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Souza AC, Colomé ICS, Costa LED, Oliveira DLLC.

A educação em saúde

ARTIGO
com grupos na comunidade: uma estratégia facilitadora da promoção da
saúde. Rev Gaúcha Enferm, Porto Alegre (RS) 2005 ago;26(2):147-53.
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A EDUCAÇÃO EM SAÚDE COM GRUPOS NA COMUNIDADE:


uma estratégia facilitadora da promoção da saúdea

Aline Corrêa de SOUZAb


Isabel Cristina dos Santos COLOMÉc
Lilian Escopelli Deves COSTAd
Dora Lúcia Leidens Corrêa de OLIVEIRAe

RESUMO

O artigo destaca aspectos da promoção da saúde e da educação em saúde que permitem argumentar sobre a
pertinência do trabalho desenvolvido com grupos na comunidade. O trabalho em grupo possibilita a quebra da
tradicional relação vertical que existe entre o profissional da saúde e o sujeito da sua ação, sendo uma estratégia
facilitadora da expressão individual e coletiva das necessidades, expectativas, e circunstâncias de vida que
influenciam a saúde.

Descritores: Promoção da saúde. Educação em saúde. Participação comunitária.

RESUMEN

El artículo destaca algunos aspectos de la promoción de la salud y de la educación en salud que permiten
argumentar sobre la pertinencia del trabajo desarrollado con grupos en la comunidad. El trabajo en grupo
posibilita la quiebra de la tradicional relación vertical que existe entre el profesional de la salud y el sujeto de su
acción, siendo una estrategia facilitadora de la expresión individual y colectiva de las necesidades, expectativas
y circunstancias de vida que influyen en la salud.

Descriptores: Promoción de la salud. Educación en salud. Participación comunitaria.


Título: La educación en salud con grupos en la comunidad: una estrategia facilitadora de promoción de la salud.
.
ABSTRACT

This paper highlights a few aspects of health promotion and education that enable reasoning over the
pertinence of the work developed with groups in the community. Group work makes it possible breaking the
traditional vertical relationship between the health professional and the subject of his/her action. It is also a stra-
tegy that facilitates the expression of individual and collective needs, expectations and life circumstances that
influence health.

Descriptors: Health Promotion. Health education. Consumer participation.


Title: Health education with community groups: a strategy that facilitates health promotion.

a
O artigo parte de discussões acontecidas na disciplina Educação, Saúde e Enfermagem do Curso de Mestrado em Enfermagem da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
b
Mestre em Enfermagem, Profa. substituta da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
c
Mestre em Enfermagem, Profa. da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai (URI).
d
Mestranda do Curso de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
e
PhD em Educação em Saúde pela University of London, Profa. Adjunta da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS).

Souza AC, Colomé ICS, Costa LED, Oliveira DLLC. La educación en Souza AC, Colomé ICS, Costa LED, Oliveira DLLC. Health education
salud con grupos en la comunidad: una estrategia facilitadora de with community groups: a strategy that facilitates health promotion
promoción de la salud [resumen]. Rev Gaúcha Enferm, Porto Alegre [abstract]. Rev Gaúcha Enferm, Porto Alegre (RS) 2005 ago;26(2):147.
(RS) 2005 ago;26(2):147.
Souza AC, Colomé ICS, Costa LED, Oliveira DLLC. A educação em saúde
com grupos na comunidade: uma estratégia facilitadora da promoção da
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1 INTRODUÇÃO saúde, está baseada em questões fundamen-


tais que dizem respeito à definição de promo-
Este artigo é resultado de reflexões ocor- ção da saúde.
ridas durante a disciplina Educação, Saúde e Para este artigo adotaremos o conceito
Enfermagem do Curso de Mestrado em En- de promoção da saúde preconizado na Car-
fermagem da Universidade Federal do Rio ta de Ottawa, a qual indica que promover a
Grande do Sul. A referida disciplina tem por saúde significa fornecer às populações con-
objetivo discutir o processo sócio-histórico dições para que estas sejam capazes de me-
de produção das concepções de educação em lhorar sua saúde e exercer controle sobre a
saúde, bem como suas implicações para a mesma(1). Nesse contexto, a saúde é concebi-
prática de enfermagem. da como a possibilidade de o indivíduo apro-
A partir dessas discussões, tivemos a veitar a vida de forma positiva, no sentido do
oportunidade de refletir sobre as teorias edu- uso de recursos pessoais e sociais, além da
cacionais e as práticas educativas da enfer- capacidade física. Isto não significa que a bus-
magem, enfatizando aquelas relacionadas ao ca por tornar-se ou manter-se saudável seja
trabalho desenvolvido com grupos na comu- um objetivo central e único na vida das pes-
nidade. Ficou-nos clara a importância do tra- soas, mas sim um recurso para fornecer qua-
balho em grupo como instrumento fundamen- lidade à vida cotidiana.
tal no atendimento das complexidades da O termo Promoção da Saúde recebeu
promoção e da educação em saúde nas comu- destaque no ano de 1986, por ocasião da
nidades. A experiência do trabalho em grupo Primeira Conferência Internacional sobre Pro-
pode facilitar a produção coletiva de conhe- moção da Saúde realizada em Ottawa. A pro-
cimento e a reflexão acerca da realidade vi- moção da saúde emergiu em resposta a um
venciada pelos seus membros, sendo este um movimento que buscava renovar a concep-
importante aspecto para o desenvolvimento de ção mundial de Saúde Pública(1).
processos reflexivos que apontem estratégias Nesta Conferência discutiram-se as limi-
de enfrentamento dos desafios que, muitas ve- tações da saúde pública, até então baseada
zes, fazem parte das suas situações de vida. no modelo biomédico. Este tinha como foco
Na promoção da saúde, o trabalho em principal as causas das doenças em nível in-
grupo possibilita a quebra da relação vertical dividual e, definia saúde, simplesmente como
que, tradicionalmente, existe entre o profissio- ausência de doença. Tal conceito acabava
nal da saúde e o sujeito da sua ação, sendo enfatizando o que ‘não é saúde’, caracterizan-
esta uma estratégia facilitadora da expressão do uma idéia negativa da saúde. Pretendia-se
das necessidades, expectativas, angústias e cir- superar os pressupostos deste modelo, origi-
cunstâncias de vida que tem algum impacto nalmente informado pelas idéias de Descartes.
na saúde de indivíduos e de grupos. Nestes pressupostos está incluída a influente
Sendo assim, este artigo tem como obje- concepção de corpo como máquina composta
tivo apresentar e discutir alguns aspectos da de peças, e de doença como mal funcionamen-
promoção e da educação em saúde que nos to de uma ou mais destas peças(2).
permitam argumentar sobre a pertinência do As discussões em torno da necessidade
trabalho educativo em saúde desenvolvido de uma reformulação no conceito de saúde e
com grupos. da proposição de um novo enfoque para a
saúde pública, acabaram resultando num en-
2 A PROMOÇÃO DA SAÚDE E A NOVA tendimento de saúde no seu sentido positivo
SAÚDE PÚBLICA e incluindo na sua definição a importante ar-
ticulação entre os diversos fatores sócio-
A argumentação sobre a importância do ambientais, que constituem-se dos estilos de
trabalho de grupo no contexto da educação em vida ditos Saudáveis e Não-saudáveis. Nesse
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sentido, as autoras deste artigo concordam de pública tradicional, a educação em saúde


com o pensador francês Dejours, quando este estava voltada basicamente para a finalidade
diz que a saúde para cada homem, mulher de prevenir doenças. Com a nova abordagem,
ou criança é ter meios de traçar um caminho ela passa a ter um enfoque desvinculado do
pessoal e original, em direção ao bem-estar modelo biomédico de saúde, ampliando seus
físico, psíquico e social(3). objetivos no sentido da preparação dos indi-
O termo Promoção da Saúde refere-se víduos para escolherem seus caminhos e lu-
ao envolvimento entre os diversos setores da tarem por uma vida com mais saúde(6).
sociedade, os quais devem realizar parcerias Ao educador em saúde lança-se um de-
na tentativa de buscar resoluções para os safio. Os questionamentos anteriores não são
problemas de saúde da comunidade. Porém, fáceis de responder. Acreditamos, porém, que
isto só se torna possível a partir de uma com- seja importante construir espaços de reflexão
binação de estratégias que incluem as ações coletiva com os sujeitos das nossas ações
do Estado, da comunidade, dos indivíduos e acerca das suas realidades de vida, conside-
dos sistemas de saúde(4). rando que isto pode resultar em uma prá-
Diante disso, não se questiona o avan- xis (ação conjugada com reflexão) que promo-
ço no campo teórico e prático da saúde pú- va a integração entre os diversos grupos e se-
blica, originado na formulação de uma con- tores da sociedade, na busca de soluções para
cepção positiva de saúde, mas é preciso reco- os problemas de saúde, vivenciados por estes
nhecer que, tendo em conta esta concepção, sujeitos, e, de melhores condições de vida.
promover a saúde se torna uma tarefa mais
3 EDUCAÇÃO EM SAÚDE
complexa do que era antes. Um aspecto im-
portante desta complexidade tem a ver com o
Considerada a ampliação do conceito de
objetivo de promover a vida em suas inúme-
saúde, para além da ausência de doença, as
ras dimensões, o qual não pode ficar a cargo
discussões em torno da questão de como edu-
de uma área específica do conhecimento, mas
car indivíduos e grupos para que estes atin-
envolver as ações do Estado, e da sociedade
jam um nível desejável de saúde têm gerado
civil, considerando-se as particularidades e propostas de mudança nas formas mais tra-
autonomia dos sujeitos(5). dicionais de se educar para a saúde.
A autonomia é um ponto central para a pro- Na atualidade, há uma variedade de ma-
moção da saúde. Os indivíduos devem ser in- neiras de se educar para a saúde, mas, consi-
centivados a se responsabilizar pela sua saú- derando o que estas abordagens têm em co-
de, a qual deverá resultar das suas próprias mum, é possível agrupá-las em dois mode-
escolhas. Considerando a complexidade des- los: a educação em saúde tradicional e a ra-
sa temática, questiona-se: será que todos os dical(6).
indivíduos possuem as mesmas condições e A seguir apresentaremos as principais
possibilidades de escolha? Como escolher ali- características destes modelos, destacando os
mentar-se de maneira saudável e variada se, pontos que consideramos mais problemáti-
muitas vezes, a situação financeira não permi- cos na formulação das suas propostas.
te sequer as condições básicas de alimenta-
ção? Como seguir as recomendações de higie- 3.1 O modelo tradicional
ne sem possuir as condições para tanto?
Os pressupostos da nova saúde públi- A educação em saúde tradicional, tam-
ca emergida da Conferência de Ottawa resul- bém chamada de preventiva, segue os pres-
tam em mudanças importantes também na supostos da antiga saúde pública. Este mode-
concepção de educação em saúde. Na saú- lo objetiva a prevenção de enfermidades, cen-
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trando sua abordagem educativa na mudan- geralmente resultado de uma combinação de


ça de comportamento individual, foco emba- fatores sociais e culturais experimentados no
sado nos princípios da ideologia do indivi- coletivo.
dualismo e do behaviorismo(6). Neste sentido, Freire afirma que a exis-
A educação em saúde tradicional preten- tência individual não precede a existência co-
de mudar comportamentos individuais atra- letiva, destacando que “a concepção indivi-
vés de estratégias educativas que poderiam dualista da existência não é o suficiente pa-
ser chamadas de ‘bancárias’, no sentido de um ra retirar dela a base social e histórica”(10:115).
empreendimento educativo em que, quem en- Freire enfatiza, ainda, que quando se traba-
sina se posiciona como detentor do saber e o lha com a população não há outro caminho
sujeito da ação educativa é posicionado como senão a “travessia entre a subjetividade e a
alguém que vai passivamente apreender os co- objetividade”(10:115). Para ele, o conhecimento
nhecimentos ensinados. Esta abordagem di- envolve necessariamente uma correlação di-
ficulta o desenvolvimento da consciência críti- reta entre a ação e a reflexão sobre a realida-
ca desse sujeito, na medida em que parte do de. Os seres humanos, Freire sugere, são cor-
pressuposto de que o sujeito nada sabe e que pos conscientes e, por este motivo, tem a pos-
é preciso preencher os espaços vazios da sua sibilidade de análise crítica, superando des-
mente, depositando nesta os conhecimentos ta forma a compreensão ingênua da reali-
que se julgam importantes, sem que esse pos- dade(10).
sa questioná-los(7). Ao aceitarmos os argumentos em favor
da importante influência do meio na determi-
Para o behaviorismo ou comportamen-
nação dos comportamentos individuais, inclu-
talismo o meio é que faz o sujeito. O indiví-
sive, e principalmente, nos que resultam em
duo é condicionado, e o estímulo gerado ou im-
saúde e não-saúde, consideramos que o mode-
posto pelo profissional, gera uma resposta do
lo tradicional ou preventivista de educação em
indivíduo que resulta em mudança de com-
saúde é problemático, justamente por centrar
portamento(8).
seu projeto educativo na mudança de com-
Questionamo-nos se existe a possibilida-
portamento individual e na crença de que saú-
de de se reduzir a saúde ou comportamentos de resulta de escolhas que o indivíduo faz, não
saudáveis a algo que possa ser controlado pe- importando os aspectos culturais e sociais que
lo indivíduo, já que consideramos que a saúde condicionam estas escolhas.
é resultado de uma combinação de fatores so- Assim como o modelo preventivo pode
ciais, políticos e econômicos, além dos in- ser alvo de críticas, também o modelo radical
dividuais. que, em princípio, supera os problemas da
Ignorar que as estruturas e as diferenças educação em saúde mais tradicional, tem
socioculturais e econômicas influenciam as es- pontos questionáveis.
colhas por comportamentos saudáveis e não-
saudáveis, levam os profissionais da saúde, que 3.2 O modelo radical
utilizam o modelo tradicional de educação em
saúde, a considerarem os indivíduos como os Na tentativa de atender às complexida-
únicos responsáveis pela suas condições de des da nova saúde pública surgiu um modelo
saúde. Neste sentido, Valla, refere que “um dos de educação em saúde, denominado radical,
defeitos mais perniciosos do mau funcio- já que se propõe a considerar as raízes dos
namento dos serviços públicos no Brasil é o problemas de saúde nos quais se quer inter-
que se chama de culpabilização da vítima”(9:95), vir.
em que individualizando a culpa, tenta-se ex- O objetivo principal desse modelo é pro-
plicar os problemas de saúde, os quais são mover a saúde, considerando-a no seu sentido
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positivo. Para atingir tal objetivo deve-se pro- Apesar dos avanços nas propostas do
mover a reflexão e a conscientização crítica modelo radical, este ainda é alvo de críticas.
sobre os aspectos da realidade pessoal e co- A principal questão levantada pela literatura
letiva, estimulando e buscando a identificação é referente à ênfase na promoção da autono-
coletiva das origens dessa realidade. A partir mia dos sujeitos da ação educativa(14). Não se
disso pretende-se desenvolver planos de ação questiona a possibilidade de oferecer opções
para a transformação da realidade(11). aos indivíduos, mas a oportunidade que estes
Estas idéias nos remetem à teoria cons- têm de escolher livremente alguma(s) desta(s)
trutivista que apregoa que o conhecimento não opções. Estabelece-se, então, um paradoxo en-
é algo terminado. O construtivismo pressupõe tre apresentar opções a serem escolhidas pelos
que o conhecimento se desenvolve a partir da sujeitos da ação educativa e a possibilidade
interação do sujeito com o meio social, contra- destes escolherem autonomamente, tendo em
pondo-se ao behaviorismo que preconiza que vista que entendemos que nossas decisões es-
o conhecimento nasce com o indivíduo e é tão alicerçadas no contexto de nossas vivên-
dado pelo meio(12). cias. Assim, faz sentido dizer que o ambiente
Os pressupostos do modelo radical têm impõe limites às nossas escolhas cotidianas, e
origem nas idéias de Paulo Freire. Este des- que estas não ocorrem no vácuo, pois são de-
taca a importância do modelo educativo que finidas com referência ao contexto material e
trabalha com o desenvolvimento da consciên- social em que são concretizadas(6). Portanto,
cia crítica, processo facilitado pelo trabalho estimular a autonomia e a consciência crítica
conjunto da análise coletiva dos problemas dos sujeitos do processo de educação em saú-
vivenciados pelos indivíduos e a busca de so- de não garante que estes poderão desenvolvê-
luções e estratégias conjuntas para a mudan- las em sua plenitude.
ça da realidade. A idéia é que a educação in- Freqüentemente, os profissionais que for-
vista em um indivíduo mais crítico e questio- necem informações de saúde a indivíduos ou
grupos, acreditam que os sujeitos (possam e
nador(7).
devam) seguir as orientações recebidas, igno-
Ao trabalhar de acordo com esses pres-
rando a existência de importantes fatores in-
supostos, a educação em saúde radical apos-
tervenientes que dificultam o exercício da auto-
ta em um projeto no qual o educador em saú-
nomia individual. A mudança de comporta-
de tem o papel de facilitador das descobertas
mento, que se espera, resulte das ações de
e reflexões dos sujeitos sobre a realidade, fa- educação em saúde, acontece em um proces-
cilitando o processo de construção ou recons- so complexo que inclui fatores subjetivos e
trução dessa realidade, juntamente com os in- objetivos, como por exemplo, o contexto so-
divíduos da comunidade. Para isso, o educa- cial, econômico e cultural, bem como as mo-
dor em saúde deve levar em conta, no seu tra- tivações individuais.
balho educativo, a relação entre a vida dos Na perspectiva das autoras deste arti-
indivíduos e a estrutura da sociedade em que go, o modelo radical de educação em saú-
eles estão inseridos, estimulando-os a agir co- de, ainda que com limitações, é a forma mais
mo sujeitos de suas próprias vidas(13). adequada para o desenvolvimento de ações
No cotidiano dos serviços de saúde, há para educação em saúde com grupos na co-
uma sobreposição das abordagens tradicio- munidade. Ao trabalhar com base neste enfo-
nal e radical de educação em saúde, prova- que o profissional pode ser capaz de instru-
velmente em função das complexidades do mentalizar os participantes do grupo, estimu-
modelo radical e das dificuldades de se colo- lando sua consciência crítica e o exercício da
car em prática os seus pressupostos inova- sua ‘autonomia’ frente às decisões de saúde
dores. no âmbito individual e coletivo.
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4 O TRABALHO EDUCATIVO COM no contexto da comunidade em que vivem e


GRUPOS conhecerá suas necessidades, dando-se conta
do seu potencial como facilitador, também,
O trabalho na comunidade permite ao nos processos de mudança da realidade ne-
profissional da saúde conhecer a realidade e cessários para que este contexto propicie es-
as potencialidades do meio, o que deve faci- colhas saudáveis(7).
litá-lo o trabalho no campo da educação em No trabalho com grupos os membros da
saúde. Nesta perspectiva, acreditamos que es- comunidade podem se beneficiar com as tro-
te trabalho não possa se limitar a atendimen- cas de experiências que ocorrem entre eles
tos individuais e de demanda. Ao desenvolver e, também, com as contribuições do profissio-
o trabalho com grupos, o profissional tem a nal de saúde. Dessa forma, o grupo pode ava-
oportunidade de estimular os participantes a liar a necessidade de repensar suas atitudes
encontrar estratégias coletivas de enfrentamen- em nível individual e coletivo.
to dos problemas vividos pela comunidade.
Ao participar de um grupo, cada indi- 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
víduo tem a possibilidade de expressar seu
pensamento, dar sua opinião, seu ponto de vis- Acreditamos que este artigo possa tra-
ta ou seu silêncio. Para alguns autores, o traba- zer subsídios para a reflexão acerca da im-
lho em grupo é uma forma de libertação do ho- portância do trabalho com grupos para a pro-
mem que, sozinho, está alienado(15). Ficam cla- moção da educação em saúde e para as limi-
ras as possibilidades que temos, como profis- tações das abordagens individualizadas.
sionais de saúde, de promover a conscienti- Com o novo enfoque da saúde pública,
zação dos indivíduos sobre a sua realidade e busca-se a participação dos indivíduos na
os aspectos desta realidade que podem ser melhoria das condições de vida e saúde de
transformados para favorecer escolhas sau- forma coletiva, considerando as parcerias in-
dáveis, trabalhando com grupos. tersetoriais para o aprimoramento das estru-
Acreditamos que o trabalho em grupo turas necessárias para isso.
nas comunidades se constitui em importante Sabemos dos desafios que os profissio-
ferramenta para a conscientização crítica dos nais de saúde têm que enfrentar diariamente
indivíduos a respeito do seu meio social e em função das condições precárias do siste-
suas condições de vida e saúde, como prevê ma de saúde no Brasil. Porém, é necessário
o modelo radical de educação em saúde. No que superemos esses obstáculos, para que
trabalho desenvolvido com grupos emergem possamos atingir o objetivo de desenvolver
possibilidades a partir do compartilhamento um trabalho diferenciado e que promova o
de conhecimentos que advêm das experiên- crescimento da comunidade.
cias. Juntos, estes indivíduos podem perceber Conforme já enfatizado, o modelo radi-
o potencial que o grupo tem para organizar cal de educação em saúde propõe a cons-
e concretizar ações de mudança. cientização crítica dos indivíduos acerca de
Como refere Freire, com este método, sua situação de vida. Diante disso, acredita-
profissional e indivíduo são sujeitos do pro- mos que o trabalho em grupo constitui-se co-
cesso de educação. Nesse processo, o profis- mo uma técnica facilitadora para que se co-
sional tem a oportunidade, em um primeiro loque em prática os pressupostos desse no-
momento, de desenvolver suas habilidades vo modelo. Os grupos permitem a troca de
como facilitador do processo educativo no experiência entre os participantes, que perce-
grupo. Posteriormente, perceberá como os su- bem suas limitações e possibilidades no con-
jeitos de suas ações de saúde se organizam texto coletivo. A partir de propostas conjun-
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tas com os indivíduos que vivenciam expe- 7 Freire P. Educação e mudança. 8ª edição. Rio de
riências similares, membros de uma determi- Janeiro: Paz e Terra; 1983. 79 p.
nada comunidade podem desenvolver planos
8 Franco SRK. O construtivismo e a educação.
de ação para modificar aspectos da realida- 4ª edição. Porto Alegre (RS): Mediação; 1995.
de compartilhada que repercutem na sua saú- 100 p.
de, configurando-se, assim, como sujeitos de
suas próprias vidas. 9 Valla VV. A construção desigual do conhecimento
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Endereço da autora/Author´s address: Recebido em: 31/05/2004


Aline Corrêa de Souza Aprovado em: 18/07/2005
Rua Gal. Lima e Silva, 1281 ap. 02
90050-103, Porto Alegre, RS
E-mail: linecs10@yahoo.com.br

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