança de nosso ministério infantil, todos,
sem exceção, precisavam conhecer a bênção e o poder da oração. Sem
que experimentássemos o poder da oração, nunca de fato teríamos crescido
para o alto. Mas como fazer isto? Como levar toda a igreja a esta
experiência?

Mas estes valores sem um lastro seriam perigosos demais. Por isso,
para este nível de crescimento, era necessário um compromisso radical em
conhecer a Deus através da sua palavra. Como poderíamos conduzir toda
a igreja a estes valores?

Talvez ainda não tivéssemos todas as respostas, mas uma coisa


sabíamos: desejávamos ser uma igreja tremendamente comprometida com

92
Capítulo 6 — Contextualizando a visão para a igreja local

o Senhor, que revelasse este profundo compromisso na sua forma e estilo


de adoração, na vida de oração e na centralidade da palavra para nortear
toda a ação e experiência .

Mas isto não é o que toda igreja faz? Como isto pode ser parte de
uma visão contextualizada? Naturalmente que adoração, oração e palavra
devem fazer parte integrante de qualquer ministério. Mas a grande pergunta
era: se todo ministério faz destes valores o seu estilo de vida e o perfume
preponderante que leva à comunidade, onde está a diferença? É interessante
perceber que às vezes aquilo que dizemos ser valor não se reflete como
valor prático no jeito de ser das pessoas ou mesmo de uma instituição.

Ouvi certa feita um líder dizer que é fácil conhecer os valores de urna
pessoa. Basta pedir que ela mostre o seu talão de cheques e a sua agenda.
Se os seus investimentos têm como concentração o que ela diz ser valor e
se a sua agenda reflete isto em tempo dedicado àquela questão, então de
fato são valores; caso contrário, ainda são meras aspirações .

A sua agenda eclesiástica ou pessoal e o orçamento aplicado mostrarão


onde estão os valores preponderantes de seu ministério.

3.2 - Crescer para fora

Mas o que significa crescer para fora ?

Naturalmente significa crescer na ação missionária para o cumprimento


da grande comissão, tanto em nossa Jerusalém, quanto em nossa Judéia,
Samaria e nos confins da terra.

Pode parecer simples demais , mas este era um valor muito importante.
Significaria um compromisso inalienável com toda a amplitude da obra
missionária, e isto simultaneamente. Hoje em dia existem muitas filosofias
procurando convencer a igreja local a fazer uma obra simplesmente
especializada e focada na própria vocação. Mas se a nossa vocação é ser

93
A contextualização da igreja de Cristo

igreja, então tudo o que foi designado à igreja precisa ser nossa vocação,
e teremos que fazê-lo simultaneamente. E o Senhor, pelo seu Espírito, nos
dará os dons necessários para isto, bem como os recursos, à medida que
nos direciona a esta simultaneidade.

Uma outra razão para o desenvolvimento deste valor era que nos
encontrávamos em um Estado que recebia missionários, e a grande tendência
em Estados assim é de que muita gente pense em fazer primeiro missões aqui
e, depois de terminada a obra regional, expandir para Samaria e confins da
tem. Precisávamos lutar para que o valor bíblico da simultaneidade se instalasse.

O crescer para fora tem a ver também com a relevância que a igreja
tem na sua comunidade local. Lembro-me da aula de um professor
universitário de Sociologia que pediu que seus alunos colocassem no mapa
da cidade as entidades de maior relevância para a sociedade. Os alunos
localizaram os hospitais, as creches, as escolas, os postos de saúde , as
delegacias de polícia, o corpo de bombeiros, os clubes sociais. Mas nenhum
deles assinalou qualquer igreja.

É triste perceber que, para muitas comunidades, a existência ou não


de uma igreja pouca ou nenhuma relevância tem. Se desejássemos crescer
para fora, deveríamos crescer em relevância sendo o sal e a luz de Deus
para a nossa cidade.

Uma outra visão clara que se descortinava diante de nós é que para
crescer precisaríamos ser como o fermento de Deus na cidade de Curitiba.
Apesar de poucos em número diante da população, poderíamos influenciar
e promover crescimento e transformação espiritual através de uma rede
de servos de Deus, cumprindo a sua missão no lugar em que estavam
inseridos pelo próprio Deus. Nós poderíamos ser como o fermento em
meio à massa.

Todos os valores anteriores nos levavam a uma conclusão lógica;


precisávamos ser uma igreja que não temesse crescer numericamente e,

94
Capítulo 6 — Contextualizando a visão para a igreja local

ao mesmo tempo, tivesse um firme compromisso com a plantação de novas


igrejas.

Pode parecer estranho não temer o crescimento. Mas este valor era
novo para mim mesmo, pois durante muito tempo pensei que a igreja ideal
era a que possuía 300 membros e que quando uma igreja atingisse este
número, ela deveria desviar todo o crescimento para a plantação de uma
nova igreja. Esta minha idéia tinha um grave erro, pois uma Igreja viva,
comprometida com o Senhor e cumpridora da sua missão neste mundo não
pára de crescer. Crescer é conseqüência da vida. Ela pode plantar dezenas
de novas igrejas, mas continuará crescendo, pois a cada dia o Senhor
acrescenta os que estão sendo salvos e que congregarão onde aqueles que
os ganharam para Jesus congregam, na igreja local a que pertencem. Então,
se toda a igreja vive a evangelização como parar de crescer?

Pensei durante outro tempo que poderíamos designar os membros


que estivessem próximos entre si para formarem uma nova congregação.
Mas este era outro erro infantil, pois igreja é família. Confesso que até
tentei, mas não funcionou, pois eles eram parte da história da igreja e não
queriam abrir mão dela . Eram vigorosos evangelistas, mas não queriam
abrir uma nova igreja .

Descobri então que os plantadores de igrejas são homens e mulheres


dotados por Deus com um maravilhoso dom e que era o nosso dever
descobri-los e mobilizá-los a exercê-lo com todo o apoio da igreja.

3.3 - Crescer para dentro

O terceiro aspecto da nossa visão que precisava ser amplificado com


valores era o "crescer para dentro". Como decorrência de todos os outros
valores, a igreja precisava ser uma comunidade de amor e serviço.

Se cada crente não pudesse descobrir através dos relacionamentos o


sabor da comunhão cristã, se cada pessoa, não importando a sua idade,

95
A contextualização da igreja de Cristo

cultura, cor ou posição social, não encontrasse seu lugar nesta comunidade,
e se não pudéssemos dizer através de ações práticas que as pessoas valem
mais do que as coisas, então tudo seria mero discurso religioso.

Alguns acreditam que a igreja deve ter um público alvo específico, mas
eu tenho grandes dificuldades em ver esta verdade do ponto de vista bíblico.
Creio que as estratégias evangelísticas podem e devem ser articuladas a
grupos homogêneos, mas a igreja é o lugar da família de Deus . Ela sempre
foi e será maior que qualquer estratégia. Ela precisa ser a família de todos os
filhos desgarrados de Deus. E isto não somente no contexto da igreja universal,
mas especialmente na igreja visível para que o mundo veja o milagre que só
Jesus pode fazer, o de quebrar todo muro de separação entre os homens.

Outro valor imprescindível é que a comunidade de amor precisa ser a


comunidade do serviço. Cada crente deve ser desafiado a exercer o seu
ministério pessoal com base nos dons do Espírito Santo e aprender assim a
ministrar na vida de outras pessoas, ao mesmo tempo em que recebe
ministração de outros em sua própria vida. Esta santa mutualidade nos permite
vivenciar o significado de ser corpo de Cristo nesta terra, ao mesmo tempo
em que expande as nossas potencialidades de fazer diferença neste mundo.

O resultado natural destas ênfases e valores nos permitiu declarar a


nossa visão da seguinte forma :

"Levar as pessoas a buscar um relacionamento intenso


com Deus, amar e servir ao próximo e fazer Jesus conhecido
em todos os povos, no poder do Espírito Santo."

4. Contextualizando a visão

A visão é o futuro desejável que antevemos pela fé. Os valores são os


alicerces sobre os quais edificaremos este futuro desejável. O contexto é o
solo onde serão fincados estes alicerces e sobre o qual o futuro desejável
será edificado.

96
Capítulo 6 — Contextualizando a visão para a igreja local

Algumas pessoas imaginam que contextualização é uma mera


conformação à realidade existente. Isto seria conformar-se com o mundo
ao nosso redor. Contextualização é saber como usar as realidades existentes
para , a partir delas, construir uma realidade desejável que é nossa visão.

Tenho aprendido muito com o processo de construção do novo templo


que nossa igreja tem vivido. Quando estávamos edificando os alicerces, a
primeira coisa que tivemos de fazer foi uma sondagem do solo para saber
em que profundidade as estacas que sustentariam os baldrames deveriam
ser fincadas. Descobrimos que o solo não era uniforme. Havia lugares em
que a resistência era boa, e 4 metros de estacas eram suficientes, mas
outros locais possuíam um solo orgânico de baixa resistência, e por isso as
estacas chegavam a precisar ter até 15 metros.

O processo de contextualização é mais ou menos assim. Temos uma


realidade desejável a construir. Para isso avaliamos com muito cuidado o
solo que Deus nos deu. Não apenas para constatar o que ele é ou possui,
mas para saber como e onde os valores, que são as estacas da nossa
edificação, deverão ser fincadas.

Descobriremos que o solo da cultura de uma congregação não é


uniforme, e por isso alguns valores são facilmente colocados e assimilados,
outros precisam de mais tempo e trabalho para que estejam bem fincados
e resistam às pressões que a nova edificação produzirá.

Sinto que muitos têm sofrido e têm se frustrado não por falta de uma
visão, mas por não entenderem como esta visão pode ser implantada.
Nós, pastores, por natureza, temos a tendência de ser meros realizadores
de eventos. Mas os eventos vêm e vão e não constroem por si mesmos o
futuro desejável. E o pior é que quando surge um vento forte ou uma
tempestade institucional, e elas sempre acontecem, o nosso projeto
desmorona, pois estivemos edificando sobre a areia. São os valores que
darão a sustentação a nossa visão e por isso eles vão precisar ser
trabalhados com cuidado, amor, paciência e fé.

97
A contextualização da igreja de Cristo

Mas, por onde começar ?

Primeiro saber onde seu povo está em relação aos valores que vão
sustentar a visão. Identificar os pontos fortes e de fácil edificação, identificar
também os pontos fracos, áreas em que o valor é uma aspiração. Estas
são as áreas que demandarão mais tempo e cuidado para que o projeto
possa andar.

Shwarz, em seu livro "O Crescimento natural da Igreja" nos ensina


que o fator mínimo de uma igreja é o que determina a possibilidade do seu
crescimento. Ele ilustra este fato através da figura de um barril constituído
de várias aduelas; o tamanho da menor aduela determina a quantidade de
água que o barril pode reter.

,40015e.N

Os fatores mínimos são alvos estratégicos para a implantação dos


valores, mas os valores não são assimilados por programas, e sim por
transferência de vida, fé e visão junto às pessoas.

Todo processo de implantação da visão é fruto de mentoreamento de


pessoas-chaves, que ajudarão a fincar os alicerces dos valores na

98
Capítulo 6 - Contextualizando a visão para a igreja local

comunidade. Por isso, as estratégias devem ser voltadas para esta


transferência de valores, e nelas devemos colocar a nossa energia. Ore
para que o Senhor lhe mostre quais são estas pessoas e inicie por elas.

Aqui, o processo de implantação começou pelo desenvolvimento de


uma filosofia de ministério colegiado. Entendíamos que a visão, os valores
, a missão e o poder precisavam ser compartilhados para que toda a igreja
pudesse ser alcançada.

Entendo como ministério colegiado um corpo de ministros que tanto envolve


pessoas de tempo integral, parcial como líderes locais que assumem funções
ministeriais. Em nossa igreja, ele é formado por pastores, diretores da igreja e
diáconos, pois juntos estamos ministrando na vida de toda a igreja.

Por isso era necessário que eu estivesse próximo deles, que os valores
fossem experimentados por eles, e isto não poderia ser um processo de
decisão parlamentar, mas, sim, um processo de desfrutar do sabor de cada
um dos aspectos destes valores a ponto de eles deixarem de ser apenas
desejáveis e passarem a ser o nosso estilo de vida enquanto líderes.

Para isto alguns dos nossos encontros precisavam mudar de cara; não
poderiam ser apenas para discutir os negócios da igreja, a sua agenda, ou
os conflitos comunitários. Precisava ser um tempo de relacionamentos, de
proximidade, de descobertas espirituais e de um semear de sonhos a
respeito de nosso futuro desejável. Mas como fazer isto diante de toda a
força inercial dos estilos que já foram assimilados no decorrer de tantos
anos? Não havia como mudar abruptamente, mas era possível acrescentar
algo novo que permitisse descortinar novos sentimentos. Por isso
começamos a ter alguns encontros fora da igreja, com os diáconos e
diretores, para ministração mútua e crescimento.

Com os pastores, acrescentamos além da reunião semanal de


planejamento e prestação de contas uma outra com nossas famílias, só
para oração e compartilhamento. Estes tempos foram e têm sido a base de

99
A contextualização da igreja de Cristo

toda a transformação que nossa igreja tem vivido, pois cada um destes
líderes que compartilham conosco as cargas do ministério são os que nos
ajudarão a implantar os valores e a visão.

Pouco a pouco as estratégias foram surgindo através deste grupo de


santos homens e mulheres de Deus.

As células passaram a ser uma meta prioritária por ser uma máquina
de guerra leve, ágil e feroz, tanto na evangelização quanto no despertamento
dos dons, no ensino da palavra, na vida de oração e no exercício de seu
ministério pessoal.

Outras ferramentas voltadas para grupos específicos foram criadas a


partir da visão, dos valores e, ao mesmo tempo, tremendamente
identificadas com o nosso povo, os problemas e realidades da nossa cidade.

Uma coisa que tenho aprendido é que o processo de contextualização


é tremendamente dinâmico e precisa ser vivido todos os dias, pois a
comunidade em que estamos inseridos está em constante mutação e nos
desafia a novas realidades cada dia.

Meu objetivo em escrever este capítulo não foi apresentar modelos


prontos e soluções fáceis, pois não acredito nelas, mas, antes de tudo,
mostrar como podemos caminhar para uma contextualização permanente
em nossa igreja local. Tentei passar os valores que norteiam o processo
em nossa igreja para que possam servir como um exemplo prático de algo
que precisa ser elaborado em cada comunidade, à luz daquilo que Deus
tem colocado como meta e alvo para cada igreja local, reconhecendo que
nada acontece sem que a graça de Deus seja derramada sobre nós .

Contextualizar é um desafio permanente para cada pastor em cada


sermão e para cada igreja na implantação da sua visão. Que Deus nos dê
graça para sermos relevantes às pessoas a quem ele nos enviou para sermos
profetas da esperança .

100
Capítulo 7

Contextualizando a celebração
na igreja brasileira.

Uma proposta desafiadora


para a adoração em nossas igrejas
Pastor Marcílio de Oliveira Filho

Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que


apresenteis o vosso corpo em sacrifício vivo, santo e
agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não
vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela
renovação do vosso entendimento, para que
experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita
vontade de Deus. — Romanos 12.1-2
A contextualização da igreja de Cristo

Introdução

Nascido em 1947, com duas semanas de vida fui encaminhado à


Primeira Igreja Batista de Santos. Meus pais eram crentes bem novos,
batizados naqueles dias. Eu era o primeiro filho nascido no lar que acabara
de se tornar evangélico.

A influência da igreja de minha infância, há 55 anos passados, foi


muito forte em toda a minha formação religiosa. Era uma igreja onde as
pessoas se conheciam, todos moravam perto e se reuniam pelo menos
duas vezes por semana para cultos de oração, estudo bíblico e treinamento
cristão.

O estilo de ser igreja era bem diferente de nossos dias. Hoje grande
parte das igrejas no Brasil e no mundo estão com seus templos lotados
semanalmente, com muitas programações durante a semana e com ênfases
muito fortes em grupos de comunhão, discipulado, oração e crescimento
cristão.

O estilo de liturgia também era bem diferente de nossos dias:


cantávamos hinos tradicionais ensinados pelo missionário T.C. Bagby (filho
do pioneiro William B.Bagby), que tocava nas praças, igreja e presídios
um velho harmônio movido a pedais. Aprendíamos alguns cânticos nas
reuniões de adolescentes e jovens. Os coros eram comuns, mesmo nas
igrejas bem pequenas da zona rural, graças à influência especialmente dos
remanescentes eslavos que predominavam em muitas regiões.

Hoje vivemos uma diversidade de programas. A juventude,


adolescentes e crianças realizam seus cultos independentes de toda a igreja
e adotam um repertório congregacional bastante variado. Predomina
também nos cultos dominicais de celebração uma grande diversidade de
músicas, com ritmos, melodias e estilos contemporâneos. Há uma forte
ênfase na renovação hinológica, e em muitas igrejas e comunidades os
hinos históricos são totalmente desconhecidos.

102
Capítulo 7 — Contextualizando a celebração na igreja brasileira

O propósito deste capítulo é justamente


analisar essas tendências e propor uma atitude O .oppoNifesxj:~041p.
justamente estas
coerente, contextualizando a moderna tendências. e
tendência sem perder nossa maior riqueza, que aí tudé coerente
é a adoração comunitária. con(004;0140::::4
moderna
1. Características do culto cristão pordéritõs$0,;:matorrwooziw
ue é a adoraçao
tomuottano
1.1 - Sacrifício

O texto bíblico paulino nos faz algumas recomendações importantes,


válidas tanto nos dias do NT quanto nos dias atuais, apontando as
características do culto verdadeiro:

a) Vivo (comunicativo, tom de celebração) - Os batistas, nos últimos


anos do século passado, atravessaram mares turbulentos na área litúrgica.
Algumas igrejas insistiram num estilo de culto conservador, fechado e
altamente formal, impedindo este aspecto importante das regras de
comunicação. Os cultos contextualizados com o novo tempo em que
vivemos precisam ser altamente festivos, tanto na atitude interior quanto na
exteriorização, nos momentos de participação coral, individual ou
congregacional;

b) Santo (reverente, espiritual, vidas santas) - A adoração litúrgica


precisa conservar toda a dignidade que o culto requer. Contextualizar a
forma cúltica não significa tornar a programação uma permanente busca
de audiências, como nos programas de variedade nos auditórios e TVs. A
adoração é para o único Deus, que é santo;

c) Agradável (envolvente, alegre, contagiante) - Entendo que o sentido


de agradar é duplo:

Primeiro temos que agradar a Deus. Toda a liturgia deve estar


preocupada em proporcionar oportunidade aos adoradores de adorarem

103
A contextualização da igreja de Cristo

a Deus, expressando sua gratidão, reverência e propósito de uma vida


santa diante do motivo do louvor.

Em segundo lugar agradar aos homens. As pessoas que participam


dos cultos comunitários precisam se sentir bem, numa atmosfera envolvente
e contagiante. As orações precisam mostrar uma forte intimidade entre
Deus e as pessoas. Os hinos e cânticos devem conter elementos poéticos,
teológicos, rítmicos e melódicos, que proporcionem a todos os participantes
momentos de repouso, tranqüilidade e descanso. A agitação do novo século
não deve invadir e prejudicar essa atmosfera agradável que convém ao
culto.

1.2 - Culto racional

a) Exageros na comunicação tornam-se um perigo. A


contextualização do estilo de culto em nossos dias tem se tornado
um perigo, quando líderes dos cultos acabam buscando fontes de
inspiração nos programas e shows da TV. Os grandes comunicadores
atuais estão diariamente nos vídeos de nossos televisores e acabam
imprimindo um estilo importante de comunicação, mas a igreja
contemporânea não deve adotar estes estilos como forma de
entretenimento e comunicação com os auditórios.

Os participantes nos cultos contemporâneos não devem ser


manipulados pelos comunicadores e líderes dos cultos comunitários.

b) É importante a compreensão dos objetivos e do papel do


adorador. Os cultos contemporâneos em muitas igrejas e comunidades
correm o risco de ser um grande ajuntamento de pessoas e não um encontro
de adoradores. A filosofia de Nietsche ou a psicologia de Freud podem
ser inconscientemente a grande motivação para as pessoas se reunirem
nos cultos e buscarem tão somente a satisfação de seus desejos. Os
participantes dos cultos devem ser incentivados cada vez mais a serem
verdadeiros adoradores, que é justamente o que Jesus procura.

104
Capítulo 7 — Contextualizando a celebração na igreja brasileira

c) Cultos com manipulação de massas — perigo. Muitos


programas de cultos podem ser uma histeria coletiva, com atitudes
que geram descontrole e desequilíbrio emocional. Muitos líderes
de cultos podem se tornar como os comunicadores contemporâneos
de shows, como dissemos acima, e usando de estratégias
psicológicas induzem os participantes a determinadas práticas que
não se coadunam com o propósito do culto, a adoração a Deus
com decência e ordem.

1.3 - Transformação

O ritmo das mudanças no mundo leva a igreja a uma vida dinâmica


provocando constantes pesquisas e mutação.

Comparando a igreja de minha infância, de 55 anos passados, com a


igreja contemporânea, vejo que muitas situações novas foram levando a
igreja a um processo de mudanças em vários aspectos.

A mudança litúrgica é uma delas. Outra mudança é a dos estilos ou


estratégias. No Brasil hoje temos uma série de opções para nossos estilos
de igrejas. Embora estejamos todos no mesmo país, talvez com a mesma
estrutura e na mesma convenção denominacional, podemos encontrar
igrejas batistas totalmente diferentes em suas áreas administrativas e nos
programas de educação cristã. Temos as igrejas em células, as igrejas com
células, as igrejas com propósitos, as igrejas
da rede ministerial e várias outras opções.

Estilos importados continuam sendo uma


forte característica na nossa conduta est ,amos be os paret'
denominacional. É comum adotarmos estilos ',topos dias, novos
deigrejas e de programas totalmente alienados :ramas
gtas iparet a tgt'.çiet:
da realidade da cultura brasileira, mas que
tet
estão sendo experimentados e que estão
dando certo em muitas igrejas.

105
A contextualização da igreja de Cristo

Por tudo isso, é importante que estejamos abertos para novos dias, novos
programas e novas estratégias para a igreja batista do novo século.

2.0 que não pode e o que pode mudar

Mas apesar de todas essas mudanças, entendo que merecem uma


análise mais profunda dois aspectos fundamentais:

a) o que não pode mudar na igreja batista brasileira;


b) o que pode mudar na igreja batista brasileira.

2.1 - O que não pode mudar

a) Doutrina - Nossa doutrina como igreja batista brasileira precisa


ser sempre ensinada e avaliada como princípio norteador de nossas práticas.
Corremos o risco de produzir uma nova geração de discípulos que não
conhecem com segurança tudo o que pensam crer, por desconhecimento
das doutrinas das igrejas batistas.

b) Fé - A fé como fundamento da
esperança na conduta cristã não pode
grelas mudar, independentemente de datas. A
nop oder ria
pessoa de Jesus, a presença do Espírito
oraçao, nos milagres
que Deus contmua Santo como Consolador da igreja e a
aperre e santidade de Deus devem ser lembradas em
todos os cultos, independentemente de
vida ele santi cação época. Precisamos de igrejas que creiam no
poder da oração, nos milagres que Deus
continua operando e na busca permanente
de uma vida de santificação. Os programas de cultos, independentemente
da idade das pessoas, devem levar os adoradores a viver preciosos
momentos de comunhão com Deus através da oração. A vida cristã
individual diária precisa ser fortalecida através da prática de jejuns e
oração.

106
Capítulo 7 — Contextualizando a celebração na igreja brasileira

c) Autoridade da Palavra - Muitas


práticas litúrgicas contemporâneas pecam por
diminuir o valor da pregação e do estudo da púlpito
Palavra de Deus. Líderes de louvorque não erder seu valor
têm sido devidamente discipulados por seus al COMO fonte
ensino aval
líderes espirituais acabam conduzindo
wa tia
programas de culto com muita música, ritmos, da cristã d ria
sons, em detrimento do estudo aprofundado
da Palavra. O púlpito não pode perder seu
valor central como fonte de ensino, avaliação
e prática da vida cristã diária.

d) Convicções de céu e de inferno - Muitos pregadores


contemporâneos estão descuidando deste ensino importante para a
evangelização e a salvação das pessoas. Ainda que estejamos buscando
uma igreja viva, contagiante e dinâmica, onde as pessoas se sintam bem,
temos que ensinar sem constrangimentos que os pecadores continuam
destituídos da glória de Deus se não passarem por uma viva e individual
experiência de transformação. A hinódia contemporânea neste novo século
tem mostrado muitos hinos e cânticos de bastante celebração, adoração e
introspecção, mas falham por raramente mostrarem que as únicas opções
de vida eterna são o céu ou o inferno. Não podemos fugir a esta pregação
e não devemos nos envergonhar dela.

e) Unção - Este termo tem sido evitado em muitas igrejas nestes novos
dias. O significado maior desta palavra, para mim, é a busca constante da
vontade de Deus para os líderes e para o povo de Deus. Os pregadores,
os músicos, os líderes da adoração, os cantores dos coros e conjuntos
devem buscar cada dia mais a orientação de Deus para seu crescimento
espiritual. Mesmo em novos dias não podemos descuidar da importância
de vivermos de um modo digno em vista de nossa vocação. Entendo aqui
unção como busca permanente de uma vida santificada, agradando mais
a Deus do que aos homens. Unção é conseqüência de uma vida que pratica
a oração, jejuns e estudo da Palavra para conhecimento da boa, santa e

107
A contextualização da igreja de Cristo

perfeita vontade de Deus, para os líderes e os liderados, como também


para todo o povo de Deus.

f) Respeito e submissão à autoridade pastoral e à liderança espi-


ritual - Em muitos cultos contemporâneos e também em muitas reuniões de
planejamento, sentimos neste novo tempo um perigo forte de rebeldia contra
a orientação e a direção dos líderes espirituais. O ensino bíblico continua
sendo válido para estes novos dias, quando devemos respeitar os nossos
pastores. Corremos o risco de produzir uma nova geração que não sabe
seus limites e desrespeita a orientação espiritual dos pastores. Por outro
lado é importante que os pastores não abusem do poder, ditando normas
que atendam aos seus gostos, estilos e preferências pessoais, que muitas
vezes causam descontentamento no meio do povo de Deus.

2.2 - O que pode mudar

a) Forma litúrgica - Vivemos novos dias e com isso novas maneiras de


planejar e conduzir reuniões e cultos comunitários. A tendência de nossos dias é
a informalidade, e muitos programas litürgicos pecam pela formalidade exagerada.
Nas novas formas litúrgicas deve haver espaço para a expressão viva e alegre
dos cultos, com participação congregacional mais livre e com adoração que
promova grande celebração. Gestos, expressões corporais descontraídas,
coreografia, variedade no planejamento devem ser alguns dos itens a ser estudados
em cada igreja e avaliados no ponto de vista de participação dos adolescentes e
jovens. A oração, com suas diversas maneiras como é conduzida, também deve
ser reavaliada, dando liberdade para grupos pequenos dentro da grande
comunidade. duplas de oração, orações em frases, testemunhos de vitórias
espirituais, de libertação são algumas das práticas a serem inseridas nas
programações dos cultos contemporâneos. A participação ' congregacional precisa
ser muito valorizada, não se restringindo apenas a um grupo pequeno de líderes,
tanto na parte musical quanto nas práticas de oração e mensagens. Os testemunhos
do povo de Deus, mostrando suas experiências de oração e respostas de Deus,
precisam voltar aos cultos batistas neste novo século. É importante que o povo
saiba que Deus continua atento e responde às nossas orações.

108
Capítulo 7 — Contextualizando a celebração na igreja brasileira

b) Música - Uma igreja contextualizada


procurará desenvolver uma diversidade de rojg,: quer
estilos de épocas e formas musicais, tentando retgai.
atingir a unidade do corpo de Cristo. Existe emp gs
uma tendência muito forte de perpetuarmos
apenas alguns estilos ou formas musicais, o enotas usicais.
que eventualmente poderá produzir uma pode ser a igreja
igreja voltada para determinados segmentos. 0:::1414sica
A igreja que quer crescer precisa contemplar
as diversas idades, estilos e tendências
musicais. Não pode ser a igreja de um só estilo musical.

A música congregacional precisa ter


variedade em cada culto, incentivando a
uma prática que provoque uma forte
celebração. Os líderes do canto congre-
gacional não podem ser apenas "me-
trônomos humanos", que marcam
compassos, cortes e andamentos. Esses
líderes contemporâneos precisam
conhecer, além das técnicas de regência,
as técnicas de comunicação de massas, ter
simpatia, eloqüência e não podem ser os que ditam um só estilo
musical, voltado para suas preferências. É importante respeitar as
diversas idades, estilos e mentalidades da congregação.

O canto coral, na contextualização, não pode ser abandonado,


mas precisa ser revisto também no sentido de que ele cumpra sua
principal missão, que é conduzir o povo de Deus à sua presença,
através de uma música envolvente e contagiante. Para isso, é mister
que os regentes escolham seu repertório não só por seu gosto pessoal
ou pelo estilo que o coro determina, mas se voltem para a importância
de um canto que transmita, mais do que notas, a alegria da presença
e intimidade com Deus.

109
A contextualização da igreja de Cristo

„,, Os coristas não podem ser apenas técnicos


stas nao rodem na música. Precisam transmitir intimidade com
ser apenas técnicos na Deus e ajudar pessoas a um relacionamento
Ir000:4,
g .iffÉ o; iras mais direto com o Senhor. Nestes dias de
intimidade contextualização, precisamos entender que
o*.
essoas
nossa música precisa ser comunicativa e atingir
re cumament0 mais as pessoas em suas necessidades espirituais.
direto Ohtst--
A música deste novo século precisa ser
equilibrada, respeitando um planejamento de
culto de tal forma que não prejudique o todo do culto. É importante um
equilíbrio no planejamento para que os cultos sejam variados, dinâmicos e
crescentes, conduzindo o povo a momentos de glória na presença do
Senhor, o único a ser verdadeiramente adorado em nossas liturgias.

Os conteúdos de cada música a ser inserida no programa de nossos


cultos precisam ser significastes. Uma grande dificuldade é construir um
programa musical que seja variado em diversos estilos, mas que produza
uma adoração envolvente, contagiante e que não descuide da verdade que
a letra veicula, produzindo verdadeira celebração em todos.

A música tem um poder muito forte de ser elemento agregador ou divisor.


Se construirmos um programa voltado para um determinado repertório musical,
de um estilo mais forte e preponderante, poderemos em vários momentos da
celebração levar pessoas a um desligamento mental e emocional do culto.
Nesse caso, a música será um elemento divisor. Para evitar isso, o líder musical
precisa escolher um programa muito criativo, envolvente e que respeite estilos
e tendências diferentes. Nesse caso, a música será um elemento agregador.
Mesmo na diversidade pode haver unidade. Este é um dos valores fortes a ser
lembrado no planejamento musical dos cultos.

c) Técnicas de comunicação (pastores e líderes) - A pregação


contemporânea é um aspecto importante na contextualização. O púlpito destes
novos dias não é uma cátedra nem uma tribuna. A forma de se comunicar com

110
Capítulo 7 — Contextualizando a celebração na igreja brasileira

as pessoas hoje é um fator determinante para o envolvimento das pessoas


durante o culto. Os pregadores precisam se preocupar com o público alvo de
seus cultos, lembrar dos objetivos que Deus tem determinado para cada culto
e como usar estratégias de comunicação para alcançar esses objetivos. Para
obter esse êxito, é importante uma comunicação integral entre púlpito e povo.

A igreja católica vem se preocupando com estas técnicas de


comunicação, daí o aparecimento de tantos novos líderes que arrebatam
multidões.

Não queremos nem devemos baratear nossos cultos, aceitando a idéia de


que os fins justificam os meios, mas também não podemos ignorar que muitos
de nossos cultos pecam justamente pela distância entre o púlpito e o povo.

Vocabulário, gestos, expressão visual, vestuário e eloqüência são alguns


dos itens importantes e precisam ser alvos das preocupações dos
comunicadores do evangelho nestes dias de contextualização.

Até aqui falamos apenas do púlpito no sentido da verbalização dos


conteúdos a serem transmitidos pelos pregadores, mas não podemos ignorar
também a importância da utilização de novos recursos de comunicação.

Lembrando que uma imagem vale mais que mil palavras, os processos
modernos de comunicação contemporâneos incluem equipamentos que
facilitam a assimilação da mensagem,
aproximando do povo o púlpito.
eatro, computadores,
retroprojetares,
Teatro, computadores, retroprojetores, micro oves sem to,
microfones sem fio, televisor, vídeo e televisor, eo: e
projetores de multimídia, são alguns recursos rojetores ruemultimMia„
com osquais precisamos nos contextualizar o al uns recursos com
cada vez mais, ajudando o povo a ouvir e os !uais precisamos nos
contextualizar
reter os conteúdos transmitidos em cada eaaa vez mais.
culto.

111
A contextualização da igreja de Cristo

Precisamos, como comunicadores do evangelho, conhecer mais das


técnicas de oratória, utilização da imprensa escrita, falada e televisada e
outros vários recursos para nos aproximarmos ainda mais das pessoas.

Todos estes conceitos devem ser revistos e avaliados não só pelos


pastores ou pregadores, mas também pelos músicos e demais líderes que
participam de nossos cultos semanais.

d) Hinários e música em geral - Nestes novos dias não podemos


ser o povo de um só hinário. As igrejas precisam ter coragem de inserir
em seus programas um repertório mais variado e eclético. Ainda que
tenhamos bastante herança hinológica dos grandes hinários do passado,
a música terá que acompanhar a situação do povo no seu dia-a-dia. Em
função disso, os líderes musicais e pastores, responsáveis pelo
planejamento dos cultos nas igrejas, células, comunidades e grupos
específicos, precisarão conhecer diversos hinários e coletâneas musicais,
descobrindo um repertório bastante amplo, variado e rico. Precisamos
ter coragem de admitir vários hinários e coletâneas, em busca de uma
contextualização com nossa geração.

Os temas dos hinos precisam acompanhar os temas da vida humana.


Os conflitos, ansiedades e perguntas do ser humano precisam ser tratados
em sua hinódia. Para isso, essa hinódia tem que andar junto com as pessoas.
Alguns hinólogos sugerem que cada geração mude seus hinos num período
de vinte anos, no máximo.

Em dias de tanta rapidez como os atuais,


músicas são criadas diariamente em todos os
Os temas hinos cantos do mundo e não podemos nos fechar
precisam acompanhar num pequeno repertório.
os temas ça. ida
humana Por outro lado, precisamos conservar
e resgatar os grandes hinos de nossa fé.
As novas gerações correm o risco de não

112
Capítulo 7 — Contextualizando a celebração na igreja brasileira

conhecerem a herança hinológica de outras gerações. Para isso, muito


se tem feito no sentido de contextualizar os grandes hinos do passado
com os novos ritmos e estilos do novo século. O equilíbrio entre o
passado e o presente deve ser levado em conta, para que no futuro
continuemos conhecendo o que existe de importante de nossa riqueza
hinológica.

3. O que precisa ser resgatado

a) Simplicidade - Vivemos dias onde muitos cultos e programas exageram


no formalismo e acabam produzindo um culto muito distante das pessoas.

As técnicas de comunicação a que nos referimos anteriormente nos


ajudam justamente no sentido de que tenhamos um culto espiritual, de
adoração e que não produza um sentimento de peso ou indiferença.

Nos anos cinqüenta, do século XX, muitos oradores se tornaram


famosos justamente por sua eloqüência e pompa. Em várias igrejas, os
programas dos cultos foram se tornando cada vez mais distantes do povo.
O mesmo erro da igreja católica na Idade Média acabou imperando em
cultos evangélicos.

Não quero pregar o simplismo nas formas de culto, mas a simplicidade:


vocabulário acessível, trajes mais informais e músicas com características mais
populares ajudarão no processo de adoração.

Quando a Bíblia nos adverte de que


precisamos adorar com entendimento, o cont xtualiz
significa que esse entendimento e a percepção e contemporâneo
das coisas ficam prejudicados com o excesso 'ecisa a tot os
de formalismo. adorar ores
orem enz es, ¡rato
O culto contextualizado e contemporâneo verdade
precisa ajudar todos os adoradores a que -JIMMEN,

113
A contextualização da igreja de Cristo

adorem em espírito e verdade, com alegria e singeleza de coração, como


nos ensina a Bíblia.

Os cultos da juventude em nossos dias são exemplos fortes para


todos nós, líderes de adoração, pastores e músicos, advertindo-nos
de que precisamos nos aproximar das pessoas para atingirmos seus
corações.

Em relação à comunicação, é importante lembrar que existem códigos


de linguagem para cada faixa etária ou para cada público. Precisamos
conhecer os códigos de cada segmento para que nos comuniquemos e
atinjamos as pessoas. A compreensão do evangelho é importante para
que as pessoas adorem com entendimento. Essa compreensão Jesus nos
ensinou quando pregou através de parábolas, usando diversos códigos de
linguagem para que as pessoas pudessem entender o real sentido de suas
mensagens.

O aspecto musical também precisa se preocupar em transmitir a


mensagem de uma maneira clara e compreensível. Os corais precisam fugir
das práticas concertistas em nossos atos litúrgicos. A técnica
superelaborada, a utilização de longas frases com melismas e até o exagero
de alguns cultos com músicas nos textos originais poderão se constituir em
elementos litúrgicos que não comuniquem para o público-alvo. É importante
que os locais de culto sejam lugares de celebração e não manifestação
artística e busca de satisfação do ego musical. O culto é uma obra de arte
no aspecto de planejamento e execução, mas não um palco teatral para
realização pessoal.

b) Brasilidade - O culto nas igrejas evangélicas brasileiras recebeu desde


o início do protestantismo em nossas terras uma forte influência internacional.
Foram influências anglo-saxônicas, americanas e um pouco também de culturas
eslavas. Os missionários que nos aculturaram em termos evangélicos trouxeram
em sua pregação vários elementos fortes de suas culturas, que acabaram
determinando um estilo de culto bastante distante da cultura brasileira.

114
Capítulo 7 — Contextualizando a celebração na igreja brasileira

Não poderia ser diferente, pois era a forma como foram criados,
educados e não tinham nenhum referencial da cultura nativa.

Assim, recebemos um estilo de pregação, um estilo de programa de


culto, um repertório musical e toda uma herança importada que durante
mais de um século se cristalizou na forma de adoração no Brasil.

O mais curioso é que isto não foi apenas nas igrejas evangélicas, mas
até na igreja católica. A formação clerical foi muito forte com padres ou
sacerdotes vindos da Europa. Melodias européias predominaram na missa
por mais de quatro séculos.

O livro Música Sacra Brasileira na Liturgia, Editora VOZES, 1969


(diversos autores) incentivou a uma pesquisa na busca de definir um canto
litúrgico brasileiro. Dizia um dos autores que "é preciso sondar as
riquezas da expressão musical brasileira; uni-las aos postulados
exigidos pela liturgia: brotará com o auxílio do talento dos músicos a
forma nova da nova composição litúrgica em vernáculo e bem
brasileira" (pág 18).

Existe um perigo entre os músicos eruditos de considerarem a música


do povo uma música inferior. Este conceito é encontrado nos teatros,
concertos, universidades e lamentavelmente nas igrejas. Na realidade, a
música que nasce do povo, que atinge o povo e se comunica rapidamente
com o povo é a que mais devemos buscar para nossos cultos brasileiros.
Não existe música inferior nem superior. Existe música. E aquela que for
feita com beleza, inteligência, criatividade e acima de tudo oração e
espiritualidade, essa atingirá o coração e a mente do povo para uma melhor
percepção das verdades do evangelho.

Em 1938 houve no Brasil o Primeiro Congresso da Língua Nacional


Cantada. Encontramos nos anais desse congresso um texto de Mário de
Andrade, muito apropriado para que os músicos sacros brasileiros pensem.
Seus conselhos diziam que seria importante:

115
A contextualização da igreja de Cristo

"1. estudar abalizadamente a fonética da língua nacional,


principalmente em suas relações com as exigências e caracteres da
voz cantada;

2. estudar abalizadamente a fisiologia da voz brasileira,


especialmente quanto à emissão das vogais, dos grupos consonânticos
e do som nasal;

3. estudar abalizadamente a declamação, de forma a se conseguir


melhor acomodamento do ritmo nacional ao ritmo dos textos;

4. conhecer métrica da poesia, de forma a respeitar a rítmica dos


textos poéticos e os efeitos de sonoridade e timbre propostos pelos
poetas". (Anais do Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada —
S.Paulo, Departamento de Cultura, 1938, pág 168).

Ainda que todas as sugestões e preocupações acima sejam para o


contexto da música popular e folclórica brasileira, os valores aqui
inseridos servem de preocupação para que os músicos destes novos
tempos produzam uma música que atinja cada vez mais a alma do povo
brasileiro.

É importante a preocupação de não nos


alienarmos do mundo internacional, porém,
mais importante ainda é o perigo de nos
envolvermos com a globalização evangélica
e que continuemos usando somente as
formas de adoração e os elementos da música
importada. Temos que ser sal e luz no Brasil
e para o Brasil. Para isso acontecer, é
importante que valorizemos as diversas
tendências e estilos musicais brasileiros. Os ritmos, sons e textos nacionais
precisam ser cada vez mais valorizados e inseridos em nossa hinódia neste
novo século.

116
Capítulo 7 — Contextualizando a celebração na igreja brasileira

É importante também que os músicos deste novo século conheçam


cada vez mais nossas raízes históricas e sociais. Os elementos do folclore
brasileiro poderão ser de grande valia para a preservação de uma hinódia
nacional, que eleve a alma e o coração do povo para uma adoração e
celebração significativas.

4. Resultados de uma igreja viva e contagiante

"De sorte que foram batizados os que de bom grado


receberam a sua Palavra, e, naquele dia, agregaram-se
quase três mil almas. E perseveravam na doutrina dos
apóstolos, na comunhão, no partir do pão e nas orações,
caindo na graça de todo o povo. E todos os dias
acrescentava o Senhor à igreja os que iam sendo salvos".
(At 2.41-47)

O texto bíblico acima é um desafio para a igreja de hoje. O que mais


desejamos é que muitos crentes se unam a nós e que juntos tenhamos uma
adoração e celebração que glorifiquem o nome de Jesus.

Se tivermos uma liturgia contextualizada, preocupada em atingir as


pessoas em suas necessidades espirituais, se vivermos um evangelho não
apenas intelectual e formal, se conseguirmos ajudar pessoas no
preenchimento do vazio existencial, estaremos todos cumprindo nossa
missão terrena.

Pelo texto acima vemos que os resultados serão:

a) salvação de vidas - At 2.41 - de sorte que foram batizados


os que de bom grado receberam a sua Palavra, e, naquele
dia, agregaram-se quase três mil almas.
b) Perseverança - At 2.42 - e perseveravam na doutrina dos
apóstolos;
c) Comunhão - At 2.42b - perseveravam na comunhão;

117
A contextualização da igreja de Cristo

d) Socorro - At 2.42c - perseveravam no partir do pão;


e) Orações - At 2.42d - perseveravam nas orações.
f) cair na graça do povo - At 2.47 - caindo na graça de todo o povo
g) exercer influência, e
h) crescimento diário - At 2.47c - todos os dias acrescentava o
Senhor à igreja os que iam sendo salvos.

É importante que a igreja se torne cada vez mais a igreja de


todos.

Quem são esses TODOS? Filhos, pais, mães e avós. Gerações


diferentes mas todos celebrando com alegria ao Senhor.

É importante que fatores beligerantes sejam evitados em nossos cultos


e nas práticas de nossas igrejas. Quando as pessoas se tornam mais
importantes que as coisas, questões divisórias serão evitadas e todos
desenvolverão a prática do amor, o vínculo da perfeição

É importante que a igreja não tenha uma "cara" só. A igreja de todos
se esforçará para criar programas e celebrações envolventes, contagiantes,
utilizando estilos diferentes com o objetivo único de adoração.

O resultado dessa igreja contextualizada deverá ser o crescimento


numérico e espiritual. Creio que o melhor aferidor para sabermos se estamos
nos aculturando ou não liturgicamente será o crescimento da igreja e a
presença de todas as idades, tendências, estilos e culturas num só objetivo:
obedecer à vontade de Deus.

118
Segunda parte

Movimentos contemporâneos
de contextualização
Capítulo 8

Igreja com propósitos

Pastor Carlito Machado Paes

Ao abordar introdutoriamente o assunto, é necessário lembrar que


naturalmente qualquer igreja evangélica conhece os cinco propósitos, a
saber adoração, discipulado (ensino), comunhão, serviço (ministério)
e missões (evangelismo), e se não os conhece, não é genuinamente
uma igreja que segue os ensinos de Cristo deixados para a igreja local.
A diferença entre conhecer os propósitos e ser DIRIGIDA por eles é o
grande diferencial entre uma igreja dirigida por eventos, calendários,
finanças, tradição, denominação ou personalidades e uma igreja dirigida
por propósitos bíblicos. Muitas e muitas vezes isso acontece sem que
percebamos. Ser dirigida pelos propósitos bíblicos é a força motriz e a
razão de ser da igreja de Jesus. Todos nós precisamos desejar viver
assim.
A contextualização da igreja de Cristo

Certamente você já deve ter ouvido alguém perguntando: "que


história é essa de igreja com propósito? Minha igreja tem propósitos
há 60 anos! " Na verdade, as pessoas que fazem esta afirmação estão
corretas, todavia precisamos esclarecer do que se trata, para que isto
não se torne uma barreira para o conhecimento dos princípios
verdadeiros. Num desejo sincero de melhor comunicar na língua
portuguesa, os tradutores e editores do livro "The Purpose Driven
Church" não foram felizes em não traduzir o título do livro literalmente.
Isto trouxe certa rejeição e construiu barreiras para muitas pessoas. A
tradução literal do original em inglês nos diz: "Uma Igreja Dirigida
(direcionada, guiada, motivada, etc...) por Propósitos". Todavia, olhando
para um outro lado da questão, o título em português é muito impactante,
o que contribuiu para chamar a atenção para a obra. Hoje o livro está na
8' edição, e já foram vendidas mais de 30.000 cópias. No original, em
inglês, já foram vendidos mais de 1,2 milhão de exemplares.

Dentro do princípio da contextualização do modelo, surgiu em nossa


equipe ministerial a idéia de incluirmos o nome "brasileira" na designação
do nome; assim, hoje, temos utilizado, tanto em nossa igreja como nos
cursos pelo Brasil, o nome "Uma Igreja Brasileira com Propósitos".
Inclusive usamos a bandeira nacional como símbolo e suas cores em nossos
impressos, o que tem nos ajudado a nos familiarizar com a visão e a quebrar
barreiras artificiais, em virtude de o modelo ter se iniciado com o Pr. Rick
Warren, na Califórnia, nos EUA. É um modelo bíblico que pode e deve
ser aplicado em qualquer lugar do mundo e do nosso país.

1. Bases bíblicas do modelo

1.1 - O grande mandamento e a grande comissão

Vemos que os cinco propósitos da igreja estão presentes nas duas


declarações de Jesus para seus discípulos, tidas como as mais importantes:

a) O grande mandamento - Marcos 12.30-31:

122
Capítulo 8 — Igreja com propósitos

"Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração,


de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de todas as
tuas forças. E o segundo é este: Amarás ao teu próximo como
a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que esses."

Aqui encontramos os propósitos da adoração (para que a verdadeira


adoração aconteça é necessário que amemos ao Senhor de todo o coração;
sem amor não existe adoração) e também o serviço (não podemos servir
se não amamos ao próximo; o amor é a base do serviço, do ministério
cristão).

b) A grande comissão - Mateus 28.19-20:

"Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações,


batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo;
ensinando-os a observar todas as coisas que eu vos tenho
mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até a
consumação dos séculos."

Aqui Jesus nos revela os outros três propósitos vitais de sua igreja: o
propósito de missões ("Ide" - Uma igreja não faz missões por conveniência,
e sim em obediência ao propósito de Cristo para sua igreja, isso faz parte
essencial da nossa agenda e missão); em seguida está o propósito do
discipulado (fazer discípulos é tarefa intransferível da igreja de Cristo;
não fomos chamados para fazer prosélitos, e sim pessoas iguais a ele, o
princípio de "vida na vida"); por último temos o princípio da comunhão
("batizando-os": o batismo representa também a entrada "oficial" do novo
membro na família cristã, o início de uma longa jornada como parte do
corpo de Cristo, onde a comunhão cristã verdadeira acontece. Podemos
ter amizade com um não-crente, mas comunhão verdadeira, só com os
irmãos da fé cristã).

Observação - Os nomes destes princípios (propósitos) podem variar


de igreja para igreja. Conheço muitas igrejas que utilizam designações

123
A contextualização da igreja de Cristo

diferentes em forma de acrósticos, para facilitar a memorização; isto também


pode ser contextualizado. Nós usamos "adoração", você pode usar
magnificação; usamos "serviço", você pode usar ministério; também usamos
"missões", você pode usar evangelismo ou proclamação; usamos também
"discipulado", você pode usar educação ou ensino, e também usamos
"comunhão", você pode usar mutualidade. Enfim, existe uma variedade de
termos em nossa língua que podemos usar para expressar os cinco
propósitos; - o que devemos é defini-los e permanecer com eles para não
confundir as pessoas. O mais importante não é a semântica usada, e sim se
de fato eles serão a força motivadora da vida de sua igreja.

Uma igreja não pode ser forte naquilo em que seu pastor é forte; a
igreja pertence a Jesus. Ela tem que ser forte naquilo que o Senhor Jesus
deseja. A prática dos cinco propósitos levará a igreja a desenvolver-se da
seguinte forma:

Equilíbrio = Saúde = Crescimento

Uma igreja dirigida equilibradamente pelos cinco propósitos irá crescer


de forma natural. Lembrando que nem tudo que cresce é saudável, mas
tudo que é saudável naturalmente cresce, vemos que igrejas que aplicam
estes princípios crescem de forma natural, sem perder seus valores ou
mudar suas doutrinas.

Vamos relembrar, para fixar, os cinco propósitos vitais da igreja de


Cristo:

2. Os cinco propósitos da igreja

44040
asarás to:
teu roxoxkoma.:E::4 mesmo
ide az.ex acord:
"Bati
nsma o-o a ober- r"

124
Capitulo 8 — Igreja com propósitos

3. O ministério de Jesus

Observando a prática do ministério de Jesus entre nós, à luz do Novo


Testamento, veremos claramente que ele ensinou e praticou os cinco
propósitos. Vamos destacar um texto apenas como exemplo: João 17.1-
26

1)v. 4 "Eu te glorifiquei na terra,..." - (Adoração)


2) v. 6 "Manifestei o teu nome aos homens..." - (Missões)
3) v. 8 "porque eu lhes dei as palavras que tu me deste," -
(Discipulado)
4) v. 12 "Enquanto eu estava com eles, eu os guardava no teu nome"
- (Comunhão)
5) v. 18 "Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviarei
ao mundo." - (Serviço)

Você pode continuar examinando sua Bíblia, fazendo um estudo


apurado dos evangelhos de Jesus, procurando observar os textos que falam
diretamente da pessoa e do ministério dele e também da igreja.

4. A igreja primitiva

A igreja primitiva cumpriu os cinco propósitos; vejamos o clássico


texto de Atos 2.41-47, que é um dos nossos maiores paradigmas de igreja.

"De sorte que foram batizados os que receberam a sua


palavra; e naquele dia agregaram-se quase três mil almas; e
perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no
partir do pão e nas orações. Em cada alma havia temor, e
muitos prodígios e sinais eram feitos pelos apóstolos. Todos
os que criam estavam unidos e tinham tudo em comum. E
vendiam suas propriedades e bens, e os repartiam por todos,
segundo a necessidade de cada um. E, perseverando unânimes
todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam

125
A contextualização da igreja de Cristo

com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus, e caindo


na graça de todo o povo. E cada dia acrescentava-lhes o Senhor
os que iam sendo salvos.

Vemos explicitamente no texto a prática, na vida da igreja primitiva,


dos cinco propósitos (textos sublinhados) e mostrando o resultado natural
disto na vida da igreja, termina o texto dizendo que a igreja crescia
diariamente.

5. O ministério de Paulo

Também Paulo explicou esses cinco propósitos. Vamos tomar como


exemplo uma de suas cartas a uma igreja local: Efésios 4.11-16.

"E ele deu uns como apóstolos, e outros como profetas, e


outros como evangelistas, e outros como pastores e mestres,
tendo em vista o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do
ministério, para edificação do corpo de Cristo; até que todos
cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho
de Deus, ao estado de homem feito, à medida da estatura da
plenitude de Cristo; para que não mais sejamos meninos
inconstantes, levados ao redor por todo vento de doutrina, pela
fraudulência dos homens, pela astúcia tendente à maquinação
do erro; antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos em
tudo naquele que é a cabeça, Cristo, do qual o corpo inteiro
bem ajustado, e ligado pelo auxílio de todas as juntas, segundo
a justa operação de cada parte, efetua o seu crescimento para
edificação de si mesmo em amor."

Como na prática da igreja primitiva, aconteceu, com o ensino de Paulo


às igrejas, a prática dos cinco propósitos (grifados no texto), gerando o
crescimento sadio do corpo. Uma igreja que aplica os cinco propósitos
não terá outro resultado na prática, senão um crescimento saudável. Isto é
bíblico, por isso funciona.

126
Capítulo 8 — Igreja com propósitos

Aqui na PIB em São José dos Campos, e em todos os estados


deste país, e em inúmeros países do mundo, muitas igrejas e pastores
têm experimentado em suas vidas e ministérios a qualidade de vida que
estes princípios geram. Na verdade, isto que temos visto e experimentado
faz parte de um grande mover de Deus no mundo para sua igreja neste
tempo: a volta aos princípios neotestamentários para a igreja
contemporânea.

O que todos precisamos ver é que este e outros modelos que temos
experimentado não significam uma "moda de verão" , algo passageiro; a
realidade hoje é outra. Deus tem nos dado estes princípios que vêm dele
para sua igreja através de líderes visionários, empreendedores e cheios de
coragem, porque Deus usa pessoas que se dispõem a serem usadas por
ele, e acredito sinceramente que você pode ser um delas. Nosso povo e
nossas igrejas precisam ver que Deus usa diferentes estilos, abençoa
diferentes igrejas e ministérios na bela diversidade do seu reino (quem
gosta de padronização são as seitas; a igreja de Jesus ama, como ele e
como Deus, a diversidade, justamente para ganhar mais pessoas para o
louvor da sua glória). Temos visto e testificado que vivemos um tempo
especial da graça de Deus sobre sua igreja aqui no Brasil, o que nos traz
grande responsabilidade e nos aponta para "uma reta final" , confirmando
a profecia bíblica de que a "noiva" (igreja) está se preparando para as
bodas, para o grande encontro com seu noivo (Jesus).

Ao trabalhar dentro da visão de "Igreja Dirigida por Propósitos",


vamos nos concentrando nas coisas mais importantes na vida da igreja e
eliminando todas as atividades, programas e cargos que não estão
produzindo vida nem cumprindo os propósitos para os quais a igreja de
Cristo foi chamada aqui na terra.

6. A igreja de Cristo existe para....

a) Celebrar a presença de Deus (Adoração) - Existimos para exaltar


nosso Mestre e Senhor!

127
A contextualização da igreja de Cristo

Sl. 34.3 - "Engrandecei ao Senhor comigo, e juntos exaltemos o


seu nome".
Sl. 122.1 - "Alegrei-me quando me disseram: Vamos à casa do
Senhor".

b) Proclamar a Palavra de Deus (Missões) - Existimos para


evangelizar em nosso campo missionário, a começar pela nossa
comunidade, conforme Atos 1.8.

Atos 20.24 - "Mas em nada tenho a minha vida como


preciosa para mim, contanto que complete a minha carreira e
o ministério que recebi do Senhor Jesus, para dar testemunho
do evangelho da graça de Deus."

c) Integrar a familia de Deus (Comunhão) - Existimos para


encorajar nossos irmãos, a nos estimularmos ao amor e as boas obras,
exercermos a mutualidade cristã.

Efésios 2.19 - "Assim, pois, não sois mais estrangeiros,


nem forasteiros, antes sois concidadãos dos santos e membros
da família de Deus."

d) Educar o povo de Deus (Discipulado) - Educar para mudança


de vida, educar para que vidas sejam transformadas.

Efésios 4.12-13 - "Tendo em vista o aperfeiçoamento dos


santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de
Cristo; até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno
conhecimento do Filho de Deus, ao estado de homem feito, à
medida da estatura da plenitude de Cristo."

e) Demonstrar o amor de Deus (Serviço) - Existimos para equipar


para o ministério. Cada crente é um ministro, e precisamos preparar os
santos, treinando e trazendo as pessoas para o núcleo (conjunto dos

128
Capítulo 8 - Igreja com propósitos

membros do corpo de Cristo altamente comprometidos com Jesus e o


Seu serviço).

Efésios 4.12-13 - "tendo em vista o aperfeiçoamento dos


santos, para a obra do ministério."

7. Princípios fundamentais da visão

Na visão pretérita, a igreja sempre esteve mais voltada para dentro de


si mesma do que para fora das suas dependências, e também dentro desta
mentalidade nosso ensino foi se desenvolvendo. Durante muito tempo nos
dirigimos apenas para os crentes; toda a nossa ação e abordagem estavam
voltadas para eles, inclusive a maioria das nossas ações evangelísticas
estavam cheias de "evangeliquês" , bem como nossa liturgia, nossos
eventos, nosso ensino, nossa comunicação, nossas abordagens. E com
isto nossa comunicação foi se distanciando das pessoas sem-igreja (público-
alvo que queremos alcançar). Rick Warren diz: "quanto mais nos
relacionamos com os crentes, menos pensamos como não-crentes" . A
estratégia dos círculos concêntricos de "Igreja com Propósitos" nos mostra
que nós ministramos a cinco grupos-alvo diferentes na igreja.

8. Os círculos de compromisso

Missões

Adoração

Comunhão

Discipulado

Serviço

129
A contextualização da igreja de Cristo

❑ A comunidade - É o nosso campo missionário (nosso lago de


pesca);
❑ A multidão - São os que vêm aos cultos regularmente sem maiores
compromissos;
❑ A congregação - São os batizados, já comprometidos com a
membresia;
❑ Os comprometidos - São os comprometidos com a maturidade,
são fiéis dizimistas; freqüentam com assiduidade as reuniões da igreja;
❑ O núcleo - São aqueles ativos em ministérios, que reconhecem
seus dons e os exercitam num alto nível de compromisso com Cristo.

Ao nos dirigirmos aos grupos-alvo diferentes de pessoas que


desejamos alcançar, em cada ocasião, trabalharemos os propósitos para
comunica-los a cada grupo dentro da sua realidade e necessidade, movendo
as pessoas através de compromissos gradativos, cada vez maiores.

9. Eduque a membresia em torno de propósitos

Edifique seu ministério de Educação Cristã em torno dos propósitos e


de crescentes compromissos. Se a igreja não pedir compromissos aos
seus membros outros organismos sociais e políticos da comunidade secular
vão fazê-lo.

O pr. Rick Warren utilizou-se do diamante do baseball (esporte muito


popular nos EUA) para ilustrar esse processo educacional; todavia este
esporte não é bem conhecido entre nós, sendo assim em nossa igreja
escolhemos um quebra-cabeça com a bandeira nacional, que todos
brasileiros conhecem bem. Conheço outros colegas no Brasil que utilizaram
um campo de futebol, outros um caramujo, outros um espiral de caderno,
enfim devemos usar de criatividade para contextualizar a visão e comunicar
bem os passos das classes de compromisso.

Nos EUA o sistema educacional de ensino usa a terminologia classes


101, 201, 301 e 401, denotando crescimento e aprofundamento em

130
Capítulo 8 — Igreja com propósitos

determinado assunto. Estas colocações não falam nada para o povo


brasileiro, por isso adaptamos a nomenclatura para Série Compromisso:
Membresia (101), Maturidade (201), Ministério (301) e Missões (401),
acrescentando ainda Adoração (501).

10. Série Compromisso

Nível 1- Comprometidos com a Membresia — como ser um membro


da igreja de forma saudável.
Nível 2 - Comprometidos com a Maturidade — como crescer na fé,
desenvolvendo hábitos espirituais.
Nível 3 - Comprometidos com o Ministério — como reconhecer seu
dom e exercer um ministério.
Nível 4 - Comprometidos com Missões — como compartilhar Cristo
com os outros.
Nível 5 — Comprometidos com a Adoração — como celebrar a presença
de Deus.

Desta forma estamos movendo as pessoas em passos crescentes de


chamada a maiores compromissos na fé através da igreja. Estas classes
podem ser aplicadas na EBD em um primeiro momento de transição e
depois lecionadas mensalmente de forma intensiva por professores
previamente treinados. Após o término de cada classe pedimos que cada
pessoa assine um compromisso de responsabilidade para viver e desenvolver
o que aprendeu.

131
A contextualização da igreja de Cristo

11. Desmistificando algumas


questões sobre "Igreja com Propósitos"

Acredito que desmistificando estas questões você poderá entender


um pouco melhor os princípios do modelo de igreja com propósitos: Veja
com atenção...

11.1 - Não é ser simplesmente contemporânea - Ser "Igreja com


Propósitos" não é ser contemporânea, no que diz respeito a cultos por
exemplo. É ser bíblica e eterna. Os cinco propósitos da igreja como nos
foram entregues por Jesus Cristo no Grande Mandamento e na Grande
Comissão são eternos e nunca ficam ultrapassados. Eles não são um
modismo. Qualquer igreja que falha em cumprir os propósitos que Jesus
estabeleceu para a igreja não é realmente uma igreja!

11.2 - Não é somente seu alvo evangelístico - Há literalmente


milhares de variedades de "Igrejas com Propósitos", e elas devem viabilizar
a visão de Deus para aquela comunidade equilibrando os cinco propósitos.
Hoje estas "Igrejas com Propósitos" estão localizadas em todas as partes
ao redor do mundo em mais de 100 países diferentes.

11.3 - Não é ter um culto sensível ao interessado não-crente -


As "Igrejas com Propósitos" estão comprometidas com o propósito do
evangelismo (um dos cinco propósitos do Novo Testamento para a igreja),
não como um método particular de evangelismo ou culto. Elas realizam
evangelismo em diferentes formatos.

11.4 - Não é o seu estilo de culto - Não importa se o seu estilo de


culto é litúrgico, tradicional, contemporâneo, contemplativo, country,
carismático, multisensorial ou casual. O que importa é que o seu estilo de
culto combine com as pessoas que você está tentando alcançar para Cristo.

11.5 - Não é o seu tamanho - Existem "Igrejas com Propósitos" de


todos os tamanhos e formas. A estratégia da ICP se concentra em equilíbrio,

132
Capítulo 8 — Igreja com propósitos

saúde e força, não em tamanho ou forma. Não existe nenhuma correlação


entre o tamanho e a força de uma igreja. A sua ênfase está na saúde
eclesiástica, não num programa de superigreja.

11.6 - Não é a sua localização - "Igrejas com Propósitos" são


encontradas em todos os tipos de locais: zonas rurais, cidades pequenas,
áreas de subúrbio, áreas urbanas e centros de cidades. Como mencionado
acima, há ICPs em todos os lugares ao redor do mundo.

11.7 - Não é a denominação a qual você pertence - Existem muitas


igrejas batistas com propósitos (até mesmo porque a igreja de Saddleback
é batista), mas existem mais de cem diferentes denominações e associações
de igrejas em todo mundo dirigidas por propósitos.

12. A experiência de implantação


na PIB em São José dos Campos, SP

Nosso jeito de ser igreja hoje:

Nossa visão > Ganhar pessoas para Jesus

Nossa missão Ganhar pessoas para Jesus, gerando


discípulos maduros para cumprir os propósitos bíblicos na igreja e no
mundo.

Nossos propósitos > Adoração, discipulado, missões,


serviço e comunhão.

Nossos valores > Somos uma igreja bíblica,


contextualizada em sua cultura,
informal e contemporânea em sua liturgia, que prioriza pessoas em vez de
estruturas ou regras humanas, que busca excelência em seus ministérios e
celebrações, que gera membros comprometidos com a visão da igreja,
que trabalha por coerência no falar e agir
e que mantém transparência em todas as suas ações.

133
A contextualização da igreja de Cristo

Neste ponto quero compartilhar um pouco a realidade da PIB em


São José dos Campos: uma Igreja Brasileira com Propósitos, que
naturalmente vai apresentar características específicas da nossa realidade
local. Tanto minha igreja quanto a sua é singular; todavia, ao compartilhar
nossa vivência de implantação e desenvolvimento, temos esperança de
que isto possa servir de incentivo para a contextualização dos princípios à
sua realidade local, porque são bíblicos e transferíveis.

13. Como tudo começou...

Em 1998 ganhei de um irmão o livro do Pr. Rick Warren, "Uma


Igreja com Propósitos", li e me identifiquei muito com o conteúdo, mas
não fiz nenhuma aplicação de imediato em meu ministério ou em minha
igreja; apenas guardei os conceitos no coração. Em fevereiro de 2001,
tive a oportunidade de participar da conferência: "Pregando para
transformar vidas" com o Pr. Rick na igreja de Saddleback — Califórnia.
Aqueles dias foram muito impactantes para a minha vida e meu ministério;
percebi que o que havia lido no livro do Rick, três anos atrás, não era
teoria, e sim a prática de uma grande visão de Deus para impactar o mundo.
De retorno ao Brasil, levei minha recém-formada equipe ministerial (na
verdade, ainda em formação, porque ainda se uniriam ao grupo outros três
membros) para participar da conferência e conhecer melhor a visão com o
Pr. Rick Warren, no Rio de Janeiro, em março de 2001. (Louvo a Deus
pela vida do Pr. Guy Key por aquela pioneira e corajosa conferência
realizada no Rio, que reuniu mais de 3.000 participantes).

Preciso também reconhecer que a realidade que vivemos em nossa


igreja hoje se deve também, pela graça de Deus, à visão e ao pioneirismo
do ministério do Pr. Reginaldo A. Kruklis (hoje diretor internacional do
Instituto Haggai, em Atlanta). Deus, na sua previdência e onisciência, o
trouxe antes de mim, e ele, durante 7 anos, introduziu mudanças e quebrou
muitos paradigmas. Sem isso seria muito difícil ter chegado aonde chegamos
em tão pouco tempo. Todo o processo de mudança na PIB em São José
dos Campos teve seu início no ministério anterior, que, em especial, fez

134
Capítulo 8 — Igreja com propósitos

desta uma igreja liderada por ministérios e não por cargos, uma igreja mais
contextualizada em nossa comunidade e mais voltada para as pessoas e
não para a estrutura, o que foi de fundamental importância para a implantação
de uma igreja dirigida por propósitos.

Não creio que "Igreja com Propósitos", como modelo em si, seja a
única visão de Deus para sua igreja hoje (como disse anteriormente, Deus
ama a diversidade), no entanto, estou persuadido de que ela é bíblica e
eficiente, e faz parte de um grande mover do Espírito Santo sobre a igreja
evangélica mundial. Devemos sempre lembrar que Deus não unge modelos;
ele chama, capacita e fornece visão a líderes visionários, que com coragem
vão aplicar os modelos. Deus usa diferentes métodos. Ele usa Células,
Rede Ministerial, Desenvolvimento Natural da Igreja, etc...Os princípios
de Igreja com Propósitos devem ser sempre contextualizados, e
naturalmente o modelo sofrerá mutações. Como toda igreja é singular,
inclusive a de Saddleback tem suas características únicas, existem hoje
milhares de igrejas de centenas de denominações diferentes dirigidas por
propósitos, e cada uma aplica os princípios dentro de sua realidade. Como
já falei anteriormente, eles são bíblicos e, portanto, aplicáveis em qualquer
igreja em todas as partes do mundo.

Após o seminário no Rio, passamos a aplicar os princípios à nossa


maneira de ser. Com muita oração e convicção da parte de Deusm seguimos
mudando o modo de cultuar, de ensinar e de ser igreja, focando nossas
forças e atividades nos propósitos citados, adotando metodologia voltada
para um equilíbrio entre os cinco propósitos que Deus tem para sua igreja.
Experimentamos e continuamos vivendo muitas dificuldades, mas temos
vivido vitórias, concedidas a nós pelo Senhor, pequenas e grandes,
mostrando-nos que estamos no caminho designado por Deus para nós.

Não realizamos algo grande e que prevalece, de um dia para o outro;


implantar a visão dada por Deus leva tempo, e é necessária uma grande
dose de perseverança, determinação e coragem. Aqui ainda estamos em
transição. Muito já foi feito, todavia quando olhamos para o futuro, vemos

135
A contextualização da igreja de Cristo

que ainda temos um longo caminho a percorrer em direção ao futuro ideal.


Sendo assim, siga em frente, firme na visão e não desista; Deus vai dar
sinais e resultados que vão renová-lo diariamente para prosseguir. Se fosse
fácil mudar, todo mundo mudaria.

O que veremos a seguir é de extrema importância para a implantação


e bom desenvolvimento dos princípios na igreja:

13.1 - Busque uma visão ministerial pessoal

Visão ministerial é algo pessoal e intransferível. Deus dá aos seus


líderes, em diferentes igrejas, cidades e ministérios ao redor do mundo,
princípios e modelos que podem ser contextualizados e transferidos, todavia
a visão específica do que fazer em seu ministério, isto você precisa buscar
em Deus de maneira específica. Então, o primeiro passo é buscar a visão.
Esteja diante do Senhor e pergunte com muita fé o que Deus quer de você
e do seu ministério. Esta visão pode vir imediatamente ou pode ser revelada
aos poucos; esta foi a minha experiência. Você não conseguirá edificar
uma igreja dirigida por propósitos sem uma clara visão da parte de Deus
sobre o que ela vai ser e a quem ela vai alcançar.

13.2 - Trabalhe com uma equipe ministerial

Nossa igreja não tem um só pastor; temos diversos pastores e


ministérios. Os ministérios- chaves são liderados por pastores e ministros
de tempo integral, e os de apoio por voluntários de tempo parcial. Hoje
temos um colegiado ministerial de nove obreiros de tempo integral, além
dos missionários, pastores das congregações e dos funcionários da igreja.
O colegiado ministerial é formado de pastores e ministros. Temos ministros
e pastores de crianças, adolescentes, jovens, educação, membresia,
missões, adoração e artes, ação social e o pastor titular. Todas as quartas-
, feiras nos reunimos para o discipulado, para acompanhar as ações pastorais
e monitorar o curso da visão. Temos, dentro da equipe ministerial, cinco
pastores que são responsáveis diretos pelos cinco propósitos na igreja.

136
Capítulo 8 — Igreja com propósitos

Há pouco tempo atrás a igreja evangélica brasileira não tinha este


assunto em sua agenda, muito menos era tema em congressos e eventos.
Acredito que desenvolver o ministério através de uma equipe ministerial é
uma necessidade indispensável na igreja contemporânea.

Embora seja algo novo para a grande maioria das igrejas batistas
brasileiras, não estamos falando de nada novo: biblicamente, o trabalho
em equipe foi uma prática muito forte no ministério de Jesus entre nós,
tornando-se assim um modelo a ser seguido, que precisa ser resgatado
para assegurar o crescimento sadio e qualitativo da igreja.

Trabalhar em equipe é uma tarefa desafiadora, é algo que se constrói


aos poucos sem pressa, exigindo de cada um muita perseverança. Uma
equipe não nasce formada; ela vai se formando ao longo do tempo, através
de cada falha e acerto, cada derrota e cada vitória, cada dor e cada alegria.
Doses de paciência, convicção de chamada e altruísmo são elementos
indispensáveis para que uma equipe "permaneça". Todavia, é deveras
compensador trabalhar em equipe, e, à medida que os anos passam, vamos
olhando para trás e vemos o quanto foi realizado, quantas vidas abençoadas,
algo que realmente seria impossível para uma pessoa realizar sozinha.

Gostaria de compartilhar com você algumas dicas para formação de


uma equipe de ministério saudável.

13.3 - Passos para formar uma equipe ministerial

a) Comece com Deus - A pior tragédia para um líder é ter uma


equipe de ministério formada de pessoas que apenas ele escolheu. Busque
a Deus em oração antes de iniciar o processo de busca e indicação de
nomes de possíveis novos companheiros de equipe.

b) Comece com pessoas de tempo parcial - Minha sugestão é que


você comece com líderes de tempo parcial, pessoas escolhidas por Deus,
que trabalhem secularmente, mas que tenham convicção de chamada para

137
A contextualização da igreja de Cristo

o ministério; lembre-se: todo crente é um ministro, e a doutrina do sacerdócio


dos crentes é bíblica.

c) Convide pessoas que creiam na visão que Deus lhe deu - Deus
dá a visão de ministério para sua igreja local, em primeiro lugar ao líder
humano e espiritual da sua comunidade. Deus coloca um líder, e é a ele que
vai, de uma forma muito pessoal, mostrar a visão a ser seguida. Como diz
meu colega de equipe, Sidney: "orquestra desafinada tem vida curta" .
Bill Hybels diz que você precisa de uma equipe que combine com você.

d) Convide pessoas ensináveis - Cuidado com as "feras", "cobras"


e "tubarões". Lembre-se sempre: "Deus não chama capacitados, ele
capacita os escolhidos" . É importante notar que investir em pessoas
ensináveis, as vezes iniciantes, não é a mesma coisa de convidar pessoas
sem liderança e fracas em suas iniciativas. Se você tiver uma equipe
medíocre, seu ministério assim será.

Ao trabalhar com pessoas:

Confira autoridade à equipe;


Encoraje sempre,
corrija com naturalidade os erros;
• Saiba elogiar e aplaudir;
• Cobre responsabilidade;
-as diante da congregação
onze
• Ofereça tremamento;
*
rue um codigo de etica,•
• Permita ue as escoas dexxejuo,.mmisterlo,sem::$erite.: COlp4;:E
• RePassei::reMOrmentellilirM

13.4 - Repartindo o ministério

Ao convidar pessoas para trabalhar com você para liderar uma igreja,
deixe bem claro que você não está apenas convidando auxiliares para o

138
Capítulo 8 - Igreja com propósitos

seu ministério; você está repartindo o seu ministério com eles. Isto implica
em confiança absoluta, implica em dividir glórias e derrotas. Numa equipe
colegiada, unidade é fundamental.

É indispensável para um bom relacionamento entre os membros da


equipe que o líder seja uma pessoa segura. É muito difícil trabalhar com
um líder inseguro.

13.5 - Estude a equipe ministerial de Jesus


Jesus é o nosso paradigma de sucesso para trabalhar em equipe. Vamos
tomar como base um dos muitos exemplos de Jesus em seu ministério
sobre este tema: João 21.1-23. E só estudar atentamente este texto e você
vai retirar preciosas lições para o bom desenvolvimento de sua equipe
ministerial.

Trabalhar com equipe funciona, porque...

1.É um princípio bíblico (porque é bíblico é aplicável em qualquer lugar);


2. É indispensável para liderar grandes grupos;
3. É uma tendência muito forte neste novo milênio (não existe mais
espaço no mundo secular e eclesiástico para lideranças centralizadoras);
4. Permite o surgimento de novas lideranças.

13.6 - Forneça treinamento

Para que a visão cresça entre a membresia, temos realizado diversos


cursos de treinamento para desenvolver a visão através dos ministérios.
Temos todo o material em edição do aluno e do professor para passar a
visão geral e as de discipulado e ministérios específicos. Sem treinamento
as coisas não irão acontecer com consistência.

Também temos recebido de Deus a clara direção em compartilhar a


visão de "Igreja Brasileira com Propósitos" com outras igrejas brasileiras.
Já realizamos muitos seminários regionais e dois congressos nacionais em

139
A contextualização da igreja de Cristo

nossa igreja e temos agendado cursos em diversos lugares do Brasil até


outubro de 2003. Inclusive realizamos um para os presidentes e secretários
executivos das associações batistas do estado de São Paulo, no
Acampamento Batista de Sumaré. Tivemos um encontro muito produtivo
entre estes líderes compartilhando as noções básicas.

Mais recentemente nasceu o ministério "Propósitos: Treinamento


& Recursos, um ministério da nossa igreja a serviço das igrejas evangélicas
brasileiras, fornecendo materiais, conferências, literatura e treinamento para
pastores e líderes.

13.7 - Estrutura: A nova sede

Nossa igreja passou por três grandes transições no ano de 2001: de


uma igreja com um pastor para uma igreja dirigida por um colegiado pastoral;
de um templo próprio para 800 pessoas sentadas em bancos estofados,
no centro da cidade, para um amplo e estratégico lugar alugado para mais
de 2.000 pessoas sentadas; de uma igreja sem uma estratégia específica
de crescimento para uma igreja dirigida por propósitos. Todas estas
mudanças concorreram de forma vital para o avanço do nosso processo.

Nosso novo espaço fica às margens da Via Dutra, onde circulam 2


milhões de veículos por mês, fica localizado bem no coração da nossa cidade,
com ótimas vias de acesso e ótimas referências de localização (até pelo fato
de que era no passado uma antiga concessionária da Volkswagen do Brasil).
São 7.960 m2, não tem "cara de templo" (o que atrai os mais resistentes).
No passado, não havia uma procura muito grande quanto a uma localização
específica e tamanho da propriedade. E estamos abertos para o que Deus
tem para nós no futuro. Estamos pedindo a Deus uma sede própria com uma
grande área e temos a certeza de que Deus dará.

Nunca se apegue ou deixe que as pessoas se apeguem a estruturas,


coisas e objetos; isto tudo é secundário dentro do propósito maior de
Deus revelado para sua igreja.

140
Capítulo 8 - Igreja com propósitos

13.8 - Nossos cultos

Nossos cultos são direcionados a grupos específicos: nas quartas-


feiras e nos domingos de manhã os cultos são para a igreja e, nos domingos
à noite para os sem-igreja. Todavia, em todos os cultos, temos alguns
valores que servem de norte: nossos cultos são: bíblicos, informais,
contextualizados, direcionados (para a igreja e para os sem igreja), breves,
criativos, com louvor contemporâneo (este é o estilo de música que as
pessoas não-crentes estão mais abertas para ouvir; e também usamos a
arte como meio de adoração e evangelização).

Realizamos a Ceia as quartas-feiras e aos domingos pela manhã,


porque é algo especial preparado por Jesus para sua igreja; os batismos
nós realizamos nos cultos de domingo à noite por contar com um forte
apelo evangelístico.

Os avisos procuramos evitar em todos os cultos. Nós os concentramos


mais no boletim e na internet, todavia, se for algo muito importante (e para
toda igreja), eles são feitos no culto da manhã.

Faça uma boa avaliação semanal dos seus cultos e celebrações e veja
o que você e sua equipe podem fazer para melhorá-los.

13.9 - Eventos-pontes

Dentro da visão de "Igreja dirigida por Propósitos", temos algo que


chamamos de evento-ponte, sempre com o objetivo de alcançar os sem-
igreja contextualizando nossa mensagem de boas- novas.

Usamos, por exemplo, uma típica festa de quase todas as regiões


brasileiras, a festa em estilo caipira. Nós a denominamos de Festa na Roça;
não deixamos de ser crentes ao usar com bom senso uma faceta da nossa
cultura como ponte para ganhar pessoas para Jesus. Como resultado, muitas
pessoas já aceitaram Jesus nestas ocasiões, onde existe pregação, literatura

141
A contextualização da igreja de Cristo

e música falando de Jesus. Usamos também épocas como: Páscoa, Natal,


dia das crianças, dia das mães, dia dos pais e é claro, o nosso culto dominical
noturno, onde toda mensagem está direcionada ao não-crente.

Nosso trabalho missionário é realizado de forma contextualizada e


personalizada: Circo da Esperança e Circo da Vida (parceria com a PIB de
Curitiba) e também os 20 missionários que adotamos através de convênios
com a JMM e a JMN, dentre outras agências. Estamos alcançando também
grupos específicos como homossexuais, meninos de rua, índios etc...
Precisamos "pescar" o peixe com múltiplos anzóis e onde ele estiver.

13.10 - Escola Bíblica Discipuladora

Nossa Escola Bíblica chama-se Escola Bíblica Discipuladora (EBD).


Ela não está restrita ao domingo e trabalha não para passar informação
somente, e sim para transformação de vida, o que vai além do conhecimento
bíblico para aplicacão efetiva do mesmo no viver. A ênfase está no discipulado.

- Classes de Batismos (aplicamos de forma intensiva, em datas


determinadas, em apenas um dia com duração de 5 horas). Usamos a
classe 101 — Compromisso com membresia (autoria do Pr. Rick Warren).
Depois de cursar esta classe o novo membro assina um pacto de
compromisso (veja abaixo um modelo).

Pacto de membresia (modelo):

rimeira Igreja Batista em São José dos Campos

Teiidó.J:roeekidó..ali:Çrjst6cdin6inOtt.:.8egheo:aNacjor;.:::ç.::: çoppor4a00.
com a 'DOPI4fg:-:;:atirdéFél:::d.àR::!, Tgffial,agas;::.coni:4,.: 04i.gOw.a::-Postip.ira..,. .
desejo
família de que se reúne tara Primeira Igreja IBâtiátw:erali, ao José dos
Campos.

142
Capítulo 8 - Igreja com propósitos

Fazendo isto, eu me comprometo diante de Deus e dos outros membros


a Lazer o seguinte'

1 Proteger a comunhão da i m a reja'

- a in o em amor com os outros

ecusando maledicencia fofoca

se mti-(10..'oSi - jf:defe.s.:

a quer tendes pprifidadaas vossas a mass na obediencia::averdade


que leva ao amor fraternal ingt de cora ao 4M41: y.0$;:o:tdentçjpOnto,
uns aos outros" e
iNao saia da vossaboca pa
palavra tor o xaasso ue seja
doa para a necessária edificação, afim de :que` m hist e grafia dos que
ouvOnV 'Ef:4.29.
"Obedecei a2Niossos utas sendo heâ ,submissos;orquevelampor,
vossas almas como quem,, há de prestar contas delas;
com , alega e nao,gemendo ,:porque lst0:1fáb,,VQ:$s.eria unU1113.N1Ji

2 romover o crescimento da minha igreja

orando pelo seu ,crescimento


convidando
récebendo com.ca nho os onv dados

sempre dainoR: graças :a Deus por vc s (igreja) to40


fueo •• .$
pelos.,...ça.00s e valado ebrigatos-a-entra4 para que a
oxiha::-'easa,:se:::.enp a '
`ortanto recebei-vós:uns aos outros, como também Cristo
os recebeu lona de eu

143
A contextualização da igreja de Cristo

esco o meusdons e ta en
sendo equipado para ser
desenvolvendo um cora

``Servindo conforme c dorn que


como bons, despenseiros m40ifOrm
eus:;„ deu al uns- ara pastore eStres,
ape etoamento ós can os
a corpo de Cr stO' -Ef 44I.
"Nadk,!façais contenda eu por vangloria
outros:, superioresast me•sm0::"Tende:enrvalogooioÁsengtnento ue houve
também em Cristo Jesus que totnan40 a forma

TeStentunhat a minha fe

Frequentando assiduamente
iven e mo o exemplar
En eganc o o dízimo

ao-abandOnatt .a nOssa-000gfetNa laNú, moeStan


uns aos outros.
' rente fvos apyppgelhodó'EeriStõiF.:

.etir todos os dízimos


tztroo ertencem ao Sera

ão-Jbse ant

gine

144
Capítulo 8 — Igreja com propósitos

Série compromisso (101,201,301,401, 501): estamos planejando


iniciar em janeiro classes de estudos intensivos aos sábados. Após cada
curso, a membresia é levada a assinar um pacto de compromisso.

O princípio do ensino é bíblico; naturalmente a forma pode e deve ser


contextualizada. Precisamos lembrar que a atual estrutura da EBD também
é um modelo centenário, criado na Inglaterra e adaptado à nossa realidade.

13.11 - A pregação

Pregar constantemente nos 5 propósitos (Adoração, Missões,


Discipulado, Serviço e Comunhão) é fundamental; temos feito isto de forma
cíclica nas manhãs de domingo, movendo os membros através dos círculos
concêntricos de compromisso. Não acredito em igreja saudável sem que
haja pregação encorajadora, equilibrada nos propósitos. Lembre-se:
Ninguém vai apreender tudo numa primeira vez!

Minhas mensagens e de toda a nossa equipe de ministério são bíblicas,


encorajadoras e práticas, com linguagem voltada para o homem moderno
e pragmático. Nós não precisamos ser superficiais para pregar assim;
continuamos buscando uma pregação profunda, com conteúdo, todavia
agradável de se ouvir, voltada para comunicar e não para impressionar os
ouvintes, pois a evidência de uma pregação eficaz são vidas transformadas.

13.12 - Ministério com crianças (PIB KIDS)

Também neste ministério temos um pastor de tempo integral, que está


atualmente pesquisando em profundidade para chegar ao ideal de ministério
com crianças para a nossa igreja.

Investir no ministério com crianças é uma das prioridades; estamos


trabalhando para criar um ministério forte, envolvendo inclusive a família
da criança, para que vejamos o dia em que todas as crianças achem "o
domingo o melhor dia da semana" . A igreja precisa ser um lugar especial

145
A contextualização da igreja de Cristo

para a criançada, um lugar onde elas possam aprender se divertindo. Isto


requer tempo, treinamento e investimento.

13.13 - Ministério de membresia

Num processo de transição, via de regra, as perdas são inevitáveis;


cada um tem sua história na realidade local. Até o momento, de forma
oficial, 8 famílias (30 pessoas) deixaram a nossa igreja, mas certamente
perderemos um pouco mais nos próximos meses. Na verdade, não
perdemos; foram para outras igrejas evangélicas.

Em contrapartida, temos batizado mensalmente uma média de 20 novos


crentes. Todos os domingos temos dezenas de novos decididos no culto
voltado para os sem-igreja. No mesmo período em que 30 crentes
deixaram a igreja, batizamos 160 novos crentes. Hoje somos pouco mais
de 1400 membros. Há dois anos atrás tínhamos 860 membros. Mas o fato
é que, infelizmente, "cedo ou tarde, algumas pessoas deixarão sua
liderança, acredite."

Temos um pastor em nosso colegiado, o Pr. Itamar Francisco de Souza,


que cuida especificamente da nossa membresia, mobilizando o rebanho
para o cuidado e a mutualidade cristã.

13.14 — Pequenos grupos

A estratégia de utilizar as casas para pequenas reuniões é bíblica. Em


Atos, temos a informação de que os primeiros cristãos se reuniam nas casas
e no templo. Existem vários nomes dados atualmente a este tipo de ministério:
Células, Grupos Familiares, Grupos de Comunhão, Koinonias. Em nossa
Convenção, no início da década de 80 tivemos os NEB's (Núcleos de Estudos
Bíblicos). O princípio era o mesmo, todavia penso que não tiveram maior
êxito, em parte porque os grupos eram divididos geograficamente; na verdade,
as pessoas não freqüentam um pequeno grupo só porque é perto de sua
casa; é só olhar para igrejas. Existem pessoas que cruzam a fachada de
várias igrejas até chegarem a sua. Em nossa "Igreja com Propósitos"

146
Capítulo 8 — Igreja com propósitos

chamamos de Pequenos Grupos, uma reunião intencional de um pequeno


grupo de pessoas (entre 3 a 15 pessoas), num lugar específico para promover
comunhão, discipulado e serviço.

Durante 1 ano tivemos diversos Pequenos Grupos de treinamento de


líderes, e agora iniciamos os primeiros Pequenos Grupos de membresia.
Acreditamos ser a mais útil estratégia para o crescimento em maturidade
da igreja e também para integração dos novos decididos.

Conclusão

Nosso jeito de ser igreja


Uma igreja dirigida por propósitos

A Primeira Igreja Batista em São José dos Campos completa os seus


60 anos de vida, e nesta idade nossa igreja firma-se como uma igreja
saudável, cheia de sonhos e planos, uma igreja viva, crescente e
contextualizada com sua comunidade e com seu tempo.

A PIB em São José dos Campos tem um sólido referencial histórico,


é uma igreja bíblica, informal, transparente em suas ações e que visa ganhar
pessoas para Jesus e envolvê-las no ministério do Senhor. No que diz
respeito a doutrina, nada mudou nestes 60 anos, mas nossa visão de alcançar
pessoas encontrou um novo caminho, vindo do Senhor. De forma resumida
vamos revisá-lo:

Nossa abordagem
- De uma igreja dirigida por programas para uma igreja
dirigida por propósitos.

Nosso estilo de adoração


- De uma igreja com liturgia tradicional para uma igreja
com liturgia contemporânea.

147
A contextualização da igreja de Cristo

Nosso alvo
- De uma igreja que trabalhava para alcançar os seus
para uma igreja que vive para ganhar os sem-igreja da
comunidade e do mundo.

Nossa liderança
- De uma igreja liderada por cargos e comissões, para
uma igreja liderada por ministérios.

Nossos pastores
- De uma igreja liderada por um pastor, para uma igreja
liderada por uma equipe ministerial, onde os pastores funcionam
como treinadores de equipe.

Nossa estratégia
- De uma igreja sem um programa sistemático para
envolver os membros, para uma igreja que desenvolve seus
membros naturalmente da multidão para o núcleo do
ministério.

Nossa metodologia de ensino


- De uma igreja onde só existia o modelo tradicional para
EBD e o culto, para uma igreja que trabalha também com
grupos pequenos de estudos bíblicos nos lares, que visam
crescimento na fé e a comunhão dos crentes. O foco no
passado era o conhecimento bíblico, agora é a transformação
de vidas.

Acredito como Bill Hybels que "a igreja é a esperança do mundo"


e por isso precisamos vivê-la intensamente com profundo amor, paixão e
dedicação. Mais do que nunca é a hora e a vez da igreja local.

148
Capítulo 9

Rede ministerial
e Projeto Ponte da Fé
Pastor Manoel Xavier dos Santos Filho

A Igreja Batista Memorial da Tijuca é uma igreja que foi organizada pelo
pastor Jerry Stanley Key, em agosto de 1968. Portanto, uma igreja ainda jovem,
situada no tradicional bairro da Tijuca, um bairro que outrora foi marcado pela
existência de muitas casas, inclusive o terreno onde nos reunimos foi ocupado
por duas casas, no passado. Hoje o bairro é cercado por muitos prédios.

A igreja nestes 34 anos teve 9 pastores, sendo que 3 foram interinos.


O pastorado mais longo tem sido este último, de 11 anos.

Em 1994 realizamos em nossa igreja uma Clínica sobre Crescimento


da Igreja, patrocinada pela Junta de Missões Nacionais. Através daquela
A contextualização da igreja de Cristo

clínica conseguimos fazer um diagnóstico da situação da nossa igreja, o


que nos possibilitou a tomada de algumas decisões.

Detectamos várias situações, como por exemplo:

1- 59,4% dos membros da igreja tinham mais de 15 anos de batizados;


2 - Para a maioria dos membros (59,4%), os três maiores obstáculos
na obra da evangelização da igreja eram:

lo) a falta de consciência dos próprios membros a respeito de sua


missão de evangelizar;
2o) a falta de treinamento dos membros para a tarefa da evangelização;
3o) a falta de métodos adequados à obra do evangelismo.

3 - Somente 15% dos membros da igreja haviam ganho alguém para


Cristo no ano de 1994;
4 - Os quatro meios que mais influenciaram no crescimento espiritual
dos membros da igreja eram:

lo) a Escola Bíblica Dominical;


2o) a leitura da Bíblia;
3o) os cultos de louvor a Deus;
4o) os estudos bíblicos.

5 - Os líderes (pastor, obreiros e/ou professores da Escola Bíblica


Dominical) não visitaram, nos últimos 12 meses, 79,6% dos membros;
6 - Os vizinhos mais próximos e 76,1% dos membros não são
conhecidos pelos pastores e líderes;
7 - A maioria dos membros (71,5%) não tem o costume de convidar
pessoas que não conhecem a Jesus Cristo como seu Senhor e Salvador
para irem às suas casas ou igreja.

A Clínica de Crescimento nos ajudou no diagnóstico da igreja, o qual


nos apontou os nossos pontos fracos e os nossos pontos fortes. A partir

150
Capítulo 9 — Rede ministerial e Projeto Ponte da Fé

daí decidimos mobilizar toda a igreja, desde os juniores até a terceira idade
na busca da nossa Missão. Contamos para isto, com a ajuda de um irmão
da Igreja Batista do Bacacheri, Pr. Nossa Missão ficou assim:

"Glorificar a Deus, levando pessoas de todos os lugares


ao conhecimento
de Jesus Cristo, discipulando-as na palavra de Deus e
integrando-as na igreja."

Com a definição da Missão e à luz de algumas conclusões, entendemos


que deveríamos buscar os meios para atingir o nosso objetivo como igreja
e ajudar os membros nas suas dificuldades para cumprir a Missão.

Uma primeira decisão foi transformar os departamentos da igreja em


ministérios, porque entendemos que ministério tinha mais a ver com a igreja
enquanto organismo e com o próprio envolvimento do crente na vida
eclesiástica. Não foi apenas uma mudança na terminologia, e sim na filosofia
de trabalho e por que não dizer na própria teologia, passando-se a dar
maior ênfase a um dos princípios basilares da Reforma: aquele que colocou
cada crente como um ministro. Daí, a primeira ferramenta que decidimos
usar foi a metodologia da "Rede Ministerial", que tem nos auxiliado
com muito eficácia na busca dos dons espirituais de cada crente. Isto tem
sido impactante na vida de todos os que têm passado pelo treinamento e
tem contribuído para que cada ministro e cada ministério adquira um maior
comprometimento.

Outra ferramenta valiosíssima que temos usado tem sido o "Projeto


Ponte da Fé", que é um método de evangelismo pessoal vinculado à
Escola Bíblica Dominical. Este é um treinamento que dura cerca de 16
semanas composto de uma parte teórica e outra prática. No treinamento,
há várias equipes compostas de três pessoas, sendo que uma delas é o
líder, e as outras duas são aprendizes. Cada uma tem dois parceiros de
oração que se comprometem a orar por eles durante todo o processo. A
sua vinculação à Escola Bíblica Dominical se deve ao fato de que o novo

151
A contextualização da igreja de Cristo

crente é integrado diretamente a uma das classes da EBD já existente e, de


preferência, na classe da pessoa que o conduziu a Cristo. Este projeto tem
revitalizado a nossa igreja, e sua implantação tem acontecido com mais
facilidade do que outros, pois, como se pode ver no diagnóstico da Clínica
de Crescimento, havia um desejo por um treinamento em evangelismo
pessoal, e a Escola Bíblica Dominical é muito valorizada em nossa igreja.

Nesta busca, tentamos investir também em um outro sistema que foi a


proposta da "Igreja em Células", conforme modelo iniciado pelo pastor
Ralph Neighbour, proposta que pessoalmente considero muito interessante
para a igreja. No entanto, esbarramos com algumas resistências na igreja e
resolvemos não impor a metodologia, mas usar alguns de seus princípios
mais importantes, dentre eles, a necessidade da igreja estabelecer um "trilho
de treinamento". A partir dessa visão iniciamos um trilho de treinamento,
baseado em 1João 2.12-14. Para tal, fizemos uma analogia usando o
desenvolvimento humano, como os estágios, abaixo citados, descrevem:

1)gravidez - G14.19 - é o chamado pré-evangelismo, quando o crente


"engravida" de alguém que deseja ver nascer de novo, alguém que deseja
evangelizar, mas precisa antes desenvolver amizade;
2) filhinhos (criança) - aqui o novo convertido recebe três estudos
ministrados sobre a certeza da salvação, ministrado por um crente mais velho;
3) adolescentes - uma série de oito estudos sobre as doutrinas básicas;
4) jovens - uma série de sete estudos sobre os valores do reino de
Deus;
5) adultos/pais - aqui começa a fase do aprofundamento (estudos
como Conhecendo a Deus e Fazendo Sua Vontade, Mente de Cristo) e
do treinamento (Rede Ministerial, Ponte da Fé, Discipulado). Nesta parte,
os estudos e o treinamento acontecem em grupos e não mais no discipulado
individual.

Como se pode ver, nós não adotamos um modelo, mas estamos


desenvolvendo o nosso próprio jeito de ser igreja, visando desenvolver

152
Capítulo 9 — Rede ministerial e Projeto Ponte da Fé

nossa missão. Procuramos conhecer tudo que pode vir a contribuir para
isso e então adicionamos e adequamos. Pode parecer um tanto eclético.
De modo a sistematizar o trabalho, podemos dizer que entendemos que a
igreja precisa privilegiar, esmiuçando a nossa missão:

a) a adoração (glorificar a Deus);


b) o evangelismo e missões (levar pessoas de todos os lugares...);
c) o ensino, discipulando (discipulando-os na Palavra de Deus);
d) a comunhão (integrando-os na igreja).

Para cada um destes aspectos procuramos a ferramenta que nos ajuda


a atender este aspecto.

Com certeza, não tem sido um processo fácil, pois existem as


resistências normais na quebra de paradigmas:

- deixar de ser uma igreja que está acostumada com o ativismo para
se concentrar no evangelismo pessoal e no discipulado;
- que está acostumada com relacionamentos mais formais, com ênfase
nas várias reuniões administrativas, para ser uma igreja que valoriza os
relacionamentos informais;
- deixar de ser uma igreja cujo ensino é mais cognitivo para ter um
ensino que visa à transformação e mexe nos valores, através do discipulado
e dos grupos pequenos.

Existe sempre a dificuldade de encontrar pessoas que queiram se


envolver com o discipulado, ajudar um novo crente a crescer, porque a
igreja de modo geral não tem uma cultura de discipulado propriamente
dita. O grande problema que advém de nosso "isolamento do mundo", é
que os crentes não tendo relacionamentos com o "mundo", ficam com
pouco ou mesmo nenhum contato para evangelizar.

As grandes dificuldades no "Projeto Ponte da Fé" têm sido


basicamente:

153
A contextualização da igreja de Cristo

a) marcar visitas a pessoas não crentes em número que corresponda


ao contingente de pessoas que está sendo treinado em evangelismo pessoal;

b) levar a igreja a pensar as suas atividades e suas prioridades para


fora, em vez de fazer toda a programação apenas para os que já estão
dentro das quatro paredes;

c) a quebrar paradigmas, buscando novas estratégias para alcançar as


pessoas do bairro, o que passa obrigatoriamente pela visita aos lares, em
lugar dos antigos modelos de Série de Conferências ou de cultos ao ar
livre, em função do surgimento dos edifícios e dos condomínios fechados,
ao menos nos grandes centros urbanos, como é o nosso caso.

Reconhecemos que ainda não chegamos no ponto desejado, mas


estamos no processo e já começamos a experimentar os resultados. Não
estamos fazendo nada disto a fim de sermos uma igreja grande, pois
entendemos que isto acontece naturalmente, mas queremos ser uma igreja
bíblica, sadia e relevante no bairro onde estamos situados.

"Eu plantei, Apolo regou, mas DEUS é quem fez crescer; de modo
que nem o que planta nem o que rega são alguma coisa,
mas unicamente Deus,
que efetua o crescimento." (1Co 3.6,7)

154
Capítulo 10

Igreja em células

Um processo contínuo
de formação e transformação

Pastor Jésus Silva Gonçalves

1. Origens

No século dezoito já havia uma experiência bem-sucedida de


grupos pequenos com John Wesley. Afirma-se que Wesley
desenvolveu mais de 10.000 células denominadas classes. Centenas
de milhares de pessoas participaram do seu sistema de grupos
pequenos.
A contextualização da igreja de Cristo

Se Wesley foi o precursor do movimento


de grupos pequenos, David Yonggi Cho,
recursor do movime pastor na Coréia do Sul, no Extremo Oriente,
e grupos pequen
foi o introdutor dele no século vinte.
iavid Yong Cho
or na orem
no Extremo Orien Oficialmente a igreja de Cho reconhece
o Introdutordele que, em 1967, o sistema de célula foi
no secula ente. introduzido com cerca de 7.750 pessoas em
125 células. O número de membros continuou
a crescer rapidamente chegando a 10.000.

Tendo alcançado 200.000 membros, o crescimento da igreja nunca


parou, mas continuou até alcançar 400.000 membros em outubro de 1984,
fazendo da YFGC a igreja com o melhor ritmo de crescimento do mundo.
Passou de 500.000 membros em 1985 para 700.000 em 1992, sendo
considerada a maior igreja dentre as 50 maiores igrejas do mundo e passou
a fazer parte do Guiness Book como a maior congregação do mundo.

Além de conhecer a história da igreja que mais influencia "igrejas em


células" no mundo, é preciso, para uma visão mais clara da origem deste
movimento, conhecer um pouco do ministério chamado "TOUCH Outreach
Ministries, Inc", localizado em Houston, no Texas, USA. Este ministério
existe há 26 anos, e o seu nome original em inglês é: Transforming Others
Under Christ's Hand! - TOUCH'

Atribui-se a este ministério, em especial ao seu fundador, Dr. Ralph


W. Neighbour, a responsabilidade pela sistematização do modelo G5 ou
"cinco por cinco" da igreja em células.

No Brasil, este movimento é representado pelo "Ministério Igreja em


Células" com sede em Curitiba, Pr. Liderado pelo Pr. Roberto Lay, que
tem viajado pelo Brasil ministrando os módulos de igreja em células, mais de

A tradução da sigla TOUCH é Transformando Outros Sob a Mão de Cristo!

156
Capítulo 10 — Igreja em células — Um processo contínuo de formação e transformação

3000 pastores e líderes têm participado destes módulos. Este ministério tem
oferecido suporte às igrejas que desejam implementar células em sua estrutura.

Este modelo eclesiástico tem se desenvolvido em outras culturas com


êxito.

2. Desenvolvimento em outras culturas

Há várias igrejas em células em diferentes partes do mundo, que


cruzaram a fronteira das dezenas de milhares de membros, o que nos leva
a observar o desenvolvimento deste movimento em outras culturas.

Todos esses modelos igualmente funcionais são surpreendentes quanto


aos resultados. Para Schwartz (1997, p.20), "o princípio de célula tem
validade universal".

A afirmação de Simson (2001, p.53) é que "deveríamos levar muito a


sério a qualidade da igreja do Novo Testamento, mas desenvolver
estruturas, métodos e modos de procedimento para o nosso tempo, a
nossa cultura e os nossos povos".

Esta afirmação leva-nos a avaliar que este método de igreja tem se


desenvolvido em culturas diferentes, mas com resultado bem parecido.
Kivitz (1994, p.35) afirma que "os grupos pequenos têm funcionado como
estrutura facilitadora da igreja em todos os tempos e em todas as culturas."

Quatro das dez maiores igrejas em células do mundo estão localizadas


na Coréia do Sul. A Igreja do Evangelho Pleno está no topo da lista, é de
longe a maior igreja no mundo. David Cho, pastor principal desta igreja,
afirma que Deus mostrou a ele o modelo bíblico para a vida da igreja,
tornando-se assim o precussor do movimento moderno de igreja em células.

Vale destacar que as células da igreja perseguida na China, que não


tem a liberdade de se reunir publicamente, são as mais impressionantes.

157
A contextualização da igreja de Cristo

os cristaos aAmérica Há registros de muitas igrejas no interior da


rt na tem trado China com centenas de milhares de crentes.
IMO soáuma enorme
ca ac e de Joel Comiskey e outros pesquisadores do
compreensão
movimento mundial de igreja em células têm
de igreja em
ronde capacidade chegado à conclusão de que os cristãos da
também
e tare.-.recriar o América Latina têm demonstrado não só uma
movimento-,110 .re enorme capacidade de compreensão do
tino,amerzcana. movimento de igreja em células, como também
grande capacidade de adaptar e recriar o
movimento na realidade latino-americana. Muitas igrejas na América Latina têm
dominado o uso da célula como modelo para alcançar suas cidades para Cristo.

A igreja evangélica contemporânea brasileira passa por um período


de redescobrimento de sua razão de ser.

Hans Küng (1967, p.27) argumenta que "a doutrina da igreja está
necessariamente submetida, como a própria igreja, à mutação constante e tem,
por conseqüência, de ser realizada sempre de novo". Para que isso seja possível,
a igreja precisa pedescobrir sua identiclade mais profunda, sua constituição essencial.

O movimento de igreja em células procura redescobrir o papel e a


missão da igreja.

3. Características gerais

Quais são as características deste movimento? Por que a maioria das


igrejas que adotam este modelo experimenta um crescimento muito acima
da média, independente da cultura?

3.1 - O que é uma célula? E por que o nome "célula"?

Uma célula é a unidade básica de estrutura dentro de um corpo humano


vivo. Um corpo é compreendido de células que têm sido formadas e criadas

158
Capítulo 10 — Igreja em células — Um processo contínuo de formação e transformação

por Deus. Cada uma destas células é única, mas todas trabalham em
conjunto para manter o corpo funcionando e saudável.

A célula biológica é um bloco básico da vida. Células saudáveis multiplicam-


se aos milhões no curso de uma existência. Cada nova célula é idêntica à célula
original, porque o núcleo DNA multiplica-se a si mesmo nas células
reproduzidas; desta forma, a nova célula é tão produtiva e saudável como a
célula original. As células trabalham juntamente como órgãos, músculos, osso
e pele para fazer o corpo funcionar como um verdadeiro milagre de Deus.

Um grupo de células espiritual é muito parecido com uma célula biológica.


Os seguidores de Jesus Cristo edificam uns aos outros e aumentam o reino
por compartilhar suas vidas com os novos convertidos. Novos líderes são
descobertos de dentro do grupo (com o apoio e treinamento da equipe
pastoral) para crescer e expandir o ministério para um mundo ferido.

Quando o grupo se multiplica, o processo se repete. O que é uma


igreja em células? O nome célula é usado em virtude de seu crescimento
ser similar ao das células de um corpo humano em crescimento. Uma criança
cresce pela multiplicação constante das células de seu corpo.

A falta de crescimento indica que alguma coisa está errada e necessita


de correção. Assim, uma igreja também deve ter crescimento pela
multiplicação rápida de suas células.

Célula é um grupo de pessoas que se


élula eum grpo e
encontram regularmente com o propósito de s: `as ` `ue se encontram
edificação espiritual e evangelístico por co
regularmente
relacionamento (com a meta de multiplicação) ropóstip de edi teaçáo
e que são comprometidas em participar nas tritua e evan dístico
►r relacionamento com
funções da igreja local. eta de multiplicaç
que são CoMpromèti
Outra característica dominante nas arta ar nas unçães
igrejas em células é que, mesmo que ela re fi

159
A contextualização da igreja de Cristo

tenha milhares de membros, todos precisam ver que a célula é a base


da igreja. As igrejas em células estimulam continuamente seus membros
a entrarem num trilho de treinamento a fim de se equiparem para
futuramente conduzirem um grupo de células. Se isto não acontecer, a
célula será apenas mais um programa e não permitirá a descoberta de
novos líderes.

São os pequenos grupos se reunindo, nos lares principalmente ou em


outros lugares pré-determinados, onde o líder é o que serve, coordenando
(facilitando) o encontro do grupo.

3.2 - É um grupo de encontro em comunhão

Nele é dada a oportunidade aos integrantes, para que entre si, abram
os seus corações, com o fim de que as pessoas se ajudem mutuamente. A
célula deve ter intimidade. A maioria dos que estão em células concorda
que as células devem permanecer pequenas, pois todos precisam ter
oportunidade para compartilhar e comunicar.

Os primeiros cristãos da igreja se encontravam em lares de crentes,


onde eles partiam o pão (At. 2.46). A comunhão cristã nada mais é do que
o cuidado cristão de uns pelos outros, traduzido em um compartilhamento
cristão. Wolfgang Simson (2001, p.237) afirma que "muitos dos valores do
reino de Deus não podem ser praticados por indivíduos, num vácuo de
santidade, mas unicamente na comunhão com outros". O cristianismo é mais
do que um relacionamento privado com Jesus.
mson (2001, .48)
ma ue nos A prestação de contas exige acompa-
melros ires secul©s nhamento e dedicação e numa igreja em
as nos lares células, isto é possível porque os membros
coas rama orma se encontram semanalmente, e o processo
orma como de prestação de contas proporciona cres-
cristãosparam a
cimento e maturidade. Simson (2001, p.48)
afirma que nos primeiros três séculos d.C.

160
Capítulo 10 — Igreja em células — Um processo contínuo de formação e transformação

as igrejas nos lares constituíam a forma normal de como os cristãos


partilhavam a vida uns com os outros.

3.3 - É um grupo de exaltação

Nós fomos criados para exaltar e adorar a Deus, e sabemos que "Deus
habita no meio dos louvores...", e que a adoração é levada a todas as
partes da cidade através das orações e cânticos.

Em se falando em exaltação, qual será o papel do ministro de música?


- O ministério de música tem um papel fundamental e indispensável numa
igreja em células, pois, além de coordenar os corais, grupos musicais e
adoração na grande congregação, o ministério da música tem a função de
treinar os líderes de exaltação das células. A adoração na célula é vista
como uma oportunidade para a expressão de amor do crente para com
Deus através de cânticos e salmos num
ambiente fraterno. Esta adoração é feita como
um núcleo familiar.
células ajudam
3.4 - É um grupo de edificação ros a colocarei
ráfia a ''ui "u

O grupo estuda a palavra de Deus por stor
meio de reflexões semanais baseadas na noa omng
mensagem pastoral do culto de celebração de
domingo. Alguns pastores pensam que célula
funciona à revelia da vontade do pastor, operando independentemente e
dividindo a igreja. Não é assim! As células ajudam os membros a colocarem
em prática aquilo que o pastor prega no domingo. Grupos de células são
uma extensão do ministério e uma porta aberta para o evangelismo.

As perguntas dirigidas para a célula devem concentrar-se na aplicação


à vida. Elas devem ser claras e objetivas. O foco deve ser ouvir e responder
a Deus. As maiores igrejas em células de crescimento mais rápido em oito
diferentes países preparam para as células o roteiro de edificação a ser

161
A contextualização da igreja de Cristo

seguido, semana após semana e usam regularmente os temas dos sermões


dos pastores. Essa prática é predominante, porque oferece muitas vantagens;
a mensagem do pastor é realmente aplicada à vida!

Isso é particularmente significativo porque a teoria educacional tem


comprovado que a interação em grupos pequenos é muito mais eficiente
do que palestras a respeito da mudança de atitudes e comportamentos. O
uso do sermão cria unidade e coesão em todo o sistema de células, além
de prevenir contra líderes de grupos, que com outras intenções, podem
conduzir os grupos para questões paralelas ou para desvios doutrinários.
Outra vantagem é permitir que as células focalizem mais a sua atenção na
aplicação do que no ensino ou na pregação, pois já houve uma exposição
do tema apresentado.

A adoção deste sistema permite maior unidade, pois as células devem


seguir o mesmo tema e o mesmo texto principal do sermão do pastor. O
objetivo do encontro não deve ser a discussão a respeito do sermão,
mas a aplicação prática do conteúdo bíblico para a vida dos crentes.

3.5 - É um grupo de evangelismo

Todos se esforçam para levar outras pessoas necessitadas e


problemáticas a ouvirem a mensagem de salvação em Jesus Cristo, nosso
Senhor. As igrejas em células procuram estimular as pessoas a serem
verdadeiros discipuladores.

Células não são simplesmente reuniões sociais que dão ênfase à comunhão
e lazer, células devem transformar pessoas para que venham a ser autênticos
cristãos. As células devem ter um propósito além de si mesmas. Células devem
permanecer abertas para os não-crentes. Os pequenos grupos que se encontram
fora da igreja procuram alcançar pessoas no lugar onde vivem e trabalham.
Este é um princípio em todas as igrejas em células que mais crescem no mundo.
O coração da estratégia de célula é o evangelismo de penetração. Deve haver
uma sensação constante de urgência para que todo membro da célula possa

162
Capítulo 10 — Igreja em células — Um processo contínuo de formação e transformação

ganhar alguém para Cristo dentro dos seis meses


de vida do grupo. Se o evangelismo não for
considerado o propósito primário, o grupo pára
de crescer e morre. rate
célula, e
Os cristãos primitivos viviam o cristianismo ange zuno
24 horas por dia, 7 dias por semana. O oenetraç
evangelismo acontecia através do testemunho
poderoso de seus atos de amor e cuidado uns
pelos outros. Stott diz que a evangelização não
era uma atividade ocasional ou esporádica da igreja primitiva. Eles não
organizavam campanhas qüinqüenais ou decenais (campanhas são boas,
conquanto que não passem de episódios dentro de um programa contínuo).
Não. O culto deles era diário (At 2.46a), e assim também o testemunho. O
louvor e a proclamação eram o transbordamento natural de corações cheios
do Espírito Santo. Eles buscavam as pessoas de fora continuamente, e então,
os convertidos eram acrescentados continuamente.

Dessa forma a igreja crescia aos milhares. Hadaway observa: Outro


fato significativo a respeito do evangelismo no Novo Testamento é que
muito dele — senão quase tudo que teve resultados duradouros — ocorria
nas igrejas que se reuniam nas casas. Isso era assim não simplesmente
porque as casas mais amplas podiam oferecer as acomodações para a
função, mas também porque a proclamação ocorria como resultado do
testemunho das atividades correlacionadas da vida da igreja nas casas.

A hospitalidade no lar cristão do Novo Testamento, é uma ferramenta


evangelística freqüentemente ignorada. Suprir as necessidades das pessoas
na célula edifica os santos e atrai os não-crentes ao Salvador. A maioria dos
não-crentes irá "ouvir" nossas ações antes de escutar as nossas palavras.

Numa entrevista de Cho a Carl George em 1993, ele explica a sua estratégia
para alcançar os perdidos: Temos 50.000 células, e cada célula irá amar duas
pessoas para Cristo durante o próximo ano. Eles escolhem alguém que não é

163
A contextualização da igreja de Cristo

cristão por quem eles podem orar, a quem podem amar e servir. Eles levam
refeições, ajudam a varrer aloja de alguém — qualquer coisa que possa mostrar
que realmente se importam com as pessoas... Depois de três ou quatro meses
desse tipo de amor, a alma mais endurecida amolece e se rende a Cristo.

3.6 - É um grupo que se multiplica

A multiplicação é a chave para o crescimento, "...confie aos homens


fiéis, que serão capazes de ensinar a outros" (2Tm 2.2). Paulo afirma que
a força do envolvimento que dirige este processo está em ver que os
novos discípulos adotam a sua paixão em servir e evangelizar e imprime
uma nova dinâmica com vigor pessoal.

Esta multiplicação é em primeira mão multiplicação da liderança, pois sem


liderança não há multiplicação de células. A essência da igreja em células é
preparar líderes para a colheita. A igreja em células é uma estratégia de liderança.
"Ora, vós sois o corpo de Cristo e seus membros em particular" (1Co 12.27).
Como a igreja, o corpo de Cristo, nós também
somos um organismo vivo. O caminho para o
crescimento é cada membro desempenhar seu
papel em relação aos outros membros. Quando
nós encontramos mutuamente nós começamos
a funcionar juntamente, multiplicamos e fazemos
multiplicação
A essência da erga
a igreja crescer. Nós não podemos funcionar
células e Preparar 1'r !es
igrejam isolados uns dos outros.
Para a colheita.
4. Instrumentos essenciais

4.1 - Treinamento

Um dos princípios deste modelo é que deve haver um caminho de


treinamento que leve todos os novos convertidos e os membros das
células existentes a um nível de maturidade no prazo de um ano. Sem
isto há um significativo desarranjo no discipulado e no desenvolvimento

164
Capítulo 10 — Igreja em células — Um processo contínuo de formação e transformação

de novas lideranças. Em segundo lugar, cada líder de célula deve


discipular dois ou três membros com potencial de liderança para manter
o número de auxiliares mais alto que a necessidade imediata de líderes.

Sem líderes novos, não pode haver multiplicação de células. Por fim,
deve haver uma sensação constante de urgência para que todo membro
da célula possa ganhar alguém para Cristo dentro dos seis meses de vida
do grupo. Se o evangelismo não for considerado o propósito primário, o
grupo pára de crescer e morre.

4.2 - O papel do pastor

Para David Kornfield (1995, p.44), "através dos grupos familiares a


sobrecarga pastoral é tirada, havendo uma melhor distribuição de funções
que anteriormente, eram somente responsabilidade do pastor titular." É
isto que faz uma igreja em células florescer; o
papel da liderança da igreja é ajudar seus
membros a identificar os seus dons e integrá-
los em ministérios apropriados.

Quando Paulo e outros autores da


Bíblia falam sobre a função do bispo, eles
estavam falando sobre o nível principal de
liderança, líderes que poderiam certamente
requerer qualidades de liderança
adicionais. Este é então, mais um beneficio
digno de ser mencionado, pois, nesta estrutura, a liderança vem de
dentro. Líderes de células prósperos passam a supervisionar e crescem
em funções.

Em vez de o pastor visitar, atender, alimentar, disciplinar e servir a


todos, perpetuando o clericalismo - e, geralmente, não dando plena conta
do recado - o corpo edifica o próprio corpo (Ef 4.15). O pastor treina,
capacita e se multiplica através das ovelhas.

165
A contextualização da igreja de Cristo

4.3 - Liderança

Há um caminho de treinamento que leva todos os novos convertidos


e os membros das células existentes a um nível de maturidade no prazo
de um ano. O líder da célula seleciona um ou mais membros para se
tornarem auxiliares, para, mais tarde, conduzirem um novo grupo. Uma
vez que o tamanho máximo foi alcançado, a célula se multiplica em
dois novos grupos de sete ou oito pessoas, que repetem o ciclo. Cada
membro precisa estar envolvido em treinar outros. O sistema
"discipulador-discípulo" é muito eficaz em criar o vínculo entre o novo
membro e a célula, especialmente com uma pessoa da célula que se
dispõe a ajudar.

Como já existe disponível em língua portuguesa farta literatura sobre


este modelo eclesiástico de ser igreja, ficamos por aqui. A limitação de
espaço não nos permite esmiuçar neste capítulo todos os detalhes e
estatísticas sobre o movimento de igreja em células. Mas, para finalizar
de forma prática, é com humildade e senso de limitação que
apresentamos a seguir a nossa experiência na Igreja Batista do IBES
em Vitória, ES, sem a pretensão de ser modelo, mas, sim, de poder
abençoar outros.

5. A experiência da Igreja Batista do IBES, Vitória, ES

Nossa missão

"Ser e fazer discípulos de Jesus Cristo para a glória de Deus no


poder do Espírito Santo"

Nossa visão

"Ser uma igreja viva e relevante que prossegue no ideal de


glorificar a deus no templo e de casa em casa alcançando pessoas
para Cristo e levando-as à maturidade e à liderança."

166
Capítulo 10 — Igreja em células — Um processo contínuo de formação e transformação

Nós acreditamos que a igreja precisa glorificar a Deus cumprindo sua


missão de FAZER discípulos de Jesus Cristo. Isto requer de cada um o
comprometimento de SER discípulo. Mas é necessário um processo claro,
simples, que vai além da informação via sermão. Sentimos a necessidade
de TER uma visão clara sobre a relevância da igreja para hoje. Nossa
visão nasceu a partir da dependência de Deus, percepção das necessidades
da comunidade a nossa volta e da vocação e herança de nossa igreja.

A Igreja Batista do IBES (Instituto de Bem Estar Social), localizada


em Vila Velha, ES, está em pleno processo de transição para uma igreja
em células, de geração integrada no modelo G5 sugerido pelo Dr. Ralph
Neighbour Jr.

Hoje temos 20 células com média de 20 pessoas cada, estruturadas


em quatro subcongregações, cada uma com 05 células. Cada membro
está orando e trabalhando para ganhar pelo menos uma pessoa para
Cristo para multiplicar sua célula em oito meses. Todos os membros das
células recebem capacitação e acompanhamento sistemático para
alcançar pessoas para Cristo. Semanalmente cada célula recebe uma
carta pastoral com as perguntas de aplicação do sermão do domingo.
Os líderes recebem instruções práticas quinzenalmente e prestam contas
semanalmente através de relatórios detalhados que possibilitam o
acompanhamento sistemático de cada célula pelo pastor da igreja e pelos
ministros de tempo integral.

As células são de geração integrada promovendo assim o amor, o


cuidado e o respeito entre as gerações, cuidando para que os mais velhos
sejam amados e respeitados pelos mais novos. As crianças são valorizadas
no mesmo grau de importância dos adultos; elas recebem conteúdo bíblico
através da EBD, e os pais são treinados para que ensinem os valores e os
princípios bíblicos para seus filhos nos lares. O ministério de música zela
pela manutenção de cultos equilibrados com ampla participação dos corais
e da prata da casa. O ministério da pregação enfatiza um princípio bíblico
por semana, que é cobrado e aplicado no encontro semanal da célula.

167
A contextualização da igreja de Cristo

Deus começou a nos preparar para a transição através de um processo


de mudança de valores por meio dos grupos pequenos de Conhecendo a
Deus e Fazendo a Sua Vontade. Quando tivemos conhecimento da visão
da igreja em células, em março de 2000, entendemos o que Deus vinha
fazendo e tivemos então a confirmação de que ele realmente estava (e
está) sempre trabalhando ao nosso redor e nos convidando para nos
juntarmos a ele.

A Igreja Batista do IBES tem um passado do qual pode se orgulhar.


Pastoreada pelo Pr. Teopompo Bispo da Silva ao longo de 33 anos, ela foi
preparada para viver o que está vivendo hoje, sem traumas nem divisões.
Deus usou o seu servo de modo significativo, e temos uma divida de gratidão
permanente com este servo de Deus, que soube honrar o ministério pastoral.

Na busca de melhorar o nosso jeito de "ser igreja", examinamos


diversas propostas como: "Rede Ministerial", "Igreja com Propósitos",
"O desenvolvimento natural da Igreja" e "Igreja em Células". Após muita
leitura, oração, diálogo com a liderança e reflexão, chegamos à conclusão
de que a alternativa apresentada por Ralph Neighbour Jr. sintetizava as
demais, atendia ao nosso anseio e era a melhor opção para o nosso
contexto. Na verdade, exploramos o melhor de cada proposta e
aprendemos com todas elas.

Após esta decisão, começamos uma série de pregações, estudos em


grupos pequenos e pastorais no boletim, explorando o conceito de "uns
aos outros", visando intensificar e aprofundar os relacionamentos na igreja.

Depois de participar dos módulos do "Ano da Transição" do ministério


de "Igreja em Células" de Curitiba, iniciamos, em setembro de 2000, a
transição com duas turmas com 30 pessoas cada. Incluímos o pessoal de
tempo integral, líderes, diáconos e influenciadores-chave, todos preparados
para viver a vida de célula e liderar a igreja de acordo com os valores de
uma igreja em células. Hoje temos cerca de 330 pessoas vivendo em células,
nos lares. A igreja tem cerca de 750 membros. Nosso alvo é fazer a

168
Capítulo 10 — Igreja em células — Um processo contínuo de formação e transformação

transição de modo pacífico, com fidelidade doutrinária, respeito ao


passado, de modo frutífero, sistemático e sem pressa.

Já podemos observar as grandes mudanças que o Senhor tem feito no


modo de viver de cada um de nós. As ações e atitudes das pessoas são
diferentes e observáveis a "olho nu". Os relacionamentos foram
aprofundados e intensificados. Há um desejo sincero e intenso de servir
uns aos outros e ao Senhor.

O tempo de vida na célula tem os seguintes propósitos intencionais:


Glorificar a Deus de casa em casa, alcançar pessoas para Cristo, despertar
e promover a maturidade cristã, cuidar uns dos outros, descobrir e capacitar
liderança.

Em nossos corações sempre houve um anseio por uma igreja que


fosse realmente viva e relevante, não só para os seus membros, mas para
a comunidade como um todo, levando-nos, na dependência do Senhor, a
buscar uma alternativa eclesiológica - um jeito melhor de ser igreja.

Nesta busca procuramos abrir as portas da igreja para a comunidade


através do Ministério Comunitário Cristão. Em parceria com a Universidade
Federal do Espírito Santo, iniciamos um curso de inglês para a comunidade,
com baixo preço e alta qualidade. O superávit deste curso (média de 1.540
alunos por semestre) deu-nos a possibilidade de contratar uma Assistente
Social e uma Psicóloga para trabalharem na igreja em tempo integral a
serviço da comunidade. Isso possibilitou-nos o desenvolvimento de um
grande número de projetos sociais, o que nos faz acreditar que estamos no
caminho para nos tornar uma igreja viva e relevante.

A igreja tem parcerias com as prefeituras de Vila Velha e de Vitória,


com o Batalhão de Policia Militar local, com a Junta de Ação Social da
CBEES, com a Secretaria de Justiça do Estado, com Casas de
Recuperação e com uma Academia de Judô. Hoje já temos campeões
estaduais de judô entre as crianças que são atendidas pelo Centro de Apoio

169
A contextualização da igreja de Cristo

à Criança e ao Adolescente. Mantemos também em parceria os seguintes


sistemas comunitários: Escola de futebol, Reforço escolar, Atendimento
psicológico à comunidade, Oficina de poesia e uma Escola de informática.

Nós queremos cumprir a nossa missão de:

"ser e fazer discípulos de Jesus Cristo para a glória de Deus no


poder do Espírito Santo".

Bem como alcançar a visão de:

"ser uma igreja viva e relevante que prossegue no ideal de


glorificar a Deus no templo e de casa em casa alcançando pessoas
para Cristo e levando-as à maturidade e à liderança".

Cientes de que para tal, é preciso muita oração, embasamento bíblico-


doutrinário, planejamento estratégico, diálogo e muito trabalho.

170
Capítulo 11

Igreja em células

Investindo em relacionamentos

Pastor Joarês Mendes de Freitas

Relacionamento é a maior necessidade do ser humano. Do nascimento


até a morte, cada pessoa, consciente ou não, empreende uma busca
constante por relacionamentos. Foi assim que Deus nos fez. Não fomos
criados para o individualismo, para uma vida centrada no ego. Nossa origem
aponta na direção da convivência, do vínculo e da aproximação. Toda a
história da revelação confirma isso. Deus está sempre buscando trazer
para junto de si a criatura fugitiva que, maculada pelo pecado, julga bastar-
se e assim se toma cada vez mais infeliz.
A contextualização da igreja de Cristo

Quando olhamos para a cruz de Jesus Cristo, percebemos que


relacionamento é a agenda de Deus. No símbolo maior do cristianismo há
duas vias. Por ali transitam a graça divina e a necessidade humana, e nesse
reencontro acontece o milagre da salvação. Por outro lado, a mesma
realidade que liga as pessoas a Deus também nos aproxima uns dos outros.
Essas duas dimensões do relacionamento são inseparáveis.

Por quase toda a minha vida tenho crido na centralidade dos relacionamentos,
mas após 17 anos no pastoreio, cheguei a perceber bem claramente que, na
prática, nem eu nem a igreja onde sirvo investíamos intencionalmente o melhor
do nosso tempo e dos nossos recursos nessa visão. Foi aí que Deus nos colocou
numa caminhada de mudança de foco, onde as instituições servem às pessoas,
as estruturas favorecem os relacionamentos (na prática) e o estilo de vida (o que
sou) está acima do desempenho (o que faço).

Esta é uma estrada que tem subidas e descidas, asfalto primoroso e


trechos esburacados, retas fascinantes e algumas curvas perigosas. Mas
esse é o rumo de Deus para nós e isso é tudo. Quero compartilhar algumas
etapas dessa experiência:

1. Identificando o nosso problema

A Igreja Batista em Jardim Camburi é um povo muito especial. Tem


18 anos, 1000 membros, e seu templo fica numa área de classe média.
Quando olhamos a história dessa igreja, encontramos dezenas de motivos
para agradecer a Deus e reconhecer o trabalho realizado com extrema
dedicação por várias centenas de pessoas desde a sua fundação; no entanto,
se considerarmos o potencial da igreja e da região, concluímos que
poderíamos ter ido muito além de até onde chegamos. Por que não
avançamos mais? Essa foi a pergunta que fizemos. Na busca da resposta,
algumas questões ficaram bem claras: superficialidade dos relacionamentos
pela falta de convivência; dificuldades em identificar problemas a tempo
de antecipar soluções; alta rotatividade no quadro de membros (porta larga

172
Capítulo 11 — Igreja em células — Investindo em relacionamentos

nos fundos); quase ausência de evangelismo pessoal e daí a difícil integração


dos novos convertidos; conflitos entre pessoas gerados em torno de
atividades e eventos; prática de pastoreio quase que exclusivamente pelos
pastores da igreja; falta de vínculos fortes entre os crentes, com os incrédulos
e da igreja com a comunidade; ministérios institucionalizados ou
departamentalizados, o que os tornava impessoais e estanques. Diante
dessas evidências, foi fácil perceber a necessidade de mudanças para
alavancar o crescimento em profundidade e em quantidade. O que fazer?

2. Formando a consciência

Em toda igreja há pessoas para quem tudo está sempre bom, outras
que acham tudo errado sempre, mas lá estão também aquelas que estão
dispostas a pagar o preço de mudar para melhor. Estas pessoas farão a
diferença.

Normalmente nos envolvemos numa empreitada quando estamos


conscientes de sua necessidade e de sua viabilidade. Por isso,
começamos com um pequeno grupo (não formal) para oração e
compartilhamento semanal, visualizando no sistema de células proposto
pelo Dr. Ralph Neighbour Jr. uma alternativa interessante para o nosso
caso. Paralelamente, o currículo da Escola Bíblica Dominical, de outras
organizações e da pregação foi ajustado como ferramenta para essa
formação de consciência. Enquanto isso, aquele pequeno grupo foi se
ampliando e incluindo muitos líderes da igreja. A pergunta que
tentávamos responder era: o que Deus deseja para essa igreja a partir
da minha vida? E assim nós começamos a ajustar nossas próprias vidas
e ministério à luz do que estávamos visualizando. Esse é sempre o
começo.

3. Desenvolvendo os valores

De um modo geral, nossas atitudes refletem os valores que adotamos


como norma para a vida; assim, na liderança, devemos antes trabalhar valores

173
A contextualização da igreja de Cristo

do que propriamente o comportamento das pessoas. Quando os valores são


mudados, as prioridades são ajustadas e as atitudes também. Com essa
compreensão, o conteúdo oferecido pela igreja passou a privilegiar um conjunto
de princípios fundamentais da vida cristã, e, ao mesmo tempo, estamos criando
condições para que eles sejam checados na prática do dia-a-dia.

Em setembro de 2001, adotamos alguns sinalizadores como referência


para nossa caminhada. São as seguintes afirmações:

1.0 evangelismo é um estilo de vida que alcança pessoas através de


relacionamentos construídos intencionalmente, onde os valores do reino
são ensinados pela convivência regular, segundo o modelo de Cristo, rumo
à maturidade.

2. A mutualidade, como mandamento bíblico, faz cada membro


responsável pelo outro, para amá-lo incondicionalmente e acompanhá-lo
em suas necessidades.

3. O discipulado dentro de cada célula liga um membro mais


amadurecido a outro que está iniciando sua jornada de fé, visando treiná-
lo no conhecimento e na prática diária da Palavra de Deus, até ser capaz
de reproduzir o processo com outra pessoa.

4. A liderança se desenvolve a partir do compromisso com os valores do


reino, expresso e reconhecido inicialmente na célula, observando as evidências
da chamada divina, seguindo um roteiro prático - teórico que envolve
primeiramente a vida e depois o desempenho, sob permanente avaliação.

5. A estrutura tem duas dimensões, ou seja, os pequenos grupos e a


celebração semanal com toda a igreja. As duas são indispensáveis, e cada
uma cumpre propósitos específicos (funções do corpo).

6. O crescimento natural da igreja é resultado de um transbordar da


vida com Deus, que alcança outros para o reino; assim, cada membro

174
Capítulo 11 — Igreja em células — Investindo em relacionamentos

evangelizando e discipulando, a célula se multiplica pelo menos uma vez


por ano, com novas pessoas que são unidas à igreja.

7. A autoridade de Cristo faz dele a referência mais elevada para a


vida e o ministério de cada membro. Desta forma, tudo deve partir dele e
convergir para a glória dele.

8. A Bíblia, como regra de fé e conduta, é aberta em cada encontro


do pequeno grupo, e o texto usado na mensagem do domingo é trabalhado
do modo mais prático e pessoal possível. O resultado é que todos os
participantes são edificados por Cristo, através uns dos outros.

9. O "quarto de escuta" não é uma opção, mas um chamamento de


Deus, que deseja ter comunhão com seus filhos. Cada novo discípulo de
Jesus é ensinado, fortemente encorajado e apoiado para ter uma vida
comprometida com a prática da oração.

10. Os eventos ocasionais realizados com a igreja toda, através de


grupos etários ou congregações de células, são oportunidades para colher
o que está sendo semeado diariamente pelos membros nos seus
relacionamentos e nos encontros da célula cada semana.

11.A transparência, a aceitação e o perdão no trato uns com os outros


são conceitos bíblicos reconhecidos como norma para cada pessoa no
corpo de Cristo.

12.Sendo uma comunidade de servos, o exemplo de Cristo impulsiona


cada pessoa no serviço prático em favor uns dos outros.

É uma lista ainda incompleta, mas muito valiosa como balizamento


para a nossa caminhada. Mas, como implementar isso?

4. Repensando a estrutura
Enquanto os princípios da palavra de Deus são eternos e imutáveis,
as estruturas que usamos precisam ser flexíveis, uma vez que

175
A contextualização da igreja de Cristo

representam meios, instrumentos para viabilizar propósitos. As


estruturas não são um fim em si mesmas. Quando isso acontece temos
um problema.

Há alguns anos, li uma estória que me causou grande impacto quanto


ao risco de a igreja perder a visão sobre a importância das pessoas.

Em resumo: havia um posto de salvamento numa costa onde ocorriam


constantes naufrágios; era algo bem simples com apenas um barco salva-
vidas e um grupo de voluntários, pequeno, porém extremamente dedicado.
Muitas vidas eram salvas pela equipe daquele posto que acabou se tomando
famoso. Com isso, outras pessoas sempre queriam se associar contribuindo
com tempo e dinheiro, o que de fato ocorreu.

As coisas mudaram: novos barcos, treinamento especializado, novo


local, equipamentos; o posto agora tinha a cara de um clube. Alguns ainda
se aventuravam na tarefa de salvar vidas, mas logo foram substituídos por
pessoas contratadas para o serviço. Certo dia, um naufrágio de grandes
proporções gerou excesso de atendimento no posto, pessoas com frio,
semi-afogadas, sujas, doentes eram trazidas, e o "clube" virou um caos. O
desconforto era total.

Dias depois, os membros do clube em sua maioria decidiram acabar


com as ações de salvamento para não prejudicar a vida social do clube.
Protestando, alguns disseram: "somos um posto de salvamento", mas foram
vencidos e aconselhados a iniciar um novo posto, mais abaixo na costa e
assim fizeram...

Anos mais tarde, a estória se repetiu e o novo posto virou clube...


outro posto surgiu... e a história novamente se repetiu.

Assim, diz o autor da parábola, Theodore Wedel: "naquela costa há


vários clubes exclusivos... naufrágios continuam acontecendo, e muita gente
morre afogada."

176
Capítulo 11 - Igreja em células - Investindo em relacionamentos

Essa é a questão. A igreja só tem relevância quando é canal da graça


de Deus para as pessoas do seu contexto nele está inserida e toma parte
do seu cotidiano. Desse modo, na avaliação que fizemos, ficou claro nosso
problema: tínhamos um bom sistema de "atacado", cultos alegres e
dinâmicos, boa música, muitos visitantes, mas sem uma estrutura de
pequenos grupos que provesse a igreja de ambiente para comunhão,
edificação, cuidado mútuo, evangelismo relacional e prestação de contas.
Assim, no nosso caso, o sistema de células pareceu a melhor alternativa.
Com isso, sem desmontar de uma vez a estrutura antiga, iniciamos o processo
de treinamento específico e implantação do sistema. Hoje são 27 grupos
em 3 subcongregações em funcionamento, envolvendo quase um terço da
membresia.

Nossos ministérios corporativos se tornaram braços que alcançam a


comunidade num convite para relacionamento. E assim, por exemplo com
o curso de línguas (uma boa idéia do meu amigo, Pr. Jésus Gonçalves) que
recebe hoje 1.250 alunos, da casa de apoio a dependentes químicos, e
outras iniciativas que geram aproximação entre a igreja e seus vizinhos.
Aumentando-se os relacionamentos, é lógico, surgem os conflitos. Como
lidar com eles?

5. Administrando os conflitos

O mais provável, quando mudamos alguma coisa, é que haja algum


tipo de conflito. Sair da área de conforto não é fácil, daí as resistências.
Creio que o fator preponderante aqui é como as mudanças são feitas, o
que pode (e deve) ser alterado de imediato e o que demandará cuidadosa
preparação. Em nosso caso, definir isso foi de grande ajuda.

Relacionamentos por sua natureza, quanto mais profundos, mais


desafiadores. Uma igreja em que a maioria se vê apenas na celebração
dominical, onde não existe convivência, os conflitos talvez não se revelem.
Quando essas pessoas começam a experimentar a comunidade, a viver a
mutualidade, inicia-se um processo de "descobertas", as diferenças são

177
A contextualização da igreja de Cristo

expostas, as virtudes e os defeitos aparecem, máscaras usadas por muitos


anos diante do "respeitável público" agora não se sustentam e então os
conflitos aparecem. Mas isso é ótimo! São as "dores de parto" de uma
nova realidade, a igreja corpo, família, historicamente tão falada, mas pouco
experimentada. Por outro lado, alguns podem se sentir ameaçados pelo
novo sistema, porque têm medo de expor sua individualidade, não
conseguem confiar nas outras pessoas ou têm dúvidas sobre a validade da
experiência.

Conflitos devem ser resolvidos, não ignorados, e os líderes precisam


saber lidar com eles de modo eficaz:

- Em primeiro lugar, é necessário apresentar exaustivamente as bases


bíblicas para a mudança;

- Em segundo lugar, tornar a proposta clara ao máximo para todos os


interessados (não deve ser algo compulsório), mostrando sua funcionalidade
para a vida das pessoas e da igreja; são necessários também muita paciência
e nenhum dogmatismo com os resistentes, mas sempre concentrando o
foco prioritariamente nos que estão mais receptivos.

- Por fim, é preciso administrar cada conflito dentro do seu contexto,


não fazê-lo parecer maior nem menor do que realmente é.

Com amor incondicional, transparência e perdão mútuo, o conflito é


resolvido, e as pessoas saem dele um pouco mais amadurecidas.

6. Celebrando os feitos de Deus

A Igreja Batista em Jardim Camburi tem sido uma boa igreja, mas
está se tornando melhor:

a) Pela misericórdia de Deus há muita gente chegando para cada um


dos três cultos dominicais;

178
Capítulo 11 — Igreja em células — Investindo em relacionamentos

b) algumas centenas de membros estão se relacionando como


parceiros de caminhada e vivendo efetivamente a vida "de corpo" nos
encontros semanais;
c) dezenas de líderes em treinamento e com alta motivação estão
servindo no cuidado com as ovelhas de Cristo;
d) os ministérios corporativos estão construindo pontes de
relacionamento entre os moradores da região e a igreja através do serviço;
e) cada batismo de novo convertido é uma festa porque há vínculos
fortes de convivência e discipulado entre a pessoa e sua célula;
f) muita gente está orando pelos incrédulos de seus relacionamentos e
praticando intencionalmente o evangelismo por amizade.

Creio que estamos um pouco mais próximos da igreja que Deus deseja
venhamos a ser.

179
Capítulo 12

Igreja em células

Células com DNA batista

Pastor Gilson Breder

1. Uma experiência que está dando certo!

Em vinte e um anos de ministério pastoral, nunca experimentei nada


tão simples e eficiente ao mesmo tempo. Em três anos e meio de
processo, nossa equipe pastoral tem descoberto inúmeras vantagens
dessa modalidade de atuação. Graças à misericórdia de Deus, até o
momento, não tivemos um caso sequer de desvio doutrinário,
desagregação ou insubmissão à liderança pastoral. Ao contrário,
A contextualização da igreja de Cristo

estamos vendo um exército de homens e mulheres, tanto adolescentes


como pessoas da terceira idade, cada vez mais comprometidos com
um estilo de vida contagiante, descobrindo e utilizando seus dons
espirituais a bem da glória de Deus, do ministério da igreja local e de
missões.

2. Por que DNA batista?

a) Porque somos norteados pelos princípios distintivos dos batistas.


b) Porque somos orientados biblicamente pelas doutrinas batistas.
c) Porque mantemos a direção da igreja pelos valores eclesiológicos
batistas.
d) Porque prestamos contas mensalmente à Assembléia Geral da igreja.
e) Porque mantemos nossos estilos de cultos exatamente como eram
antes das células.
f) Porque fazemos das células um meio de crescimento qualitativo e
não um fim em si mesmo.

3.0 que é célula para nós

3.1 - Do ponto de vista estratégico

a) Não é a visão da igreja, pois a visão é bem mais ampla e abrangente.


b) Não é o ministério, pois todos os ministérios da igreja podem
utilizar células.
c) É um instrumento para ajudar a igreja a cumprir a sua visão e
missão.
d) É um meio eficaz de integrar novos convertidos e novos membros à
igreja.
e) É um meio eficaz de promover a comunhão entre os crentes.
f) É um meio eficaz de ajudar os pastores no cuidado do rebanho.
g) É um meio eficaz de fazer evangelização por amizade.
h) É um meio eficaz de criar ambiente propício para o discipulado
formal e informal.

182
Capítulo 12 — Igreja em células — Células com DNA batista

3.2 - Do ponto de vista funcional tem trazido muitas vantagens

a)Ninho de amor para os novos convertidos - melhoria na integração.


b) Maior alcance da evangelização fora do sistema pulpitocêntrico.
c) Condição mais favorável para a aplicação dos mandamentos
recíprocos.
d) Oportunidade de crescimento dos crentes - uso dos dons espirituais.
e) Estrutura leve - alternativa para o peso dos cargos eclesiásticos.
f) Treinamento simples e constante - tarefas mensuráveis.
g) Aprendizado por modelo - auxiliar hoje, líder amanhã.
h)Maior mobilização do povo diante de desafios: missões, ação social etc.
i) Transferibilidade de valores com maior alcance — uso de modelo.
k) Maior possibilidade de tornar a vida cristã um estilo de vida.
1) Alternativa para atração de não crentes resistentes à igreja do templo.
m) Possibilidade de os dons pastorais dos crentes serem auxiliares no
cuidado do rebanho.
n) Possibilidade de discipulado com prestação de contas.
o) Aproximação do crescimento qualitativo ao quantitativo.
p) Modo simples de estabelecer multiplicação de vida e estrutura
multiplicante.
q) Envolvimento e desenvolvimento dos crentes em comunidade.
r) Impossibilidade de fugir do discipulado, a partir dos pastores -
agenda submissa.
s) Impossibilidade de fugir da ação social e diaconia - necessidades
são conhecidas.
t) Impossibilidade de fugir do cuidado do rebanho - as situações
emergem.
u) Mais conhecimento do estado das ovelhas para a ministração
pertinente do púlpito.

3.3 - Dados estatísticos

2721 - Membros na igreja, incluindo cerca de 500 pessoas afastadas.


68 - Células ativas (74%). Foram multiplicadas e se mantiveram.

183
A contextualização da igreja de Cristo

24 - Células mortas (26%). Não tiveram sucesso. Os membros


foram recolocados.
838 - Número total de pessoas em células.
568 - Membros da igreja em células (68% das pessoas em células).
268 - Recém-convertidas ou sendo evangelizadas (32% das pessoas
em células).
204 - Líderes diretamente envolvidos: líder, auxiliar e pelo menos
um coordenador.

4. Composição das células por faixa etária

Il. ::41 Ac ma

148 .1 22Q • • 176.: 144

1gt% 21 %':. 1:.:.0%•:: 8% 100%

5. Membros da igreja em células


por tempo de membresia na igreja

6. Células sem cédulas (R$)

a) Tem sido uma experiência de baixo


custo. Basicamente, cópias xerocopiadas.
b) Adquirimos apenas alguns
exemplares de materiais de treinamento para
os líderes.
c) O programa básico das células e seu
conteúdo programático são simplesmente os Célula do Pastor Jonathan

184
Capítulo 12 — Igreja em células — Células com DNA batista

sermões pregados nos cultos, ampliados e adaptados à dinâmica de


pequenos grupos.
d) Fizemos poucos retiros próprios devido às limitações econômicas
dos membros e líderes.
e) Não arrecadamos dízimos e ofertas regulares nas células.

7. Aposentados são bênçãos em células

Até o casal emérito de nossa igreja: Pr.


Jonathan de Oliveira e sua esposa, irmã Alice,
depois de terem passado o cajado da liderança
da igreja, há 11 anos, estão envolvidos em
células. Eles são um sucesso! Agregam e
edificam muitas pessoas; sua célula já levou
Pastor Jonathan e D. Alice,
várias pessoas ao batismo, além de integrar sua esposa
muitas outras. Assim, podemos dizer que
pessoas aposentadas não são descartadas, ao contrário, mostram que
podem ser abençoadoras de outros, num ministério tão contagiaste como
o de pequenos grupos — células.

8. Templo da PIB Campo Grande, MS e sua logomarca

I& IGREJA EVANGÉLICA


BATI STA

185
Terceira parte

Exemplos brasileiros de
contextualização da igreja local
Capítulo 13

Usando a tecnologia como


ferramenta de contextualização
MM Eudes Jansen

Vivemos num tempo em que não podemos escapar ao avanço


tecnológico em nossa vida diária. Em tudo, cada vez mais somos
dependentes da tecnologia. Nós, os mais velhos, ainda temos pensamentos
saudosistas do tempo quando não dependíamos tanto das máquinas ou
dos computadores.

Em tempos passados, (que não estão muito longe) usávamos


gravadores com fitas de rolo, depois chegamos aos long-plays, e poucas
igrejas dispunham de vídeos para comunicar melhor a história bíblica para
A contextualização da igreja de Cristo

as crianças ou para que os músicos assistissem a apresentações de grupos


internacionais.

A geração de hoje vive uma nova realidade, a realidade do rápido, do


instantâneo, das máquinas pensadoras, do videogame de alta resolução,
do DVD, do CD, da terceira dimensão etc. O conhecimento e a experiência
de nossos filhos e netos com a informática chegou a tal ponto que torna
nossa comunicação com eles difícil, até impraticável Nem sempre é fácil
estabelecer um diálogo com a juventude deste novo século.

No tempo dos gravadores e long-plays, as mudanças eram mais lentas.


Hoje, as mudanças são muito mais rápidas, exigindo uma permanente
atualização não só nos equipamentos, mas também nos conhecimentos
técnicos para utilização de todos os recursos disponíveis.

Neste tempo em que a tecnologia é a mola propulsora, está a igreja,


firme, inabalável, levando a mensagem de salvação aos perdidos, moldando
caráter e restabelecendo a ordem natural de Deus. A igreja deste novo
tempo precisa encarar a nova realidade do comportamento tecnológico.
Seus membros diariamente estão expostos e são parte atuante deste
processo, já totalmente absorvido pela velocidade do momento atual.

Diante desta realidade, não podemos continuar com os mesmos


métodos, pois seremos uma ilha no meio do oceano. Os adolescentes de
hoje já nasceram com uma tecnologia
totalmente diferente daquela a que nós, mais
velhos, fomos habituados. As salas de aula,
os equipamentos disponíveis em muitas casas
e todos os múltiplos recursos de informática
fazem com que os adolescentes tenham um
-. . . -.:,. .$.- ,-s,-ssere;
.,. pois „:„:.„, ,„, , , , , código de linguagem totalmente diferente de
seus pais e avós. O que fazer para que a
nossa mensagem se amolde a esse contexto
de comunicação imediata?

190
Capítulo 13 — Usando a tecnologia como ferramenta de contextualização

Precisamos usar as ferramentas deste tempo,


que estão à nossa disposição. Para isso, a igreja i‘ eia deste novo
deste novo século precisa se preocupar em eculo recua se
disponibilizar recursos financeiros para aquisi -o reocu ar em
de novos equipamentos. Precisa também dar onz ilizar recursos
treinamento para os líderes nos diversos ir ancelros para
ministérios, para que possam saber usar o r is* ao e novos
que lhes é disponibilizado. eq amentos.

Nossas mensagens sempre foram


levadas de duas formas: "palavra" e "música". Hoje temos uma
terceira forma que vem reforçar as duas, a forma "visual". Este é um
novo ministério que precisamos desenvolver em nossas igrejas. Uma
imagem vale muito mais que palavras.

A música, quando associada à imagem, tem condições para comunicar


muito mais e fortalecer o conteúdo transmitido. Esta foi a principal diferença
entre o rádio e a televisão no século XX. As crianças e os adolescentes de
hoje recebem as mensagens com som e imagem, tomando muito mais rápido
e fácil o processo de aprendizagem. Os conteúdos se tornam muito mais
significantes quando existe esta combinação.

1. Contextualizando uma igreja


brasileira no contexto americano

A Igreja Batista Brasileira da Bay Area foi estabelecida há um ano, na


Grande San Francisco, Califórnia, USA.

A realidade diária da vida de nossos membros difere em muito da vida


normal de quem vive no Brasil. Os brasileiros que aqui vivem, em sua
grande ou total maioria chegam à América em busca de sonhos, emprego,
recursos financeiros etc. Isto leva a uma vida de trabalho sobrenatural;
trabalha-se de dia, de noite e de madrugada. Diante desta realidade, temos
apenas um culto semanal, aos domingos à noite. Não temos templo próprio,

191
A contextualização da igreja de Cristo

e por isso a igreja americana nos cede sua propriedade apenas para um
culto noturno. Esta não é uma realidade só nossa, mas da quase totalidade
das igrejas brasileiras na América, e a única oportunidade de levar a
mensagem à família reunida. Durante a semana, a nossa comunidade está
espalhada pela Bay Area em pequenos grupos familiares.

Para alimentar esta comunidade com a Palavra de Deus com mais


intensidade, usamos todos os recursos tecnológicos disponíveis. Temos
que ajudar nossos membros em suas necessidades materiais, sociais, afetivas
e espirituais. O brasileiro que chega à América vive um conflito emocional
muito grande. Somos todos imigrantes, estrangeiros, cidadãos sem pátria.
A distância do Brasil traz saudades, ansiedade e vontade de voltar. A
igreja procura ajudar esses cidadãos em todos os seus questionamentos e
não tem como se envolver fisicamente durante uma semana inteira. Com
isso, precisamos utilizar ferramentas de trabalho bastante diferentes das
usadas habitualmente no Brasil.

2. Utilizando a internet diariamente

2.1 - Crescendo espiritualmente

Desenvolvemos a home page da igreja com a finalidade de torná-la


uma igreja virtual, com atualização diária, fornecendo recursos para o culto
devocional diário. Leitura Bíblica e meditação são mudadas diariamente.
Desenvolvemos também um concurso com
perguntas bíblicas diárias e o vencedor
01Pesçnvolvegigff:4 1hom presenteamos com um CD.
geriaagregacona
finalir a .e de orna4 Nossos cânticos estão lá também, para
uma„:1 roi cai que os nossos membros possam adorar ao
atualização: 414-È Senhor em casa.Os pedidos de oração são
èçe recursos inseridos diariamente, e procuramos dar com
ara c1
regularidade a divulgação de todos os nossos
eventos.

192
Capítulo 13 — Usando a tecnologia como ferramenta de contextualização

Os grupos familiares têm sua agenda de estudos, que podem ser


impressas em casa, agilizando a nossa forma de comunicação. Estamos
projetando agora estudos bíblicos semanais, e os grupos serão ministrados
pelo nosso pastor, usando a internet como ferramenta que facilite a
comunicação e proporcione crescimento espiritual.

Nossa mensagem de domingo e nosso louvor também estão lá para


aqueles que não puderam participar do culto dominical. Temos o cadastro
completo de nossa comunidade com os seus e.mails, atingindo
aproximadamente 100 pessoas. Para o contexto americano, onde as
distâncias são geralmente grandes e o tempo de contato pessoal
praticamente inexistente, esta é uma ferramenta fantástica. Através do
computador e da internet nós nos conectamos diariamente.

2.2 - Crescendo socialmente

Outro recurso muito forte para a nossa comunidade é a inserção de


fotos que são tiradas dominicalmente e colocadas diariamente na página.
A cada dia da semana, vamos acrescentando fotos, para manter nossa
congregação em permanente contato com a igreja. Desta forma,
contribuímos socialmente, fornecendo informações visuais até para os
parentes que vivem no Brasil.

Todos os bebês que nascem na igreja têm o seu link dentro de nossa
página, para que todos possam se alegrar
com os pais na América e seus familiares no
Brasil.

Assuntos como venda, troca, ofe-


recimento de trabalho, pedido de emprego,
moradia são usados com muita freqüência.
Esta é uma grande necessidade na
comunidade brasileira na América e a página
da igreja se torna importante na vida da

193
A contextualização da igreja de Cristo

congregação. Hoje a comunicação é muito


uepreparamos mais rápida entre nós, graças a esta
roteiro do culto ferramenta, pois estamos diariamente dentro
ravamos a das casas de nossos membros.
:componente dà
equipeouv 2.3 - Crescendo musicalmente
ser o s
Com relação ao ministério de música, a
tecnologia tem sido fundamental. Como não
dispomos de tempo para ensaios, preparação
etc., transformamos o nosso ministério em ministério virtual. Os membros
de nossa igreja trabalham em horários e locais totalmente diferentes,
impedindo que nos reunamos para treinamento, oração e aprendizagem.

Logo que preparamos o roteiro do culto, gravamos para cada componente


da equipe de louvor um CD , que vai ser o seu ministro virtual. Os cantores têm
a sua voz gravada, e os instrumentistas os seus arranjos específicos, todos
gravados no CD semanal. Desta forma, eles se preparam durante a semana
enquanto dirigem seus carros ou quando estão em casa.

No domingo, uma hora antes do culto, nos reunimos para um único


ensaio em conjunto. Deus tem nos abençoado neste ministério virtual, e os
frutos são percebidos quando sentimos em nossos cultos a alegria da grande
celebração.

Durante um bom tempo não dispúnhamos


de uma banda completa com todos os
músicos. Eram poucos os instrumentistas
disponíveis. O ministro de música era o
regente, o cantor e o instrumentista.
Novamente a tecnologia entrou em ação para
suprir a falta de músicos. Através do sistema
midi, usamos um teclado com computador
interno e, noutras ocasiões, usamos o próprio

194
Capítulo 13 — Usando a tecnologia como ferramenta de contextualização

computador acoplado ao teclado. Assim


fazendo, realizamos o nosso louvor com todo
o peso de uma grande banda, apesar de não rupos fatm tares
termos os músicos. Conforme Deus foi louvar
em lou
mandando músicos para a igreja, fomos s m mais
substituindo instrumentos tocados por ualida em
computador pelo músico que estava as ,reumoe
as à ken() o
disponível, num misto de "ao vivo" e "
máquina". Como aqui a rotatividade de
pessoas é muito grande, em tempos de vacas
magras, viva a tecnologia!

Os grupos familiares podem louvar a Deus com mais qualidade em suas


reuniões, graças à tecnologia. Todos eles possuem um kit que contém as
letras impressas num hinário e um CD com os respectivos playbacks. Os
arranjos são os mesmos que cantamos dominicalmente. Desta forma, a
comunicação é imediata, sem nenhuma dificuldade na execução.

3. Culto contextualizado e comunicação visual

Por último, gostaria de falar sobre os nossos cultos. Além da palavra e


da música, usamos o visual como forte aliado para a comunicação. Todas as
partes do nosso culto têm o seu visual preparado com a devida antecedência,
fazendo como que o culto seja um todo. Usamos um sistema multimídia com
computador , projetor e câmera de vídeo.

Todas as letras dos cânticos e todo o


esboço da mensagem são projetados num
telão. Utilizamos imagens que ilustram as
letras nos momentos de adoração, propor-
cionando melhor comunicação.

Outra grande vantagem de se usar um


sistema multimídia é que não são feitos

195
A contextualização da igreja de Cristo

anúncios durante o culto. Toda divulgação de eventos ou outro tipo de


comunicação são devidamente produzidos e projetados nos 15 minutos
que antecedem o culto, enquanto o povo está chegando, e nos 15 minutos
após o culto, enquanto o povo confraterniza. Esses avisos também são
inseridos na home page da igreja durante a semana.

Muitas vezes este sistema é usado também para fortalecimento das


ênfases da igreja, como por exemplo, missões. Somos uma igreja
missionária e mensalmente produzimos em video o "plantão missionário"
com uma amostra do que os nossos missionários estão realizando nos
campos. Estes clips são inseridos durante o culto.

O vídeo é uma ferramenta fantástica. Já produzimos clips que foram


inseridos durante a adoração, clips que serviram de ilustração para
pontos da mensagem e clips promocionais de eventos da igreja, como
acampamentos, conferências etc. Trinta segundos produzidos num clip
que tenha informações importantes e visualização dos conteúdos de
um modo atraente trazem mais impacto e comunicação do que dez
minutos de propaganda oral. Testemunhos também se encaixam bem
nesta área. Podem ser melhor direcionados e produzidos quando
gravados.

Quando terminamos o culto, já temos em mão a cópia em vídeo,


disponibilizando para os membros a oportunidade de levarem para casa
uma cópia de tudo o que aconteceu, para ser revisto durante a semana
ou para dar de presente a um amigo. Com isso, temos mais uma
ferramenta evangelística e devocional para os brasileiros que vivem
uma realidade de muito trabalho e pouca oportunidade de cultuar no
templo.

Há ainda muitas outras formas de utilização de recursos tecnológicos


que Deus tem colocado ao nosso alcance. Basta dar asas à imaginação e
pedir a sua orientação, para que ele nos mostre as ferramentas e como
usá-las na divulgação do evangelho.

196
Capítulo 14

Alcançando as pessoas
do nosso bairro
Pastor Lysâneas Moura

1.0 que está por trás da Igreja Batista do Morumbi, SP

Jeremias nasceu no interior do nordeste e aos 18 anos veio para São


Paulo em busca de melhores condições de vida. Os R$ 7,00 que ganhava
por dia como flanelinha mal dava para comer. Nos três primeiros meses
conseguia fazer apenas uma refeição por dia. O que sobrava era suficiente
apenas para tomar um banho de vez em quando e pagar um lugar debaixo
de uma escada onde pudesse dormir. Jeremias viveu assim durante 15
anos, até que, um dia, Pedro, que costumava almoçar nas redondezas e
A contextualização da igreja de Cristo

deixar o carro estacionado na rua, sob seus cuidados, deu-lhe de presente


um tabuleiro. Assim, passou a vender doces e salgados no Largo 13 de
Maio. Após 6 meses, Jeremias contratou dois garotos e comprou mais
dois tabuleiros. Um ano depois, era dono de parte de um bar na favela
onde morava. De meio dono passou a dono, da favela desceu para a
periferia. Na periferia também foi dono de bar, comprou uma padaria,
outra padaria e mais outra. Aos 50 anos Jeremias possuía 4 padarias.
Tudo havia começado com Pedro, um cristão que repartira com ele o que
possuía. Nove anos depois que ganhara aquele tabuleiro, os dois homens
se encontraram na igreja que Jeremias freqüentava. Agora Jeremias morava
num bairro de classe média e freqüentava uma igreja de periferia.

Pedro, o benfeitor de Jeremias, conheceu a Cristo numa hora de crise:


sua esposa o havia deixado por outro homem. O divórcio aconteceu seis
meses depois que Pedro descobriu que tinha sido enganado por seu sócio
em uma rede de materiais de construção. O sócio havia alterado o contrato
social, e a empresa estava à beira de uma falência. Num domingo, tomado
pelo desespero, procurou uma igreja evangélica na esperança de receber
ajuda. Logo que entrou no templo foi saudado calorosamente e colocado
em um bom lugar. "Talvez por causa de minha aparência próspera", pensou.
Na hora dos visitantes, sentiu-se constrangido a ficar em pé, dizer seu
nome, de onde era etc. A situação o deixara embaraçado. O sermão versara
sobre dinheiro e como ofertar para ser abençoado. O que Pedro menos
tinha naquele momento era dinheiro, e o que mais precisava era de
acolhimento e direção para seu coração ferido. Foi embora um tanto
decepcionado. Meses depois, sua situação financeira já estava sob controle,
mas o casamento desfeito ainda o amargurava. Nessa ocasião, um amigo
o convidou para ir a outra igreja. Ao chegar foi saudado carinhosamente.
Na hora do visitante, não foi apresentado, mas durante a semana foi
contatado por alguém que orou com ele pelo telefone e marcaram um
almoço durante a semana. A esse encontro seguiram-se outros. Foram
sete encontros no total para estudar a Bíblia e falar sobre as coisas espirituais.
Através desses encontros Pedro conheceu a Cristo e o recebeu como seu
Salvador pessoal. Uma dentre as muitas coisas que Pedro aprendeu na

198
Capítulo 14 — Alcançando as pessoas do nosso bairro

igreja foi investir seu dinheiro no reino e cuidar daqueles que o serviam.
Perto do restaurante onde almoçava havia um rapaz que cuidava dos carros
estacionados na rua. Percebendo a tenacidade com que Jeremias enfrentava
a vida, resolveu ajudá-lo e comprou para ele um tabuleiro de doces e
salgados.

Quando Jeremias conheceu a Cristo, lembrou-se de Pedro e quis


expressar a sua gratidão por ele ter sido bênção em sua vida. Agora Jeremias
podia ver que Pedro havia sido usado por Deus para lhe dar aquele tabuleiro.
Jeremias deixara de morar na periferia há muito tempo, mas continuava
freqüentando uma igreja na região, onde encontrara muitos conterrâneos
seus, que, assim como ele, há 32 anos atrás, chegavam a São Paulo carentes
e desorientados. Procurou Pedro, e este o convidou para assistir a um
culto na igreja que freqüentava. Era uma igreja simples, tinha um louvor
animado e flores artificiais decorando as paredes. Embora o culto tenha
sido longo, e o português do pastor fosse sofrível, a mensagem fora
reconfortante. Enquanto voltava para casa pensou: "o que esta igreja
tem a ver comigo?" Talvez tenha a ver com Pedro, que gosta daquele
estilo de culto...

2. A questão da relevância e contextualização

Esta é uma pergunta que muitos visitantes fazem ao deixar a igreja


depois da primeira visita. Será que vale a pena voltar? O que esta igreja
tem a ver comigo? Na realidade todos nós
ansiamos por um lugar onde possamos ser
acolhidos da forma como somos e no
momento em que estamos.

Assim o evangelho deveria ser pregado.


Uma mensagem que em sua essência
apresenta a pessoa de Cristo numa forma que
atinja o homem no momento em que ele está,
através de uma linguagem que ele entenda,

199
A contextualização da igreja de Cristo

numa atmosfera e ambiente que tenha a ver com o jeito dele. Estas não são
condições sine qua nom para que o evangelho seja eficiente na vida de
uma pessoa. De jeito nenhum. Mas, como líderes de igrejas, se queremos
alcançar o homem de um modo significativo precisamos descobrir de que
maneira podemos apresentar o evangelho de forma relevante tanto no seu
conteúdo quanto em sua forma, para aquele que ouve e para aquele que
queremos alcançar.

Quando o Senhor Jesus falava com as pessoas, ele sempre utilizava


uma abordagem que tinha a ver com a pessoa com a qual ele estava
falando.

Assim foi com Nicodemos. O Senhor Jesus respondeu a Nicodemos


aquilo que ele havia perguntado sorrateiramente. Nicodemos não se
colocava numa posição de necessitado do evangelho, mas o Senhor o fez
sentir-se necessitado e impotente. Só então, Nicodemos percebeu a sua
necessidade de um redentor pessoal.

Também foi assim com a mulher samaritana. Ao focar a conversa na


água do poço, apenas um líquido para saciar a sede, o Senhor a fez sentir
necessidade da água da vida. O Senhor fez isto usando a sua necessidade,
na situação em que ela se encontrava e numa linguagem que ela entendia.

Os milagres que o Nosso Senhor realizou também seguiram este


padrão. As pessoas tinham necessidades e
Jesus tornou sua mensagem relevante na
medida que seu poder supria essas
relevante ara as essoas necessidades. Ele tocou quem precisava ser
que o ouviram. tocado, falou para quem precisava ouvir e
relacionou-se com foi duro com os fariseus, que se negavam a
essoas umes e ,u
ouvi-lo.
erten m, e o e flho
ízÀ.tOcou...naut O Senhor Jesus se contextualizou e foi
erti.signi
relevante para as pessoas que o ouviram.

200
Capítulo 14 — Alcançando as pessoas do nosso bairro

Jesus relacionou-se com as pessoas através de uma linguagem que elas


entendiam, e o evangelho as tocou naquilo que lhes era significativo. Tocou
no conflito e na dor que sentiam. Em geral, as pessoas estão pouco
preocupadas com a morte. Por isso, o evangelho precisa ser pregado de
uma forma que tenha a ver com a vida aqui e agora, com a realidade
daqueles que ouvem a mensagem.

Contextualizar, portanto, é trazer o


evangelho para dentro do escritório e da swasu estão amntas
1100'ifergo, pont conhecer .
cozinha da mulher que é empresária e
s
OS ue::::comprovam,
dona de casa. Contextualizar é trazer o a verop(Me: do
evangelho para a sala da família que está vangel estão
enfrentando uma crise porque o filho momos, ara so et:.;:!se
contou aos pais que é homossexual. evatt
Contextualizar é trazer para a vida do
empresário o evangelho, que o ajudará a
equilibrar as demandas da empresa com
as carências de sua esposa e filhos, que, para falar com ele têm que
marcar hora com a secretária. Contextualizar é mostrar que o
evangelho faz diferença na vida de um homem que acabou de ver a
falência de sua firma ser decretada enquanto sua mãe está morrendo
com mal de Parkinson, e, além disto, ouve sua esposa dizer que não
quer permanecer casada com um esposo falido. Pessoas estão
famintas não tanto para conhecer os fatos que comprovam a
veracidade do evangelho. Elas estão famintas para saber se o
evangelho tem a ver com elas e se funciona quando estão numa situação
como a acima descrita.

3. Contextualizar também pode incluir uma


igreja com um foco em determinada classe de pessoas

Nossos amigos Jeremias e Pedro seguem a Jesus, mas freqüentam


igrejas diferentes. Por que Jeremias não se sentiu bem na igreja de
Pedro?

201
A contextualização da igreja de Cristo

Quando falamos de contextualização


contextualizaç numa igreja, estamos dizendo que
a, estamos dai° "4 podemos contextualizar não somente a
emos contexztu r
end° que forma como o evangelho épregado, mas
rictosomente a orma como
também o ambiente no qual ele é pregado
oargelho grega
com o intuito de alcançar determinada
classe depessoas. Por exemplo — quando
e a can ar etermz apresentamos o evangelho para um alemão
lasse de pessoas
que vive no Brasil, o ideal seria introduzi-
lo numa comunidade evangélica que tenha
o seu perfil. É de bom alvitre verificar se na cidade existe uma igreja
evangélica que tenha cultos em alemão e cujo perfil combine com aquele
amigo alemão que estamos evangelizando. Isto não é preconceito ou
segmentação. Um dos padrões de pensamento que nós evangélicos
carregamos é o de que o evangelho é apenas para o pobre, pelo fato
de uma vez o Senhor Jesus ter dito que é muito difícil para um rico
entrar no reino dos céus. Por isso, tendemos a pensar que o rico não
entra no reino — Que engano! Se levamos nosso amigo alemão para
uma igreja que tenha cultos em alemão para que ele perceba melhor a
mensagem do evangelho, por que não podemos pensar numa igreja
local onde o contexto seja propício para o rico ou para a chamada
classe A ou B?

Na realidade, foi isto que aconteceu com Pedro. Ele não se sentiu à
vontade na primeira igreja que procurou. Nem sempre é assim que acontece.
Quando Deus quer alcançar seja o rico ou o pobre, ele não depende dos
nossos métodos. Mas, ele também nos deu inteligência para pensar sobre
como comunicar melhor o evangelho a toda criatura respeitando a
individualidade de cada um.

Será que não podemos pensar em um contexto onde Pedro possa


ser alcançado? Por que não pensar em um lugar onde ele se identifique
e possa encontrar pessoas com os mesmos problemas e anseios que
ele?

202
Capítulo 14 - Alcançando as pessoas do nosso bairro

4. A classe média não alcançada

Precisamos contextualizar nossas


igrejas para alcançar tanto ricos quanto revisai:1MS contextualizar
pobres, tanto cultos como os de pouca dossa.wregts(p401 alcançar alcan
cultura. Porque tanto o rico quanto o 141110 ricos r i4alioApp At:04 tow
pobre, tanto o culto quanto o inculto, tos coma os copouon
todos eles precisam entender o poder do a( tura, OtUe:::tant&P rico
quanto rçfegto2páruitO,
evangelho numa linguagem que faça quanto inculto, :os eles
sentido e que os afete em seu contexto preeitiMiéntehder o er
de vida. evangel Ifig ..eguagetgque
tçsentido e
Costumamos achar que apenas os seu contexto sele t a.
pobres têm necessidades e que Jesus
morreu apenas pelos necessitados. Que engano! Deus ama a humanidade
independentemente da cor, educação e do valor depositado na conta
bancária. Mas, tendemos a nos esquecer disto. Focamos o individuo carente,
plantamos igrejas nas periferias das cidades e nas regiões menos
favorecidas. Mas, quem vai alcançar os Nicodemos, os Josés de
Arimatéias? As mulheres nobres de Tessalônica e os intelectuais de Beréia?
Quem vai pregar e alcançar os corações dilapidados pela depressão e
pelo medo em Ipanema, no Leblon ou na Barra da Tijuca no Rio de Janeiro?
Quem vai alcançar os corações corruptos dos políticos e das famílias ricas
partidas pelo divórcio nos bairros do Morumbi e Jardins, de São Paulo?
Quem vai envolver-se com os pais transgressores e os filhos dominados
pela droga, que vivem em Aldeota, em Fortaleza, ou Boa Viagem, no
Recife? Quem vai interagir o evangelho com as mentes brilhantes da USP?
Será que o evangelho é somente para a Baixada Fluminense ou para o
bairro da Mustardinha no Recife?

Graças a Deus que no Brasil a história de missões está mudando a


cultura da classe média, que está sendo invadida pelo evangelho, o qual
leva em conta as necessidades e peculiaridades de um povo a fim de ser
relevante para aquela população.

203
A contextualização da igreja de Cristo

Por preconceito ou medo de ser rotulada de elitista, a igreja brasileira


por muito tempo deixou de olhar para a classe média como uma classe
não alcançada.

Parece mais atingir a favela do que o bairro nobre. É mais fácil falar de
Cristo à empregada doméstica do que ao presidente da empresa. Com os
humildes chega-se sempre por cima, como provedor ou como salvador.
Para pregar aos pobres, achamos que não precisamos depender tanto de
Deus,porque somos superiores. Daí surge um questionamento pessoal —
Focamos mais o pobre porque ele precisa mais ou porque esta é uma situação
mais fácil para nós, uma situação em que nos sentimos mais à vontade?

Fica a pergunta: Onde a classe média e a rica irão em busca de salvação


se são discriminados por nós cristãos? Para onde um professor universitário
se voltará quando seu grau "pos doctoral" não o ajudar a lidar com a
morte prematura de sua filha de seis anos acometida de leucemia? Para
onde irá o empresário quando perceber que seu pequeno império composto
por um conglomerado de fábricas de nada serviu para impedir que seu
filho de 17 anos se tornasse usuário e depois traficante de drogas? Onde a
gerente de marketing de uma multinacional irá buscar ajuda quando
encontrar o marido nos braços da empregada doméstica, inculta, feia, sem
atrativos físicos? Para onde vai virar-se uma mãe de 37 anos de idade, que
há 9 anos cuida de uma filha em coma diabética e que por causa disto foi
abandonada pelo próprio marido?

Tanto para o que mora na favela como para o que mora na Avenida
Beira Mar, a resposta é a mesma: - Eles têm somente a igreja como
esperança, pois a igreja é a esperança do mundo, tanto para o rico como
para o pobre.

Mas, por que Pedro não se sentiu bem na visita que fez à primeira
igreja evangélica? E ainda, por que Pedro não se sentiu bem na igreja de
Jeremias? Pedro precisava de um local mais contextualizado com ele
mesmo.

204
Capítulo 14 — Alcançando as pessoas do nosso bairro

A classe média e a rica não têm carência material. Por isto mesmo,
muitas vezes são marginalizadas por nós cristãos, porque achamos que o
evangelho é para os pobres deste mundo. Por isso, não contextualizamos
a mensagem das boas-novas para os ricos, mas que são pobres e
necessitados emocional e espiritualmente. Falhamos quando não nos
preocupamos com o "hoje" das pessoas, com as necessidades mais
profundas do homem. Comumente damos atenção apenas às necessidades
materiais e falamos apenas da vida depois da morte. O pobre tem pouco
tempo para ficar deprimido porque sua preocupação maior é com a próxima
refeição. Por outro lado, o rico, que tem suas necessidades básicas supridas,
precisa lidar com a depressão. Um nega e o outro enfrenta o problema,
mas os dois precisam de ajuda. Um precisa deixar de negar, e o outro,
saber como enfrentar.

Você já pensou em uma igreja que pudesse alcançar a ambos? Uma


igreja que não negligenciasse nem um nem a outro?

5. Desenvolvendo uma igreja que pensa nas classes média e alta

Voltando aos nossos personagens iniciais, seria mais fácil Jeremias ser
alcançado na igreja de Pedro do que Pedro na igreja de Jeremias. Para
Jeremias existem várias igrejas, mas, para Pedro, existem poucos lugares
onde ele se sentiria à vontade para ouvir o evangelho. Por isso, é preciso
entender um pouco o que vai na cabeça de Pedro, um empresário de
classe média.

Primeiro: Pedro acha que precisa mais de um amigo do que de


uma igreja.

Isto ocorre por causa da pressão do mundo intelectual ou mesmo


comercial. Pedro está acostumado a encontrar pessoas que sempre querem
obter alguma coisa dele. Ele conhece muito pouco do que seja um
relacionamento genuíno, no qual ele é querido simplesmente porque é Pedro.
Dificilmente Pedro iria a uma igreja por ser uma igreja. Isto só aconteceria

205
A contextualização da igreja de Cristo

numa crise. Ele precisa ter a certeza de que não será um prêmio a ser
mostrado numa certa igreja como o mais novo prosélito. Ele não quer ser
o projeto de um outro crente. Ele quer experimentar uma amizade genuína
de um cristão. Foi assim que Jesus nos ensinou - ele criava pontes de
ligação com as pessoas. Ele não nos mandou trazê-las para a igreja; ele
nos mandou pregar o evangelho a elas. Mas para que a pregação seja
efetiva, precisa ser precedida de um interesse genuíno pela pessoa. Depois
de ouvir seu amigo cristão falar sobre o que Deus tem feito em sua vida e
sentir que é amado pelo amigo simplesmente porque é Pedro, Pedro vai
estar pronto para atender a um convite para assistir a um culto ou algum
evento na igreja (Mt 28.20; G16.2).

Segundo: Pedro vai ser contagiado por uma adoração viva a


Deus.

Ao entrar na reunião da igreja, um dos grandes impactos que Pedro


vai ter é o fluir do que ele vai chamar não de culto, mas talvez de uma
reunião onde Deus é adorado em espírito e em verdade, embora não
entenda o que estas palavras querem dizer. Mas porque vive numa época
pós-moderna, Pedro quer não somente saber, mas sentir. As músicas
cantadas na igreja têm uma letra compreensível, num português corrente.
Diversas formas de arte são usadas para adornar a adoração a Deus. O
ritmo das músicas pode ser contemporâneo ou antigo, mas os hinos são
dirigidos e cantados com uma alegria que contagia. Os poucos avisos são
curtos e diretos. O período de oração comunica as necessidades reais e
pessoais faladas de uma forma que Deus parece estar ali ouvindo-as. O
discurso, que para os da igreja é o sermão, sai das Escrituras e toca o dia-
a-dia de Pedro. Ele sente como se o preletor já conhecesse sua vida,
como se alguém houvesse contado para o pastor aquilo pelo que está
passando. Durante o sermão, o pregador faz questão de explicar que a
mensagem tem a ver com o cotidiano da audiência. Recursos
contemporâneos de comunicação estavam sendo usados. Havia um
excelente aparelho de multimídia, adequado ao tipo de salão de reuniões.
Ele se sentiu numa atmosfera que nada devia aos recursos de comunicação

206
Capítulo 14 — Alcançando as pessoas do nosso bairro

a que estava acostumado nas reuniões da sua empresa. O tempo estipulado


para o culto foi respeitado, e o serviço terminou na hora planejada (Si 95;
Mt 7.7-12).

Terceiro: Pedro percebe que as pessoas se interessam por ele.

Desde o cumprimento na porta da igreja até o final dos cultos, as


pessoas foram calorosas. Ele passou pelo local de boas-vindas aos
visitantes, e alguém perguntou se gostaria que orassem por ele ali ou depois.
Alguns dias depois recebeu em casa uma carta agradecendo a visita e
informando sobre outras atividades da igreja, para ele e sua família, e um
número de telefone que ele poderia contatar para informações ou outras
necessidades (Gl 6.2).

Quarto: Pedro percebeu que tudo era feito com excelência.

O prédio da reunião tinha uma boa aparência, era bonito e limpo. As


cadeiras eram confortáveis. Os banheiros apropriados para o tipo de
público que a igreja queria atingir, inclusive o papel higiênico que era de
boa qualidade. O boletim impecável no Português. Foi feito o anúncio de
um jantar para pais e filhos, o local e cardápio eram de bom gosto. Não
era nada sofisticado, mas ele não se sentiria embaraçado se trouxesse o
presidente de sua empresa para participar do evento (Rm 11.36; 1Co
10.31).

Quinto: Pedro também descobriu que havia algo para sua família
e não somente para ele.

O noticiário da igreja fazia propaganda e dava informações sobre


reuniões para crianças, adolescentes e casais. Os títulos atraentes chamaram
a sua atenção, e analisando mais atentamente o conteúdo das programações
percebeu que estava em um ambiente onde as pessoas se preocupavam
em dar uma orientação adequada para a realidade que as famílias
enfrentavam. Percebeu também que, se seu casamento entrasse em crise,

207
A contextualização da igreja de Cristo

como o dele de fato estava, poderia encontrar socorro ali. Viu ainda que
temas relevantes como ansiedade, depressão, drogas, sexo etc., eram
tratados de uma forma direta e honesta. Outra coisa que Pedro percebeu
foi que, embora o salão de reuniões ficasse longe de sua casa, durante a
semana poderia estudar a Bíblia com um grupo pequeno de pessoas que
se reuniam no seu bairro (Dt 6.1-9; Ef 5.22-6.4).

Sexto: Pedro percebeu que aquela igreja também tinha uma


"consciência social" .

Na linguagem dele, perceberam? Ao mesmo em tempo que Pedro viu


carros de primeira no estacionamento, viu também ações e propaganda de
incentivo em direção aos pobres. A igreja proporcionava oportunidades
para servir às populações carentes e a se envolver com elas (Tg 2.14-17).

Ao perceber tudo isto, Pedro não viu nenhuma placa naquela igreja
dizendo: "Aqui é um lugar para os de classe média e alta". Não. Apenas
percebeu que aquele lugar era adequado para ele e para sua família. Viu
que tanto o presidente de sua empresa como a empregada de sua casa
poderiam sentir-se acolhidos naquele lugar. Isto é o evangelho
contextualizado e focado em uma classe, mas que pode atingir outras
classes de cima para baixo. Este tipo de mensagem não exclui o pobre,
pelo contrário; um modelo focado apenas no pobre exclui o rico. Mas um
modelo que visa a pregar o evangelho de uma forma relevante em uma
linguagem compreensível, com conteúdo e forma contextualizados, atinge
o rico e o pobre.

6. A Igreja Batista do Morumbi e as classes média e alta

Quando o pastor Ary Velloso iniciou a Igreja Batista do Morumbi


com uma reunião de apenas 5 pessoas, ele tinha duas convicções: Deus o
estava dirigindo para uma obra singular no Brasil. As classes média e média
alta eram classes não alcançadas em nosso país, e o evangelho precisava
ser pregado numa linguagem por eles entendida. A mensagem deveria ter

208
Capítulo 14 — Alcançando as pessoas do nosso bairro

tudo a ver com o momento de vida dos ouvintes, e o local de reuniões


também deveria ser adequado para aquele tipo de audiência.

A Igreja Batista do Morumbi não foi planejada para ser uma igreja de
ricos e excluir o pobre. Não! Ela foi planejada e ainda hoje procura "levar
para o caminho os que estão a caminho" , (declaração da "missão" da
IB do Morumbi), fazendo isto de forma que a classe média e a alta possam
ouvir uma mensagem contextualizada em um ambiente adequado. Um lugar
onde tanto o presidente de uma empresa como um "office boy" sintam-se
acolhidos.

Para isto:

6.1 - A adoração no Morumbi procura ser viva, descontraída e


relevante. Até hoje, por causa da linguagem informal mas séria e prática na
aplicação da Palavra, tanto o "corintiano" como o "palmeirense" encontram
um ambiente de adoração onde prevalece uma liturgia alegre sem ser vulgar
e ao mesmo tempo profunda sem ser rígida. Diversas formas de artes são
usadas no culto e não apenas a música. Os que servem com seus instrumentos
e vozes são ensinados a servirem não como instrumentistas ou cantores, mas
como adoradores e ministradores. Os três cultos dominicais procuram atingir
as pessoas de uma forma relevante e alegre, com suas mensagens e cânticos
que misturam o contemporâneo com o antigo. Um dos cultos dominicais é
planejado especificamente para a proclamação do evangelho àquele que
veio pela primeira vez à igreja (Nenhum aviso é feito, ofertas são colocadas
no gazofiláceo e não se passam salvas. O culto se resume a um período de
louvor de 25 minutos e uma mensagem de aplicação prática do evangelho).
Os outros dois cultos focam mais as necessidades daqueles que já conhecem
a Cristo. O próprio prédio onde a igreja se reúne revela os propósitos da
igreja. O templo é um local onde se pode jogar bola e ao mesmo tempo
receber 1500 pessoas para cultuar a Deus e participar de um banquete
evangelístico. Um local bonito e adequado para receber do presidente ao
"office boy" de uma empresa e para o evangelho ser proclamado sem ter
que se pedir desculpas pela inadequação ou feiura das instalações.

209
A contextualização da igreja de Cristo

6.2 - Os relacionamentos são enfatizados. Cada membro da igreja


é encorajado a criar vínculos de relacionamentos antes de trazer um amigo
à igreja. Assim sendo, este amigo se sente parte de um relacionamento
significativo e não um prêmio a ser conquistado para o evangelho. Esta
amizade cultivada se toma crucial para que o amigo crente seja procurado
nas horas de crise ou celebração; aí, então, o convite para vir à igreja se
toma mais propício.

6.3 - A igreja é encorajada, cada dia mais, a acolher de forma


carinhosa aqueles que a visitam. Dentro do salão de culto existe o
Espaço do Visitante e o Espaço de Oração. Aquele que vem à igreja pela
primeira vez é levado para o Espaço do Visitante e encontra ali o pregador
do culto do qual participou, bem como outros líderes da igreja. Caso ele
queira orar com alguém, haverá líderes da igreja no Espaço de Oração
(este espaço serve tanto aos visitantes como aos membros da igreja). Esta
é uma forma de comunicar que a igreja se interessa por cada pessoa que
chega até ela.

6.4 - A excelência é um dos valores da igreja. Há ainda muita


coisa por melhorar, mas existe na igreja um zelo em fazer o melhor para
o Senhor. O fazer tudo bem feito glorifica a Deus e inspira os homens.
Nos eventos procuramos fazer o melhor para o Senhor, e isso gera
qualidade. As classes média e média alta estão acostumadas com coisas
bem feitas. Por que na igreja do Senhor Jesus seria diferente? Assim
sendo, zelamos pelos locais dos nossos eventos, internos ou externos,
de modo que não precisemos pedir desculpas por uma primeira
impressão mim.

6.5 - Existe zelo em pregar o evangelho de forma relevante.


Estamos sempre perguntando: Como pensa aquele que não conhece a
Cristo? Como podemos tocar na vida deles com este evento ou com esta
mensagem? Como é nosso vocabulário? Ele comunica? Por muito tempo
chamamos nossos grupos caseiros de Koinonias, a palavra grega para
comunhão. Mas se um não crente nos ouvisse falando esta palavra, ele

210
Capítulo 14 — Alcançando as pessoas do nosso bairro

entenderia? Mudamos para uma expressão simples e compreensível: -


Pequeno grupo. O nosso ministério infantil mudou de nome e formato.
Antigamente se chamava Núcleo de Educação Cristã. Agora se chama
Morumbikids. Mudou o nome, mas muito mais, mudou o conteúdo e a
forma de ser para alcançar uma criançada que nem sabe o que é flanelógrafo,
mas domina computadores e vídeogames. Nos encontros de homens ou
de mulheres, a luta é trazer a mensagem para um nível de compreensão tal
que ao levantar da poltrona a pessoa saiba imediatamente como aplicar o
que ouviu à sua vida pessoal. O homem e a mulher pós-modernos estão
perguntando não tanto os fatos a respeito do evangelho, mas estão
perguntando como ele funciona na sua vida. Esta tentativa de ser relevante
vai desde o berçário até os 100 anos de idade. A igreja procura suprir o
anseio por um local onde toda a família possa ser instruída nos caminhos
morais, proporcionando um ambiente agradável onde todos recebam
instrução moral de qualidade.

6.6 - Alcançando pessoas influentes, a sociedade pode ser


afetada pelo evangelho. A Igreja Batista do Morumbi não procura
alcançar a classe média ou média alta simplesmente porque os ricos
são dessas classes. O conceito não é ser uma igreja de ricos. Não, o
que está por trás disso é que, alcançando a classe média e a média
alta, estaremos alcançando formadores de opinião e pessoas influentes
na sociedade. Os princípios do evangelho podem permear a sociedade,
as leis desta cidade e do país. Quando o rico é transformado pelo
evangelho, vai modificar a forma como trata seus empregados. Ele vai
ser mais justo, mais honesto, mais humano com aqueles que o cercam.
O rico, que antes não se preocupava com o lado social da sua empresa,
agora vai zelar por melhores salários e benefícios para seus
colaboradores. Embora vise alcançar pessoas da classe média com
seus eventos, a Igreja Batista do Morumbi desenvolve um intenso
trabalho social na favela ao lado da igreja. Este projeto é o segundo
maior orçamento da igreja. Na realidade, o princípio de o rico servir
ao pobre também se concretiza neste projeto. Ainda há muito para ser
feito, mas os resultados já podem ser vistos.

211
A contextualização da igreja de Cristo

Conclusão

Como igreja local podemos errar por negligenciar tanto o pobre


quanto o rico. No entanto, não podemos, por causa de nosso
sentimento de culpa em relação aos menos favorecidos, concentrar
nossos esforços em apenas um deles. Por causa da visão e convicção
dadas por Deus, podemos fazer escolhas. Entretanto, ao tomar
decisões, guiados por Deus, devemos ter em mente que o evangelho
é tão singular e poderoso que ele não pode ser desperdiçado com
uma forma de pregação que o ouvinte não entenda ou que seja
totalmente desconectado de sua realidade de vida. O evangelho não
afeta a pessoa apenas depois da morte. O evangelho precisa ser
entendido como esperança e mensagem que afeta a vida "hoje", aqui
e agora, daquele que nele crer.

Portanto, a igreja precisa descobrir o caminho de Deus para que ao


pregar em sua comunidade, a mensagem proclamada seja relevante e
contextualizada. A falta de santidade não está na forma mas no conteúdo.
Não podemos adulterar o conteúdo para que ele caiba na forma, mas
podemos achar a melhor forma para que o conteúdo seja entendido por
quem o ouve.

A experiência mais significativa da Igreja Batista do Morumbi não


é ser uma igreja para ricos ou para a classe média. A experiência mais
rica da Igreja Batista do Morumbi é a dependência de Deus em
procurar ser uma igreja relevante para a sociedade na qual está inserida.
A experiência mais significativa da Igreja Batista do Morumbi é procurar
ouvir a Deus e ver como ele quer que sua mensagem seja
contextualizada, a fim de que o evangelho seja pregado numa linguagem
compreensível para quem ouve, de forma que aquele que ouve seja
transformado pelo evangelho. É para isto que a igreja existe: levar
para o caminho os que estão a caminho.

Esta também é a nossa oração por sua igreja.

212
Capítulo 14 — Alcançando as pessoas do nosso bairro

trévis, mut minag,„,

(O Pastor Lisânias para melhor complementar o seu trabalho


trouxe-nos também uma entrevista com o Pastor Ary Veloso, pastor
efetivo da I.B. do Morumbi, entrevista esta feita em 24.10.2002)

1) Pastor, qual a visão que Deus lhe deu ao iniciar a Igreja Batista
do Morumbi?

A visão não veio assim, de repente; foi uma coisa paulatina, que
foi se concretizando pouco a pouco. Às vezes Deus dá uma visão como
deu a Paulo no caminho de Damasco. Em outras ocasiões, ele vai
mostrando pouco a pouco. Algumas vezes você vê algo que já está
sendo feito em algum lugar e percebe que aquilo pode ser aproveitado
em outro lugar. Estas são maneiras de Deus nos levar a ter uma visão.

Quando eu fazia estágio na igreja do Ray Stedman, na Califórnia,


eu comecei a ver que homens da classe média, média alta, estavam
firmes na Palavra, e eu perguntava: Quando é que você foi salvo? Um
dizia há 10 anos, o outro dizia há três meses. Então eu me lembrava que
no Brasil a maioria dos homens, principalmente os de classe média,
média alta, os poucos que nós tínhamos, eram homens que praticamente
nasceram no evangelho. Eu não estava vendo médico alcançando
médico, profissional liberal alcançando outros. Eram pessoas que
nasciam num lar evangélico, muitas vezes até pobre, depois o evangelho
os levava a querer estudar, a crescer, e aí eles faziam uma faculdade.
Foi assim que eu cheguei à conclusão de que no Brasil nós precisávamos
de um trabalho voltado para este público. Comecei a lembrar e ver
que a grande maioria das igrejas, com algumas exceções, trabalhava
com a classe mais humilde. Isso foi ficando bem claro em minha mente,
e eu vi que havia necessidade não de uma, mas de muitas igrejas boas,
fortes e dirigidas para esta classe que tem tudo o que o dinheiro pode
comprar, menos aquilo que o dinheiro não compra, que é a verdadeira

213
A contextualização da igreja de Cristo

paz, a felicidade, aquela alegria interior que independe das circunstâncias


. Foi assim que me veio a disposição e uma visão clara da necessidade
de plantar uma igreja visando à classe média no Brasil. Tanto que a
igreja começou em minha casa, um sobrado na Avenida Santo Amaro,
e eu já fui dando o nome de Congregação Batista do Morumbi, embora
estivesse longe do Morumbi, mas a visão era a de vir e plantar uma
igreja neste bairro, onde não havia nenhuma igreja evangélica.

2) Por que evangelizar os ricos?

a) Porque os ricos também precisam do glorioso evangelho de Cristo.


b) Porque são eles que ditam e dirigem as normas de vida de
nosso país.
Você já imaginou o impacto que causaria em nossa sociedade se
nossos vereadores, prefeitos e governadores fossem pessoas que
"realmente" levassem Deus e sua Palavra a sério? Você pode imaginar
o que aconteceria às classes menos favorecidas, se os empresários de
nosso país conhecessem e vivessem o glorioso evangelho de Cristo?
Qual o impacto na sociedade se apenas um terço dos nossos
professores universitários fossem pessoas comprometidas com a pessoa
de Cristo? Afinal, os ricos também são carentes...

3) Por que o irmão acha que os ricos também são carentes ?

a) Porque eles possuem tudo que o dinheiro pode comprar — casas,


apartamentos, jóias, viagens, iates, carros e até status compram. Mas,
se não tiverem a Cristo, estão na mesma condição do humilde favelado
também sem Cristo e muito abaixo do favelado com Cristo.
b) Porque dinheiro e poder não preenchem o vazio do coração
humano; o rico procura desesperadamente preencher este vazio
buscando a felicidade em festas, compras, viagens, trabalho etc.
c) Porque são pobres espiritualmente e não conhecem o Deus
verdadeiro, por isso estão indo para o espiritismo, desde o espiritismos
mais sofisticado e "filosófico" de Alan Kardec até o "baixo"

214
Capítulo 14 — Alcançando as pessoas do nosso bairro

espiritismo, que faz a galinha preta e a branca sofrerem em uma


encruzilhada ao lado de velas e garrafas de pinga.

4) Por que não evangelizamos mais os ricos e poderosos ?

Razões errôneas para não falar de Cristo aos ricos. Por exemplo:
Má interpretação das Escrituras:

a) Já ouvi sermões baseados em Mateus 5.4 glorificando a


pobreza: "Bem-aventurados os pobres". Foi uma pena que o pregador
não tenha estudado bem o texto em seu contexto. Jesus está falando
ali de uma profunda humildade de espírito que reconhece suas
necessidades espirituais. Nada tem a ver com o pobre no sentido
material;
b) Já ouvi muitos dizerem que é mais fácil passar um camelo pelo
fundo da agulha do que um rico entrar no reino dos céus. Se é assim,
deixa o rico pra lá... Não! Em Marcos 10 Jesus está ensinando que
tanto o rico quanto o pobre não podem salvar-se a si mesmos; é
impossível! Só Deus poderá salvá-los. Afinal, quem é rico? Eu sou
rico comparado com a Tereza, que nos ajuda uma vez por semana na
arrumação da casa. Mas, perto do Roberto Marinho, da Globo, sou
paupérrimo, e Roberto Marinho, perto de alguns homens como Bill
Gates, é um pobretão.
c) Outra razão para nos esquecermos do rico é que desejamos
resultados imediatos. O homem simples é mais fácil de ser abordado,
e logo nossa congregação se enche de pessoas. Mas, por outro lado,
demora muito mais para esta igreja ganhar sustento próprio e
liderança firme.
d) A última razão é que não temos visão de ganhar os homens e
mulheres influentes da sociedade. Nossa mentalidade é negativista —
já partimos para o pressuposto de que o rico não aceita e não quer
saber de nada que se refira a Deus. (Muitas vezes isto é verdade, mas
nem sempre). "A visão gera direção, ordem, devoção". Pense grande,
pense alto.

215
A contextualização da igreja de Cristo

5) Que recomendações o Senhor daria para uma igreja que quer


alcançar a classe média, média alta de sua cidade? O que fazer
para alcançar os ricos ?

a) Primeiro eu começaria com um pequeno grupo, considerando


algumas possibilidades: Se já existe uma igreja organizada, o pastor
deveria ver um casal da comunidade que possui uma casa boa e
sobretudo que tenha uma vida bonita. Então ele deve treinar este casal
para começar um estudo bíblico. Eles convidam dois ou três casais que
comecem a orar por pessoas da cidade, a visitar e fazer convites, não
para vir à igreja, mas para o estudo bíblico. O estudo deve ser bem
informal; nada de começar com coisas muito filosóficas só porque tem
médico ou empresário presente. O médico sabe muito sobre bactéria,
sobre doença, mas de Bíblia ele não sabe nada. O empresário entende
de todo tipo de alvos, objetivos, planejamento, mas de Bíblia ele não
sabe nada. Então tem que começar de uma maneira muito simples:
Olha, esta aqui é a Bíblia, ela tem 66 livros, tem duas divisões: Velho e
Novo Testamento. Nós precisamos primeiro levar a pessoa a ver que a
Bíblia é um livro relevante, pois a maioria das pessoas em nosso país
acredita que a Bíblia é um livro de reza, porque tem o "Pai Nosso" , que
se lê em todo funeral, em toda missa e em todas as reuniões. Tem também
o Salmo 91 e o Salmo 23. Daí deduzem que a Bíblia é muito mais um
livro de "reza" . Então, o primeiro passo é levar as pessoas a verem que
a Bíblia é um livro extremamente pertinente, atual. Fala do
relacionamento patrão e empregado, do relacionamento marido e
mulher, disciplina de filhos, e sobre finanças, não no sentido de dar
dinheiro para a igreja, mas de uma orientação geral para a nossa vida
financeira. Então eu começaria com um estudo bíblico, uma classe bem
informal, todo mundo à vontade: pode vir de bermuda, se é na praia e
pode vir bem agasalhado se é em Campos do Jordão. Mas tudo muito
informal, cafezinho, água para começar o trabalho.

b) Orar — não estou dando aqui apenas um chavão evangelístico


e piedoso. Falo em oração mesmo, para Deus abrir as portas. Orei

216
Capítulo 14 — Alcançando as pessoas do nosso bairro

por um homem milionário um ano antes de conhecê-lo. Hoje somos


amigos e ele está salvo por Jesus e pertence a uma outra igreja batista.

c) Andar com boa e apropriada literatura o tempo todo. Certa vez,


quando estava no aeroporto de Cumbica, em São Paulo, vi Romeu Tuma
(eu já orava por ele). Na mesma hora abri minha pasta e dei a ele "É
hora de investir". Noutra ocasião encontrei-me com Juca Chaves no
avião, sentei-me perto dele e conversamos sobre vários assuntos. Logo
falei de Cristo e também ofereci "É hora de investir". Mais tarde recebi
uma carta dele e logo lhe mandei outro livro em resposta de sua carta.

d) Não perca as oportunidades — Há algum tempo atrás, ao chegar


de viagem li, que Dick Farney ia ser sepultado aqui em São Paulo.
Fui para o cemitério e lá falei no sepultamento dele sobre João 14.6 e
dei livros para o irmão dele, para seu filho e também para Anselmo
Duarte que lá se encontrava. Há muitos anos atrás, soube que o time
do Flamengo estava no aeroporto; aproveitei a oportunidade para
ver um irmão, o Baltazar, artilheiro de Deus, que jogava no time, e
levei 13 livros para os jogadores, entre eles o Zico.

e) Faça uma lista de oração, ore pelo prefeito de sua cidade e


por homens influentes que podem mudar o rumo da história do país.

f) Seja "agressivo" sem ser rude, corajoso sem ser "carola",


persistente sem ser chato ou cheio de "clichês evangélicos". Não ponha
igreja ou denominação no meio (isto só vem mais tarde), somente
apresente a Cristo.

g) Não tenha medo de ser ridicularizado. Muitos corações já foram


preparados por Deus e só aguardam a sua palavra.

Obs.: Parte desta entrevista foi retirada do Jornal Liderança n°


89, Julho/Agosto de 1991.

217
Capítulo 15

Contextualização em
uma igreja centenária

Minha experiência na PIB do Pará

Pastor Elias Teodoro

1. Cada igreja tem a sua história

Cheguei em 1992 à PIB do Pará em Belém, com 50 anos de idade e


com 23 anos de pastorado, tendo feito a seguinte caminhada pastoral:
Saindo de Recife, fui para Caruaru-PE, Ribeirão Preto-SP, Salvador-BA
e Fortaleza, CE. Já fizera parte da história dessas igrejas dos seus projetos,
de onde aprendi muitas lições. Agora, chegava a Belém para um desafio
A contextualização da igreja de Cristo

ainda maior, uma igreja quase centenária.


Completaria 100 anos em 1997, e rica em
experiência. Eu achava que esta igreja com
seu tempo de vida seria um grande desafio
para mim. Como de fato era. Será que eu
vou entender esses irmãos, e eles a mim? De
certo modo eu temia diante da
responsabilidade: uma igreja de CEM anos
para ser relevante hoje! Jamais pensei em
impor nada a qualquer das minhas igrejas. Eu
teria de descobrir com Deus o que seria melhor. Estou convicto de que
não podemos nem devemos subestimar a capacidade das igrejas nas quais
Deus nos coloca. Elas têm muito para nos ensinar.

2. Qual o modelo eclesiástico que eu


deveria sugerir a essa minha nova e antiga igreja?

Vivemos hoje cercados de um sem-número de modelos eclesiásticos


os mais variados e os mais interessantes até aos mais confusos e apelativos.
Muitos com boa experiência em igrejas batistas ao redor do mundo. Embora
não seja contrário à diversidade atual de modelos, preferi me concentrar
no mais simples, no essencial e antigo dessa nossa tarefa pastoral, e deixar
que algum modelo fosse experimentado, daqueles já conhecidos ou mesmo
da simples vontade da igreja. Eu precisaria que Deus me orientasse nesse
caminho. Primeiro, eu queria que ela se fortalecesse e crescesse mais.
Adotar qualquer novidade desde que a igreja disparasse em números nunca
foi o meu desejo. Por isso, o primeiro ano eu gastei conhecendo,
entrevistando, perguntando a líderes, pessoas, adultos, jovens, antigos e
novos: o que Deus quer para nós hoje como igreja?

3. Por onde começar?

As respostas foram enriquecedoras e foram me dando o rumo junto


às orações que eu fazia a Deus pedindo a direção. Eu não queria ser uma

220
Capítulo 15 — Contextualização em uma igreja centenária

repetição de outros lugares. Este era outro lugar e outro tempo. As respostas
mostravam que seria preciso trabalhar no fortalecimento da igreja por meio
de mensagens e estudos bíblicos, pequenos cursos que a levassem a ter
ainda mais prazer na Bíblia, nas suas verdades, nas vitórias e derrotas dos
seus santos; sobre a igreja de Cristo, métodos do Novo Testamento. Fico
feliz que ainda hoje as mensagens mais concentradas na Bíblia são as que
minha igreja mais ama. Também era preciso trabalhar a carência de
comunhão bíblica, trabalhar os relacionamentos pessoais, de lideres, de
famílias e articular a membresia através dos dons de Deus dados a cada
um, permitindo assim, que funcionassem no corpo da igreja local o mais
rápido possível, naquilo que mais gostariam de fazer para Cristo.

Desde o primeiro momento a igreja sabia que eu trabalharia fortemente


com a "família". No primeiro ano, a igreja sentiu vontade de ter respostas
sobre Avivamento bíblico, Capacitação de lideres, Preparo de dirigentes e
pregadores, Orientação na eficiência das congregações, Treinamento de
jovens para várias tarefas na vida e na igreja e Desafio missionário hoje.
Isso era feito enquanto eu via como a igreja atuava, como fora a sua história.
Eu me empolguei com cada um dos lideres que passaram pela PIB, percebi
quem marcou a vida quase centenária dessa igreja, quais foram os pastores
mais bem-sucedidos e em que eles mais acertaram ou não. Devorei a historia
da igreja. Procurei saber tudo do Norte do pais, de Belém, da bela e
empolgante história de Eurico Nelson, esse servo de Deus por quem tenho
um grande fascínio, o "apóstolo da Amazônia".

4. Descobrindo a Primeira Igreja Batista do Pará

Fui conhecendo a igreja no meu inventario; enquanto trabalhava a


base bíblica em busca dos fundamentos, da prática missionária, da
comunhão e do serviço cristão semanal fui começando a encontrar mais
cedo do que pensava uma boa reação. Começamos a nos entender. A
igreja através da sua juventude começou a reagir na área evangelística e
missionária. Uma igreja muito amorosa para com o seu pastor, sua família,
e uns para como os outros, mesmo não sendo perfeita na sua comunhão.

221
A contextualização da igreja de Cristo

Fui conectando com eles naquilo que era seu sonho: servir a Deus. As
propostas bíblicas pregadas foram despertando a igreja para a realização
de projetos para Deus, e nós fomos traçando juntos o nosso rumo. Para
isso, reunimos durante cinco anos a liderança uma vez por ano, para traçar
o perfil de igreja que eles queriam até o ano do centenário e depois traçamos
para além do ano 2000.

Uma igreja onde o Ministério da Música era forte, se fortaleceu ainda


mais com a mobilização de todos os músicos, instrumentistas e regentes
para tudo o que fosse preciso. Surgiram conjuntos e corais para todas as
idades. As organizações através do Ministério de Educação Religiosa se
articularam melhor, incluindo aqui o esporte em nossa quadra, o teatro e
mais recentemente a Expressão corporal e coreográfica. Uma igreja que
se despertou para o Ministério com a Terceira Idade e tem isso como um
fator de amor e serviço a Jesus e valorização dessas pessoas maravilhosas
acima dos 60 anos.

Vi na PIB uma igreja onde a juventude estava pronta a trabalhar bem


como homens e mulheres, adolescentes. E ela foi se fortalecendo nas
mesmas organizações já existentes sem que tivéssemos que mudar nada.
Os cultos não formam mudados, nem a EBD abolida. O avivamento não
veio de recursos como G12 ou outros. Hoje temos cinco cultos ou
momentos de oração com grandes resultados. E temos muito mais leigos
atuando. A igreja se mobilizou mais na Ação Social, e fizemos da igreja um
posto de vacinação e começamos o projeto do "sopão do amor" para as
noites de sextas-feiras em Belém até hoje. As pessoas queriam fazer isso.
Elas pediram para fazer e fizeram, e novos leigos foram surgindo, sendo
treinados imediatamente.

5. Sentimos juntos que Deus estava


nos abençoado em todas as áreas da igreja

A nossa igreja ficou desejosa de experimentar novos rumos sem abrir


mão da maior das tradições: a Palavra de Deus, crida e vivida sem

222
Capítulo 15 — Contextualização em uma igreja centenária

apelações. Os jovens gostariam de expressar o seu louvor a Deus com


mais liberdade no culto, tocar instrumentos de jovens, linguagem de jovens.
E esse era um momento ainda de transição dessa compreensão na igreja.
Mas a igreja foi amorosa e os jovens compreensivos, pacientes e
comprometidos com a Palavra. Eles não queriam um barulho a mais.
Aceitavam a orientação do seu pastor. Queriam fazer o melhor para Deus
na música e no teatro. A igreja queria orar mais. Mas precisava alargar sua
visão missionária de campos e sustento. E graças a Deus alcançamos esta
bênção. Vimos a igreja levantar, e fazer isso até hoje, expressivas ofertas
para todas as missões além do sustento mensal, adotando duas missionárias
no Chile e ajudando no sustento de um missionário na França, além de
termos organizado duas igrejas das nossas congregações e termos hoje
DEZ congregações, entre as quais uma que fica a dez horas de navio, na
região do Marajó.

Deus abriu a porta do Ministério com Surdos e Mudos, e assim nos


tomamos a primeira igreja na cidade a implantar e organizar em nossa e
em outras igrejas esse ministério e vimos surdos serem salvos, batizados e
se casarem em nossa igreja. Hoje lhes damos acompanhamento em
Fonoaudiologia e Psicologia, tendo novos lideres treinados, e achamos
com freqüência leigos dirigindo, pregando nos cultos, assumindo posições
de liderança, e crentes novos sendo mais rapidamente aproveitados pelo
sistema de adesão imediata ao lugar do seu dom na igreja. Nosso lema
hoje é: dentro do primeiro ano, o novo membro deve estar integrado com
outras pessoas e em atuação na igreja, no lugar que ele mais goste ou onde
possa exercer o seu dom. De outro modo, esta pessoa termina indo embora.
As pessoas hoje, queiramos ou não, precisam dessa presença física e
emocional na igreja. Elas não querem uma catedral. Querem uma
comunidade onde possam servir e uma igreja que lhes faça bem, onde
possam sentir mais do que o aperto de mão do pastor, dos pastores, dos
lideres; mas sim a proximidade de cada um deles.

Na festa do centenário, em 1997, a igreja tinha essa sua nova cara.


Não fora encomendada. Surgiu da vontade dos seus membros de se darem

223
A contextualização da igreja de Cristo

mais ao Senhor juntos com seu pastor, pastores e lideres. A igreja sentia e
dizia isso. Pregadores de outros Estados que nos visitaram afirmaram a
mesma coisa sobre a nossa igreja. Foi uma festa de união, muito linda
mesmo, e a essa altura já tínhamos feito as reformas possíveis para aumentar
nosso espaço físico, de classes, de departamentos, que já estavam
pequenos. Os cultos mais especiais requeriam o uso de telão num segundo
auditório. Estávamos na internet com o nosso site. Na comunicação, ainda
fixamos um outdoor, que é o único na Praça da Republica (a principal da
cidade), e é nosso, para divulgação de nossas atividades. Os hotéis exibiam
e ainda têm um cartão com o nosso convite e endereço para os cultos.

6. A nossa experiência de contextualização


mais forte e que nos fez crescer ainda mais

Em 1995 iniciamos o nosso Ministério de Família com a implantação


do Encontro de Casais e dois anos depois o Encontro de Jovens com
Cristo. Queríamos mais que encontros ou eventos. Queríamos salvar as
famílias de Belém. Queríamos restaurar lares da igreja. Queríamos colocar
jovens dentro do propósito de Deus para a família, para que se casassem
com consciência tendo em vista um projeto de vida. Queríamos uma igreja
mais fraterna, mais amiga, mais serviçal. Queríamos que o ministério de
família pudesse influenciar o que já se fazia sem dividir e sem minimizar o
valor dos outros ministérios. A igreja se organizou assim em DEZ ministérios:

P4lavra de Deus Fa miga


EvangelismoèMissoes 7. Finanças
duca ão Relig osa 8 Patrimônio
Música ~ O ação
aq.Sppx.al l0. Vsitaçao

Com a prática do trabalho com casais e jovens por família, nosso


programa de aconselhamento aumentou. Casais foram treinados para apoiar
outros casais, novos líderes surgiram, mais espírito de serviço comunhão e
amor se estabeleceu. A nossa igreja, que era amorosa, ficou ainda mais.

224
Capítulo 15 — Contextualização em uma igreja centenária

Isso nos deu pessoas reconciliadas e novos, muitos novos crentes em Cristo.
Desses, muitos fazem parte da nossa membresia hoje. Nosso convívio
com outras denominações através do Encontro de Casais não representou
perda da nossa identidade, nem perda de membros para outras igrejas.
Esta cooperação foi e tem sido feita com respeito e amor, repartindo
experiência nessa área. Vivemos em permanente "Congresso de Família
na Igreja" porque os casais e jovens são acompanhados em estudos bíblicos
e outras formas de Encontros.

Além desta ênfase, a nossa igreja tem investido em outros excelentes


Congressos de maior peso nas áreas da Música, Evangelismo, Educação
Religiosa, há cada dois anos, bem como no Retiro Anual dos Jovens e no
Congresso de Jovens.

Decidi então abrir a visão do Ministério de família para outras igrejas,


e criamos um programa alternativo para famílias a fim de que cada igreja
do Pará tivesse o seu envolvimento com a família. Os casais e jovens que
foram do início deste Ministério se tornaram condutores da idéia e eles
têm dado testemunho em outros lugares sobre como a igreja pode crescer
em número, espiritualidade e comunhão por meio da ação bíblica na família.
Temos trabalhado essas idéias com os seminaristas através da Disciplina
"Ministério de Famílias", do nosso Seminário Batista Equatorial e através
de igrejas da capital e do interior, por minha ajuda pessoal ou de casais
treinados, temos visto os bons resultados alcançados.

Isso tem sido a mão de Deus.

"Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao teu nome dá glória"

225
!

Capítulo 16

Contextualização e
revitalização
Pastor Rafael Antunes Vieira

1. A experiência da PIB em Casimiro de Abreu, RJ

Deus nos chamou para mudar nossa forma de ação como igreja nesta
cidade.

Durante algum tempo, estivemos fazendo apenas aquilo que era


costumeiro e habitual. Mas Deus, não estava nada satisfeito, e isso fez com
que algumas situações bastante desagradáveis começassem a acontecer. Foi
a partir de então que Deus começou a agir de forma impressionante.
A contextualização da igreja de Cristo

Passo então a compartilhar o que sucedeu:

Estamos em uma cidade de apenas 22 mil habitantes com muitas


carências sociais e com uma igreja muito bem situada em termos de
localização territorial. Começamos a sentir a necessidade de ocupar melhor
nosso espaço e então, pensamos em uma igreja envolvida diretamente
com as questões sociais e com as pessoas que de fato estivessem vivendo
em condições sub-humanas.

Num primeiro momento, Deus nos fez perceber que precisávamos melhorar
o relacionamento entre os irmãos e veio à nossa mente uma mudança: a Escola
Dominical. Passamos a trabalhar com classes mistas onde familias inteiras poderiam
estudar juntas as lições que começaram a tratar objetivamente dessa questão.
O resultado começou a aparecer de forma impressionante, pois percebemos
o quanto precisávamos uns dos outros e que juntos, estaríamos fortes para
enfrentar o pecado.

Em vista do grau de maturidade que alcançamos, experimentamos


promover no mês de janeiro, um período de férias para a Escola Dominical.
A finalidade era proporcionar às famílias da igreja um tempo de lazer e aos
professores um tempo de descanso. A experiência foi tão gratificante que
hoje faz parte do calendário da igreja.

Após este período de treinamento, Deus nos convocou para a ação e


nos fez mudar nossa forma de ver o dinheiro que estava em nossa conta
bancária. O que durante alguns anos estava sendo visto como segurança,
passou a ser usado como fonte de inspiração para realização de grandes
projetos e Deus, de forma especial, começou a cuidar da vida financeira
da igreja, permitindo que todos os projetos fossem executados.

O primeiro grande desafio foi o orfanato. Hoje uma realidade chamada


Casa da Criança. Estão atualmente sob nossa responsabilidade 13 crianças,
que cuidamos como cuidamos de nossos filhos naturais. Não há parceria com
ninguém. Somos nós e Deus, e isso têm nos feito perceber o quanto ele é fiel.

228
Capítulo 16 — Contextualização e revitalização

O segundo desafio foi o ensino secular que hoje é uma realidade: o


Centro Educacional Batista. Com 365 alunos distribuídos entre maternal e
ensino médio, este projeto tem abençoado em muito a vida das famílias
que estão conosco e a nossa vida também, pois já recebemos como
decididos por Cristo algumas famílias de alunos nossos. Ainda dentro desse
contexto, estamos empregando 64 pessoas que tiram daqui seu sustento.
Vale ressaltar que em uma cidade interiorana como a nossa, uma das maiores
carências é exatamente a falta de emprego.

O terceiro grande desafio foi o de tratar da questão de jovens e


adolescentes envolvidos com drogas. Hoje Deus nos tem dado a grande
oportunidade de estar atuando como referência na cidade para as famílias
que se vêem envolvidas com essa problemática e o Projeto "Saia da contra-
mão: Casimiro sem Drogas" é também uma realidade.

O quarto grande desafio, veio com a necessidade de atuar junto às


famílias carentes da cidade. Deus nos trouxe à mente a necessidade de
criarmos um ministério que objetivasse cuidar desta situação. Esbarramos
com um grande problema: dinheiro. Mas buscamos em Deus resposta e é
impressionante como alguns parceiros surgiram dentro da própria igreja e
hoje, atendemos a mais de cem famílias em suas necessidades básicas.

Agora, neste presente momento, Deus nos faz através de profissionais


da igreja o grande desafio de trabalharmos com 150 crianças carentes da
cidade através da prática esportiva, e para isso nos deu uma área de 1.700
m2 anexa ao templo da igreja, para que nosso ginásio pudesse ser construído
a fim de dar condições para que tal projeto se desenvolva.

Durante muito tempo, fomos vistos por alguns como uma igreja que
perdeu sua identidade de batista. Isso porque mudamos nossa forma de
administrar. O que pensamos é simples: o dinheiro que Deus nos dá é para
uso nos projetos que ele indica e não naquilo que imaginamos. Pensamos
que o povo de Deus não pode continuar usando tão mal os recursos que
recebe em suas mãos.

229
A contextualização da igreja de Cristo

A igreja por sua vez, entendeu que é melhor atuar diretamente nas
necessidades básicas de sua gente do que ficar sustentando coisas que
não chegam onde de fato há necessidade. Estamos firmados na Palavra de
Deus e vendo um crescimento fantástico na igreja, sendo um referencial na
cidade onde outras 46 igrejas se fazem presentes.

Somos fiéis à doutrina, cumprimos com nossa responsabilidade missionária,


sustentamos nossos seminaristas e estamos sempre atentos ao que acontece
na denominação da qual fazemos parte. Em função disso, estamos com o
templo aberto o dia inteiro, e as pessoas que passam por aqui, são abençoadas
porque encontram a igreja trabalhando em prol delas e de sua necessidades.

Vale ressaltar que somos independentes de qualquer intervenção do


Governo Municipal, apesar de termos com os governantes do Município
excelente relacionamento.

Deus tem nos abençoado de maneira muito clara e entendemos que


isso tem relação com a visão que temos tido da nossa missão.

Não foi fácil convencer os crentes de carteira e não de coração a


aceitarem essas mudanças. Mas Deus diz que ímpios não suportarão estar
na congregação dos justos. Acreditamos nisso e fomos em frente.

Hoje é impossível pensar na igreja vivendo presa a assembléias


exaustivas, provocativas e improdutivas. É impossível pensar na igreja
perdendo oportunidades por não ter coragem de ousar, e isso foi o divisor
de águas na nossa vida.

Deixo claro que todas as organizações funcionam em nossa igreja e o


que fizemos, foi apenas adaptar cada situação à nossa realidade e aí foi só
ver a chuva de bênçãos que Deus fez e tem feito cair sobre nós.

230
f

Capítulo 17

A igreja subsistindo num


centro urbano sem comunidade
Pastor Miquéias da Paz Barreto

Introdução

Há uma série de valores que cercam a vida de uma igreja estabelecida


num centro velho de qualquer grande cidade. Estes valores devem ser
devidamente estudados para se perceber com clareza quais os caminhos a
seguir, sem se perder o norte da vocação espiritual de cada agência do
Senhor. Os estudos não devem levar em conta teorias meramente
sociológicas e psicológicas, mas, muito mais que estas ciências, o
pragmatismo dos valores que cercam a vida das pessoas que servem a
A contextualização da igreja de Cristo

Deus ligadas a estas igrejas. A questão primordial, portanto, não é o que


os teóricos acham de uma igreja sem comunidade, mas o que as pessoas,
pertencentes a estas igrejas, podem descobrir de valioso para suas vidas e
famílias. Dentro desta visão, que valoriza mais as pessoas envolvidas na
igreja do que as que não vivem a realidade delas, mesmo que tenham o
direito de opinar, nós podemos tentar colocar os valores vividos e
experimentados na nossa comunidade em particular com a finalidade de
acender luzes que possam ser úteis a outros que não tenham conseguido
viver com relativo sucesso a participação numa igreja em centro
metropolitano.

Depois de termos uma noção rápida do conceito de igreja, que nasceu


com o ministério terreno de Jesus e se prolongou com os seus apóstolos,
devemos observar alguns dos valores que estão inseridos na realidade
desses bairros de centro e que somente poucas pessoas tiveram a
oportunidade de viver. Em seguida nós apresentamos uma visão mais
dinâmica da expressão do culto na igreja que tem levado um grande
número de pessoas a desejar permanecer na comunhão dos fiéis. Ainda
vamos estar tratando de uma doutrina bíblica que é essencial à vida,
cremos, de todas as igrejas de Jesus em todos os tempos e especialmente
àquelas que estão tendo dificuldades com a questão da comunidade
rarefeita.

Além desta visão da Palavra de Deus acerca da estrutura da igreja,


precisamos ter uma visão bem clara dos ministérios da igreja no mundo
moderno em que vivemos. A nossa ótica da obra missionária é
extremamente valiosa no estimular a unidade do corpo vivo de Jesus. Outra
visão prática e necessária é a da participação do povo de Deus na vida,
principalmente, dos filiados na igreja. Também não se pode descuidar da
ênfase na evangelização da família dos crentes, dos amigos e colegas e de
todos que passarem pela porta do templo nos dias normais da semana, já
que a igreja está localizada num centro comercial. A orientação familiar é
uma outra arma muito forte para se estabelecer a unidade do corpo. Familia
não deve ser valorizada como programa religioso, mas como valor vital no

232
Capítulo 17 — A igreja subsistindo num centro urbano sem comunidade

sustento da igreja de Cristo. Ainda apresentamos uma abordagem teológica


da energia e do poder que devem sustentar, instruir, estimular e manter
todo o programa de vida real de uma igreja de Cristo. A igreja sem o
Espírito de Cristo pode até viver como uma sociedade qualquer, menos
como corpo vivo.

Necessitamos depender inteira e completamente do Espírito Santo e


vamos nos deter bastante neste ponto. Por fim, enfocaremos os princípios
que a igreja deve experimentar para poder agregar com plenitude as pessoas
que a ela se chegam. O modo simples de vida e o conceito de fugacidade
dos valores materiais aprimoram a comunhão do povo de Deus,
humanizando de maneira bastante forte todos quantos fizerem parte da
igreja.

1. O conceito neotestamentário de igreja

Não há qualquer dúvida de que se faz necessário hoje, principalmente


hoje, no seio da igreja local, ter-se uma visão correta do que seja uma
comunidade de fé em consonância com o projeto de Cristo quando
estabeleceu o seu reino entre nós.

1.1 - A igreja no conceito de comunidade célica. Quando


descobrimos nos evangelhos Jesus, ensinando que a sua Igreja seria tão
poderosa que "as portas do inferno não prevaleceriam sobre ela" (Mt.
16.18), temos que admitir que estamos diante de uma instituição de caráter
célico. Nenhuma instituição meramente humana conseguiria passar por
tantos percalços e permanecer firme continuando no propósito original do
seu mentor. A Palavra de Deus demonstra que a Igreja é uma comunidade
sobrenatural e que por fim herdará todas as promessas feitas pelo Senhor
da mesma (Ap 21.1-7). Estas promessas serão aplicadas na vida da igreja
de modo prático, simples, e dirigido pelo Espírito de Deus. Todo o ensino
do Novo Testamento sobre a igreja leva o selo do Espírito Santo. Há
muita distorção dentro das aplicações dos princípios divinos na vida da
igreja e isso se deve, em grande parte, ao enaltecimento do homem, e ao

233
A contextualização da igreja de Cristo

esquecimento da obra do Espírito. Precisamos crer que o Espírito de Deus


opera tudo em todos, como confiava o apóstolo Paulo.

1.2 - A analogia do corpo. Dos ensinos aplicados pelo Espírito,


um dos que mais nos fascinam é o que apresenta a igreja como um
"corpo". O Novo Testamento mostra-nos de maneira muito simples,
porém singular, o corpo com duas dimensões bem destacadas: a cabeça,
e os membros. O que o Espírito certamente desejava era ver pessoas
humildes podendo entender com perfeição como deveria funcionar o
reino de Deus aqui na terra. Estes dois conceitos práticos, levariam o
povo de Deus a produzir os frutos desejados por Deus de modo
abundante. Por incrível que possa parecer, a maior parte do povo de
Deus, ainda não conseguiu descobrir as vantagens de trabalhar usando
estes conceitos tão simples.

1.3 - A analogia da cabeça. A cabeça nos direciona para o entendimento


de um centro de pensamentos, idéias, e controle de todos os atos do corpo.
Qualquer pessoa simples, como uma criancinha, pode entender isso de maneira
acertada. Não há necessidade de qualquer ideólogo engenhoso para se descobrir
que a cabeça é quem pensa, reflete, visualiza, dá ordens, controla, disciplina,
repreende, e determina tudo o que o corpo deve ser e fazer, certo? Então, a
posição correta do corpo é servir sem resistência de qualquer sorte. Sabemos
que Cristo é a Cabeça do corpo (Cl 1.18) e, portanto, devemos nos submeter a
ele incondicionalmente, se quisermos acertar deveras. Qualquer idéia humana e
carnal não deve ser bem-vinda ao corpo de Cristo visto que, mesmo sendo uma
idéia brilhante, desviará a igreja do seu propósito original em Cristo. Quando
você perceber uma igreja em dificuldade e passando por terríveis crises humanas
e sociais, sem a devida resignação espiritual, pode ter certeza de que esta
comunidade não está ligada fielmente ao Senhor da igreja que é Cristo Jesus.
Com Cristo, mesmo perseguida e martirizada, a Igrej a prossegue sempre vitoriosa
Isto é o que a história nos tem demonstrado fielmente.

1.4 - A analogia dos membros. A compreensão desta analogia nos


leva para a identificação dos verdadeiros crentes que descobriram sua missão

234
Capítulo 17 — A igreja subsistindo num centro urbano sem comunidade

de servos. Membros do corpo são aqueles que estão sempre servindo de


um modo ou de outro. Eles são beneficiados pelas funções da cabeça e dos
outros membros, mas nunca esquecem o seu papel de servir
incondicionalmente a todo o corpo. Não há na idéia de membro qualquer
possibilidade de atitudes egoístas, ou benefícios próprios. Os membros só
são saudáveis quando praticando suas funções devidas. Fora delas, estão
enfermos e, de certo modo, prejudicando todo o corpo. O ensino de Efésios
4.16 indica que cada parte contribui harmonicamente em amor para o
crescimento do corpo. Podemos•até considerar que esta idéia não se aplica
com facilidade às nossas comunidades hodiernas. No entanto, a Palavra de
Deus não vê desta maneira. Pelo contrário, tudo o que ela nos mostra é
exatamente a necessidade de não fugirmos deste padrão espiritual de Cristo.
As dificuldades naturais da aplicação desta analogia não são para comparar
como lucro que a igreja vai receber por fim. Não se pode é ficar a vida toda
tentando fazer Deus aceitar as nossas idéias mirabolantes acerca de sua
Igreja. Isto nos faz lembrar o interessante episódio de ficção, criado por
Dostoievisk no seu livro: Inquisição. Neste ele descreve uma outra vinda de
Jesus, e desta feita em terras de Espanha, fazendo milagres até maiores dos
que os primeiros na Palestina e, por isso mesmo, foi preso numa cadeia em
Barcelona. Visitando-o um arcebispo da Igreja em Espanha, assim o tentou
persuadir: "temos certeza que você é mesmo o Cristo. Porém, gostaríamos
de lhe dizer que entendemos que você foi capaz de fundar a Igreja, mas nós
é que sabemos como dirigi-la. Portanto, ou você volta para o céu, ou vamos
deixá-lo aí sofrendo nesta prisão". A igreja hoje está diante de um dilema
muito sério, isto é, ela tem que redescobrir o seu papel de corpo e submeter-
se à Cabeça que é Cristo; ou se definir de vez como um corpo sem cabeça
vivendo monstruosamente no mundo. Nada mais precioso para a Igreja do
que se definir como corpo vivo de Jesus Cristo com toda a consciência de
que cada pessoa é um membro ativo deste corpo.

1.5 - A igreja como comunidade local. Este é o conceito mais


encontrado no Novo Testamento e do qual não podemos nos afastar
deliberadamente. Haverá certamente um prejuízo grave para aqueles que
não quiserem aceitar humildemente o valor da Igreja de Cristo como uma

235
A contextualização da igreja de Cristo

comunidade local e auto relacionada


consigo mesma. A idéia da relação mais
com intima dentro de uma comunidade chegou
urgencta repensar a perturbar o Império Romano durante
sobre .
o modelo,or
• alguns séculos, mas não há dúvida, na visão
assim dizer, mais dos estudiosos historiadores, que foi
neotestamentário
exatamente este pensamento que produziu
rejaQuando
a grande vitória da Igreja nos primeiros
estiverni os3i. realizan.
implantação ão das séculos do cristianismo. Nós podemos
pequenas comunidades reafirmar, apesar da aparição de tantas
de e„ como no trilem mega igrejas, que ainda hoje o verdadeiro
segredo da obra missionária está na
vereciti
reossciemidertolan implantação das pequenas comunidades
espalhadas por todo o mundo, e
assombroso o especialmente nas grandes metrópoles.
missionaria entre nos Cremos que necessitamos com urgência
repensar sobre o modelo, por assim dizer,
mais neotestamentário da igreja. Quando estivermos realizando a
implantação das pequenas comunidades de fé, como no início da igreja
cristã, veremos então um crescimento assombroso da obra missionária
entre nós.

1.6 - A analogia do edifício. Entre muitas analogias sobre a igreja


local aquela que mais nos impressiona é a que aponta a igreja como um
grande edifício. Primeiramente, esta analogia não nos da a idéia de uma
causa apressada. Não há pressa quando se pensa na construção de um
edifício. Ela é uma obra que carece de planejamento adequado; deve ser
aplicada com material de primeira; não pode fugir às regras básicas da
engenharia e arquitetura; precisa de um preparo de infra-estrutura correto;
não se pode construir a partir de qualquer parte, isto é, tem princípio,
meio, e fim; deve merecer a confiança dos que vão usar o prédio; enfim,
deve ser valorizada pelo conjunto que é composto de cada parte. Quando
se transfere essa aplicação para uma igreja local é que se pode perceber
como tantas comunidades chamadas de igreja de Cristo estão longe do

236
Capítulo 17 — A igreja subsistindo num centro urbano sem comunidade

propósito para que foram criadas. Aqui quanto maior for a Igreja, tanto
maiores serão as dificuldades que aparecerão para se aplicar a analogia
bíblica. Não queremos radicalizar contra os conceitos outros que se têm
levantado para definir o que venha a ser a Igreja de Cristo, mas que existe
muita coisa difícil de se aplicar ao conceito de edificação que encontramos
nos ensinos de Jesus e Paulo, isso é verdade mesmo. Muitos estão
construindo verdadeiros aglomerados humanos sem perceber nem de perto
aonde vai dar tudo isto. Devemos estar acordados para tudo que ocorre
ao nosso redor e sempre recorrer a Palavra de Deus para não nos
distanciarmos tanto daquilo que com simplicidade o nosso Senhor quis
nos ensinar.

1.7 - A idéia de governo congregacional. Um dos nossos princípios


bíblicos que mais dificuldades encontra em sua prática no nosso meio é o
do governo da congregação. Não é fácil compreender que pessoas
humildes, muita vez, possam administrar seu próprio destino e valores.
Sempre aparecem os que se sentem mais iluminados para sugerir aquilo
que o povo como um todo necessita. Esquece-se quase sempre que o
Espírito de Deus habita o coração de cada crente que faz parte da igreja
local. O povo de Deus nunca foi bem dirigido por princípios humanos de
gerenciamento. A Igreja sempre se desviou de seu alvo quando resolveu
aplicar o governo clerical e dos pensadores mais inteligentes de sua história.
A igreja do Novo Testamento era, sem nenhuma sombra de dúvida, uma
igreja dirigida pelo próprio povo que a compunha. Nenhuma linguagem
dos apóstolos identifica qualquer tipo de autoridade sobre as comunidades
de fé do primeiro momento da história da Igreja. Isto nos deveria estimular
a trabalhar juntos, e com a vívida noção de que o Espírito de Deus usa
todas as pessoas que estão no corpo. Quando a Igreja é dirigida em
concordância com todos os seus membros os resultados de seu propósito
aparecem com bastante freqüência e de modo muito mais harmônico que
em qualquer outro estilo de direção. Só a idéia de congregação que
participa integralmente do seu comando e destino pode ser chamada de
igreja de Cristo. Tudo o mais é figura de linguagem ilusória para os que
dirigem e são dirigidos.

237
A contextualização da igreja de Cristo

2. A realidade das grandes cidades

Com o crescimento das cidades a vida dos seus habitantes se tomou


um grande tormento para a grande maioria. Quase não se pode perceber
vida de qualidade semelhante aos padrões do evangelho de nosso Senhor
Jesus Cristo. As grandes cidades têm se tornado um grande e insolúvel
problema. Os administradores, por mais inteligentes que sejam, não
conseguem apresentar soluções que atendam aos reclamos das populações
das grandes cidades. Isto influencia a situação espiritual das gentes que
fazem as grandes metrópoles que, por causa da vida mais corrida e menos
comprometida com os padrões de felicidade pessoal, muito dificilmente
procuram as soluções espirituais mais adequadas. As igrejas nas grandes
cidades deveriam estar mais atentas aos grandes desafios que cada dia o
Senhor coloca diante delas. A realidade das grandes cidades só poderia
ser atingida de modo concreto quando a igreja local abrisse os braços
para contextualizar sua presença na cidade.

2.1 - O crescimento desenfreado. Nas últimas décadas o


crescimento das grandes cidades tem acontecido de modo tão gigantesco
que qualquer planejamento logo se toma algo fora do tempo e, por vezes,
do espaço. Um exemplo disso é o planejamento para o uso dos recursos
naturais. A falta de água, de energia, de telefone, de meio de transporte,
de moradia, de educação adequada, de saúde planejada, e de tantos outros
valores que se acrescentam ao modo de vida das grandes cidades cada
dia é o retrato mais real do crescimento sem cabresto das grandes cidades
em que vive a maior parte da população mundial hoje. Este crescimento
sem medida provável tem levado muitas igrejas a se tomarem indiferentes
à sorte das pessoas de um modo geral. A pergunta que nos incomoda é:
não tem o evangelho uma resposta favorável às necessidades das grandes
massas que estão a nos desafiar nas grandes metrópoles?

2.2 - Os centros abandonados. O centro de nossa preocupação é a


realidade do abandono em que certas igrejas se encontram; do ponto de
vista da comunidade. Isto significa dizer que há certos bairros de centro

238
Capítulo 17 — A igreja subsistindo num centro urbano sem comunidade

que com o tempo foram se tomando bairros fantasmas. As comunidades


humanas não mais moram em tais lugares uma vez que alguns tipos de
atividades, de certo modo, espantam os moradores para outros bairros.
As igrejas antigamente ali colocadas foram perdendo o contato mais direto
com as gentes pouco a pouco. Alguns estudiosos até julgam não ser
conveniente que uma igreja continue estabelecida nestas áreas das grandes
cidades por falta de comunidade. O número dos membros que residem
perto dessas igrejas é muito pequeno e não teriam condições de manter o
trabalho por muito tempo. A nossa experiência já nos mostra um pouco
mais de otimismo quanto ao crescimento de uma igreja nestes centros
velhos.

2.3 - A falta de moradias mais adequadas. Uma das causas mais


fortes para que os centros sejam esvaziados é a ausência de casas e
apartamentos mais adequados para as famílias. Mesmo aquelas famílias
mais tradicionais do bairro com o tempo sentem uma certa atração para
sair em busca de lugares mais próprios para moradias. Estas famílias, quando
arraigadas na igreja local, dificilmente deixam a igreja para se transferir
para outras que não conhecem bem. Apesar de que, os mais pobres, sempre
se sentem forçados a ficarem numa igreja mais perto de suas casas.

3. A igreja enquanto comunhão no culto.

A nossa contribuição se inicia exatamente a partir daquilo que temos


feito e experimentado na realidade de nossa igreja localizada num velho
centro de cidade. Cremos que toda experiência positiva que temos
conseguido atingir se deve em parte ao estilo de comunhão que temos em
nossos cultos e encontros.

3.1 - Planejando o culto. Os nossos cultos precisavam de uma


participação maior da liderança e nós começamos por agilizar os meios
para poder planejar com uma certa antecedência aquilo que deveria
acontecer em todos nossos encontros. Nunca ir para um encontro sem
saber exatamente o que deverá acontecer ali. Não que se bitole a liberdade

239
A contextualização da igreja de Cristo

do Espírito, mas que se possa ver as coisas de Deus com um pouco mais
de cuidado e planejamento. Ouvir as idéias e pensamentos da congregação
em nada diminui a nossa função diante do povo. Por que não dá o direito
ao povo de escolher seus hinos prediletos? Por que não descobrir quais as
necessidades espirituais do povo de Deus, e tentar satisfazê-las nos cultos
de oração? Por que não se procura dinamizar as reuniões de modo simples
e emocionalmente tocante? Qual o pecado que há em se desejar um culto
mais espiritual e agradável? Nós cremos que o nosso culto deve ser cheio
da presença gloriosa do Espírito de Deus. Não é o caso de acontecer uma
vez ou outra, mas sempre estar prontos para adorar de um modo verdadeiro,
e espiritualmente correto.

3.2 - Preparando o alimento da Palavra. Dentro do culto deve


haver uma preocupação central com o alimento que se leva ao povo de
Deus. O povo não deseja ouvir bons oradores simplesmente, mas homens
de Deus que tenham alimento espiritual abundante para repartir com todos.
O púlpito nunca deve se esquecer que "não havendo profecia o povo se
corrompe". Há pessoas que andam quilômetros para se alimentar da boa
Palavra de Deus toda semana; quando não, duas, três, ou mais vezes que
precisem e saibam aonde achar. Não adianta nada a queixa por causa
daqueles que faltam a igreja para não ouvir qualquer um. É mais eficiente
providenciar, que os que preguem, façam-no com responsabilidade espiritual
honesta.

3.3 - Estimulando o povo ao louvor correto. O verdadeiro louvor


ajuda bastante a expressão do nosso culto. Nem todo barulho é louvor;
nem toda harmonia é hino; nem todo pensamento é poesia teologicamente
bíblica para que possamos deixar acontecer no culto. Um bom ministério
de louvor dinamiza os cultos de modo muito feliz.

3.4 - Buscando a face de Deus. Outra faceta tremendamente


abençoadora na vida da igreja é o culto de oração. Mesmo que o número
não seja muito animador, não importa! O que vale é o fato de que pessoas
estão constantemente sustentando o pastor, os diáconos, os líderes em geral,

240
Capítulo 17 — A igreja subsistindo num centro urbano sem comunidade

e todas as famílias da igreja com suas


orações. Nós nos agarramos de modo en uma igreja pode
muito forte no poder da oração para viver tranquia sem o
vencermos as nossas dificuldades e limites. exerc espiritual da
Nenhuma igreja pode viver tranqüila sem o oração .. todos. temas
e
exercício espiritual da oração. Se todos esta necessidade
anca na vigia d'a
temos esta necessidade básica na vida da
comunidadeeclesia
comunidade eclesial, muito mais nós osque muito mais nos os
temos de conviver com realidades atípicas temos e conviver com
nos aglomerados sociais e humanos. A realidades,H>atiptcay nos:
oração tem sido elemento chave nas lutas
eclesiásticas de toda sorte. Desde a humanos,: or
compreensão da simplicidade do corpo de todpHemenLo
Cristo até as práticas de todos os seus aveRnas s
ministérios bíblicos, dependemos totalmente eelesiaSticas
sorte
da busca e orientação do Senhor da Igreja.
Foi por buscar a Deus que, cerca de 25
anos atrás, ouvimos um exegeta americano dando um estudo sobre "a Igreja
o Corpo Vivo de Cristo" na cidade de São Paulo. Era o pastor Ray C.
Steadman que havia, poucos anos antes, iniciado uma prática de estabelecer
uma igreja local através unicamente dos dons espirituais. De pronto,
procuramos nos envolver com o ensino do Novo Testamento sobre a
edificação de uma igreja buscando a face do Senhor com muita intensidade.
É disto que trataremos em seguida, crendo que Deus nos encaminhou para o
lugar que estamos, para aplicar os seus ensinos de modo prático mesmo.

4. A igreja enquanto as expressões dos dons espirituais

A nossa busca deveras não foi em vão. Começamos por sentir a


necessidade de conhecer a doutrina dos dons espirituais, que até então, só
tínhamos uma ligeira e pálida noção do que poderia ser.

4.1 - A consciência da doutrina. Ao ler os textos que de modo


claro tratavam do assunto, descobrimos que havia uma necessidade

241
A contextualização da igreja de Cristo

central para se aplicar o ensino bíblico a vida de uma igreja qualquer,


especialmente uma igreja tradicionalmente batista. Essa necessidade
se nos apresentou com quatro máximas que passamos a levar em
conta. Primeiro, o texto mostra que, acerca dos dons espirituais, o
Senhor não deseja que nenhum dos seus filhos sejam ignorantes (1Co
12.1). Infelizmente, a grande maioria dos filhos de Deus ainda não
conhece a sua equipe de dons. Em seguida, o texto demonstra que
toda manifestação, sobre os dons espirituais, é dada com o objetivo
de ser algo proveitoso para a igreja (1Co 12.7). Outra vez,
observamos que tolices religiosas são consideradas como dons do
Espírito, quando na verdade não tem utilidade alguma para o povo
de Deus. Em terceiro lugar, o texto aponta para o fato de que o dom
é do Espírito, que dá a qualquer um, como bem deseja fazê-lo (1Co
12.11). Isto significa dizer, que já nascemos do Espírito com a nossa
equipe de dons definida, do mesmo modo que nascemos da carne
com os nossos talentos todos. Por fim, a aplicabilidade dos dons
espirituais visa primordialmente a edificação do Corpo de Cristo com
a atuação de cada parte, ou membro do corpo, em amor (Ef 4.16).
Aqui, foi que acordamos para ver quanta gente está se dizendo do
corpo e nada, ou quase nada faz para a edificar a igreja de Cristo.
Com esta visão clarificada pelo Senhor, partimos para entender quais
seriam os nossos dons e como ensinar os outros a descobrirem os
seus.

4.2 - Os dons bíblicos. Aceitamos a idéia de Steadman de que o


Novo Testamento só possui quatro textos acerca deste assunto dos dons
espirituais, e que eles, os dons, se dividem didaticamente em quatro grupos
distintos no corpo. Os textos são: Romanos 12.6-8; 1Coríntios 12.1-11;
Efésios 4.11 e 1Pedro 4.9-11.

4.3 - A equipe estruturadora. Este primeiro grupo se refere ao


que poderíamos chamar de equipamento estruturador do Corpo de Cristo,
ou seja, aqueles dons que teriam a função de treinar os outros dons do
corpo.

242
Capítulo 17 — A igreja subsistindo num centro urbano sem comunidade

a) O dom de apostolar. Este dom tem a função clara de se desprender


de todos os laços de valores particulares, culturais, raciais, sociais, e se
adaptar com certa facilidade aos costumes de outras etnias. A palavra
tem o sentido mais etimológico de "ser enviado". E, apesar de alguns
estudiosos acharem que este dom só fazia sentido em relação aos 12
apóstolos, outros entendem que o mesmo se aplica aos nossos modernos
missionários que vão e que sustentam os que vão.
b) O dom de evangelizar. Aqui, nós podemos descobrir que há os que
se apaixonam pela obra da evangelização, e os que simplesmente só sabem
dar o testemunho de sua fé.
c) O dom de profetizar. Este dom é dado àqueles que se sentem
responsáveis por transmitir os "oráculos de Deus". É realmente a
capacitação de comunicar ao povo de Deus o que a Palavra de Deus
diz.
d) O dom de pastorear e mestre. Agora, vamos presenciar alguém
que recebe do Espírito a qualificação para alimentar e cuidar das ovelhas
do rebanho de Deus. Ele não é o presidente de uma empresa, mas o
cuidador-mor do rebanho espiritual que o Senhor lhe confiou. Não
importa o que achem os religiosos, ele vai tomar conta do mais
necessitado.

4.4 - A equipe instrutora. O segundo grupo trata da instrução e


comunicação do Espírito à Igreja.

a) O dom da ciência. É dos mais privilegiados dons do Espírito uma


vez que, aquele que o recebe, se enche da inteligência de Deus para
descobrir as preciosas lições das Escrituras Sagradas.
b) O dom da sabedoria. Este dom é dado com a finalidade de se
aplicar os ensinos de Deus à vida do corpo de Cristo, e de cada membro
individualmente.
c) O dom do ensino. Capacitação para comunicar as mais apropriadas
lições da Bíblia na vida das pessoas que queiram aprender de Deus.
d) O dom de discernir espíritos. Trata da capacidade de se saber a
verdade ou falsidade na vida dos outros que se achegam à Igreja.

243
A contextualização da igreja de Cristo

4.5 - A equipe de sustentação. O terceiro grupo trata dos dons que


dão mobilidade ao corpo de Cristo.

a) O dom da fé. Este dom nos mostra a capacidade que alguém possui
de abrir os olhos do espírito para ver conquistas e desafios que a maioria
ainda não pode ver. É como o desbravamento da caminhada da igreja de
Cristo. Alguém precisa ver primeiro para depois os outros seguirem seus
passos.
b) O dom de governar. O corpo de Cristo necessita de liderança
capacitada pelo Espírito para orientar e dirigir a comunidade.
c) O dom da liberalidade. O dom sobremodo feliz de participar com
aquilo que Deus nos dá de modo liberal.

4.6 - A equipe de serviço. O último dos grupos em exercício atual é


aquele que pega no arado e sulca a terra árida.

a) O dom da hospitalidade. Este é o dom que tem prazer em receber


outros em sua casa, do mesmo modo como receberiam a Jesus. Todos
que se aproximam dele descobrem que ele lhes trata com amor divino sem
discriminar ninguém.
b) O dom de exortar. Levar as pessoas do erro para o acerto com
amor.
c) O dom dos socorros. O prazer de servir nos mais humildes e
pequenos serviços requeridos no corpo de Cristo.
d) O dom da misericórdia. Sente a miséria do próximo e faz algo para
minorá-la.
e) O dom de curar. Capacidade espiritual de curar o ser humano inteiro:
corpo, alma, e espírito.

4.7 - A equipe especial. Este grupo não se encontra com muita


freqüência na história da igreja de Cristo de todos os tempos.

a) O dom dos milagres. A capacidade de contrariar até as leis físicas


e químicas do Universo.

244
Capítulo 17 — A igreja subsistindo num centro urbano sem comunidade

b) O dom de línguas. Capacidade de comunicar uma língua viva de


outra nação mesmo que não a conheça bem.
c) O dom de interpretação de línguas. Capacidade de entender e
traduzir outras línguas vivas que ainda não eram conhecidam da pessoa
que interpreta.

5. A igreja enquanto sua visão missionária.

É inimaginável o poder espiritual que possui uma igreja com visão


missionária correta. Igreja que de fato não se sinta limitada, nem espantada
com a grandeza da missão que Jesus Cristo lhe outorgou. A visão dos
confins da terra deve pertencer à pessoa de cada crente que vive no
corpo de Cristo. O cristão sem a ótica correta da missão da sua igreja
tem a natural tendência de se tornar um mero religioso frustrado. Nós
sentimos o peso desta verdade e logo, ajudado por alguém com o dom
da fé e do apostolar, começamos a sustentar um primeiro casal de
missionários em terras distantes. Hoje temos casais de missionários no
Conselho Estadual; missionários nacionais nas juntas de Missões
Nacionais, Jocum, Conselho da Paraíba, e outros; e missionários na Junta
de Missões Mundiais. Mais de 50% dos nossos recursos são aplicados
em Missões.

5.1 - Missões é de propriedade exclusiva da igreja. Com o dom


da ciência e da sabedoria desmistificamos a falsa doutrina de que a obra
missionária pertence a Juntas e Conselhos. Missões é o ministério maior
da igreja. Isto porque, ocupa a maior parte do tempo de todos nós, e nos
impulsiona para olhar além, nos campos que estão prontos para serem
ceifados. Estamos ligados a missionários locais em nossas congregações;
missionários estaduais em frentes pertencentes as Juntas e Comitês
missionários. Nossa igreja tem a compreensão de que esta é uma obra
exclusiva da igreja.

5.2 - Missões está no coração de Deus. Esta é uma máxima


muito antiga, mas pouco vivida na prática. Se soubéssemos o quanto

245
A contextualização da igreja de Cristo

Deus amou esta obra de verdade não teríamos tão poucos irmãos e
igrejas engajados na mesma. Precisamos acordar urgentemente para a
verdade de que Deus considera de modo especial o grupo de pessoas
que se dedica à obra de missões no mundo. A vitalidade de nossa igreja,
num bairro tão sem condições de proporcionar um crescimento mais
abundante, é, sem dúvida, devida à obra de missões abraçada por nós
desde o início.

6. A igreja enquanto sua visão social

A visão que Deus nos deu, acerca dos problemas sociais que
enfrentamos na grande cidade, e bem perto das favelas mais pobres, não
foi a de discutir sobre as estruturas injustas da sociedade e como conseguir
modificá-las. Através daqueles que possuem o dom da misericórdia,
propusemos em nosso coração descobrir como minorar o sofrimento dos
nossos semelhantes que vivem tão perto de nós; a partir dos que estão
dentro da igreja.

6.1 - As necessidades do povo em geral. Procuramos descobrir


as necessidades mais prementes do povo, e buscamos fazer serviços
sociais práticos para ajudar de um modo ou de outro a quem de fato
mais necessita.

6.2 - As necessidades dos membros da igreja local. Na própria


igreja chegam muitos necessitados e procuramos ampará-los com certa
objetividade. Não aceitamos muito ver irmãos entre nós quase
mendigando o pão. Temos um programa de cestas básicas mensais que
sempre ajudam alguns destes nossos mais necessitados. Tentamos educar
os nossos irmãos a não fazerem deste programa um mero assistencialismo.
Temos, também, um programa de mutirão para construir casas populares
para os mais pobres e sem condições de ingressarem nos programas do
governo. Já temos construído e consertado 59 casas de irmãos nossos
que não mais pagam aluguel, ou moram em barracos deprimentes para a
condição humana.

246
Capítulo 17 — A igreja subsistindo num centro urbano sem comunidade

7. A igreja enquanto sua visão evangelizadora

Outro passo importante que


a igreja local num grande centro
deve dar é aquele que defina o
modo como atingir as pessoas
com a mensagem do evangelho.
Com o dom da fé descobrimos
que há sempre alguma chance de
se atingir pessoas mesmo em
lugares onde elas não estejam
morando. No nosso caso, já havia
até uma proposta de alguns
membros da igreja, para se tratar
da mudança de endereço do
templo para um outro bairro ecialmen
men rass
qualquer que tivesse comunidade,
erõ
especialmente que concentrasse o
maior número de membros.
Oramos e vimos que a idéia não era muito exeqüível para uma igreja
que já chegava aos 60 anos. Optamos por uma atitude evangelizadora
mais abrangente e aguardamos os resultados que foram muito
compensadores até hoje, 20 anos depois. A igreja saiu de 285 membros
para 1.168; fora a organização de mais oito novas igrejas, algumas
delas já com filhas.

7.1 - Atingindo outras comunidades. Criar novas frentes de


trabalho tem sido uma preocupação central na vida da nossa
comunidade. Sempre temos tido entre cinco e dez congregações, e
outros muitos núcleos de estudos bíblicos nos lares cada semana. Isto
tem nos levado a atingir outras comunidades ainda sem o testemunho
batista, o que tem sido muito frutífero para o crescimento de nossa
comunidade. Hoje temos membros em 83 bairros e cidades da grande
Recife.

247
A contextualização da igreja de Cristo

7.2 - O testemunho pessoal dos crentes. Sempre estamos


procurando despertar o dom de evangelizar entre os crentes, com a
finalidade de atingir o maior número possível de pessoas ainda não
alcançadas. O testemunho pessoal de uma boa parte dos membros da
igreja é uma realidade abençoadora para muitos que se achegam ao nosso
convívio amorável.

7.3 - Os avivamentos bíblicos. Praticamos anualmente dois avivamentos


bíblicos que estimulam muito a ação evangelizadora da igreja local. Já estamos
no >CM e só temos tido grandes alegrias com a participação de grande parte
do nosso povo. Este movimento acontece num período de 8 a 15 dias e os
crentes se comprometem, sob a liderança do Espírito, estar presentes todos
os dias, e trazerem consigo ao menos um amigo não crente, ou parente. Em
nenhum dos 29 avivamentos tivemos um numero inferior a 100 decisões ao
lado de Cristo, fora as atitudes de consagração dos crentes.

8. A igreja enquanto o cuidado com a família

Outro valor bastante sentido em nossa igreja é o cuidado que o próprio


corpo tem com a instituição da família. Não temos encontros especiais
para as famílias, mas cuidamos da família no próprio ambiente da família,
mesmo porque a maioria de nossa membresia é constituída de pessoas
simples e humildes, e não poderiam financiar encontros exóticos de casais
de classe média ou mais.

8.1 - A família e a promessa da Palavra. Procuramos administrar


de modo visível a verdade da Palavra de Deus que declara: "Crê no Senhor
Jesus, e serás salvo, tu e tua casa" (At 16.31). Quando uma família consegue
tomar esta promessa algo real em sua história, logo podemos ver o Espírito
Santo operando verdadeiros milagres de salvação e comunhão na família.

8.2 - A família e o encontro com Deus. Não se pode perder de


vista a verdade bíblica de que a família é uma instituição divina. Enquanto
não vemos os familiares dos crentes aceitando Jesus de verdade não

248
Capítulo 17 — A igreja subsistindo num centro urbano sem comunidade

desistimos de lhes apresentar o plano de Deus para a família como um


todo. Na família dos crentes está o maior campo missionário que já
descobrimos para explorar espiritualmente. No encontro da família com
Deus há abundante alegria na vida dos seus próprios membros e, por
conseqüência, na vida comunitária da igreja. Nós estamos experimentando
semanalmente e, às vezes diariamente, a alegria de muitas famílias da nossa
igreja. Vale a pena confiar na promessa da Palavra de Deus.

9. A igreja enquanto dependente do Espírito Santo

A doutrina do Espírito Santo no Novo Testamento é tão clara que não


entendemos porque ela não se torna uma prática mais presente nos nossos
púlpitos, e classes de ensino bíblico. A Igreja não pode viver independente
do Espírito de Deus, a menos que não deseje ser o corpo vivo de Cristo.

9.1 - A igreja não é obra humana. Quando observamos as igrejas


sendo administradas com tantas organizações e tecnologia moderna, ficamos
a pensar: Será que entendemos mesmo qual seja a natureza da Igreja que
Jesus nos deixou? Não há muita dúvida de que muitas igrejas perderam o
norte da orientação espiritual e se tornaram meras empresas humanas de
valores sociais e religiosos. Não pode haver igreja sem cruz e sem
ressurreição em sua prática. Igreja não é obra de homem algum.

9.2 - A igreja depende em tudo do Espírito Santo. Quando a


igreja depende exclusivamente do Espírito de Deus não lhe falta nada
que necessário seja para realizar a obra do Senhor. Não lhe faltam
recursos humanos; recursos econômicos; recursos financeiros; recursos
espirituais principalmente para realizar a grande obra do reino dos céus
aqui na terra. Em nossa igreja preferimos depender em tudo da
orientação do Espírito para nos guiar aos caminhos de vitórias
sobrenaturais de Deus.

9.3 - A igreja é instruída pelo Espírito Santo. Dizemos com


freqüência quase abusiva a todos os líderes que se acham com os dons

249
A contextualização da igreja de Cristo

para edificar a igreja de Cristo: - Não façam nada que não seja a orientação
do Espírito de Deus. Não esperem nada de mim se estão dispostos a
trabalhar para o Senhor. O Senhor é quem toma conta de sua obra e pode
com clareza dizer o que precisa ser feito por cada um que ele chama para
o serviço do reino.

9.4 - A igreja é conduzida pelo Espírito Santo. Quando a igreja é


conduzida de fato pelo Espírito Santo de Deus as muitas questiúnculas
desaparecem e o nome do Senhor Jesus é glorificado. Mesmo que um ou
outro esteja sem sintonizar os caminhos do Espírito para a igreja, a maioria
estará alerta para não perder a benção de ser conduzida aos princípios do
que seja sobrenatural. O povo de Deus se cansa de lutar por organizações
e instituições que nada têm do Espírito de Deus.

10. A igreja enquanto sua vida simples e humana

A igreja do Novo Testamento era, sem sombra de dúvida, uma


organização simples e viva para todos que faziam parte dela. Com a ajuda
de vários irmãos, que se sentiam iluminados pelo Espírito de Deus para
trabalhar de modo feliz na igreja local, começamos a aplicar em nossa igreja
a eclesiologia simples dos dons espirituais através de ministérios específicos
e que, em alguns casos, já existiam inconscientemente na vida da igreja local.
Hoje já somos 15 ministérios que abrangem todas as equipes de dons
espirituais que algum crente possua. Na visão do Espírito não há necessidade
de separar grupo algum dentro do corpo. Pode ter um mesmo dom o branco,
o preto, o homem, a mulher, a criança, o velho, o moço, o douto, o indouto,
o professor, o aluno, sem qualquer necessidade de se separar as pessoas.

10.1 - A igreja simples parece mais com Jesus. Esta é uma verdade
que muitos ainda não conseguiram descobrir. Sofisticam tanto o templo
como os clérigos; tanto o altar como o modo de adorar; tanto o aparato
físico como o linguajar humano, e, por incrível que pareça, ainda pensam
que estão agradando a Deus. Nós já descobrimos que a igreja é o corpo
vivo de Cristo e deve ser semelhante em tudo ao seu Senhor.

250
Capítulo 17 — A igreja subsistindo num centro urbano sem comunidade

10.2 - A igreja simples atrai pessoas mais eficazmente. Esta é


outra verdade que costumamos enfatizar na prática de nossa comunhão. A
eficácia da atração dos que conosco comungam está essencialmente na
nossa simplicidade. O crente mais novo e inexperiente tem a possibilidade
de entender como funciona a igreja de Cristo sem qualquer dificuldade.
Não há uma igreja para os líderes e outra para o povão. Não há relatórios
complicados em nenhuma dimensão dos ministérios da igreja. Todos podem
participar de tudo o que o Espírito lhes indicar sem reservas.

10.3 - A igreja simples é mais humana. Aqui está outro sentimento


muito feliz de nossa comunidade. Não temos a idéia de que estamos pisando
em nuvens. Não somo anjos de Deus vivendo em um lugar fechado em
algum canto da cidade. Temos os nossos pés bem firmados no chão da
misericórdia e da graça do Senhor. Somos deveras humanos e
humanizadores daqueles que se achegam a nós com todos os tipos de
carências reais. Procuramos tratar a todos na medida de suas necessidades
espirituais, sociais, e humanas a fim de que eles se sintam gente perto "da
gente". Ninguém se frustra muito quando encontra outros iguais em suas
fraquezas e necessidades humanas. O Espírito nos conduz ao entendimento
de que não podemos nos arvorar de supremacia moral ou espiritual uma
vez que perderíamos a sensibilidade para perdoar e ser perdoados;
característica imprescindível na vida de qualquer comunidade cristã.

10.4 - A igreja simples é menos religiosa. Não queremos


transparecer que aquilo que seja religioso deva ao mesmo tempo ser
desprezível. Há, porém, um tipo de religiosidade doentia que é muito
freqüente nas nossas comunidades. Este é o tipo de atitude que não olha o
essencial na vida das pessoas. A religiosidade da casca em nada se parece
com o Mestre de Nazaré. Ele passou o tempo inteiro advertindo seus
discípulos a não se deixarem enganar por falsa religiosidade encontrada
especialmente nos fariseus. A igreja de Cristo tem obrigada necessidade
de olhar para as pessoas sem o estigma religioso que elas possam ter. A
nossa igreja é mais dos sem religião, do que daqueles bem postados na
sua justiça farisaica.

251
A contextualização da igreja de Cristo

10.5 - A igreja simples é mais igreja. Igreja, depois de Cristo,


deixou de ser uma mera assembléia de pessoas interessadas num assunto
comum a todos. O nome ficou mais rico com a prática dos ensinos de
Jesus e dos apóstolos na igreja primitiva. Hoje, como naqueles tempos,
se reconhece uma igreja de Cristo sem que seja necessário fazer um
grande esforço intelectual. Sem qualquer sentimento de vaidade
espiritual, nós temos vivido com todas as lutas inerentes a natureza da
Igreja de um modo que nos sentimos corpo vivo de Cristo. Quando,
por qualquer motivo, não conseguimos nos sentir igreja, corremos para
os pés daquele que é a Cabeça do corpo e suplicamos por sua
misericórdia mais rica que os nossos meios, e ele sempre nos acode
com graça.

Conclusão

A Igreja Batista da Concórdia tem sido, até certo ponto, vitoriosa em


todas as suas lutas e ações por ter tentado buscar o mais que possível os
padrões encontrados no Novo Testamento. Continuamos aprendendo
humildemente com o Espírito de Deus e melhorando a cada dia o nosso
testemunho cristão na sociedade em que vivemos. Não temos muito medo
de parecer com o nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo. E, cremos,
firmemente, estamos no caminho mais feliz que podíamos encontrar para a
igreja local. Por fim, estamos abertos ao compartilhamento com todos os
irmãos e igrejas que nos possam ajudar a alcançar mais vidas preciosas
para Deus.

252
Quarta parte

A batalha
da contextualização
Capítulo 18

Os principais desafios

Pastor Washington Rodrigues de Souza

O tema que dominou a igreja, a teologia, a missiologia e a forma de


comunicar o evangelho, na segunda metade do século XX, foi a
contextualização. Tornou-se quase um jargão, pois era notória a crise de
sobrevivência do evangelho de pós-guerra. As questões do mundo eram
outras, maiores e mais abrangentes, definidas por uma espécie de agenda
mundial, coisa que passava longe do programa da igreja.

Muitas foram as transformações do mundo nesse tempo: o avanço


tecnológico, científico, a reconstrução de países considerados importantes
para a alavanca da economia mundial, a expansão da informática e a "queda
A contextualização da igreja de Cristo

das fronteiras". Que significava isto? - Que o mundo estava conectado,


diminuindo espaços, trazendo os acontecimentos para o "tempo real", dando
velocidade às informações e impondo novos padrões para a convivência.

A igreja sempre foi resistente às mudanças, mas não sem razão: no


início, precisava se diferenciar do judaísmo e impor-se no contexto social,
apesar de ser parte do Império Romano, de ter visto a exposição pública
de Jesus, seu fundador, na cruz romana; na Idade Média, tinha o poder e
queria todo o poder; logo, mudar pra quê? Na Idade Moderna, fez frente
aos avanços culturais, especialmente o racionalismo e o idealismo,
movimentos que suplantaram o sobrenatural; a forma de resistência era
voltar ao sobrenaturalismo, razão pela qual os movimentos avivalistas
ganharam tanto peso; na Idade Contemporânea, a igreja debate novos
temas, questões profundas e difíceis, que exigem posturas e definições.

Tentaremos, em pouco espaço, destacar os principais desafios da igreja


contemporânea na batalha da contextualização, o que ela faz e como isso
resulta para a sua saúde, tanto espiritual quanto social.

1. A secularização

A igreja no mundo e o mundo na igreja foi o tema da década de


setenta, no auge das ideologias ateístas e do avanço do marxismo em vários
países do mundo, principalmente no Terceiro Mundo. A chamada era das
revoluções provocou um estrago muito grande, na sociedade e nas
estruturas em geral: crítica às instituições, questionamento do papel da familia,
a moralidade, o valor da política, os símbolos de pureza. Surgiram líderes,
intelectuais, artistas, políticos, que inflamaram todas as gerações, enfocando
com astúcia a juventude, que se motivou a aceitar várias propostas de
vida, algumas sem qualquer fundamento.

Mudanças do lado de fora, mudanças na igreja. Sem muita reflexão,


coisa que nunca esteve no interesse das congregações, a igreja assistiu ao
enfraquecimento dos seus valores, mas os valores do mundo estavam em

256
Capítulo 18 — Os principais desafios

cheque também, e ela não sabia o que fazer.


Tal processo recebe o nome de seculari-
zação. Secularizar-se é deixar de lado os
.Secolanzar-se
valores sagrados e substituí-los pelos valores deixar o os
profanos. valores sagrados
substituí-los pelos
Ampliando o conceito, quando alguém atores rofanos.
abandonava a igreja e se dirigia ao mundo,
dizia-se que esse estava secularizado, pois
foi servir ao "presente século", terminologia
do Novo Testamento.

Para suprir a demanda de então, muitos valores da igreja foram revistos,


mas com um objetivo: não ficar distante do mundo. Uma igreja
contextualizada deveria falar a linguagem do mundo, entender o
pensamento do mundo, estar no mundo, o seu campo de missão.
Todavia, a linha tênue entre igreja e mundo era desconhecida, invisível,
escondida; assim, nem tudo funcionou adequadamente. Ainda hoje, a
secularização é o primeiro obstáculo no processo de contextualização: até
onde vai o limite entre contexto e secularização?

2. A irrelevância

Charles Swindoll escreveu um livro prático intitulado "Como viver


acima da mediocridade", onde descreve o
grande risco de uma vida sem qualquer
relevância. Um dado ignorado pelas igrejas,
mas que não pode escapar do nosso interesse
agora é: o que é mais importante: crescer,
crescer, crescer, ou ser relevante?

Cada vez que levantamos tal questão, vem


o velho argumento: todos nós queremos crescer,
claro. Porém, na ânsia de crescer, muitas igrejas

257
A contextualização da igreja de Cristo

perdem a relevância. Os motivos do crescimento de determinada igreja não


são os motivos da sociedade. Neste sentido, há igrejas que são verdadeiros
parques de diversão, paraísos de desvios de todos os níveis, imitações simplórias
da Disneylândia e outras possibilidades. Estão cheias, ricas, prósperas,
irrelevantes.

A teologia fez o movimento de contextualização tão intenso que, nos


Estados Unidos, virou Teologia Secular; no Terceiro Mundo, virou Teologia
da Libertação, um misto de marxismo e teologia. Os dois movimentos,
hoje, não desfrutam de qualquer tipo de relevância.

3. A rejeição

É o mesmo que tornar-se estranho (a). O contexto rejeita o elemento


estranho. Não é à toa que em todas as sociedades existe o mito da pureza,
a necessidade de purificar o ambiente: a Alemanha queria purificar a sua
raça, a China quis purificar o seu povo, os judeus querem purificar a Terra
Santa e os cristãos querem purificar o mundo.

A rejeição é um dos mais sérios desafios


reje porque leva uma pessoa, uma instituição, um
os mais sérios sistema à morte. Sem dúvida, isto explica a
desa os por, ue razão da estagnação de muitas igrejas: elas
ceva uma essoa, podem ter teorias, métodos, programas e ser
uma institui ao rejeitadas. Talvez, falte coragem para admitir
sistema ISSO.

De vez em quando a sociedade percebe


a igreja "fora de lugar". De um lado, o cristianismo fica querendo consertar
o mundo; do outro, o mundo procura alternativas de vida que tragam
felicidade, sem que ninguém incomode a ninguém. A cultura de massa é
uma fuga, a negação da própria identidade, pois todos tentam a aceitação
e, para tanto, submetem-se a todas as formas de controle, de diversão e
de consumo.

258
Capítulo 18 - Os principais desafios

A rejeição é uma marca da igreja, até


porque a sua mensagem é moralista e temor, de ser
questiona os padrões do mundo, o que o ega
deixa muito revoltado. O que deveria ser um procure
fator positivo, a sua marca registrada, virou cada
um elemento de preocupação. O temor de intensa
000
maisT
ser rejeitada faz com que a igreja procure
identificação cada vez mais intensa com o
mundo e seus valores.

4. A adequação

Novamente, devemos ouvir os missiólogos. Eles dizem que, quando uma


determinada cultura toma-se em campo missionário, o missionário deve ter algumas
atitudes para que o seu trabalho seja proveitoso. A primeira delas é a aculturação.

O choque entre as culturas é natural, mas deve prevalecer a cultura


nativa. Fazer missões não significa violentar a cultura do outro. E a mudança
de vida? É gradativa. Por isso, todo trabalho tem que lançar o seu olhar
para o futuro, a longo prazo. O missionário é um estranho; precisa, portanto,
adequar-se ao contexto.

Traduzindo a teoria para qualquer segmento social, a questão é a mesma.


A sociedade está cheia de grupos, etnias, imigrantes, construindo sistemas
de convivência, códigos, religiões, linguagens.
Colocar todas as pessoas num mesmo nível
de abordagem é uma imprudência; eis por que
falamos que a sociedade precisa de políticas,
pois são muitas as diferenças.

A mensagem adequada é aquela que


parte do nível de conhecimento antropo-
lógico, sócio-econômico, religioso, político
e ambiental. Cada período da história de um

259
A contextualização da igreja de Cristo

grupo carece de interpretação realista, pois existem fatores externos, uma


guerra, por exemplo, que podem alterar costumes e a organização dos
grupos.

A fragilidade registrada na atualidade reside na expectativa que se tem


do que chamamos de culto. Para "agradar" aos grupos e atender às
"possíveis" exigências deles, as igrejas propõem a adequação em termos
de acomodação. Fala-se em show gospel, artista gospel, cantor gospel,
banda gospel e muitos outros "ingredientes" encontrados lá fora.

Adequação é uma exigência estratégica,


eu sem empobrecer a proposta cristã, que não
Uma estraté é outra senão a de salvar o pecador, onde
em obrece ele estiver, em qualquer situação política,
cru ideológica ou econômica. As suas necessi-
ue nao é outra dades devem ser percebidas e superadas,
ao a salvar caracterizando o evangelho integral; a sua
cultura, preservada, desde que os pontos
vulneráveis sejam apontados; mas o
conteúdo da pregação não pode ser mudado sob pretexto de
contextualização. Eis o desafio.

260
Capítulo 19

Os problemas que enfrentamos

Pastor Edvar Gimenez

Falar dos problemas que enfrentamos no programa de contextualização


da igreja local é, por si só, um desafio, porque a questão proposta pressupõe
o desenvolvimento de um programa em direção à contextualização, e isso
nem sempre é verdadeiro. O que temos, muita vez, é um conjunto de
intenções acalentadas a partir de modelos bem-sucedidos, geralmente
importados, que nos impressionaram por servirem de alternativa ao
marasmo e ao tradicionalismo ineficaz, vigentes em áreas da igreja.

Como conseqüência, o primeiro problema que enfrentamos no


"programa de contextualização da igreja local" é a dificuldade de elaborar
A contextualização da igreja de Cristo

esse programa, pois isso exige conhecimento do contexto no qual estamos


inseridos, em termos demográficos, geográficos, culturais, religiosos,
econômicos e políticos, contexto como qual não fomos educados a interagir,
exceto no sentido de encará-lo como receptor dos nossos discursos. Isso
quer dizer que, em relação à comunidade na qual está inserida, a igreja é
somente boca, jamais olhos e ouvidos!

Além disso, geralmente falta-nos disposição para estudar a história


geral da igreja, inclusive da igreja local, visando identificar a diversidade
de modelos, como e por quê foram gerados em cada contexto histórico-
social. Nossa herança teológica estimula de tal forma o senso de urgência
na evangelização que acaba por desvalorizar qualquer iniciativa de interação
e estudo da realidade (Por que construir pontes se no céu não há abismos?).
Se não formos capazes de admitir que o contexto histórico determina os
modelos e discursos que adotamos, jamais seremos capazes de avaliar
esses modelos, de estar abertos a modificá-los e, muito menos, de construir
modelos adequados ao contexto em que estamos inseridos.

Essa compreensão nos remete ao desafio que está relacionado à


filosofia educacional de parte dos nossos professores, caracterizada pela
mera reprodução de conceitos antigos ou de terceiros, oriundos de outras
realidades sócio-cultural-religiosas. A mera reprodução, sem reflexão
crítica, é prejudicial ao preparo dos alunos para uma ação eficaz na
comunidade alvo do seu ministério. Professores livrescos, que não se
atualizam, seja interagindo comunitariamente, seja na reflexão crítica dos
conceitos ou das metodologias utilizados, dificultam a revisão desses
elementos e criam barreiras à necessária contextualização da igreja. Ao
falar de professores, refiro-me àqueles que ensinam nas escolas de formação
teológica e de capacitação ministerial e até mesmo os das escolas bíblicas
dominicais.

Infelizmente, muito do pensamento motriz que lidera nossas igrejas


continua sendo preparado para servir à igreja do passado, não do
presente; à do contexto histórico dos batistas do sul dos Estados Unidos,

262
Capítulo 19 — Os problemas que enfrentamos

do início do século passado e não de comunidades brasileiras do início


do século XXI. Boa parte dos nossos musicistas, por exemplo, saem do
seminário muito bem preparados para atuar em igrejas em avançado e
salutar processo de extinção. Sob o argumento de que igreja com música
de qualidade é aquela que utiliza estilo e instrumentos sacralizados pela
educação musical ministrada nos seminários, cria-se uma necessidade
de se converter as pessoas não somente ao evangelho, mas também à
cultura musical dominante em nossas escolas. Porém, o mundo do lado
de fora dos muros das igrejas e seminários, que utiliza outros estilos e
instrumentos musicais, é o mundo real em que fomos chamados para
servir e proclamar a palavra de Deus. Entre o estilo e instrumentos
sacralizados nos seminários e os utilizados pela população alvo da nossa
ação há não somente uma pedra, como diria Carlos Drumond de Andrade,
mas muitas pedras a serem removidas. Uma verdadeira pedreira que
consome nossa energia e desvia nossa atenção do essencial ao
cumprimento da missão.

O sentimento de conservadorismo impregnado na vida dos mais


antigos torna-os resistentes e medrosos diante do novo. Esse medo
geralmente é fruto da crença de que o novo e o pecado são sinônimos;
de que somos incapazes de atender a novos desafios; de que o novo
gera instabilidade e produz perda de poder ou prestígio comunitário. Há
uma dificuldade de se aceitar que, se há coisas que precisam ser
conservadas, há também coisas que precisam ser modificadas; de se
aceitar que o que define o que deve ser conservado ou modificado é o
objetivo que se quer alcançar e não nossos interesses particulares ou
corporativos; que, por isso, nosso olhar deve estar voltado para o futuro
e não para o passado, para as necessidades espirituais do outro e não
somente de nós mesmos. O sentimento de conservação, aplicado a todas
as áreas da vida da igreja, torna difícil o trabalho de contextualização,
impraticável até, em algumas situações.

A formação cultural da maioria daqueles que lideram hoje foi


construída num período em que o mundo era preto ou branco; capitalista

263
A contextualização da igreja de Cristo

ou comunista; protestante ou católico. Porém, com o processo de


democratização política do país e ampliação do acesso à informação
pelos modernos meios tecnológicos de comunicação, estamos
descobrindo um mundo colorido em que há pessoas não somente em
pólos extremos, mas também intermediários; que há pessoas em
processo de mudança, em graus variados de situação. O catolicismo
deixou de ser a religião oficial do Brasil, mas continuamos
entrincheirados, combatendo-o; protestantes e evangélicos ocupam
funções de destaque na sociedade, mas continuamos alimentando
sentimentos de vítima; estamos na era do pós-pentecostalismo, mas
continuamos inimigos do movimento de renovação espiritual da década
de 60. Essa cultura religiosa de defensiva, de retaguarda e a política de
partidarismo denominacional nos impedem de ver quem são nossos
verdadeiros inimigos espirituais, quais são os objetivos que queremos
alcançar e que estratégias devemos usar. Continuamos usando discursos
ultrapassados, resistentes à contextualização, porque nossos inimigos
continuam sendo os do passado. Não percebemos que eles se
modernizaram, tomaram outras formas e que o mundo está mudando.
Por isso, insistimos em querer o impossível: uma igreja como
antigamente, capaz de responder aos anseios de pessoas que não são
de antigamente. Resultado: igrejas cheias de si, vazias de amor pelo
próximo, crescendo em marcha lenta; igrejas que se consideram grandes,
porque cometem o equívoco de usar como referencial outras igrejas
da denominação e não a população do lugar em que estão inseridas.

Dialogar com o mundo que nos cerca, usando linguagem


adequada, fechando um pouco mais a boca e abrindo muito mais os
ouvidos e olhos, são atitudes essenciais à igreja que busca
aproximação, como fazia Jesus, para responder positivamente às
necessidades do mundo atual. Só assim seremos capazes de rever
nosso modo de ser igreja, estabelecendo uma interação saudável,
salvadora, libertadora e contextualizada, em nome de Jesus.

264
Conclusão

Há alguns anos atrás tive o privilégio de conhecer o trabalho missionário


realizado pela BMS (Baptist Missionary Society) há mais de 200 anos na
Índia e em Bangladesh. Aqueles queridos irmãos na sua visão de expansão
missionária escolheram alguns líderes emergentes nos seus países
missionários para que pudessem realizar uma imersão transcultural em outros
países diferentes de suas culturas.

Formamos uma pequena equipe que seria acompanhada por


missionários experientes para reconhecimento, aprendizado da cultura e
apoio às igrejas e obreiros daqueles países. Foram 42 dois dias de choque
cultural!

Dia a dia aprendíamos quão despreparados estávamos para comunicar


Jesus a aquela gente. Tenho que confessar que foi nestes dias que preguei
o pior sermão da minha vida. Tanto que após aquela mensagem, até o fim
da viagem, sempre que me convidavam a falar (e sempre o faziam) me
limitava a compartilhar o meu testemunho pessoal.
A contextualização da igreja de Cristo

Mas ao fim daquela jornada ficamos reunidos por 2 dias para uma
reflexão como equipe. O nosso grande alvo era tentar sintetizar o que
havíamos aprendido naqueles dias. Lembro-me muito bem de minha
resposta à equipe: Saio daqui com duas grandes questões que preciso
responder para mim mesmo:

A primeira: o que é o puro evangelho? Aquele que Paulo dizia que


pregava. Pois descobri que muito do que eu acreditava ser o puro evangelho
vinha cheio da minha própria cultura, liturgia e costumes que não tinham
sentido nem significado para aquele povo.

A segunda: O que é ser batista ? Pois descobrira que os batistas eram


diferentes em muitas coisas dependendo da geografia. Você já percebeu
que uma Igreja Batista na Barra da Tijuca não é muito semelhante a uma
Igreja Batista no sertão nordestino? Imagine as diferenças que conheci e vi
entre aqueles queridos e santos irmãos daquelas regiões. Que para manter
a sua fé sonhavam em viver em comunidades batistas, pequenas fazendas
coletivas, para proteção de seus filhos que eram constantemente raptados,
pelos muçulmanos em Bangladesh, para que não crescessem como cristãos.

Esta experiência aponta para o âmago da questão da contextualização


que tratamos neste livro. E tudo quanto estudamos até aqui nos remetem a
questionamentos que precisam de resposta em cada ministério local. Como
ser relevante ao povo, ao bairro, a cidade , a região do mundo a quem
Deus nos constituiu pastores? Como podemos ser os agentes de
transformação espiritual, moral e social nesta terra?

Quando olhamos para estas questões descobrimos que elas não têm
uma resposta simples. E mais, percebemos que para realizar tal obra
precisaremos dedicar a nossa vida a este processo.

A grande resposta a estas perguntas, na minha vida, tem surgido de


algumas premissas bem simples, mas preponderantes sobre todas as outras
coisas no meu ministério.

266
Conclusão

Primeiramente precisamos entender que a nossa relevância só pode


proceder do Senhor. Nós somos os cooperadores de Deus. A obra é
dele! O reino é dele! A salvação é algo que só ele pode realizar! Nós
somos os profetas de uma esperança que transcende toda a possibilidade
humana. Ai está a nossa relevância!

Por isso só seremos relevantes e só poderemos ser de fato agentes


transformadores da história na medida da nossa identificação com Senhor
desta obra. Não estou falando de uma mera identificação religiosa,
institucional ou mesmo denominacional, mas daquela identificação piedosa,
que nos faz ser gente parecida com Jesus. Que impressiona, não pelas
palavras da erudição, mas pela presença de Jesus em nós.

Matin Loyd Jones, falando sobre autoridade e poder, fez uma crítica
veemente a algumas tentativas evangélicas de ser relevante, quando
trocamos a santidade e a unção desta poderosa identificação com o Senhor
da Igreja pelos títulos dos nossos pregadores, pelos seus paramentos, pela
pompa e circunstância de nossas reuniões que não são capazes de produzir
transformação e nem tão pouco são relevantes.

Desta santa identificação nasce uma segunda, a identificação com as


pessoas que Deus quer que sejamos pastores. Nunca seremos relevantes,
nem produziremos qualquer transformação enquanto , por Jesus, não nos
identificarmos com eles em amor, santo e piedoso. É este amor santo e
piedoso que nos ajudará a colocar o mais importante em primeiro lugar.

É tão fácil assumir uma postura crítica, achar que sabemos e podemos,
mas no momento em que amamos e sofremos com aqueles que Deus amou
primeiro entendemos que o mais importante não é se apartar dos publicanos e
pecadores. O mais importante é comer com eles, como Jesus, fez. É curar as
suas feridas. É ter o coração perdoador que pela força do amor transforma.

Neste livro vimos teorias, metodologias, verdades que precisamos


conhecer, mas a santa identificação com Jesus e com o povo que ele ama,

267
A contextualização da igreja de Cristo

os pecadores, ovelhas perdidas do nosso aprisco, é o verdadeiro sentido


da contextualização.

Lembro-me ter lido, mas confesso que não sei onde, a história de um
movimento de avivamento na África que começou com um ouvir a voz de
Deus por um missionário que ainda não havia entendido o sentido e o
poder da contextualização. Ele estava orando com um grupo de irmãos
negros, que ao estilo africano, gesticulavam, andavam, falando alto, quando
ele percebeu um grupo de europeus do lado de fora da sala onde estavam.
Num ímpeto muito natural, sabendo que aqueles europeus não entenderiam
o que se processava naquela sala, ele se levantou para fechar a janela.
Naquela hora, o Espírito de Deus o tocou profundamente, ele podia ouvir
a sua voz no seu coração lhe dizendo: "Se você fechar a janela eu ficarei
do lado de fora".

Alguns de nós não temos entendido este processo. Fechamos a janela,


criamos um mundo à parte e uma língua própria enquanto o Espírito Santo
está a nos dizer : "Abra as janelas, escancare as portas. Ajude as pessoas
a conhecerem o Senhor dos Senhores e Rei dos Reis. Não permita que
elas se percam.

Mas e os perigos ? É verdade existem muitos perigos! E esta sempre


foi a grande tensão desde os dias da Igreja de Jerusalém. Este era o medo
dos primeiros crentes quando se perguntavam se deveriam ou não abrir as
portas da igreja para os não judeus. Ou depois, o que se deveria exigir
deles, uma conversão ao judaísmo e depois ao cristianismo, ou extrair do
tipo de religiosidade cristã-judaica o que Paulo chamava de o puro
evangelho para que eles pudessem ser recebidos como irmãos?

Mais uma vez a resposta se encontrará nesta santa identificação,


primeiro com Jesus, como autor e consumador da nossa fé e depois com
as pessoas que ele ama e pelas quais morreu. Esta santa identificação
moderada pela palavra será o alicerce de uma obra relevante e
transformadora.

268
Conclusão

Quando garoto, gostava de tomar o café da manhã com minha avó.


Ela morava quatro quadras de onde morava. Por isso, sempre que era
possível, chegava ali para tomar café. Mas o café tinha preço. Nunca saia
de lá sem que ela orasse comigo, lesse a bíblia e cantasse. Havia um corinho
que ela cantava quase sempre:
Que a beleza de Cristo se veja em mim .
Toda a sua admirável pureza e amor .
Óh Tu, Chama divina, todo o meu ser refina até,
Que a beleza de Cristo se veja em mim!
Eu não sabia o que cantava. Não podia entender a profundidade do
que vovó queria me ensinar. Mas a marca ficou ! Conheci a beleza de
Cristo através de seu reflexo no seu rosto. Uma beleza que vinha da sua
identificação com Jesus, mas ao mesmo tempo que me impressionava a
medida em que ela se identificava comigo, o seu neto.

Uma beleza que era dela na intimidade com o seu Senhor, mas que era
minha na intimidade que ela tinha comigo e no zelo amoroso pela minha
conversão.

Uma identificação que a fez entender que algo impedia a minha entrega
total a Cristo e por isso, apesar de idosa, foi procurar algum lugar onde
jovens e adolescentes falassem de Cristo a outros jovens e adolescentes.
Uma santa contextualização!

Podemos falar muito, teorizar mais ainda, mas se você não estiver
disposto a pagar o preço desta santa identificação com o Senhor e com o
povo que ele ama, você nunca será relevante nem será um agente de
transformação na história.

Este livro é um convite a esta dupla identificação. Você esta disposto


a começar a partir de onde você se encontra?

Minha oração é que seja sim.

269
Bibliografia

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Viste livro ommpresso.-


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