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A verdade que talvez você nunca ouça na igreja

Andrew Farley
Andrew Farley

A verdade que talvez você nunca ouça na igreja

ia/
Vida
Copyright© 20 09 de Andrcw Farl ey
Originalnicnte publicado nos EUA com o título
Vida The Naked Cospel: The Truth You May Never Hear In C
E ditora V id a Copyright da edição brasileira © 201 1, Editora Vi da
Rua IsidroTinoco , 70 Tatuapé Edição publicada com permissão de Z ondervan ,
CEP 03316-010 São Paulo, SP Grand Rapids, Michi gan.
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Todos os direitos desta tradução em língua portuguesa
reservados p or Editora Vida.

P roibidaa reprodução p o r quaisquer meios ,


SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA PONT

Scripture quotations takcn from Bíblia Sagrada,


Nova Versão Internacional , NVI ®
Copyright © 1993,2000 by International Bible Society
Uscd by permission IBS-STL U.S.
Editor responsável: Marcelo Smargiassc
Editor-assistcnte: Gisele Romão da Cruz Santiago All rights
Edição reservedpor
publicada worldwide.
Editora Vida,
Editor de qualidade c estilo: Sônia Freire Lula Almeida
Tradução: Jurandy Bravo salvo indicação em contrário.
Revisão de tradução: Andréa Filatro
Revisão de provas: Sônia Freire Lula Almeida Tod as a s citações bíbli cas e de terceiros foram adap ta
Projeto gráfico e diagramação: Karine dos Santos Barbosa segundo o Acordo Ortográf ico da L íngua Portug uesa,
Capa: Arte Peniel assinad o em 1990, em vigor desde janeiro de 2009.

1. edição: out. 2011

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Farley, Andrew
O Evangelho nu: a verdade que talvez você nunca ouça na
Igreja / Andrcw Farley; tradução: Jurandy Bravo. — São Paulo:
Editora Vida, 2011.

Título srcinal: The Na ked Go spel: The T ruth You May N ever
Hear In Church.
ISBN 978-85-383-0217-9

1. Teologia do utrinária — O bras de divulgação 2. Vida cristã


I. Título .
11-07697 CDD-230

índices para catálogo sistemático:


1. Teologia doutrinária : O br as de di vulgação 23 0
Para meu filho, Gavin — um mapa.
Isso mesmo. Bom a esse ponto.
Ainda melhor do que eu seria capaz de explicar.
Deleite-se no Novo e deleite-se no Senhor!
Tenho orgulho de você, garoto.
Sumário
Quem avisa amigo é • 9

Parte 1
Tran storno do cristianism o obsessivo • 11

Parte 2
Religião é dor de cabeç a • 25

Parte 3
Cruzando fronteira s • 79

Parte 4
Ateando fogo às matrioskas • 97

Parte 5
Traindo Jes us • 137

Parte 6
Não nos casamo s com gente morta • 181

Parte 7
Ataque ao ego * 2 1 5

Reflexões nuas • 235


Informações adicio nais • 245
Agradecimentos • 253

7
O evangelho nu é descobrir como era o evangelho
pregado por nosso Senhor e seus apóstolos; que
acréscimos e alterações foram feitos nos anos que se
seguiram; que vantagens e prejuízos resultaram disso.
A rthur B ury , 1691

O livro de Arthur Bury, intitulado O evangelho nu, foi


queimado pela igreja de sua época.
Quem avisa amigo é

O verdadeiro evangelho nu É muito melhor do que qualquer


um de nós consegue compreender. Um alerta, no entanto: talvez
você jogue este livro no chão, enojado; talvez torne a pegá-lo por
curiosidade; talvez balance a cabeça, frustrado, enquanto se per
gunta: Como não percebí isso antes? ou Esse sujeito é maluco ?
Em se tratando de cristianismo, reconheço ser mais palatável
falar sobre amenidades. Corre-se grande risco traçando linhas
na areia e enfrentando as discordâncias. Você deve ter notado,
porém, que grande parte do Novo Testamento foi escrita para
corrigir interpretações erradas e falsas doutrinas. Ao que pare
ce, impor verdades absolutas e discutir minúcias teológicas faz
parte da vida de uma igreja saudável.
Os cristãos de hoje são gratos por Jesus e pelo céu. Alguns de
nós entramos na igreja todas as vezes que suas portas se abrem.
Alguns ouvem centenas de sermões todos os anos. Alguns de
coram toneladas de versículos bíblicos. Alguns têm até certa
experiência com as coisas de Deus.
Apesar de todo o nosso fervor, muitos de nós ainda nos sen
timos apáticos, em vez de enlevados, com o evangelho. Mas
talvez exista uma resposta para nosso anseio sincero por maior
paixão na vida cristã.

9
0 evangelho nu

Será que esse tipo de cristianismo — o que substitui a apatia


pelo enlevo — é bom demais para ser verdade? Para ser franco,
creio que é o único tipo passível de ser considerado bíblico. Toda
via, essa parece ser a verdade que você talvez jamais ouça na igreja.
Com frequência exagerada encontramos um jargão leve,
ambíguo e enganoso, e respostas fáceis em muitas igrejas
atuais. Não importa quan
Comfrequência to você ouça, ou quanto se
exagerada entretenha com isso, nada
encont ramos um produzirá satisfação genuína
jargão leve, ambíguo e duradoura. Só existe uma
eenganoso,e mensagem capaz de provo

respostasfáceisem car mudança real e perma


muitas  igrejas atuais. nente. E o evangelho nu.

U m  c o nv i te

Houve tempo em que pensei saber tudo sobre a fé cristã, mas só


quatorze anos depois de ter recebido Cristo é que comecei a en
tender a realidade. Não me refiro a outra experiência de salvação
ou a uma segunda bênção. Falo de um retorno ao pé da cruz e à
entrada do túmulo de Jesus Cristo para aprender tudo de novo.
E, em meu caso, houve tanto desaprendizado quanto
aprendizado.
Tendo isso em mente, convido você a mergulhar comigo
rumo à essência poderosa e indispensável da fé cristã. Encontrei
respostas legítimas que não decepcionam. Encho-me de entu
siasmo ao compartilhá-las com você. Aposto que você se sur
preenderá pelo menos uma ou duas vezes ao longo do caminho.
A verdade tende a causar esse efeito.

10
TRANSTORNO DO
CRISTIANISMO
OBSESSIVO
Podemos dedicar nossos dias ao que chamamos
de obrigações religiosas, e7icher nossos momen-
tos de devoção de fervor e ainda continuarmos mi-
seráveis. Nada pode dar descanso ao nosso coração
a não ser o verdadeiro relacionamento com Deus.
Hannah Whitall Smith (1832-1911)
R emédios , terapia para tratamento da saúde
e u m a clínica

mental — as soluções que me foram apresentadas. Um espe


cialista deu a entender que minha condição não mudaria pelo
resto da minha vida e que eu sempre necessitaria de medicação.
Apesar do meu desespero, recusei-me a acreditar nisso. Tinha
de haver outra solução para meu problema. Depois de tentar
vários terapeutas cristãos, cada um dos quais empregando uma
abordagem diferente, nenhum conseguiu alterar os comporta
mentos padronizados aos quais eu estava preso.
Afinal de contas, o estudo obsessivo da Bíblia e o evangelis-
mo de rua não são sintomas considerados comuns.

Com o tudo começou


Eu era popular no ginásio, tirava boas notas e cheguei a ser eleito
presidente do grêmio estudantil. Não tinha problemas para fazer
amigos nem para fazê-los rir. Era bem-sucedido nos esportes, no

teatro e com as garotas. Nenhuma dessas áreas contribuiu para


o profundo sentimento de inferioridade que eu experimentava.
Meu problema era a sensação de não ir tão bem em outra are
na — a espiritual . Na igreja, na escola cristã, nos acampamentos

13
0 evangelho nu

cristãos, até nos concertos de música cristã que eu frequentava,


todos davam a entender a mesma coisa: você precisa renovar sua
entrega, seu compromisso, e ser diferente. Você não está fazendo
o bastante. Não se dê por satisfeito. Fuja da estagnação. Não
descanse nunca. Sempre há mais para fazer por Deus.

2BSBSÊM
Embora eu fos se 
Med o. Cu lpa. P ressão. Eis os
motivadores que me fisgaram já
de início e quase me mataram.
capazde me
Mataram? Isso mesmo. Tive en
levantarnometrôe
contros íntimos com a morte e
pregar para o vagão
sofri ferimentos graves algumas
inteiro,continuava
vezes. Certa vez levei uma pau
vazio porden tro.
lada na cabeça quando evan-
gelizava na rua em uma região
perigosa da cidade. Outra vez fui jogado ao chão por um trafi
cante a quem tentava converter.
Compromisso? Eu tinha de sobra, pode apostar. Mas com
promisso com o quê? Embora eu fosse capaz de me levantar no
metrô e pregar para o vagão inteiro, continuava vazio por den
tro. Mesmo tendo toda a disposição de testemunhar de porta

em porta no bairro, na verdade eu não tinha uma vida plena a


oferecer. Pregando em trens, na vizinhança ou na cadeia local,
mas sempre havia ansiedade no meu interior.
O espírito do evangelho pelo qual fui criado me assegura
va o céu no futuro, mas não me ajudava com a turbulência
presente. Eu receava que Deus se desapontasse tanto com meu
desempenho que não mais me quisesse usar, fazer crescer ou “se
associar” comigo. As vozes ao meu redor só confirmavam que

eu estava
muito maisaquém das expectativas
para corresponder e que desejado.
ao padrão precisava me esforçar
Você não saberia que isso me incomodava porque nunca dei
xei transparecer. Todavia, depois de anos sem ser cogitado para

14
Transtorno do cristianismo obsessivo

o prêmio Personalidade Cristã da escola, as coisas se compli


caram. A chave para ganhar o prêmio era ser tranquilo, tímido
até. Quem nunca falava muito logo recebia o rótulo de “man
so ” . O problema era minha person alidade, que não preenchia
os pré-requisitos.
Eu tinha um relacionamento pessoal com Cristo. Conhecia a
Bíblia melhor do que muita gente. E me importava de verdade
com meus amigos da escola. Mas também era o palhaço da
classe, a alma das festas. Humor e personalidade cristã simples
mente não se misturavam.

O MEIO
Serei diferente na faculdade , prometi a mim mesmo. Era minha
oportunidade de mudar — de encontrar um ambiente novo e
começar com uma página em branco. Recebi cartas de duas
universidades aceitando minha inscrição. Uma foi a Wheaton
College, talvez a melhor faculdade cristã do país; a outra, a
Furman University, uma escola bastante conceituada no Sul.
Depois de comunicar a meus pais que eu não me considera
va “ bom o suficiente como cristão para estudar na Wheaton” ,
aceitei o convite da Furman.
Meu primeiro ano foi de transição. Decidi que não queria
mais ser medíocre na arena espiritual. Pretendia conquistar o
respeito divino e das pessoas à minha volta. Depois de me de
bruçar sobre dezenas de livros cristãos, senti-me mais instruído
que a maioria de meus pares. Fiz meu primeiro sermão em igre
ja ao s 19 anos. Evangelizei nas ruas de Espanha, Grécia e Itália
em viagens de estudo ao exterior. Era intenso, e todos por perto
sabiam disso.
De volta aos Estados Unidos, perdi todos os amigos. Quem
poderia culpá-los? Eu mudara. Ainda me lembro de um dos

15
0 evangelho nu

melhores deles dizendo a outro amigo que o constrangia ser


visto comigo.
Claro, alguns desconhecidos me aplaudiam e me respeita
vam. Mas eram desconhecidos. Só enxergavam o resultado final
— alguns começavam a se achegar à fé em Cristo e outros pare
ciam beneficiar-se do meu “discipulado” . Mas eram a minoria.
A maioria conseguia perceber que havia algo errado dentro de
mim. Eu era compulsivo e não demonstrava ter um propósito
em vista.
Minha intensidade atingiu o ápice quando passei a conse
guir dormir apenas depois de compartilhar sobre Cristo com
alguém. Do co ntrário , quando minha cabeça tocava o travessei

ro, eu me lembrava de estar em falta com minha obrigação. As


sim eu me levantava, ia até o mercado 24 horas mais próximo e
procurava alguém a quem pregar. Depois de recitar minha fala,
podia voltar para casa e dormir.
A reação das pessoas não tinha
Passei a conseguir
a menor importância. Não se
dormirapenasdepois
pode controlar o resultado , eu
decompartilharsobre
dizia a mim mesmo. Cumprira
Cristo com alguém.
meu dever. Atendera ao chama
do. Já podia dormir.
Ridículo? Talvez. Mas eu só estava praticando o que ouvira
algumas pessoas sugerir como o caminho para o crescimento
e a realização espirituais. Minha loucura podia parecer ex
trema; nada mais era, porém, do que levar às últimas conse
quências o método que me fora apresentado. Eu sempre tinha
uma resposta pronta para quem me perguntasse sobre minha
“ cam inhad a” e quisesse sondar minha “ responsabilidade” .
Jamais me rotulariam de apóstata ou pouco espiritual. Isso
doeria mais do que manter todo o meu ritual. Pelo menos, era
assim que eu pensava.

16
Transtornodocristianismoobsessivo

O FIM
Não demorou para que todo esse empenho, sem me render lucro
algum, cobrasse seu preço. Mergulhei numa profunda depressão.

Meses depois, vi-me deitado no chão do apartamento, soluçando


durante horas a fio: Deus, faço tudo o que se espera que eu faça,
mas não me sinto mais próximo de ti. Na verdade, sinto-me pior
do que nunca! Como tudo pôde dar tão errado? Não consigo
nem enxergar uma saída. Ajuda-me!
Não me restou alternativa senão ligar para casa. Peguei o te
lefone e em questão de horas abandonei a universidade no meio
do semestre para voltar à Virgínia, meu Estado natal. Desco

nhecia o queem
na condição meque
esperava, mas sabia que não podia continuar
me encontrava.
Não havia solução rápida para meu problema. Após meses
em busca de ajuda, eu ainda não me libertara da obsessão
por apresentar um bom desempenho em nome de Deus. Meu
pai ficou sabendo de um homem que talvez tivesse as respos
tas que eu procurava, então pegamos os dois um avião com
destino a Atlanta. Transcorri
do um dia em oração com esse
homem, alguns dos meus pen “Você nãog ostaria
samentos começaram a desa desetornarcristão
nuviar. Pelo menos concordei esesentirmiserável
que minha compulsão pelo de comoeu?”
sempenho não vinha de Deus.
Era um começo.
Os anos seguintes não foram fáceis. Retornei à faculdade,
diplomei-me e até entrei na pós-graduação, mas havia perdi
do toda a confiança em quem eu era. Minhas crenças me ha
viam traído. Se estivesse vulnerável o suficiente para ser sincero
nas ocasiões em que saía para evangelizar, eu teria proposto a

17
0 evangelho nu

seguinte pergunta: “Você não gostaria de se tornar cristão e se


sentir miserável c omo eu ?” .
Eu passava, assim, por um período de reconstrução. Fora
quebrantado, despido de qualquer senso de autoestima. Passara
de palhaço da classe e presidente do grêmio estudantil a intenso
guerreiro cristão, e depois a um sujeito calado e esquisito sem
pre no seu canto. Psicologicamente, eu estava completa mente
confuso. Precisava de respostas.

M e u novo começo

Faz dezessete anos que me deitei para chorar no chão daquele

apartamento.
Deus por nada.Hoje, eu não gostaria
Na verdade, trocaria que
meuo relacionamento com
mundo inteiro tives
se o mesmo relacionamento com ele! Através de meu desespe
ro, minha entrega a Deus em busca de respostas reais e minha
disposição de deixar para trás todas as minhas pressuposições
anteriores, fui apresentado ao evangelho nu.
Eu já era cristão, mas ninguém se dera ao trabalho de me
despir de todas as idéias distorcidas e do jargão enganoso que
eu adotara. Ninguém me apresentara à verdade nua. Eu só pre
cisava de uma injeção intravenosa que não estivesse contami
nada pela religiosidade. Ao perceber que eu estava no caminho
errado, Deus me capacitou a enxergar o caminho dele — a rota
para a liberdade.
O conteúdo deste livro é o resultado da minha jornada.
A esperança nasceu com a compreensão da importante diferen
ça entre dois sistemas operacionais — um Velho e um Novo.
A partir do momento em que enxerguei o portal para o Novo,
tudo o que precisei fazer foi atravessá-lo.
O que havia do outro lado transformou minha vida.

18
2

so u o únicoatingir o fundo do poço. Ao que tudo


a

indica, muitos cristãos experimentam um entusiasmo inicial ao


aceitar a Cristo, mas depois se decepcionam, se desiludem ou
até entram em depressão.
Alguns dos líderes de igreja norte-americanos vêm tentan
do descobrir a razão dessa epidemia e o que pode ser feito
a respeito. Em 2004, a Comunidade Willow Creek em South
Barrington, Illinois, desenvolveu a pesquisa DESCUBRA1
para entender o coração — emoções e atitudes — do povo
que a frequentava. Desde então, mais de 400 igrejas de todos
os tamanhos, denominações e regiões do país têm usado a
pesquisa para propor a seus membros perguntas semelhantes
às que se seguem.
Analisaremos como os cristãos responderam a questões
como essas. Antes, contudo, reserve alguns minutos para pensar
em como você mesmo respondería a essa bateria de perguntas.
Para cada questão, circule um número entre 1 (nível mais bai
xo) e 10 (nível mais alto).
' V. Descubra: onde você está!, de Greg L. Hawkins e Cally Parkinson, é o primeiro
livro, de uma série, publicado como resultado da pesquisa feita (São Paulo: Vida,
2008). |N. do F..]

19
O evangelho nu

Como você avalia seu nível de entusiasmo pela igreja?


1 2 3 4 5 6 7

Como você avalia seu nível geral de plenitude na vida?


12345678

Como você avalia seu nível de satisfação com seu crescimen


to espiritual?
1 2 3 4 5 6 7

Como você avalia seu nível de envolvimento nas atividades


relacionadas à igreja?
1234567 89 10

A GRANDE SURPRESA
Os pesquisadores da Willow Creek pensaram poder encontrar
forte relação entre o tempo gasto com atividades na igreja e
crescimento e realização espiritual. Presumiram que qualquer
pessoa que dedicasse seu tempo à igreja estaria realizada e cres
cendo ativamente. Faz sentido, certo?
Errado, ao que se descobriu.
A pesquisa revelou que não eram os cristãos mais ativos que
estavam crescendo e se sentiam realizados. Revelou também
que um grande número deles — cerca de 25% dos frequenta
dores entrevistados na Willow Creek — admitiu sentir-se “es
tag nado” ou “ insatisfeito” . E outras igrej as estão descobrindo
que isso vale também para seus frequentadores.
Então o que há de errado com as igrejas hoje em dia? Se
passamos mais tempo na igreja, não deveriamos esperar cres
cer espiritualmente e nos sentirmos realizados? Não nos é dito
que, se bebermos da água viva oferecida por Jesus, nunca mais

20
Transtornodocristianismoobsessivo

teremos sede? Se isso é verdade, então o que acontece com os


cristãos hoje? O que está faltando?
Muitas igrejas norte-americanas atuais parecem ter tudo
— projeção em termos culturais, instalações atraentes e amplo
conjunto de programas para abranger todo e qualquer estilo
de vida. Acrescente a isso a experiência de oradores dinâmicos,
música com qualidade profissional e convidativos pequenos
grupos. Como os membros mais ativos nessas igrejas podem
sentir-se estagnados e insatisfeitos?
Não há nada errado com
instalações da melhor qualida
Muitasigrejasatuais
de, programas criativos e um
parecemtertudo.
genuíno senso de comunidade.
Todavia, a questão fundamen
tal é: “ Que mensagem estamos compartilhando com nossa
comunidade e entre nossas paredes com os nossos chamados
‘programas’?”. Creio que nossa substância , não nossa estrutu
ra, está deixando tantos frequentadores estagnados e insatisfei
tos. Uma igreja pode ter programas refinados, uma equipe bem
treinada e oradores dinâmicos...

... mas conteúdo é o que as pessoas levam consigo quando


voltam para casa.

O TESTE DO EVANGELHO NU
A fim de ilustrar esse ponto, façamos uma pausa para um teste
rápido. A seguir apresentamos dez conceitos relacionados à fé
que parecem não ser discutidos com regularidade em muitas
igrejas hoje. Mas a visão que temos de cada um desses concei
tos afeta nosso relacionamento com Deus, nosso crescimento
espiritual e nossa realização na vida. Para cada um dos dez con
ceitos, indique se você o considera falso ou verdadeiro. Basta

21
0  evangelho nu

circular o V ou o F junto ao lado de cada declaração para re


gistrar sua opção. ( Observação: Não passe à questão seguinte
antes de responder a cada uma das questões.)

1. Os cristãos devem pedir a Deus para perdoá-


-los e purificá-los quando pecam.
2 . Os cristãos lutam contra o pecado devido ao
velho homem.
3. Devemos esperar em Deus até para tomar
mos as decisões cotidianas.
4. Quando pecamos contra Deus, estamos fora
da comunhão até nos arrependermos.
5. A Lei do Antigo Testamento está escrita no
coração dos cristãos de modo que temos um
desejo genuíno de obedecer.
6 . A Bíblia diz que os cristãos podem alcançar
muitos galardões no céu.
7. Os cristãos prestarão contas de seus pecados
diante do grande trono branco.
8 . Os cristãos deveríam pagar o dízimo de sua
renda para a igreja.
9. Deus fica bravo conosco quando pecamos
contra ele repetidas vezes.
Deus olha para nós como se fôssemos justos,
embora não o sejamos de verdade.

RESPOSTAS DO TESTE

Por que o teste? Bem, você se lembra da pesquisa que foi res
pondida no início deste capítulo? Você avaliou seus sentimentos
em relação à igreja, seu entusiasmo pela vida e sua satisfação
com seu próprio crescimento espiritual. E inevitável que nosso
Transtorno do cristianism o obsessivo

modo de pensar leve a sentimentos. Assim, a única maneira efi-


caz de avançar rumo ao crescimento e à realização quando nos
sentimos insatisfeitos ou inexplicavelmente estagnados é cavar
fundo a Palavra de Deus para encontrar respostas verdadeiras
que mudem nosso modo de pensar.
Experimentei as consequências do meu modo de pensar, e
minha recuperação aconteceu ao longo de uma década em que
aprendi a substituir pensamentos antigos por novos. Não sei se
há mais para contar além da minha história de tentativas e erros,
sofrimen tos por c ausa dos erros e, por fim, encontro de respostas.
Por falar nisso, a resposta bíblica para cada uma das decla-
rações do teste do evangelho nu é: Falso.

Sim, falso.
Então, como você se saiu?
Você está pronto para se despir de camadas de religiosidade
a fim de descobrir uma revigorante realidade — tendo sempre
em mente que a verdade deve tornar você livre ?

23
R eligião é dor
DE CABEÇA

Muitos cristãos permanecem na escravidão da


Antiga Aliança. Julgando ser a Lei uma ordenação
divina para nosso direcionamento, eles se conside-
ram preparados e aptos pela conversão a assumir
o cumprimento da Lei como um dever natural.
Andrew Murray (1828-1917)
3

C onheço muitos descrentes q u e têm optado propositada-


mente por não contrair a enfermidade cristã. Eles se autode
nominam ateus ou agnósticos e parecem usar o distintivo com
muito orgulho. Na cabeça deles, evitam com sabedoria os sin
tomas dolorosos da religião desnecessária.
Talvez seja verdad e que alguns ainda digam: “ O cristianismo
é uma muleta” . Em essência, essas p alavr as são de fato gentis,
visto que a muleta é um apoio que impede alguém de cair. Em
tempos recentes, contudo, a mentalidade popular diz: “Por que
me sujeitar a algo que parece deixar tanta gente infeliz?”. Para
muitos, o cristianismo é visto mais como câncer do que como
uma muleta.
Quem está de fora começa a perceber que muitos cristãos
vivem insatisfeitos com a igreja ou com seu relacionamento
pessoal com Deus. A fé deles
não funciona mais, já que não
Para muitos, o
conseguem cumprir sua par
cristianismoé
te da “barganha” com Deus. vis to mais como
Muitos talvez tenham tido uma
cânc erdo  que como
experiência de salvação emo
uma mulet a.
cionante e vivido um período
0 evangelho nu

de crescimento espiritual satisfatório, mas, por algum motivo,


aquilo que começou esfuziante agora começa a desbotar.

U m problema antigo

0 problema não é novo. Mais de cem anos atrás, Hannah Whitall


Smith registrou a seguinte declaração feita por um amigo que
observava o cristianismo pelo lado de fora:

Se vocês, cristãos, querem fazer que nós, agnósticos,


nos disponhamos a considerar sua religião, devem tentar
sentir-se mais à vontade com ela. Os cristãos que conheço
me parecem as pessoas menos à vontade do mundo. Te
nho a impressão de que carregam a religião como quem
carrega uma dor de cabeça. Não querem livrar-se da pró
pria cabeça, mas ao mesmo tempo é muito incômodo
conviver com ela. Não quero ter esse tipo de religião!1

Assim, se reconhecermos que o problema existe, nada é mais


sensato do que procurar uma solução. Mas onde buscar respos
tas genuínas? Talvez devéssemos começar entendendo melhor
a srcem do problema. E, sim, ele tem mais de uma centena de
anos de idade.
Para compreender a raiz desse problema religioso, vamos
viajar a milhares de anos atrás, quando o povo de Israel se reu
nia para ouvir o que Deus exigia deles. Observe que eles res
pondiam com um sim absolutamente comprometido:

Quando Moisés se dirigiu ao povo e transmitiu-lhes


todas as palavras e ordenanças doS enhor , eles respon

deram
denou”.em
[...]uníssono: “Faremos tudo o que o
S enhor or

1 Apud S mith , Hannah Whitall. The God of All Comfort. New Kensington, PA:
Whitaker House, 1997.

28
Religiãoédordecabeça

Em seguida, leu o Livro da Aliança para o povo, e


eles disseram: “Faremos fielmente tudo o queS o
en h o r

ordenou”.2

Mais de 600 mandamentos ao todo — mais de 350 itens e atos


dos quais que se abster, e quase 250 ações na lista de afazeres. Ah,
e por falar nisso, algumas violações da Lei — como a idolatria e
os pecados sexuais — podiam ser punidas com a morte!
No final das contas, como o comprometimento dos israeli
tas acabou se revelando? Bem, você talvez conheça a história.
Conforme está registrado no Antigo Testamento, a história de
Israel é composta por fracasso em cima de fracasso, decepção
em cima de decepção.

M on t an ha - r u ssa

Deus encarregou a tribo de Levi de operar como sacerdotes de


Israel. Esses sacerdotes ensinavam a Lei, ofereciam sacrifícios
de animais e oravam pedindo orientação. O sumo sacerdote ofi
ciava no Lugar Santíssimo no Dia da Expiação. Entrava e asper-
gia sangue por toda a tampa da arca como oferta primeiro pelos
próprios pecados, depois pelos pecados dos israelitas. Ele servia
durante vinte e cinco anos ou até morrer, e a partir de então o
privilégio passava para seu filho mais velho. Além disso, Deus
ordenou que o sacerdócio permanecesse na linhagem de Levi.
Asafe, levita chefe do coro, escreveu um dos melhores re
sumos da experiência de Israel debaixo da Lei. No salmo 78,
lemos que Deus sempre foi fiel a Israel. Ele libertou o povo da
escravidão no Egito, dividindo o mar Vermelho e guiando-os

por meiorochas
Fendeu de umapara
nuvem de dia e de uma
milagrosamente colunadedeágua,
provê-los fogo àe noite.
até 1

1 Êxodo 24.3,7.

29
0 evangelho nu

comida fez cair do céu. Provou-se vezes e mais vezes. E só pedia


algo muito simples em troca — a fidelidade de Israel.
Mas o salmo revela um passeio de montanha-russa na rela
ção daquele povo com Deus — obediência seguida de fracasso,

fracasso seguido da promessa de compromisso renovado, se


guida mais uma vez de fracasso. Eis um breve extrato do relato
de Asafe:

Mas eles puseram Deus à prova


e foram rebeldes contra o Altíssimo;
não obedeceram aos seus testemunhos.
Foram desleais e infiéis,
como os seus antepassados,
confiáveis como um arco defeituoso.
Eles o irritaram com os altares idólatras;
com os seus ídolos lhe provocaram ciúmes.
Sabendo-o Deus, enfureceu-se
e rejeitou totalmente Israel.*
3

Parecia que o povo acabava sempre fazendo péssima figura.


Mas e quanto aos sacerdotes? Será que a linhagem levítica per
maneceu fiel a Deus, apesar da desobediência da nação?

“E agora esta advertência é para vocês, ó sacerdo


tes. Se vocês não derem ouvidos e não se dispuserem a
honrar o meu nome”, diz Soenhor dos Exércitos, “lan
çarei maldição sobre vocês, e até amaldiçoarei as suas
bênçãos. Aliás, já as amaldiçoei, porque vocês não me
honram de coração.”4

Os sacerdotes não se saíram muito melhor do que os leigos


de Israel. Mas será que a obediência de uma nação leva tempo

3 Salmos 78.56-59.
3 Malaquias 2 .1,2.

30
0 evangelho nu

é tão grande que nada toca minha alma. Antes que o trabalho
começasse, havia tanta união, amor, fé, confiança, oração e sa
crifício. Será que cometi o erro de me entregar cegamente ao
chamado do Sagrado Coração?”.6

Em mais de quarenta anos de serviço incansável, Madre Te


resa impactou milhares e milhares de vidas. Estendeu a mão
para enfermos, sem-teto e órfãos de seu país e muito além dis
so. Mesmo assim, seus escritos pessoais revelam uma luta por
significado, propósito e um relacionamento estável com Deus.
Afinal, o que Saulo de Tarso, Martinho Lutero e Madre Tere
sa têm em comum? Eles parecem ter lutado internamente con
tra um sistema religioso que não lhes proporcionou um senso

duradouro métodos
Adotaram de satisfação ou realização,
de propiciação mas meio
e, por apenasdela,
infelicidade.
de apro
ximação de Deus, que os levaram a um profundo sentimento
de fracasso. Tendo empregado mais esforço do que qualquer
um de nós jamais despenderá, é
“ Sera que come tí o provável que se perguntassem:
erro de me entregar “Quanto é o bastante? Quando
cegamenteao acabará? Por que Deus ainda
não está satisfeito? Quando po
chamado do Sagrado derei relaxar e desfrutar? Deve
Coração?”
haver outro caminho” .

O utro  ca m i n ho

E se houversim outro caminho? E se pudermos livrar-nos de


toda culpa religiosa e viver em satisfação? E se pudermos des
frutar uma intimidade tão grande com Deus a ponto de termos
a sensação de que ele está debaixo da nossa pele? E se puder
mos passar pela vida sendo nós mesmos e expressando Cristo

6 Palavras dirigidas a Jesu s; por sugestão de um confessor, [s.d.]

32
Religião é dor de cabeça

para se desenvolver? Não, visto que muito depois do êxodo do:


israelitas do Egito e dos dias de Malaquias ainda encontramo:
o servo judeu mais devoto lutando para se manter fiel. Saulc
de Tarso, talvez o mais comprometido de todos os israelitas
mostrou-se
com incapaz
Deus: “Não de cumprir
entendo seus compromissos
o que faço. religiosos
Pois não faço o que dese-
jo , mas o que odeio”.5
Para alguns, a Lei parecia oferecer uma experiência religiosa
satisfatória e uma vida de realização. De um modo ou de outro
no entanto, ela acabava proferindo a maldição do fracasso so
bre todos que tentavam cumpri-la. Ninguém conseguia fugir ac
resultado inevitável. E certo que não havia nada errado com a

Lei em
com si, mas,
clareza queaohavia
longoalgo
de errado
regra sobre
com regra,
todos ela
emdemonstrava
Israel.

AVANÇO RÁPIDO
Mas avancemos rápido alguns milhares de anos até o presente.
Não foi só o mais comprometido israelita que expressou frus
tração e tristeza com sua religião.
A luta de Martinho Lutero com a religião também está bem
documentada. Apesar do fervor e do estilo de vida compro
metido de Lutero, a culpa o dominava a todo instante. Ele era
atraído pela autoflagelação e fez inúmeras tentativas de expiar-
-se de uma lista interminável de pecados. Além de se chicotear
até sangrar, às vezes passava a noite inteira deitado no chão co
berto de neve, em pleno inverno, até ficar em tal estado de cho
que que os colegas tinham de carregá-lo para um lugar seguro.
De igual modo, em seus escritos pessoais publicados há pou
co tempo, Madre Teresa confessou: “Dizem-me que Deus me
ama; no entanto, a realidade da escuridão, do frio e do vazio

5 Romanos 7.15, grifo nosso.

31
Religiãoédordecabeça

de alguma maneira ao longo do caminho? E se tudo isso puder


acontecer sem que nos custe nada? Significaria que a religião
poderia acabar. Significaria que não precisaríamos analisar e
medir nossa espiritualidade.

Há um Antigo caminho que conduz sempre ao desaponta-


mento, por mais esforço “santo” que seja exercido. Há também
um Novo caminho, livre de custos e capaz de mudar tudo. No
entanto, existe ainda uma terceira opção — um híbrido entre o
Antigo e o Novo, encontrado em muitas igrejas hoje.
Este livro pretende revelar a futilidade do Antigo e o êxtase
do Novo. O Novo é o que Deus sempre planejou para seu
povo dedicado — mas infeliz — ao longo de toda a história
da humanidade.
E o Novo é o que Deus planeja para você.
4

P onha - se n o lugar de sua personagem favorita do Antigo

Testamento. Imagine como seria viver na pele dela. Talvez você


gostasse de ser Davi, ou Ester, ou Daniel.
Que intimidade essas pessoas tiveram com Deus! Como an-
daram a seu lado, como foram usados por ele! Não seria ótimo
ser uma delas? Talvez você se dispusesse a trocar seu relaciona-
mento com Deus pelo relacionamento que elas tiveram com o
Criador? Se sim, eu não poderia concordar menos com você.
Menos ?

Isso mesmo, menos.


Nem em um milhão de anos eu desejaria a relação de Davi
com Deus mais do que a minha. Nem a de Ester. Nem a de Da-
niel. Nem de qualquer outra personagem do Antigo Testamen-
to. Prefiro o que tenho neste exato momento.
Quanta arrogância!
Quanta ousadia!
Espero ter assustado você, talvez até eriçado um pouco seus
pelos. Foi minha intenção. Creio que chegou a hora de a igreja
acordar e enxergar como estamos bem do lado de cá da cruz.
Você talvez conheça os famosos heróis da fé mencionados em
Hebreus 11 — pessoas como A braão, Isaque , Jacó , Jo sé e Moisés.

34
Religiãoédordecabeça

Por meio do autor de Hebreus, Deus fala sobre o comprometi


mento desses heróis, dos sacrifícios que fizeram e de quanto se
entregaram a seus caminhos. Foram vítimas de zombaria, encar
ceramento e até morte por apedrejamento devido à fé.

Você tem sido testado de maneira assim extrema? Tem pro


vado estar igualmente comprometido? O mais provável é que
sua resposta seja não. Então de que maneira você estabelecería
um relacionamento melhor com Deus do que eles tiveram?
Antes de responder como, certifiquemo-nos de ser mesmo
esse o caso. Referindo-se aos homens tementes a Deus do
Antigo Testamento, o autor de Hebreus escreve: “Todos estes
receberam bom testemunho por meio da fé; no entanto, nein

um deles recebeu o que havia d Deus é o mesmo 


sido prometido. Deus havia
planejado algo melhor para desde sempre .
nós , para que conosco fossem
eles aperfeiçoados ” . 1
Tanta dedicação, tanto comprometimento — mas o que aca
bamos de concluir sobre esses heróis da antiguidade? Que eles
não receberam o que lhes fora prometido. E que, do lado de cá
da cruz, temos coisa melhor que eles jamais desfrutaram.
O que torna nossa situação melhor que a deles? Deus mu
dou? Com certeza não. Deus é o mesmo desde sempre. Então
o que torna os dias atuais tão diferentes de cerca de dois mil
anos atrás?
Isso tem tudo a ver com o Novo.

DOCUMENTOS, POR FAVOR!

Imagine que você seja uma mosca na parede durante um diálo


go hipotético entre Moisés e Jesus de Nazaré.

1 Hebreus 11. 39, 40, grifo nosso.

35
0 evangelho nu

“Documentos, por favor!”, Moisés exclama. Mas Jesus de


Nazaré não tinha documento nenhum. Pelo menos, nenhum
que satisfizesse às exigências legais. A Lei determinava que uma
pessoa fosse da tribo de Levi para se qualificar como sumo sa

cerdote.
linhagemNo de entanto, Jesusservira
Judá jamais era dacomo
tribosacerdote.
de Judá. Ninguém da
A Lei vetava
essa opção.
Hoje, os cristãos têm Jesus Cristo como sumo sacerdote,
mas, de acordo com a Lei, não faz o menor sentido Jesus ocupar
esse papel. Como então olhar para ele como nosso sacerdote
hoje? Se a linha sacerdotal mudou, significa que o sistema todo
para nos relacionarmos com Deus precisa ser substituído. E foi
0 que aconteceu — o sistema inteiro mudou!
É fundamental entender que a Lei e Jesus não se misturam.
“[Jesus] pertencia à outra tribo, da qual ninguém jamais havia
servido diante do altar, pois é bem conhecido que o nosso Se
nhor descende de Judá, tribo da qual Moisés nada fala quanto
a sacerdócio ” .2 Os cristãos referem-se a Jesus como Salvador,
Senhor e Autor (Sacerdote) do perdão que desfrutam. Em se
guida, alguns desses mesmos crentes proclamam que a Lei ain
da é válida para nós hoje. Agindo assim, eles defendem uma
grande contradição.
A questão da Lei e da graça (o Antigo e o Novo) ainda hoje
suscita debates acalorados: Vivemos segundo a Lei? Vivemos
segundo a graça? Ou segundo uma combinação das duas coi
sas? Deus não escreveu a Lei no nosso coração? A despeito das
inúmeras páginas de livros cristãos dedicadas a essas questões,
a linhagem de Jesus falha por não ocupar o centro do palco.
Podemos propor todo tipo de teorias, soluções conciliatórias e
respostas concernentes à Lei e à graça, mas um fato persiste: a
Lei desautoriza Jesus como sacerdote. Por esse motivo, o autor 1
1 Hebreus 7.13,14.

36
Religião é dorde cabeça

de Hebreus escreve: “ Certo é que, quando há mudança de sa


cerdócio, é necessário que haja mudança de lei ” .3
A conclusão é que, se você invoca Jesus como seu sacerdote,
que lugar existe para a Lei em sua vida? Você clama a um ho

mem de Nazaré, da tribo de Judá, que não pertence à linhagem


de Arão, ou de Levi, ou de nenhum outro sacerdote qualificado
pela Lei. Você clama a um intruso, um renegado, um agitador.

O NOVO ACORDO DIVINO


Os cristãos aceitam de pronto a ideia de ter Jesus como sa
cerdote. Contudo, não está claro para alguns que, a partir
do momento em que adotam Jesus para esse papel, eles es
tabelecem com Deus um contrato, um pacto, uma aliança.
Diferentemente do contrato antigo redigido por Deus por in
termédio de Moisés, o novo contrato jamais será substituído.
E a palavra final para o relacionamento de um ser humano
com Deus. Jesus Cristo é autor e garantia de algo completa
mente novo e revolucionário:

Por essa razão, Cristo é o mediador de uma nova

aliança para que os que são chamados recebam a pro


messa da herança eterna [...].4

[...] “O Senhor jurou


e não se arrependerá:
‘Tu és sacerdote
para sempre’
Jesus tornou-se, por isso mesmo, a garantia de uma
aliança superior.5

Hebreus 7.12.
Hebreus 9.15.
Hebreus 7.21,22.

37
0evangelhonu

Nova aliança? O que isso quer dizer? Frequentei igrejas du


rante mais de uma década antes de ouvir um único ensinamento
sobre a nova aliança. No entanto, se queremos entender como
Deus se relaciona conosco, devemos olhar para o Novo. O

Novo e o Antigo com certeza não são a mesma coisa.


Eis uma citação do próprio Deus sobre o assunto:

[...] “Estão chegando os dias, declara o Senhor,


quando farei uma nova aliança
com a comunidade de Israel
e com a comunidade de Judá.
Não será como a aliança
que fiz com os seus antepassados,
quando os tomei pela mão
para tirá-los do Egito;
visto que eles
não permaneceram fiéis
à minha aliança,
eu me afastei deles”,
diz o Senhor.6

Algo novo estava prestes a surgir. Deus sempre teve a in


tenção de dar início a algo radicalmente diferente. A passagem
indica que o Novo é diferente de tudo o que houve antes e solu
ciona um sério problema — nosso fracasso em permanecermos
fiéis. O que quer que seja o Novo, de alguma forma leva as
pessoas a permanecerem fiéis, mesmo quando falha a força que
elas próprias têm.
Hoje debatemos a segurança (ou fidelidade) eterna, mas essa
é uma questão do Antigo. Ao que parece, uma das razões pe
las quais o Novo entrou em cena foi para sanar esse proble
ma: “Pois, se aquela primeira aliança fosse perfeita, não seria

6 Hebreus 8 .8, 9, grifo no sso.

38
Religiãoédordecabeça

necessário procurar lugar para outra. Deus, porém, achou o


povo em falta [...]” .7
Na verdade, não havia nada
errado com o Antigo em si. Ele
Ninguém conseguia
ainda deveria ser considerado serbem-sucedido
santo e bom. O problema é que
ninguém conseguia ser bem-su debaixodoAntigo.
cedido estando submetido a ele.
Por isso, Deus providenciou um caminho diferente.
O Novo implica que os desejos de Deus são escritos dentro
de nós, de modo que temos a garantia de sermos seu povo,
aconteça o que acontecer:

“Esta é a aliança que farei


com a comunidade de Israel
depois daqueles dias”,
declara o Senhor.
“Porei minhas leis
em sua mente
e as escreverei
em seu coração.
Serei o seu Deus,
e eles serão o m
eu povo.”8

Aos poucos compilamos elementos importantes partindo da


descriçã o do Novo feita pelo próprio Deus. O Senhor grav a suas
leis na mente e no coração do salvo. Tornamo-nos seu povo e
temos o privilégio de conhecê-lo pessoalmente. Mas, na verda
de, o autor de Hebreus cita erroneamente a passagem do Antigo
Testamento nesse trecho. Como ele pôde ser tão audacioso? O
autor muda de propósito a redação do Antigo Testamento, de

7 Heb reus 8.7,8.


8 Hebr eus 8.10.

39
0evangelhonu

“ minha lei” para “ minhas leis” , com o intuito de esclarecer uma


verdade importante: contrariando o ensino popular, não é a lei
de Moisés que o Senhor escreve em nosso coração.
São as leis de Deus.

Isso é mais
Testamento. bemleis
Essas explicado por Jesus
são conhecidas e os“lei
como autores do Novo
do Reino”, “a
lei [...] que traz a liberda de” e os “ mandamen tos [de Je su s ]” .9
Os mandamentos divinos podem ser resumidos a: amar a
Deus e amar uns aos outros . 101
Não é a lei de Não são difíceis de carregar.
Moisésqueo Na verdade, o próprio Jesus
Senhorescreveem disse que aqueles que o amam
obedecerão a seus mandamen-
nossocoração. tos . 11 Sob o Novo, Deus tem
tudo em ordem.
Se a lei mosaica estivesse escrita em nosso coração e mente,
imagine as consequências! As restrições alimentares, as regras
sobre as vestes e centenas de outras ordenanças esmagariam
nossa consciência, como esmagaram a dos israelitas.
Graças a Deus o Novo não é só uma versão enfeitada
do Antigo!
O Novo é diferente e simples.

9 Tiago 2.8; 1.25; 2.12; ljo ã o 3.24.


10 V. Marcos 12. 30,31.
11 V. João 14.15.

40
5

Em 1998 , m eu p ai morreu em um acidente de carro. Ele era

um marido amoroso, bem-sucedido como homem de negócios e


grande pai. Seu intelecto só encontrava rival no senso de humor
que o caracterizava. Nossa família sente muito a falta dele.
Imagine por um instante que você e eu nos sentamos para
jantar. Aproveito então a oportunidade para abrir o álbum de
família e lhe mostrar fotos do meu pai. Enquanto viro as pági
nas, apontando para algumas fotos e contando histórias sobre
ele, acontece algo imprevisível. Por milagre, de repente meu pai

entra pela porta ! Estranhamente, no entanto, sigo mos trand o as


fotos e contando velhas histórias. Mesmo depois de perceber a
chegada dele, continuo ocupa
do com o álbum. II
Alguns cristãos
Absurdo, certo? Por que eu
vivemconcentrados
me concentraria em uma foto
na Lei, que é apenas
bidimensional do meu pai ten
uma sombra.
do o homem de verdade bem à
minha frente?
Do mesmo modo, porém, alguns cristãos vivem concentra
dos na Lei, que é apenas uma sombra. A realidade, sabemos
agora, encontra-se no Novo.

41
0 evangelho nu

Olhar para o Antigo depois de descobrir o Novo é como re


tornar ao álbum de fotografias do meu pai estando ele parado
bem ao meu lado. Estou preso a algo bidimensional e inanima
do, mesmo tendo sua presença viva comigo.
Eis o anúncio divino sobr e a superioridade do No vo: “ [...]
0 ministério que Je su s recebeu é superior ao deles, assim como
também a aliança da qual ele é mediador é superior à antiga,
sendo baseada em promessas superiores ” . 1
Se a Lei fosse capaz de salvar, não havería razão para o
Novo. O Antigo ficou ultrapassado. Algo maior vigora hoje.
Sendo assim, por que não nos apegaríamos ao Novo?
E interessante notar que até os homens tementes a Deus do
Antigo Testamento eram justificados pela fé apenas, à parte da
Lei. A Lei envolve fé? Não. A Bíblia explicita que “ [...] A Lei
não é baseada na fé [.. .]” .12 Afi
m * "ijffipM ^
A Lei não é baseada nal de contas, é preciso ter fé
na fé. (Gál atas 3.12) para cumprir regras e desempe
nhar obrigações religiosas?
Santos do Antigo Testamento, como Abraão, foram justifi
cados porque depositaram a confiança em Deus e na vinda do
Messias .3 Abra ão viveu muito antes da Lei e foi declarado justo.
Portanto, estar bem com Deus nunca teve nada a ver com a Lei.

P roblemas c o m  o carro
Imagine que você guarde dinheiro para comprar um carro ze-
ro-quilômetro. Tendo economizado o suficiente, você telefona
para a concessionária com o intuito de negociar o preço do au
tomóvel. Por sorte, o vendedor concorda em vender o carro por

um preço que você tem condições de pagar. Uma hora depois


1 Hebreus 8.6.
1 Gálatas 3.12.

42
Religiãoédordecabeça

você está na concessionária para fechar o negócio. Incluindo


frete, impostos e licenciamento, o valor chega perto dos 20 mil
dólares. Um grande negócio. Feliz da vida, você assina a pape
lada e leva o carro para casa. É seu afinal!

Umpostal
caixa ano depois, no entanto,
do seu telefone. E dauma estranha mensagem
concessionária. entra na
Você reconhece
a voz do vendedor explicando que, sem querer, cobrara menos
do que deveria pelo carro. Avisa que você lhe deve mais 2 mil
dólares e convida-o a comparecer à concessionária para que pos
sam redigir novo cont rato de venda e “resolver as pendências” .
Ao final da mensagem você nem se mexe, cético. Olha para o
calendário e começa a contar os dias. Já se passa ram quatrocen
tos e trinta desde que assinou o contrato da compra do carro!
Como podem fazer uma coisa dessas? Aliás, eles podem fazer
isso? É hora de telefonar para o advogado.
Seu consultor legal explica que a concessionária está agindo
de modo irregular. Ninguém pode exigir alterações em um con
trato assinado tanto tempo antes. Se fosse possível forçar uma
renegociação após a assinatura do pacto legal entre as partes,
ninguém jamais confiaria em um contrato.
Agora, veja se você consegue perceber o paralelo entre a
compra do carro que virou uma dor de cabeça e o que Paulo
diz sobre o Novo — o Novo prometido a Abraão:

Irmãos, humanamente falando, ninguém pode anu


lar um testamento depois de ratificado, nem acrescen
tar-lhe algo. [...]
Quero dizer isto: A Lei, que veio quatrocentos e
trinta anos depois,não anula a aliança previamente es-
tabelecida
promessa.4 por Deus,de modo que venha a invalidar a

4 Gálatas 3.15, 17, grifo nosso.

43
0evangelhonu

A promessa do Novo foi feita a Abraão não quatrocentos


e trinta dias, mas quatrocentos e trinta anos antes da Lei. As
sim como a concessionária não tinha base legal para renegociar
um contrato previamente assinado, a aliança estipulada com
Abraão não foi renegociada só porque a Lei entrou em cena
mais tarde.
Embora ainda não estivesse em vigor, o Novo fora prometi
do a Abraão e ratificado pelo próprio Deus. O fato de a Lei ser
introduzida quatrocentos e trinta anos depois não afeta as cláu
sulas da aliança sancionada antes. Centenas de anos separam o
Antigo da promessa do Novo.
ç m m i y Não devemos misturar as coi
Centenasdeanos
separa m o Antigo da sas, nem extrair elementos do
promessa  do Novo. Antigo e impô-los ao Novo.
Isso é quebra de contrato.
Ao apresentar o Novo, passamos bastante tempo em He-
breus. Esta pode ser uma das epístolas menos estudadas hoje.
Na essência, trata-se de uma longa argumentação em prol do
abandono do Antigo e da adoção do Novo. Seu estilo é seme
lhante ao de um brilhante advogado defendendo um clien
te no tribunal. Só Hebreus consegue enterrar de vez muitas
questões que dividem os cristãos hoje em dia. Ao longo de O
evangelho nu , você terá a oportunidade de conhecer Hebreus
e outras cartas do Novo Testamento que gritam em uníssono:
“Jesus, e nada ma is” .

44
6

V oc ê já teve d e calçar os sapatos de outra pessoa? Em caso

positivo,
À primeirasabe como
vista, elesé podem
usar algo que não
parecer foi feito apara
semelhantes você.
qualquer
um de seus calçados. Mas não combinam com as dimensões
dos seus pés.
Do mesmo modo, somos informados de que a Lei de Moisés
é de fato destinada a alguém, mas não combina com os cristãos
do Novo Testamento. Paulo escreveu a Timóteo:

Sabemos que a Lei é boa, se alguém a usa de manei


ra adequada. Também sabemos que elanão é feita para
os justos, mas para os transgressores e insubordinados,
para os ímpios e pecadores, para os profanos e irreve
rentes [...] e para todo aquele que se opõe à sã doutrina.
Esta sã doutrina se vê no glorioso evangelho que me foi
confiado, o evangelho do Deus bendito.1

A que propósito serve a Lei? Paulo afirma que ela tem como
alvo exclusivo os r/escrentes. No Antigo Testamento, Deus reco
nhecia dois tipos de pessoas — os judeus e os gentios. Hoje, ele

1Timóteo 1.8-11, grifo nosso.

45
O evangelho nu

reconhece dois grupos diferentes — os crentes e os descrentes.


No Antigo Testamento, a Lei destinava-se exclusivamente aos
judeus. Hoje, ela fala a apenas um grupo: os descrentes.
Então, se você é cristão, que lugar a Lei deve ter em sua vida?

C a l e  a  boca !

A Lei tem um público-alvo específico — os descrentes. Mas o


que ela lhes diz? E qual a reação típica quando ela fala? A me
lhor maneira de resumir sua mensagem é usando uma expres
são proibida na minha casa quando eu era adolescente: “Cale
a boca!”. Minha mãe nunca
JJ
A Lei tem um tolerou essa frase. Mas é exa
público-alvo tamente o que a Lei diz para o
específico— os  descrente. Na verdade, ela si
descrentes. lencia o mundo inteiro:
3^
Sabemos que tudo o que a Lei diz, o diz àqueles que
estão debaixo dela, para que toda boca se cale e todo o
mundo esteja sob o juízo de Deus. Portanto, ninguém
será declarado justo diante dele baseando-se na obediên
cia à Lei, pois é mediante a Lei que nos tornamos plena
mente conscientes do pecado .2

Às vezes as pessoas não ouvem. Se você quiser a atenção


delas, terá de gritar. Por meio da Lei, Deus grita exigindo
nada menos que a perfeição. Ao depararmos com o padrão,
só nos resta “calar a boca”. Somos silenciados. Não estamos
qualificados para nos esforçar mais. Nem estamos seguros
porque nos desesperamos e tentamos ser bem-sucedidos sem
retidão. Estamos em apuros. E, sem intervenção, permanece
riamos desnorteados.

2 Romanos 3.19, 20.

46
Religião é dorde cabeça

Como Adão e Eva, conscientizamo-nos da nossa nudez pe


rante Deus. Mas não há nada sobre a face da Terra que encubra
nossa iniquidade. A Lei expõe nosso vício do pecado e nossa
necessidade de Cristo:

Qual era então o propósito da Lei? [...] Mas a Escri


tura encerrou tudo debaixo do pecado, a fim de que a
promessa, que é pela fé em Jesus Cristo, fosse dada aos
que creem.3

De vez em quando, tenho o privilégio de falar a prisio


neiros sobre o evangelho. Alguns cumprem prisão perpétua.
Permanecerão trancafiados até morrer. Quando entro nesses

lugares ecomo
imagino as pesadas portasencarcerado.
seria viver de metal se (Já
fecham atrásaté
imaginei de omim,
que
aconteceria se um equívoco de
documentação ine mantivesse Estar debaixo da Lei
preso ali dentro!) é se rtra ncaf iado  em
Viver encarcerado, atrás de uma prisão.
grades, sem perspectiva de sol
tura, não é o que costumamos chamar de “desejável”. Mas é
assim que Paulo descreve a vida debaixo da Lei. É como estar
preso em uma cadeia:

Antes que viesse essa fé, estávamos sob a custódia da


Lei, nela encerrados, até que a fé que haveria de vir fosse
revelada. Assim, a Lei foi o nosso tutor até Cristo, para
que fôssemos justificados pela fé.4

Estar debaixo da Lei é ser trancafiado em uma prisão. Você é

constantemente
sentença. A Leilembrado
não nos da sua culpa enquanto
desencoraja; tampoucoaguarda uma
nos edifica.
3 Gálatas 3.19 ,22.
4 Gálata s 3.23 ,24 .

47
0  evangelho nu

Com seu padrão perfeito, ela só despedaça nosso orgulho. Mos


tra-nos que jamais seremos bem-sucedidos. Como Paulo diz,
a Lei é “ nosso tutor até Cr isto” . De que maneira ela faz isso?
Mostrando-nos nossa morte espiritual e nossa necessidade de
uma vida nova.

P rêmio d e excelência
PARA MOTORISTAS
Em minha adolescência, o gosto por viajar em alta velocidade
nas estradas norte-americanas me fez acumular muitas infra
ções. Raras vezes lutei contra as tentações comuns na vida de
um adolescente. Por alguma razão, no entanto, o fascínio por
automóveis em alta velocidade parecia sempre me derrotar.
Durante alguns anos, recebi advertências e multas por ex
cesso de velocidade com muita frequência. Cheguei até a ser
acusado de direção negligente por velocidade excessiva. Claro,
havia ocasiões em que eu sentia remorso por meus atos — e
passava a dirigir um pouco mais devagar durante algum tempo.
Mas nada refreava de fato meu vício em velocidade.
Imagine, contudo, que, a caminho da escola pela manhã, di
rigindo dentro do limite de velocidade, eu veja as familiares
luzes azuis piscantes pelo espelho retrovisor. Estaciono então
junto ao meio-fio e observo o policial descer da viatura e gesti
cular para que eu abra o vidro.
Por estranho que pareça, no entanto, ele traz um sorriso
amistoso no rosto dessa vez. Digamos que ele se aproxime de
minha janela com um brilho no olhar e diga:
— Senhor Farley, eu só queria agradecer-lhe por dirigir a

uma velocidade segura. O senhor é um bom homem. O Estado


da Virgínia reconhece seus esforços para contribuir com a segu
rança das nossas ruas. Gostaria de lhe conceder agora o Prêmio

48
Religiãoédordecabeça

Estado da Virgínia de Excelência na Direção. Inclui um certifi


cado que pode ser trocado por uma mercadoria em qualquer
escritório da Divisão de Veículos Motores. Parabéns.
Ele, em seguida, rne entrega o certificado e se despede:

— Tenha um excelente dia!


Uau! Eu ficaria boquiaberto, você não? Claro que sim, por
que episódios como esse não acontecem na nossa vida com
muita frequência. Na verdade, duvido que algo do tipo já tenha
ocorrido algum dia. Nunca ouvi falar de um policial que paras
se alguém para cumprimentá-lo por boa direção.
Por algum motivo, a lei só presta atenção em nós quando
erramos.
De igual modo, a Lei mosaica só aponta para onde falhamos.
Está à procura de amor e incentivo? Você não os encontrará na
Lei. Por isso o legalista mais austero que você conhece é capaz
de forjar uma aparência de moralidade. Todavia, o legalismo ja
mais produzirá amor. Viver debaixo da mentalidade da Lei é ser
vir como escravo a um senhor muito exigente. Há sempre mais
a ser feito. E você nutica fará o suficiente para agradá-lo. Tiago
ensina: “Pois quem obedece a
toda a Lei, mas tropeça em ape 0 legalismo jamais
nas um ponto, torna-se culpado produzirá  amor.
de quebrá-la i?iteira?nente” .5

A provado ou reprovado

Cumprir 1 % ou 99% da lei é a mesma coisa. Imagine alguém


capaz de cumprir a maior parte da Lei. Digamos que só de vez
em quando essa pessoa tenha de lutar com uma regra sem im
portância. Quer obedeçamos a nada da Lei, quer obedeçamos
a sua maior parte, somos por ela amaldiçoados. Como afirma

5 Tiago 2 .10, grifo n osso.

49
0 evangelho nu

o apó stolo Paulo: “ [...] M aldito todo aq uele que não persiste
em praticar todas as coisas escritas no livro da Lei ” . 6
Como Paulo pode ser tão radical? Sabemos que ele (antes cha
mado Saulo) tentara obedecer a cada aspecto da Lei. Falando

de
tiçasique
mesmo aosLei,
há na filipenses,
[eu era chegou a escrever:
considerado] “ [...] quanto
irrepreensível ” .7 à jus
Quem vivia a seu redor podia pensar que ele era inculpável.
Mas Paulo sabia a verdade. Estava familiarizado com o fracas
so que todos nós enfrentamos ao tentar obedecer à Lei. A esse
respeito, escreveu:

[...] eu não saberia o que é pecado, a não ser por


meio da Lei. Pois, na realidade, eu não saberia o que é
cobiça, se a Lei não dissesse: “Não cobiçarás” . Mas o
pecado, aproveitando a oportunidade dada pelo man
damento, produziu em mim todo tipo de desejo cobi
çoso |...J.8

A Lei propõe uma espécie d e “tudo ou n ada” . Ou você


se submete a cada detalhe, ou é amaldiçoado. Não há outra
opção. Temos o direito de escolher o que nos interessa da
Lei? Ou foi-nos concedido o luxo de misturar uma porção da
Lei com Cristo? Paulo adver
A Lei propõe uma te que, se acrescentarmos uma
espécie de “tudo pitada que seja da Lei à nossa
ou nad a” . vida com Cristo, ele não terá
valor algum para nós:

Ouçam bem o que eu, Paulo, lhes digo: Caso se dei


xem circuncidar, Cristo de nada lhes servirá. De novo

6 Gá lata s 3.10, grifo nosso.


Filipenses 3.6.
8 Romanos 7.7, 8.

50
Religião é dorde cabeça

declaro a todo homem que se deixa circuncidar, que ele


está obrigado a cumprir toda a Lei.9

Não há lógica em qu e nós, cristãos, adotemos porções da Lei


de Moisés como guia para a vida. Presumimos que Deus nos dá
notas pela média. Mas a Lei é absolutamente incompatível com
a tentativa de “ dar nosso m elhor” . E um sistema no qual ou
você é aprovado, ou reprovado.
Um único ponto negativo significa que você está fora.

9 Gálatas 5. 2, 3, grifo nosso.

51
7

Nos E stados U nidos , a l g u n s cristãos lutam para que os

Dez Mandamentos sejam afixados nos prédios públicos. Afir-


mamos não querer que nossa sociedade perca as raízes cristãs.
Mas o cristianismo nunca teve raízes na Lei, nem mesmo nos
Dez Mandamentos.

A L e i gera o  pecado
Os mandamentos não foram feitos para supervisionar os
cristãos. Eles reprimem os desejos pecaminosos. Na verdade, a
Lei provoca mais pecado:

Pois quando éramos controlados pela carne, as pai-


xões pecaminosas despertadas pela Leiatuavam em nos-
so corpo, de forma que davamos fruto para a morte. [...]
Mas o pecado, aproveitandoa oportunidade dada
pelo mandamento, produziu em mim todo tipo de desejo
cobiçoso. Pois, sem a Lei, o pecado está morto.1

Andar segundo os Dez Mandamentos tem como resultado


uma vida mais dedicada a Deus? Paulo nos conduz à conclusão

Romanos 7.5,8, grifo nosso.


Religião é dor de cabeça

oposta. Os teólogos debatem se ele falava de sua condição de ho


mem salvo ou perdido em Romanos 7. Independentemente disso,
no entanto, a questão principal é que, salvos ou perdidos, os seres
humanos não conseguem cumprir a Lei. Ela, pelo contrário, esti

mula
A oLei
pecado o tempo
desperta todo.pecaminosas. O pecado aprovei
paixões
ta a oportunidade dada pela Lei. É o que Romanos 7 explica.
Portanto, a vida cristã que tenta viver com perfeição segundo
os Dez Mandamentos soa promissora? Paulo descobriu o que
todo ser humano constata quando dedica o melhor de si à Lei:
ela mata. Exatamente como Deus pretendia, Moisés introduziu
um ministério cujo resultado fi
a ?;
nal era a conde?iação. A Lei estim ula o
Há pouco tempo, um livro pecadootempotodo.
humorístico bastante popular
documentou a rotina de um homem que tentou viver pelas regras
do Antigo Testamento durante um ano inteiro .2 O autor narrou
com detalhes como seria esse tipo de vida nos Estados Unidos
dos tempos modernos. Alterou a dieta para excluir determinadas
carnes e os frutos do mar. Tirou do guard a-roupa todo tecido fei
to com mais de um tipo de material. Chegou a levar a cabo uma
espécie de sacrifício animal! No fim, com sinceridade e bom hu
mor, concluiu que não fora capaz de seguir a maioria das regras
do Antigo Testamento. Jacobs também documenta o raciocínio
intrincado de alguns companheiros judeus, os quais resolveram
que, como as coisas são um pouco diferentes hoje, não precisam
seguir todas as restrições da Lei — apenas algumas.

Os DEZ
Muitos concordam que a lei cerimonial, aquela que restringe
tudo, da dieta ao guarda-roupa, não é para os cristãos hoje.
2 J acobs , A. J. The Year of Living Biblically. New York: Simon and Schuster, 2007.

53
0 evangelho nu

De fato, poucos tentam seguir tais regras. Mas será que nós,
cristãos, ainda devemos olhar para os Dez Mandamentos como
nosso guia moral?
Quando Paulo fala sobre a Lei despertar paixões pecami

nosas, usa o desejo cobiçoso como exemplo. O apóstolo revela


que um dos Dez Mandamentos evocou o pecado em sua vida.
O pecado se serviu do “não cobiçarás” para constranger Paulo
a empenhar esforço humano para deixar de cobiçar. E o resul
tado natural acontece u — cobiça . Sempre que esforço s carnais
tentam vencer o pecado, o pecado sai vitorioso. De modo que
Paulo acabou lutando com a cobiça de todos os tipos.
Acho curioso que um líder religioso fervoroso não consiga
parar de desejar o que pertence a outros! Claro, Saulo de Tarso
podia polir seu exterior. Por dentro, contudo, era culpado de
ambicionar os bens alheios.
O mantra de Paulo bem poderia ser: “ Lutei contra a Lei, e a
Lei venceu”.
Em 2Coríntios, encontramos a prova de que os Dez Manda
mentos nada trazem a não ser condenação e morte:

O ministério que trouxe a morte


foi gravado com le-
tras em pedras; mas esse ministério veio com tal glória
que os israelitas não podiam fixar os olhos na face de
Moisés, por causa do resplendor do seu rosto, ainda que
desvanecente. Não será o ministério do Espírito ainda
muito mais glorioso? Se era glorioso o ministério que
trouxe condenação, quanto mais glorioso será o minis
tério que produz justificação!3

Como sabemos que Paulo se refere aos Dez Mandamentos e


não a outra ordenação cerimonial qualquer? Ele especifica que
esse ministério “ foi gravado c om letras em pedra” . Isso só vale

3 2Co ríntios 3.7-9, grifo nosso.

54
Religião é dorde cabeça

para os Dez Mandamentos. Portanto, esse era um ministério cujo


destino final era a condenação.
Se vivermos debaixo da Lei, Semprequenos
o pecado nos dominará. Se vi armamos com a Lei,
ficamos predi spostos
vemos livres da Lei (debaixo
graça), o pecado não nos sub da à derrot a.
jugará: “ Pois o pecado não os
dominará, porque vocês não estão debaixo da Lei, mas debaixo
da graça ” .4
A libertação do poder do pecado que todos desejamos está
bem debaixo do nosso nariz. O obstáculo para ter vitória
sobre a tentação é a maneira pela qual travamos a batalha.
Sempre que nos armamos com a Lei, ficamos predispostos
à derrota.
Podemos chamar isso de autodisciplina ou responsabilida-
de — ou aplicar algum outro termo criativo. No entanto, se
houver qualquer outra coisa além da dependência de Cristo em
nós, é inevitável que ela ponha em movimento as engrenagens
do esforço humano. Perspectiva é tudo em nossa batalha contra
o pecado.
Mas você pode perguntar: Deus não nos ajuda a cumprir
a Lei?
Se levarmos essa ideia às últimas consequências, o Espírito
Santo não nos motivaria a evitar carne de porco, a usar roupas
tecidas só com linho, a isolar amigos e membros da família que
têm doenças de pele e a nos abster de trabalhar desde a noite de
sexta-feira até a noite do sábado? Significaria cancelar churras
cos, jogar fora meias de nylon , parar de enviar emails na noite
de sexta-feira e deixar de arrumar a casa no sábado. E essa a
intenção do Espírito de Deus para sua vida?
Pense a respeito.

Romanos 6.14.
0 evangelho nu

Chihuahua
— Espere um pouco! — um deles gritou comigo. — Você está
levando as coisas ao extremo. Concordo que o Espírito Santo
não pretende nos ajudar a viver debaixo do livro de Levítico
inteiro, mas ainda assim devemos seguir os Dez Mandamentos.
E pedir a ajuda do Espírito para isso!
Eu esta va no meio do seminário que mini straria durante d ois
dias a pastores, seminaristas e líderes de igreja de Chihuahua,
México. Nosso público passara de 40 para 200 pessoas de um
dia para o outro. O entusiasmo era crescente e muitos pareciam
estar sendo libertos da opressão da religiosidade.
Estávamos no intervalo, e eu tomava um cafezinho. Quando
me dei conta, vi-me rodeado por quatro líderes mais zangados
que vespas. Depois de vários minutos absorvendo comentários
acalorados, constatei que sua irritação se devia à minha insis
tência em afirmar que os cristãos estão livres até mesmo dos
Dez Mandamentos.
— Mas a observância do sábado faz parte dos Dez Manda
mentos, e vocês não adotam o sábado judeu, que vai da noite da
sexta à noite do dia seguinte, não é? — perguntei.
— Bem, não.
— Se é assim, isso sig nifica que você s estão sujeitos a os Nove
Mandamentos, excluindo o do sábado?
Nesse momento o intervalo chegou ao fim e encerramos nos
sa discussão.
— Só uma ideia para vocês pensarem — comentei enquanto
retornávamos à sala do seminário.

S u b st it u t o m e d ío c r e
Deus nunca nos deu permissão para dividir a Lei em par
tes favoritas para que possamos escolher até que ponto nos

56
Religião é dorde cabeça

sujeitamos. Ele nos libertou do conjunto da Lei cumprindo-a


através de Jesus Cristo. Agora não precisamos cumprir nada
da Lei.
Mas como levar uma vida justa se não usarmos os Dez
Mandamentos como guia? Depois de ouvir que os cristãos
não têm a menor necessidade da Lei, a pergunta passa a ser
natural. E a resposta é curta: o Espírito Santo vem viver den
tro de nós quando cremos, e ele bastai O fruto do Espírito
Santo em nosso interior é suficiente. “ [...] Contra essas co isas
não há lei ” .5
O Novo Testamento ensina que aqueles que são guiados
pelo Espírito não estão debaixo da Lei .6 A Lei é um substituto
medíocre para o conselho do Espírito Santo. Podemos pensar
que a sujeição aos Dez Mandamentos é um bom modo de aca
bar com a corrupção. Mas a vida dirigida pela Lei tem o efeito
oposto. A única opção sensata é permitir que Cristo seja ele
mesmo em nós. Essa é a maneira de Deus impactar nossa vida e
deixar a vida dele em evidência.
Há quem diga: “ Não vivo debaixo da Lei de Moisés. Sei que
estou livre daqueles mandamentos. Vivo segundo “princípios
cri stã os ” . Essa é apenas outra variaçã o de uma abordagem ain
da baseada na Lei. E um obstáculo à plenitude da vida baseada
em dependência. Sabemos que levar uma “vida boa” pelos pa
drões morais é u m obstáculo para compreender a salvação. Mas
optar pela “moralidade” pode
M A Lei é um
impedir o cristão de depender
exclusivamente de Cristo. Para subs tituto medíocre
os cristãos, um obstáculo ocul para o consel ho do
to para a vida da graça é uma Espírito Santo.
“grande” vida. *V
.

Gálatas 5.23.
V. Gálatas 5.1S.

57
0 evangelho nu

A SEDUÇÃO DAS REGRAS


Princípios, regras e padrões — tanto faz quão “cristãos”
acreditemos que eles sejam — não passam de substitutos me
díocres para uma vida inspirada pelo próprio Deus. Em Co-
lossenses, lemos sobre as regras e a falta de valor que elas têm
para os cristãos.

Já que vocês morreram com Cristo para os princí


pios elementares deste mundo, por que, como se ainda
pertencessem a ele, vocês se submetem a regras: “Não
manuseie!”, “Não prove!” , “Não toque!” ? Todas es
sas coisas estão destinadas a perecer pelo uso, pois se
baseiam em mandamentos e ensinos humanos. Essas
regras têm, de fato,aparência de sabedoria, com sua
pretensa religiosidade, falsa humildade e severidade
com o corpo, mas não têm valor algum para refrear os
impulsos da carne ~

Paulo reconhece o fascínio dos princípios, dos mandamentos


e das regras como meios de autoaperfeiçoamento. Mas consi-
dera-os impotentes para produzir qualquer transformação real
em nossa vida. Observe que ele não se refere ao meio de salva
ção aqui, mas à nossa abordagem da vida depois que morremos
com Cristo.
Como a verdadeira adoração acontece? O que gera a verda
deira humildade? O que produz a real vitória sobre o pecado
em nossa vida? Era o que questionavam os gálatas, obrigando
Paulo a escrever o seguinte:

Gostaria de saber apenas uma coisa: foi pela prática


da Lei que vocês receberam o Espírito, ou pela fé naqui
lo que ouviram? Será que vocês são tão insensatos que,
Colossenses 2.20-23, grifo nosso.
Religião éd or de cabeça

tendo começado pelo Espírito, querem agora se aperfei


çoar pelo esforço próprio ?s

Paulo está falando aqui a cristãos que já receberam o Espíri


to, mas retornaram à Lei como meio de autoaperfeiçoamento.
Eles haviam recebido o Espírito pela fé, e Paulo exorta-os a não
acabarem recorrendo de novo ao esforço humano!
Essa e outras passagens semelhantes em todo o Novo Tes
tamento tratam da questão da vida cotidiana. Paulo afasta

o mito de que Deus se agrada de abordagens baseadas em


regras para que nos “aperfeiçoemos. Ele nos perguntaria a
mesma coisa hoje: “A presença do Cristo ressurreto em vocês
não é suficiente?”.

Gaiatas 3.2,3.
D eus não quer que os crentes sejam motivados pela Lei ou
não
por regras.
dizendo aqui.Mas é importante esclarecer o que eu estou
A Lei em si não é pecaminosa. Os que a odeiam, conhecidos
como antinomianistas, interpretam errado as Escrituras desde
a época da igreja primitiva. Dizem que a Lei é má. Combatendo
essa falsa doutrina, o apóstolo Paulo chama a atenção para o
fato de que a Lei não é pecado. Na verdade, declara que ela é
san ta, justa e boa: “ De fato a Lei é santa, e o mandamento
é santo, justo e bom ” . 1
Assim, a Lei não tem nada de imperfeito. Ela não tem má-
cula. A posição exata da Lei não é de algo com defeito. No
entanto, seu padrão perfeito, quando combinado ao esforço
humano, resulta em fracasso. Em resumo, a Lei é perfeita, mas
não aperfeiçoa ninguém.

E l a  v e i o  para  fi c ar

A Lei não desapareceu só porque temos o Novo. Ela continua


em operação hoje, como ferramenta para convencer o mundo

1 Romanos 7.12.

60
Religião é dor decabeç a

sem fé. Como indicam as palavras de Jesus, a Lei continuará a


ser uma força sempre presente até que céus e terra desapareçam:

“Não pensem que vim abolir a Lei ou os Profetas;


não vim abolir, mas cumprir. Digo-lhes a verdade: En
quanto existirem céus e terra, de forma alguma desapa
recerá da Lei a menor letra ou o menor traço, até que
tudo se cumpra.”2

A afirmação de Jesus pode parecer oposta à de Paulo em


Efésios. O apóstolo fala sobre a derrubada da barreira entre
judeus e gentios (a Lei):

Pois ele é a nossa paz, o qual de ambos fez um e destruiu


a barreira, o muro de inimizade, anulando em seu corpo a
Lei dos mandamentos expressa em ordenanças. [...]3

As palavras de Paulo às vezes são mal interpretadas, como


se significassem que a Lei foi suprimida. Isso, porém, contra
diz o ensino de Jesus de que a Lei persistirá enquanto houver
mundo. Paulo quer dizer, ao que parece, que a Lei é irrelevante
para a vida em Cristo. Tanto judeus quanto gentios são agora

salvos pela mesma graça. O elemento distintivo que os sepa


rava não existe mais. Isso é bem diferente de dizer que a Lei
foi eliminada.
Talvez a explicação mais
clara relativa à utilidade da
Lei hoje tenha sido escrita para
Timóteo: “Sabemos que a Lei
é boa, se alguém a usa de maneira adequada. Também sabe
[...]” .4
mos que ela não é feita para os justos Encontramos aqui
2 Mateus 5.1 7,18 .
3 Efésios 2.1 4,1 5.
4 1Tim óteo 1.8, 9.

61
0 evangelho nu

uma visão equilibrada da Lei. Ela continua a existir e tem um


propósito hoje, mas não foi projetada para os cristãos como
ferramenta ou guia para o cotidiano. Seu único propósito é
convencer o ímpio da própria morte espiritual.
Compreender o lugar da Lei no mundo hoje nos impede de
cometer o erro do antinomianism o (“ ódio à Lei” ). Entender
que não há lugar para a Lei na vida do cristão nos impede de
cometer o erro do legalismo.

A LEI SATISFEITA
O propósito de Deus, portanto, não é cumprir a Lei no meio
dos cristãos hoje. Por que não? Por que ele já fez isso .5 Por
conseguinte, o Espírito Santo não tenta conduzir os cristãos à
submissão da Lei. Nem os ajuda a cumpri-la. Jesus já satisfez as
exigências da Lei. E quem é nascido do Espírito tem as exigên
cias da Lei creditadas a seu favor:

Porque, aquilo que a Lei fora incapaz de fazer por


estar enfraquecida pela carne,Deus o fez, enviando seu
próprio Filho, à semelhança do homem pecador, como
oferta pelo pecado. E assim condenou o pecado na car
ne, a fim de que as justas exigências da Lei fossem ple-
namente satisfeitas em nós, que não vivemos segundo a
carne, mas segundo o Espírito.6

Deus fez algo no passa do e satisfez plenamente as exigências


da Lei. Enviou seu Filho como oferta pelo pecado, de modo
que pudesse condenar o pecado. Deus foi bem-sucedido? Claro.
Quando? Fdá quase dois mil anos. Então ele continua tentando

' V. info rma ção adiciona l 1.


6 Romanos 8. 3,4 , grifo nosso.

62
Religião é dordecabeça

satisfazer a Lei hoje? Não, ele já a satisfez. Trata-se de um even


to ocorrido no passado.
Observe que Deus assim agiu Nossajustiça é maior
a fim de que a Lei fosse integral doqueosesforços
mente cumprida em nós, não
po r nós. Quando nos aproxi detodososfariseus
junto s.
mamos de Cristo, tudo o que ele
fez para cumprir a Lei é depositado em nós e creditado a nosso
favor. Isso torna nossa justiça maior do que os esforços de todos
os fariseus juntos, desde o primeiro instante em que cremos.

“ M O RTO  PAR A M I M "

Nos filmes que retratam a Máfia italiana, às vezes você vê o


capo de uma família informar ao próprio filho que o relaciona

mento entre eles acabou. O homem então exclama: “Filho, para


mim, você morreu!” . O filho fita o chão e lágrimas escorrem
por seu rosto. Ele se vira e, bem devagar, afasta-se da sala e da
família para sempre. A ligação entre ele e o pai está encerrada.
O filho foi alijado da família para nunca mais voltar.
A epístola aos Romanos conta que estamos mortos para a
Lei.7 Assim como o capo mafioso se decepcionou com o desem
penho do filho, a Lei está decepcionada conosco. Não apresen
tamos um desempenho bom o suficiente para permanecermos
do lado dela. Viver sob o teto da Lei estava acabando conosco.
Então, qual foi a solução encontrada por Deus? Ele nos fez
morrer para a Lei a fim de que pudéssemos renascer em uma
nova família e usufruir de uma liberdade recém-descoberta.
Como Paulo escreve: “ [...] por meio da Lei eu morri par a a Lei,

a fim de viver para Deus ” .8V


.

V. Romanos 7.4.
Gálaras 2.19.

63
0 evangelho nu

No instante em que morremos para a família da Lei, somos


acolhidos em uma família muito mais influente. E, como parte
dessa nova família, deixamos de nos sujeitar às exigências da Lei:

Assim, meus irmãos, vocês também


morreram para a
Lei , por meio do corpo de Cristo, para pertencerem a ou
tro, àquele que ressuscitou dos mortos [...]. Mas agora,
, fomos liber
morrendo para aquilo que antes nos prendia
tados da Lei, para que sirvamos conforme o novo modo
do Espírito, e não segundo a velha forma da Lei escrita.9

Lembre-se de que a Lei veio para que o pecado fosse res-


saltado , não diminuído . 10 Deus conhecia os efeitos da Lei. Por
intermédio da Lei, ficamos cientes do pecado. Através dela,
morremos. A Lei mata. Quando nos conscientizamos disso, es
tamos prontos para uma abordagem inteiramente nova.

C a d á v e r  co l o m bi ano

Quando criança, minha esposa, Katharine, viveu na Colômbia,


América do Sul, com os pa is, que lá serviram como mission ários
durante quatro anos. Naquele país Katharine conheceu algu
mas das igrejas mais legalistas que se pode imaginar. Presbíteros
e diáconos, respeitados entre seus pares, eram pegos com a es
posa de outros homens. Líderes admirados de igrejas acabavam
transformando-se em bêbados ou jogadores compulsivos, ou
entregavam-se à extorsão.
Talvez o acontecimento mais incrível tenha sido quando o
carro de um homem explodiu dentro da garagem, aparentando
tratar-se de um assassinato. O corpo carbonizado foi resgatado

das chamas, e realizou-se o devido funeral. Cerca de um ano

l> Romanos 7.4,6, grifo nosso.


10 V. Romano s 5.20.

64
Religião é dordecabeça

mais tarde, o homem foi encontrado vivo e saudável, em outra


cidade — e casado com outra mulher! Descobriu-se então que
ele desenterrara um cadáver do cemitério e encenara a própria
morte. Ao que parece, ele armou toda essa farsa por causa de

suasKatharine
grandes dívidas de jogotanto
testemunhou com ao máfia local.extremo quanto
legalismo
a imoralidade extrema a um só tempo. Tais acontecimentos ul
trajantes serviram para ilustrar um ponto importante da vida
segundo a Lei. Podemos vestir-nos bem, brincar de igreja e con
quistar o respeito de quem está à nossa volta trombeteando as
regras religiosas severas que dizemos abraçar. Mas decoração
de fachada, por melhor que seja, não muda a realidade. Cedo
ou tarde, a vida debaixo da Lei se mostrará.
Em Cristo, morremos e nascemos de novo — livres da Lei.
Portanto, não precisamos fingir nada. Brincar de igreja sempre
leva a mais pecados.

65
9

E ntão estamos livres da L e i, mas o que dizer de coisas


como a observância
deixá-las do sábado
sem tratamento, e oprivam
visto que dízimo?
os Não podemos
crentes de sua
liberdade, exatamente como acontece com qualquer outra
porção da Lei.
Sim, a observância semanal do sábado e o dízimo têm
raízes na Lei. Se os impusermos aos crentes hoje, deveremos
de igual modo observar o restante da Lei, que é um sistema
do tipo “tudo ou nada”. Adotar só partes da Lei não é uma

opção.
O SÁBADO DE HOJE
Para os judeus, o sábado era essencialmente um lembrete do
sétimo dia da criação, quando Deus descansou após realizar seu
trabalho. Por esse motivo, Deus ordenou que Israel se lembrasse
do dia do sábado e o reservasse para o descanso.
Hoje também olhamos para trás, para a obra concluída da
criação. E xclam amos juntamente c om o rei Davi quão criati vo e
belo é o Universo . 1 No entanto, um feito maior do que a criação
1 V. Salmos 8; 19.

66
Religião é dor de cabeça

foi realizado — a obra redentora de Jesus Cristo na cruz. Assim


como Deus declarou que a criação era “boa” e depois descan
sou, Jesus anunciou d o Calvário: “ Está consumad o !” *2 e se as
sentou à direita do Pai.

O autor de Hebreus convida-nos a descansar com Deus. Fa


zemos isso abandonando as obras mortas que imaginávamos
capazes de conquistar o favor de Deus. Em vez de realizarmos
acrobacias religiosas para nos livrarmos do pecado, podemos
assentar-nos com Jesus. Podemos simplesmente concordar:
“Sim, está consumado”.
Isso é entrar na alegria de Deus. E celebrar o sábado atual:

Assim, ainda resta um descanso sabático para o


povo de Deus; pois todo aquele que entra no descanso
de Deus, tambémdescansa das suas obras, como Deus
descansou das suas. Portanto, esforceino-nos por entrar
nesse descanso [...].3

E possível calcular a altura de uma árvore medindo sua


sombra no chão. A sombra também lhe dá uma noção da for
ma básica da árvore. A partir da sombra, você tem meios de

fazer estimativas da realidade. No sábado, os judeus tinham


apenas uma sombra da realidade. A realidade é Cristo, de
modo que o descanso genuíno
do sábado está nele. E incrível
pensar nos milhares de anos A realidade e Cristo,
durante os quais os judeus de modo que o
honraram a sombra, o sábado. descanso genuíno do
Do lado de cá da cruz, pode sába do está  nele.
mos experimentar a realidade
do descanso em Cristo!

2 V. Joã o 19 .30.
2 Hebreus 4.9 -1 1, grifo nosso.

67
O evangelho nu

ROUBANDO A DEU S?
Muitos que se percebem livres da observância semanal do sá-
bado ainda assim afirmam que Deus exige no mínimo 10% de
sua renda. Se você não der pelo menos esse percentual para
a igreja, dirã o que está “ roubando a De us” . Mas de onde vem a
ideia do dízimo?
O irmão de José, Levi, foi o antecessor da tribo singular dos
levitas. Quando os israelitas fugiram do Egito e conquistaram
a terra prometida por Deus, dividiram o novo território em tri-
bos. Mas os levitas não receberam terra para cultivar e produzir
alimento. Em vez disso, foram instruídos a servir como sacerdo-
tes no tabernáculo.
Debaixo da Lei, os sacerdotes não tinham permissão de
possuir casas, propriedade ou bens. Então como a tribo de
sacerdotes sobrevivia? Pelo apoio recebido das demais tri-
bos. Assim, o dízimo para os sacerdotes, ou a oferta de 10%,
era ordenado pela Lei. Portanto, a tribo de sacerdotes podia
manter um padrão aceitável de vida enquanto servia a Deus
em tempo integral.
O atual ensino cristão sobre a oferta costuma ser contra-
ditório. Se um pastor ou líder de igreja usa o termo dízimo e
determina que 1 0 % é o padrão para essa oferta, está ensinando
a Lei. Examinando a vida desse mesmo líder, talvez constate-
mos uma contradição patente. Ele pode ter casa, propriedades *
e bens! Talvez também receba
Se um pas tor ou Ifder emolumentos extras por oficiar
de igreja usa oterm o casamentos, escrever livros ou
dízim o  e determin a atuar como professor de semi-
que 10% é o padrão nário. A mesma Lei que ordena
para essa ofer ta, o dízimo de 1 0 % não lhe per-
está ensinando a Lei. mite fazer nada disso.

68
Religião é dordecabeç a

Além da referência histórica ao respeito de Abraão por um


sacerdote estrangeiro, Melquisedeque, a quem ele pagou 10%
dos despojos de guerra ,45não há nenhuma outra menção do ter-
mo dízimo nas epístolas bíblicas. Então como deveria ser a oferta
conforme o Novo modelo? Deus deseja que os crentes deem

• de acordo com a necessidade (2Coríntios 8.14)


• de acordo com o que têm (2Coríntios 8.11,1 2)
• não com pesar ou por obrigação (2Corín tios 9.7)
• com alegria, de cor ação (2Coríntios 9.7)

Creio que nós, líderes de igreja, devemos apresentar a liber-

tação do dízimo ao mesmo tempo em que ensinamos a oferta


voluntária. Os crentes são livres para dar 1%, 10% ou 100%.
Ser claro em relação à oferta da graça é necessário para uma
igreja sadia.
Ensinarmos qualquer outra coisa é escravidão.

T r ê s quartos da su a B íblia
Agora que discutimos nossa libertação do dia de sábado e do
dízimo, uma questão óbvia não quer calar: Bem, se é assim,
qual a utilidade do Antigo Testamento? Antes de começar-
mos a tratar dessa importante questão, devemos ter em mente
o seguinte:

Toda a Escritura éinspirada por Deus e útil para o


ensino, para a repreensão, para a correção e para a ins-
trução na justiça, para que o homem de Deus seja apto e
plenamente preparado para toda boa obra.s

5 2Timó teo 3. 16, 17, grifo nosso.

69
0 evangelho nu

Defendo a ideia de que não há lugar para Lei na vida do


crente. Mas o Antigo Testamento é um tesouro que não deve
ser desconsiderado. Descobrimos nele como o Universo veio a
existir. Lemos sobre a queda da humanidade. Aprendemos por

que há tanta maldade no mundo. Participamos da história das


interações de Deus com seu povo. Testemunhamos sua fidelida
de a despeito da infidelidade dos israelitas. Vemos os profetas
em ação e a misericórdia de Deus em exposição. Aprendemos
sobre o que Deus chama de sabedoria e como ela difere da no
ção humana desse conceito. Descobrimos os primeiros indícios
da vinda do Messias e entendemos melhor como Jesus cumpriu
a profecia.

O Antigo Testamento nos oferece algo que não encontramos


no Novo Testamento. Fornece um pano de fundo completo de
como Deus deu início a seu relacionamento com o gênero hu
mano, e de como fizemos tudo o que estava ao nosso alcance
para arruinar essa relação. A obra de Cristo tem impacto muito
maior contra o cenário de quão desprezível tem sido a atitude
da humanidade para com Deus. E de como ele tem sido gracio
so ao longo do curso da história humana!
Tampouco podemos esquecer que a promessa do Novo está
enraizada no Antigo. Deus disse a Abraão que, por intermédio
de sua semente (Jesus), ele se tornaria pai de muitas nações. A
promessa de que a salvação chegaria às nações foi feita no An
tigo Testamento muito antes da Lei.
Desconsiderar o Antigo Testamento significa cobrir uma
enorme parte do retrato que Deus vem pintando há milhares
de anos. Mas é importante ler e ensinar o Antigo Testamento
mantendo-o dentro de seu contexto.
No Antigo Testamento, vemos Deus punindo Israel pelos pe
cados cometidos. No Novo Testamento, vemos que Deus puniu
Jesus por nossos pecados. No Antigo Testamento, vemos Deus

70
Religião é dorde cabeça

retirando sua presença do meio


do povo. No Novo Testamento, Desconsideraro
vemos que ele nunca nos deixa- Antigo Testamento
rá nem nos desamparará. Até o significa cob rir uma
enorme parte do
homem segundo o coração de retrato que Deus vem
Deus, Davi, pediu que ele não
lhe retirasse o Espírito Santo. pintando há milhar es
Davi suplicou: “Não me expul- deanos.
ses da tua presença, nem tires
de mim o teu Santo Espírito ” .6 Não encontramos súplicas como
essas feitas pelos apóstolos que se sujeitam ao Novo.
A vida é radicalmente diferente do lado de cá da cruz — uma
verdade que temos de reconhecer ao estudarmos o Antigo Tes-
tamento. Lemos sobre as restrições alimentícias, mas não pre-
cisamos viver de acordo com elas. Lemos sobre as ordenações
cerimoniais, mas não nos precisamos conformar a elas. Lemos
sobre exigências de como guardar o sábado e dizimar, mas não
estamos presos a elas. No entanto, tais restrições, ordens, exi-
gências e mandamentos nos permitem apreciar melhor o que
Jesus realizou em nosso favor.

6 Salm os 51.11.

71
A história começou em um jardim, quando uma mulher
mordeu o fruto oferecido por uma serpente . 1 E evidente que
seu objetivo era cometer uma maldade, certo? Na verdade, não.
Nosso erro é achar que Eva estava motivada pelo desejo de
praticar o mal. Nada mais distante da verdade. O que ela queria
mesmo era evitar o mal e fazer o bem. Em resumo, queria fazer
0 que Deus faz — escolher por si própria, apta a detectar o mal
e preservar o bem.

A ÁR VOR E DA MORALIDADE
Adão e Eva não comeram de uma “ árvore do m al” . Comeram
da árvore do conhecimento do bem e do mal. Temos aqui uma
distinção importante. Eles não buscavam o pecado como cos
tumamos pensar. Buscavam uma forma de religiosidade. Tenta
ram ser como Deus. A serpente foi bem-sucedida em seduzi-los,
e a isca que ela usou foi a religiosidade. Até hoje, isso é visto
como um objetivo válido.
Deus, porém, nunca pretendeu que a humanidade tomasse so
bre si o fardo de desenvolver e seguir um código de ética. A queda
1 V. Gênesis 3.5.

72
Religiãoé dor de cabeça

no Éden se deveu à astúcia de Satanás em tentar os primeiros


humanos a que abandonassem Deus, escolhendo o esforço huma
no. Adão e Eva repensaram a confiança que tinham no caminho
de Deus e optaram por substituí-la pela moralidade. O desejo de

criar um sistema
Quando próprio Adão
imaginamos de certo e errado
e Eva foi uma
dando seu erro fatal. na
mordida
fruta, gostaríamos de poder perguntar a eles: “Como vocês pu
deram fazer isso? Quer dizer, só havia uma coisa proibida na
quele jardim, e vocês arruinaram tudo para todos nó s!” .
Mas qual foi a verdadeira motivação do primeiro casal? Ape
sar da desobediência flagrante de Adão e Eva, pode-se dizer que
eles fizeram o que fizeram por uma razão “justa” . Desejava m
agir “certo” e fazer a coisa “certa”. Queriam distinguir o certo
do errado para ter condições de escolher o certo e evitar o errado.
Como sabemos que eles não
estavam interessados no mal? A
Adão e Eva
afirmação persuasiva da serpen
repensaram a
te foi: “ [...] Quando vocês co
confiançaque
merem a fruta dessa árvore, os
tinham no cami nho
seus olhos se abrirão, e vocês se
deDeuseoptaram
rão como Deus [...] ’\ 2 Com isso,
os dois ficaram de queixo caído. por substi tuf-ia pela
moralidade.
Admiravam a bondade divina
e desejavam exibir essa mesma
qualidade. Não tinham o menor interesse na busca do mal. Aca
so já tinham visto algum comportamento pecaminoso antes?
O pecado srcinal não foi Adão e Eva torcerem o nariz para a
bondade de Deus. Foi a vontade de serem autores de um sistema
próprio de certo e errado, de modo que pudessem ter certeza de
que estavam agindo corretamente e evitando erros. Hoje, pode
mos ser enganados pelo mesmo tipo de oferta. Podemos acabar
2 Gênesis 3.5, Nova Tradução na Linguagem de Hoje.
0evangelhonu

perseguindo o conhecimento do bem em vez de ouvir nosso an


seio sincero por um relacionamento íntimo com Jesus Cristo.

UMA QUESTÃO DE VIDA OU MORTE


Por intermédio da história do Éden, identificamos nossa ne
cessidade de uma vida verdadeira, não de mero conjunto de
instruções sobre como viver. Contudo, essa nossa necessidade
não é transmitida apenas pelo Gênesis. Impressiona como de
terminadas palavras das Escrituras se destacam à medida que
tomamos consciência de seu significado. Palavras como vida e
morte saltam da página quando começamos a entender que o
cristianismo não pretende satisfazer a necessidade equivocada
que a humanidade tem de uma religião. O verdadeiro relacio
namento com Deus satisfaz nossa mais profunda necessidade
ao restaurar nossa vida espiritual genuína.
Enquanto alguns veem o
Wjâ cristianismo como um progra
0 cristi anismo não
pretendesatisfazer ma de aperfeiçoamento com-
a necessidade portamental, a história do Éden
equivoca da que a revela que o desejo de aprimo
humanidadetemde rar comportamentos foi a causa
uma religião. da morte espiritual. Nosso pro
blema não está na falta de leis
morais. Uma quantidade enorme de programas para desenvol
ver comportamentos moral e socialmente aceitáveis proliferam
nas religiões do mundo inteiro, e até em vários movimentos não
religiosos. Poderiamos beneficiar-nos de vários deles se nossa
necessidade básica se restringisse apenas a um código de ética

paraA direcionar nossas eescolhas


Bíblia é radical de vida.
ensina que o principal problema da hu
manidade não é o que estamos fazendo, mas nossa falta de vida
ao fazê-lo. Paulo descreve o problema nos seguintes termos:
74
Religião é dordecabeça

Portanto, da mesma forma como o pecado entrou


no mundo por um homem, pelo
e pecado a morte, as
sim tambéma morte veio a todos os homens
, porque
todos pecaram.3

Vocês estavam mortos em suas transgressões e pecados.4

DIETA PARA OS MORTOS?


Imagine encontrar o corpo de um homem jogado à beira da
estrada. Você resolve parar a fim de verificar a condição em que
ele se encontra. Você estaciona o carro, salta e corre em direção
ao homem, já de mãos estendidas para tomar-lhe o pulso. Não
encontra sinal de vida. Ele está morto, talvez por causa de um
ataque cardíaco. O que fazer? Pela aparência, você deduz que o
coração dele pode ter parado em decorrência de uma vida intei
ra de hábitos alimentares ruins.
Na mesma hora, você se põe í
em pé de um salto e corre em Não há no mundo
direção ao carro, de onde apa informaçãocapaz
nha um livro de dieta. Começa demudarocoração
então a gritar as informações de uma pessoa
espiritualmente
importantes que vai lendo à morta.
medida que retorna para junto
do morto: “ Cap ítulo 1: Alimen
tar-se de forma saudável!”.
Pare e pense no absurdo da situação. Não há no mundo in
formação sobre hábitos alimentares capaz de ressuscitar o ho
mem. Ele já morreu. A única solução real seria que lhe dessem
de alguma maneira um novo período de vida. Do mesmo modo,
não há no mundo informação capaz de mudar o coração de

Romanos 5.12, grifo nosso.


Efésios 2.1.

75
0evangelhonu

uma pessoa espiritualmente morta. A vida é a única solução


para a morte:

Quando vocês estavam mortos em pecados e na incir-


cuncisão da sua carne,Deus os vivificoucom Cristo [...].5

[...] Deus, [...], pelo grande amor com que nos amou,
deu-nos vidacom Cristo, quando ainda estávamos mor
tos em transgressões — pela graça vocês são salvos.6

Deus conhecia nossa verdadeira necessidade. E, por meio


de Cristo, ele a satisfez oferecendo-nos vida .7 A Lei ou qual
quer outro sistema moral jamais poderia oferecer vida. Embo
ra alguns talvez pensem que a Lei resolve seus problemas, na
realidade ela só traz maior consciência da morte. Como vimos
antes, a Lei não é uma incentivadora. Pelo contrário, é uma
crítica severa. Conscientiza as pessoas de que elas têm um sé
rio problema interior. Mesmo depois de todos os esforços con
centrados para refrear nosso comportamento, a Lei permanece
sempre presente para nos condenar.
O próprio apóstolo Paulo admitiu ter acreditado que a Lei
fosse o máximo em termos de experiência espiritual. Ele se de

sapontou dolorosamente quando acabou sentindo-se vazio por


dentro: “Descobri que o próprio mandamento, destinado a pro
duzir vida, na verdade produziu morte ” .8

P orque J esus fez o q u e fe z ?

Por que Jes us parece desviar-se de seu camin ho para opor-se aos
fariseus e a outros líderes religiosos? Por que ele os enfureceu
durante todo o seu ministério? Jesus curou no sábado, e eles o
5 Colossenses 2 .13 , grifo n osso.
6 Efésios 2.4 ,5, grifo nosso.
V. informação adicional 2.
8 Romano s 7.10 .

76
Religiãoédordecabeça

odiaram por isso. Virou as mesas de câmbio, e desprezaram-no


por isso. Chamou-os de víboras, e isso não contribui nem um
pouco para melhorar a relação entre eles. Mas Jesus fez essas
coisas para mostrar a diferença entre a vida verdadeira e a falsa

técnica da modificação autocentrada de comportamento.


O que séculos de vida sob o jugo da Lei haviam produzido
na sociedade judaica na época em que Jesus entrou em cena?
Uma agenda determinada por fariseus que estavam a mundos
de distância do objetivo de Jesus. Enquanto os fariseus se pavo
neavam pelas ruas da cidade condenando prostitutas e bêbados
por comportamentos francamente pecaminosos, Jesus se tor
nava amigo desses mesmos indivíduos. Jesus era gentil, miseri
cordioso e bondoso com os pecadores, ao passo que os fariseus
eram duros, rudes e críticos.
Parece que as únicas pessoas capazes de irritar Jesus eram
os governantes religiosos da época. Por quê? Porque os mestres
da Lei não eram sinceros consigo mesmos nem com os outros.
Primeiro, após diluir a força da Lei a ponto de forjar uma mis
tura palatável, pintavam um quadro ilusório de sucesso espiritual
submisso à Lei. Segundo, acres
centavam regras próprias e ba
tiam no peito enquanto se gabam A Lei só gera duas
coisas:  destr uiçã o
como elite espiritual. Jesus odia
se você é sincero , e
va a hipocrisia, e a Lei só gera
hipo crisia se não é.
duas coisas: destruição se você é
sincero, e hipocrisia se não é.
Pela ressurreição, Jesus acabaria oferecendo vida genuína a
seus contemporâneos judeus. Os zelotes religiosos da época tra
balhavam contra ele ao fingirem já possuir vida.
A própria fonte de vida enxergou além dessa dissimulação.

77
C r uz ando
FRONTEIRAS

A Cruz é o acontecimento central do tempo e da


eternidade; a resposta para todos os problemas de
ambas as questões.
Oswald Chambers (1874-1917)
Se você tivesse d e pregar sobre o “filho pródigo” a um pai e
a uma mãe, como acha que eles reagiríam? Você deve lembrar
que o filho pródigo pediu antecipação de sua parte da herança
paterna, para que pudesse desfrutar o melhor que a vida tinha
a oferecer: “Pai, estive pensando se poderia receber sua herança
em dinheiro antes que o senhor morra ...” .
Boa sorte para quem resolver tentar uma coisa dessas hoje,
não? Simplesmente não é assim que se faz. Você pode acabar
com algum dinheiro na mão, mas não com a herança. Os ad-
vogados logo o frustrariam. Não é legal pegar o dinheiro de
uma herança a menos que seu autor seja dado como morto. E
interessante notar que Hebreus faz esta importante afirmação:

No caso de um testamento, é necessário que se com-


prove a morte daquele que o fez; pois
um testamento só
, uma vez que nunca vigora
é validado no caso de morte
enquanto está vivo quem o fez
.1

Por que toda essa conversa sobre testamento, sistema legal e


herança? Aqui o autor de Hebreus traça uma analogia entre um

1 Hebreus 9.1 6,17, grifo nosso.

81
0 evangelho nu

testamento que entrará em vigor e uma aliança que passará a


vigorar. Na verdade, os termos testamento e aliança são tradu
ções da mesma palavra grega.
A analogia do autor e seu jogo de palavras servem para fa
zer uma importante afirmação. Assim como o testamento não
é válido sem que alguém morra, a aliança não é válida sem que
ocorra uma morte. Isso quer dizer que a Nova Aliança não co
meçou com o nascimento, mas sim com a morte de Jesus.
Como você pode imaginar,
A Nova Aliança não essa declaração carrega im
começo u com o plicações radicais. Primeiro, o
nascimento,massim Novo Testamento não come
com a morte de Jesus. ça de verdade em Mateus 1.1.
Tampouco em alguma outra
página da Bíblia. Ele começa no ponto da história em que o
sangue de Jesus foi derramado.
Sangue algum foi derramado no primeiro capítulo de Ma
teus, nem houve morte sacrificial na manjedoura. Não foi o
nascimento do nosso Salvador que mudou tudo. Foi sua morte
que inspirou os apóstolos a declarar a mensagem de “ fora com
o Antigo” e “que entre o Novo”.
Como Paulo declara, Jesus nasceu “ [...] debai xo da Lei, a
fim de redimir os que estavam sob a Lei [,..]” .2*Assim ele viveu
durante trinta e três anos sobre o planeta Terra, enquanto as
pessoas ao redor ainda operavam segundo as orientações do
Antigo, não do Novo.*
Para onde devemos olhar, então, a fim de ver o Novo? Os
primeiros efeitos do Novo ficam evidentes no livro de Atos, no
Pentecoste .4 As cartas dos apóstolos para a igreja nos instruem
sobre a vida em conformidade com o Novo.

- Ga lara s 4.4,5.
V. informação adicional 3.
4 V. informação adicional 4.

S2
Cruzandofronteiras

OVERDADEIROCOMEÇO

Quando tentamos misturar o Antigo com o Novo, acabamos


com uma aliança contraditória, fruto da nossa invenção. Foi aí
que vivi durante anos. Como havia alguns elementos do Novo
em minha aliança imaginária, isso não me matou de imediato.
Em vez disso, permitiu-me sofrer uma morte mais lenta.
Eu adotara um sistema de crenças constituído basicamente
por um equilíbrio entre o Antigo e o Novo. Nem eu sofria de
baixo da rigidez da Lei como um todo, nem desfrutava o êxtase
da graça incondicional. Por essa razão, anos haveriam de se
passar antes que essa forma de relacionamento com Deus enfim
cobrasse seu preço.
Ao ler isso, talvez você pense: Bem, isso não é problema
meu. Nunca tive de lutar para tentar decidir se estou ou não
debaixo da Lei. Eu sempre soube a verdade. Pode ser, mas isso
também era verdade para mim! Eu jamais diria que precisava
conformar-me à Lei judaica — longe disso. Não era a lei mosai
ca que me mantinha refém; era minha própria fórmula de Lei
moderna por meio da qual eu tentava sobreviver.
Ao voltar minhas antenas para o mundo cristão que me
rodeava, captei a mensagem sutil de que havia certas exigên
cias a cumprir a fim de permanecer no favor de Deus. Aquela
coleção de “Tu farás” — lerás tua Bíblia, compartilharás tua
fé, participarás de uma série de atividades da “igreja” — era
uma régua pela qual eu determinava meu valor e posição. Tais
critérios serviam de método
concreto para determinar se Era minha própria
eu tinha ou não um relaciona fórmula de Lei
mento certo com Deus. mode rna por meio
Eu já aceitara a obra de da qual eu tentava
Cristo como meio para chegar sobreviver.
O evangelho nu

ao céu, mas levava uma surra do meu jeito de conduzir a vida


cotidiana. A Lei como sistema operacional diário estava cum-
prindo sua função.

C a n c e l a me n t o
Se estamos agora orientados por uma uma Nova Aliança, o que
houve com a Antiga? Ainda existe lugar para ela em nós? O que
dizem as Escrituras? Hebreus descarta a ideia de misturar as duas:

[...] Ele cancela o primeiro para estabelecer o segun-


do. Pelo cumprimento dessa vontade fomos santificados,
por meio do sacrifício do corpo de Jesus Cristo, ofereci-

do uma vez por todas.5


Por intermédio do Novo, encontramos nossa posição como
filhos santos de Deus. A primeira (Antiga) aliança foi cancelada
porque não tornava ninguém perfeito. Afinal de contas, era um
sistema baseado em desempenho, e ninguém consegue um desem-
penho que corresponda a seus padrões! Imagine pisar em ovos a
vida inteira tentando cumprir tudo o que está escrito na Lei. De-
vastador! Por esse motivo, o Antigo é agora obsoleto. Foi cance-
lado como resultado da nossa incapacidade de cooperar com ele:

Chamando “nova” esta aliança, ele tornou antiqua-


da a primeira; e o que se torna antiquado e envelhecido
está a ponto de desaparecer.6
A ordenança anterior é revogada, porque era fraca e
inútil (pois a Lei não havia aperfeiçoado coisa alguma),
sendo introduzida uma esperança superior, pela qual nos

aproximamos de Deus.7
5 Hebreus 10 .9,10, grifo n osso.
6 Hebr eus 8.1 3.
7 Hebreus 7.18 ,19.

84
Cruzando fronteira s

O que o autor de Hebreus está dizendo? Que o Antigo é


“ fraco e inútil” em sua tentativa de nos aperfeiçoar. Hoje, te
mos opção melhor — o Novo. Esse novo sistema introduzido
pela morte de Jesus Cristo funciona de fato. Põe-nos em posi

ção perfeita mesmo que nosso desempenho não o seja. Só pelo


Novo podemos de verdade aproximar-nos de Deus.
Quando me sinto distante de Deus, é porque me avaliei e me
achei em falta. Isso me leva a acreditar que ele me avalia pelo
mesmo padrão. Então acabo chegando à falsa conclusão de que
Deus está longe de mim. Por essa lógica, o que faço para me
aproximar de novo? E evidente que a única opção seria alcan
çando êxito como nunca tive antes.

As Escrituras são claras, contudo só há um modo de apro


ximar-se de Deus — através da Nova Aliança. Qualquer outro
caminho é uma cópia falsificada, invariavelmente enraizada em
paralelos equivocados com os relacionamentos humanos e con
duzida por sentimentos momentâneos.

85
Em todos os quatro E vangelhos , Jesus fala sobre a Lei.
Mas o que diz a respeito? E de que maneira as palavras de Jesus
deveriam afetar nosso modo de aplicá-la hoje?

A mpliação e espelhos
Lembro que, quando criança, tinha fascínio por um espelho da
minha mãe que ficava junto à pia. Era um espelho de mesa, re
dondo e dupla face. Bastava girá-lo em torno de um eixo para
passar do reflexo normal para um reflexo três vezes maior. *\pós
lavar o rosto, eu me olhava no lado normal. Meu rosto parecia
limpo e claro. Quando virava o espelho, no entanto, o lado
aumentado revelava coisas que eu não conseguira ver antes.
Falhas na pele antes escondidas se tornavam visíveis na imagem
ampliada.
Aqui estão dois exemplos de como Jesus falava sobre a
Lei. Analisando suas palavras, veja se você consegue identi
ficar de que maneira ele expõe, como uma lente de aumento,
a sujeira no rosto da humanidade. Até os campões da época
em cumprimento da Lei pareciam imundos à luz do que a Lei
de fato requer:

86
Cruzandofronteiras

“Vocês ouviram o que foi dito aos seus antepassados:


‘Não matarás’, e ‘quem matar estará sujeito a julgamen
to’. Mas eu lhes digoque qualquer que se irar contra seu
irmão estará sujeito a julgamento [...].”'

“Vocês ouviram o que foi dito: ‘Não adulterarás’. Mas


eu lhes digo:Qualquer que olhar para uma mulher para
desejá-la, já cometeu adultério com ela no seu coração.”1
2

O que Jesus estava fazendo ao falar a respeito da Lei? Ele a


ampliava, como o espelho de dupla face ampliava as manchas
do meu rosto. Jesus usava a Lei para mostrar aos líderes religio
sos qual era exatamente sua posição.
Em geral tentamos aplicar diretamente à nossa vida cada
palavra proferida por Jesus, sem levar em consideração seu
público e propósito. Mas o contexto dos rígidos ensinamentos
de Jesus deve ser visto à luz da linha divisória entre o Antigo
e o Novo. Lembre-se de que Cristo nasceu na era da Anti
ga Aliança (a Lei):

Mas, quando chegou a plenitude do tempo, Deus en


viou seu Filho, nascido de mulher,nascido debaixo da
Lei, a fim de redimir os que estavam sob a ,Lei
para que
recebéssemos a adoção de filhos.3

Jesus nasceu debaixo da Lei. Seu público estava debaixo da


Lei e precisava ser liberto. Mas o que Jesus ensinaria sobre o
atual sistema religioso? Elogiaria seus ouvintes pelo desempenho
apresentado? Faria que se sen
tissem satisfeitos com seu status 0 público deJesu s

quo ? Ou chamaria a atenção estava  debaixo da Lei.


1 Mateus 5.21, 22, grifo nosso.
2 V. Mateus 5. 27 ,28, grifo nosso.
Gaiatas 4.4,5, grifo nosso.

87
0 evangelho nu

para suas tentativas frágeis de guardar a Lei? Naturalmente, a


última opção. Do contrário, de que serviría sua obra na cruz?
Jesus expôs a inutilidade da vida debaixo da Lei. Exclamou:
“Arranque [seu olho direito] e lance-o fora” e “corte [a sua mão
direita] e lance-a fora” se você quer mesmo guardar a Lei ,4 para
que seus ouvintes judeus se vissem em uma encruzilhada: ou
resolveríam se esforçar mais, ou desistiríam.
Que reação você acha que Jesus esperava ao virar o espelho
para que eles vissem o próprio rosto ampliado e sujo?
Quando desistissem, passariam a considerar um caminho
novo e radical.
A verdadeira intenção de Jesus talvez fique mais clara na

história do jovem rico. Esse homem dera seu melhor tentando


guardar a Lei. Jesus olhou para ele e o amou. Mas então por
que ele apontou para a única coisa que o rapaz não podia fa
zer? Por que dispensá-lo e fazê-lo retirar-se de coração partido?

[...] “Mestre, a tudo isso tenho obedecido desde a mi


nha adolescência.”
Jesus olhou para ele e o amou. “Falta-lhe uma coi
sa”, disse ele. “Vá, venda tudo o que você possui e dê
o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro no céu.
Depois, venha e siga-me.”
Diante disso ele ficou abatido e afastou-se triste, por
que tinha muitas riquezas
.5

Temos de anunciar nossos bens num site de comércio eletrô


nico para entrarmos no Reino? Jesus disse que sim, não foi? Mas
isso não condiz com o s ensinamentos do Novo Testamento sobre
a salvação pela fé somente. A lição impossível de Jesus, “Venda
tudo, corte partes do próprio corpo se necessário, seja perfeito

4 V. Mateus 5.29,30.
5 Marcos 10.20-22.

88
Cruzandofronteiras

com o Deus e ultrapasse os fariseus em justiça” , não é compatível


de verdade com a mensagem da salvação como dom de Deus.
Não poderiamos resolver isso tudo enxergando a linha di
visória na história humana? Pedro, Tiago, João e Paulo es
creveram epístolas sobre a vida orientada pela Nova Aliança.
Anos antes, o ensino de Jesus
i
mostrava que no Antigo sis 0ensinodeJesus
tema só havia desesperança. mostravaqueno
A platéia não era a mesma. A Antigo sistema só
aliança não era a mesma. Tam havia desesperança
pouco os ensinamentos.

U m  sermão  d e a r r a s a r
Barbara lutava contra a depressão havia mais de uma década.
Circunstâncias dolorosas deixaram-na devastada, a ponto de
lhe restar pouca esperança. Um dia, ela assistia à TV quando o
programa da nossa igreja entrou no ar. Barbara me ouviu falar
sobre a batalha que eu tive contra a culpa e a ansiedade em
nome de um pretenso desempenho em nome de Deus.
Barbara travava uma luta tão semelhante que decidiu telefo
nar para mim. Conversamos apenas duas vezes e ela já come
çou a observar certa mudança. Havia uma diferença no modo
de ela se sentir acerca de si própria, sua percepção de Deus e seu
nível de energia como um todo a cada novo dia vivido.
Barbara compartilhou comigo que se sentia desanimada len
do a Bíblia. Havia sempre mais obrigações a cumprir do que ela
estava fazendo.
“Toda vez que pegava minha Bíblia, eu me sentia um fracas
so”, confessou.
Ultimamente, no entanto, isso mudou. Examináramos uma
dúzia de passagens das Escrituras sobre sua identidade em

89
0evangelhonu

Cristo, sua libertação das exigências da Lei e o perdão ilimita


do que ela encontra em Cristo. Barbara me contou que, ao fixar
a mente nessas verdades, começou a experimentar um alívio da
depressão debilitante.

Uma noite, contudo, ela entrou no meu escritório com a ex


pressão novamente desolada.
— O que houve? — perguntei.
— Passei a maior parte da semana bem, lendo os versículos
que você recomendou — ela explicou. — Mas então resolvi ler
o Sermão do Mon te de Jesu s. A partir de então, não sei ao certo
o que aconteceu.
— Ah, entendo — respondí. — Posso assegurar que o que

você experimentou é normal para qualquer filho de Deus since


ro, ansioso por fazer a vontade dele, quando lê essa passagem.
Expliquei a linha divisória entre o Antigo e o Novo. Falei
que os ensinamentos severos de Jesus, cujo alvo era as pessoas
religiosas, deixavam-nos arra
r _
Osensinamentos sados cada vez que os líamos.
severosdeJesus, Barbara começou a enxergar a
cujo alvo era as diferença entre o que Jesus en
sinava para os judeus e o que
pessoas religiosa s, Deus queria que ela usufruísse
deixavam-nos
arrasadoscadavez debaixo do Novo. Seu semblan
que os líamos. te se iluminou. Mais uma vez, a
verdade cumprira sua missão.
Distinguir o Antigo do Novo é algo sempre libertador.

90
13

A lguns afi rm am que somos obrigados a guardar a Lei in


teira ou porções da Lei, mas Paulo não mede palavras ao tratar
a questão: “ Porque o fim da L ei é Cristo , para a justificação
de todo o que crê ” . 1 No entanto, a substituição de regras pela
obra do Espírito não é um fenômeno novo. Quase dois mil
anos atrás, Paulo ficou indignado com crentes a quem ensinara
pessoalmente. Eles estavam afastando-se da mensagem simples
“Je sus e mais na da” . Emo cionado, sup licou-lhes que recon side
rassem sua posição:

Ó gálatas insensatos! Quem os enfeitiçou? Não


foi diante dos seus olhos que Jesus Cristo foi exposto
como crucificado? Gostaria de saber apenas urna coisa:
foi pela prática da Lei que vocês receberam o Espírito,
ou pela fé naquilo que ouviram? Será que vocês são tão
insensatos que, tendo começado pelo Espírito, querem
agora se aperfeiçoar pelo esforço próprio?1
2

Mais adiante, no mesmo capítulo, Paulo esclarece o relacio


namento dos crentes com a Lei: “Assim, a Lei foi o nosso tutor
1 Romanos 10 .4, grifo nosso.
2 Gálatas 3.1-3.
0evangelhonu

até Cristo, para que fôssemos justificados pela fé. Agora, po
rém, tendo chegado a fé, já não estamos mais sob o controle
do tutor ” .3
A Lei nos conduziu a Cristo.
A Lei nos conduziu De que maneira? Agindo como
a Cris to. um padrão de medida com o
qual medimos nossa moralida
de. Não alcançamos o objetivo. A solução de Deus foi justificar-
-nos, declarar-nos retos, por obra de Cristo. Paulo então nos
pede para considerar o seguinte: Primeiro, como recebemos o
Espírito — pela fé ou pela Lei? Segundo, o que deve supervisio
nar nossas ações agora?

MÚLTIPLA ESCOLHA
Na faculdade, eu ficava aliviado quando os professores esco
lhiam o formato da múltipla escolha para as provas. Mesmo
sem estudar, havia a possibilidade de eu me esforçar e identi
ficar a resposta certa. Em Gaiatas, o apóstolo questiona seus
leitores sobre os anos de aprendizado a que se submeteram de
baixo de seu ensino. E Paulo ainda facilita as coisas para eles
dando-lhes opções de múltipla escolha.
Se Paulo fosse reescrever essa porção da carta em formato de
teste, talvez ela ficasse assim:
Questão 1 : Como você foi salvo?
O guardando a Lei
O crendo na Palavra que ouvi
Questão 2 : Como espera crescer?
O por meu próprio esforço
o Pel° Espírito
3 Galaras 3 .24,25.

92
Cruzandofronteiras

Servindo-se dessa linha de questionamento, Paulo insta os


cristãos a que continuem do mesmo jeito que começaram. Eles
começaram crendo e abrindo- •7‘
-se para a obra do Espírito. Sua Nossa vida cotidiana

salvação
com a Lei.não
Detivera nada atam
igual modo, ver é vivida
Crist o quepela fé no
habita em
pouco a maturidade em Cristo é nós, não pela Lei.
alcançada por esforço humano.
Paulo enfatiza que a Lei não deve agir como nosso tu
tor. Ele está referindo-se à salvação ou à vida cotidiana? Às
duas coisas. Primeiro, somos salvos ao ouvir pela fé. Uma vez
salvos, nossa vida cotidiana é vivida pela fé no Cristo que
habita em nós, não pela Lei. O Espírito em nós é mais que
suficiente para produzir vida, coisa que a Lei jamais conse
guida: “Mas, se vocês são guiados pelo Espírito, não estão
debaixo da Lei ” .4

A FÓRMULA SECRETA
Portanto, se as Escrituras dizem que não há lugar para a Lei na
vida do crente, a questão mais lógica que se segue é: se a Lei
não nos serve de guia moral, quem exerce esse papel? Como
cristãos, temos o desejo inato de que nosso comportamento seja
o correto. De fato, a vontade de agradar a Deus é o que leva
alguns a abraçar o erro de uma vida baseada na Lei!
Felizmente, Deus não nos tirou de debaixo da Lei para nos
deixar sem nada. Quando cremos, o Espírito Santo passa a vi
ver em nós. Ele produz frutos por nosso intermédio quando
dependemos dele. Mas é importante reconhecer o “sistema”
utilizado pelo Espírito Santo no lugar da Lei. Ele opera atra
vés de um sistema radicalmente diferente, a saber, o sistema

4 Gá latas5.18.

93
0 evangelho nu

denominado graça. Reconhecer a obra do Espírito Santo em


nossa vida requer um sólido entendimento da graça.
Com frequência, no entanto, a ideia que temos de graça
nada mais é que misericórdia. Nesse caso, a definição típica de

graça poderia ser algo como: “A graça entra em ação quando


o castigo é reduzido ou dispensado depois que alguém faz algo
errad o” . A graça costu ma ser vista como uma respost a ao pe
cado, algo muito parecido com o perdão de um crime capital.
Mas o Novo Testamento retrata a graça de maneira muito
mais ampla. Observe o que ela faz na vida dos cristãos:

Porquea graça de Deus se manifestou salvadora a to


dos os homens.Ela nos ensina a renunciar à impiedade
e
às paixões mundanas e a viver de maneira sensata, justa
e piedosa nesta era presente.'

Graça é o sistema que o Espírito Santo usa para nos aconse


lhar e nos ensinar dia após dia. A graça ocupa seu lugar, tenha
mos ou não pecados recentes. Nossa preocupação natural é que
a ausência da Lei resulte em um estilo de vida fora de controle,
no entanto isso contradiz o que as Escrituras declaram sobre os

efeitos da graça.éEla
do; na verdade, não para
a cura é apenas um tratamento para o peca
o pecado!
Quando questionamos a função da graça em nossa vida,
insultamos a inteligência de Deus. Ele introduziría uma Nova
Aliança que não só permite como também, na verdade, promo
ve o pecado? Deus é tolo a ponto de achar que a graça de fato
nos motiva a levar uma vida de temor a Deus?
O segredo é que a graça desativa nosso orgulho. Retirar a
Lei de nossa vida significa que nosso esforço próprio não é mais
estimulado a assumir um comportamento de controle. A Lei in
centiva o esforço humano. Encoraja-nos a depender de recursos
5 Tito 2. 11, 12, grifo nosso.

94
Cruzandofronteiras

externos a Cristo. Contudo, a


A Lei incentiva o
aceitação incondicional desativa
esforçohumano.
o esforço humano e permite que
o Espírito Santo seja tudo o que

ele quiser ser através de nós.


Nosso maior medo é não termos o controle. Acontece que
não fomos criados para ocupar o controle. O autocontrole tem
sempre sido um atributo natural do Espírito Santo. O motivo
pelo qual ele vive dentro de nós é para produzir o autocontrole
que tememos perder debaixo da graça.
Paulo nos incentiva a confiar na graça debaixo da Nova
Aliança citando as palavras do próprio Jesus sobre o assunto:

Mas [Jesus] me disse: “Minha graça é suficiente para


você, pois o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza”. Por
tanto, eu me gloriarei ainda mais alegremente em minhas
fraquezas, para que o poder de Cristo repouse em mim
.6

Jesus não parece temeroso acerca das consequências de toda


essa graça na vida de Paulo. A graça não é mera resposta ao pe
cado. E o centro do Novo. Permite que Jesus produza por nosso

intermédio o que for necessário no momento. Depois de ouvir


essa postura divina sobre a graça, Paulo conclui que Alguém
maior do que ele operará em sua vida. Jesus produzirá o que ele
não consegue.
O mesmo vale para nós hoje.

Fu g a d a prisão

Pessoas que cumprem penas judiciais longas sempre têm de lutar


muito quando são soltas. Acostumam-se aos limites da prisão.
Em certo sentido, paredes e barras de ferro proporcionavam a

6 2Cor íntios 12.9.

95
O evangelho nu

elas um senso de segurança. Sempre havia alguém para lhes di-


zer quando tomar banho, quando comer, quando se exercitar e
quando dormir. Cada aspecto da vida era regulado sob o olhar
vigilante dos guardas.

Uma vez libertas, algumas se sentem apreensivas. De uma


hora para outra, têm de decidir sozinhas para onde ir, quando
fazer o quê e o que fazer do resto da vida.
De semelhante modo, a libertação da Lei pode inquietar al-
guns de nós. Quando os limites desaparecem, cabe a nós deci-
dirmos o que é ou não proveitoso. Mas isto é maturidade cristã:
como estamos em Cristo e ele está em nós, não recorremos a
regras exteriores para determinar cada movimento; em vez dis-
so, somos instados a que nos afastemos da escravidão religiosa,
rumo a uma maravilhosa liberdade, sem nunca olhar para trás:

Foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Portan-


to, permaneçam firmes e não se deixem submeter nova-
mente a um jugo de escravidão.*
8

V. informação adicional 5.
8 Gaiatas 5.1.

96
A teando fogo
ÀS MATRIOSKAS

Não nos consideremos distantes quando


Deus nos fez um com ele.
Hudson Taylor (1832-1905)
14

Q uantos pecados são necessários para alguém se tornar


um pecador?
Sempre proponho essa questão durante nosso seminário “O
evangelho nu ” . E, normalmente, vejo a maior parte da platéia
formando a palavra um com os lábios.”Só é necessário um pe-
cado para alguém se tornar um pecador”, respondem.
Na verdade, não é preciso nenhum — zero.
Nós nascemos pecadores.
Sei o que você está pensando. A pergunta é capciosa. Talvez,
mas a resposta mais frequente à questão revela o que as pessoas
comuns creem sobre a natureza. A natureza humana. Quando
compramos a ideia de que é necessário um pecado para alguém
se tornar um pecador, presumimos o seguinte:

• Fazemos a fim desermos.


• Presumimos que o fazer precede o ser.
• Por conseguinte, as pessoas tornam-se pecadoras ou santas
fazendo coisas que pecadores ou santos fazem.

Mas isso é bíbli co? Não creio. E, como resultado, isso im pede
o descrente de entender sua natureza decaída por nascimento.

99
0 evangelho nu

Também impede o cristão de compreender sua nova natureza


pelo novo nascimento. No entanto, se conseguirmos entender
que somos pecadores por nascimento, seremos capazes de ver
que só pelo nascimento — nosso novo nascimento — podemos
tornar-nos santos.

SANTOS DE NASCENÇA
Em um piscar de olhos, os cristãos compram a ideia de que
o mundo está cheio de pecadores. Uma vez esclarecidos pelas
Escrituras, também concordamos que nascemos em condição
pecaminosa. Talvez porque a morte espiritual seja um estado
vil, concordamos facilmente com a ideia de que o mundo está
caído. Mas, quando se trata de acreditar que somos 100% jus
tificados pelo renascimento, gaguejamos e temos dificuldade
para falar. Resumindo, nós, crentes, concordamos que “o nas
cimento determina a identidade” para o mundo, mas não para
nos.
0nascimento Segundo a linha católica de
determinaa pensamento, santos são aqueles
identidade. que sofreram pelo evangelho.
Eles realizaram milagres e su-
postamente alcançaram um estado moral mais elevado do que
os simples José e Maria que existem por aí. No pensamento pro
testante, contudo, a palavra santo não costuma ser usada para
descrever um indivíduo cristão. Parecemos sentir-nos mais con
fortáveis com os termos crente, cristão ou salvo. De fato, somos
capazes de nos descrever como pecadores , embora mais que de
pressa acrescentemos a expressão salvos pela graça ao final da
frase.
Muita gente tem dificuldade de aceitar o adjetivo santos (sig
nificando “ sagrad os” ou “reserva dos, separados para Deus” ). De

100
Ateando fogo às matrioskas

igual modo, usar a palavra justos para nos descrever às vezes é


visto como um exemplo perfeito de arrogância. Mas são exata
mente esses os termos que Deus usa para descrever quem está
em Cristo. Como ele pode se sentir à vontade empregando esses
adjetivos ao mesmo tempo em que tem plena consciência dos
nossos defeitos e fracassos? Para responder a essa questão, pre
cisamos examinar em mais profundidade a ideia de que o nasci
mento determina a identidade. E, ao longo do caminho, creio que
descobriremos alguns fatos impressionantes sobre quem somos.

O s REC TO R E OS F ARLEY
Quando eu era adolescente, minha família e eu moravamos em
uma fazenda de cavalos no norte da Virgínia. Nossos únicos
vizinhos próximos eram os Rector. Havia quatro meninos na
família, e eu gostava muito de passar o tempo com eles. Andá-
vamos a cavalo, pescavamos e corríamos pela fazenda sobre
quadriciclos.
Dois filhos dos Rector eram mais velhos que eu; por isso eu
os respeitava. Eles eram legais comigo e eu me sentia privilegiado
em poder segui-los de perto aonde quer que fossem. De repente
eu me vestia como os Rector, penteava o cabelo como eles, até
falava e agia como eles. Eu ia à casa deles quase todos os dias,
almoçava com eles, brincava com o cachorro deles, Skipper, e jo
gava futebol americano no quintal deles. Eu me sentia um Rector.
Sempre que acontecia uma reunião ou encontro de família,
contudo, a realidade se impunha. Eu não era convidado. Em
bora parecesse com eles, falasse e agisse como eles, não era um
Rector de nascença. Minha certidão de nascimento sempre dirá
Farley. Ainda que eu fosse adotado pelos Rector, não partici
paria de verdade da linhagem de sangue dos Rector. Por quê?
Porque o nascimento determina a identidade.

101
0evangelhonu

Com certeza você consegue enxergar o paralelo com nossa


identidade espiritual. Quando aparecemos no planeta Terra,
nossa certidão de nascimento registra família de Adão. Famí-
lia de Adão aqui significa que nascemos em Adão. Devido ao

nosso nascimento natural na linhagem adâmica, estamos espi


ritualmente mortos, por nascimento e por natureza.
A queda de Adão e Eva aconteceu antes que eles gerassem
Caim, Abel, Sete e outros filhos. Então, assim como Caim ti
nha o nariz do pai e Abel recebera os olhos da mãe, os filhos
também herdaram a genética espiritual. No longo prazo, o re
sultado foi uma raça de humanos espiritualmente mortos de
nascença, a começar do primeiríssimo descendente.

Não importa o que façamos, não temos como nos tornar


vivos em espírito, da mesma forma que eu não conseguia trans
formar-me em um Rector. Somos capazes de produzir uma
reforma no nosso comportamento, mas nenhum esforço de es
pécie alguma nos transferirá da linhagem espiritual de Adão
para a de Cristo.

I magem é tudo

Embora o próprio Adão tenha sido criado à imagem de Deus,


o livro de Gênesis revela que seus filhos nasceram à imagem do
próprio Adão:

Este é o registro da descendência de Adão:


Quando Deus criou o homem, à semelhança de Deus
o fez; homem e mulher os criou. Quando foram criados,
ele os abençoou e os chamou Homem.
Aos 130 anos, Adão gerou umfilhoà sua semelhan-
ça, conforme a sua imagem ; e deu-lhe o nome de Sete.1

1 Gênesis 5.1-3, grifo nosso.

102
Ateando fogo às matrioskas

O contraste aqui parece claro. Adão foi feito à semelhança


de Deus, mas o filho de Adão nasceu à semelhança de Adão. E o
autor repete: conforme a sua imagem. Portanto, de acordo com
as Escrituras, nascemos à imagem de Deus? E verdade que, após
a salvação, somos recriados em Cristo Jesus e estamos sendo
renovados à sua imagem .2 Originalmente, no entanto, somos
descendentes de Adão, o primeiro homem.
No nascimento, ostentamos a imagem de Adão.
No início do capítulo, perguntei quantos pecados são necessá
rios para alguém se tornar um pecador. A resposta é zero, já que
nascemos pecadores. Em certo sentido, porém, é mesmo neces
sário um pecado para que nos tornemos pecadores. No entanto,
esse único pecado não foi come
tido por nós. Romanos 5 revela d Nascemos  à imagem
que o pecado de um homem pro de Deus?
duziu os seguintes efeitos:

• o pecado entrou no mundo (v. 1 2 )


• muitos morreram (v. 15)
• a condenação veio a todos (v. 18)

• muitos foram feitos pecado res (v. 19)

A morte espiritual de Adão fez que todos os seus descenden


tes nascessem espiritualmente mortos. O pecado de Adão trou
xe condenação a todos nós. E o pecado de Adão fez que cada
um de nós se tornasse merecedor do título pecador. O estado
espiritual em que nos encontramos srcina-se da nossa linha-
gem em Adão , não do que fazemos.

dia Assim
tentar como
imitareuJesus
imitava os pelo
Cristo integrantes
resto dadavida.
família Rector,nem
Contudo, po
a conformidade com um comportamento como o de Cristo me

2 V. Colossenses 3.10.

103
O evangelho nu

incluiría em sua linhagem espiritual. Sou quem sou de nasci


mento, não por comportamento.
Constatar que tudo tem a ver com nosso nascimento, não
com nosso comportamento, é esclarecedor. Dá novo sentido à
expressão nascido de novo, tantas vezes empregada de maneira
equivocada. Essa expressão é proferida com tanta frequência
que muitos já perderam de vista seu verdadeiro sentido. No en
tanto, à luz da nossa linhagem espiritual por nascimento, com
preendemos por que Jesus usou a expressão.
Jesus disse a Nicodemos que a verdadeira necessidade de
todo ser humano é nascer pela segunda vez. Ele não preten
dia com isso incentivar o líder judeu a esforçar-se mais ou

oa cerne
refinardamelhor seuouestilo
questão, seja, de vida. Antes,Enquanto
o nascimento. estava tratando
alguns
consideram o cristianismo um programa de aperfeiçoamen
to comportamental embala
0 plano de Deus era do em parâmetros religiosos,
na verdade umatroca Jesus revelou que o plano de
de natureza. Deus era na verdade uma tro
ca de natureza.

O VEREDITO ESTÁ "EM"


Já que nosso problema é uma questão de linhagem, a solução
também está relacionada a ela. Se estamos em Adão no nasci
mento, devemos estar em outro Alguém para que uma mudança
genuína aconteça: “Pois da mesma forma como em Adão todos
morrem, em Cristo todos serão vivificados ” .3
Falando em termos espirituais, todo mundo está em al

guém. Ao se tornar cristã, a pessoa não se limita a adotar de


terminadas doutrinas. Nem lhe é apenas concedido o prêmio

3 lCor íntios 15.22, grifo nosso.

104
Ateandofogo às matrioskas

de entrada no céu. No mesmo dia em que entrega seu coração


a Cristo, a pessoa passa por uma cirurgia. Não entende nada
do que está acontecendo nem sente nada. Mesmo sendo espi
ritual, porém, a cirurgia não é menos real do que um procedi

mento médico.
Na salvação, somos iça Um novo DNA,vivo,
dos da linha da vida de Adão é implant ado no
e transferidos para a linha da nossoespírito.
vida de Cristo. Nosso DNA es
piritualmente morto é extraído por milagre e um novo DNA,
vivo, é implantado no nosso espírito. Tornamo-nos parte de
uma nova família.
na
Não estamos mais carne.
Estamos no Espírito.
A cirurgia tem todos os tipos de implicações em relação a
quem de fato somos, para o que fomos projetados e o que nos
satisfaz no nível mais profundo da nossa pessoalidade.

105
M uitos a n o s a tr á s , minha m ãe colecionava bonecas russas
conhecidas como matrioskas. Se você conhece esse tipo de bo
neca, sabe que elas escondem segredos imperceptíveis à primeira
vista. Feitas de madeira, são cortadas ao meio, de modo que, ao
puxar a metade superior de uma delas, ela se abre, revelan
do outra boneca menor no interior. Tirando a boneca seguinte,
você descobre mais uma dentro dela, e assim por diante até
extrair a última boneca, claro. Olhando de fora para a maior
delas, você jamais adivinharia o que há do lado de dentro.
Como uma boneca está
A maioria de nós nâo dentro da outra, o que aconte
pensa muit o sobre cer com a maior, isso acontecerá
oquesignificaestar com as demais. Se você erguer
escondido em Deus. a boneca e colocá-la sobre uma*
prateleira, todas as outras den
tro dela irão para o mesmo lugar. Se a jogar no fogo, as de dentro
também serão queimadas.
As matrioskas ajudam-me a entender o que significa estar
em Cristo. A Bíblia conta que nossa v ida ago ra “ [...] está es
condida com Cristo em Deus ” . 1 Imagino que a maioria de nós

1 Colossenses 3 .3.

106
Ateando fogo às matrioskas

não pen sa muito sobre o que significa estar escondido em Deus.


Mas as Escrituras enfatizam o fato de estarmos em Cristo cerca
de seis vezes mais do que o fato de Cristo estar em nós. Eviden
temente, essa é uma verdade importante da qual Deus quer que

nos apropriemos.
Paulo fala a coríntios e colossenses sobre essa transferência
espiritual do nosso eu para Cristo:

E, porém, por iniciativa dele [de Deus] que vocês es


tão em Cristo Jesus,o qual se tornou sabedoria de Deus
para nós, isto é, justiça, santidade e redenção.2

Pois ele nos resgatou do domínio das trevas e nos


transportou para o Reino do seu Filho amado.3
Foi Deus quem mudou nossa posição espiritual. Ele nos
transportou de uma posição em Adão para outra posição dentro
de Cristo. Em razão da nossa posição srcinal em Adão, éramos
como Adão. Graças à nossa nova posição em Cristo, tornamo-
-nos como Cristo. Somos espiritualmente vivos e justos.
Então como deixamos para trás quem éramos e nos torna
mos tão diferentes por dentro? Voltemos a atenção para a cirur
gia que mudou para sempre nosso DNA espiritual.

Se u  pr ó pr i o  funeral

Estamos familiarizados com a crucificação e o sepultamento de


Jesus Cristo. Afinal, são eventos históricos. No entanto, é com
pletamente diferente constatar que
nós também fomos crucificados em Nós tam bém fomos

espírito e enterrados com Cristo. crucificadosem


espíritoeenterrados
2 1Coríntios 1.30, grifo nosso .
com Cristo.
Colossenses 1.13.

107
0evangelhonu

No momento em que entramos em Cristo na salvação, nosso


velho homem é eliminado. Isso acontece quando Deus o ex
tingue através de uma cirurgia miraculosa, atemporal. Somos
crucificados com Cristo:

Ou vocês não sabem que todos nós, que fomos bati


zados em Cristo Jesus, fomos batizados em sua morte?
Portanto, fomos sepultados com ele na morte por meio
do batismo [...].
Pois sabemos que onosso velho homem foi crucifica-
do com ele 4

Por maravilhoso que seja estar crucificado com Cristo, não é

onos
bastante! Deus vai
fazer assentar além
à sua ao nos
direita ressuscitar
com dentre os
Cristo: “Deus nosmortos e
ressusci-
tou com Cristo e com ele nos fez assentar nos lugares celestiais
em Cri sto Jesu s ” .5
Durante um curto intervalo de tempo, Jesus Cristo andou
como um de nós, em semelhança de carne pecaminosa. Hoje,
porém, está assentado nos céus com Deus. E nós estamos uni
dos a ele! Não nos unimos apenas ao Messias que andou neste
mundo e permaneceu por algum tempo em posição inferior à
dos anjos. Estamos unidos ao Cristo ressurreto.
Às vezes nos vemos como pecadores nos braços amoro
sos de um Deus que finge não nos ver como de fato somos.
Talvez imaginemos que Deus use um par de “óculos de Je
sus” escondendo de seus olhos nossa real condição. Acha
mos difícil entender a ideia de que ele nos chama de justos
porque so m os ju stos de verdade. Parecemos mais humildes
considerando-nos vermes imundos à espera da metamorfose
em lindas borboletas.

4 Romanos 6. 3,4,6, grifo nosso.


5 Efésios 2.6, grifo nosso.

108
Ateando fogo às matrioskas

Jesus explicou melhor isso. Afirmou que nossa justiça deve


sobrepujar à dos fariseus a fim de entrarmos no Reino .6 Então,
se nós, cristãos, não reivindica
mos a posse da justiça perfeita, Senós,cristãos,
rebaixamos o padrão de Deus. não reivindicamos
Diminuímos a força do evange a posse dajustiça 
lho. Insinuamos que Jesus pode perfe ita, rebaixamos
associar-se ao pecado. E insul o padrão de Deus.
tamos a perfeição de Deus.
Só a perfeição alcançará isso. Por essa razão Deus teve de
nos tornar perfeitamente justos em espírito através da nossa
morte, do nosso sepultamento e da nossa ressurreição. Com sua
aparente humildade, a teologia do verme imundo agrada a car
ne. Deus, porém, com certeza não fecha os olhos para o lamaçal
da péssima autoimagem em que chafurdamos.
O Cristo ressurreto não se une a vermes imundos. O Espírito
Santo não habita em pecadores sujos. Cristo só se associa àqueles

que são como ele em espírito. O Espírito Santo não reside naqueles
que permanecem mesmo que apenas 1 % maculados pelo pecado.
Todavia, nós fomos perfeitamente limpos. E fomos perfei
tamente justificados até o mais profundo do nosso ser através
de uma cirurgia espiritual. Esse é o único caminho pelo qual
podemos desfrutar um mísero momento de relacionamento
com Jesus Cristo.

A ESSÊNCIA
Alguns veem o cristianismo como um movimento ou uma cam
panha. Observamos as pessoas comportar-se de acordo com de
terminados padrões e influenciar outras a agir da mesma forma.
Em certos sentidos, deixamos de reconhecer que o evangelho

6 V. Mateus 5.20.

109
0 evangelho nu

não tem a ver fundamentalmente com uma modificação de


comportamento. Em sua essência, a verdadeira mensagem que
ele traz diz respeito a morrer e ser ressuscitado por milagre
como uma nova pessoa.
Logicamente, a vida em Cristo tem implicações comporta-
mentais. Mas não podemos dar-nos ao luxo de permitir que
passem em branco as questões da morte e da vida por estarmos
obcecados com os efeitos, mas não com a causa. Descrevendo a
essência da mensagem, Paulo diz o seguinte:

Pois vocês morreram, e agora a sua vida está escon


dida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a sua
vida, for manifestado, então vocês também serão mani

festados com ele em glória."

T ra n s m i ti n do a essência

Na faculdade, um amigo e eu caminhavamos em círculos du


rante horas, discutindo questões como graça e fé. Por alguma
razão, não conseguíamos concordar em matérias espirituais.
Depois de discutirmos por algum tempo, eu finalmente disse:
— Não sei como explicar. Mas a questão não tem a ver com
alguém se esforçar para agir diferente. Tornar-se cristão é como
morrer e no dia seguinte acordar uma pessoa totalmente nova.
Com essas palavras, demos por encerrada a conversa. Pouco
tempo depois, viajei para a Grécia e a Itália, participando de um
programa de estudos no exterior; por isso, não vi meu amigo
durante quase seis meses.
Poucos dias após meu retorno ao campus , esse amigo se
aproximou e disse:
— Ei, afinal entendi o que você queria dizer.

Colossens es 3.3,4 .
Ateando fogo às matrioskas

— Queria dizer com o quê? — perguntei, tendo esquecido


nossa conversa.
— Você sabe, sobre morrer e tornar-se uma pessoa total
mente nova. Uma noite, comecei a pensar em como você tinha
descrito as coisas. Então orei e pedi a Deus para me matar e
fazer de mim uma nova pessoa.
“Deus, por favor, me mate” “ Deus, porfavor,
não é uma oração típica de sal me mate”  nãoé
vação. Ao longo de seis meses, umaoraçãotípica
no entanto, as palavras que eu desalvação.
escolhera por puro desespero
haviam permanecido com meu amigo. E um dia ele resolveu
agir baseado nelas. No fim das contas, não foi nenhum dos
meus argumentos afiados que penetraram o coração do meu
amigo. Foi uma verdade básica — a necessidade de morrer e
tornar-se uma nova pessoa. Essa era sua necessidade mais pre
mente, e foi o que Deus usou para alcançá-lo.
A morte e a nova vida são a essência do evangelho.

É REAL
Aqueles que se entregam a Cristo passam por uma metamorfo
se miraculosa no centro de seu ser. Quem eram em Adão não
existe mais. Eles se transformam em novas pessoas, filhos de
Deus em Cristo.
O acontecimento-chave que provoca essa mudança é a
morte, o sepultamento e a ressurreição com Cristo. Essa tro
ca miraculosa não é figurativa nem simbólica, mas literal e

real. A porção espiritual de todo cristão foi literal e verda-

deiramente crucificada, enterrada e ressurreta com Cristo. O


fato de isso acontecer no reino espiritual (e não físico) não a
torna menos real.
0 evangelho nu

Então o que acontece com o velho homem que estava em


Adão? A partir do momento em que a pessoa está em Cristo,
ele é completamente eliminado. Portanto, uma dúvida óbvia se
levanta: Se meu velho homem
0 velho home m está morto e foi eliminado, por
écompletamente que ainda peco ?
eliminado. O questionamento não é
novo. Os cristãos da igreja pri
mitiva perguntavam-se a mesma coisa. Graças a Deus, o mesmo
apóstolo que nos ensina que nosso velho homem está morto
também nos dá respostas sólidas sobre por que ainda lutamos
contra o pecado.
16

A REVELAÇÃO CHOCANTE E LIBERTADORA dü IIOVO eu acontece

de fato quando conseguimos explicar por que ainda lutamos


contra o pecado. Ao longo de toda a história, adotamos uma
ginástica mental criativa e muitas vezes impressionante na ten
tativa de conciliar duas idéias bíblicas: ( 1 ) o velho homem está
morto, e ( 2 ) continuamos pecando.
Muitos se apegam à ideia de que o velho homem está ape
nas posicionalmente morto ou morrendo progressivamente ao
longo do tempo. No entanto, as mesmas epístolas que afirmam
que Jes us resolveu nosso problema de comportamento morren
do na cruz e levando embora nossos pecados também decla
ram que ele resolveu nosso problema de identidade dando-nos
um novo coração, um novo espírito e o Espírito de Deus. Acei
tamos a realidade do perdão, do céu, da morte de Jesus e de
seu retorno. Não temos o direi
to de relegar a morte do nosso Porque sempre
velho homem ao campo do po acabo pecando?

sicionai
Creioouque
do Romanos
progressivo.
6 , por exemplo, deve ser lido da mes

ma forma que lemos o restante da epístola — em sentido literal.


Claro, se isso for verdade, devemos encontrar algumas respostas
0 evangelho nu

reais para a seguinte indagação: Se a morte do velho homem é


literal, verdadeira e definitiva, por que sempre acabo pecando?

A BATALHA INTERIOR
Antes de continuarmos, considere uma questão importante: se
encontrarmos uma resposta satisfatória para o porquê de ain-
da lutarmos contra o pecado, poderemos enfim acreditar que
nosso velho homem está morto e enterrado, e que nenhuma
porção dele continua presente dentro de nós? O meu desejo é
levar você a conhecer a pureza de quem é como nova criação, e
ao mesmo tempo, que você seja capaz de explicar a luta contí-
nua contra o pecado. Se internalizarmos essas duas realidades,
estaremos equipados para encarar a vida cotidiana e a tentação
exatamente como Deus sempre pretendeu.
Partiremos da premissa de que conhecer a fonte da tentação
é de grande valor para resistir à tentação. Se você já tentou re-
sistir aos próprios desejos, sabe quanto isso pode ser difícil. Por
exemplo, no esforço para evitar a dor do amor não correspon-
dido, você tenta não amar ninguém. Ainda assim, seu coração
clama por isso. Você não pode fingir que o amor não exista. Ou
então você quer perder peso e tenta resistir à vontade de comer
seu doce favorito.
Se resistir ao pecado significa dizer não ao que desejamos de
verdade, então nossa busca pela vitória sobre a tentação fracas-
sará. Felizmente, porém, não é esse o quadro que Deus pinta
para nós. Antes, ele revela uma entidade chamada carne que
trabalha para nos impedir de fazer o que de fato queremos.

P roblemas d e tradução
Já de início, precisamos distinguir o termo carne da expressão
natureza pecaminosa. A palavra grega usada nos manuscritos
Ateando fogoàs matrioskas

srcinais é sarx , que se traduz lite ralmente por “ car ne” . Sarx
foi traduzida assim pela versão New America n Stan dar d Bible
e várias outras versões em língua inglesa. No entanto, uma
tradução popular, a Neta International Version , usou a expres

são natureza pecaminosa para verter sarx (reservando carne


no texto da nota ) .1
A expressão natureza pecaminosa pode levar a idéias im
precisas e nocivas acerca do novo coração, mente e espírito
que temos em Cristo. Não há nada na palavra grega sarx que
faça re ferência a “ pec am ino so” ou “ nat urez a” . A versão New
bitemational Version opta por uma extensão do significado
do termo.

A New International Version é uma tradução maravilhosa


em inglês que torna as idéias acessíveis ao leitor comum. Em
quase todos os casos, não há prejuízo algum quando os tradu
tores explicam o sentido grego para deixá-lo tão preciso, claro
e legível quanto possível. Nesse caso particular, contudo, a ten
tativa de deixar a Palavra de Deus mais compreensível levou a
um mal-entendido.
Em consequência, muitos cristãos hoje creem travar uma
luta constante e contínua contra sua natureza pecaminosa.
Para ser mais exato, contra a natureza pecaminosa de cada
um deles. Não é preciso mui
to para ir de (1) Tenho uma Concluímos
natureza pecatninosa para ( 2 ) equivocadamente
Sou pecador por natureza e quesomosdefato
então (3) A coisa mais natural (nossa natureza),
do mundo para mim é pecar. lá no íntimo, 
Concluímos equivocadamen
te que somos de fato (nossa * pecaminosos.

A versão correspondente em português, a Nova Versão Internacional ou NVI, ado


ta nos trechos citados pelo autor. [N. do T.]
0 evangelho nu

natureza), lá no íntimo, pecaminosos, quando na verdade as


Escrituras ensinam o contrário. Somos agora participantes da
natureza divina de Deus !2
Nossa luta como cristãos é contra algo chamado carne , não

contra nossa própria natureza. O sentido todo do evangelho é


Jesus Cristo ter transformado cada um de nós, aqueles que cre
mos, em uma nova pessoa. A antiga se foi e uma nova surgiu.
Negar esse fato é enfraquecê-lo a ponto de a mensagem perder
o vigor por completo.
Dadas as afirmações radicais acerca da nossa pessoalidade,
no entanto, é fundamental examinar as Escrituras para enten
der melhor o que é a carne e como ela opera.

I dentidade carnal

A primeira coisa que encontramos a respeito da carne é que


ela pode servir de recurso pelo qual adquirimos um sentido
de sabedoria, força e posição social: “Porque vede, irmãos,
a vossa vocação, que não são muitos os sábios segundo a
carne, nem muitos os poderosos, nem muitos os nobres que
são chamados ” .3
Inteligente. Forte. Popular. A carne deseja dar um sentido de
identidade enraizado em atributos intelectuais, características
físicas ou posição social. Quer que obtenhamos nossa identidade
da alma (mente ou intelecto) ou do corpo (linhagem familia r ou
aparência física), em oposição ao espírito — nossa nova identi
dade em Cristo.
Criado na região de Washington, D.C., conheci indivíduos
que construíram a própria identidade em torno da política. Na
comunidade acadêmica, a tentação é fazê-lo em torno de títulos

2 V. ZPedro 1.4.
! lCo rín tios 1.26, Almeida Revista e Corrigida .
Ateando fogo às matrioskas

e realizações intelectuais. Em Hollywood, alguns acham que


devem receber tratamento reservado aos nobres, tão famosos e
ricos eles são. Outros ainda passam a vida cuidando da aparên
cia física por considerá-la fonte de valor e mérito.
Não faz a menor diferença se buscamos nossa identidade
pelo intelecto, pela posição so
cial ou pela aparência física. A confiança na
Tudo isso é procurar identida carneéuma
de e satisfação de acordo com escolha.
a carne.
Até aqui, podemos definir carne como “ abordagem pa ra ob
ter uma identidade respeitada, forte ou po pular no mund o” . A

retórica de Paulo apoia essa ideia:


[...] Se alguém pensa que tem razões para confiar
na carne, eu ainda mais: circuncidado no oitavo dia de
vida, pertencente ao povo de Israel, à tribo de Benja
mim, verdadeiro hebreu; quanto à Lei, fariseu; quanto
ao zelo, perseguidor da igreja; quanto à justiça que há
na Lei, irrepreensível.^

A confiança na carne é uma escolha. Podemos optar por


construir uma identidade em torno do nosso nascimento em
determinada família ou com base nas nossas conquistas. No
caso de Paulo, ele construiu uma autoimagem positiva usando
seu cartão de membro do Clube de Israel (a circuncisão), sua
nacionalidade, sua tribo, seus feitos religiosos e sua reputação.
Ao final, Paulo concluiu que a identidade que edificara para si
não valia nada. Descobriu que gabar-se de herança, linhagem

euma
religiosidade
identidadeera
realdigno de dó quando comparado a conhecer
em Jesus Cristo.

’ Filipenses 3.4-6.

117
0 evangelho nu

O REVERSO DA MOEDA
Quando pensamos no termo carne , tendemos a imaginar traços
ruins sendo produzidos na vida da pessoa — fofoca, luxúria
e outras manifestações repulsivas de pecado. Embora a Bíblia
considere tais atitudes atos da carne, há o outro lado da ques
tão. É claro que a carne se deleita em nos levar na direção do
mal evidente. Mas ela também se satisfaz da mesma forma ini
ciando uma vida religiosa ou moral admirada pelos outros!
Não acredite, nem por um minuto, que a carne é limitada
em seu campo de abrangência para produzir comportamentos
repulsivos. Ela é capaz de desenvolver qualquer tipo de identi
dade, desde que seja alvo de amor, atenção e aceitação. Leia a
pergunta de Paulo dirigida aos gálatas e veja se você consegue
identificar o “tipo” de carne em operação na vida deles: “Sois
assim insensatos que, tendo começado no Espírito, estejais,
agora, vos aperfeiçoando na carneV .5
A carne não tentava gerar comportamentos repugnantes nos
gálatas. Antes, aqueles cristãos vinham empregando esforço
carnal como meio de se aperfeiçoarem (crescerem) em Cristo!
Consideravam a própria inteligência e fortaleza moral um ca
minho para a maturidade espiritual.
Estamos menos fora do curso hoje?
Fomos feitos para crescer do mesmo modo que recebemos Cris
to logo de início — pela dependência dele. Não há substituto para
a obra que Cristo realiza em nossa vida. Um método de autoaper-
feiçoamento baseado na carne pode ser atraente se não estivermos
informados acerca do caminho de Deus para a maturidade. Mas
o caminho de Deus é simples e direto: Jesus e nada mais! Como
Paulo escreve: “Estou convencido de que aquele que começou boa
obra em vocês, vai completá-la até o dia de Cristo Jesus ” .6
5 Gálatas 3.3, Almeida Revista e Atualizada , grifo nosso.
6 Filipenses 1.6.

118
Ateando fogo às matrioskas

Uma definição

Por intermédio desta e de outras passagens bíblicas sobre os


objetivos e anseios da carne, aos poucos reunimos alguns fatos

importantes:

• A carne é um modo de pensar.


• A carne é um modo de agir.
• A carne trabalha contra o Espírito.
• A carne incentiva o esforço próprio.
• A carne busca identidade e propósito.
• Nós escolhemos confiar na carne.

Mas a carne não é o velho homem. Está conosco, mas não é


nem eu, nem você. Optamos por depender da carne (ou do Es-
pírito) em dado momento. As escolhas que fazemos dependem
de saber se reconhecemos o objetivo da carne e a inutilidade de
seus caminhos.
Nossas escolhas infelizes de viver de acordo com a carne não
são um indício da nossa natureza. Os cristãos são nova criação
no coração, não importa como optamos agir em determinado
momento. Os cristãos estão no Espírito, mas escolhem andar

A carne não é o
cias se apresentam. velho homem.

S e ja voce mesmo
Você já fingiu ser alguém que não é? Talvez, para impressionar
alguém, você tenha dado a impressão de ser mais do que na
verdade é. Agir de maneira incoerente com quem somos é mais
do que possível. E, normalmente, fazemos isso quando estamos
preocupados com o que os outros vão pensar.

1 19
0 evangelho nu

Andando segundo a carne, não estamos sendo nós mesmos.


Se confiarmos no intelecto, na força física ou na aparência para
encontrar propósito e realização, andamos segundo a carne.
Mas, de novo, isso não serve de indicativo da nossa natureza.
Na verdade, depender da carne vai contra nossa natureza.
Fomos pro jetad os p ara depender de Cristo. Andar pe lo Espí
rito é nosso destino. Jamais ficaremos satisfeitos andando pela
carne ou moldando uma identidade fora de Cristo. Podemos
fazê-lo, mas isso não satisfará.
Antes de estar em Cristo, não tínhamos escolha a não ser ex
trair da carne identidade e senso de satisfação. Agora, no entan
to, como filhos de Deus, trava-se uma batalha dentro de nós.

Quando andamos segundo a carne, o Espírito Santo e nosso


novo espírito humano (o novo
Para o cristão, eu) clamam por ser ouvidos.
serele mesmo e Ter uma vida de dependên
expressarCristoé cia do Espírito nada mais é do
a mesma coisa. que sermos nós mesmos. Fomos
edificados para isso desde o iní
cio. Afinal de contas, somos agora criação de Deus," projetados

para andar
Para nas atitudes
o cristão, e ações
em razão quenova
de sua Deusidentidade
já preparou
empara nós.
Cristo,
ser ele mesmo e expressar Cristo é a mesma coisa. Deus plane
jou que assim fosse, de modo que nosso novo eu e nossa união
com seu Espírito fazem-nos desejar o que ele deseja. O mer
cado da satisfação real é monopólio divino. Deus instalou em
nós o desejo intenso e infinito de que encontremos satisfação
expressando sua vida.

Efésios2.10.

120
17

Infelizmente , a carne n ã o está sozinha. Tem um aliado po


deroso cujo objetivo é distrair-nos de andar segundo o Espírito.
Quem é esse aliado? Um poder em operação dentro de nós cha
mado pecado.

PECADO, NÃO PECADOS


Primeiro, precisamos distinguir pecado de pecados. Evidente
mente, pecados são atitudes ou comportamentos aos quais nos
entregamos. Mas o pecado é coisa completamente diferente.
A primeiríssima referência ao pecado encontra-se em Gê
nesis, quando Deus se diri ge a Caim: “ [...] o peca do o ameaça
à porta; ele deseja conquistá-lo, mas você deve dominá-lo ” .1
Deus adverte Caim acerca de uma ameaça iminente. Na adver
tência, ele revela um conceito importante que se aplica a nós
hoje. Há um poder chamado pecado que deseja vencer-nos.
De novo, não estamos falando sobre pecados ou sobre o ato de
pecar , mas sobre uma entidade chamada pecado. Deus não adver
te Caim contra o comportamento pecaminoso. Preocupa-o uma
força organizada, dotada de desejos, cujo objetivo é controlar.
1 Gênesis 4.7.

121
0 evangelho nu

Uma batalha está sendo travada debaixo do nosso nariz. Sa


bemos que somos tentados, mas como devemos entender a fonte
desses anseios? O apóstolo Paulo relata sua luta quando tentou
viver como fariseu, debaixo das exigências da Lei. Em Romanos
7.14, ele anuncia sua descoberta pessoal de que não era espiritual,
mas fora “ vendido como escravo ao pe cado ” . Enquanto estivera
sob o domínio da Lei, Saulo de Tarso primeiro imaginou ter tudo
resolvido. Até que o pecado se impusesse, ele não fazia ideia de
que vivia em escravidão. Deus
0  pecado é uma usou a Lei para dar a Saulo uma
força organizada, noção profunda de sua pecami-
dotadadedesejos, nosidade. Mais tarde, Deus usou
cujoobjetivo a experiência da estrada que le
écontrolar. vava a Damasco para libertá-lo
da escravidão espiritual.
Saulo de Tarso experimentou uma revelação surpreendente,
capaz de provocar uma alteração drástica no modo pelo qual
encaramos nossos pensamentos hoje. Um poder organizado
chamado pecado estava em operação em Saulo, obrigando-o
a fazer coisas que ele não pretendia fazer. Essa força não era
o próprio Saulo. Era algo diferente de Saulo, embora agisse
em seu corpo físico. Observe com atenção as palavras usadas
para descrever a luta de Saulo contra o pecado ainda debaixo
da Lei judaica:

Não entendo o que faço. Pois não faço o que desejo,


mas o que odeio. E, se faço o que não desejo, admito que
a Lei é boa. Neste caso, mas
não sou mais eu quem o faz->
o pecado que habita em mim.2

Observe que Saulo põe a culpa em algo que não é ele. Uau!
Aqui vemos que os pensamentos pecaminosos tinham srcem
2 Rom anos 7.15-17, grifo nosso.
Ateando fogo às matrioskas

em uma fonte secundária chamada pecado , que vivia em Saulo,


mas não era Saulo.
Essa força chamada pecado continua ativa? Está alojada no
corpo físico dos cristãos hoje? Sem sombra de dúvida. Na sal-
vação, nada aconteceu ao poder do pecado. Ele ainda está vivo
e operante em nosso corpo. Afinal de contas, o poder do pecado
não foi salvo; nós fomos! E só teremos um novo corpo quando
formos para o céu. Até lá, a presença do pecado em nosso corpo
não mudará.
E se os cristãos atuais reconhecessem que seu corpo abriga
uma força incômoda que age neles e é capaz de transmitir a
sensação de ser eles, mesmo não sendo isso verdade? O que
significaria para você compreender sua luta dessa maneira?
No entanto, hoje com frequência desejamos, quase ansia-
mos, declarar que somos pecadores como o resto do mundo.
Achamos ser sinal de humildade reconhecer que não somos me-
lhores do que ninguém à nossa volta.
Mas o Novo Testamento apresenta um quadro muito diferente.
Parece que somos estrangeiros neste mundo e que nossa ci-
dadania é de outro lugar.
Afinal, somos iguais a todo Oscristãos,hoje,com
mundo? Nosso destino final é frequência desejam,
a única diferença? Ou existe quaseanseiam,declarar
uma base distinta relaciona- que são pecadores
da à essência do nosso ser que como o resto do mundo.
nos deixa à parte do restante do
mundo? Até que consigamos responder a essas perguntas, chafur-
damos numa dúvida de fundamental importância: Quem sou eu?

E scravos d e nascença

Judeu dedicado, Saulo de Tarso queria observar a Lei e agir di-


reito. Suas intenções estavam alinhadas ao que Deus ordenara.
123
0 evangelho nu

Mas ele acabou não as levando adiante. Salvos ou perdidos, a


maioria de nós consegue identificar-se com a frustração da vida
debaixo da Lei.
Paulo afasta-se de sua linha de raciocínio para esclarecer que
o problema não eram suas intenções. Leia atentamente, e você
descobrirá que o problema era outro:

Sei que nada de bom habita em mim, isto é , em mi


nha carne. Porque tenho o desejo de fazer o éque bom,
mas não consigo realizá-lo. Pois o que faço não
é o bem
que desejo, mas o mal que não quero fazer, esse eu con
tinuo fazendo.3

Então por que Saulo de Tarso não era capaz de fazer o que é
bom? No versículo seguinte, ele revela a causa de seu compor
tamento confuso: “Ora, se faço o que não quero, já não sou eu
quem o faz , mas o pecado que habita em mim ” .45
Sem dúvida, Paulo está transferindo o crédito para outra coi-
sa que não ele. Se você não percebeu essa importante verdade
ainda, reserve alguns minutos para ler a segunda metade de
Romanos 7 com bastante atenção. Observe o que ele enfatiza
duas vezes, tanto no versículo 17 quanto no 2 0 .
Teólogos debatem se Paulo era ou não salvo quando passou
pela experiência de Romanos 7. Penso que Romanos 7 relata a
luta de Paulo como judeu, uma vez que ele se anuncia como es
tando “na carne” e sendo “vendido como escravo ao pecado ” .3
Uma vez salvo, o apóstolo Paulo sabia que morrera para o pe
cado e estava liberto agora.
Determinar se Romanos 7 descreve uma experiência pré

ou pós-salvação não é fundamental. Independentemente da


Romanos 7.18,19
V. Romanos 7.20, grifo nosso.
5 V. Rom anos 7.5 (Almeida Revista e Corr igida ) e Rom ano s 7. 14 .

124
Ateando fogo às matrioskas

visão que se tenha do assun


to, o principal é que existe um Existe um princípio
princípio do pecado no corpo do pecado no
físico .6 E esse princípio é des corpofísico.
perto quando nós, salvos ou
perdidos, tentamos viver segundo a Lei ou qualquer outro pa
drão semelhante a ela.
Nem nosso corpo nem nossa conexão com o físico mudaram
na salvação. Portanto, uma vez salvos, o pecado ai?ida perma
nece em nosso corpo. Como discutiremos mais adiante, estamos
agora mortos para o pecado e podemos, então, resistir a suas
instigações. Mas o pecado em si não está morto. Pelo contrário,
como nossa experiência comprova, está bem vivo.
O pecado está em nós , mas é diferente de nós.

O PECADO ME OBRIGOU A FAZER ISSO?


Isso quer dizer que podemos esquivar-nos da responsabilida
de por nossos atos? Devemos concluir, quando pecamos, que o
Diabo nos obrigou a pecar, portanto a culpa não é nossa?
6
Sabemos por Romanos que é nossa responsabilidade não
deixar o pecado governar nossa vida. Paulo exorta-nos a re
sistir a essa força enganadora e a não permitir que ela assuma
o controle. Há uma opção, é evidente. Somos instados a reco
nhecer a presença do pecado e dizer não a ele: “ Portanto, não
permitam que o pecado continue dominando os seus corpos
mortais, fazendo que vocês obedeçam aos seus desej os” .
Note a quem os desejos maus pertencem: ao pecado. Se ce
demos ao pecado, estamos aceitando a mentira de que dese-
jamos pecar. Certo, não estamos rendidos a Deus; tampouco

6 V. informação adicional 6.
Romanos 6.12, grifo nosso.
0 evangelho nu

nos rendemos ao nosso próprio eu. Em vez disso, cedemos aos


pensamentos que não se srcinaram em nós. Vêm de uma fonte
sinistra e, por esse motivo, jamais serão satisfeitos.
Podemos deixar que o pecado se imponha sobre nós, mas
que benefício teremos com isso? Sim, pode haver um sentimen
to temporário e fugaz de satisfação, mas apenas em um nível
muito básico (carnal). No cristão, esse sentimento acabará dan
do lugar ao remorso e a um senso de chamado superior.
A razão para esse senso de chamado superior tem dois lados:
a presença de Cristo em seu interior e o novo espírito huma
no do crente, unido a ele. Como povo celestial, desprezamos a
carne e o poder do pecado. A essência do nosso ser clama por
cumprir o destino que está à nossa frente.

UM PARASITA
Imagine que você vá passar as férias em um lugar de clima tro
pical. Depois de fazer o cbeck-in no hotel, você calça um par
de sandálias e segue pela trilha até a praia. Mas, no caminho,
um parasita local se prende ao seu pé. Com o tempo, ele vai

cavando
que você cada
nem vez mais que
percebe até ele
se alojar fundo em seu pé — tanto
está ali.
Nos meses seguintes, o parasita começa a crescer, alimen
tando-se da sua vida. Por fim, a devastação que ele provoca
começa a enviar sinais de dor para o cérebro. Com o tempo,
a dor é cada vez mais difícil de suportar. E você pensa: Há
algo errado comigo. Há algo errado com meu pé ” . Sem sab er
o que há dentro do pé, você presume que o problema seja o
pé em si.
Ao longo dos meses e anos seguintes, você consulta inú
meros médicos, mas nenhum detecta a presença do parasita.
Por fim, você conclui que só há uma solução — amputar o pé.

126
Ateando fogo às matrioskas

É preciso livrar-se da fonte do problema. Para isso, conclui que


necessitará cortar parte de si mesmo.
Que tragédia! Se ao menos alguém conseguisse detectar a
presença do parasita, você saberia a verdade.
Embora não seja físico, o poder do pecado se parece muito
com esse parasita que teria entrado no seu corpo. O parasita
vive dentro de você, mas não é você. Quando sua mente recebe
mensagens do poder do pecado, elas podem dar a sensação de
ser como nós, podem até soar como nós — principalmente se
não estamos cientes de que nosso velho homem está morto e de
que na verdade não queremos pecar. Se não temos consciência
de quem somos de fato, o pecado pode fazer-nos pensar que sua
mensagem se srcina em nós. Depois que uma ideia pecaminosa
nos cruza a mente, o pecado consegue até mesmo nos atingir
com pensamentos acusatórios: Como pude eu, um cristão, pen
sar uma coisa dessas ?
Já aconteceu de você se surpreender com seus próprios pen
samentos? Você já se perguntou como consegue ser tão sincero
em relação à vida em Cristo e, no entanto, pensar em certas
coisas? Isso não acontece porque estamos meio sujos e meio
limpos. Acontece porque uma batalha está sendo travada den
tro de nós. E compreender a natureza dessa batalha é crucial, se
almejamos uma real mudança no resultado.

127
É fácil perceber p o r que costumamos supor que o velho
homem está apenas posicionalmente morto ou morrendo aos
poucos. O velho homem ainda deve estar por perto, pois con
tinuamos tendo incômodos pensamentos pecaminosos. Certo?
As Escrituras, contudo, parecem não deixar espaço algum
para mal-entendidos no que diz respeito à questão do ve
lho homem. Se você está em Cristo, seu velho homem não
se encontra em parte alguma do seu interior na qual seja
possível achá-lo. O velho homem está morto, enterrado, “já
era”. No entanto, agora entendemos por que os que creem
ainda pecam. Pecamos por causa da presença constante de
algo chamado poder do pecado — que nos “fisga” de várias
maneiras pela carne.
Já li incontáveis livros de teologia e vida cristã que começam
com a premissa de que ainda pecamos e então concluem que o
velho homem continua por perto . 1 Decidem que os cristãos têm
dois eus e ainda p recisam “ morrer par a o eu” . E já aconteceu
de base
de me apontarem os seguintes
a uma teologia da morteversículos de V
para o eu: .Efésios para servir

V. informação adicional 7.

128
Ateando fogo às matrioskas

Todavia, não foi isso [isto é, entregar-se à deprava-


çãoj que vocês aprenderam de Cristo. De fato, vocês ou
viram falar dele, e nele foram ensinados de acordo com
a verdade que está em Jesus. Quanto à antiga maneira
de viver, vocês foram ensinados a despir-se do velho ho
mem, que se corrompe por desejos enganosos, a serem
renovados no modo de pensar ...2

Entretanto, essa passagem parece tratar de comportamento


(modo de vida), e Paulo está apenas chamando a atenção para
o fato de que eles tinham inicialmente aprendido que a vida em
Crist o traz mudança comporta mental.
A expressão “morrer para o eu” não se encontra em parte

algu ma, e “ despir-se do velho home m” é um tanto ambígua.


Trata-se de uma ordem a ser obedecida de imediato? Ou de
algo que lhes foi ensinado (verbo no passado) quando Paulo os
instruiu pela primeira vez? O mais provável é a segunda opção,
levando-se em consideração que os colossenses declaram com
toda clareza que nós, cristãos, nos despimos (passado) do velho
homem na salvação:

Não mintam uns aos outros, visto que vocêsjá se


despiram do velho homem com suas práticassee reves-
tiram do novo, o qual está sendo renovado em conheci
mento, à imagem do seu Criador.3

Em vez de tentar de alguma forma “ morrer para o eu ” , o que


me dá a impressão de equivaler à exploração de um poço sem
fundo ,4 acho que seria mais adequado partirmos da premissa
encontrada nas Escrituras de que o velho homem está morto

e enterrado. Devemos então concluir que deve haver alguma

* Colossenses 3.9,1 0, grifo nosso.


4 V. informação adicional 8.
0 evangelho nu

outra razão pela qual ainda pecamos. Optando por essa abor
dagem, os ensinamentos de Paulo sobre a carne e o poder do
pecado dentro de nós fazem muito sentido.
Essa distinção é importante? Com certeza. Eu argumentaria
ser essencial tanto para termos uma autoimagem apropriada
quanto para alcançarmos uma vitória diária sobre a tentação.
Precisamos conscientizar-nos de que dizer não ao pecado não
é dizer não a nós mesmos. Como obra de Deus, nosso eu re
generado não é o problema. O pecado é o problema, e nosso
chamado como nova criação em Cristo consiste em dizer não
ao pecado e sim a quem de fato somos.

N o C OR P O?

Ao ler a passagem a seguir, observe bem os dois atores — Saulo,


o fariseu, e “ outra lei” . Aqui a express ão “ outra lei” indica um
princípio, uma força ou um poder diferente. Observe onde esse
agente enganador está localizado:

ju n to de m im .

nos membros do meu cor-


po
em
meus membros.5

Ocorre uma batalha dentro do nosso corpo. A chave para


vencê-la está em entender quem luta contra quem e quais es
tratégias são empregadas. Imagine a confusão se, no meio

da batalha, você por engano começar a lutar contra seu


próprio exército!

5 Romanos 7. 21-23, grifo nosso.

130
Ateando fogo às matrioskas

d e S aulo para Paulo

Saulo de Tarso detestava ser atacado pela força rebelde deno


minada pecado. Clamava por ser liberto desse mal. Acabou en
contrando sua liberdade submetendo-se a uma cirurgia radical:

Miserável homem que eu sou! Quem me libertará


do corpo sujeito a esta morte? Graças a Deus por Jesus
Cristo, nosso Senhor! De modo que,com a mente, eu
próprio sou escravo da Lei de Deus; mas, com a carne,
da lei do pecado.6

O fariseu sentia-se frustrado com sua experiência espiritual.


Do ponto de vista cognitivo, ele entendia o que a Lei ordenava,
mas não tinha poder nenhum para cumpri-la. O poder do pe
cado sempre levava a melhor. Por intermédio da cocrucificação
espiritual com Cristo, Saulo tornou-se Paulo. Orientado pelo
Novo, Paulo encontrou vitória sobre o poder do pecado que o
oprimira durante tanto tempo.
Como cristãos, passamos pela mesma cirurgia. Agora faze
mos parte do time de Deus e queremos o que ele quer. Nossa luta
não é contra nós mesmos. A batalha é contra uma força parasitá
ria dentro de nós. Ela pode dar a impressão de ser nós. Pode soar
como nós em nossos pensamen
tos. Em nossas emoções, pode
parecer que a sentimos também. Nossa luta não
Todavia, Deus expôs a mentira é contr a nós
do Enganador. Com certeza ele mesmos.
não é cada um de nós.
Somos nova criação com o desejo de Deus estampado em
nosso cora ção e nossa mente. Que verdade n a qual nos deleit ar!
Que verdade para nos libertar!

6 Rom anos 7.2 4,2 5, grifo nosso.

131
0 evangelho nu

QUAL O PROBLEMA?
É libertador constatar que a fonte da tentação é o pecado, não
nosso e u.7 Contudo, esse conhecimento isolad o realmente ajuda
a produzir uma melhoria marcante no modo pelo qual reagimos
à tentação? Bem, com certeza, mal não faz! Existem, porém, al
gumas outras peças do quebra-cabeça para encaixar. Não basta
conhecer a fonte da tentação. Também é importante perceber
que nós temos o poder de resistir a essa fonte.
Os descrentes estão espiritualmente sujeitos às amarras do
poder do pecado. Como um cavalo conduzido por rédeas, os
descrentes são controlados pelo reino do pecado. Quando uma
pessoa se aproxima de Cristo, seu velho homem, até então con
trolado pelo pecado, morre por intermédio da obra da cruz.
Um novo eu é criado pela ressurreição em Cristo. Se estamos
em Cristo, não precisamos nos submeter mais ao pecado. So
mos livres para escolher expressões de vida em vez de sempre
expressar pecado e morte:

Paulo prossegue exortando que nos consideremos mortos


para o pecado, mas vivos para Deus.9Algumas traduções em
inglês usam o termo equivalente a reconhecer neste trecho:
“Reconheçam-se mortos de fato para o pecado”. Não importa
se você prefere o verbo reconhecer ou considerar , desde que
entenda que não é isso que faz sua morte para o pecado se *V .

V. informação adicional 9.
Romanos 6.6,7.
V. Romanos 6.11.
Ateando fogo às matrioskas

tornar realidade. Em vez de “fazer disso uma realidade”, so


mos convidados a confiar no fato de que nossa morte para o
pecado já é real.
Há quem deposite sobre os cristãos o fardo de ter de se esfor

çar muito para crer a fim de tornar nossa morte para o pecado
uma realidade. Não é esse o sentido dos termos reconheça ou
considere. Essas palavras querem dizer “confie no fato” de que
você está morto para o pecado porque Deus o disse (e assim é):
“Da mesma forma, considerem-se mortos para o pecado, mas
vivos para Deus e m Cristo Je su s” .
Somos convidados aqui a viver na realidade. Se estamos vi
vendo segundo o pressuposto de que o pecado é a coisa mais
natural para nós, estamos sendo iludidos. Somos diferentes do
que éramos antes. Agora vivemos para Deus e precisamos acei
tar uma verdade essencial: E mais normal, mais adequado e
mais condizente conosco exibir o fruto do Espírito do que exi-
bir o pecadol

N egativo para positivo


v
Sempre que leio Romanos 6, o texto me faz pensar em uma
escala numérica que vai de -10 a +10. O valor -10 representaria
“vivo para o pecado”, ao passo que +10 representaria “vivo
para D eus ” . Não basta estarmos mortos para o peca do. Isso
só faria que marcássemos um zero, ou neutro, na escala. Em
vez disso, Deus nos conduziu por todo o caminho do -10 (vivo
para o pecado) ao +10, segundo
seu propósito. Não apenas nos
Você está agora
fez mortos para o pecado; fez-
100%bem
-nos vivos para ele. Do mesmo com Deus.
modo, ele não só removeu nos
sa injustiça; tornou-nos justos.

133
0evangelhonu

Deus está dizendo que você agora está 100% de bem com
ele. Deus não se associa espiritualmente a pessoas neutras. Ele
se reserva exclusivamente para santos perfeitos e justos.
A notícia surpreendente é que ele fez de nós exatamente isso!

Minha intenção é juntar as peças para explicar por que uma


nova criação perfeitamente justa ainda luta contra o pecado,
a fim de mostrar que as pessoas que éramos em Adão foram
de fato eliminadas. Não creio que isso deva ser relegado à ca-
tegoria do posicionai, do simbólico ou do “verdadeiro apenas
no céu” , o que resultaria em uma conversa dúbia, incoerente
com as passagens sobre o “velho homem” e, por experiência
própria, falha por não fornecer aos crentes uma resposta real
para a vida cotidiana.
A solução é consultar o mesmo autor que falou da crucifi-
cação do velho homem para verificar se existe uma explicação
para nossa luta incessante. Paulo atribui nossa luta atual à pre-
sença contínua de duas forças — a carne e o poder do pecado.
Nenhuma delas é o velho homem.
Deus nos chama para considerarmos verdadeira essa expli-
cação da luta constante. Por quê? Porque, se não o fizermos,
viveremos sob a ilusão de que não somos em nada diferentes do
sujeito que mora ao lado.
E esse é um evangelho deplorável, imaturo.

V u l n e r á v e is !
Muitos de nós já chegamos a extremos em nossa fé. Cremos
que Deus chamou o Universo à existência. Acreditamos que um
dilúvio tragou o que se conhecia por mundo e que um homem
passou três dias dentro de um peixe grande. Ainda por cima,
cremos que Jesus ressuscitou dos mortos e depois subiu aos
céus flutuando no ar, diante de várias testemunhas.

134
Ateando fogo às matrioskas

Que acontecimentos mais malucos optamos por engolir


como verdade! Será que a morte do nosso velho homem é mui-
to mais difícil de acreditar? Acompanhada da explicação do
motivo pelo qual ainda pecamos, acho muito mais fácil. Então

por que não reinterpretar nossos pensamentos à luz dessa reve-


lação concernente à carne e ao poder do pecado?
O milagre da regeneração espiritual é um conceito existente
há milhares de anos. Até os profetas do Antigo Testamento fa-
laram sobre o milagre que um dia ocorreria dentro dos filhos de
Deus debaixo do Novo:

um coração novo um espírito


novo
meu Espíri to

Deus nos concede um novo coração. Isso quer dizer que nos-
sos desejos íntimos estão mudados agora. Também recebemos
novo espírito. Observe que a palavra espírito aqui está tradu-
zida com um e minúsculo para transmitir a ideia de que o espí-

rito humano
Espírito é que
de Deus foirotrocado.
dent Por fim,muitos
de nós. Embora também recebemos
cr istãos o
tenham
consciência da presença do Es-
pírito Santo em seu interior, 0espíritohumano
talvez não o diferenciemos do équefoitrocado.
espírito humano, que morreu e
foi recriado para ser como Cristo.
As Escrituras são claras quando falam a respeito da nossa
união com Cristo. E fundamental entender não só a presença de
Cristo em nós, mas também quem somos nele. Espero que essa
breve análise em nossa real identidade tenha despertado seu
10
Ezequiel 36.26,27, grifo nosso.
O evangelho nu

desejo de examinar melhor quem você é, que tipo de coração


você tem e o que significa ser um espírito com Deus.11
Somos convidados a celebrar uma verdade radical — a qual
vem sendo mal interpretada ao longo dos séculos por causa

da nossaouincapacidade
mente, de explicar
do nosso medo por que
de os outros pecamos
pensarem quecontinua-
alegamos
perfeição impecável em nosso desempenho. Uma vez aceita a
explicação de Deus para o pecado constante, somos revitaliza-
dos para considerar nossa morte e ressurreição espiritual como
um fato que mudará para sempre nossa abordagem da vida:
“Portanto, se alguém está em Cristo, é nova criação. As coisas
antigas já passaram ; eis que surgiram coisa s nov as! ” .12V
.

V. ICoríntios 6.17.
12
ICorínrios 5.17.
T raindo J esus

Lembremos que [Deus] é santo e justo, e

que um Deus santo e justo tem o direito de di-


zer que o sangue é aceitável a seus olhos e
o satisfaz plenamente.
V i sua lize a cena : um acampamento israelita no deserto, vá

rios milhares de anos atrás. O tabernáculo, erigido no topo de


uma colina, ocupa o centro do acampamento. O sumo sacerdo
te desce a colina correndo e gritando que encontrou o cordeiro
imaculado perfeito, o qual será sacrificado em benefício de todo
o povo, lavando-lhes os pecados pelo resto da vida.
Imagine a alegria! Após o sacrifício final, todos os homens
de Israel se reúnem e começam a rasgar o tabernáculo. Adotam
então um estilo de vida inteiramente novo. Não precisam mais
se preocupar com sacrifícios para purificar o passado. Agora
podem viver livres da culpa, sabendo que um cordeiro perfeito
foi imolado, levando os pecados deles de uma vez por todas.
E claro que isso nunca aconteceu. Em vez disso, vemos os is
raelitas obrigados a oferecer sacrifícios de animais vezes e mais
vezes ao longo da história, porque nenhum sacrifício único era
suficiente para purificá-los com perfeição. O livro de Hebreus
explica com clareza:

139
O evangelho nu

tendo
sido purificados uma vez por todas

Apesar de nunca lermos sobre um sacerdote do Antigo Testa


mento que tivesse encontrado o cordeiro perfeito, essa proclama
ção foi feita. Quando? Não muito antes do sacrifício que haveria
de dar início ao Novo. Quando João Batista viu Jesus, declarou:
“ [...] Vejam! E o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” .2
Hoje temos o Cordeiro perfeito na pessoa de Jesus Cristo.
Seu sacrifício tornou nulas e vazias as cerimônias do templo.
Não há mais propósito para o tabernáculo, o templo ou os sa
crifícios diários.

Como o sacrifício de Jesus Cristo nos purificou de uma vez


por todas e não repetidas vezes ao longo do tempo, não há nor
ma de conduta ou procedimento que nos seja requerida a fim
de permanecermos perdoados. Somos convidados a depender do
sacrifício passado como meio
Não há norma de alcançarmos o perdão de
de conduta  ou uma vida inteira, sem restrições:
procedimentoque “Pois também Cristo sofreu pe
nos seja requerida
para nos mantermos los pecados uma vez por todas ,
o justo pelos injustos, para con-
perdoados. duzir-nos a Deus [...]” .3

E n tre vi sta  c o m  u m  judeu

A questão do perdão se torna clara como cristal quando en


tendemos a matemática divina, que não sofreu alteração desde
o início dos tempos. Para ilustrar isso, volte no tempo como

1 Hebreus 1 0.1,2, grifo nosso.


’ Jo ão 1.29.
1Pedro 3.1S, grifo nosso.

140
Traindo Jesus

repórter investigativo que entrevista um judeu no momento em


que ele deixa o tabernáculo.
— Perdoe-me, senhor judeu, mas o senhor parece muito ali
viado agora, comparado a como estava quando entrou no ta
bernáculo, pouco tempo antes. Qual é o segredo? O que o faz
sentir-se tão melhor em relação ao último ano de pecados? O
senhor prometeu a Javé que melhoraria no próximo ano?
O judeu responde:
— Não, não aconteceu nada parecido com isso.
Um tanto confuso, você insiste, querendo descobrir a verdade.
— Bem, o senhor enumerou com atenção cada pecado e pe
diu a Javé que os encobrisse?
— Claro que não! — exclama o homem.
— Então, o que exatamente o fez sentir aliviado da culpa
por todos os pecados cometidos nos últimos doze meses?
Nesse ponto, qualquer judeu educado daria a mesma resposta:
— O que me fez sentir melhor? O sangue de touros e bodes
que cobriu meus pecados passados, claro! Javé sempre exigiu
um sacrifício de sangue pelos pecados, e agora — graças ao ani
mal que comprei para oferecer como sacrifício — meus pecados
estão encobertos!
Essa é a matemática divina. Sempre houve algo que propi
ciou o perdão dos pecados, ou seja, o sangue — mais nada:
“ [...] sem derramamento d e sangue não h á perdã o” .4

nada além d e sangue

Se aceitarmos a matemática divina baseada exclusivamente no


sangue, haverá uma revolução na perspectiva da posição que

ocupamos
Deus capazdiante dele.mais
de trazer A conclusão é quenossos
perdão sobre não há diálogoNão
pecados. com

4 Hebreus 9.22.

141
0 evangelho nu

há quantidade de pedidos de perdão a Deus que dê início à pu


rificação da nossa vida. Antes, o sacrifício de sangue é o único
ato que resulta em perdão e purificação. Assim era no Antigo
Testamento e não há exceção para essa regra hoje.
Pelo fato de não serem feitos
Não há diálogo com mais sacrifícios de sangue pelo
Deuscapazdetrazer pecado, devemos chegar a algu
m a is  perdão sobr e ma conclusão acerca do sacrifí
noss os peca dos . cio de Jesus Cristo no passado:
ou ele foi ou não foi suficiente
para produzir uma vida inteira de perdão e purificação. Se foi,
os nossos pecados já encontraram uma solução definitiva para
Deus, tanto agora quanto na eternidade. Se não, significa que ine-
xiste um modo bíblico para lidar com a ira de Deus para conosco.
Infelizmente, esse é exatamente o ponto em que vejo muitos
de nós lançando mão da criatividade e usando termos como
verdade posicionai e contabilidade celestial. Dizemos que es
tamos perdoados e purificados “aos olhos de Deus”, mas em
seguida afirmamos que a morte de Cristo não se traduz em
perdão “uma vez por todas” no aqui e agora. Talvez isso dê a
sensação de ser fácil demais: “Quer dizer que não preciso fazer

nada? Não parece


deixa desfrutar essedireito”. Nosso orgulho humano não nos
tipo de graça.
Alguns exortam os crentes a fazer alguma coisa como pedir
perdão, estimulando Deus a nos perdoar e purificar de verdade.
Isso com certeza nos satisfaz; nada como uma lista diária de
pecados a remoer para aliviar nossa culpa.
Outros afirmam que é necessária certa conduta para “tomar
posse” do perdão ou “ ativá-lo” . Dizem que de vemos “ manter
breves registros” dos nossos pecados e pedir a Deus que nos
perdoe a fim de “tornar isso real em nossa experiência”. Mas
Deus não anunciou que uma única coisa — o sangue — pode
resultar em perdão e purificação?

142
TraindoJesus

Sem perceber, acabamos acreditando que o sangue de Cristo só


tem efeito de verdade para o céu. Se quisermos manter-nos puros
diante de Deus aqui, começamos a pensar que isso só acontece por
um caminho que nós iniciamos e que inclui lembrança, confissão,
súplica e testemunho. Acaba tornando-se responsabilidadenossa
fazer que a cruz produza benefícios reais no presente.
Ao adotar esse sistema de crença, por melhor que ele soe, fa
lhamos ao deixar de reconhecer que a cruz é um evento histórico.
Seus efeitos já foram logrados, não importam nossas crenças ou
alegações.
Não damos início ao perdão, porque não podemos fazê-lo.
Só o sangue traz perdão. Nossos atos de lembrança, confissão,
súplica e testemunho — praticados ou não com boas intenções

— não conseguem
Discutirei a ideiafazer queda
bíblica mais sangue seja
“confissão” em derramado.
breve, mas, sen
do realista, só temos duas escolhas: (1) aceitar como fato o
perdão completo e incondicional pelo qual Deus pagou com
a crucificação de seu Filho, ou (2) criar nosso próprio sistema
para nos sentirmos melhor com os nossos pecados.
Na verdade, os judeus se sen
tiam melhor (sim, no mundo Sóosangue
real!) devido ao sangue de touros trazperdão.
e bodes derramado em benefício
deles. Nenhuma “ativação’'’ posterior era necessária que fizesse
valer o perdão. O ato do sumo sacerdote de abater o animal era
suficiente para fazer que a nação inteira de Israel proclamasse seu
alívio da culpa no mundo real. A única diferença entre aquela épo
ca e agora é que os sacrifícios do Antigo eram contínuos, ao passo
que o sacrifício de Jesus se deu uma vez por todas.
O que estamos dizendo então sobre o sacrifício de Jesus

quand o insistimos
Basicamente, em quea algo
insultamos obramais se ja feito Estamos
do Calvário. para “ ativá-lo
dando” ?
valor ainda menor ao sacrifício do Filho do que o povo do An
tigo sistema dava aos sacrifícios de animais.
143
I m agi ne a festa d o aniversário de meu filho, Ga-
pri m ei ro

vin. Amigos e familiares reunidos em nosso quintal, dezenas de


presentes e um grande bolo de chocolate em cima da mesa no
quintal.
Para abrir o evento com um gesto de impacto, sinto que pre
ciso fazer um discurso. Seguro Gavin bem acima dos meus om
bros e começo a compartilhar que alegria ele é para mim e para
a mãe dele. Conto histórias meigas e engraçadas do que ele faz,
comento sobre como está crescendo depressa e falo sobre tudo
o que esperamos para a vida dele.
Enquanto compartilho sobre Gavin, um amigo atrás do gru
po de convidados grita:
— Eu tenho problema com a bebida.
Em seguida a esse comentário, alguém mais resmunga:
— Tenho um espírito crítico.
Outro ainda confessa:
— Eu luto contra a luxúria.
Logo o vozerio dá lugar a mais manifestações e o foco do
evento muda. Ninguém mais está interessado em Gavin e no
que tenho a dizer sobre ele. Em vez disso, todos parecem absor
tos em seus próprios problemas.

14 4
TraindoJesus

Que ridículo! Que inconveniente! Evidentemente, isso nunca


aconteceu de verdade. Mas conto a história para ilustrar o que
quero dizer. Deus elevou seu Filho bem alto, assentando-o a sua
mão direita. Declarou que as obras do Filho são fantásticas e
que devemos maravilhar-nos diante delas. O propósito central da
nossa vida é fixar o foco no Filho. Ao fazê-lo, agradamos ao Pai.
Assim como eu esperava que todos comemorassem o aniver
sário de Gavin, Deus, o Pai, quer-nos obcecados por seu primo
gênito. Temos de comer sua carne, beber seu sangue e apreciar
sua obra concluída na cruz.
Infelizmente, é comum direcionarmos todas as energias para
nós mesmos, tanto que é quase impossível fazer que os cristãos
falem sobre outra coisa que não os próprios pecados. E como
se nosso sentido de importância se srcinasse do fato de en
frentarmos provações. Elas nos habilitam a pensar em nossos
problemas, a conversar sobre nossas dificuldades e até a viver
obcecados por nós mesmos — tendo um rótulo espiritual em
cima disso tudo.
Podemos concentrar-nos de tal maneira em nossas lutas que
não conseguimos acreditar que Deus quer que olhemos para
qualquer outro lado. Ficamos convencidos de que nossos peca
dos são diferentes — e Deus, de alguma forma, não se esqueceu
deles nem nos pediu para seguirmos em frente. Enquanto cha
furdamos em nossos fracassos, deixamos passar o privilégio da
celebração. Deixamos passar o motivo da festa.
Se as circunstâncias ridículas da festa de Gavin aconteces-
sem de verdade, minha única reação àqueles que a tivessem in
terrompido seria: “Juntem-se ao clube! Todos nós enfrentamos
lutas. Mas o foco da nossa presença aqui não é seus problemas.
Estamo s aqui p ara nos concentrar no meu filho” . Da mesma
forma, somos convidados a fixar os olhos em Jesus, pois ele é
digno de celebração.

145
0evangelhonu

Você vive consumido por seus pecados quando Deus diz que
ele próprio nem se lembra mais deles? Está disposto a concor-
dar quando digo que o foco deixou de ser seus fracassos? E está
pronto a agradar o Pai por meio da obsessão pelo Filho?
O Filho de Deus concluiu a obra que veio realizar. Ressusci-
tou e está agora assentado nos lugares celestiais. Só há uma res-
posta adequada: todos os olhos devem estar concentrados nele!

NÃO É PRECISO REPETIR


H o j e n ã o n o s vejo fato de que Cristo morreu uma
ressaltar o

só vez. Parece até algo insignificante. Para a mentalidade judaica,


no entanto, era de extrema importância. O livro de Hebreus che-
ga a ponto de enfatizar que Cristo morreu só uma vez e que não
foi para o céu morrer de novo e de novo. Poderiamos dizer: “ Cla-
ro, ele não está lá em cima, morrendo o tempo todo!”. Então
por que tocar no assunto? Por que se preocupar com isso? Bem,
primeiro vejamos como o autor de Hebreus apresenta a questão:

repetidas vezes

uma vez por todas

dia após dia,

um a ve z por todas

1 Hebreus 9. 24b, 25,26 , grifo nosso.


Hebreus grifo nosso.

146
Traindo Jesus

Por que enfatizar quantas vezes Jesus morreu? Um judeu de


voto saberia ligar os pontos com rapidez. Seu processamento
mental talvez fosse algo do tipo:

• Só o sangue traz perdão.


• O sangue de Jesu s jamais será derra mad o de novo.
• Deus está, porta nto, satisfeito.
• Eu usufruo de purificaç ão vitalícia e eterna.

Precisamos entender a centralidade da cruz para os judeus.


Ela teve um impacto dramático sobre a vida deles. Aceitar o sa
crifício de Jesus na cruz significava que todas as tentativas dos
judeus, centradas na Lei, de motivar Deus a perdoá-los haviam
sofrido uma interrupção brusca. Os sacrifícios no templo não
faziam mais sentido.
O autor de Hebreus insiste com os companheiros judeus
para que abandonem as obras mortas do templo. Roga-
-lhes que se apeguem a Jesus e nada mais. Que insulto se
ria para Deus se um judeu convertido voltasse a tomar parte
dos sacrifícios no templo! Estaria desonrando Jesus Cristo
publicamente, pois buscaria outro meio de perdão após ser
apresentado à cruz. Sua atitude seria mais ou menos esta:
“Creio que Jesus morreu por meus pecados, mas só por pre
caução continuarei a participar dos sacrifíc ios de anim ais” .
Na verdade, houve quem incentivasse essa dubiedade de pen
samento na igreja primitiva!
E quanto a nós hoje? Como se manifesta nossa dúvida acer
ca do sacrifico uma ve z por todas? Não a exp ressam os por meio
de cerimônias no templo ou de J
sacrifícios de animais no quin Empregamos  meios
tal. Empregamos meios mais su maissutisde
tis de insultar Deus. Em vez de insultarDeus.

147
0evangelhonu

desonrá-lo publicamente, nós o fazemos em privado , na nossa


mentalidade e nos nossos sistemas de crenças.
Se o autor de Hebreus nos dirigisse a palavra hoje, contes
taria nossa ambiguidade ao realizarmos ginásticas teológicas
para nos sentirmos purificados perante Deus. Ele nos confron
taria quando inventamos terminologias não bíblicas e pro
pomos estar perdoados do ponto de vista de Deus, mas não
perdoados de verdade sem um “método”. Ele nos acusaria de
agir exatamente como os destinatários de sua carta — insultan
do o Espírito da graça.

M AI S QUE EX PI AÇ ÃO

oE Novo.
justo promover algum
Debaixo de tipoos de
ambos comparação
sistemas, entre oproduziu
só o sangue Antigo e
perdão. Mas há uma diferença importante entre os sacrifícios
de sangue debaixo do Antigo e o sacrifício único que inaugura
o Novo. Para começarmos a examiná-la, retornemos à declara
ção de João Batista sobre Jesus como sacrifício: “[...] Vejam! É
o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!”.3
Conquanto os antigos sacrifícios resultassem na expiação (co

bertura)dedos
sangue pecados,
Jesus o sangue
tirou nossos de JesusSangue
pecados! realizou algo não
animal maior. O
podia
alcançar tanto. Nunca houve sacrifício animal qualificado para
isso. Hebreus chama nossa atenção para essa verdade com o in
tuito de salientar a importância
Acruztratou, da cruz. Ela tratou, completa e
completa e inquestionavelmente, dos nos
inquestionavelmente, sos pecados para sempre.
dos nossos  pecados Mesmo tendo sido orde
parasempre. nados por Deus para a nação

3 Jo ão 1.29.

148
Traindo Jesu s

de Israel, os sacrifícios do Antigo Testamento empalideceram


comparados com a obra de Jesus na cruz. Os homens tementes
a Deus do Antigo Testamento que ofereciam sacrifícios de ani
mais ansiavam pela vinda do Cordeiro: “Contudo, esses sacri
fícios são uma recordação anual dos pecados, pois é impossível
que o sangue de touros e bod es tire pe cad os” .4
Em certo sentido, eles tinham consciência de que os sacrifí
cios segundo o Antigo eram apenas uma sombra das coisas por
vir. Logicamente, reconheciam o benefício de ter seus pecados
cobertos por tempo limitado. Mas só por meio do sangue de
Jesus o problema do pecado seria resolvido de fato. Eles reivin
dicavam um direito, uma nota promissória assinada por Deus
que só foi descontada na cruz. Por isso o entusiasmo de João
Batista ao anunciar a chegada daquele que tiraria (não apenas
cobriria) o pecado do mundo.

P erdoado , m a s c o m medo ?

Jesus Cristo destruiu de tal forma o castigo que merecíamos


pelos pecados cometidos que Deus jamais se referirá a eles de
novo. Balançamos a cabeça em sinal de concordância de que
Jesus morreu por nossos pecados e os levou embora, mas logo
em seguida aceitamos a ideia de que seremos julgados por nos
sos pecados quando Jesus voltar. Como concordar com isso se
o próprio Jesus os tirou? Como seremos punidos por nossos
pecados quando Deus não se recorda mais deles? E lembre-se:
o único castigo digno para os pecados é a morte, e morte foi
exatamente o que Jesus experimentou em nosso favor.
Leia com atenção estes dois autores judeus cujas palavras

expressam entusiasmo pelo Cordeiro perfeito e pelos efeitos de


seu sacrifício:

Hebreus 10.3,4.

149
0 evangelho nu

não para tirar o pecado

p ro p ic ia çã o pelos nosso s p e c a d o s

Se deixarmos que a mensagem do evangelho passe por nós


sem ser percebida, ela não terá poder algum de alterar a menta
lidade natural que nos controla. O perdão parcial fornece alívio
parcial da culpa, mas dá à luz um medo doentio do julgamen
to. O perdão real significa que a questão do pecado acabou.

Aceitamos a ideia A morte


para de Jesus
sempre. E nãosatisfez
há nadaDeus
em
dequeseremos nós que venha a enfurecê-lo
julgados por nossos de novo: “Tendo-o provado [o
pecadosquando vinagre], Jesus disse: ‘Está con
Jesusvoltar. sumado!’. Com isso, curvou a
cabeça e entregou o espírito” ."

5 Hebreus 9.2 8, grifo nosso.


6 lj o ã o 2.2, grifo nosso.
João 19.30.

150
Um a cadeira era peça de mobília proibida no interior do

tabernáculo judeu e, mais tarde, do templo. Por quê? Imagine-


-se por um instante um cidadão como outro qualquer de Israel.
Você entra no templo no Dia da Expiação e é recebido por um
sacerdote que se espreguiça em cima de uma “cadeira do pa-
pai” . Que ideia a cena lhe transmitiria? Que ele não tinha mais
o que fazer! Para evitar essa falsa impressão, Deus não permitia
que isso acontecesse. Proibiu os sacerdotes levitas de se senta
rem durante o trabalho, de modo que a imagem de trabalho
inacabado ficasse impressa na consciência deles.
O livro de Hebreus estabelece um contraste entre os atos reli
giosos contínuos realizados sempre em pé e nosso sumo Sacerdo
te assentado , que nunca mais oferecerá sacrifícios por pecados:

todo sacerdote apresentase

assen-
touse

1 Hebreus 10 .11 ,12 , grifo nosso.

151
0 evangelho nu

Captar essa verdade pode revolucionar nosso entendimento


de quanto estamos puros e limpos diante de Deus. Somos con
vidados a reconhecer que nosso sumo Sacerdote está assentado
à mão direita do Pai, sem ter mais nada a fazer em relação aos
nossos pecados. A obra foi concluída e estamos perdoados para
todo o sempre.
Nossos pecados passados,
Estamos  perdoados presentes e futuros foram trata
para todo  o sempre. dos simultaneamente pela cruz.
Deus não faz discriminação
quanto ao momento da ocorrência. Nossos pecados só exis
tiam no futuro quando Jesus morreu. Ele observou toda a linha
do tempo da existência humana e tirou todos os pecados. Não
fez a menor diferença se eles ocorreram dois mil anos antes
ou depois da cruz. Quando Jesus terminou de apagar todos os
registros dos nossos pecados, assentou-se à direita de Deus e,
desde então, permanece ali descansando.

Que posição você ocupa em relação aos seus pecados? Em


pé, correndo em círculos e procurando compensá-los? Tentan
do ser perdoado, purificado? Ou assentado com Jesus Cristo,
em posição de descanso? Consegue perceber que seu Salvador
tirou seus pecados uma vez por todas?
Hoje em dia, os cristãos falam que querem ser e pensar
como Jesus . Tornou-se comum ouvi r a pergunta popular: “ O
que Jesu s f aria ?” . Pensar como Jesu s implica te r a mesm a ati
tude que ele tem em relação aos nossos pecados. Ele nos asse
gura que essa é uma questão resolvida. Não existe outro ato

Hebreus 1.3.
Traindo Jesus

que nos deixe mais perdoados do que já estamos: “ porq ue,


por meio de um único sacrifício, ele aperfeiçoou para sempre
os que estão sendo santificados”.3
Você está disposto a ser como Jesus e a esquecer seus peca-

dos? Está ansioso por concordar com Deus quando ele o decla-
ra perdoado? Chegaria ao ponto de concordar com o autor de
Hebreus de que você foi aperfeiçoado para sempre? Qualquer
coisa menor que essas afirmações espantosas não é fé no evan-
gelho. Deus quer que saibamos que o verdadeiro perdão foi
conquistado em nosso benefício. E nosso, para que o desfrute-
mos. A liberdade da culpa é nosso destino diário, na condição
de crentes em Jesus.

O QUE PASSOU, PASSOU


Não há nada mais convincente do que as inúmeras passagens
bíblicas que se referem ao perdão como um ato completo. Em
se tratando de perdão, a maioria dessas passagens conjuga o
verbo no passado:

Hebreus 10.14, grifo nosso.


Colossenses 2.13,14.
5 Efésios 4.32.
0 evangelho nu

não me lembrarei mais.”


Onde esses pecados foram perdoados, não há mais
necessidade de sacrifício por eles.6

O conceito é simples e óbvio. Jesus derramou seu sangue, e


isso nos trouxe perdão. Como Jesus não morre todos os dias,
o ato do perdão não se repete
Como Jesu s nao todos os dias. Como ele nunca
morretodososdias,o mais morrerá de novo, não é
ato do perdão não se necessário um perdão posterior.
repetetodososdias. Fomos perdoados e, portanto,
vivemos em estado de perdão.

P ropostas eternas

Digamos que você é um homem casado. Imagine que todas as


noites, antes de dormir, você se inclina para a sua esposa e a
peça em casamento. Só porque isso o faz se sentir melhor —
pedi-la em casamento de novo e de novo. E sua forma de ra
tificar o casamento. Por isso, todas as noites você diz: “Amor,
quer se ca sar co mig o?” . As palavras escolhidas para a ocasião

não são grande coisa. E pura semântica. Você sabe que está ca
sado de verdade; apenas gosta de pedi-la em casamento mais
e mais vezes.
Um ritual bem estranho, não acha? Sua esposa nunca dei
xaria você seguir em frente com algo tão ridículo. Repetir uma
pergunta como essa tantas vezes poderia até ser considerado
um insulto.
Se eu tentasse isso com minha esposa, ela me pediria para
reavaliar meus processos mentais. “Não se lembra da cerimô
nia? Dos votos? Das testemunhas? Casamos anos atrás. Estou
com o álbum de fotografias bem aqui. Passou. Vivemos em um
6 Hebreus 10. 17, 18.

154
Traindo Jesus

estado constante de casados. Não há necessidade de você me


pergunt ar todos os dias se quero me casar com você” .
O mesmo acontece com estar perdoado. E não, não se trata
de semântica. É importante. Você já parou para pensar quan-

tas vezes éaszero.


resposta epístolas o estimulam
Não se a pedir
encontra uma perdão que
só epístola a Deus? A
nos su-
gira pedir perdão a Deus. Por quê? Porque os autores dessas
cartas registraram suas palavras por escrito após a morte de
Jesus. Tinham plena consciência do perdão recebido como um
fato consumado.
Tal qual a recordação de nosso casamento por parte da mi-
nha esposa, esses autores recordavam a “cerimônia” da cruz e

o “voto”
Na feitoalguns
verdade, por Deus de não
foram lembrar mais
testemunhas os pecados
oculares deles.
do sacrifício
definitivo. Não faria sentido insistir para que os leitores pedis-
sem perdão a Deus.
Eram judeus de nascimento. Tinham plena consciência da
matemática divina — só o sangue produz perdão. Na cabeça
deles, pedir perdão equivalería a solicitar a Jesus que pendesse
vezes e mais vezes do madeiro. Sabe como é — uma morte para
os pecados de hoje, outra para os pecados de amanhã e assim
por diante.
Eles sabiam das coisas.

155
22

O q u e dizer então de ljoão 1.9: “Se confessarmos os nossos


pecados, ele [Deus] é fiel e justo para perdoar os nossos pecados
e nos purificar de toda injus tiça” ?1
À primeira vista, o versículo bastante conhecido parece turvar
as águas no que diz respeito ao perdão uma vez por todas. Em
vários livros e artigos sobre o tema do perdão, ele costuma servir
de alicerce sobre o qual o sistema de crenças do autor é construído.
Teólogos e autores cristãos
Ou fom os perdoados, em geral concordam com João
ou há uma condi ção
para que o sejamos. em que perdoados,
foram “ [...] os seus pecados
graças ao
nome de Jesu s” .12 Mais adiante,
todavia, você os encontra afirmando que a confissão é neces-
sária para fazer que Deus o perdoe. O problema é que as duas
declarações não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo. Ou
fomos perdoados, ou há uma condição para que o sejamos.
Para solucionar o dilema, alguns têm proposto o seguinte: os
cristãos estão perdoados para sempre nos livros de registros celes-
tiais de Deus. No entanto, a menos que apresentem seus pecados
1 Grifo nosso.
2 ljo ão 2.12.

156
TraindoJesus

por meio da confissão diária, não podem experimentar a purifica


ção de Deus durante a vida terrena. Por essa razão, afirmam que
lj oão 1.9 é o “ sabonete” do cristão para se manter na companhia
diária de Deus. E usam termos como judicial, patriarcal e forense

enquanto contornam com toda delicadeza a realidade do perdão


definitivo. Ao mesmo tempo, empurram a ideia de um sistema em
dois níveis, no qual Deus aparece satisfeito na eternidade, mas
neste exato momento precisamos manter de alguma forma nossa
purificação diária por meio de um ritual de confissão.
Frequentemente deparo com a linha de pensamento de que
ljoão 1.9 é o único e principal versículo nessa questão. Mas
sabemos que não devemos elaborar teologias baseadas em tor

no de um só versículo. E importante reconhecer que ljoão 1.9


apresenta-se como o único de seu tipo. Nenhum outro, em to
das as epístolas, aparece para atribuir um “se” condicional ao
perdão e à purificação.
Bem, se havia um método Nenhumoutro
para manter a purificação diá versí culo , em todas
ria, os romanos aparentemente asepístolas,aparece
o desconheciam. Se havia uma para atri buirum  “ se ”
receita que prescrevia fazer bre
ves relatos a Deus, parece que condicionai ao perdão
e à purificação.
os gálatas nunca foram expos
tos a ela. Se havia a necessidade de pedir perdão a Deus, pa
rece que os efésios não estavam inteirados a respeito. De igual
modo, parece que também os coríntios, os filipenses, os colos-
senses e os tessalonicenses não fixaram bem esse ensinamento.
Se houve um método diário para manter um bom relacio
namento com Deus por intermédio da confissão continuada de
pecados ou de súplicas, você não acha que ele seria citado em
pelo menos uma epístola? Deus o deixou de fora por acidente?
Com certeza não!
0evangelhonu

Então vamos analisar ljoão 1.9 mais detidamente para en-


tender o público que João pretendia atingir e o contexto desse
versículo em particular.

FALANDO SOBRE HERESIAS


Desde o início do primeiro capítulo de João, nós o vemos tratar
das heresias notórias na igreja primitiva. Ele inicia sua carta
com palavras como ouvimos, vimos, contemplamos e apalpa-
mos com nossas m ãos para descrever suas interações com Jesus.
Faz isso para enfatizar o caráter físico de Jesus.
Hoje, damos como certo que Jesus tinha um corpo. E cla-
ro que tinha! Não há discussão quanto a isso. Dois milênios
atrás, no entanto, as primeiras formas de pensamento gnóstico
se infiltraram na igreja e popularizaram a ideia de que Jesus
era só espírito. Os primeiros seguidores dessa corrente defen-
diam a ideia de que Deus jamais desceria tão baixo a ponto
de se revestir de carne humana. Por isso, o apóstolo João usa
propositadamente palavras relacionadas com o corpo físico em
sua declaração de abertura, desafiando a heresia gnóstica. Mais
tarde, ele diria que qualquer um que não crê que Jesus veio em
carne humana não proc ede de D eu s?
Se é assim, quem compunha a platéia de João no primeiro ca-
pítulo de sua carta? Os crentes verdadeiros não afirmavam que
faltava um corpo físico a Jesus. Portanto, João não está corrigindo
os cristãos na declaração de abertura. Ele se dirige aos gnósticos
que se haviam insinuado na igreja primitiva e estavam ensinando
falsas doutrinas. Uma vez estabelecido o caráter físico de Jesus,
João então escreve: “Se afirmarmos que estamos sem pecado , en-
ganamos a nós mesmos, e a verdade não está em nós”.34

3 V. ljoã o 4.3.
4 ljoão 1 .8, grifo n osso.

158
Traindo Jesus

Por que João agora se preocupa com aqueles que afirmam


estar sem pecado? Algum crente verdadeiro que você conhece
diz que nunca pecou? Claro que não! O que você precisa fazer
para se tornar um crente em Cristo? Admitir que é pecador!

Alguém que afirma nunca ter pecado não é cristão. Portanto,


João está preocupado aqui com os descrentes.
E interessante notar que os primeiros filósofos gnósticos não
apenas negavam o caráter físico de Jesus como repudiavam
também a realidade do pecado. Sustentavam que o pecado não
era real ou não importava, uma vez que ocorria no mundo físi
co. Assim, Jo ão abre sua carta a tacand o duas heresias gnósticas:
(1) Jesus sem corpo físico e (2) o pecado como uma irrealidade.
Compreender por que João abriu sua carta desse modo é
crucial. Uma interpretação tacanha do versículo 9 leva muitos
cristãos ao caminho errado. De novo, o versículo 9 declara: “Se
confessarmos os nossos pecados, ele [Deus] é fiel e justo para
perdo ar os nossos peca dos e nos purificar de toda injustiça” .
Alguns afirmam que esse versículo deve referir-se aos cris
tãos, pois Jo ão usa o pronome nós. Se isso fosse verdade, alguém
deveria defender a ideia de que todos os versículos precedentes
e seguintes em que o pronome nós aparece também se referem
aos cristãos. Mas não é o caso.
João usa o termo nós para combater educadamente a heresia
gnóstica. Vemos a técnica empregada nos seguintes trechos:

• Se [nós] afirmarmos que estamos sem pecado [...] —


ljoão 1.8
• Se [nós] afirmarmos que não temos cometido pecado [...]
— ljoão 1.10

Semelhantemente, João usa o pronome nós para tirar con


clusões como as seguintes:
0evangelhonu

• [...] A verdade não está em nós — ljoã o 1.8


• [...] a sua [de Deus] palavra não está em nós — ljo ão 1.10

João se refere aos crentes aqui? Quando fala a pessoas que


não têm a verdade ou a Palavra de Deus dentro de si, João
inclui no grupo a si mesmo e à igreja? E certo que não! Ele
está sendo educado ao dizer que, se nós, humanos, afirmarmos
que não temos nenhum pecado, somos mentirosos e não temos
Cristo (a Palavra e a Verdade) em nós. Fica evidente, portanto,
que João refere-se aos que não creem.
Assim, se um descrente acre
Portanto, IJo ão  ditar nessa heresia da perfeição
1.9 é um convi te sem pecado, qual é a única so
para conversão ao lução sensata? Vamos reler o
cristianismo. versículo 9 para tentar entender
a intenção de João: “Se confes
sarmos os nossos pecados, ele [Deus] é fiel e justo para perdoar
os nossos pecados e nos purificar de toda inju stiça ” .
O versículo 9 é um remédio para os descrentes influenciados
pela pressão de seus pares gnósticos que passam a confessar a
perfeição sem pecado. Em essência, Jo ão quer sab er: “ Em vez

de afirmar que
consideram não têm nenhum
a possibilidade pecado,
de mudar seu por
modoquedevocês não
pensar?
Em vez de afirmar que nunca pecaram, que tal concordar com
De us?” . Ele convida os gnó sticos a repensar seu ponto de vista.
Se admitirem seu caráter pecaminoso, Deus poderá fazer a obra
de salvação em sua vida.
Portanto, ljoão 1.9 é um convite para a conversão ao cris
tianismo que sem duvida continua relevante hoje. Se alguém
afirma estar sem pecado, está errado. Mas existe uma solução
para seu pensamento equivocado. Se estiver disposto a mudar
seu modo de pensar e confessar o oposto (que tem pecados
sim), então há esperança.

160
TraindoJesus

Você notou que esse versículo declara a purificação detoda


injustiça? A expressão toda injustiça lembra outros trechos da
mesma epístola sobre perdão. Aqui, no entanto, João não está
pedindo uma tabulação dos nossos pecados um a um, a fim de

que os cristãos
ridículo, dada apermaneçam perdoados
impossibilidade e purificados.
para qualquer Isso seria
ser humano de
realmente fazer isso!
Pense bem. Você já cometeu Pense bem. Vocêjá
milhares de pecados dos quais comet eu milhares de
se esqueceu. Não é possível re pecadosdosquais
cordar todos a fim de confessá- seesqueceu.
-los e então ser perdoado. Por
isso os cristãos precisam ser purificados de toda injustiça —
uma vez por todas!
Essa interpretação contextualizada do versículo 9 pode ser
nova para aqueles de nós que têm entendido a passagem como
uma receita para os cristãos que acabam de cometer um pecado
isolado, ljoão 1.9 tem sido o “sabonete” que nos mantém pu
ros e em relacionamento com Deus.
Que tragédia! Ao adotar essa visão, deixamos de reconhecer
que só o sangue (não palavras) traz perdão. Falhamos por não
reconhecer o fato de que o sacrifício de sangue de uma vez por
todas de Jesus trouxe purificação para toda a vida. Assim, dia
logamos com Deus para nos sentirmos perdoados e purificados.
Esse sentimento serve de confirmação de que Deus acaba de nos
perdoar. Mas alguns não são capazes de evocar tal sensação e,
por conseguinte, acabam duvidando de seu perdão!

E sclarecendo o significado
d a confissão

Vamos esclarecer um ponto importante. O significado deconfes-


sar é “dizer o mesmo que” ou “concordar”. Os crentes deveríam

161
0evangelhonu

concordar com Deus em todos os aspectos — não só em relação


ao pecado, mas a todas as áreas. Embora não confessemos nos
sos pecados a fim de receber novas porções de perdão e purifi
cação, devemos mesmo assim concordar com Deus no que diz

respeito Fomos
satisfaz. à insensatez do pecado.
desenhados desdeSomos seuspara
o início filhos, e só elecom
concordar nos
ele, depender dele e viver a partir dele.
E igualmente importante reconhecer, porém, que não com
pelimos Deus a agir por causa da nossa confissão. Ele não está
à espera para nos conceder perdão ou purificação. Não precisa
mos apresentar-lhe “relatos curtos” dos nossos atos, já que ele
destruiu o livro de registro!
Deus tirou nossos pecados. Não se lembra mais deles. Como
crentes, para nós perdão e purificação não dependem de memó
ria, confissão ou súplica. Eles acontecem exclusivamente graças
à obra completa de Jesus Cristo.

A "OUTRA” CONFISSÃO
E o que dizer de Tiago 5.16? Tiago insta a que confessemos nos
sos pecados uns aos outros e oremos uns pelos outros. Mas isso
significa que devemos ouvir as lutas uns dos outros, dar conse
lhos quando apropriado e orar uns pelos outros. O contexto da
exortação de Tiago para que confessemos nossos pecados uns
aos outros não tem nada a ver com o fato de Deus nos perdoar
ou purificar.
A confissão a amigos de confiança e a Deus é saudável. E
normal e natural conversar sobre suas lutas com pessoas que se
preocupam com você. A verdade indispensável a ser compreen
dida,nossa
em no entanto,
vida. Já éfomos confissão não
que a purificados “dedáuma
início
vezà por
purificação
todas”
por meio de um sacrifício de sangue ocorrido no passado que
não precisa ser repetido.
162
TraindoJesus

Sejamos sinceros acerca das nossas lutas, mas sejamos tam-


bém claros acerca do que a cruz realizou. O católico vai ao padre
e o protestante pensa que se sai melhor apelando direto para
Deus. No entanto, qualquer equação que não inclua o perdão

definitivo como um de seus elementos é intrinsecamente falha.


Deus não quer que acredite-
mos que os sacerdotes humanos Qualquerequação
distribuem perdão entre nós. que não inclua o
Tampouco quer que o imagi- perdão definit ivo
nemos distribuindo perdão do como um de seus
céu por ordem de chegada. O elementosé
que ele quer é que atribuamos intrinsecamentefalha.
real significado à declaração de
Jesus “ Está consumad o” .'
Só então nos afastaremos dos pecados pela razão certa. Nos-
sa motivação não deve ser a troca por perdão. Já somos filhos
perdoados e purificados do Deus vivo. Nossa motivação deve
ser a satisfação de sermos quem de fato somos.

5 V. Joã o 19.30.

163
23

A realidade É que os cristãos são pessoas perdoadas por


completo, entendam ou não plenamente o que isso significa.
Constatar esse fato nos permite interromper a perturbadora ati
vidade de tentar “acertar as coisas” com Deus. Liberta-nos para
usufruir uma vida livre de culpa, como Deus quer — algo que
debaixo do Antigo ja77iais se pôde fazer: “ [...] os adoradores,
tendo sido purificados uma vez por todas, não mais se sentiriam
culpados de seus pecados”.1
No último século, o termo comunhão evoluiu para um cons-
truto que Deus
dade com os cristãos usam quando
em determinado querem Uma
momento. falar estrutura
sobre intimi
para
nos relacionarmos com Deus que, infelizmente, tendemos a de
senvolver a partir das nossas relações interpessoais. Se pecamos
contra um amigo, um familiar ou um colega de trabalho, sen
timos que nosso relacionamento com essa pessoa está tenso ou
estremecido até pedirmos desculpas, sermos perdoados e então
restaurados à comunicação anterior.

Nas Escrituras,
maneira. a comunhão
Determinada pessoa oucom
estáDeus não é descrita
em comunhão dessa *
com Deus

Hebreus 10.2.

164
TraindoJesus

e, portanto é salva, ou está fora da comunhão e, portanto, per-


dida. Nas dez ocorrências da palavra comunhão nas epístolas,
em momento algum aparece o movimento “para dentro e para
fora da comunhão” com Deus, baseado em algum tipo de de-

sempenho recente.
Certamente, continuamos amadurecendo em termos espiri-
tuais. E, quando pecamos, as consequências nos atingem. Não
podemos fugir às leis da Terra, tampouco à reação das outras
pessoas. Se pecamos contra alguém, podemos viver circunstân-
cias difíceis e nos desapontar com nossa escolha. Mas não deve-
mos confundir essas consequências terr enas com o afa stamento
da comunhão com Deus.
Nossa comunhão é estável e certa. O rosto de Deus está sem-
pre voltado para nós. Quando pecamos, ele se faz presente a
cada passo do caminho para nos ajudar a aprender com o erro.
Quão arrogante é presumir que somos capazes de sozinhos fu-
gir ao pecado, passar tempo distante da comunhão, para só
então retornar outra vez!
Se crermos na mentira de Jesusestevefora
que Deus ocupa uma cadeira da comunhão com
giratória, pronto para virar o seu Pai para que
rosto quando pecamos, acredi- isso nunca nos
tamos num Deus de amor e de acontecesse.
comunhão condicionais. Mas
isso é ignorar a obra de Jesu s, que da cruz clamou: “ [...] Meu
Deus! Meu Deus! Por que me aban don aste?” .2 Ele esteve fora
da comunhão com seu Pai para que isso nunca nos acontecesse.
No entanto, lamentar um mau procedimento é normal e até
esperado na vida cristã. Na verdade, eu me preocuparia com
quem não se entristecesse com os próprios pecados! Existe uma
tristeza ou um arrependimento sincero pelos pecados que leva a

2 Mateus 27.46 .

165
0evangelhonu

pessoa a querer mudar.3 Esse pesar acontece porque os crentes


são projetados para as boas obras, não para os pecados. Quan
do pecamos, não estamos cumprindo nosso destino. Não nos
satisfazemos com nossa escolha.

Fomos feitos para algo maior.


Fomos feitos para expor a vida de Jesus Cristo.
Nada menos que isso.

A oração do S enhor
T ratemos agora Senhor, na qual Jesus ensinou
d a oração do

seus discípulos a dizer: “ Perdoa-nos os nossos pecados [ ...]” .4 E


um pedido — um pedido de perdão. Não a afirmação de algo
que já se tem. Então como a oração do Senhor se enquadra no
perdão definitivo?
Não podemos deixar de levar em consideração as palavras
de Jesus! No entanto, como entendermos suas palavras, dado
que nem Paulo, nem Pedro, nem João — nem qualquer outro
apóstolo — advoga o pedido de perdão como uma rotina diária
para os crentes? A resposta está no exame do contexto dessa
oração, seu conteúdo e o público ao qual se destinava.
Jesus adverte seus seguidores a evitar a vã repetição de lon
gas orações. Diz que os tagarelas não são ouvidos por falarem
muito.5 Assim, é natural que os discípulos queiram um modelo
do que seja uma oraçã o “ boa” . O que dizemos hoje em muitas
igrejas é a repetição da mesma oração que Jesus apresentou
aos discípulos. No entanto, será que nos damos conta do que
estamos orando?
A maior parte dos cristãos sabe que a oração do Senhor
contém um apelo ao perdão. Mas Jesus ensina seus ouvintes a
3 V. 2C oríntios 7.10.
4 Lucas 11.4
3 V. Ma teus 6.7.

166
TraindoJesus

pedir a Deus que os perdoe na mesma medida em que eles têm


perdoado os outros.
A oração não se restringe Jesusensina  seus
ao “perdoa as nossas dívidas”. ouvintes a pedira 
Ela é mais específica. Jesus ora: Deus que os perdoe
“Perdoa as nossas dívidas, as- na m es m a m edi da
sim como perdoamos aos nos- em que elestêm
sos devedores”.6 Isso poderia perdoado os outros.
ser assim parafraseado: “Deus,
passe minha vida em revista e levante meu histórico como per-
doador. Então me dê o mesmo tipo e a mesma quantidade de
perdão que t enho dado às pess oas ” .

Qual a reaçãoSentiram-se
entusiasmados? dos que ouviram
livres Jesus orar desse
de culpa? jeito?provável.
E pouco Ficaram
Jesus mostrava deliberadamente a seus ouvintes judeus a inuti
lidade de buscar perdão completo debaixo do Antigo sistema. A
pessoa que age segundo um sistema religioso condicional só pode
receber o que faz por merecer ou na medida em que dá aos outros.
Como no caso de outros ensinamentos desagradáveis de Je
sus, alguns têm tentado explicar de todas as maneiras possíveis
a severidade da oração do Senhor. Há quem sugira que nós,
cristãos, somos um povo perdoado e, portanto, temos a ten-
dência a perdoar as pessoas como Deus faz. Outros afirmam
que não existe nenhum conflito entre essa oração e as epístolas.
Mas Jesus deixa claro o sentido de suas palavras ao concluir
a oração: “Pois se perdoarem as ofensas uns dos outros, o Pai
celestial também lhes perdoará. Mas se não perdoarem uns aos
outros , o Pai celestial não lhes perdoará as ofensas:
Com certeza Jesus não está dizendo: “Como vocês são pes
soas tão perd oado ras...” . Pelo contrário, Jesus explicita uma *V .

6 Ma teus 6.1 2, grifo nosso.


V. Mateus 6.14,15, grifo nosso.

167
0 evang el ho nu

condição para seus ouvintes serem perdoados: perdoar os ou


tros. Não serão perdoados se não perdoarem. Na verdade, se
rão perdoados tanto quanto perdoarem.
Agora compare essas palavras com a declaração de Paulo

em Colossenses 3.13. O apóstolo escreve: “[...] Perdoem como


o Senhor lhes perdoou ” .s A oração do Senhor e a exo rtação de
Paulo são incompatíveis. Jesus nos conclama a perdoar a fim de
que possamos ser perdoados, enquanto Paulo nos conclama a
perdoar porque já fomos perdoados.
De ac ordo com o ensinam ento de Jesu s, está tudo sobre n os
sos ombros. Devemos perdoar para que Deus nos perdoe. De
acordo com Paulo, Deus tomou a iniciativa. Já fomos perdoa
dos e somos chamados a passar adiante o que recebemos.
Como os ensinamentos de Jesus e de Paulo podem opor-se um
ao outro? Não estavam ambos debaixo da mesma Nova Aliança?

UM A VELH A ORAÇÃO
Como já discutimos, o sangue dá início a uma aliança. Quan
do Jesus ensinou os judeus a orar, seu sangue não havia sido
derramado. Portanto, o Novo ainda não começara. A oração
do Senhor é uma das orações da Antiga Aliança, ensinadas aos
judeus antes que o perdão definitivo fosse alcançado.
Mas por que Jesus prescrevería a receita de buscar merecer o
perdão perdoando as pessoas? Talvez devido ao mesmo motivo
pelo qual disse ao homem rico que vendesse suas proprieda
des.89 Ou pela mesma razão segundo a qual disse a seus ouvin
tes judeus que arrancassem os próprios olhos e decepassem as
mãos na luta contra o pec ado.10 Possivelmente, também pela

8 Grif o nosso .
9 V. M ar co s 10.21 .
10 V. Mate us 5.2 9,3 0.

168
TraindoJesus

mesma motivação que o fez rogar aos judeus que fossem perfei
tos como o era o Pai celestial."
Jesus disse essas coisas com o intuito de gerar desespero, não
esperança.
A oração do Senhor
Qual esse
ouvisse seria ensino
sua reação se você
e quisesse é uma das oraç ões
segui-lo de coração? Como o da Antiga Aliança,
homem rico, todos os que fo ensinadasaosjudeus
ram sinceros acerca das pró antes que o perdão
prias possibilidades de alcançar definitivofosse
esse nível de just iça, dedicação e alcançado.
perdão partiram desanimados.
O homem rico que buscava a verdade de todo o coração depa
rou com uma dolorosa realidade. O resultado foi o desalento.
Jesus falava a verdade a cada platéia que encontrava. Nem
todas as suas declarações tinham a intenção de mostrar a deses
perança do Antigo. Ele também profetizava sobre a beleza do
Novo: o Reino de Deus, o papel do Espírito Santo e sua volta,
para citar só alguns. Mas essa oração tinha o intuito de prepa
rar quem estava debaixo do Antigo para o Novo. Jesus esclare
ceu a inutilidade dos esforços do povo em se acertar com Deus.
O melhor método para resgatar quem pensa estar no caminho
certo consiste em enterrá-lo sob padrões demasiado excelentes.
Quando as pessoas se dão conta de que o sistema sob o qual
se encontram exige mais do que podem dar, estão prontas para
algo Novo.

" V. Mateus 5.48.

169
24

HÁ d e tudo n a s escolas de pós-graduação. Nunca esque

cerei meu primeiro


sores talentosos semestre, osquando
que tratavam alunos conheci dois muito
de maneiras profes
diferentes. Um era austero e rigoroso. Quando atravessava os
corredores, quem passava por ele se retesava todo. Ele intimi
dava com seu tom de voz e era arrogante em seu discurso. O
outro professor tratava os alunos como colegas. Era amigo,
encorajador e cheio de energia para quem estava a sua volta.
Procurava oportunidades para ajudar os alunos a serem bem-

-sucedidos. Em que
no futuro: Do vez de
os lhes apontar
alunos as falhas,para
necessitariam mantinha o foco
ter sucesso?
Estariam prontos para assumir uma vaga em instituições de
pesquisa de primeira grandeza? Ele se interessava em educá-
-los para o que estava por vir.
Os dois professores eram bastante respeitados no campo em
que atuavam. No entanto, processavam suas interações diárias
com os alunos de maneiras completamente diferentes. Imagine
o que aconteceu à medida que os alunos passaram a conhecê-
-los melhor. Sentiram atração por um e repulsa pelo outro. Ain
da lembro o dia em que nos pediram para escolhermos nossos
orientadores acadêmicos. Inúmeros estudantes afluíram em
170
TraindoJesus

multidão para o professor mais humano. Pouquíssimos, se é


que houve algum, quis aconselhar-se com o professor arrogante.
O Espírito Santo é nosso mentor. Mas que tipo de mentor ele
é? Qual é sua abordagem e de que maneira ele interage conosco?

C ondenação o u conselho ?
O livro de Hebreus nos conta que Deus (o Pai) não se lembra
mais dos nossos pecados.1Então o autor reitera o mesmo pon
to, declarando que tampouco o Espírito Santo se lembra.12 Por
que mencionar esse fato duas vezes?
Às vezes distinguimos o gesto de amor divino na cruz da
perspectiva que o Espírito Santo tem dos pecados. Isso carrega
em si a implicação de que Deus e o Espírito Santo não estão em
sintonia. E incrível que consigamos imaginar-nos em paz com
Deus Pai, mas achamos que o Espírito Santo está fazendo-nos
sentir culpados e distantes como castigo por nossos pecados.
Muitos cristãos chamam esse
sentimento de condenação do
Achamos que o
Espírito Santo.
Espírito Santo está
Como podemos usar o ter
mo condenação para cristãos? fazendo-nos sentir
culpadosedistantes
Em um instante, admitimos que
como  casti go por
Deus se esqueceu dos nossos
nossos pecados.
pecados. Dizemos que ele não
os leva em consideração. Pode
mos até concordar com a afirmação do autor de Hebreus de
que o próprio Espírito Santo também os esqueceu. No minuto
seguinte, todavia, anunciamos convictos que o Espírito Santo
7ios condejia por nossos pecados.

1 V. Hebreus 8.12.
2 V. Hebreus 10.17.

171
0evangelhonu

Para desemaranhar essa aparente contradição, analisemos o


significado do verbo condenar.
Condenar quer dizer “ achar cu lpad o” . Em um sistema judi
cial, à condenação se seguem a sentença e depois o castigo. Na

mesma linha, reservamos um termo para quem está encarcera


do — o condenado. Portanto, o verbo condenar deve ser usado
para descrever a interação entre o Espírito Santo e os filhos de
Deus? Provavelmente não.
A raiz conden só aparece oito vezes na Bíblia.*3 E nenhuma
delas tem nada a ver com a vida diária do crente! O evangelho de
João contém a única passagem que uneEspírito Santo e condenar.

convencerá o mundo
porq ue os hom ens não creem
em mim.4

Quem está sendo condenado aqui? O mundo, caracteriza


do como pessoas que não acreditam em Cristo. Jesus não está
falando dos cristãos, que já creem! Nessa e em todas as outras
passagens relevantes, o contexto deixa claro que o termo con-
denar é exclusivamente reservado aos que não creem.

N ovas expectativas

Se é inexato dizer que o Espírito Santo condena os crentes,


então o que esperar dele com relação ao nosso comportamento?

3 O autor faz referência à palavra in glesa mas não menciona a versão da


Bíblia em que eia ocorre oito vezes. [N. do T.]
3 Joã o 16.7- 9, grifo nosso. Várias versões d a Bíblia em inglês, incluindo a u tilizada
pelo autor, trazem , ou seja, “ condenará o mun do” , enquanto
as traduçõ es brasileiras opta m pelo verbo “convencer” . [N. do T.)
TraindoJesus

As epístolas descrevem com clareza como o Espírito Santo ope


ra na vida dos que creem. Ele é nosso Conselheiro, Ajudador,
Consolador, Advogado — e aquele que nos guia a toda a ver
dade.5 Ele ora em nosso favor.6 E testemunha ao nosso espírito

nossa
Masidentidade como filhos
como aperfeiçoar de Deus/
nos
-
so comportamento? Por esses E inexato dizerque
mesmos meios! Como podemos o Espíri to Santo
não acreditar que o conselho do condena os crentes.
Espírito Santo é suficiente para
produzir transformação genuína em nossa vida? Em vez de nos
ficar relembrando do passado, o Espírito nos prepara para o fu
turo. Em vez de nos tratar como condenados, ele nos reconhece
como santos consagrados. Quando ocorrem comportamentos
pecaminosos em nossa vida, o Espírito nos lembra da obra de
Jesus na cruz. Precisamos saber que somos puros e criados para
as boas obras, não para os pecados. O mundo com certeza não
nos ensinará isso!
A obra do Espírito Santo não encontra paralelo neste mun
do. Não temos nenhum outro relacionamento para o qual olhar
como exemplo de seu conselho e sua direção. Por que não?
Porque nenhum mentor humano é capaz de sustentar a men
talidade do perdão total, considerar-nos perfeitos e, ao mesmo
tempo, educar-nos no que diz respeito a atitudes e ações.
Isso tudo não passa de detalhe? Claro que não. Uma quan
tidade enorme de cristãos sucumbe ao Acusador atribuindo
equivocadamente seus ataques à condenação do Espírito Santo.
Não há melhor tática para Satanás do que primeiro tentar-nos
e em seguida inundar-nos de culpa, disfarçando-se de Espírito

V. João 16.13.
6 V. Romanos 8.26 .
V. Romanos 8.16.

173
0evangelhonu

Santo. Às vezes chegamos a acalentar a culpa só por permitir-


mos que a ideia nos passe pela mente!
Deus esqueceu nossos peca-
Deusesqueceu dos. Não devemos fazer a mes-
ma coisa? Quando nossa visão
nossospecados. de Deus estiver fora do prumo,
Nãodevemosfazera
mesmacoisa? ou quando nosso entendimento
da obra de Cristo for incomple-
to, é natural que nossa percepção da ação Espírito Santo tam-
bém fique enviesada.
Temos um passado em branco. O Espírito Santo está ao nos-
so lado. Elenunca nos deixará. E é um educador eficiente.

174
25

LÁ está você , E todos os seus amigos estão assistindo a tudo

enquanto cada gesto


meteu é projetado namesquinho,
grande tela baixo e egoísta
do cinema que você
celestial. Vocêjávai
cover
só quando o filme acabar. Talvez a parte mais constrangedora, no
entanto, seja o tempo de duraç ão do filme! “ Será que podemos
fazer um intervalo comercial ou coisa parecida?”, você pergunta.
Mas ninguém ri, porque muitos estão horrorizados. Outros estão
preocupados com a possibilidade de o longa-metragem seguinte
mostrar a vida deles e tornar-se um campeão de bilheteria.

O econceito
total, de todos
a ideia de julgamento finalpecados
os nossos parece serem
contrariar o perdão
projetados em
uma tela de cinema para o Deus todo-poderoso rever nos enche
de insegurança. Sendo assim, como podemos reconciliar a cer
teza bíblica de um julgamento do “grande trono branco” com
nosso perdão definitivo?1

A GRANDE VERDADE
Os acontecimentos envolvendo o grande trono branco são re
latados em Apocalipse 20 e 21. Apocalipse 2 0.1 1-1 5 informaV.
V. Apoc alipse 20.1 1 e informaç ão adicional 10.
0evangelhonu

que Deus convoca “os mortos” a seu trono para julgamento


— trazidos do mar, da morte e do Hades. Eles são julgados de
acordo com seus feitos e depois lançados para dentro do lago
de fogo. Uma regra os sentencia: eles não têm o nome escrito
no livro da vida.
Depois o capítulo 21 se volta para a igreja. Deus chama os
crentes de “ noiva” e diz que nã o haverá sofrimento algu m para
nós no céu. Vemos então uma nítida distinção entre os mortos
trazidos do inferno, no capítulo 20, e a noiva preciosa de Cris-
to, no capítulo 21. O resultado é que os cristãos não serão le-
vados a julgamento nem serão
Oscristãosnaoserão julgados, uma vez que cremos
levad os ajulgamento no Senhor Jesus Cristo e que
nem serãojulgados. nosso nome está escrito no li-
vro da vida.
Quem faz uma declaração reveladora acerca da nossa posi-
ção perfeita diante do Juiz é o próprio Jesus: “ Quem nele [em
Jesus] crê não é julgado; o que não crê já está julgado, porquan-
to não crê no nome do unigênito Filho de Deus” .2
Apesar da clareza da Palavra de Deus, tenho ouvido pes-
soas usando o julgamento final para instilar o que chamam de
“medo santo” nos crentes. Já escutei até alguns dizendo que a
qualidade de um sermão é determinada pelo peso da culpa que
se sente depois! Fora do contexto, o julgamento do grande tro-
no branco pode prejudicar seriamente nosso senso de confiança.

E steira rolante

Imagine uma linha de montagem na fábrica de motores Ford. E

seu primeiro emprego de verdade. Você e um colega de trabalho


estão o cupados montando injetores de combustível destinado s ao

2 Joã o 3. 1 8 , Almeida Revista e Atualizada, grifo nosso.

176
Trai ndo Jesus

Ford Mustang. Na primeira semana de trabalho, a esteira rolante


parecia avançar depressa demais, mas você já está acostumado
com ela. Agora que semanas, meses até, se passaram, construir
injetores de combustível parece ser sua segunda natureza.
É claro que você cometeu sua cota de erros e, mais adiante
da linha de montagem, o produto de seus erros foi descartado,
derretido e remodelado para uso futuro. À medida que o tem
po passa, no entanto, você aprende a cometer cada vez menos
erros e o processo começa a parecer mais natural. Na verdade,
você às vezes se pega montando dezenas de injetores sem perce
ber o tempo passar!
Compreensivelmente, a Ford está interessada em trabalho de
qualidade. Por isso, um inspetor é chamado para avaliar o de
sempenho de sua equipe e atentamente toma nota da produção
desperdiçada, bem como do número de injetores em pleno fun
cionamento que você montou. E lógico que alguns de seus cole
gas ficam nervosos quando o inspetor está por perto, mas você
tem uma carta na manga. Você vive com o inspetor! Ele ainda
é “Pai” para você e tem procu
rado ensinar-lhe os truques do 0 Pai quer  mostrar 
negócio, desde que você era tudo o que seu Filho
pequeno e acompanhava o “Pa realizou.
pai” ao trabalho.
Note que você e seus colegas de trabalho não estão na es
teira rolante. Nem seu pai nem a fábrica da Ford têm interesse
algum em julgá-lo como pessoa! Só o produto de seu trabalho
— seja ele de alta qualidade ou não — ocupa a esteira. Do
mesmo modo, Jesus nos informa que quem acredita nele não é
julgado. Mas nossas obras são testadas, estimadas ou avaliadas
à medida que seguem pela esteira rolante rumo à coleção divi
na das realizações de seu Filho. Paulo fala sobre nossas obras
serem testadas para verificar se resistirão:

177
0 evan gel ho nu

alicerce
Je su s Cris to .

p rov ará a qualid ade d a obra de cada u m ?

O princípio é simples: qualquer coisa edificada sobre Cristo


resistirá à prova do tempo; tudo o que for feito por esforço
carnal, não. Vòcé, porém, nunca é julgado. Você não está na
esteira rolante.
Essa é uma distinção crucial a fazer, uma vez que ela não está
clara para muitos cristãos. Deus separou quem somos do que

fazemos, não são ques


tionados. de
Ao modo
mesmoque nossoo destino
tempo, Pai queremostrar
posiçãotudo o que seu
Filho realizou. Haverá uma grandiosa celebração no fim dos
tempos quando o conhecermos.

M ercadoria celestial

“Muito bem, então talvez não venhamos a ser julgados, mas


ainda quero fazer por merecer toneladas de recompensas no
céu!” Ouço esse tipo de afirmação com frequência, depois de
ensinar sobre nossa libertação do julgamento de Deus.
Como humanos, parecemos estar sempre à procura de uma
motivação baseada em castigo ou recompensa para mantermos
nosso comportamento no curso certo. Embora estejamos mais
dispostos a repudiar uma motivação ostensiva por culpa, o re
trato que com frequência se pinta é de Deus distribuindo man
sões de diversos tamanhos e outros tantos prêmios, com base
em nosso mérito, assim que chegamos ao céu. Os cristãos cos
tumam usar o termo galardão para se referir a grandes porções 3

3 ICo ríntios 3. 11- 13, grifo nosso.

178
TraindoJesus

de metros quadrados e certificados resgatáveis em joias na loja


de presentes celestial.
Na realidade, o termo galardão não aparece em parte al
guma do Novo Testamento. O apóstolo Paulo fala de uma
“ rec om pen sa” (singular, não plural) ou d e um “ prê mio” no
contexto da disputa de uma corrida em que se chega ao final.
Mas também observa que tudo mais é como esterco quando
comparado a conhecer Cristo
Jesu s.4 Dad a essa verdade, acre 0termo g a l a r d ã o  não
ditamos realmente que Deus aparece em parte
premiará com casas maiores e alguma do Novo
joias melhores aqueles que de Testamento.
penderam mais de Jesus?
Deus não quer que pensemos e ajamos de determinada ma
neira porque buscamos acumular bens celestiais. Assim como
Paulo estava disposto a perder todas as coisas pelo conheci
mento de Cristo, nós também devemos eleger como nosso ob
jetivo conhecê-lo. Por mais riquezas no céu? Não. Queremos
conhecê-lo pelo simples fato de que essa é a melhor coisa que
existe no planeta Terra.

C a ç a d o r  d e  recompensas
O próprio Jesus, no entanto, não nos diz para acumularmos te
souros no céu?5Sim, mas tesouros não são recompensas. Tesou
ros são descobertos. Não há como se fazer por merecê-los. Uma
vez descoberto, um tesouro pode ser abandonado ou guardado
em algum lugar.
Quando Deus diz que podemos acumular tesouros no céu,

está pedindo que consideremos nossas escolhas diárias e suas

V. Filipenses 3.8.
5 V. Ma teus 6 .20.

179
0 evan gel ho nu

consequências. Algumas dessas escolhas resultam em um pro-


duto sem valor, mais tarde incinerado como madeira, feno ou
palha. Outras duram para a eternidade por serem expressões
de Jesus Cristo.
Basicamente, Deus está propondo as seguintes questões: le-
vando em conta quem você é e o que sabe, em que você inves-
tirá? Acumulará gestos e atitudes que durem para sempre ou
correrá atrás de obras mortas, que acabam sendo queimadas?
A escolha é nossa.

IS O
NÃO NOS
CASAMOS COM
GENTE MORTA
Se você confiar em Cristo, não só na morte que ele
sofreu a fim de redimi-lo, mas também na vida que
ele vive e espera viver através de você, o próximo
passo que você dará será na energia e no poder do
próprio Deus.
Majo r W. Ian Thom as (1914-20 07)
26

Sou um consumi dor cauteloso . U ma das coisas que mais


odeio é comprar “ gato
horas pesquisando pore lebre”
marcas modelos. Costumo
antes degfechar
astar dezenas
um negó-de
cio. Seja um equipamento de audiovisual, sejam tacos de golfe
ou carros, em geral examino o conjunto detalhado de especifica-
ções, os testes com o produto e as avaliações de outros consumi-
dores para conhecer o desempenho e a confiabilidade. Cheguei
a um ponto em que amigos e familiares me telefonam antes de
comprar qualquer coisa. Minha esposa brinca que eu deveria

abrir um
vista escritório
Consumer de consultoria
Reports me passoupara consumidores,
a perna mas a re-
e saiu na frente.

M A RC A DE VIDA?
As Escrituras se esforçam para transmitir a ideia de que nos é
oferecida uma vida ao mesmo tempo confiável e garantida. Em
resumo, está longe de ser “gato por lebre”. É uma vida da me-
lhor qualidade, com a maior garantia disponível no mercado.
A palavra eterno costuma ser usada para expressar a dura-
ção da vida que temos em Jesus. Muitos equiparam vida eter-
na a vida infinita, mas as duas expressões não têm o mesmo
0evangelhonu

significado. O termo vida eterna é curioso, pois indica uma vida


sem fim e sem começo. Tenha isso em mente enquanto lê os se
guintes conceitos sobre a vida eterna:

essa vida está em seu Filbo. tem o Filbo, tem


a vida

Quem é a única pessoa cuja vida não teve início ? Ou seja, se


você tem a vida eterna, você tem a vida de quem ? Vida eterna
não tem necessariamente a ver com céu, cultos da igreja ou
mesmo a Bíblia. Vida eterna não é uma vida melhor ou um
propósito de vida melhor. É uma vida completamente diferente.
E a vida de Deus. Não fazemos
Vida eterna referência aqui a conceitos re
nãotem ligiosos. Antes, estamos discu
necessariamente tindo questões do Éden.
a vercom céu, Se não houvesse prédios de
cultos da igreja ou igreja, estudos bíblicos e outros
mesmo  a Bíblia. santos no planeta, você ainda
necessitaria de vida eterna. Se
naufragasse e fosse parar em uma ilha deserta, você ainda ne
cessitaria de vida eterna. A essência do evangelho vai ao encon
tro dessa necessidade básica. A promessa fundamental debaixo
do Novo é a vida divina restaurada na humanidade.

C o n h e c im e n t o l iv r e s c o ?

A fim de assimilar o que significa ter vida, é bom divorciá-la do


que costumamos chamar de igreja. Por exemplo, um obstáculo
1 ljoão 5 .11-13, grifo nosso.

184
Nãonoscasamoscomgentemorta

à compreensão do evangelho verdadeiro como restauração de


vida é a obsessã o pelo “conhec imento livres co” .
Não me entenda mal — adoro a Palavra de Deus. Este meu
livro tem como fundamento salientar verdades espirituais da

Bíblia. Masconhecer
Livro sem devemoso ter o cuidado
Autor. O que para nãoimporta
de fato dominarmos o
se formos
eruditos no estudo da Bíblia e não soubermos nada sobre mani-
festar a verdadeira vida? Jesus adverte para não nos envaidecer-
mos do conhecimento livresco em questões espirituais:

, porque
Vocês estudam cuidadosamente as Escrituras
pensam que nelas vocês têm a vida eterna. E são as Escri-
turas que testemunham a meu respeito; contudo,vocês
não querem vir a mim para terem vida.1

A afirmação de Jesus nos permite enxergar uma verdade


importante aí revelada: o que mais importa é a vida dele em
nós. Não devemos presumir que alguém que tem por profissão
estudar a Bíblia seja uma nova criação. Além disso, não deve-
mos equiparar “especialista em Bíblia” a maturidade espiritual.
Com certeza não são a mesma coisa. Longe disso, na verdade!

Como no tempo
der o que de Jesus,
as Escrituras aqueles
dizem (nãoque se envaidecem
o que de enten-
querem dizer!) são os
que mais resistem ao conselho do Espírito Santo.

O “TESTEMUNHO" DO PAI
— Não sei o que dizer! — meu pai murmurou enquanto se le-
vantava para falar ao povo todo da igreja.
— Você pensará em alguma coisa — respondeu minha mãe.
Ela era cristã fazia pouco tempo, mas meu pai ainda não
estava em Cristo. Independentemente disso, o pastor da igreja

2 Joã o 5.39 ,40, grifo nosso.


0evangelhonu

que eles frequentavam o convidou para dar seu testemunho em


uma manhã de domingo.
Meu pai era advogado, homem de negócios e político. Tinha
alguma influência na região norte da Virgínia, onde vivia minha
família. Talvez por esse motivo, o pastor o escolheu para falar
à congregação e dar seu testemunho. Na verdade, papai não
tinha nada para dizer. Não estava em Cristo, tampouco com
preendia o caminho da salvação.
Quando acabou de falar, a platéia bateu palmas e assobiou.
Depois do culto, muitos foram à frente apertar-lhe a mão e pa-
rabenizá-lo pelo excelente testemunho.
Mas afinal, o que papai disse? Em resumo, ele falou sobre a
importância da fé, da vida na igreja e de criar os filhos em um
ambiente cristão. Comentou quanto as pessoas eram importan
tes para ele devido ao amor que demonstravam e ao apoio que
davam a sua família. Foi o que produziu os aplausos e cumpri
mentos. Não houve nenhuma menção da obra de Jesus Cristo.
Nada sobre aceitar a vida de Jesus. Só retórica sobre a impor
tância da igreja, da fé e dos valores cristãos. Ainda levaria um
ano para meu pai tornar-se nova criação em Cristo.
Compartilho essa história verídica para ilustrar como os
cristãos às vezes são incapazes de discernir entre verdade espi
ritual e uma conversa religiosa sonora aos ouvidos. Acho que a
história também demonstra como algumas pessoas conseguem
crer sinceramente, como aconteceu a meu pai, que fazem parte
da igreja quando na verdade não estão em Cristo.
Embora alguns participem ativamente dos programas da
igreja, oferecendo-se como voluntários a torto e a direito e até
ministrando ensinamentos eloquentes sobre a importância da
fé e da vida cristã, isso não significa que o novo nascimento
tenha acontecido. Não devemos perder de vista a importância
da cirurgia do coração. Sem a cirurgia interior promovida por

186
Nãonoscasamoscomgentemorta

Deus, qualquer expressão exterior de dedicação à igreja é pura


perda de tempo e energia. Afinal de contas, há coisas mais inte
ressantes para fazer com nosso tempo do que brincar de igreja!
Impressiona constatar que
cerca de 80% a 90% da igre- N ão d ev em o s
ja primitiva não sabia ler nem perderde VÍSta a
escrever. Isso significa que eles importânciada
não faziam estudos bíblicos in- cirurgia do COraçãO.
dividuais, nem se mantinham
atualizados em relação aos últimos lançamentos de literatura
cristã. Apesar do analfabetismo, esses crentes foram usados
para propagar o evangelho rapidamente mundo afora. Foram
torturados, apedrejados e mortos pela fé, e de bom grado sub
meteram seus testemunhos àqueles que procuravam destruí-los.
Como eles conseguiram ser cristãos tão fortes sem um “mo
mento silencioso'’ diário com a Palavra? Certamente somos
afortunados por termos a Palavra de Deus ao alcance das mãos
hoje. Mas só o estudo da Bíblia não substitui a posse e a ma
nifestação da vida — a mesma vida que os membros da igreja
primitiva tinham.

MAIS DO QUE A CRUZ


A vida eterna é a vida de Jesus. Ele se declarou “a ressurreição
e a vida” e “o caminho, a verdade e a vida”.3Também afirmou:
“ [...] Porque eu vi vo, vocês também vive rão ” .4 É evidente que
nossa vida eterna está vinculada a ele. Na verdade, nossa nova
vida espiritual é a vida dele.
Por isso não temos um pacote de presentes espirituais a nossa

espera no céu. Temos Jesus Cristo em nós neste exato momento.


3 V. João 11 .25; 14.6.
'' Jo ão 14.19.
0evangelhonu

Na verdade, é a sua vida que nos salva. Reconhecemos a im


portância do sangue de Jesus para nosso perdão. No entanto,
a morte de Jesus isoladamente não é suficiente para nos salvar!
Sua morte na cruz não propicia a vida de que precisamos. E a
ressurreição de Jesus que nos salva:

Se quando éramos inimigos de Deus fomos reconci-


liados com ele mediante a morte de seu Filho, quanto
mais agora, tendo sido reconciliados, seremos
salvos por
sua vida\s

Não creio que devéssemos separar a obra de Jesus em acon


tecimentos individuais e tratá-los como se ocorressem de modo
independente uns dos outros. Afinal, não haveria ressurreição
sem a morte. Mas há um ponto importante aqui: o sangue de
Jesus não nos traz à nova vida. O sangue traz perdão de peca
dos, nada mais. Portanto, não devemos dar-nos por satisfeitos
apenas entendendo o significado da cruz. Devemos insistir em
que há mais do que meramente
Devemosinsistirem perdão. E achamos o que bus
que há mais do que camos por meio da compreen
são da ressurreição e do que ela
meramente perdão. significa para nós pessoalmente.

P intor d a vida

Muitos cristãos tentam expressar o que a ressurreição quer di


zer para eles individualmente. Tenho perguntado a vários gru
pos o que a ressurreição significa para eles e geralmente não
obtenho resposta que vá além da decla ração de que ela demons

trou o poder de Deus sobre a morte. Isso é tudo? Paulo afirmou


que, se não há ressurreição, sua mensagem como um todo não

s Ro m ano s 5.10, gri fo nosso.

18 8
Nãonoscasamoscomgentemorta

faz sentido e somos dignos de pena por nossas crenças!6 Deve


haver mais na ressurreição do que uma exibição de poder da
parte de Deus. Ele já o demonstrou através da criação, do dilú
vio, das profecias cumpridas, dos milagres e até da ressurreição
de Lázaro dentre os mortos.
Felizmente, há mais 11a ressurreição. A vida que carregamos
dentro de nós não é Jesus, o Homem, que viveu, ensinou e mor
reu depois de trinta e três anos sobre a Terra. Claro, faz parte
do histórico dele. Contudo, a vida alojada em nosso interior é
o Cristo ressurreto, agora assentado ao lado de Deus. Por isso,
ninguém está pedindo que imitemos os atos registrados de Je
sus de Nazaré. Somos, porém, convidados a permitir que Jesus
faça o que ele sempre fez — ser ele mesmo. O Cristo ressurreto
quer fazer isso através da nossa personalidade única em cada
momento de cada dia.
Imagine bilhões de telas exclusivas ao longo da história —
de tamanhos, formatos e texturas diferentes. O Mestre pintor
quer reproduzir expressões de si mesmo sobre nossa vida. Você
poderia dizer: “ Quem sou eu para manifestar a vida de Deus?” .
Mas Deus quer deixar a marca dele em sua vida com belas
pinceladas, como só ele consegue combinar na criação de uma
obra-prima. Embora Deus tenha expressado seu coração nesse
tipo de pintura incontáveis vezes no decorrer da história, deseja
fazê-lo ainda outra vez na sua e na minha tela, zeloso do pró
prio trabalho.
De alguma forma, isso produz arte de qualidade em estilos
sempre diferentes.V
.

V. lCoríntios 15.12-19.
27

P erm i ta - m e contar u m a história . Q uero que você conhe

ça o caso de Steve e Andréa, que namoraram durante a facul


dade e resolveram ficar noivos. Quando convidaram o pastor
da igreja para realizar a cerimônia de casamento, ele se sentiu
honrado por poder fazer parte de um dia tão importante para
o casal. Eles eram perfeitos um para o outro, e todo mundo
concordava com isso.
Mas então, a apenas um dia do casamento, Steve caiu duro
no chão, morto instantaneamente por um ataque cardíaco. Não

tinha histórico de problemas no coração nem dera nenhum si


nal que levasse alguém a pensar em um fim tão chocante. O
aspecto mais difícil de todo o ocorrido foi menos sua morte do
que a maneira como Andréa lidou com tudo isso.
Steve já parecia estar morto, mas mesmo assim a equipe mé
dica o encaminhou rapidamente para a emergência. Andréa o
acompanhou na ambulância. Quando chegaram ao hospital, no
entanto, era evidente que não havia mais esperança. O pastor
encontrou-se com Andréa ali e as primeiras palavras que ouviu
sair dos lábios dela foram: “ Eu ainda quero me casar com ele!
Não me importa se ele se foi. Ainda o amo. E nós vamos pros
seguir com o casamento” . O pastor ficou sem saber o que dizer.

190
Nãonoscasamoscomgentemorta

Decorridas vinte e quatro horas, o momento da cerimônia


chegou e Andréa ainda não mudara de ideia. Insistia em que
tudo deveria continuar conforme o combinado. O que era para
ser um casamento agora se transformaria em uma combinação
de casamento e funeral. Pela primeira vez, o pastor conduziría
duas cerimônias ao mesmo tempo. Suas instruções foram para
oficiar o enterro de Steve e depois proclamá-los, ele e Andréa,
marido e mulher. Em consideração a Andréa, ele concordou em
fazer as duas coisas.
Quando a cerimônia começou, metade dos convidados se sen
tia triste pela morte do amigo. Ao mesmo tempo, os convidados
de Andréa derramavam lágrimas de alegria pela união dela com
Steve. E o pastor estava espremido no meio, sem saber o que sen
tir. O momento mais constrangedor de todos foi quando Andréa
se inclinou sobre o caixão para beijar o noivo e caiu lá dentro!
Cada detalhe dessa história é pura ficção. Mas desejo ilustrar
uma questão importante: Não nos casamos com gente morta.
Seria muito estranho fazê-lo. Mas não somos a noiva de Jesus
Cristo? E ele viveu há dois mil anos. Estamos espiritualmente
casados com uma pessoa morta? A resposta é não, lógico. E
importante entender que estamos unidos ao Cristo ressurreto,
não a um mestre religioso falecido.
Alguns cristãos vivem equivocadamente obcecados por tudo
o que o Jesus histórico fez nos quatro Evangelhos. Decoramos
suas palavras e ações e tentamos imitá-las da melhor maneira
possível. Quando pensamos que somos a noiva de Cristo, às
vezes chegamos a nos imaginar casados só com Jesus de Nazaré
— o homem-Deus que levou uma vida “ boa” durante trinta e
três anos. Mas as Escrituras indicam que estamos casados com
um Cristo eterno, ressurreto.
Um dia talvez tenhamos sido casados com a Lei, mas conse
guimos o “divórcio” com a nossa morte. Renascidos, estamos

191
0evangelhonu

agora recasados com um marido celestial. E nossa união com


ele durará para sempre:

pe rtencerem a
outro, àquele que ressuscitou dos mortos,

Tudo aquilo de que necessitamos está em nosso marido espi-


ritual, Jesus Cristo. Como estamos casados com ele, não preci-
samos mais aguardar ou acalentar esperanças ou mesmo pedir
por recursos espirituais. Já dispomos de todo o necessário para
o planeta Terra, aqui e agora.

ou Então
apenasnão estamos
com casados apenasEstamos
seus ensinamentos. com uma parteem
unidos de Cristo,
espírito
ao Cristo todo. Jesus não se precipita do céu em ocasiões espe-
ciais para nos aconselhar. Antes, a totalidade do próprio Cristo
se junta a nós vinte e quatro horas por dia, sete dias por sema-
na, ininterruptamente.

P l e n it ude

Em Colossenses, Paulo revela a impressionante verdade de que


temos tudo de Cristo dentro de nós: “Pois em Cristo habita
corporalmente toda a plenitude da divindade, e, por estarem
nele, que é a Cabeça de todo poder e autoridade, vocês recebe-
ram a plefiitude.12
Plenitude quer dizer que não nos falta nenhuma porção da
pessoa de Cristo. Nele temos o que necessitamos para avida e a
piedade. ’ Isso não quer dizer apenas que temos o que é necessário

1 Romanos 7.4, grifo nosso.


2 Colossenses 2.9 ,10 , grifo nosso.
5 V. 2Pedro 1.3.

192
Nãonoscasamoscomgentemorta

para compreender a Bíblia, ou o que se exige para conduzir um


culto na igreja. Deus nos tem dado muito mais. Em Cristo encon
tramos tudo aquilo de que precisamos para a vida normal, coti
diana. Deus conhece os recursos necessários para a vida terrena e
incluiu tudo na vida que temos por meio de Cristo:

A constatação de que já temos tudo em Cristo Jesus impac-


ta nossa abordagem da vida diária. Se tivéssemos uma simples
passagem para o céu, não haveria nenhum poder para viver
o presente.

R ealização
Às vezes tentamos viver uma vida religiosa na esperança de ob
ter recompensas no céu. Mas é muito difícil, se não comple
tamente irrealista, viver na dependência de algo tão distante

no futuro.
possa Emborapor
soar prática a ideia
uma de conquistarnatural,
perspectiva recompensas
não temfuturas
raiz
na Palavra de Deus. A motivação para o viver diário dentro do
Novo Testamento gira em torno de agir como a pesso a que você
de fato é, beneficiando-se da vida de Cristo aqui e agora.
Paulo insta os crentes a que andem de maneira digna de
sua v oca ção .5 Em Rom anos, ele chama a atenção p ara o ensi
namento de que não há nenhum benefício no pecado, o qual
acab a resultando em morte.6 Ninguém nos diz em momento *V .

ZPedro 1.3.
V. Efésios 4.1.
V. Romanos 6.21-23.

193
0evangelhonu

algum para levar uma vida correta a fim de que alcancemos


uma posição mais justa ou colecionemos prêmios no céu. Pelo
contrário! Somos convidados com insistência a nos apropriar
mos de uma verdade espiri

Quando nos tual importante: quando nos


aproximamos aproximamos de Jesus Cristo,
deJesusCristo, recebemos sua vida. Por meio
recebemossuavida. da expressão de Cristo em nós,
encontramos realização.

UMAHISTÓRIAANTIGA
E possível ouvir um enunciado com tanta frequência que aca
bamos não dando o devido valor às palavras que o compõem
e seu significado subjacente. A expressão nascido de novo tem
sido usada e, às vezes, abusada a ponto de muitos se tornarem
insensíveis para o que ela de fato significa. Todavia, há uma
verdade valiosa a ser descoberta aqui. Afinal, são palavras do
próprio Jesus!
Segue uma antiga conversa entre Jesus e um especialista lo
cal na Lei:

Ein resposta, Jesus declarou: “Digo-lhe a verdade:


Ninguém pode ver o Reino de Deus, se não nascer
de novo” .
Perguntou Nicodemos: “Como alguém pode nasc er,
sendo velho? E claro que não pode entrar pela segunda
vez no ventre de sua mãe e renascer!”
Respondeu Jesus: “ Digo-lhe a verdade: Ninguém
pode entrar no Reino de Deus, se não nascer da água
e do Espírito. O que nasce da carne é carne, mas o que
nasce do Espírito é espírito”.

Jono 3.3-6.

194
Não nos casamos comgente morta

Primeiro, eliminemos uma noção que se costuma difundir


sobre essa passagem. Essa história nada tem a ver com o ba
tismo em água. Jesus está falando aqui de dois nascimentos
necessários para entrar no Reino. O primeiro é o nascimento
natural, ou seja, aquele em que se nasce bebê de mãe humana.
O segundo é o nascimento espiritual. Ele é descrito de duas
maneiras: “ nascer de ág ua” e “ o que nasce da carne é carn e” .
O nascimento espiritual é também descrito de duas maneiras:
“ nascer [...] do E spírit o” e “ o que nasce do Espírito é espírito ” .
Alguns têm usado essa passagem para defender a ideia de
que “não há salvação sem o batismo pela água”, mas nada po
dería estar mais longe da verdade. Jesus está dizendo que o bebê

se aloja com naturalidade dentro da água no ventre da mãe. No


dia do nascimento, ele nasce da água. Ao entregar-se a Jesus
Cristo, ele então nasce literalmente pela segunda vez, em espí
rito. Deus providencia um novo espírito humano, e o Espírito
do próprio Deus vem residir dentro dele. A afirmação de que a
pessoa deve ser mergulhada no tanque de água local a fim de
alcançar o renascimento espiritual não encontra respaldo no
contexto da passagem.

em Oque
parto é um acontecimento
testemunhei o nascimentoincrível. Jamais
de Gavin, esquecerei
nosso filho. O omais
dia
incrível foi que ele pareceu sur
gir do nada. Um ser humano em Deus literalmente
toda sua complexidade se for nos deu à luz
mou de esperma e óvulo dentro através  de seu
de uma esfera com água durante Espírito.
um período de nove meses.
Lembro de tudo pelo que minha esposa passou — os enjoos
matinais, as dores do parto e a alegria que irrompeu no nasci
mento de Gavin. Experimentar isso em primeira mão conferiu-
-me novo entendimento do Espírito Santo “ dando-nos à luz” em
0  evangelho nu

termos espirituais. Há algo de extraordinário a ser aprendido


com a descrição feita por Jesus da salvação como o nascimento
do Espírito. Se Deus literalmente nos deu à luz através de seu
Espírito, o que isso revela sobre nossa “ genética'’ espiritual?

O PARADOXO DA LUZ
Na virada do século, os físicos estudavam a luz com o intui
to de determinar-lhe a natureza. Alguns publicaram provas de
que se tratava de uma partícula , enquanto outros fizeram vá
rias experiências e determinaram que era uma onda. Quando
a luz brilha através de frestas estreitas, por exemplo, produz
desenhos como de ondas, semelhantes ao que vemos na água
do mar. Mas, quando a luz brilha em prótons e elétrons, colide
com essas partículas e quica feito uma bola de bilhar. Portanto,
comporta-se como uma partícula.
Apesar dessas descobertas conflitantes, fico feliz em esclare
cer você acerca da natureza da luz. Ela é uma partícula ou uma
onda? A resposta, definitiva, é sim. A luz é sim uma partícula
e uma onda. De alguma forma, consegue ser as duas coisas ao
mesmo tempo. Por um ângulo, parece uma partícula. Ao mes
mo tempo, um exame mais acurado revela que é uma onda.
Como o mistério da luz, os efeitos da nossa vida espiritual
podem ser igualmente desconcertantes. Devo supor que resul
tam de Cristo em mim, operando por meu intermédio? Ou sou
eu — que estou em Cristo — que exercito minha vida diária? A
resposta, de novo, é sim.
Tal qual a luz é tanto partícula quanto onda, tanto é Cristo
em nós quanto nosso eu que vive a vida cristã. Erra quem diz que
é tudo Cristo e que agimos como tubos ocos. Também é inade
quado imaginar a vida cristã como um foco apenas na identidade
— ou seja, que operamos as coisas por conta própria. Trata-se,

196
Não nos casamos com gente morta

sim, de uma união espiritual —


Trata-se de uma
um mistério que foi oculto e tem
união esp irituai — 
sido agora revelado. Estamos
um mistério quefo i
unidos com Cristo. Ele é nossa
ocult o e tem sido
fonte de força, e nós somos no- agora revelado.
vos, justos e compatíveis com
ele como nosso recurso.
É ele ou somos nós? Sim, são as duas coisas.

197
28

N atureza e educação sã o dois conceitos muito diferentes.


Os cientistas trabalham para tentar descobrir se determinadas
características e certos comportamentos dentro de uma espécie
se devem à natureza ou à educação. Em muitas igrejas hoje,
parece que enfatizamos a educação como meio de crescimento
espiritual. Dizem que devemos concentrar-nos na educação por
meio da participação em pequenos grupos, do estudo bíblico
pessoal e de eventos especiais que nos incentivem a assumir no
vos compromissos.
Claro, algumas dessas coisas podem ser proveitosas. Mas
será que você enxerga o mesmo que eu? A Bíblia fala sobre
considerar-nos mortos para o pecado e cientes de que Deus
nos elevou e assentou com ele.* 1À luz dessas verdades acerca
da nossa natureza , lemos que
Vejo a igreja hoje não devemos permitir ao pe
operandocomo cado dominar, mas sim manter
qualqueroutrogrupo a mente nas coisas lá do alto.2
social focado na N ão se está falando sobre edu
moralidade. cação, mas sobre natureza!

V. Romanos 6.12; Colossenses 3.2.

198
Não noscasamos com gente morta

Com frequência demasiada, vejo a igreja hoje operando


como qualquer outro grupo social focado na moralidade. É
hora de acordarmos e de nos conscientizarmos de que nascer
do Espírito quer dizer ter uma vida incrível em nosso interior.
Porque já somos diferentes por dentro, podemos viver de ma-
neira diferente por fora.

D o COMEÇOAOFIM

Nós, humanos, somos rápidos em mudar estratégias. Se uma


abordagem não satisfaz, logo opta mos por outro cam inho. Após
a experiência da salvação, alguns se impacientam com o plano

natural de Deus
alternativos para o crescimentoMas
de “amadurecimento”. e se otornam presas
caminho de meios
genuíno do
crescimento é bastante claro: “Portanto, assim como vocês re-
ceberam Cristo Jesus, o Senhor, continuem a viver nele”.3
Afinal, como recebemos Cristo Jesus? Ouvindo a verdade e
crendo nela. Então como crescemos nele? De novo, por meio da
exposição à verdade e mantendo a mente sempre na verdade.
Simples, não é? Então por que essas coisas são negligencia-
das tão frequentemente como caminho para o crescimento?
Talvez por serem simples demais. Quase dois mil anos atrás,
o apóstolo Paulo estava preo-
cupado com que os crentes se A mensagem de
afastassem da simplicidade da "Je sus e mais
mensagem e se voltassem na nada”  do início ao
direção de outro evangelho — fim costuma ser
algo que na verdade não seria excessivamente
evangelho nenhum. A mesma humilhante para
preocupação o incomodaria engoiirmos.
hoje com relação à igreja.

3 Colossenses 2. 6, grifo nosso.

199
0 evangelho nu

A mensagem “Jesus e nada mais”, do início ao fim, costuma


ser excessivamente humilhante demais para engolirmos. Em seu
lugar, optamos por saltar através de arcos de fogo com o intuito
de impressionar Deus. Claro, só confiamos nele para a salvação
e para nos garantir um lugar no céu. Contudo, em se tratando
de vida diária, é difícil entender que ele quer ser nosso recurso
e carregar o fardo.

EM MEMÓRIA
O crescimento não acontece porque nos esforçamos. Não acon
tece por uma abordagem tipo “dois passos para frente e um
para tr ás” . O crescimento genuíno acontece quando abso rve
mos a verdade acerca do que já somos e já possuímos em Cristo.
Os cristãos não devem ficar sentados passivamente, aguar
dando para receber algo novo — mais purificação, mais Es
pírito Santo, ou mais do que seja lá o que for que o ensino
popular diga estar faltando em nós. Possuímos tudo aquilo de
que necessitamos para uma vida cristã verdadeira. Temos um
Reino inabalável, uma aliança eterna e todas as bênçãos espiri
tuais. Somos completos, nada nos falta. A única reação lógica
é passarmos a vida lembrando uns aos outros essas verdades
extraordinárias e dando graças ao nosso Deus.
Pedir e possuir são opostos extremos. A partir do momento
em que uma pessoa está em Cristo, ela tem quem a possua,
não alguém que lhe pede coisas. Vemos essa questão ilustrada
na ceia do Senhor. Não devemos tomar parte na celebração a
fim de obter algo. Antes, devemos celebrar a ceia do Senhor em
memória de Jesus Cristo. Assim como essa celebração se baseia

exclusivamente na obra de Cristo, devemos conduzir todos os


nossos interesses à luz do que ele tem feito.
Agradecer a Deus por toda bênção espiritual e em seguida
pedir-lhe mais paciência, por exemplo, é ignorar Cristo dentro
20 0
Não noscasamos com gente morta

de nós. A paciência não faz parte do que necessitamos para uma


vida dedicada a Deus? Temos ou não implantada em nós toda
a paciência de que precisamos? Ao longo das Escrituras, Deus
responde a essa pergunta com um sim retumbante. Porque te
mos o próprio Cristo e, como a Cristo não falta paciência, já
temos tudo de que precisamos.

DEUS EM PRIMEIRO LUGAR?


Acho até divertido quando ouço a frase ponha Deus em primei-
ro lugar. O que ocuparia o segundo lugar? Deus em primeiro,
o país em segundo e a família em terceiro? Essas coisas podem
ser importantes para nós, mas Jesus não cabe em uma lista com
outros itens. Ele tem um status todo próprio. Como ele “é a sua
vida ” ,4 está conosco, em nós, unido a nós e presente em todos
os aspectos da nossa vida. É tudo para nós: “Porque para mim
o viver é Cristo e o morrer é lucro” .5
Veja bem, o apóstolo não diz que Cristo é importante para
ele. Afirma que “ viver é Cristo” . Paulo não tenta dar a Cristo
um lugar apropriado entre outras coisas. Ele reconhece o fato de
que Cristo é tudo para ele. Podemos balançar a cabeça em sinal
de concordância, dizendo: “Sim, Cristo é tudo para mim”. Mas
compreendemos a verdade de que Cristo reside logo abaixo da
nossa humanidade? Que na verdade está fundido a nós? Paulo
prende nossa atenção com algumas declarações radicais:

Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu


quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora
vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me
amou e se entregou por mim.6

4 V. Colossenses 3.4.
5 Filipenses 1.21
6 Gálatas 2 .20.

201
0evangelhonu

Paulo afirma ter participado de uma espécie de crucificação


e, como resultado, Cristo agora vive nele. Muita gente interpre
ta essa declaração como simbólica, se verdadeira, ou insana, se
falsa. Mas afirmar qualquer coisa menos que isso é adotar um
evangelho parcial. O centro do Novo é que por meio de Cristo
recebemos o que perdemos por meio de Adão, ou seja, a presen
ça literal do divino.
Esse é o verdadeiro cristia
Cristo reside logo nismo. Uma promessa de céu
abaixo da nossa não é restauração de vida. Es
humanidade. tudar um livro escrito pelo pró
prio Deus continua não sendo
restauração de vida. Frequentar reuniões semanais no interior
de um prédio não é restauração de vida. Nem a mudança drás
tica de comportamento é restauração de vida. Claro, tais coisas
podem resultar da restauração de vida. Mas com certeza não
são meios de vida, nem uma confirmação da experiência da
vida. A restauração da vida acontece quando o próprio Deus,
por intermédio da pessoa de Cristo, reside em nós.
Qualquer coisa menos que isso é religiosidade frágil.

VIOLÃOCLÁSSICO
Quando me matriculei no último semestre da faculdade, falta
vam poucos créditos para eu me formar. A fim de impressionar
a garota com quem eu estava saindo, resolvi inscrever-me em
um curso de violão clássico. Evidentemente, se há uma coisa
que não sou é músico.
Não pode ser tão difícil assim , pensei. Bem, eu estava pres

tes a me surpreender!
incumbência Minha —
para o semestre professora de violão me
tocar a introdução deu uma
de “Dust in
the Wind” . Seria meu exame final, de modo que ensaiei a música

202
Não nos casamoscom  gente morta

o semestre inteiro. Dia após dia, estudei os arranjos, movimen


tando os dedos tão depressa e com tanta precisão quanto podia.
Depois de meses de prática, chegou o dia do exame final.
Entrei com o violão em punho e sentei-me para tocar. Cerca
de dez segundos depois de iniciar a música, perdi-me e tive de
recomeçar. Voltei ao início, pois fora assim que memorizara
os movimentos dos dedos. Mais dez segundos e atrapalhei-me
outra vez. Eu simplesmente não conseguia lembrar que corda
tocar em seguida. A mesma coisa aconteceu em mais duas ten
tativas. Afinal, desisti. Agradecí a professora por toda a ajuda
durante o semestre e fui embora.
Enquanto seguia para o carro, lágrimas de frustração escor
reram por meu rosto. Não importava quanto me esforçasse,
eu não era um violonista. Música não era comigo. Eu podia
fazer tentativas débeis de produzi-la por meio de movimentos
mecânicos, mas tocar de fato um violão não era algo natural
para mim.
Compartilho meu triste encontro com o violão clássico para
ilustrar uma questão: Se tratarmos a vida cristã de maneira me
cânica, tentando imitar os atos de Jesus nos Evangelhos, nosso
fracasso será inevitável. A filosofia “ O que Jesus fa ria?” não é a
mesma de “ Cristo em vocês ” . Somos chamado s para olhar para
dentro, para descobrir a vida que nos é instintiva, na condição
de uma nova criação que somos, e para viver a partir dessa vida.
Imitar ações de outros, mesmo do Jesus dos Evangelhos, nada
mais é que um ato raso e mecâ
nico, nem um pouco confiável, Imitaraçõesde
sob pressão. Assim como toda out ros,  mesmo
minha prática de arranjos com do Jesus dos
o violão acabou levando-me ao Evange lhos, nada
fracasso, apenas imitar a ativi maisé que um ato
dade cristã pelos movimentos raso e mecâni co.

203
0evangelhonu

que ela produz não se compara à experiência de ter a vida de


Cristo fluindo naturalmente de sua personalidade.

o MI STÉ RI O
Se você está espiritualmente unido a Cristo, significa que pene
trou um mistério. O mistério da plenitude do evangelho. Qual
quer mensagem que deixa de transmitir esse mistério fracassa
em relação ao evangelho. Esse mistério permaneceu desconhe
cido durante milhares de anos debaixo do Antigo, mas tem sido
revelado no Novo:

Dela [da Igreja] me tornei ministro de acordo com a

responsabilidade, por aDeus


tar-lhes plenamente a mim
palavra de atribuída,
o de apresen-
Deus, mistério que
esteve oculto durante épocas e gerações, mas que agora
foi manifestado a seus santos.7

O que poderia ser mais sério do que participar da natureza


divina? Por intermédio da união espiritual com Cristo, esse mis
tério se torna uma realidade para nós:

tre Aosele [o povo


gentios de Deus]riqueza
a gloriosa quis Deus darmistério,
deste a conhecer
queen
é
Cristo em vocês , a esperança da glória.8

É frustrante agir conforme um sistema de crenças forjado e


não saber por que ele falha com você. Eu sei, porque vivi isso.
M as a mensagem “ Cristo em vocês” é o que conta — a palavra
de Deus em sua plenitude.
A alternativa hoje é uma mensagem que constitui uma par
te imprecisa do todo. A toda nossa volta, somos inundados
Colossenses 1.25,26, grifo nosso.
8 V. Colossenses 1. 27, grifo nosso.

204
Não noscasamos com gente morta

por um evangelho sem brilho que advoga o perdão parcial,


uma motivação cheia de pressão por mudança comporta-
mental e a promessa de recompensas a serem recebidas no
céu ou de um retorno em dinheiro aqui. Essa falsificação é o
motivo pelo qual a igreja às vezes não parece muito diferente
do mundo. E hora de recomeçarmos, se necessário, e buscar
mos a verdade.
Jesus Cristo em nós como recurso para a vida cotidiana é
nossa única esperança de transformação real.

205
29

L ogicamente , às vezes a in d a transformamos a dependên-

cia no Cristo que habita em nosso interior em oportunidade de


autoexame e introspecção. E isso não é em nada melhor do que
qualquer outr o movimento religioso: “ Eu estou permanecendo?
O que preciso fazer para permanecer melhor?” .
O termo permanecer , ao que tenho percebido, costuma ser
usado por aqueles que buscam algo para fazer a fim de manter
a realidade de Cristo vivendo por intermédio deles. A palavra
permanecer significa “viver”, e Cristo já vive nos cristãos! Alguns
transformaram isso em algo além do que Jesus pretendia que fosse.

Cristo permanecer em nós é uma verdade, não uma ordem para


que mantenhamos nossa parte em algum tipo de acordo. Claro,
existem opções minuto a minuto para andar pela fé, mas a religião
do “Tenho de fazer Cristo permanecer em mim” equivale a manter
o foco no próprio eu como nunca foi a intenção do Novo. Por esse
motivo, creio ser valioso tratar de algumas questões relacionadas
com o fenômeno atual de Cristo vivendo por nosso intermédio.

Sa b e r
Se você recebeu a Cristo, ele vive em você e ponto final. Quer
ele viva ou não por seu intermédio em determinado momento,

206
Naonoscasamoscomgentemorta

significa que você está apenas à distância de uma escolha. O Es


pírito Santo não se impõe sobre você nem engana sua vontade.
Ele quer que você responda a seu conselho. A medida que ele
aconselha e você responde, Cristo vive através de você. E sim
ples, não complicado. Na verdade, todos os seus mecanismos
interiores são preparados para essa realidade acontecer. Quan
do você permite que Cristo o aconselhe e se expresse por meio
de sua personalidade, você está cumprindo seu destino.
Cristo vivendo por seu intermédio não é um sentimento.
Não é uma experiência emocional a perseguir. Ter Cristo vi
vendo por seu intermédio na verdade está relacionado a quem
você é e a ser você mesmo. Uma vez que Cristo é sua vida, sua
fonte de verdadeira satisfação, você só se sentirá feliz quando o
estiver expressando. Ao expres
sá-lo, você também expressará CristOvivendo por
quem Deus fez você para ser. Seil intermédio não
Deus não nos atropela. Con- é um sentimento, 
tudo, ele não nos deixa entre-
gues aos nossos próprios artifícios para lidarmos com a vida
e sermos cristãos profundamente dedicados a Deus. Esses dois
extremos podem ser prejudiciais para nosso entendimento do
evangelho. Deus quer que saibamos que seu Filho opera em
nós, por nosso intermédio e conosco desde que nos unimos es
piritualmente a ele. Ter Cristo vivendo por nosso intermédio
começa com saber que a vida dele reside em nós.
Em tudo isso, falamos sobre saber , não sobre sentir.

IGUALAVOCÊ

As pessoas só verão você. E deve ser assim mesmo! Não espere


que elas corram e lhe façam um monte de perguntas porque
perceberam quanto você se parece com Jesus. Quando algumas

20 7
O evangelho nu

pessoas pensam em Jesus Cristo, têm na mente determinada


imagem, a qual pode ter pouco ou nada a ver com o que o Es
pírito Santo está operando em você.
Paulo nos diz que o tesouro da vida de Cristo se encontra
em “ vasos de barro” , a fim de lembrar que a fonte é Deus, não
nós mesmos.1Algumas pessoas talvez observem que uma paz ou
tranquilidade envolve toda nossa vida. Podem também notar que
reagimos a determinadas circunstâncias de maneira incomum.
Ou talvez não percebam absolutamente nada. O ensino popular
de que todo mundo está de olho e de que vivemos em uma casa
de vidro não corresponde à realidade, na qual a maioria das pes
soas está ocupada pensando em si mesma! Contudo, você está
ciente da vida que carrega em si, e é isso o que importa.

EM NOSSAS ZONAS DE CONFORTO


A ideia de que “Cristo em mim” poderia ser assustadora está
enraizada em uma percepção equivocada do caráter de Deus. Por
que não haveriamos de gostar de um Deus que é sempre por nós
e nada guarda contra nós? Se hesitamos em entregar-lhe nossa
vida cotidiana é porque ainda não confiamos em sua bondade.

Claro, talvez saibamos que Deus é bom. Mas “Deus é sempre


bom para comigo” é uma ideia muito diferente. Nosso medo de
depender plenamente de Cristo também pode brotar de não per
cebermos que ele se deleita em nós. Ele não tem o desejo de apagar
nossa individualidade e transfor
mar-nos em clones. Considera
nossos hobbies , nossos interesses
é uma ideia muito e nosso senso de humor, e quer
operar por intermédio deles para
diferente. expressar sua vida.V
.

V. ICorín tios 4.7.

20 S
Não nos casamoscom gente morta

Sempre ouço proclamarem em alto e bom som a necessidade


de que Deus nos tire da nossa zona de conforto. Com certeza,
a vida cristã não é uma promessa de navegação por águas plá
cidas e circunstâncias fáceis. Contudo, é importante saber que
temos sido reedificados para manifestar Deus. “Cristo em nós”
inclui as áreas mais confortáveis da nossa vida. Somos feitos
para expressá-lo, e qualquer outra coisa é anormal e desconfor
tável para nós.

Q ue re r e realizar

Deus não nos obrigará a fazer coisas que não queremos. Pelo
contrário, a Bíblia ensina que Deus opera em nós para desejar
mos (querermos) e agirmos a fim de cumprirmos seu bom pro
pósito.2 Isso significa que desejaremos de verdade o que Deus
quer. Se algo não foi colocado em nosso coração, não é dele.
Deus opera no nosso coração e na nossa mente para induzir-
-nos a andar em seus caminhos. Não nos pede para levarmos
uma vida que não desejamos viver. Pelo contrário, ele põe os
desejos de Cristo em nós, de modo que só nos damos por felizes
quando os satisfazemos. Tenhamos consciência disso ou não,
nosso
Às maior
vezes, desejo
quandoé asexpressar Cristo ao cada
pessoas ouvem verboinstante.
entregar-se, ima
ginam que seu sucesso depende da decisão de ir ou não para o
campo missionário. Essa ideia é enganosa, uma vez que a maio
ria dos crentes precisa conhecer Cristo nas circunstâncias atuais
da vida, em vez de tentar alterá-las. Embora alguns possam aca
bar mudando de profissão ou de residência, a maioria dos filhos
de Deus é feita para um cenário que já conhece.

Vocêprecisa
Cristo está aberto
mudarpara
suasCristo viver na vida
circunstâncias atual
a fim de diária? Ou
que você

2 V. Filipenses 2.13.

209
0 evangelho nu

acredite que ele pode viver em você? Temos de entender que


Cristo é compatível com nossa humanidade, não importa onde
vivemos nem o que envolve nosso cotidiano.
Um dos motivos pelos quais
Jesusdemonstrou Jesus nasceu como bebê e pas
que a humani dade  é sou trinta e três anos em carne
capaz de m anifestar humana genuína foi demons
odivino. trar que a humanidade é capaz
de manifestar o divino.

Em busca d e evidências ?
Claro, a ideia de ter Jesus vivendo por meio de sua persona
lidade pode levar a uma espécie de medição. As vezes as pes
soas se tornam introspectivas com relação a isso tudo: “Estou
dependendo o suficiente? Jesus está de fato vivendo por meu
intermédio? Tenho obras suficientes que demonstrem isso?’'.
Talvez nenhuma outra passagem alimente essa introspecção
mais do que Tiago 2. Por isso, devemos considerar o verdadeiro
contexto do capítulo bíblico sobre as obras da fé. Tiago está
mesmo dizendo para analisarmos o registro histórico da nossa

vida cristã a fim de determinarmos se confiamos de fato? Nosso


autoexame deve chegar a esse ponto? Ou esse capítulo, verda
deiro ponto de referência, trata, na verdade, de outra questão?
Ao longo da história, muitos têm-se debatido com essa pas
sagem. Martinho Lutero defendeu que Tiago não deveria fazer
parte do cânone bíblico por causa dessa passagem sobre as
obras da fé! Reconheçamos, não é fácil, à primeira vista, con
ciliar o ensino de Tiago 2 com os ensinamentos de Romanos,
por exemplo, que afirmam que somos justificados apenas pela
fé e não pelas obras.’13

3 V. Romanos 3. 28; 9.30-32.

21 0
Não noscasamos comgente morta

Tiago 2 afirma com clareza que somos justificados pelas


obras também, não só pela fé. Tentar contornar essa passagem
dizendo que ela se refere às obras após a salvação é errado.
O texto pergunta especificamente: “ [...] Acaso a fé pode salvá-
-lo?” .4 Além diss o, a pass agem trata repetidas vezes de alguém
ser justificado diante de Deus, uma condição que se alcança
na salvação. Sem dúvida, para Tiago, somos justificados pelas
obras, não só pela fé. A questão mais importante, contudo, é: O
que Tiago quer dizer com “ ob ras ” ?
Creio que a chave para entendermos esse texto é evitar que
nossa mentalidade de século XXI participe da discussão, em
especial no que diz respeito ao termo obras. Em vez de presumir
que o termo obras deve ser entendido como o registro de uma
vida inteira de atividade religiosa, alguém deveria consultar o
texto bíblico e deixar que o próprio autor definisse o termo.
O uso que Tiago faz de obras é muito diferente de como o em
pregamos hoje.
Tiago explica que até os demônios creem nos pontos bási
cos do cristianismo — que há um só Deus e assim por diante.5
Ele nos mostra a diferença entre
balançar a cabeça em sinal de
O propósito de
concordância com uma fé mor Tiago2étransmitir
ta versus manifestar a fé viva.
a ideia de que a
A passagem tem o propósito
fé sem decisão ou
de transmitir a ideia de que a fé
reaçãoémorta.
sem decisão ou reação é morta.
Tiago usa dois exemplos do
Antigo Testamento, Raabe e Abraão, para explicar a justifica
ção pelas obras. As duas personagens responderam à mensa
gem de Deus. Não ficaram sentadas passivamente, afirmando
4 Tiago 2.14.
5 Tiago 2.19.

211
0 evangelho nu

crer em Deus. Raabe decidiu abrir sua porta para os espiões,6


e Abraã o optou por oferecer s eu filho sobre o altar.7 Ambos
foram além da mera aquiescência intelectual e fizeram algo em
resposta à mensagem de Deus.
Mas quantas vezes Raabe abriu a porta? Uma. E quantas
vezes Abraão ergueu seu filho Isaque sobre o altar? Uma. Por-
tanto, nessa passagem, as obras não têm a ver com o registro
histórico de uma vida inteira de bom comportamento. Têm a
ver com a importância de responder à verdade — gesto que vai
além da concordância intelectual. Tiago 2 poderia ser resumido
pela seguinte linha de pensamento:

• Som os justificados pelas obras (mas as obras precisam ser


definidas pelo contexto).
• As obras são atos como os pratic ados por Ra abe e
Abraão.
• A fé viva implica abrir uma porta (da sua vida) — uma
obra.
• A fé viva implica oferecer alguém (você mesmo) — uma
obra.
• Assim , fé viva implica decisão — uma obra.
• Qualquer fé sem decis ão é apenas fé morta.

Tiago 2 informa que a decisão pessoal é necessária a fim


de que a verdadeira salvação aconteça. Quem parece desistir
da fé em Jesus são aqueles que apenas se associaram a certas
doutrinas por um motivo qualquer. Esses podem abandonar o
movimento do cristianismo; podem abandonar os cristãos, às
vezes acompanhados de ressentimento pessoal; mas não aban-
donam Cristo, uma vez que nunca o conheceram. Concordar *V
.
V. Jos ué 2.1.
V. Gênesis 22.3.

212
Não nos casamo s comgente morta

com determinadas doutrinas é uma coisa, mas abrir a porta de


sua vida e receber a vida de Cristo é completamente diferente.
Uma vez analisado em contexto, Tiago 2 não entra mais em
conflito com Romanos ou qualquer outra passagem sobre a cen-
tralidade da fé. Temos de reconhecer que o trecho de Tiagonão
parece referir-se à experiência pós-salvação. Ele trata especifica
mente da questão “ [...] Acaso a fé pode salv á-lo?” .8A partir daí,
devemos apropriar-nos do uso que o próprio Tiago faz do termo
obras consultando os exemplos que ele dá. O propósito do au
tor é contrastar a mera concordância intelectual com a fé ativa,
salvadora, que envolve receber a
vida de Cristo. Quando Cristo Se você abriu a
parou à porta e bateu, você res port a da sua vida,
pondeu abrindo a porta, como creioquesatisfez
fez Raabe? Se sim, creio que sa a “exigên cia" de
tisfez a “exigência” dessa passa Tiago2.
gem historicamente controversa
sobre a obra da fé.
Tiago 2 não nos convida à introspecção e a avaliação do
registro histórico das boas obras que praticamos; no contexto,
parece contrastar a fé morta (a declaração apenas intelectual)
com a fé viva (verdadeira convicção seguida de decisão).
Nunca devemos esquecer que se espera que a verdade venha
libertar-nos\

* Tiago 2.14.

213
A taque ao ego

Existe um elemento perigoso na verdadeira apre-

D.sentação
Martynda doutrina da salvação.
Lloyd-Jones (1899-1981)
30

Q uando f u i professor na U niversidade de Notre Dame,


moramos em uma casa de três quartos no centro de South
Bend. Os dois quartos extras serviam a propósitos muito es
pecíficos. Um era para hóspedes, o outro funcionava como
meu escritório. Mantínhamos o de hóspedes impecável, por
precaução. Nunca sabíamos quando teríamos uma visita de
última hora. Meu escritório, por outro lado, era um desastre
total. Livros velhos, jornais e equipamentos ficavam espalha
dos por toda parte. Era difícil andar pelo quarto sem pisar
em lixo.
Imagine-se atravessando um corredor da sua casa. Digamos
que você procura um lugar para jogar alguma coisa fora. Onde
seria mais provável que você a deixasse? No quarto de hóspe
des? Ou em meu escritório? Em meu escritório, imagino. Bem,
obrigado. Agradeço muito! Não, entendo a opção por meu es
critório. Ele já está cheio de lixo, de qualquer forma.
Com esse cenário em mente, deixe-me fazer-lhe uma pergun
ta importante: a que quarto você corresponde — ao escritório,
sujo, ou ao aposen to de hóspedes, impec ável? C omo você se vê?
Suas respostas a essas questões determinam o que você faz com
o lixo que atravessa pelo caminho.

217
0 evangelho nu

Imagine que um pensamento pecaminoso percorre sua men-


te. Se você for o escritório sujo, por que não acrescentar mais
um pouco de lixo à pilha? Já que está sujo, não terá grande im-
portância. Mas, se for o quarto de hóspedes limpo, o lixo não
combinará. Parecerá deslocado.
No ssa posição como santos co mpletamente perdo ado s e jus-
tos nos é concedida antes de chegarmos ao céu por uma razão.
Ela tem tudo a ver com a vida cotidiana. No momento em que
nos é apresentado um pensamento pecaminoso, como nos ve-
mos? Como pessoas sujas ou limpas? Pecaminosas ou justas?
Pecadoras ou santas? Se somos pecadores sujos, então por que
não acrescentar mais um pecado à pilha sem dar grande impor-
tância ao fato? Mas, se nossa dívida foi quitada e somos agora
justos como Cristo, o pecado não combina mais conosco.
Ele fica deslocado.

L i m po s  pelo  resto  d a v i d a

Alguns temem que o ensino da Nova Aliança leve de alguma


forma as pessoas a cometerem mais pecados. Nada poderia

estar maisconscientes
estarmos distante dadoverdade. O próprio
estado limpo Deus declarou
é o caminho que
para que
aconteça a mudança no nosso
Alguns temem  comportamento. Na verdade,
que o ensino  da qualquer outra coisa que não
Nova Aliança leve essa motivação para a vida reta
dealgumaforma não é o evangelho em ação.
aspessoasa A seguir há duas passagens
bíblicas que relacionam dire-
cometer em mais tamente o conhecimento que
pecad os. Nada
poderia esta r mais temos sobre perdão e nova
distantedaverdade identidade com nossas escolhas

218
Ataque ao ego

comportamentais diárias. É fácil perceber que as crenças sobre


o estado espiritual de cada um de nós podem afetar nossos atos:
Por isso mesmo, empenhem-se para acrescentar à sua
fé a virtude; à virtude o conhecimento; ao conhecimento
o domínio próprio; ao domínio próprio a perseverança;
à perseverança a piedade; á piedade a fraternidade; e à
fraternidade o amor. Porque, se essas qualidades existi
rem e estiverem crescendo em sua vida, elas impedirão
que vocês, no pleno conhecimento de nosso Senhor Je
sus Cristo, sejam inoperantes e improdutivos. Todavia,
se alguém não as tem, está cego, só vê o que está perto,
.'
esquecendose da purificação dos seus antigos pecados

Aquele que ouve a palavra, mas não a põe em práti


ca, é semelhante a um homem que olha a sua face num
espelho e, depois de olhar para si mesmo, sai e logo
es-
quece a sua aparência.1

O que tememos de fato quando o assunto é crer em nossa con


dição de limpos e justos, que não pode ser alcançada diariamente
por confissão ou súplica? Acreditamos mesmo que isso nos levará
adirmais pecados?
perdão Qual a diferença entre pecar primeiro e depois pe
versus já estar perdoado e então pecar? A primeira op
ção revela de alguma forma mais humildade ou é mais espiritual?
Na realidade, o tempo que gastamos pecando não aumentará se
concordamos com Deus acerca do sacrifício “uma vez por todas”
de seu Filho. Acontecerá o oposto. Começaremos a perceber que
nosso passado está em branco diante de Deus. Veremos que Jesus
Cristo realiza esse feito com o intuito de permanecer em nós a cada

instante de cadaincondicional
de sua presença dia, aconteça vem
o queo acontecer. Comnão
poder de dizer a consciência
ao pecado.

2Pedro 1.5-9, grifo nosso.


Tiago 1.23,24, grifo nosso.

219
0 evangelho nu

Em Efésios, Paulo também trata da atitude de perdoar e


libertar os outros de qualquer coisa que tenham feito. O ra
ciocínio dele é que recebemos o mesmo tratamento do Pai
celestial: “ Sejam b ond osos e com pas sivo s uns para com os
outros, perdoando-se mutuamente, assim como Deus os per
doou em C ris to ” .3 Em essência , Paulo es tá dize ndo: “ Passe
isso adiante!”.
Tendo examinado nosso perdão “uma vez por todas” em
Cristo, essa passagem pode significar muito mais. Como afir
mação global, Deus declara que não mantém nenhum registro
das nossas ofensas. Não temos como começar a compensá-lo.
Ele nos libertou do que lhe devemos, mesmo que continuemos

aque
fazer a mesma
temos coisa
feito, ou repetidas vezes.
esquecermos Se nuncanosso
por completo percebermos
pecado, o
ele ainda assim nos perdoará.
Nosso perdão não está condicionado à nossa memória,
ao nosso sofrimento ou pedido de perdão. Depende exclusi
vamente do que foi realizado no Calvário. Esse é o perdão
incrível que Deus escolheu para nós por intermédio da obra
acabada do Filho.
A luz desse perdão que tudo abrange, Paulo insiste co
nosco a que permitamos que nosso coração amoleça e faça
a mesma de claração aos outros: “ Você se livrou d ess a!” .
Podemos escolher libertar os outros assim como Deus nos
libertou, mesmo que eles nun-
Permitamos que ca percebam o que fizeram,
nossocoração ou se o fizerem de novo. Você
amoleça e faça a vê como o entendimento do
mesma decl aração perdão “ uma vez por to d as” é
aos outros:  “Você essencial para libertar as pes
se livrou dessa!” . soas sem condicionantes?

3 Eíésios 4.32.

220
Ataque ao ego

AQUESTÃO DO EU
Mas não é só nosso perdão que conduz ao bom comportamen
to. Paulo também faz uma conexão direta entre identidade e

comportamento:
Não mintam uns aos outros, visto que vocês já se
despiram do velho homem com suas práticas e se reves
tiram do novo, o qual está sendo renovado em conheci
mento, à imagem do seu Criador.4

Trata-se apenas de um exemplo da importância que é es


tarmos ciente da nossa nova identidade em Cristo. As pessoas

contam mentirasautoedifi
outros motivos para se proteger ou para
cantes. Com umaadiar a dor —inabalável
identidade ou por
e todas as nossas necessidades satisfeitas em Cristo, não fomos
projetados para viver com medo. Portanto, vemos aqui uma
pequena porção da lógica divina aplicada à questão do com
portamento: “Não mintam, porque vocês são nova criaç ão ” .
Eis outro exemplo. Estes versículos nos dão discernimento
sobre o que deve motivar nossas expressões de perdão e graça
para com os outros:

Portanto, como povo escolhido de Deus, santo e


amado, revistam-se de profunda compaixão, bondade,
humildade, mansidão e paciência. Suportem-se uns aos
outros e perdoem as queixas que tiverem uns contra os
outros. Perdoem como o Senhor lhes perdoou.5

Paulo primeiro reafirma nossa verdadeira identidade. Em


seguida, reconhece que temos a opção de nos revestir de uma

4 Colossenses 3.9,10 .
Colosse nses 3.12,13 .

221
0evangelhonu

coisa ou de outra. Incita-nos a “usar” qualidades que combi


nam com quem somos e com o modo pelo qual Deus nos trata.
A expressão “ revistamse ” fala de trajes espirituais. Em re
sumo, Paulo está dizendo: “ Que roupa você vai usar hoje?” .
Assim como acordamos a cada manhã e escolhemos o traje
que vestiremos, também selecionamos do que nos revestiremos
espiritualmente.
A ideia soa como religião opressora para você? Não é, nem
um pouco! Paulo está apenas apelando ao nosso bom senso,
dado por Deus, para sugerir escolhas saudáveis. O resultado da
complacência para com a carne pode ser estressante e causar
divisão. Mas viver a nossa nova identidade resulta em paz, sa
tisfação e unidade.
VERSÍCULOS SOBRE COMPORTAMENTO
O comportamento acompanha o Novo muito de perto. Com
certeza não age como condição para o Novo. Perdoamos por
que fomos perdoados. Libertamos as pessoas porque fomos li
bertos. Vemos os outros como Deus vê porque também fomos
feitos novos como um presente.
As passagens sobre comportamento preveem nosso destino.
Faz sentido buscá-las e ansiar por elas, uma vez que saciam
nossa sede de conformidade com Jesus Cristo. São como um
mapa para poupar tempo e manifestar quem de fato somos. E,
quando vivemos o que somos, experimentamos paz:

De nada vale ser circuncidado ou não. que


O impor-
Paz e misericórdia estejam so
ta é ser uma nova criação.

bre todos os que essa regra, e também


andam conforme
sobre o Israel de Deus.6

6 Gálatas 6.15, 16, grifo no sso.


Ataque aoego

Podemos forjar todo tipo de doutrina e motivação para a


vida reta. Mas a única coisa que importa de fato é a nova cria
ção. E, quando nos concentramos no fato de sermos algo novo
e na presença de Cristo em nós, nosso comportamento muda.
Há quase dois mil anos, o
apóstolo Paulo escreveu milha- 0comportamento
res de palavras implorando que a c o m p a n h a 0 NOVO
a igreja deixasse a Lei para trás, muito de pert o,
tornasse central a obra acabada
de Cristo e descobrisse quem eles eram de verdade. Creio que
faria uma admoestação semelhante à igreja hoje:

Celebrem o Novo!
Descubram quem vocês são de verdade!
E então sejam vocês mesmos e mais nada!
F iquei petrificado ante a ideia de me casar. Katharine e eu
fomos amigos durante quatro anos e depois namoramos por
um ano e meio. Ela era bonita, inteligente e sincera em seu de
sejo de conhecer a Deus mais profundamente. Divertíamo-nos
muito juntos também!
Minhas restrições na verdade nada tinham a ver com
Katharine. Eu sentia tanto medo de cometer um erro que
mal conseguia avançar no relacionamento. Uma noite, no
entanto, reuni coragem para pedir-lhe em casamento e
ficamos noivos.
O dia do nosso casamento foi o pior possível. Meu nível
de ansiedade estava tão alto que quase dei meia-volta e saí
correndo da igreja. Queria casar com Katharine, porém mal
conseguia respirar!
Após a cerimônia, não sabia muito bem como me sentia.
Mas, na manhã seguinte, acordei e experimentei uma estra
nha paz. De repente, as emoções tão fortes e negativas do

dia anterior haviam desaparecido. Nos meses e anos que se


seguiram, assisti ao nosso relacionamento de casados pros-
aerar e fortalecer-se. Deus esteve conosco o tempo todo, sem
sombra de dúvida.

224
Ataque ao ego

A VONTADE DE DEUS
Então, por que toda a ansiedade e estresse antes do casamen
to? De novo, nada disso teve a ver com Katharine. Saber se eu
estava ou não na vontade de Deus ocupava tanto meu coração
que eu mal conseguia agir. Na verdade, isso acontecera repeti
das vezes com vários namoros no início da minha vida adulta.
Eu ficava paralisado e não sabia o que fazer. Orava pedindo
respostas, mas Deus nunca parecia dizer nada.
Minha criação incluiu forte ênfase na descoberta da vontade
divina. Fui ensinado que Deus tem uma vontade perfeita e ou
tra, permissiva. A vontade perfeita de Deus é como um ponto
negro no centro de um alvo, ao passo que sua vontade permissi
va se assemelha aos anéis externos ao alvo. Acertar na vontade
permissiva me garantiría uma experiência de segunda catego
ria. Nosso objetivo é acertar na mosca — a vontade perfeita de
Deus. Como fazemos isso? Bem, basta seguirmos sua direção.
Como saberemos o que ele quer que façamos? Basta ouvir. E, se
você não conseguir ouvi-lo, significa que não está esforçando-
-se o suficiente. Ou você talvez esteja surdo para a voz de Deus
devido aos pecados em sua vida.
É desnecessário dizer que
essa visão da vontade de Deus Essa visão da
paralisa quem a adota, pois vont ade de Deus
Deus não está interessado em paralisa.
controlar cada mínimo movi-
mento nosso. Tampouco nos envia mensagens secretas sobre
quais decisões tomar, se nos esforçarmos o suficiente para ouvir.
Por ter caído vítima de erro em relação à vontade de Deus, eu
era como um cervo iluminado pelos faróis de um carro quando
chegou a hora de tomar uma das decisões mais importantes da
minha vida — o casamento.
0 evangelho nu

Após passar por um processo estressante de tomada de deci


são, decidi descobrir a verdade sobre a vontade de Deus. Con
sultando as Escrituras, concluí que a vontade de Deus se resume
ao seguinte:

• que ninguém pereça, mas que todos creiam


(ITimóteo 2.4; 2Pedro 3.9)
• que a salvaç ão chegue aos judeus e aos gentios
(Efésios 1.5—2.22)
• que apresentemos nosso corpo a ele todos os dias
(Romanos 12.1,2)
• que demos muito fruto

(João 15.8; Colossenses 1.9-12)


• que oremos ao longo de tod a a nossa vida
(ITessalonicenses 5.16-18)

Em essência, a vontade de Deus é que Cristo viva em nós e


;e expresse por nosso intermédio enquanto nos apresentamos
ransp ar entes diante dele.
A visão bíblica da vontade de Deus acabou revelando-se
Irasticamente diferente daquela que eu ouvira. Isso pôs um fim
io meu eterno questionamento de estar ou não “na vontade de

)eus” com relação a decisões cotidianas.


Ao descobrir que a vontade de Deus é Cristo em mim e Cris-
o por meu intermédio , percebi que Deus estava atrás de cada
•orta, até da porta do pecado. Não estou dizendo que não há
•roblema em pecar, ou que Deus deseja que pequemos. Claro
ue não! Mas ele quer que eu escolha ou não determinada por-
a na vida, Deus sempre estará lá, porque ele está em mim. Não
penas comigo , mas em mim. Portanto, para onde quer que eu
á, ali está Deus!

226
Ataque ao ego

MEDO DA LIBERDADE
A liberdade de escolha pode ser algo assustador. Significa que
ficar passivo enquanto espero Deus decidir por mim não faz o
menor sentido. Significa ser responsável e aprender com as con
sequências. Mais importante ainda, significa passar pela vida
sem mensagens secretas que levam a escolhas seguras e bem-su
cedidas o tempo todo. Em última análise, significa que o futuro
está envolto em certo ar de mistério. Embora a visão inexata da
vontade de Deus seja atraente para a carne, não há nada como
viver e crescer debaixo da liberdade de escolha.
Enquanto eu analisava o estresse experimentado com meu
casamento, observei que o próprio apóstolo Paulo expressou
sua liberdade relativa ao mesmo tema, declarando o seguinte
acerca de si e de seus colegas apóstolos: “Não temos nós o di
reito de levar conosco uma esposa crente [...]?” .1E mbora Paulo
fosse livre para escolher uma mulher crente, sabemos qual foi
sua decisão final. Depois de examinar todas as possibilidades,
ele resolveu que era melhor permanecer solteiro, provavelmente
por causa da situação difícil da igreja primitiva. Afinal de con
tas, é um ato de amor casar com uma mulher quando a pessoa
sabe ser bem possível que esteja a ponto de ser martirizada?
Portanto, embora tivesse liberdade para casar com uma mu
lher crente, Paulo usou do bom
senso dado por Deus e resolveu Muitoscristãos
não fazê-lo. ficam parali sados
A tese que defendo é que enquantoesperam
muitos cristãos ficam para que Deus lhes diga
lisados enquanto esperam quecarrocomprar,
que Deus lhes diga que carro quecasaadquirir
comprar, que casa adquirir ou ou com quem casar.

1 1Coríntios 9.5.

227
0 evangelho nu

com quem casar. Esse sistema de tomada de decisão pode


parecer muito espiritual, mas não é bíblico.

D o C OR AÇ ÃO
Quando constatamos que som os nova criação, dotados de novo
coração e nova mente, podemos viver como Deus deseja. Con
seguimos acordar cada manhã e perguntar: “O que eu quero
fazer?” e “O que faz mais sentido?”. Somos capazes de confiar
que, se algo não for motivado por apetites carnais, é santificado
pelo fato de que uma nova criação o está realizando. Somos li
vres para viver nossos desejos, uma vez que com nosso coração,
nossa mente, nossos hobbies e nossos interesses, somos agora
separados em tudo o que fazemos.
Isso é liberdade! Assustador? Talvez. Mas estamos em po
sição muito melhor se vivermos com base no que é bíblico de
:ato, em vez do que sentimos ser Deus. À medida que nos move-
nos em direção à maturidade e agradecemos a Deus por poder-
nos aprender com as opções passadas, experimentamos Jesus,
jue jamais nos deixará nem desamparará.
Então, o que você faz depois de ter meditado e até orado
>edindo sabedoria, mas Deus não decide por você? O mais
mportante em relação a decisões difíceis é aprender sua nova
dentidade em Cristo, viver de acordo com seu coração e sua
nente e desfrutar a vida!
Você não tem de sucumbir à paralisia da análise. Cristo está
m você, e você está em Cristo.
Então Deus está por trás de cada porta!

228
32

M inha esposa , K atharine , é uma mulher e tanto — esposa

incentivadora, grande mãe, pesquisadora cientista e capita de


barco a vela. Em uma de suas expedições noturnas velejando
até as Bahamas, Katharine enfrentou circunstâncias que a fize
ram arriscar a vida. Acompanhada de alguns amigos, ela se viu
presa a um recife de corais em mar aberto, a uma longa distân
cia de outras embarcações ou da terra firme. Katharine era uma
marinheira experiente, mas cometeu um erro potencialmente
fatal. Leu o mapa das marés ao contrário, de modo que a maré

baixa foi interpretada como alta.


Enquanto o veleiro se assentava sobre o topo do recife, a
água foi ficando cada vez mais agitada e a embarcação adernou
com o vento. Dois amigos de Katharine saltaram pela amurada
e nadaram sob o barco, a fim de analisar a dimensão do estrago
que o coral causara no casco. O veleiro seria feito em pedaços?
Conseguiriam arrastá-lo para fora do recife sem causar danos
mais graves? Após alguma investigação, concluíram que o cas
co estava intacto, mas parecia não haver maneira de retirar a
embarcação da posição em que entalara.
A única solução era esperar. Eles passaram horas naquele
lugar, até que a maré subiu e os resgatou dos recifes. Imagine o

229
0 evangelho nu

alívio experimentado quando enfim eles chegaram ao porto nas


Bahamas — terra seca, chuveiro de água quente e boa comida.
Alcançar o destino significou muito mais para eles, consideran
do os obstáculos encontrados no caminho.

O erro de leitura do mapa por parte de Katharine deixou-os


2111situação difícil e estressante, sem um porto seguro à vista.
Os cristãos hoje podem experimentar algo semelhante se não
intenderam com precisão a Nova Aliança. Não estou falando
iqui de investir tempo lendo palavras em uma página. Foi o
}ue Katharine fez com os mapas! O problema é que ela os in-
:erpretou equivocadamente e chegou ao significado errado. Do
nesmo modo, podemos achar que sabemos o que a Palavra diz,

lias será que


;a própria sabemos
vida? Tenhomesmo qual alguns
conhecido seu significado para
estudiosos da aBíblia
nos-
nuito sá bios que vivem cheios de ansiedade, sem um “ porto
;eguro” na vida.
Hebreus 4 fala sobre o descanso do sábado, um porto seguro
)ara o povo de Deus. Entrando no descanso divino, repousamos
las nossas obras, como Deus fez após a criação. Esse porto seguro
uma atitude espiritual que adotamos porque a obra de Cristo
stá completa. A ressurreição nos permite relaxar em um local pro-
egido — sossegados, cientes de que estamos em segurança, de que
omos aceitos, perdoados e justos. Quando a maré baixa da vida
ob a Lei ameaça prender-nos a um banco de corais de pecado, po-
emos recorrer aos “mapas” de novo. O entendimento apropriado
a Nova Aliança nos permitirá encontrar o porto seguro.
Este livro trata da minha in
0entendimento terpretação errada dos mapas
apropriadoda e de como eu, e outros iguais
Nova Aliança nos a mim, encontramos um por
perm itirá encont rar to seguro. Lembra da pesquisa
o porto seguro. DESCUBRA à que me referi

23 0
Ataque ao ego

no Capítulo 2, mostrando que mais de um quarto dos cristãos


maduros se sente estagnado ou insatisfeito com sua vida es
piritual? Mas é quase impossível continuar insatisfeito depois
que se encontra a verdade em todo seu poder transformador
de vida. Oro para que você, como muitos outros, colha benefí
cios do esclarecimento de todas as idéias intrincadas que temos
acrescentado à mensagem no decorrer dos anos — da verdade
desnudada, do evangelho nu.

“A c a b ou "

Tenho tentado fazer do evangelho nu algo tão transparente e fácil


quanto as Escrituras apresentam. O evangelho real deveria ser de
fácil compreensão para jovens e velhos, letrados e iletrados. Afinal,
ele foi transmitido com sucesso a milhares de pessoas por pescado
res sem nenhum grau particular de formação educacional.
Entendê-lo pelo que ele é não deveria exigir um novo voca
bulário extrabíblico. Como a criança que sabe o significado de
“ acab ou” no fim de uma boa refeição, Deus tem proclam ado a
seus filhos de maneira simples e enfática:

• Seu relacionamento com a Lei acabou.


• Seu velho homem acabou.
• Seus pecados acabaram.
• Todos os obstáculos que impediam a proximidade acabaram.

E incrível como o evangelho nu é de fato simples e direto.


Na verdade, a maior parte da minha exposição do Novo envol
ve mais um desaprendizado do que um aprendizado. Uma vez
removida a confusão do nosso armário teológico, o evangelho
brilha forte outra vez. E de novo se torna um benefício podero
so e prático em nossa vida, momento após momento.
0 evangelho nu

Se o evangelho é real, transformará vidas radicalmente, mas


também suscitará controvérsias. Onde quer que o evangelho ver
dadeiro seja ensinado, ele resulta em acusações falsas de vários ti
pos. Pense em João, por exemplo, que se viu obrigado a esclarecer
que o evangelho promove a vida reta, embora ainda pequemos:
Meus filhinhos, escrevo-lhes estas coisas para que
vocês não pequem.Se, porém, alguém pecar, temos um
intercessor junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo.1

De semelhante modo, encontramos Paulo reagindo à mes


ma acusaç ão, ao responder : “ Continuaremos pecando para
que a graça aumente?”. Suas palavras foram: “De maneira ne
nhuma! Nós, os que morremos para o pecado, como podemos
continu ar vivendo nele?” .2A o que tudo indica, alguns tinham
acusado Paulo de ensinar que não era problema usar nossa
liberdade para o pecado.3
Quando nos confronta, a graça pede questionamentos e traz
acusação. No entanto, a graça, sem a menor condição de arruinar
:oisa alguma, deve ser ensinada a despeito da reação que provo-
:ará. Dada a natureza radical da mensagem genuína, as seguintes
aalavras de D. Martyn Lloyd-Jones podem mostrar o teste decisi-
/o ao qual submeter qualquer pregação que optemos por ouvir:

Não há melhor teste para saber se um homem está


realmente pregando o evangelho da salvação do Novo
Testamento do que este. Algumas pessoas podem enten
der e interpretar errado, achando que tudo se resume a
isto, que pelo fato de sermos salvos só pela graça, não
importa o que se faça; pode-se continuar pecando tan
to quanto se desejar, pois isso redundará em ainda mais
.
*V
ljo ã o 2.1, gr ifo no sso.
Romanos 6.1-2.
V. Romanos 3.8; Gálatas 5.13.

232
Ataque ao ego

glória da graça.Se minha pregação e minha apresenta-


ção do evangelho da salvação não expuserem essa com-
preensão equivocada, então não se trata do evangelho.
[...] Existe uma espécie de perigo envolvendo a verdadei
ra apresentação da doutrina da salvação.4

Ao compararmos lado a lado perdão, liberdade, identidade


e nova vida, encontramos um evangelho que à primeira vis
ta parece perigoso. No entanto, ao aprofundarmos a análise,
descobrimos quanto nosso Deus é brilhante ao conceber uma
aliança à prova de bala que produz relacionamento real e trans
formação real em nossa vida.

M ensagem à prova d e bala


Quando alguém se preocupa com a possibilidade de o perdão
incondicional e “ uma vez por tod as” levar a mais pecado s, po 
demos assegurar-lhe que Deus não foi ingênuo ao implementar
essa ideia na cruz. No alto do Calvário, Deus também tratou
do nosso desejo íntimo de pecar. Em Cristo, morremos para o
pecado e não mais o desejamos. Por outro lado, quando as pes
soas entenderem a nova identi
dade em Cristo e deixarem de Descobrimosquanto
satisfazer as próprias expecta nossoDeusé
tivas irrealistas relacionadas a brilhanteaoconceber
seu desempenho, poderemos uma alianç a à prova
confortá-las com a realidade do debala.
perdão “ uma vez por tod as” .
Quando alguém sente que já adquiriu compreensão intelec
tual do perdão e da identidade, mas ainda lhe falta “poder”
para promover uma transformação real em sua vida, podemos

4 L loyd -J on f .s , D. Martin. The New Man: An Exposition of [Romans] Chapter 6.


London: Batmer ofTruth, 1972. p. 8,9, grifo nosso.

233
0evangelhonu

lembrá-lo da vida em Cristo que ele possui — sua presença e


seu poder sobre o pecado. Por outro lado, às pessoas que já des
cobriram a vida de dependência do Cristo ressurreto, mas ain
da se deixam levar pelo que não estão fazendo ou por quanto
não
estãoaodando,
mesmas podemos
lembrá-las resgatá-las
de que de viverem
foram libertas medindo
do sistema a si
da Lei.
Em resumo, o verdadeiro evangelho é uma mensagem à prova
de bala que consiste basicamente em bom senso espiritual de to
dos os ângulos. Faz sentido bíblico e prático, e não existe nenhum
versículo em todas as Escrituras que lhe estrague o esplendor.
Pense nisso. Se Deus sempre quis para nós a mensagem his
tórica genuína, então cada passagem bíblica deve encaixar-se à
luz das verdades mais poderosas e abrangentes.

Vivo DE NOVO!
“Minha Bíblia ganhou novamente vida para mim. As palavras
saltam da página como nunca antes, e consigo compreender de
verdade o que estou lendo pela primeira vez.” Ao longo dos anos,
:enho ouvido declarações como essa inúmeras vezes. E não é dis
so mesmo que o cristianismo trata? Ser aconselhado por nosso
Consolador pessoal enquanto mergulhamos profundamente em
;ua Palavra? E, uma vez que nos conscientizamos da realidade da
'"Jova Aliança, as coisas se tornam muito mais claras.
Então, você foi despertado para quanto é bom o que temos
lo lado de cá da cruz?
Em caso positivo, só existe uma coisa sensata a fazer.
Agradecer a Deus.

23 4
Parte 1: Transtorno do
cristianismo obsessivo

Em que sentidos você acredita que chegar ao fundo do


poço o prepara melhor para compreender o verdadeiro
significado do evangelho?

Há áreasao
chegado emfundo
sua vida nas quais
do poço? você
Em caso sente que
positivo, pode
o que ter
Deus
pode estar tentando dizer a você, se é que ele está tentan-
do dizer alguma coisa?
Por que você acha que tantos frequentadores de igreja expe-
rientes estão estagnados? Em sua opinião, o que lhes falta?
Parte 2: Religião é dor
de cabeça

• Quem é sua personagem favorita do Antigo Testamento?


Você já parou para pensar que tem um relacionamento
com Deus melhor do que ela desfrutou? Como a consta

• tação
O quedesse
Deusconceito pode afetar
está tentando sua vida
dizer-lhe hojediária?
com o fato de
que Jesus nasceu na tribo de Judá e não da linhagem sa
cerdotal de Levi e Arão, como mandava a Lei?
• Quando você pensa em Hebre us 7.18, como a ideia de
viver baseado na Lei se mostra “ fraca e inútil” em sua
vida? Existem circunstâncias em que você precisa concor
dar com o fato de que a Lei foi “ revo gada” ?
• O Novo é simples e direto, mas até a igreja primitiva lu ta
va contra o acréscimo de condições a ele. Como fazemos
isso hoje?
• Um equívoco comum diz que Deus escreve a Lei de M oi
sés no coração dos crentes. O que há de errado com essa
visão? Como você esclarecería essa questão para alguém?
• Se um amigo dissesse a você: “ Sei que não estou deb aixo
da Lei, mas continuamos precisando de regras e princí
pios cristãos para guiar nosso comportamento”, como
você reagiría?
• Qu ais são suas hesitações em relação a ab an do na r “ a
Lei” como sistema e confiar plenamente no novo cami
nho de Deus?

238
Parte 3: Cruzando
fronteiras

• Você já tinha pen sado que o Nov o começa com a morte


de Jesus e não com seu nascimento? Como isso impac-
ta sua visão de Jesus quando ele ensinava seus conter
râneos judeus?
• De que maneira uma nova com preen são da linha divisó 
ria entre a Antiga e a Nova Aliança afetaria seu estudo
da Bíblia?
• Com o você tem se saído em relação ao s ensinos de Jesus
que ordenam: “Arranque-o [seu olho] e lance-o fora”, “Se
a sua mão direita o fizer pecar, corte-a e lance-a fora”,
“ Sejam perfei tos” e “ Venda tudo o que v ocê po ssu i” ? En
tender a cruz como o grande divisor entre o Antigo e o
Novo ajuda você a identificar o propósito de Jesus nesses
ensinamentos? Como?

239
Parte 4: Ateando fogo
às matrioskas

• Para você, o que significa saber que Cristo é sua vida? Em


que sentido isso difere de Cristo ser meramente parte da
sua vida?
• O que um cristão concluiría se acreditasse que tem uma
“natureza pecaminosa” em oposição à luta com a carne?
• Como o poder do pecado faz-se passar por você em sua
vida?
• De que maneira a compreensão da presença do pecado
torna você mais responsável por seus atos?
• O que você diria a alguém que acha que reconhecer o po
der do pecado é mudar a culpa de lugar, insinuando que
“ o Diabo m e obrigou a f azê-lo” ?
• Você acredita que isso tudo seja mera semân tica? Se não,
como acha que o entendimento da carne, do poder do
pecado e da sua verdadeira identidade em Cristo pode ser
útil em uma situação cotidiana?

240
Parte 5: Traindo Jesus

• De que maneira você às vezes demonstra certa falta de


confiança na natureza “ uma vez por to da s” do perd ão?
• Mesmo alguns seminários da maior qualidade se referem à
“ morte expiatória de Cristo ” nas declarações doutr inárias.
Mas qual é a falha no termo expiação como é empregado
no Antigo Testamento (com o significado de “cobertura” )?
• De que maneira a imagem de Cristo como Sacerdote as-
sentado à mão direita do Pai impacta a sua perspectiva de
como Deus o vê?
• A ideia de que pedir perdão não é bíblica é nova para
alguns cristãos. Em sua opinião, qual a diferença entre
pedir e agradecer? O que faz que o agradecimento a Deus
pelo perdão esteja mais de acordo com as Escrituras?
• Que benefício existe em confe ssar seus pecado s para ou 
tra pessoa? Como essa prática poderia ser mal interpreta
da, mal utilizada ou mesmo abusada?
• Com o uma perspectiva acurada de lj o ã o 1.9 nos impede
de confundir a questã o do perdão “ uma vez por t odas ” ?
• Se o medo do julgamen to ou a expectat iva de recom pen
sas não deve ser nossa motivação para a vida cotidiana, o
que deve propiciar-nos maior motivação?

• conselho?
Em sua percepção,
Saber essaqual a diferença
diferença entre condenação
ajuda alguém que se sentee
atormentado pela culpa e por pensamentos condenató-
rios? Em que sentido?

241
Parte 6: Não nos casamos
com gente morta
• Por que você considera importante ent ender o significado
da morte de Jesus e de sua ressurreição?
• Como o fato de saber que você tem tudo aquilo de que ne-
cessita para a vida que honra o Senhor afeta sua vida diária?

E sua vida de oração? E seu relacionamento com as pessoas?


• O mistér io “ Cristo em vo cê s” é difícil de son da r? Como
sua perspectiva do sentido e propósito da sua vida mu-
daria, por saber que Cristo habita literalmente dentro
de você?
• Como a perspectiva de ser “ salvo pela vida de Cristo” in-
fluencia seu entendimento a respeito da segurança eterna
para os crentes?

• messe,
O que entregar
você diriaa vida
a alguém
diáriaque hesitasse, ou mesmo te-
a Cristo?
• A Bíblia diz para continu armos a viver nossa vida em
Cristo do mesmo modo que recebemos Cristo como Se-
nhor (Colossenses 2.6). Qual foi sua atitude ao receber
Cristo como Senhor? Em que ela se assemelha à atitude
que você pode ter enquanto vive sua vida nele?

242
Parte 7: Ataque ao ego

• Como você acredita que uma compre ensão sólida da


Nova Aliança impactará suas atitudes e seu comporta-
mento diariamente?

• Qual das duasserprincipais


você acredita mais eficazrazões para
em sua vidaevitar
— nãoo termos
pecado
sido projetados para o pecado ou suas consequências?
• Volte ao questionário da página 22. Reveja cada idem
com toda atenção. Você consegue discernir agora por que
razão cada item do questionário é falso?
• De tudo o que Deus nos concede através da Nov a Alian-
ça, o que tem mais significado para você pessoalmente?
Como isso pode afetar seu relacionamento com Deus no
longo prazo?
• A mensagem da Nova Aliança é radical e poderos a, mas
surpreendentemente simples. Por que você acha que ela
não é ensinada com mais clareza nas igrejas hoje?

2 43
Informações adicionais

Informação adicional 1 (página 62): Cumprir a Lei é coisa que


Deus já realizou em Cristo. Não se trata de um evento continuado
na vida dos cristãos hoje. Deus nos libertou da Lei, de modo que
não estamos sujeitos a ela nem somos supervisionados por ela.1
O Espírito Santo não nos motiva a guardar a Lei mosaica,
nem acho que devemos consultá-la como um guia para o coti
diano. Para isso, temos o Espírito Santo em nós: “Mas, se vocês
são gu iados pelo Espírito, não estão debaixo da Lei” .12Ademais,
se Deus nos motivasse a aderir a Lei, seria a toda a Lei, não a

uma parte apenas. Imagine como seria a tutela do Espírito San


to se ele nos levasse a obedecer a centenas de regras mosaicas.
Acredito estar bastante claro que os crentes não devem
manter nenhuma relação com a Lei. Romanos 7 explica que
morremos para ela e estamos casados com outro Alguém. Deus
encara o retorno à vida fundamentada na Lei como adultério
espiritual. Viver por regras é trair Jesus!

Informação adicio?ial 2 (página 76): O fruto do Espírito é


um fenômeno lindo. A expressão de Cristo excede quaisquer

1 V. G aiatas 3.25.
2 Gálatas 5.18.
0 evangelho nu

conceitos humanos sobre moralidade ou ética. No jardim do


Éden, Adão e Eva cometeram o erro de optar por “conhecer” o
certo e o errado. Entraram no campo da moralidade e da ética,
no qual teriam condições de julgar o bem e o mal. Em vez de
depender da Vida que lhes dera fôlego, escolheram controlar.
Exteriormente, o pecado srcinal não parece tão ruim, nem
seria ridicularizado hoje. Talvez até fosse louvado, assim como
aplaudimos quem busca o que é “certo” segundo sua própria
avaliação. Damos a isso o nome de integridade e autodisciplina.
Mas Deus não ficou nada satisfeito com a decisão dos primei
ros humanos de entrar no campo do certo e do errado.
Deus pretendia que dependéssemos dele sem nos preocupar

mos
uma com
coisa:moralidade
a vida que emanifestamos
ética. Adão eéEva só precisavam
a vida saber de
de Deus. Deviam ter-
-se dado por satisfeitos com isso. Mas a história da queda diz que
eles não estavam satisfeitos. Foram tentados a se contentar com
um substituto, algo que hoje denominamos moralidade e ética.
O que temos a ver com isso tudo? Cristo vive em nós pelo
mesmo motivo que Deus concedeu vida a Adão — para que
possamos depender dele sem levar em consideração nenhum

outro meioPaulo
o apóstolo de vida. Assim também
declarou, como Adão disse um dizer
nós podemos dia, eagora:
como
“ [...] Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim [...]” .3
Se recebemos vida do Espírito, não fomos projetados para
viver pela Lei judaica, segundo regras religiosas, códigos morais
ou mesmo “princípios” cristãos. Receber e transmitir a vida de
Cristo é superior a tudo isso.

Informação adicional 3 (página 82): Como Gálatas ensina,


fesus nasceu debaixo da Lei. Como Hebreus diz, o Antigo não
:oi substituído pelo Novo até a morte de Jesus. Portanto, os
Gálatas 2.20.

246
Informaçõesadicionais

Evangelhos são uma história das interações de Jesus com os


judeus antes que o Novo entrasse em vigor. Qualquer sistema
de crenças que não considere isso deixará o cristão desnortea
do. Tentar misturar com as epístolas os ensinamentos de Jesus
dirigidos aos fariseus e judeus zelosos inevitavelmente resultará
em confusão.
Jesus instrui seus ouvintes a cortar as mãos, a arrancar os
olhos e a ser perfeitos como Deus. Diz que a justiça deles deve
competir com a dos fariseus e vencer. Que eles têm primeiro
de perdoar os outros a fim de serem perdoados. Em resumo,
Jesus desencoraja seus contemporâneos a tentar alcançar a jus
tiça por intermédio da Lei. Faz isso para que mais tarde possa
conceder-lhes a justiça perfeita como um dom, por meio de sua
morte e ressurreição.

Informação adicional 4 (página 82): O livro de Atos não é


composto por uma série de doutrinas projetadas para instruir
a igreja sobre o cotidiano. E, antes, um livro de história, que
detalha as viagens dos apóstolos e o impacto que Deus causou
na igreja primitiva.
Assim, em que poderiamos errar usando-o para formular
doutrinas? Por exemplo, alguém poderia chegar às seguintes
doutrinas equivocadamente, fiando-se nos acontecimentos de
Atos: (1) quando alguém crê na salvação, deve esperar que uma
língua de fogo desça sobre sua cabeça; (2) a pessoa que men
te acerca da renda que vem separando para a igreja pode cair
morta; e (3) falar em línguas estranhas é um dom exercitado já
no momento da salvação. Embora esses eventos ocorram em
Atos, não quer dizer que devam ser ensinados como doutrinas.
A era da igreja primitiva foi de transição. Deus realizava ma
ravilhas a fim de anunciar que Javé a partir de então podia ser
encontrado por intermédio da pessoa de Jesus Cristo. Imagine

247
0  evangelho nu

a energia necessária para apresentar uma aliança inteiramente


nova para quem experimentara o Antigo por tanto tempo. De
igual modo, Deus se moveu de maneiras poderosas para dar
início a seu evangelho entre os gentios que não dispunham de

nenhuma aliança
As faíscas anterior.da igreja primitiva eram algo especial de
que voavam
ser contemplado. Esperá-las com a mesma intensidade hoje com
certeza resultará em decepção. Aquele nível de manifestação não
é necessário. Hoje temos o registro escrito da Palavra de Deus,
traduzido para diversas línguas. A mensagem é agora difundida
praticamente no mundo inteiro. Em muitos lugares (embora não
todos), os mestres do evangelho são recebidos de braços abertos.
Com certeza não era o caso da igreja do primeiro século.
Não estou afirmando a extinção de nenhum dom espiritual.
Quero apenas deixar claro que não se devem criar doutrinas
amplamente aplicáveis a todos os cristãos com base nos acon
tecimentos históricos de Atos.

Informação adicional 5 (página 96): Tirar os Dez Manda


mentos de um crente às vezes é espiritualmente comparável a
tirar o cobertor de segurança de uma criança. Ela pode sentir-se
insegura, mas afastar a muleta é essencial para ajudá-la a ama
durecer. No caso dos adultos, é natural que titubeiem quando
algo que encararam como um alicerce na vida lhes é arrancado,
mesmo que em sentido figurado. No entanto, constatar nossa
libertação da Lei é um passo essencial rumo à maturidade cris
tã. O apóstolo Paulo não mede palavras para deixar clara essa
liberdade para a igreja do primeiro século e para nós hoje.
Nunca houve a intenção de que a Lei servisse de fundamento
para a vida cristã. Não temos o direito de selecionar porções da
Lei mosaica e depois afirmar que elas deveríam controlar os cren
tes; aliás, nem dispomos de base bíblica para isso. Paulo ensina que

248
Informaçõesadicionais

os crentes são conduzidos pelo Espírito e não estão debaixo da


Lei. Assim, também os Dez Mandamentos estão inclusos na des
crição do ministério de condenação que traz a morte. Quem quer
isso em sua vida? Somos informados ainda que os mandamentos,
incluindo os Dez, criam oportunidade para o pecado. A Lei faz o
pecado aumentar, não diminuir. Portanto, devemos esperarmais
luta e mais pecado se a adotarmos como guia de vida. Por outro
lado, nossa libertação da Lei é resultado direto da libertação do
poder do pecado. Apartado da Lei, o pecado está morto.
No entanto, não devemos ignorar o propósito da Lei hoje.
Ela é santa e perfeita, e tem uma utilidade particular no mundo
atual. Projetada para convencer os pecadores de seu estado cor
rompido, expõe a sujeira no rosto da humanidade. Contudo,
não pode oferecer uma solução. Só Jesus Cristo nos lava do
pecado revelado pela Lei.
Embora a Lei desempenhe um papel importante no mundo
hoje, não tem lugar na vida do cristão. O Espírito vivendo em
nós é o substituto maior de Deus para a obra da Lei. Na verda
de, o que a Lei não pôde produzir em sua inferioridade, Cristo
já o fez, pondo-nos em perfeita posição diante de Deus. Somos

chamados para nos libertar da Lei e nos apegar tão somente ao


Espírito como guia para a vida diária.

Informação adicional 6 (página 125): Se um cirurgião abris


se seu corpo em cima de uma mesa de cirurgia, é claro que
não toparia com o poder do pecado! Do mesmo modo que não
podemos localizar visualmente nosso espírito ou nossa alma, o
poder do pecado também é invisível. Todos os dias ele se ocupa

de Assim
transmitir
como mensagens para nós.
Jesus foi tentado com pensamentos, o mundo e
o próprio pecado nos atraem apelando para os cinco sentidos.
Receber idéias pecaminosas de uma terceira pessoa não serve

249
0 evangelho nu

de indício da nossa natureza ou dos nossos verdadeiros desejos.


Ao reconhecermos o poder do pecado que opera no nosso cor-
po, podemos ter certeza da tentação e ainda assim entender que
somos novos. Podemos concordar com Deus em que o velho
homem se foi e nossa luta não é contra nós mesmos.

Informação adicional 7 (página 128): Os crentes ainda pe-


cam, mas não por causa do velho homem. Ele foi crucificado e
enterrado com Cristo. Se você está em Cristo agora, a pessoa
espiritual que você era foi eliminada. Um novo você ressuscitou
e está assentado com Cristo. Você é uma criação completa men-
te nova, e não há nada de pecaminoso no mais profundo do seu
ser. Cristo vive em seu espírito humano justificado.
Alguns ensinamentos expositivos sobre Romanos giram em
torno da realidade da nossa crucificação com Cristo. O motivo
pelo qual alguns hesitam em afirmar que nosso velho homem
foi removido é o fato de continuarmos pecando. Achamos que
seria uma hipocrisia ensinar que o velho homem foi removido
quando nós mesmos ainda lutamos contra o pecado. Mas o
apóstolo Paulo não era hipócrita, e ele nos dá duas razões sóli-
das pelas quais ainda pecamos.
A primeira é a presença do pecado, um poder que vive em
nós, mas não faz parte de quem somos. O poder do pecado
não é o velho homem. O poder do pecado controlava o velho
homem. O velho homem era escravo do pecado, enquanto o
novo não era. De igual modo, a carne não é o velho homem.
A carne é toda a programação (mentalidade, atitudes, reações)
que se avoluma com o tempo, enquanto a pessoa permite que

o pecado opere em sua vida. Quando somos feitos novos em


Cristo, esse banco de memórias sobre como lidar com a vida
permanece no cérebro. Ainda podemos lançar mão de andar
segundo a carne.

25 0
Informaçõesadicionais

Assim, o velho homem foi aniquilado, mas dois operadores in


terdependentes continuam em ação com o intuito de fazer o crente
pender para a descrença. Por isso ainda pecamos. Se os mestres
ensinassem a presença do pecado e da carne aliado ao ensino sobre

nosso velho homem crucificado, enterrado e morto, não precisa


riam preocupar-se com a possibilidade de alguém presumir que
estivessem propagando a heresia da perfeição sem pecado.

Informação adicional 8 (página 129): Alguns usam a declara


ção de Paulo aos coríntios, “Dia após dia, morro!”,4como com
bustível para a teologia da morte para o eu. Dentro do contexto,
no entanto, a passagem não tem nada a ver com o velho e o novo
en. Paulo defende aqui seu apostolado, só isso. Ele diz que põe
sua vida em risco dia após dia, até mesmo enfrentando bestas
selvagens em Efeso. Refere-se, é evidente, aos perigosfísicos com
que deparava. Isso não é base para uma teologia da morte do eu.
Em Mateus 16.24, Jesus diz: “[...] Se alguém quiser acompa-
nhar-me, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” . Esse
versículo é de fato um convite para nos privarmos da nossa vida.
E isso é o que acontece aos cristãos na salvação. Perdemos nos
sa vida anterior quando somos crucificados com Cristo.5Assim,
para o cristão, prosseguir tentando “morrer para o eu” é ignorar
a troca do velho homem pelo novo, ocorrida na salvação.
O resultado é que os cristãos não precisam morrer para o
eu. Em vez disso, necessitamos crescer em nossa consciência de
quem somos no íntimo. Desse modo, andamos de acordo com
o Espírito, não conforme a carne.

Informação adicional 9 (página 132): “Uma questão me


ramente semântica” é a resposta que ouço com frequência ao

4 1Coríntios 15.31, Almei da Revis ta c Atualizada.


' V. Romanos 6.6 ; Gaia tas 2.20.
0 evangelho nu

presentar a verdade sobre nosso novo eu e o motivo pelo qual


inda lutamos contra o pecado. Na verdade, mão é! O cristão que
>ensa que ainda peca por causa do velho homem está fundamen-
almente enganado a respeito de sua natureza, de seus desejos

erdadeiros e do que a obra da cruz realizou. A questão é que


íão lutamos contra nós mesmos. Isso é importante, pois Jesus
nsinou que uma casa dividida contra si mesma não resistirá.
A verdade da nossa identidade em Cristo tem aplicações mui-
0 práticas. Quando dizemos não para o pecado, não estamos
lizendo não para nós. Quando rejeitamos o pecado e optamos
)or expressar Cristo, estamos pondo em prática nosso destino e
;atisfazendo nossos desejos mais profundos. Embora a carne seja

eia e pecaminosa,
istucioso, nóse não
desonesto somos. Embora
pecaminoso, nós nãoo somos.
poder do pecado
Somos seja
puros,
; nosso coração anseia por aquilo que Deus deseja para nós.

Informação adicional 10 (página 175): Tenho consciência


ie que, à primeira vista, Hebreus 6 e 10 também parecem dar
1 ideia de um julgamento, ou de perda potencial da salv ação
Dara o crente. Darei tratamento completo às duas passagens em
meu próximo livro sobre Hebreus. Aqui quero apenas observar
que o autor de Hebreus se dirige ao s “ inimigos de Deu s” que
arovaram a chuva do evangelho caindo sobre sua cabeça, mas
dela não beberam. Continuaram cometendo o único pecado
mencionado nos dez primeiros capítulos de Hebreus — o pe-
:ado da descrença no evangelho. Nenhum outro tipo de pecado
á citado na epístola antes que essas advertências sejam feitas.
Pelo contexto, fica evidente que o autor está tratando daqueles
que atualmente hesitam em cima do muro; por outro lado com
relação aos verdadeiros crentes declara: “Nós [...] não somos
dos que retrocedem [,..]” .6

’ Hebreu s 10.39.

252
Agradecimentos

Quero agradecer a minha esposa, Katharine. Sem seu apoio


e feedback encorajador, este livro não teria conhecido a luz do
dia. Obrigado, Katharine. Eu amo você!
Agradeço à minha mãe, Leslie Farley. O fato de ela se manter
aberta para o Pai celestial me capacitou a adquirir o gosto pela
verdade logo cedo. Sou grato pelo lar cheio de graça que ela
fomentou enquanto eu crescia.
Gostaria de agradecer também à liderança da Ecclesia. Seu
apoio e encorajamento foram indispensáveis para a conclusão
deste livro. Em particular, agradeço a Rex Kennedy pelo incen
tivo ao longo dos anos e a Chip Polk pelo ardente entusiasmo
em transmitir esta mensagem pelo Ragtown Gospel Theater.

Quero agradecer a Rob Jackson, da Extra Credit Pro-


jects. E um ob rigado especial vai para Beth Ju sin o da Alive
Communications.
Na Zondervan, agradeço a Andy Meisenheimer por tornar
este livro tão melhor. Além disso, sou grato a Dirk Buursma
e a Beth Shagene pela atenção aos detalhes e pelo cuidado na
preparação do manuscrito e do projeto gráfico. Também quero
agradecer a Maureen Girkins, Dudlley Delffs, Ginia Hairston,

Tom Dean, Mike Salisbury, Robin Geelhoed e Jackie Aldridge


por se associarem comigo. Minha experiência na companhia
deles tem sido maravilhosa e eu não poderia encontrar uma
editora que me apoiasse mais.

253
Jesus e nada mais. 100% natural. Sem aditivos nem conservantes.
A verdade que talvez você nunca ouça na igreja. Capítulo a capítulo,
O evangelho nu é um enfrentamento direto ao jargão e ao discurso
ambíguo da igreja pós-moderna. Apresenta uma mensagem simples,
mas capaz de transformar vidas. Com uma nova abordagem às
Escrituras e um estilo livre de apologias, O
evangelho nu desafiará
você a repensar tudo o que conhecia.

“Como saber se um barco a vela se move a toda velocidade?


Prestando atenção ao zumbido do vento. Este livro mostra
como encorpar as velas da sua vida com o vento da verdade
e ganhar velocidade no Espírito de Deus.” — Leonard Sweet,
editor e coautor de
A igre ja n a cu lt ura e m e rgen te

"Que grande 'livro-texto' a respeito de como nos livramos do


embuste religioso e aceitamos o desafio de sermos pessoas
normais e, ao mesmo tempo, cristãos saudáveis." — Steve
Arterburn, fundador e presidenteN ewdo Life Minis tri es

Se você cansou de usar a máscara de 'supercristão', se em seu inte


rior só há desânimo e tédio, leia estelivro e expe
rimente a iberdade
l
que Jesus oferece!

ANDREW FARLEY é pastor da Ecclesia (EcclesiaOnline.com) e


um dos apresentadores do Rea l L ife i n Christ, programa de televisão
transmitido pela ABC-TV na região Oeste do Texas e no Novo México.
Professor de linguística aplicada na Texas Tech University, Andrew
vive em Lubbock, Texas, com a esposa, Katharine, e o filho, Gavin.

ISBN-13:978-85-383-0217-9

V
Vida
www.editoravida.com.br Categoria:VIDACRISTÃ:Crescime ntoesp iritual
a n

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