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O MÁRTIR DO GÓLGOTA
Introdução
Devia anunciar-se a sua vinda com grandes e assombrosos
ass ombrosos
acontecimentos, e assim sucedeu.
Os ímpios idólatras do Olimpo do Homero, os adoradores
sensuais de Venus,
dos ladrões, a prostituta,
os corrompidos e de Mercúrio,
cortezãos o deus
do Capitólio,
definhavam em languidez nos braços da indolência e do
amor.
 Aquela paz inalterável enchia-os de admiração, e um dia dia
foram ao templo consultar o oráculo de Apolo para
saberem quanto tempo ela duraria.
O oráculo respondeu-lhes estas palavras: “Até que se dê o
caso de uma Virgem dar à luz”.
Julgando, segundo a ordem natural, que seria impossível
que semelhante vaticínio sucedesse, colocaram esta
inscrição na elevada porta: “Templo da paz eterna”.
Entretanto, a sibila Cumeia, a poetisa, inspirada, predizia a
 vida de Cristo na cidade ímpia dos sibaritas. Otávio
 Augusto fez reunir o conselho e a profetisa foi interrogada.
O César queria saber se nasceria outro homem mais
Do Oriente chegavam alguns idólatras, que depositavam aos
pés de um berço a primeira pedra do cristianismo.
cristi anismo.
 A voz do anjo despertou nas suas cabanas os pastores, e
êstes achavam-se junto de um leito aos pés do qual ia
morrer o mundo pagão.
O escravo, sacudindo os grilhões, lançou um olhar em tôrno
de si e permaneceu com o ouvido atendo, até que a
sua fisionomia se foi animando pouco a pouco, e um sorriso
melancólico assomou aos seus lábios.
Despontava-lhe no coração a esperança; os grilhões caiam
despedaçados aos seus pés, porque estas palavras
pronunciadas por Deus: “Todos somos irmãos” haviam
chegado aos seus ouvidos.
Reuniram-se então os desgraçados em volta de Jesus Cristo,
que, qual pastor das almas, atravessava a terra para
 

procurar os aflitos, afim de lhes enxugar as lágrimas, e


derramar-lhes no coração angustiado a rica semente da fé
cristã.
Onde uma creatura gemia, lá estava Cristo para a consolar.
Onde se lamentava um enfermo, lá estava o Messias
para lhe devolver a saúde.
Sua fama, seus feitos, seus milagres,
mi lagres, correram de boca em
 boca por todos os âmbitos do mundo, até que um dia
as palavras “todos somos iguais” chegaram aos ouvidos dos
pontífices e pretores de Jerusalém.
1
Sôbre o Capitólio em Roma, onde existia em tempo da vinda de
Cristo o palácio de Otávio Augusto, existe hoje o convento de
Santa Maria d1Arca-Coeli, d’onde provém a tradição que narramos.
2
envergonhados, murmurando estas palavras com enleio:
“Com
Desdeêste
entãohomem a ciência
nos seus é impotente.
sonhos, Será o Messias?”
nas suas bacanais, nas suas
orgias, viram escritas estas palavras “O que fôr maior
entre vós será vosso servo.”
 A raivosa impotência
impotência e o ce
cego
go orgu
orgulho
lho dos ttiranos
iranos fizeram
fizeram
com que se levantasse a Deus um cadafalso!
 A tragédia divina teve o seu termo.
Cristo subiu ao calvário, exalou o último suspiro nos braços
do lenho sagrado; foi dali tirado para o sepulcro, e
ao terceiro dia elevou-se ao céu em apoteose.
Haviam-se
Os apóstoloscumprido
da fé, os as profecias. da nova lei,
propagadores
espalharam-se pela terra e, mão se importando como o
martírio,
começaram a semear a palavra humanidade até então
desconhecida no mundo.
O Cristianismo cresceu como uma bola de neve. Os circos de
Roma, os tormentos da Índia, não puderam
esmagar-lhe a radiante e formosa cabeça.
Os filhos dos pagãos recebiam a água do batismo como
maná celeste.
 

O Cristianismo, salvando a sociedade de uma ruina certa,


abrigou no seu seio carinhoso os restos da civilisação e
das artes.
Que a julgue todo aquele que a ler, e longe de ter êste livro
como uma obra importante, tenha-o só como um grão
de areia que colocamos na pirâmide imensa do
Cristianismo, elevada pelas santas palavras do Mártir do
Gólgota.
LIVRO PRIMEIRO
Que outra coisa é a Escritura senão uma Carta do Todo Poderoso
aos homens?
Rogo-te que todos os dias estudes e me-Dites as palavras do teu
Creador, aprendendo
assim a conhecê-lo, - (GREGÓRIO MAGNO,Livro IV, epist.39)
e pist.39)
CAPÍTULO I
3
O POVO ERRANTE
Formoso céu da Galiléia: desgraçadamente os meus olhos
não admiram ainda as poéticas cambiantes dos teus
corrente.
Cume sagrado do Calvário:os meus pés nunca pisaram as
tuas caleinadas rochas, que um dia se humedeceram
com o sangue do Messias e com as lágrimas da Virgem.
Jamais tive a dita de te admirar, poética e formosa
Palestina. Os meus olhos nunca se extasiaram ante a
contemplação dos campos de Zabulon, eternamente
cobertos
 A históriadedovioletas.
teu povo tem sido o meu livro querido desde
que a minha língua principiou a ligar as letras do
alfabeto.
Deus nasceu entre êles, e o sangue do seu Deus que
derramaram pesa-lhes sôbre a cabeça como uma maldição,
impelindo-os pelo mundo quais ligeiras arestas que o
possante sôpro do vendaval arrasta sem rumo certo.
c erto.
 A hora anunciada pelos profetas soou no incorruptível
relógio do tempo; as águias e os corvos, que se aninhavam
nas escarpadas
de Deus, cairamrochas do Líbano,
então sôbre o solosubmissas
da cidade aos mandados
maldita.
 

Moisés, o intérprete de Jeová, o teu sábio legislador, o teu


dogma, já não tornará a guiar-te pelo deserto.
 Aquela batalha, que durou três
três dias sem se ocultar o sol, só
pudeste vencê-la pela vontade de Deus, e Deus
amaldiçoou a tua raça.
Por isso é que a bandeira dos Macabeus nunca mais tornará
a tremular triunfante pela inimiga Samaria, nem os
 valentes filhos de Matias volverão a erguer as suas tendas
sôbre as altas cumiadas do Garizim.
Débora já não fará justiça à sombra das palmeiras de
Efraim, nem o canto de Jael, a forte mulher, reanimará nos
combates o valor dos filhos de Judá.
Ester, a formosa, nunca mais tornará a salvar o seu povo do
furor dos inimigos; nem Elias, o raio de Deus, fará
chover do céu para acender a lenha verde do sacrifício.
o ungido do senhor;
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o amado do Senhor,
Tapaste os ouvidos às suas palavras, e fechaste os olhos aos
seus milagres; e aquelas palavras e aqueles fatos
ainda retumbam, perturbando até o teu nome.
Deus quis acolher-te debaixo das suas asas, como a
carinhosa galinha aos pintinhos, e tu sacrificaste-o em
recompensa do seu amor inexgotável.
“Jerusalém, Jerusalém! Em ti não há de ficar pedra sôbre
pedra” disse Êle, e a sua promessa cumpriu-se.
c umpriu-se.
Jerusalém, Jerusalém! A tua passada glória é um montão de
escombros, sôbre os quais ainda adeja a terrível
maldição de Deus, repetindo sem descanso:  Chora, chora,
cidade ingrata!
CAPÍTULO II
SÓ NO MUNDO
O céu estava carregado, a noite escura, e frio o ambiente.
O solitário mocho, qual sentinela noturna, soltava de vez em
quando dos altos ramos das árvores um monótono e
prolongado pio, cujo eco lúgubre se ia perder nas
profundidades dos barrancos.
 

O monte Hebal, mais escarpado, mais sombrio e imponente


que os seus irmãos, erguia-se no meio daquela
cordilheira como um gigante ameaçador, amaldiçoando a
impiedade dos rebeldes samaritanos.
O surdo e longíquo trovão começava a ribombar pelo espaço
anunciando com a sua voz possante aos filhos de
Semer a próxima tempestade que ia estalar sôbre as tuas
cabeças.
 A atmosfera ia-se condensando, e do seu húmido seio
começaram a cair grossas gotas de água sôbre
s ôbre a seca terra
dos adoradores do bezerro, e à qual os judeus chamaram  
Terra da iniquidade.
Tudo anunciava uma dessas terríveis tempestades, que com
tanta frequência turvam o céu da Palestina. Os
relâmpagos começaram a suceder-se com rapidez, e o trovão,
percorrendo o espaço, fazia redobrar a sua voz potente.
Um relâmpago iluminou momentaneamente o obscuro
horizonte, e ao clarão azulado da sua luz viram-se uns
homens que deslisavam pela escarpada e resvaladia encosta
do monte Hebal, em direção aos barrancos de Garizim.
Ia entre êles um mancebo, imberbe por assim dizer: vestia
uma túnica pardacenta como os nazarenos. Na cabeça
trazia um turbante alto com bandas de linho, e uma
camisola de lã de camelo servia-lhe de manto.
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Nem uma só linha se encontrava no seu semblante que
inspirasse o sentimento da repugnância. Podia-se dizer
que era quase formoso.
 Ao vê-lo caminhar no meio, daqueles foragidos de olhar
torvo e asquerosamente vestidos, dir-se-ia que era antes
um prisioneiro que o chefe de semelhantes homens.
O jovem capitão dos bandidos samaritanos chamavam-se
Dimas, nome que trinta e dois anos depois devia ser
imortalizado no cume de Gólgota pelo Martir da Cruz, o
Redentor do homem.
Quando algum defunto era levado pela rua em que vivia
Dimas, êle acompanhava o fúnebre préstito até o vale
va le de
 

Josafá, oferecendo-se sempre a ajudar os coveiros a colocar


o cadáver no sombrio sepucro.
- Que fazeis em minha casa? – perguntou Dimas com
assombro.
- Tomo, com autorização da lei e do poder romano, o que
teu pai devia, respondeu o velho.
- O sôpro da morte emudeceu a bôca a meu pai, porém
nosso jurar elo Deus invisível de Abraão, de Isaque e
Jacó, que êle nunca me disse nada a respeito da dívida que
agora reclamas.
Dimas, aturdido, com o coração traspassado pela dôr e pela
surpresa, não encontrava em si palavras com que
responder àquele velho, que o lançaria na miséria.
 As testemunhas afirmaram a verdade das palavras do
fariseu, e o malsim continuou a confiscar
confi scar tudo que via, sem
se importar com a atitude dolorosa do pobre órfão.
- Pois bem; levem o meu erário, todos os meus vestidos, a
minha cama, se querem; não me oporei a isso. Sou
- Miserável! bradou Dimas, agarrando nervosamente o
 velho fariseu pelo pescoço, tu e meu pai descerão ao
mesmo tempo à sepultura.
 As testemunhas arrancavam o fariseu das mãos de Dimas,
não sem custo, e duas horas depois o jovem órfão era
posto em uma escura masmorra da torre Antônia.
CAPÍTULO III
AJUSTE É AJUSTE
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Tanto a dôr como o prazer tem o seu têrmo, e ambos se
dissipam quando o coração se enfastia ou endurece.
O pobre órfão acabou por não ter mais lágrimas. Três meses
permaneceu, esquecido dos homens em húmida e
sombria prisão, sonhando com a anelada hora da xingança.
Cidade Nova
Dimas desejou comprar um daqueles punhais e com o olhar
no mostrador, começou a procurar a arma para
silcos de prata,
 

Dimas examinou-a por um momento; mas, lembrando-se


de que não possuia um miserável ób ul o, disse ao
 vendedor:
- Queres fiar-me esta navalha? Dar-te-ei por ela vinte onças
romanas, e isto antes que a lua nova alumie com os
seus raios o alto minarete da terra de Davi.
- E quem me responde pela tua palavra? Bem sabes que
nunca te vi.
- Se me enganares, peor para ti! disse, entregando-lhe a
navalha; se tiveres palavra, então que Jeová te proteja e
te salve dos perigos a que a tua vingança te vai expôr.
E, sem esperar resposta, caminhou rua adiante, atravessou
a porta das Cabras e foi sentar-se à sombra de um
robusto sicômoro, de cuja fruta comeu com apetite, pois
 bastantes horas havia que não tomava alimento algúm.
Em seguida empunhou o cabo da navalha, e vibrou um forte
golpe no tronco da nodosa árvore. A folha
f olha da arma
enterrou-se umas três polegadas.
- Oh! Tem boa tempera! disse consigo,
consi go, nem sequer dobrou a
ponta: bem póde entrar toda a folha de um só golpe
na garganta ou no coração daquele que atirou com o cadáver
de meu pai aos cães da vala dos leprosos.
fragoso dos bosques. De noite abandonava as guaridas
incultas para assitar os indefesos caminhantes; porém
nunca o
infeliz órfão, que aborrecia o sangue por instinto, empregou
outras armas além
Era impossível da ameaça
retroceder e viapara despojar
que era as vítimas.
indispensável que as
suas aventuras fossem em maior escala.
- Salteador por salteador, disse consigo, busquemos então o
ouro. Tanto se arrisca a vida roubando umse sté rc i o
1  como um talento2 hebreu. Tanto se perde a honra
roubando uma pomba como um boi.
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 Após esta resolução, Dimas levantou-se, e agitando os
compridos cabelos com um movimento enérgico de
 

cabeça, lançou um altivo olhar pela solidões que o cercavam


e, afagando o cabo tosco da navalha, murmurou:
1moeda de cobre de pouco valor.
- Quando se estima pouco a vida, o homem pode chegar a
ser muito. Sim, é preciso que eu seja o rei dos
 bosques, o terror de Israel.
Os mercadores do Egito, de Damasco, de Tiro, e Sidon,
 viam-se frequentemente assaltados ao meio dia nas
estradas mais concorridas.
Dimas parecia o anjo do mal, quando depois da sua queda
se sentou á borda do abismo a contemplar por um
instante a horrível mansão, que Deus lhe concedia em
castigo da sua louca soberba.
CAPÍTULO IV
OS BANDIDOS
Esta cinta de flutuante renda, esta manga de pó que parecia
 brotar
subindodapara
terra, erasem
o céu as vaporosas
névoas do eJordão queemanações.
húmidas iam
Dimas, firme no seu propósito, depois de certificar-se de
que o punhal permanecia oculto nas dobras da túnica,
desprendeu do cinto uma larga funda, formada de folhas de
palmeira seca, colocou nela uma pedra de três polegadas de
Dimas passou várias vêzes a mão pela fronte e, tirando a
comprida navalha, principiou a afiar a ponta do
instrumento com que tinha vingado a morte do pai.
- Vamos, valor, Dimas! A morte é um instante: a vida é
longa e pesada quando
relento.Dirigiu-se se tem fome
resolutamente e seo castelo,
para dorme ao
aao cuja porta
 bateu três vêzes com uma pedra que apanhara
apanhara no chão.
Ninguém respondeu. Então, seguro de que o castelo estava
abandonado, examinou com atenção o muro que o cercava
e,
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achando um pedaço derruido pelo qual se podia escalar a
fortaleza mais fácilmente, começou a trepar pela muralha
com o punhal entre os dentes.
Se lhepedra,
uma tivesse fraqueado
com umamorte
certeza sua das mãos,
seria se se despegasse
inevitável, pois
 

o corpo, rolando no abismo, ter-se-ia desfeito em


sanguinolentos pedaços de encontro às salientes arestas da
rocha.
De repente ouviu-se um rumor áspero e singular no
pavimento como se tivessem corrido um ferrolho
f errolho ou uma
tranca de ferro humedecido.
O órfão continuou a comer como se nada tivesse ouvido; só
por precaução pegou no punhal.
Os bandidos entreolharam-se com assombro.
CAPÍTULO V
DIMAS EMPENHA SUA HORA PARA PAGAR O SEU
PUNHAL
 Aquele moço imberbe, criança quase, fitava-os com olhar
sereno e sorriso nos lábios. Tinha o coração e o
espírito tranquilo ante as afiadas lontas dos punhais que lhe
ameaçavam a existência.
Só um homem ousado podia ter assaltado aquelaaq uela mansão de
horror, que êles habitavam, aquele teatro das suas
cenas vandálicas, o espanto dos camponezes samaritanos.
- Ninguém lhe toque! Exclamou um bandido cuja barba
 branca, gesto altivo e luxuoso trajo diziam claramente
que devia ser o capitão.
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proezas, deseja que o aperfeiçoes com o vosso saber nos
segredos da arte.
Os bandidos soltaram uma ruidosa gargalhada.
- Rides? Atalhou Dimas imitando a hilaridade dos
fascinoras. – Estimo, pois vejo que já principiamos a ser
amigos. Vou, portanto, pedir-vos um favor. Quereis
Q uereis
emprestar-me vinte onças romanas?
- Obrigado, capitão. Dimas te mostrará que não semeaste o
 benfício em terra infértil.
- O meu nome, repôz o velho capitão, é Abadon3 Sou
samaritano; não esqueças, pois, o que vou dizer-te: com a
mesma facilidade estenderei a mão para proteger-te como
para exterminar-te.
 

- Jamais o olvidarei. Agora dá-me


dá- me licença para partir; antes
de quatro dias será a lua cheia, e daqui a Jerusalém
há três longas jornadas.
1 Belsebuth ou deus das moscas, adorado pelos filisteus. Chamavá-se assim porque estava
sempre coberto de moacas por causa de se achar incessantemente borrifado de sangue. (Lamy,
 Aparato Bíblico, liv. III, Cap. I)
2 Ídolo da fortuna
3 Anjo exterminador
 Abadon olhou um instante para Dimas: este manteve aqueleaquele
olhar com tal nobreza e serenidade, que o capitão
respondeu:
- Não é necessário; fio-me na sua palavra; porém conduze-o
pelo caminho comprido.
- Por Jacó! exclamou Dimas, se não me dás a mão para
guiar, com certeza vou deixar os miolos em alguma
destas rochas que ameaçam cair sôbre as nossas
nossa s cabeças.
Segue-me sem receio; o piso é suave, e a abobada é tão alta
que Golia e Saff, se vivessem, poderiam passar sem
inclinar a cabeça.
E dizendo isto, o bandido estendeu a ponta do seu manto a
Dimas.
O jovem aventureiro sentia de vez em quando sôbre o rosto
um ar fresco, que lhe indicava que alguns buracos
guarida, há de ter bastante trabalho para darem conosco.
Dimas compreendeu que tratava com homens prudentes e
entendidos no ofício, e isto foi um motivo de jubilo
para êle. Por fim o bandido deteve-se, dizendo:
- Chegamos. Ajuda-me a erguer esta pedra....
Dimas obedeceu,
 brilhavam e pouco
como fios depois
de prata viaoosextenso
sôbre raios da lua,que
vale que
apenas tinha fôrça para gitar as folhas das árvores.
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1 Fogo do céu.
- Tu, que has de ser prático no curso dos astros, sabes a que
horas estamos da noite? perguntou Dimas.
- É cedo; achamo-nos apenas à  cabeça de osgelis;1 antes que
chegue a hora do cantar do galo poderás encontrar-
te em Betel.
- Obrigado; seguirei teu conselho.
 

- Então a paz seja contigo;


co ntigo; já chegámos ao lugar em que é
preciso separar-nos. Segue êsse atalho que te
conduzirá a Betel. A noite está clara e, dormindo nós, a terra
de Samaria está mais segura que o palácio
pa lácio do Idomeu. 1
 Antes de nos separar-mos quero fazer-te uma pergunta.
pergunta.
Quando eu voltar, por onde devo introduzir-me no
castelo?-
castelo?- Pela muralha, como fizeste hoje. Se não estivermos
lá, espera.
Dimas tomou o atalho que conduzia a Betel, e Uries
principiou a subir a encosta do monte em direção à sua
guarida.
Dimas, enquanto caminhava, dizia a si mesmo, acariciando
as moedas de prata, que tão generosamente lhe havia
emprestado o velho capitão.
CAPÍTULO VI
OS CADÁVERES
Dimas seguiu o conselho de Uries. Atravessando os atalhos
mais ínvios, chegou à torrente do Cedron três dias
depois, e entrando na cidade sacerdotal pela porta judicial,
dirigiu-se para a baixa Jerusalém, que era
1 Herodes o grande
- A paz de Deus seja contigo; disse Dimas entrando.
- O cutileiro ergueu a cabeça, sem suspender o movimento
do pé direito que fazia girar o rebolo, e fixou um
O tilintar da prata impressionou agradávelmente os ouvidos
do judeu, a julgar pelo sorriso que lhe animou o
meu nome,Grava
esqueças. algum diana
bem a saberás.
memóriaChamo-me Dimas,
as cinco letras não o
de que
meu nome se compõe.
- Deus de justiça! Porventura serás o assassino do sacerdote
Isaac, d’esse velho avarento e de má condição, que
os céus confundam?

11
Sim, assassinei-o, porque assim devia fazê-lo: a navalha que
me vendeste foi o instrumento de que me servi.
 Agradeço-te em nome
te as vinte onças de meu pai, e em meu
romanas. meu nome entrego-
 

Dimas, sem esperar resposta, tomou pela rua adiante,


deixando o cutileiro absorto e aturdido.
Duas grossas lágrimas assomaram-lhe às palpebras e
erguendo os olhos ao céu, murmurou:
- Meu pai e senhor, tu foste bom durante a tua vida, e
enquanto vivi ao teu lado fiz sempre por imitar a tua
honradez.
Porque motivo ao veres a angústia de teu filho, não me
chamas para que possa dar-te sepultura digna de ti?
-
Tornou a curvar-se sôbre a terra, e com auxílio da navalha
continuou a interrompida e penosa tarefa de
remover aquele montão de ossos e corrompidos cadáveres
meio insepultos, que os seus pés calçavam.
-
-
-
-
on oc r ót a l o1 ,
--
1
---
-
-
E Dimas, deixou cair a cabeça com abatimento sôbre as
mãos. Assim permaneceu por bastante tempo. A brisa
da tarde começou a gemer por entre os ramos das árvores, e
êle ainda permanecia imóvel.
-
O zéfiro noturno suspirou por entre as plantas do campo, e
Dimas não se movia do lugar onde estava.
-
-
-
De repente, um suspiro angustioso e prolongado escapou-
se-lhe do de seu peito.
- Quando se achou dentro, dirigiu-se para a cozinha, e
achou-a deserta. Estendeu-se no chão e esperou.
 

1O onocrótalo é o corvo noturno dos hebreus e dos gregos. Têm nas fauces outro
estômago qu enche depois de farto para ruminar a carne nos
momentos de fome. O seu pio é triste e horrível; às vezes com o pescoço na
água imita o zurrar do onago.

12
Cumpriu
Parece-mea palavra, disse Abadon,
que poderemos dirigindo-se
tirar proveito aos seus.
deste rapaz.
CAPÍTULO VII
O BATISTMO DE SANGUE
Dimas, medianamente instruido, nas Escrituras sagradas
por um rabino, amigo inseparável de seu pai, tinha a
 vantagem
 vantag em de ssaber
aber ler
ler e escrever
escrever o h hebreu
ebreu ccom
om bastante
bastante
correção.
Então os bandidos aconselhavam Dimas abandonar o seu s eu
nome que nenhuma significação divina tinha entre os
hebreus, e tomar outro que expressasse uma condição
celeste ou honrosa para aquele que o usasse.
Todos os sentimentos como um filho,fi lho, gritava um bandido:
ponhamo-lhe o nome de Davi2, que é o nome que lhe
corresponde. Não, não, dizia outro. Jeová enviou-o para o
meio de nós, e portanto deve chamar-se Samuel 3.
Dimas ouvia com o sorriso nos lábios as contendas dos seus
companheiros, e acabava por convencê-los que o
nome posto pelo pai era melhor e o único que devia trazer
um filho.
Dimas conheceu que para conseguir seu intento era preciso
deixar correr o tempo e os acontecimentos, ou
rodear-se de nova gente por conseguinte resolveu esperar
melhor ocasião.
Uma noite os bandidos souberam pelos seus esculcas que
uma caravana que conduzia a Jerusalém preciosas
mercadorias de Tiro, havia acampado em um barranco das
cordilheiras de Jope.
 Abadon tratou
tratou de a assaltar,
assaltar, e saiu da inace
inacessivel
ssivel gguarida,
uarida,
seguido dos seus terríveis companheiros.
1Pe nt ate uc ho, palavra grega que significa cinco volumes e que são: o  Gê ne s

is, o  E
livro quexoosdosamaritanos
, o Le v ític oveneram,
, o s N úmetendo-o
r o se ocomo
 D e ute r o no
divino mio . Éúnico.
e como o único
 

2 Ama d o
3Posto por Deus

13
Sem as formosas brisas da noite, sem a viração perfumada
do zéfiro noturno, o mundo seria um árido deserto,
um paramo inabitável.
Os salteadores deslisavam de rocha em rocha em direção ao
ponto indicado pelos esculcas. Seria meia noite
quando se detiveram no cume de um outeiro.
Uriés, que era o mais conhecedor do terreno, separou-se
dos companheiros para explorar as cercanias do outeiro,
pois segundo os seus cálculos, a caravana devia achar-se
acampada por aqueles sitios.
- Que há? Disse-lhe secamente o capitão aoa o vê-lo chegar.
- Isso talves seja apreensão tua, atalhou outro bandido.
- Tenho bons olhos; já sabes que me engano poucas vêzes...
mórmente de noite.
- Nada tem de singular, tornou a dizer Abadon, que em
alguma cidade dos arredores se tenha reunido um ou
para o nosso capitão como trofeu de vitória, exclamou
Dimas cheio de ardor.
- Tens razão: desçamos à planície, repôs o velho capitão.
Os romanos não podiam fazer mais que bater-se até morrer,
e assim o fizeram. Porém as suas mortes deviam
custar caro aos samaritanos.
 A lua, sempre clara e formosa, alumiou, com os seus dúbios
esangue
poéticos
emraios aquele
que seis combate,
homens aquela
haviam cenaodo
exalado último alento
e seis ficado gravamente feridos.
14
Já o dia ia bem adiantado quando chegaram ao monte
Hebal. A poucos passos da entrada subterrânea os
 bandidos detiveram-se.
- Que devemos fazer aos camelos? Perguntou Uriés
dirigindo-se a Dimas, como se êste fosse o chefe da
quadrilha.
Descarregai-os e, em seguida,
lado do mar, daí-lhes a voz de voltai-lhes
marcha e quea cabeça
vão para o
 

através do monte, em direção ao oeste.


O mancebo era Dimas, que havia seis meses capitaneava os
foragidos, alcançando de dia para dia mais afeto e
domínio nos seus corações.
Explicado o procedimento do moço bandoleiro, sigamo-lo,
apesar da noite tempestuosa e das escabrosidades do
terreno.
CAPÍTULO VIII
UM GOLPE DADO EM FALSO
- Com que então, amigo Uries, dizia Dimas a um dos
 bandidos que caminhavam a seu lado, com que então então
afirmas que a caravana egípcia, apesar do seu aspecto pobre
e miserável, conduz um tesouro?
- Os negociantes egípcios são desconfiados, odeiam os
romanos e receiam ser roubados por aqueles mesmos a
- Nada ofereci; foi êle que fez
f ez as suas exigências; de maneira
que, se nada lhe dermos, não faltaremos à nossa
palavra.
- Vejo que és astuto e prudente.
15
dom de agradar,
- És um sábio, Ureis, e os nossos companheiros fazem bem
em dar-te duas partes nas prezas.
- Dimas sorriu-se ao ouvir as palavras do bandido, que era
tido entre os seus camaradas, como o mais astuto da
quadrilha.
de nos fazer dar um passeio por êstes barrancos.
- Falai mais baixo, que chegámos, disse Uries, aproximando-
se dos camaradas. Por aqui deve passar a caravana
 voz baixa. Embrulhai-vos nas vossas capas e cuidado com o
sono. Ao primeiro grito de alarma, todos ao meu lado.
Meia hora haveria que os bandidos se achavam acampados
no baranco, quando o canto monótono do cuco
principiou a ouvir-se. Uries ergueu-se como o chacal que
ouve os passos do caçador e os latidos do cão; que deu com
o
a Jericó entre duas alas de t er ci ar i os romanos.
 

- Por Isaac, explica-te melhor e depressa! Exclamou Dimas


com impaciência.
- Não sabeis ainda a nova, repôs o espião, que agita o povo
de Israel, e faz estremecer o tirano Herodes no seu
palácio?
- Nas montanhas de Samaria só se ouvem os uivos dos
lobos, redarguiu o jovem capitão.
16
sofrem revista escrupulosa, e esta sorte coube aos egípcios
que esperáveis por êste barranco, pois a estas horas
caminham para Jericó, custodiados pelos legionários do rei
de Jerusalém.
- De modo que o tesouro... disse Dimas.
- Vai cair em poder de Herodes, atalhou o espião que, ao
saber o seu destino, se apressara a remetê-lo para
Roma como uma manifestação do respeito, que lhe inspira a
cidade ímpia.
Dimas encolheu os ombros, e disse com impassível entoação:
- A emprêsa malogrou; é preciso resignar-mo-nos a esperar
ocasião melhor. No entanto, não deixaria de ser
conveniente continuar na pista da caravana.
- Sou da mesma opinião, disse
diss e Uries. Quem sabe? Herodes
pode confiscar o trigo e pô-lo à venda, e nesse caso
- Recebe este cinto: contém dozemi nas hebreias, que te
 bastarão para comprar o carregamento; porém não
decidira. Ninguém proferiu uma palavra, nem uma queixa;
no entanto, oosdesgôsto
claramente rostos dos bandidos
daquele manifestava-se
contratempo.
Uries e Adão tomaram o caminho de Jericó, e os bandidos
dirigiram-se pragueiando para os monte da Samaria.
Tinha cessado a chuva; porém a noite continuava
c ontinuava escura,
ouvindo-se de vez em quando a longínqua e
ameaçadora voz do trovão.
Já perto do castelo de Hebal, ao atravessarem um fragoso
 barranco,
 barran co, ouviram
ouviram passos.
passos.
 A criança dormia no regaço materno, e estava
cuidadosamente
mãe envolvida em uma capa côr de corinto: a
 

chorava em silêncio, e o ancião orava em voz baixa.


O trovão continuava a ribombar por cima das cabeças dos
pobres viandantes. De repente o ancião parou,
porque ao dobrar uma curva do barranco viu surgir um
homem, que lhe pôs ao peito as afiadas
a fiadas pontas de uma
lança,
LIVRO SEGUNDO
ESTRELA DO MAR
CAPÍTULO I
M AR IA
17
O rócio celeste cai sôbre os teus campos; Jeová sauda-te do
seu trono de luz, e os anjos cantam o hino da
 benvinda, porque as profecias vão cumprir-se.
Pobre e tosco linho lhe cobre os delicados membros; uma
choça a alberga e humildes mulheres do povo
rodeiam o seu berço e recebem o seu primeiro sorriso.
O seu nome será para os aflitos “mais doce aos lábios que
um favo de mel, mais apreciável ao ouvido que um
cântico suave, mais delicioso ao coração que a alegria mais
pura”2
Porém, não adiantemos os sucessos. Sigamos as sagradas
tradições do Oriente, e com elas à vista e a fé na
alma, Deus nos dará fôrças para levarmos ao fim a difícil
peregrinação que impusemos a nós mesmos.
Em Nazaré,
homem pequena
honrado, cidade da
conhecido pelobaixa
nomeGaliléia, vivia um
de Joaquim, da
tribo da Judá e da descendência de Davi por Natã. Sua
espôsa chamava-se Ana.
 Ambos eram bons e observavam com a fé no coração os
mandamentos de Jeová; porém o Senhor afastava
deles os olhos, e Ana era estéril depois de vinte anos de
casada.
Joaquim podia quebrar aqueles infecundos laços, dando a
sua mulher a carta de divórcio, que a lei dos fariseus
com tanta facilidade concedia.
 

Lei bárbara e desumana, em que as espôsas se convertiam


em escravas e os maridos em despóticos senhores.
Passou um lua e outro lua, e por fim em uma manhã do mês
de Tirsi3 Ana foi mãe, e Joaquim apresentou aos
parentes e amigos uma menina, formosa como um anjo,
loira como o ouro em pó dos mercadores do Egito.
Este nome era Mirian (Maria) nome que um língua siríaca
significaSobe r a na, e na hebreia Estrela do Mar.
E como dar-lhe outro nome que melhor explicasse a alta
dignidade da Virgem, que havia de gerar em seu seio
o martir do Calvário?
S. Bernardo disse: “Maria é com efeito aquela formosa e
 brilhante estrêla que brilha sempre
sempre sôbre o mar vasto
e tempestuoso do mundo”.
antes de Cristo. A hora do seu nascimento foi ao amanhecer, e a dia sábado.

18
 A mulher hebreia purificava-se solenemente no templotemplo
oitenta dias depois do parto, oferecendo
o ferecendo no altar
sagrado um cordeirinho branco ou duas rolas, sendo pobre,
ou uma côroa de ouro, sendo rica.
 Ana criou
criou Maria ao peito,
peito, porque Judá as mães tin
tinham
ham a
obrigação de amamentar os filhos.1
CAPÍTULO II
A VIRGEM DE SION
the phl l i ns4 ,tale t5 em respeito aos anjos do santuário.
1 Em todos os livros da Escritura não se encontram senão três amas: a de
Rebeca, a de Mefibosél e a de Joás. Deve notar-se que Rebeca, a espôsa de
Isaac, era estrangeira; e os outros princípes
Te phili m, pequeno pedaço de pergaminho, sôbre o qual os fariseus escreviam
com tinta feita de próposito versículos da Escritura, colocando-o
depois no braço direito ou ao meio da testa. Estava isto muito em voga no
tempo de Cristo e era um sinal de distinção. (Bernage,  Hist. dos Judeus,
livro VII, cap. VII
5Tale t, manto quadrado que os judeus levavam para fazerem a oração, e com
o qual cobriam o rosto.

19
 

“Os sacerdotes e os levitas, reunidos no último degrau do


estrado, receberam das mãos de Joaquim a vítima da
prosperidade
e c hane os1c or nos
“O resto da vítima, exceto o peito e a espádua direita que
pertenciam aos sacrificadores, foi entregue ao esposo
de Sant’Ana, que dividiu pelos seus parentes mais próximos,
segundo o costume do seu povo.
“Os últimos sons das trombetas sacerdotais ecoaram ao
longo dos pórticos; e o sacrifício ardia ainda sôbre o altar
de bronze quando um ministro do templo desceu ao átrio
das mulheres para determinar a cerimônia.
Oh Israel, que o Eterno dirija, sôbre ti a sua luz, e te
faça
prosperar em tôdas as cousas e te conceda paz.
“Um cântico de gôzo e de ação de graças, harmoniosamente
acompanhado pelas harpas sacerdotais, terminou a
apresentação da Virgem”.
Tal foi a cerimônia que teve lugar no templo de Sion nos
últimos dias de novembro.
Zacarias, príncipe dos sacerdotes de Ain e parente de
Joaquim e Ana, foi quem recebeu a meiga Virgem dos
 braços de sua mãe, para depositar ao lado das suas
companheiras na casa de Deus.
“Oh Deus!, Que vosso nome seja santificado neste mundo
que criastes segundo a vossa vontade:  fazei reinar o
vosso reino: que a redenção floresça e que o Messias apareça
sôbre a terra8.
Isto entoavam ao som das melodiosas harpas as virgens do
templo, e o povo respondia-lhes com fervor,
inclinando as frontes para o chão: “Amém, amém!”
Em seguida repetiam os inspirados versículos do belo salmo
dos profetas Ageu e Zacarias:
“O senhor levanta os que estão caidos, e ama os que são
 justos.
 justo s.
“O senhor protege os estrangeiros: Êle protegerá também a
órfã e a viúva, e destruirá o caminho dos
 

pecadores.
“O senhor reinará em todos os séculos: o teu Deus, ó Sion,
reinará em todas as gerações”.
1Sacrificador ordinário
2 Nos quatros cantos do altar dos holocaustos havia quatro pilares pequenos e
ocos, por onde se via o sangue das vítimas. Eram estes os c o r no s do

altar em que
3Besnage tanto
afirma quefala a Sagrada
para o simplesEscritura.
sacrifício (de
 Hist. dos Judeus
um cordeiro )
empregavam-se
dezoito sacrificadores
4Os judeus não se serviam nem do sôpro da boca, nem de foles para acenderem
o fogo do altar; excitavam a chama derramando óleo sôbre os
carvões acesos. – (Hist. dos Judeus)
5Território de Nauplus (Turquia asiática) único bosque d’onde se tirava a lenha
para os sacrifícios. – (Correspondên
Correspondência
cia do Oriente, tomo IV)
6Gran sacerdote hebraico e descendente de Sansão, que morreu ao saber que os
filisteus se haviam apoderado da Arca santa, no ano de 1112 antes de
Cristo.
7Enquanto o pontífice dava a benção, o povo era obrigado a tapar dos olhos com
as mãos, afim de não vêr a mão do sacerdote, cousa que não era
permitida. Os judeus imaginavam que Deus estava atrás do sacerdote, e os
olhava através das suas mãos estendidas, e não se atreviam a levantar os
olhos para êle, porque ninguém pode vêr Deus e viver ao mesmo tempo.
(Besnage, liv VII)
8Esta oração é a mais antiga de tôdas as que os judeus conservam; alguns
escritores respeitáveis afirmam que estava em uso antes de Cristo, e que os
 Apóstolos a adotaram com preferência na Sinagoga.

20
Maria permaneceu no templo de Salomão até aos quinze
anos, sendo modêlo de virtude e santidade entre as suas
companheiras.
Fio da Virgem1 formosa até ao deslumbramento, e que
a teria adorado como a um
Deus, se não soubesse que havia um só.
Santo Epifânio, no século IV, descreve-a deste modo: “A sua
estatura era mais que mediana; a tez, levemente
Na pura e imaculada urna, que encerrava o seu espiríto,
haviam-se reunido tôdas as perfeições que o Eterno pode
conceder à criatura.
- Cobre a cabeça com o teu manto, e segue-me
- Para onde, senhor?
-suspiro
No seuda
leito de Jeová
vida. morteoestá
estáum homem para
chamando exalando o último
a casa
 

dos vivo3, e antes de deixar os parentes para sempre quer


abençoar-te.
- É meu pai, exclamou Maria na dôr mais cruel.
- Sim, é teu pai, respondeu o sacerdote, com acento
religioso. Joaquim morreu, como morrem os justos:
rodeado
da família, e ouvindo em tôrno de si as orações e os soluços
dos parentes e amigos.
c ame l ote4
- Mulher, perguntou a Virgem, por desgraça morreria a mãe
da minha alma?
- Não, respondeu a carpideira, ainda vive; porém as minhas
lágrimas anunciam, que a sua a última hora está
próxima.
- Oh! Jeová! Faça-me a vossa vontade!
1Os tecelões franceses da Idade Média, em comemoração de Maria, levavam nas

festividades
dizia: Nossaum estandarte
Senhora, com uma Virgem e uma legenda que
a rica.
2 As azeitonas na Palestina são de um verde azulado.
3O sepulcro chama-se entre os judeus a “casa dos vivos”, para mostrar que a
alma imortal aind vive depois de se separar da matéria. – (Besnage, liv 
 VII, cap. XXIV)
4Túnica de luto de lã de camelo

21
Zacarias, espôso de Isabel e pai de S. João Batista, o
Precursor de Cristo, foi o tutor que Joaquim escolheu para
sua filha na hora da morte.
CAPÍTULO III
O ANEL DE OURO
Moisés disse: “Quem não deixar descendência em Israel,
será maldito”.
Por conseguinte, a lei obrigava Maria a tomar esposo.
Qual de
entre os deuses é semelhante a ti, ò Eterno?
Estas cousas eram a esperança do povo Israelita desde que
os assírios, derrotando-o com suas vencedoras
legiões, o levaram cativo para as margens do Eufrates.
 

Segundo as sagradas tradições, vinte e quatro pretendentes


aspiraram à mão da Virgem. Entre êles encontrava-se
José, o carpinteiro de Nazaré, e Agabuz, o nobre
 jerosolimitano.
José era pobre, humilde e ganhava o sustento com o
trabalho das suas mãos. Teria quarenta anos, 2 e a sua
 veneranda
 venera nda cabe
cabeça
ça achav
achava-se
a-se cobe
coberta
rta de cans.
Porém os sacerdotes desprezaram as riquezas, e escolheram
o pobre carpinteiro de Nazaré. Deus havia-lhes
recordado o vaticínio de Isaias que dizia assim: Sairá uma
 vara da raiz de José, e da sua raiz uma flor preciosa”.
a não
ser, dizia a lei, que quisessem fazer deles uns salteadores.
Por outra parte José, ainda que pobre operário, descendia
de David; e nas outras veias, portanto, girava-lhe
girava- lhe sangue
dos reis.
Os esposórios de José e Maria celebraram-se com a poética
singeleza dos tempos primitivos. O noivo, na
presença dos parentes e dos sacerdotes, ofereceu um anel de
ouro liso e de pouco valor à futura espôsa, dizendo-lhe:
- Se consentes em ser minha espôsa, aceita esta prenda.
1Este jejum era a abstinência completa de todo e qualquer alimento por espaço
de 24 horas.
2 Alguns escritores atribuem a S. José oitenta anos na época do seu casamento;
porém entre os hebreus, a união de um velho com uma jovem era
proibida nos termos mais humilhantes e vergonhosos; por conseguinte, em
 virtude de todos os pareceres e tendo em conta a lei,
lei, fixámos-lhe 40 anos
de idade.

22
z uc e s1 ,
Neste lugar assinava o marido e as testemunhas, e em
seguida continuava o contrato. “Maria consentiu em ser
espôsa de José, e de própria vontade, conforme os seus bens,
ajuntou à soma anteriormente indicada oitocentos z uc e s2 .
Depois desta cerimônia deram-se louvores ao Deus de
Israel, sendo no fim abençoados os dois esposos por um
sacerdote, que representava o pai de Maria.
 

Decorreram cinco mêses, durante os quais os parentes dos


desposados prepararam a segunda cerimônia, que era
entre os israelitas a mais importante.
i mportante. Chegou por fim o dia
aprazado, que era uma quarta-feira3 do mês de janeiro.
 A comitiva rompeu a marcha em direção ao templo. José ia
adiante, rodeado dos seus alegres amigos.
 A dança e os grit
gritos
os de al
alegria
egria com
começaram
eçaram,, e as mulher
mulheres,
es,
derramando essências sôbre os vestidos da espôsa, e
flôres pela terra que pisava, entoaram com tôda as fôrças dos
pulmões:
- Bendita seja a descendente de Davi!
O pálio recebeu os dois esposos debaixo do seu augusto
docel: Maria levava o rosto coberto com um véu, e José
ia envolvido no seutale t.
- Eis aqui, disse José colocando um segundo anel no dedo
médio de Maria, eis aqui o sinal
si nal da nossa união; tu és
Depois um parente encheu de vinho uma taça de vidro,
aplicou a ela os lábios e deu-a aos esposos para que
 bebessem também.
Enquanto os convidados se entregavam ao buliçoso encanto
da conversação, José disse em voz baixa a sua
espôsa:- Tu serás como minha mãe, e hei de respeitar-te
como ao mesmo altar de Jeová.
CAPÍTULO IV
O ANJO GABRIEL
Nazaré, a flôr da Galiléia, recebeu no seu amante seio os
castos esposos.
Jesus, a rosa do campo, o lírio do vale, ia ser concebido nas
 virginais entranhas da Estrêla do Mar.
O Patriarca exercia a sua profissão
profiss ão de carpinteiro em uma
loja de doze pés de largura e outros tantos de
comprimento, afastada da casa de Ana cousa de setenta
passos.
tr abal ho
23
fresca com
 Virgem comque
quemitigar
matar a sede,
fome,saboroso pão amassado
um teto hospitaleiro quepela
os
 

livrava dos ardentes raios do sol, e um homem bom e afável


que lhes oferecia a sua pobreza com o sorriso nos lábios.
O braço de José era forte, e mais de uma vez o santo
operário derrubou a golpes do seu machado as robustas
árvores do Carmelo.
 Assim decorreram dois meses. O anjo da paz abrigava
debaixo das suas niveas asas a modesta morada dos
futuros pais do Messias.
Um tarde3 José encaminhou-se para o monte. O crepúsculo
 vespertino só derramava sôbre o mundo essa dúbia e
 vaga claridade que o sol deixa após si. A noite estava
próxima e José não voltara ainda do Carmelo.
- Eu te saúdo, Maria, cheia de graça: o Senhor é contigo: Tu
és bendita entre tôdas as mulheres.
Maria, com os olhos fitos no chão, não se atrevia a descerrar
os lábios.
, volveu o anjo com doçura, inclinando
i nclinando a fronte,
- Como há de ser isso se não conheço varão? – disse Maria
singelamente, não sabendo como conciliar o título de
mãe com o voto de virgem oferecido junto do altar do Sião.
“A virgem não duvida, diz S. Agostinho. Ela E la deseja instruir-
se no modo como deve operar-se o milagre”.
- O espírito Santo descerá sôbre Ti,  ajuntou o anjo, e a
virtude do Altíssimo te cobrirá com o seu nome. Eis
porque o Fruto Santo que de ti há de nascer será chamado o
filho de Sion.
O mensageiro de Jeová quis deixar uma prova da verdade
das suas palavras à Virgem escolhida comoco mo a urna
santa, que devia ser por nove meses a depositária do Verbo
Divino; e por conseguinte continou:
- Isabel, tua prima, concebeu um filho na senectude, e este é
o sexto mês de gravidez daquela que era
reputada estéril, porque nada há impossível a Deus.
Maria, comovida ante os benefícios de Deus, julgando-se
j ulgando-se na
sua grande modéstia indigna da escolha com o que
o Eterno a honrava, inclinou a fronte com humildade
dizendo:
 

- Eis aqui a escrava do Senhor; cumpra-se em mim o que a


sua palavra ordena.
maometanos para o de Meca, os sabeus par ao meio dia e os magos para o
Oriente. – (Orsini)

24
 Antes de transpôr os humbrais dos ricos parentes da rosa de
Nazaré, diremos duas palavras a respeito do pai de
S. João Batista. Ouçamos o que diz Ataulfo da Saxônia,
referindo-se ao texto de S. Lucas:
 Até aqui! Ataulfo da Saxônia.
- Eu sou velho, minha espôsa também. Como poderei saber
que é verdade o que me dizes?
Os olhos do enviado de Jeová despediram um raio de luz
celestes, que foi ferir a língua do incrédulo.
Isabel lançou-se nos seus braços dizendo:
- O Deus de Jacó ouviu as minhas súplicas. Sou mãe! Sou
mãe! Sinto nas minhas entranhas o germen de um
CAPÍTULO V
A PAZ SEJA CONTIGO
 A jovem e formosa viajeira, montada n’a modesta burrinha
e rodeada de algumas boas mulheres, que com ela se
dirigiam para as montanhas da Judéa, abandonou em uma
manhã a pátria adotiva.
1Segundo o que estabelecera Davi, os sacerdotes judáicos estavam dividios em
24 turnos, cada um dos quais servia no templo uma semana. Cada
turno estava subdividido em sete partes. Zacarias era dos turnos de Abia. –
(Prid Hist. dos Judeus)

25
Kar avanse re y
 via sanguinária
 A virgem viu chegar a nobre anciã com o semblante alegre
alegre e
cheio de felicidade, e inclinando para o chão a
fronte, disse com doçura:
- A paz seja contigo!1
Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do
teu ventre!
 

E vendo que Maria conservando a sua humilde atitude não


proferia palavras acrescentou:
Isabel, a imortal espôsa de Zacarias, ferida nos olhos da
alma pelo sôpro misterioso de Jeová, tinha visto através
do ignorado futuro o trono de glória, que o Eterno reservava
a sua prima.
Porém ouçamos as palavras da Virgem, o cântico poético e
sublime do Novo testamento, o mais inspirado, o
mais harmonioso das Santas Escrituras, dêsse livro que tem
sido e será eternamente, o inexgotável manancial da
be he mot h3
1Esta saudação foi empregado por Cristo muitas vêzes, e hoje é muito comum no
Oriente.
2Neste vale possuía Zacarias duas casas. A entrevista efetuou-se na primeira,
que está mais ao ocidente de Jerusalém, e o nascimento de Batista na
segunda.
3 Animal em que fala o livro de Job. Uns julgam
julgam que é o hipopótamo, outros o

rinoceronte; porém
o qual consumia segundo
todos oTaalherva
os dias mu dde
 dos judeus
dez é o touroque
montanhas, primitivo,
tornavam a
cobrir-se de nova vegetação durante a noite para o alimentar. Êste touro, no
dia do juízo, será comido pelos fiéis em um banquete presidido pelo Messias
que, segundo êles, deve vir ainda salvá-los.

26
“Então, à imitação do Salmista, a Virgem Santa convidava a
natureza inteira a bendizer com Ela o Criador. Nas
suas excursões através dos prados comprazia-se na
contemplação das flôress, que encontrava ante os seus
passos.
par aiz os
 profeta e mais que profeta
O vinho das colinas de Engahdi, que o mordomo do
príncipe dos sacerdotes guardava em cubos de pedra,
circulava em ricas taças que os criados enchiam com
semblante alegre.
Maria, tão sóbria no seio da abundância como no da
mediania, contentava-se com algumas frutas, um pouco de
pão, e um copo de água da fonte deNa pht oa .
 Assim decorreram
decorrera
para a idosa m três
Isabel umameses, d
durante
urante
filha terna os quais Maria
e solícita. Maria foi
 

Zacarias, entretanto, mudo e surdo por causa da sua dúvida


ante o enviado de Jeová, esperava com santa
resignação que a bondade do céu descesse sôbre êle,
devolvendo-lhe os preciosos sentidos que lhe tinha tirado.
Os parentes reuniram-se, e tratou-se do nome que se devia
pôr ao recem-nascido. Todos optaram pelo de
Zacarias; porém Isabel disse aos parentes com firme e
segura:
- Não, meu filho será chamado João
Então, o velho sacerdote, a quem por sinais os parentes
perguntavam, que nome devia pôr-se definitivamente a
seu filho, pediu uma taboinha encerada e um ponteiro, e
escreveu estas palavras, com mão firme:  “João é o seu
nome”.
Os circunstantes entreolharam-se com assombro.
Por fim, chegou a hora em que a Virgem Santa devia
abandonar a casa dos seus parentes, e depois de abraçar e
abençoar o recem-nascido, voltou para Nazaré,
acompanhada por alguns criados de Zacarias.
O nascimento do Batista foi festejado como o do flho de um
príncipe hebreu. Os habitantes de Ain regosijaram-
se por espaço dalguns mêses com as festas, que o sacerdote
fez em celebração de tão fausto acontecimento.
Porém quem, não sendo um Deus, teria podido levar a cabo,
em tão curto tempo, a obra da redenção que salva a
humanidade?
G ul i st on
Mais adiante tornaremos a ocupar-nos de S. João Batista.
 Agora regressemos a Nazaré, onde nos esperam outros
acontecimentos.
CAPÍTULO VI
1Os hebreus gostam muito de comer debaixo das ramadas, já pelo calor
excessivo naqueles climas, já pelo antigo costume dos seus antepassados, que
por tantos anos viveram debaixo das suas tendas durante as suas longas
es – (Fleury , Costumes dos israelitas)
peregrinações
peregrinaçõ

27
O EDITO DO CÉSAR
 

: “A honra da filha de um príncipe consiste no interior


da sua casa”.
 A Virgem chega à fonte; algumas nazarenas,
nazarenas, que a seguem,
chegam também, e trocando a saudação dos
Então as filhas de Nazaré reunem-se em tôrno da fonte. O
estado da Virgem não escapou aos seus curiosos olhares.
Uma delas observa às outras que Maria está grávida;
regosijam-se e tenciosam propagar a nova pela povoação.
Então José, suspendendo o seu solilóquio, derramando um
mar de lágrimas, permaneceu mudo e silencioso por
alguns instantes.
- Ela foi reconhecida
reconhecida grávida1 - tornou a murmurar o
patriarca – todo Nazaré o sabe; os meus parentes já
Aquele que tem consigo uma mulher adúltera é um louco,
um insensato?
Como devia sofrer aquele santo varão nos momentos de
dúvida que o devoraram! Faltar à lei ou desonrar sua
espôsa, eram os dois caminhos que a sua crítica situação lhe
apresentava.
A paixão dos ciumes é dura como o inferno, e o marido não
perdôa, no dia da vingança.  Isto disse Salomão.
A mulher adúltera deve morrer, escreveu o grande
legislador dos hebreus no monte Sinai.
1Os E va n g el ho s.

28
José adorou os misteriosos decretos do Eterno, e vendo em  
Maria, a mãe do futuro Redentor, envergonhou-se
das suspeitas que concebera.
ímpio império
- Nada de bom pode sair da Galiléia, haviam dito as
Escrituras.
E os profetas designavam Belém de Judá como o lugar
destinado ao nascimento do Messias.
K ar avanse r ay
k aravanse r ay
CAPÍTULO VII
 

O BERÇO DO MESSIAS
1 A época da vinda de Cristo não é dogma: é sómente o seu nascimento. A
multidão de autores que escreveram sôbre este assunto, discrepa de
2Os jumentos da Palestina são de notável beleza.

29
Belém, terra imortal, cidade santificada, desperta do teu
sono, porque está a amanhecer o dia, e uma multidão de
dromedários trepa pela tua suave encosta.
Os cavalos árabes, esporeados pelos cavaleiros
luxuosamente vestidos, relincham e caracolam,
manifestando
assim o fogo do seu sangue e a pureza da raça.
- A paz seja contigo, bom velho, disse José saudando o judeu.
- Que queres?
- Minha espôsa e eu vimos escrever os nossos nomes no
livro de Cesar; somos de Nazaré, e pedimos-te por
E voltando grosseiramente as costas a José, pôs-se a falar
afávelmente com um romano, cujo cinturão de ouro e
30
- Não cabes aqui, galileu, respondiam-lhe os inopistaleiros
inopi staleiros
habitantes de Belém.
E José, tornava a suplicar, e as suas súplicas eram
desatendidas.
. Os dois esposos deram graças ao céu por lhes ter
deparado aquela asilo selvagem; e Maria apoiando-se ao
braço de uma
formava José,espécie
foi sentar-se sôbreestreito
de assento uma pedra nua que
e incômodo.
Pouco a pouco seus olhos foram acostumando-se à
obscuridade que os rodeava ; e então viram que não
estavam
sós. Um boi manso e tranquilo ruminava pausadamente
pa usadamente os
últimos restos do seu jantar.
José colocou a jumentinha junto ao boi, em seguida
estendeu o manto de peles aos pés da Virgem, e sentou-se
s entou-se
sem descerrar os lábios.
Maria, a imaculada nazarena, a filha de Davi, a imortal
senhora nossa, deu à luz naquele miserável presépio, sem
 

socorro, o Messias prometido, o Rei dos reis, o Filho de


Deus.
 A terna mãe colocou o Divino, recem-nascido sôbre a palha
da mangedoura e, ajoelhando aos seus pés adorou-o
como ao enviado do céu. José imitou sua espôsa.
 A noite era fria
fria,, a caverna,
caverna, hú
húmida
mida e d
desabrig
esabrigada:
ada: acender
acender
luz era impossível; porém o manso boi e a inofensiva
 jumentinha prestaram o suave e temperado
temperado calor da sua
respiração para abrigarem o Divino Infante.
Entretanto Maria, inundada de lágrimas de prazer,
contemplava o terno Menino, que lhe enviava um sorriso
carinhoso.
- Como vos hei de chamar? exclamou a Filha dos patriarcas
inclinando-se sôbre seu Filho. Imortal? Eu
concebi-vos por obradivina! Devo aproximar-me de Vós
com o incenso, ou oferecer-vos o meu leite? Serás
necessário que vos prodigalize os cuidados de mãe, ou que
vos sirva como escrava com a fronte no pó?1
 A lua, desfeita em mil raios de prata, caia sôbre tão terno e
encantador quadro, esmaltando-o com a sua suave e
formosa luz.
Deus tinha nascido: a humanidade ia brotar do seu berço.
Os deuses do paganismo resvalavam dos impuros
altares; os sacrificadores de Roma não achavam o coração
das vítimas.
Uma estrêla apareceu no Oriente: Gabriel anunciava aos
pastores o nascimento de Cristo.
LIVRO TERCEIRO
OS PEREGRINOS DO ORIENTE
E a Iduméia será propriedade sua: a herança de Seir cederá
aos seus inimigos,
porém Israel procederá com esfôrço.
De Jaó sairá aquele que há de dominar e destruir as
relíquias da cidade (Liv.
dos Números cap. XIV, Vaticinio de Balaão)
1S. Basílio
 

31
CAPÍTULO I
OS PASTORES
 Algumas choças humildes agrupadas pelo amor na raiz de
um monte indicavam ás peregrinas caravanas que
aquilo era uma povoação. Esta povoação chamava-se o povo
dos Pastores.
Era o mês de dezembro, e o curso das estrêlas marcava meia
noite.
- Má profissão é a do pastor, velho Sof, quando se tem que
estar de vela em uma noite como esta.
- Tens razão, mancebo, respondeu o velho sem levantar a
cabeça; porém Abraão foi pastor e era melhor que nós;
e isso deve consolar-te.
- Porém, êsse patriarca criava a lã dos seus rebanhos para
seus filhos, enquanto que nós só trabalhamos para
pagar o tributo a Cesar e alimentar os vícios dos ímpios
romanos que, em má hora, invadiram nossa terras.
- Os romanos, que Jeová confunda, riem-se dos sofrimentos
dos judeus, disse outro pastor intervindo na
conversação.
- Como para êles não somos mais que um bando de
escravos...
- Ai dos ímpios romanos! Ai dos torpes adoradores do
sombrio Molok e da lúbrica Venus, se o Messias
prometido desce dos céus a salvar os filhos de Israel da
escravidão!...
E ao pronunciar estas palavras, nos olhos da ancião na
expressão do seu semblante, via-se algo extraordinário e
profético.
- Muito tarde, o Messias, bom velho, atalhou outro pastor.
E, entretanto, o sanguinário Herodes trata-nos como
cães e ri-se da nossa dôr e das nossas esperanças.
- Respeitemos os decretos e desígnios de Jeová.
- Melhor seria se todos os israelitas corressem a unir-se com
os bandos de homens livres da montanha para
expulsarem os estrangeiros de Judá.1
 

- Os assassinos e os salteadores, nunca podem devolver a


liberdade aos filhos de Abraão. Só ao Messias é
permitido gular-nos na noite escura do nosso infortúnio.
Esperemos, pois, a sua vinda.
- A paz de Deus seja convosco, disse uma voz doce e
harmoniosa, a cujo acento se comoveu o coração do
ancião, que se pôs em pé.
- Quem é? Entre com Jeová, disse o velho pastor. Se fôres
 viandante e procuras albergue, entre e toma a minha
pele de carneiro par a tua cama; se tens fome, vem servir-te
do pão do pobre e do leite das suas ovelhas.
 Aquela formosa aparição encheu de assombro os pastores.
- Quem és? – perguntou o ancião com espanto.
- Gabriel me chamo, e venho dar margens do Tigre guiando
três reis magos do Oriente que abandonaram a
- Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens!  
 Ajuntou o recem-chegado.
Do seu corpo saiam torrentes de clara e viva luz. Cânticos
celestiais ecoaram no espaço, repetindo:
- Glória a Deus, paz aos homens! Glória nos céus, paz na
terra ás criaturas de pensamento humilde e de
coração singelo.
Os pastores, assombrados e tímidos ante aquele prodígio,
começaram a retroceder.
1Estes bandos de homens livres sobressaltavam bastante a Herodes e aos
romanos. Alguns tinham uma bandeira política; outros não eram mais que
hordas de assassinos que entravam às vêzes em Jerusalém, cometiam crimes
horríveis á luz do meio dia e no meio das ruas. – (Flavius Josephus)
32
O desconhecido mancebo dispunha-se a abandonar a choça,
quando o velho pastor, prostando-se-lhes aos pés,
O anjo desapareceu, a brilhante claridades dissipou-se, os
cânticos celestes cessaram. Então os pobres pastores
olharam uns para os outros com assombro.
- Abraão! Abraão! – exclamou o velho jubilosamente. Deus
sem dúvida quer que os bons tempos voltem, pois os
anjos descem do céu a visitar os homens.
 

- Onde está o Messias? perguntaram as curiosas mulheres


ao ancião. Queremos adorá-lo e depositar a nossa
pobreza aos seus divinos pés.
Os pastores voltaram a cabeça, como levados por um
impulso alheio à sua vontade, para o ponto onde incidia o
raio estelar.
- É aqui! Exclamaram todos com alegria e com uma certeza
que admirava a êles mesmos. Entremos...
 Ao terminar o ancião as suas palavras, vários pastores
depositaram aos pés da Virgem as humildes oferendas que
traziam, e uma donzela, colocando-lhe no regaço um
cordeirinho, ajuntou:
- Aceito, meus bons amigos, em nome de meu adorado
Filho, com lágrimas de gratidão, os presentes que me
trazeis. Jeová, que está olhando por vós e lê nos vossos
corações, vos recompensará como mereceis.
Os pastores abandonaram o presépio depois de terem
adorado Jesus e, loucos de alegria, correram a espalhar a
boa nova por todos os contornos de Belém.
- O Messias nasceu! Bradavam com fé e entusiasmo os
 verdadeiros descendentes de Abraão.
Abraão. Está salvo Israel!
Glória a Deus nas alturas.
CAPÍTULO II
33
OS ÁRABES
- Ouves,campestre,
música Hassaf? disse um doscom
misturada árabes. Queda
o canto dizes
vozdesta
humana,
que chega até nós através das sombras silenciosas da noite,
e das palmeiras e das árvores da montanha?
- Digo que morreu algum desses orgulhosos descendentes
de Abraão que sofrem o judo dos romanos, e que os
- Vamos! Atalhou o outro, encolhendo os ombros. Os judeus
perderam seu antigo valor; fanáticos crentes das
- Pois bem, Elias era um raio do Deus dos israelitas, e êles
 vêm beber
beber de
desta
sta água porque dizem qque
ue end
endurece
urece o
coração e aumenta o valor.
 

- Confia menos no teu valor, atalhou Hassaf,


Hassaf , e lembra-te de
que êsses camelos que estão descansando, e a pesada
- Água, respondeu lacônicamente o recem-chegado,
aplicando a boca ao fresco manancial que deslisava entre os
Então Hassaf aproximou-se de um dos camelos, introduziu
a mão em uma cesta de palma, e tirando dela um
punhado de pêssegos secos, disse:
- Toma. Os árabes oferecem-te a amizade ao darem-te o
fruto da sua terra; já sabes que quando um filho de Agar
reparte com um forasteiro a sua frugal comida,
co mida, é porque a
sua pessoa lhe é sagrada desde aquele instante.
- Bem sei, respodeu o jovem desconhecido, sentando-se
entre os árabes e comendo sem receio.
34
Elias. Os árabes começaram a distinguir por entre as
árvores o grupo dos alegres e madrugadores pastores que
para êles
se encaminhava. Os mercadores egípcios conheceram desde
logo que aqueles novos hóspedes eram gente de paz.
- Alto! Alto! Gritaram os pastores agrupando-se em volta dos
camelos.
- Sim, alto! Ajuntou uma pastora com alegre e sonora voz.
Bebamos da água santificada pelo profeta Elias, e
continuemos a jornada, se os da caravana o permitirem.
- A água é do céu. Deus derrama-a sôbre a terra para
aplacar a sêde dos homens. Maldito seja aquele que a negar
aos seus
entre semelhantes!
as áridas Afogado
areias do se veja por falta de água
deserto!.
O árabe que pronunciou estas palavras apresentou com
gravidade um púcaro de ferro à pastora, a qual foi enchê-
- Êsse Messias, êsse Rei desejado, e que dizeis que acaba de
nascer, deve ser filho de um príncipe.Jerusalém
deve estar de festa....
- Não, árabe, replicou o velho pastor. O rei prometido teve
por berço uma mangedoura e por palácio um curral.
Sua mãe não é uma princesa poderosa, mas sim Maria,
espôsa de José, o carpinteiro de Nazaré.
 

- Ancião, pela honra das tuas barbas, pelas cinzas de teus


pais e pela paz de teus filhos,
f ilhos, suplico-te que respondas
às minhas perguntas.
- Fala.
E o misterioso homem, rápido como o gamo perseguido
pela matilha, perdeu-se por entre a espessura das
árvores.
Os pastores depois de saudarem os árabes seguiram monte
acima amenisando o caminho com os seus cantares e
com o som dos rústicos instrumentos.
- Ouviste, Ibraim?
- Sim, Hassaf, porém rio-me das ilusões dos judeus, não há
mulher na Palestina que, ao dar à luz um menino, não
o julgue o Messias.
- Porém esses pastores dizem que viram e falaram com o
mensageiro de Jeová.
- O faminto sonha sempre com os delicados manjares dos
festins de Baltazar; e os judeus sonham com o
Messias, que os deve libertar do opróbio que sôbre as suas
cabeças lançou o estrangeiro.
- A dúvida é indigna de um crente como tu.
Os árabes são muito dados à controvérsia. No entanto,
Hassaf cruzando os braços, exclamou com acento quase
imperceptível:
- Eu verei êsse menino.
Pouco depois o dia dissipou com os seus formosos raios as
últimas sombras
continuar da noite.marcha,
a interrompida A caravana
e osdipôs-se a camelos
obedientes
puseram-se em pé à voz de seus donos.
Deixemos, porém, os árabes caminhando com os seus
camelos para Jerusalém e, retrocedendo um pouco, vamos
ao encontro de outros personagens que, como os pastores,
eram conduzidos até o Menino-Deus pela vontade do
Eterno.
35
Os escravos começam a colocar as tendas, os alforges de
 víveress e os odr
 vívere odres
es de ág
água
ua para a viagem sôbre os
 

robustos e gibosos dorsos dos dromedários.


- Belchior, restitui-me a honra! Maldito sejas infame
incestuoso!
Os três reis magos iam adiante, falando amigavelmente.
 Atrás deles caminhava em silêncio o luxuoso esquadrão.
- Para onde irão? Perguntavam os seleucionos.
B re s-Ne mr od
36
- Sigamos a sua bela luz, exclamou Belchior com júbilo. Ela
é a minha esperança, nobre ancião.
- Não a percamos de vista e ela marcará o termo da nossa
peregrinação, disse por sua vez Baltazar.
- Assevero-vos, volveu Gaspar, que esta é a estrêla de Jacó,
anunciada pelo profeta Balaão. Valor, amigos, ela
será para nós como a coluna luminosa que guiou os
israelitas às desertas plagas do mar Vermelho.
E os reis magos seguiram com a fé no coração e os olhos no
céu a caprichosa marcha do seu guia radiante.
 A incredulidade de alguns filósofos nunca pôde explicar os
assombrosos acontecimentos que rodearam a vinda
do Filho do Homem.
perturbou-se em si mesmo
Jesus, filho de José, vinha recordar Joás, filho de Ocosias, e
a lembrança de Atália afugentava o sono ao verdugo
da Galiléia.
CAPÍTULO IV
JERUSALÉM
 Antes de penetrarmos no recinto da cidade santa volvamos
um olhar para o seu passado. Êste
Ês te capítulo deve ser o
itinerário que nos guie no decurso desta obra.
O povo hebreu precisava fundar uma cidade forte, que fosse
fo sse
a capital onde se assentasse o trono dos seus
senhores, o refúgio daquelas hostes que desde a saída do
Egito corriam errantes em busca da terra prometida.
 Adonisec, um dos cinco reis vencidos por Josué, fortifica-se
com o seu povo, os jesubianos, no monte Sion.
Desta fortaleza inexpugnável desafia e escarnece o exército
de Davi.
 

- Os coxos e os cegos, lhe brada Adonisec, são os que


mandarei sôbre ti. Eles bastarão para exterminar-te.
37
privilegiada do rei vão perder-se nas asas da brisa noturna,
entre as florestas de Gaboad e nas côncavas rochas do
despenhadeiro dos Cadáveres. O dulcíssimo eco daquele
canto chegou até nós. Diz assim:
Então vendo no Oriente o profundo vale de Josafá
arrastando pelo seu leito as avermelhadas águas do Cedron,
ao
Meio-dia o escarpado barranco do Geenon, e ao Ocidente o
nome dos Cadáveres, exclamou com um gôzo inexplicável:
- Jerousch al Aim, mansão da paz,tu serás a cidade forte de
Israel; eu te engrandecerei a ponto que as nações
hão de invejar-te. Eu elevarei pelo Norte, a tua parte mais
fraca, uma tríplice muralha onde se despedace a cobiça de
teus inimigos.
- Pede o que quiseres, meu amado.
Muitos destes livros perderam-se no decuso dos séculos que
rolaram sôbre êles. Mas restam-nos os Sa l m os e os
Cânticos dos cânticos, cuja poesia se avantaja em perfume
aos lírios de Gaalbó, em viço às rosas de Saaron, e em
 brilho aos diamantes do Golconda. Estes livros bastam para
imortalizar o seu autor.
Salomão chegou a ser o homem mais rico, mais feliz, mais
glorioso do mundo; mas faltavam-lhe artistas
construtores para levar a cabo o pensamento de seu pai:
pai :
edificar um templo a Jeová sôbre o monte Moria.
cidade amada
- Ditosos os que alcançam a tua sabedoria, oh, rei! Ditosos
os que te servem , oh! Senhor!
 As samaritanas fizeram-no prostar-se ante o bezerro de
ouro; mas Jeová, repreendendo a impiedade de Salomão,
anunciou-lhe que o seu reino iria para às mãos dum servo
seu.
Então o povo hebreu dividiu-se: Judá conservou-se
obediente a Roboão, filho de Salomão; Israel proclamou
 

Jeroboão. A decadência do povo escolhido por Deus


começava a passos agigantados.
Em vão Elias, raio de Deus, procura reunir aquêlo povo
desgarrado. As suas palavras e os seus milagres são
desatendidos. Os descendentes de Abraão caminham para o
abismo como uma torrente caudalosa.
 Atrás de Elias aparecem sucessivamente Jonas, Oseas,
 Amós e Isaias. A vinda do Salvador é anunciada, porém
os ouvidos cerram-se para escutarem as proféticas palavras.
 fortes de Davi
38
Setenta anos de escravidão rolaram sôbre o aflito povo de
Israel. O profeta Daniel consolava a amargura de seu
irmão: porém as harpas da donzela de Judá pendiam das
árvores e não tinham melodias para o Santo dos Santos.
Uma noite,
 vasos o afeminado
sagrados,
sagrados, ia
iam Baltazar
m ser pr celebrava
profanados
ofanados um banquete.
pelos llábios
ábios das Os
impuras cortesãs, pelos torpes adoradores do deus Belo e
pelos servis sátrapas do rei Nabonido.
Mane thecel phares.
- Esta noite é a última da tua vida.
Zorobatel guiou o seu povo até à cidade santa, e no ano
seguinte tornaram a lançar-se os alicerces ao novo
edifício destinado ao Santos dos Santos.
Duzentos anos viveram os judeus sujeitos aos persas. Uma
noite chegou os
sobressaltou atéseus
Jerusalém o estrondo
tranquilos da guerra, que
moradores.
- “Sai ao encontro de Alexandre; lança flores e palmas a seus
pés: abre-lhe as portas da cidade santa, e nada
temas”.Jadus obedeceu e o conquistador embainhou a
espada ameaçadora, vendo aquele povo que se prostrava
ante êle,
e ajoelhou-se por sua vez aos pés do sumo sacerdote.
Permenion, seu general o repreendeu dizendo-lhe:
- E acaso esse sacerdote do templo de Júpiter que visitaste
no oasis de Amon?
 

Depois de Alexandre, decorreram cento e sessenta anos. Os


seus principais capitães haviam repartido entre si os
povo conquistados por êle.
 Antioco, da raça dos Eleidas, propôs-se a total ruína do
povo de Abrão. Aqui torna a elevar-se até à epopéia o
povo de Israel.
Eadi sTasi s;M ac abe uAbdo nAf us.
Pela face oriental, costeando o vale de Josafá, e à vista do
monte das Oliveiras, achavam-se as quatro portas do
Fiemo,a do Vale, a Doura e a das Águas. A primeira caía
sôbre a fonte do Dragão, a segunda conduzia ao povo de
Getsemani, a terceira a Engadi e ao mar Morto, e a quarta
ao Jordão e a Jericó.
Pe i xe sJ udi c iá ri aGe nat
39
M ul he re sEfr ai mÂng ul o.
Como dissemos, as torres eram treze, a saber: a dasFor nal
has, aAng ul a r, a deAnani el, a Torre Alta, a de
Méa,a Torre Grande, a de Siloea, a de Davi, a de Psefine, e
as quatro restantes que se chamavam Torres das
Mulheres.
Jerusalém dividia-se em quatro cidades separadas uma das
outras por uma espessíssima muralha, para a tornar
mais inexpugnável em caso de ataque; mas todas elas sese
comunicavam umas com as outras.
 cidade dedeDavi
 cidade
 A 
montanha  ouos sepulcro
Sion, upe r i orde
, encerrava
Davi e osno seu circuito a
palácios
dos reis de Judá, de Anaz e de Caifaz.
cidade inferior
 segunda cidade cidade de Bezeta
Tal era Jerusalém sob o poder de Herodes.
 Agora entremos no seu glorioso recinto, destinado pela
impiedade de seus filhos a ser até à consumação dos
séculos um montão de ruínas.
O seu nome enche o mundo; mas enche-o com a sua
memória,
sacrificadoporque no cume
o Salvador dum dos seus montes foi
do homem.
 

CAPÍTULO V
OS PEREGRINOS
O nascimento de Jesus foi um grito de alarme as divindades
pagãs. Só Deus podia conseguir tão imenso triunfo.
Só da Deus era dado arrancar do coração do homem a
peçonhaextratar
 Vamos que o erro nele havia
algumas introduzido.
das suas estrofes, servindo-nos da
tradução do abade Orsini. Dizem assim:
“Sôbre as montanhas solitárias e ao longo dos murmurantes
ribeiros, só se escutam pranto e lamentos. O gênio
 vê-se forçado a afastar-se dos vales que habitava no meio
dos pálidos choufos”.
Por fim os reis Magos, depois de treze dias de viagem, viram
ao longe os altivos minaretes, as galhardas torres e
as fortes muralhas de Jerusalém.
Perto do caminho que seguiam murmurava a clara corrente
de uma fonte e os ilustres viajantes detiveram-se. A
uma voz do chefe do comboio os o s dromedários deitaram-se
no chão e os reis apearam-se.
Então quatro escravos africanos estenderam uma rica
alfombra de pano fino recamado de ouro sôbre a fresca
erva, e, sentando-se nela dos Magos, serviram-lhe em
delicados cestinhos de palmas saborosas tâmaras e
enroscados
40
mich mich, frugal
encarregados almoço dos orientais.
dos dromedários deram a Outros escravos
estes a sua ração de
favas secas.
De repente e quando mais tranquila se achava a luxuosa
caravana dos reis, Gaspar pôs-se em pé e exclamou com
assombro:
O estrêla, a estrela desapareceu!
Melchior e Baltazar levantaram-se, apantando da boca as
frutas que lhe iam levar as mãos. A estrêla tinha
desaparecido entre as flutuantes nuvens que se moviam
sôbre a cidade tributária.
 

- Prossigamos a nossa pobre peregrinação: a estrela


desapareceu; mas não importa: diante de nós levanta-se
uma
grande cidade digna de servir de berço ao Rei dos judeus;
caminhemos para Jerusalém.
- Sim, sim,
estrela que prossigamos
nos conduziuodesde
nossoocaminho: a misteriosa
Tigre ao Jordão, não
pode ter-nos abandonado, sem um poderoso motivo,
exclamou Baltazar.
- E depois, quem haverá na cidade dos pretores que não
saiba onde nasceu o Messias? Basta perguntar-nos ao
primeiro transeunte que encontremos e estou certo de que
nos conduzirá ao pé do berço Rei a quem buscamos.
Judi c i ár i a
Os reis tristes, desalentados, caminhavam rua adiante. A
esperança ia esfriando no seu coração.
Pouco a pouco foram-se agrupando em torno da oriental
cavalgata alguns curiosos.
Então, Gaspar, que ia adiante, inclinava-se sôbre o nervudo
pescoço do seu dromedário, e, dirigindo-se aos
curiosos espetadores, dizia-lhes:
- Dizei-me, jerosolimitanos, vós sabeis onde se acha o
Messias prometido pelos profetas, o rei dos judeus que
acaba de nascer?
Então a plebe olhava-se com espanto, e, não sabendo
sa bendo que
responder aos viajantes, fazia um movimento de
ombros. Baltazar por sua vez perguntou aos que tinha mais
perto:
- Onde está o Messias, o rei dos judeus?
- Em Jerusalém não há outro rei senão Herodes, o Grande,
nosso senhor, lhe respondia um cavaleiro com
grosseiro acento.
- Nós vimos uma estrela desconhecida no céu, replicava
Gaspar e essa estrela, não nos resta dúvida, é a que
Os reis, vendo que eram inúteis as suas
s uas perguntas, pois
ninguém lhe indicava a casa do Messias, torceram por
uma larga rua num
instalaram-se que conduzia
dos seus ao antigo palácio
arruinados pátios.de Davi, e
 

Perdida a estrela que com tanta insistência vinham


seguindo desde os seus lares, restava-lhes uma esperança.
E uma vez ali, mandaram levantar as tendas, e encerrando-
se numa delas puseram-se a deliberar.
CAPÍTULO VI
HERODES,
41 O GRANDE
 A sua idade tocava nos vinte e quatro anos, quando subiu os
primeiros degraus que deviam conduzi-lo ao trono
de Jerusalém.
O senado, ressentido com Antígono porque pedira auxílio
aos partos, inimigos acérrimos de Roma, pôs-se da
parte do ambicioso Idumeu, que chegava às portas do
Capitólio para implorar a sua proteção.
O vento da fortuna começou a soprar em favor dos dourados
sonhos do verdugo de Belém.
Herodes atacou com fereza aqueles baluartes de pedra e aço
que se colocavam ante êle como um obstáculo,
águia romana foi colocada sôbre o templo de Zorobabel.
Milhares de habitantes pereceram ao sanguinolento fio das
espadas dos seus partidários. Nem um só dos Antígonos se
livrou do seu furor, sobretudo se tinham bens que confiscar.
confisc ar.
Roma pedia ouro e Herodes era escravo de Roma.
Nunca monarca algum na terra derramou tanto sangue
inocente, nem deu cabimento no seu peito a tão baixas
paixões, como Herodes, o Idumeu, a quem a história deu o
glorioso cognome de Grande. Foi poderoso, carecendo de
42
todas as virtudes que honram e engrandecem os monarcas.
Cruel e sanguinário, regozijava-se com a dor das suas
 vítimas. Fez morrer o velho Hircano, avó de sua espôsa, o
qual lhe salvara a vida sendo governador da Galiléia.
Os anos e a alta dignidade de Hircano não detiveram o
 braço do seu ingrato assassino. O crime do pobre ancião
não era outro que o de suspeitar o seu verdugo que tinha
recebido alguns presentes do rei dos árabes.
 

Sua espôsa Mariana, a princesa mais bela do seu tempo e


que possuia um talento nada comum, morreu também
assassinada por ordem de seu marido, e pouco depois coube
a mesma sorte a Alexandra, mãe da desgraçada Mariana.
Temeroso de que seu filho Filipe vingasse sua mãe, deu-lhe
apara
morte, semno
o deter que a vozdo
fundo daseu
natureza se levantasse
coração.
Uma coroa de louro, comprada no Capitólio com c om o ouro do
rico e a indigência do pobre, manchava a sua fronte
cheia de remorso. Porque a sua vida era um remorso
contínuo.
Os seus sonos eram sempre povoados de fantasmas
aterradores, de visões horríveis que, girando em infernal
tropel pelo seu cérebro, lhe amarguravam sem cessar uma
por uma as sangrentas horas da sua maldita existência.
No mais forte destas discórdias civis foi que os reis Magos
chegaram a Jerusalém perguntando pelo rei de Judá
que acabava de nascer, pelo Messias anunciado pelos
profetas, pelo Salvador do povo de Israel.
CAPÍTULO VII
A CARTA DE ROMA
Fazia-se servir por grande número de escravos etíopes,
desses filhos da abrasada Líbia que, fieis como os cães e
imutáveis como a bronzeada cor das suas faces, adoram os
seus senhores como os deuses pagãos dos seus templos.
Para contrastar com estes, tinha outros de raça síria,
síri a, de
rosada cútis e doce expressão. Dava o nome de Cubiculo
à sua câmara, e o deG i ne o à casa destinada a guardar as
 jóias e a coroa real.
real.
B ac ante sB ai a
Durante a sua permanência em Roma, os costumes
sibaríticos dos libertos tinham-no fascinado e quis
transportá-
lo para Jerusalém.
 A vida era ali uma torrente de prazeres, um delírio
delírio
embriagador e era um luxo gastá-la. O seu afã reduzia-se a
saciar
matériaosestava
apetites do corpo,
sôbre esquecendo-se da alma. A
o espírito.
 

43
Herodes nunca conseguiu a metamorfose que se propunha
levar a cabo. Esparta nunca teria tido Atenas, ainda
que todos os tiranos do mundo lhe houvessem proposto. O
Gólgota estava destinado a Jesus Cristo; Delfos a Apolo.
................
....................................
.........................................
........................ .........................................
.........................................
.....................
Entremos no palácio de Herodes, e, atravessando alguns
salões, nos achamos num aposento luxuosamente
adornado. Num leito de marfim, estendido sobre fôfas
almofadas de pano de grã, acha-se o rei de Jerusalém.
 Ambos guardam silêncio, como se temessem interromper a
silenciosa imobilidade do monarca.
Por fim Herodes levanta-se um pouco sôbre os almofadões.
 Aquele movime
movimento nto exe
executado
cutado p pelo
elo senhor
senhor põe em pé
os esposos favoritos que lhes assistem.
E depois, dirigindo a palavra a seu cunhado, continuou:
Salomé, pegando então num frasco de prata, derramou
algumas gotas numa taça do mesmo metal e foi apresentá-
la a seu irmão, dizendo:
- Isto te sossegará, meu irmão.
O enfermo pegou na taça e, depois de lançar um olhar para
o líquido que lhe apresentavam, disse com voz
pausada:
- Bem sei que tu não me farás mal, porque me queres e teu
esposo também: vós sois a minha única família; eu
desejo pagar-vos os vossos serviços; veremos.
E bebeu o contéudo da taça num só trago.
- Mas meus filhos, que estão em Roma continuou, porque
não sacrificam de boa vontade uma galinha preta no
altar de Eucalápio para que eu recobre a saúde?
- Teus filhos, disse Aleixo com gravidade, acercando-se do
leito do enfermo, em vez de anelarem o teu
restabelecimento, acusam-te ante o César Augusto.
44
Um sorriso infernal lhe passou pelos lábios ao dizer estas
palavras. Depois percorreu com a vista as linhas
 

escritas, dizendo ao terminar, com acento estranho e cruel:


Dois raios de fogo brilharam nas pupulas de Herodes ao
dizer estas palavras. Os seus dentes produziram um
ruído áspero e estranho ao tocarem uns nos outros,
impelidos pela raiva; e as suas encarnadas mãos amassaram
aquele
Um escravo etiope, negro como um gota de tinta e
ricamente vestido, apareceu entre as cortinas que cobriam a
- Isso lhe disse, senhor; mas obstinou-se em entrar, dizendo
que era de alta importância o que tinha que
comunicar-te.
- Que entre pois esse importuno adorador de Cibele, que
nunca depositou uma pomba nos altares da castidade,
casti dade, e
que não tem compaixão do seu doente soberano.
- Marte na guerra, Apoio na paz, protejam o amigo aliado do
César, meu senhor.
- Eles te ouçam, lhe respondeu Herodes; e depois
continuou: Que importante missão te conduz àminha
estância?
Herodes estremeceu, e escorregando do leito ficou em pé ao
lado de Verutídio.
Cingo, o escravo favorito de Herodes, era um africano,
afri cano,
negro como as asas do corvo, forido como um atleta.
Para aquele filho do lago de Shiat, não havia outro adeus,
outra lei nem outra paixão que o seu
s eu senhor.
Quando Herodes o viu aparecer à porta da câmara, sorriu-
se pois sabia que para se chegar a êle era preciso antes
passar por cima do cadáver de Cingo. O Idumeu fez-lhe um
sinal indicando-lhe que esperasse. O escravo inclinou-se
conduze-os a esta sala.
- Tu, meu bravo Verutídio, junta as tuas legiões, e acampa-
as nos pórticos do meu palácio; e tu, minha querida
irmã, minha boa Salomé, consulta os médicos da cidade
acerca da saúde de teu pobre irmão.
45
CAPÍTULO VIII
A SEMANA
s upl i c ante DE
s DANIEL
 

anuncia com seu timbre sonoro que um homem pede justiça


ao meu senhor. Aqui estamos na Galiléia; eu sou o rei de
Jerusalém e posso castigar a sua desobediência.
Herodes, enquanto dizia isto, passeava, ocultando a sua
agitação, pela câmara. Cingo imóvel como uma rocha
dos Alpes seguia
esperando com a para
uma ordem vistaaasexecutar.
evoluções do seu senhor,
Uma porta secreta abriu-se deixando um oco nas preciosas
tapeçarias. O seu ranger imperceptível fez com que
Herodes virasse a cabeça com rapidez, porque em todas as
partes via o punhal do assassino. Cingo empunhou o cabo
do
achava-se rodeado dos doutores da lei e dos príncipes dos
sacerdotes.
 Absortos os nobres anciãos ante o seu rei sem poderem
compreender a causa daquela reunião, esperavam
silenciosos e graves ouvir da boca do seu senhor o que eles
não podiam adivinhar.
Depois duma breve pausa, durante o qual Herodes procurou
ler com um olhar escrutador do coração daqueles
anciãos, disse com doce acento e o sorriso nos lábios:
em que lugar deve nascer o Messias?
Os sábios conhecedores das Sagradas Escrituras, ainda que
absortos ante a inesperada pergunta, responderam
sem hesitar:
- Em Belém de Judá.
Herodes perturbou-se em si mesmo, permaneceu alguns
instantes como aturdido e sem saber o que dizer, pois
aquelas profecias que via quase realizadas, desorientavam-
no.
Os anciãos de Israel, perceberam o efeito que a sua resposta
causara no tirano de Jerusalém, e, desejoso de
subjugar o favorito dos romanos, um deles continou deste
modo:
 A estas palavras proféticas pronunciadas pelo mais velho
dos juízes, seguiram-se alguns instantes do sepulcral
silêncio.
 

- Agradecido, sábios doutores, satisfizestes uma curiosidade


que me preocupava há alguns dias. Jeová cumpra os
 vossos desejos; agora podeis retirar-vos.
- Nós, responderam os sacerdotes, somos teus súditos; até
que o Messias apareça entre os homens, manda e serás
obedecido.
46
novo Rei de Judá que acabava de nascer
E Herodes, como se houvesse esgotado as últimas forças do
seu espírito enfermo, deixou-se cair desamparado
Herodes escorregou da cama, foi colocar-se diante de um
espelho, e, pegando numa redoma e numa esponja,
começou a tingir o cabelo e a barba, que adquiriram
instantâneamente um brilho e um negro admirável.
- Esses caldeus poderiam desprezar-me vendo as minhas
cãs; porque
Herodes, os velhos são
procurando fracos...
serenar E precisodepois
o semblante, enganá-los,
de cingir
a coroa e colocar sôbre os ombros um rico e luxuoso
manto romano, foi sentar-se num dos divãs, tomando uma
atitude nobre e magestosa.
Quando os três Magos apareceram à porta da câmara,
Herodes era outro homem diferente do que acabava de ver-
se só com a sua consciência.
 Antes de
de lhes falar eesteve
steve observand
observando-os
o-os com vagar, como
como se
quisesses ler-lhes nos corações.
Os Magos,
saudado que com
o senhor deosJerusalém,
braços cruzados sôbreasosuas
esperavam peito tinham
ordens junto da porta, imóveis e silenciosos. Cingo lia nos
olhos de seu amo e foi esconder-se com alguns
companheiros
ao rei de Jerusalém
LIVRO QUARTO
47
CAMINHO DO EGITO
CAPÍTULO I
OS QUATRO REIS
 

- Sábios do Irã que chegastes às minhas terras em busca


dum rei que acaba de nascer, eu vou saúdo, disse
Herodes, depois de contemplar um breve momento os
caldeus.
Os discípulos de Zoroastro, os gentis adoradores do sol,
inclinaram-se respeitosamente,
dos três, e conhecedor da língua ehebraica,
Gaspar, disse:
o mais velho
- A esperança de encontrarmos esse rei nos traz das
margens do Tigre à tua cidade, que os deuses protejam; mas
as nossas esperanças desvaneceram-se como um sonho.
- Deus,o grande Peregrino do céu, tem a sua tenda no sol;
nós mortais peregrinos da terra, levantamos as nossas
- Balaão predisse uma estrela que devia aparecer na época
do nascimento dum grande rei, o qual estava
destinado a passar o seu estandarte vencedor do Oriente ao
Ocaso.
- Mas essa estrela não a vimos em Judá: os meus sábios
nada me disseram. Como, pois, me explicais uma coisa
tão estranha? Como, pois, se anuncia o Deus invisível dos
hebreus, o verdadeiro Jeová, na terra dos pagãos, e não na
- Noite e dia brilhou sôbre as cabeças dos nosso
dromedários, guiando com a sua misteriosa luz os nossos
homem e incenso como a Deus. Beijar os seus pés, render-
lhe vassalagem e adorá-lo como merece um Anunciado dos
céus.
O Idumeu havia-lhes armado um laço, e satisfeita a sua
curiosidade, despediu os reis dum modo cortez e
lisonjeiro, dizendo-lhes:
48
- Ide informar-vos exatamente desse Menino, e, quando o
houverdes encontrado, fazei-me saber para que eu
também vá adorá-lo e celebrar um banquete de nascimento
à usança do vosso país.
Os Magos saíram do palácio de Herodes, encantados do
 bondoso caracter do rei protegido do Capitólio.
Descendo a escada, Gaspar disse aos seus companheiros:
 

- Se o rasto de sangue humano que tinge a terra de Israel


não o fizesse um assassino
assassi no desprezível, julgaria que
este homem não é o que dizem.
O novo personagem que assim se introduzia sem se
anunciar no quarto do verdugo de Mariana, era um menino
de dozeromano
O traje a quatorze
queanos,
vestiadeficava
altivoperfeitamente
f icava e formoso semblante.
ao seu talhe
esbelto. Apesar dos seus poucos anos, pendia-lhe o
arco do braço, a aljava dos ombros e a espada curta da cinta.
Este menino chamava-se Aquiab, e era um dos inumeráveis
netos de Herodes. Na família chamava-se o
Favorito;havia-se educado em Roma com o esplendor dum
príncipe, às espensas de seu avó, que o amava de um
modo indizível, avivando com este afeto os ciúmes dos seus
filhos, e particulamente de Arquelau, pai de Aquiab.
CAPÍTULO II
A Q U I A B
Herodes, o Grande teve nove mulheres, vinte filhos e um
número ainda mais considerável de netos.
Sucessivamente coube a mesma sorte a Meltaca, Palada,
Olimpiada, Fedra, Elpides, Roxana, Salomé, e outras
duas de cujos nomes não nos recordamos.
Herodes viu o perigo que o ameaçava; teve medo da sua
numerosa família; viu cem punhais sôbre a cabeça
prontos a descarregar o golpe fatal e disse consigo:
“Matemos: os mortos não se vingam”.
Sem embargo, era preciso buscar um pretexto para
desculpar-se aos olhos de César, seu aliado, e de Israel,
Isra el, sua
escrava. Entre as princesas repudiadas, Mariana era a mais
temível pelo seu claro talento e deslumbrante beleza.
Entre os seus netos, o favorito era Aquiab, filho de
 Arquelau, a quem destinava a coroa de Jerusalém.
Jerusalém.
Só seis pessoas rodeavam o rei: Salomé, sua irmã, Aleixo, seu
cunhado; Cingo, seu escravo; Vertúdio, general
legionário; Arquelau, seu filho, e Ptolomeu, o velho guarda-
selos. Depois destes todos os habitantes de Israel eram tidos
49
 

Herodes voltou a cabeça, e, ao ver seu neto, apareceu-lhe


um sorriso nos lábios.
- Como me achas? lhe perguntou com estouvamente o
menino, dando uma viravolta para que o visse melhor.
- Estás mesmo um capitão de César. Mas a que vem esses
aprestos
Herodes,militares em tempo
o feroz verdugo de paz?era
de Belém, Por queante aquele
fraco
menino, como Sansão aos pés de Dalila.
- Ptolomeu é um servo fiel e proibo-te que lhe queiram mal,
respondeu com doçura Herodes.
- “Deixar-me? lhe disse.
- Amanhã passamos a Jericó; só os deuses sabem como
encontrarei o meu discípulo quando regresse a
Jerusalém”.
- “Porque não me levas contigo? lhe tornei.
- É preciso que teu pai Arquelau o consinta.
- Ah! Pois então de certo não vou... Mas tu és o rei; aqui
todos te prestam obediência; quem ousará contradizer
uma ordem tua?
Herodes, que como todos os adulados era fraco ante a
adulação, passando carinhosamente a mão pela cara de seu
neto, disse-lhe:
- Irás.
O jovem deu um salto, e pendurando-se aos ombros de seu
avô e cobrindo de beijos aquelas barbas encanecidas
filho Aquiab perdeu a alegria à vista do pai.
Herodes, que estremecia a cada palavra que pronunciava,
procurou dominar-se dizendo:
 Aquiab beijou a mão de seu avô e saiu da câmara saltando
de alegria. Quando Arquelau e Herodes ficaram sós,
disse este a seu filho, baixando a voz:
- Serás obedecido, respondeu com prazer Arquelau, em cuja
 veia ardia
ardia o pobr
pobree sangue
sangue de seu
seu pai. En
Entretant
tretanto,
o,
dorme tranquilo; tu reinarás em Galiléia ainda que seja
preciso para isso encher o Cedron de sangue humano.
Herodes, chegando-se à janela, pela qual começavam a
entrar os raios de sol nascente, agitou um lenço, e
 

imediatamente ressou na praça o toque das trombetas.


Depois pegando na vara de metal, tornou a tirar da folha de
aço
- Ora! Os médicos sempre acabam pelo mesmo; quando se
 vêm perdidos, entregam o corpo nos braços da
natureza. Vamos.
50
de viva el-rei ressou na praça. Herodes, depois de saudar
com um sorriso seu neto e com um lenço os seus soldados,
disse ao seu escravo Cingo:
- Para Jericó!
- Para Jericó, repetiu Cingo ao guarda-seios, o qual
transmitiu a ordem a uma centurião romano.
Deixemos o Idumeu prosseguir o seu caminho, abismado
nos seus sanguinários planos, e tornemos a encontrar
os peregrinos do Oriente, os sábios de Selêucia.
CAPÍTULO III
A ADORAÇÃO DOS MAGOS
cisterna dos magos
Os viajantes, sem se poderem contar, fazem um movimento
de terror, crendo que um raio caía sôbre êles para os
exterminar.
Mas o fogo do céu não chega à terra; ficando suspenso no
espaço, a pequena distância das suas cabeças, envia-
lhes as cambiantes irradiações dos seus formosos raios que
esmaltam quanto tocam os seus brilhantes reflexos.
- A estrela, a nossa estrela! Exclamaram jubilosos os reis,
levantando os braços para o céu com religioso
movimento.
- A estrela, a estrela! Repetem com louco entusiasmo os
escravos e soldados da caravana.
Por fim o divino astro deteve-se por cima duma pequena
cidade que descansava no topo duma colina.
 Aquela cidade era Belém de Judá,
Judá, pátria imortal, berço
santificado do Redendor do homem.
Gi nastanDi ve sPe r i sCá uc aso
Cáspio converteram em torrentes de cambiantes côres e em
mares de brilhante luz só com o lhe tocarem com sua
 

 varinha misteriosa?
Prostarem-se ante o Filho de um pobre operário três
poderosos reis do Oriente, no tempo da  vinda de Jesus
Cristo, era tão inversossímil, tão portentoso, como esgotar o
Oceano à força de braços e converter o deserto de Saara
num vergel
poderia frondoso
levar dasportentosa
a cabo tão margens do Eufrates! Só Deus
transformação. Só o
Filho
de Deus podia conduzir junto do seu berço, com os pés
descalços e o pó na fronte, Gaspar, Melchior e Baltazar.
Postos de joelhos ante Jesus, os potentes reis adoraram o
recém-nascido como os príncipes do Oriente
Ori ente adoravam
então os seus deuses e soberanos.
51
 Abriram os ricos cofres que levavam e tiraram para
depositar aos
perfumes pésdo
árabes deIemem.
Messias, ouro puro de Ninive a granel e
- Tu és o Messias prometido... Tu és o meu Deus, o teu
glorioso nome cravar-se-á no meu coração eternamente e
murmurando estas palavras.
- O Messias nasceu; Jeová apiedou-se por fim dos
descendentes de Jacó; creio nele e hei de adorá-lo enquanto
 viver.
Esta revelação foi feita em sonhos, segundo o Evangelo, e no
dia seguinte os discípulos de Zoroastro deram
graças
as Aquele
praias cujas tenda
infecundas está
do  lago no sol,,  e
Maldito emencontrarem
para vez de tomarem
B e m-bui e r
 de cor negra ou escura,
: que do Oriente havia de nascer a fé verdadeira do
Messias anunciado pelos profetas.
CAPÍTULO IV
A ANCIÃO E A PROFETISA
52
Simeão o homem justo
 

lágrimas permaneceu estático contemplando o cândido


semblante do Menino-Deus.
Maria, cada vez mais admirada das palavras do ancião
olhava-o sem despregar os lábios, como se através das
suas misteriosas palavras visse o doloroso futuro que os
céus chegou
 Ana lhe destinavam.
ao templo na ocasião em que o Menino Jesus se
achava ainda nos braços do ancião. A profetisa
detém o passo diante de Simeão. Seu rosto demuda-se, seu
coração comove-se e exclama absorta do que sente:
- Que é isto, Deus invisível!...
Então os seus olhos fitam-se
fi tam-se em Jesus... Um grito de alegria
sai da sua boca e, caindo prostrada aos pés de
Maria, diz, estendendo os braços:
- Tu és a Mãe do Messias: deixa que beije os pés do teu
Santo Filho.
Os jerossolimitanos, que respeitam o saber de Ana, foram-
se agrupando em torno dela, ansiosos de ouvir as
palavras de júbilo que a vista daquele Menino lhe arrancava.
E Ana, a inspirada profetisa, a virtuosa viúva, saindo do
templo de Sion, começou a correr pelas ruas da cidade
sacerdotal anunciando a vinda do Messias, o nascimento
nasci mento de
Deus.
 As mulheres e os velhos que se achavam nos degraus do
templo, absortos ante as palavras de Ana, apressaram-se
a pressaram-se
a beijar o humilde e grosseiro manto da Virgem
Vi rgem Maria.
lixo do mundo.
 Antiguidades Judaicas História dos Judeus
53
Esta máxima horrível e cruel praticavam-na com criminoso
escrúpulo.
O imortal Balmes o disse; nós o repetimos com êle:
“Enquanto grande parte da espécie humana gemia na mais
abjeta escravidão, exaltavam-se com tanta facilidade
os heróis até os mais detestáveis monstros sôbre as aras dos

-deuses.
-
 

- -
José terminada a cerimônia prescrita pela lei, saiu do
templo e, reunindo-se com a sua santa Espôsa, abandonou a
cidade sacerdotal, e, tomando o caminho de Galiléia,
dirigiu-se a Nazaré.
CAPÍTULO
O BOSQUE V HOSPITALEIRO
 Ainda o eco misterioso da divina relevação soava nos
ouvidos de José, quando precipitadamente chegou à porta
do quarto de dormir de sua Espôsa e lhe disse com voz
agitada:
- Maria, desperta e deixa o teu leito, pega em teus braços o
inocente Menino e prepara-te para fazer uma viagem
- Entra, José, e não temas: Jesus sorri, e o seu sorriso é
como o arco-iris da tarde que dissipa
dissi pa as carregadas
nuvens.
54
- Deus manda-nos executar o que te disse, tornou o ancião.
- Partamos, pois, e do céu Jeová vele por nós durante a
 viagem, disse Ma
Maria
ria com santa
santa resignação.
resignação.
Trindade da terra
- Ouviste, Maria? Perguntou a Virgem.
- Ouço, murmurou Maria, assim como o ruído de armas e
passos de cavalos, no extremo oposto deste vale.
- Sim, para a montanha, pelo caminho romano que conduz

-àsSão
ribeiras de Efa;
romanos, talvez sejam
murmurou José;comerciantes decompreendo
ainda que não
 bem as palavras, creio que cantam a canção do
famoso gladiador.
Maria não despregou os lábios; só pensava em seu Filho,
que apertava carinhosamente ao seio. A voz ia-se
ia -se
aproximando e pouco depois as brisas do campo levaram
até aos ouvidos da Santa Família a canção romana.
Cessando a voz, as patas dos cavalos ouviam-se a pequena
distância.Os fugitivos mal respiravam. Um momento
depois, os capacetes
cavaleiros brilhavam.romanos e as lanças trácias dos
 

Maria teve mêdo, e, levantando os doces olhos ao céu


exclamou com doloroso acento:
- Oh, doce palmeira que elevas tua linda copa até
a té aos céus!
Tu que te achas mais próxima de Jeová que esta
pobre Mãe, dize-lhe que não abandone meu inocente Filho.
- A ordemsede
tivermos não enos proibe que
acharmos bebamos uma
na passagem água fonte,
quandodisse um
dos cavaleiros tirando o capacete e enchendo-o no
manancial.
- Por Júpiter! Que a infamante pena das varas não havia de
deter-me se tivesse sêde e achasse um manancial tão
claro como êsse que serpeia aos pés do meu cavalo.
- Que opinas tu da nossa mensagem, amigo Caio? disse um
dos soldados depois de beber água, dando o capacete
ca pacete
cheio a outro que ainda permanecia sôbre a sela.
s ela.
- Opino, Otávio amigo, que o tributário Herodes uivará
como um cão raivoso quando nos vir regressar a Jericó
sem os reis Magos.
- A terra sem dúvida enguliu esses estrangeiros.
- Alegro-me, volto a Esculápio. Nós soldados da invicta
Roma, não viemos à Palestina perseguir criancinhas e
encarcerar indefesos peregrinos.
- Herodes paga e manda na Judéia, replicou um herodiano
da comitiva.
55
- Roma
meu protege-o,
amo, tornou
será sempre o romano
o senhor com império. O César,
do Oriente.
O herodiano mordeu os lábios de raiva e foi ocultar a sua
perturbação no claro manancial da fonte.
Deus, sem dúvida para evitar à aflita Mãe uma hora de
horrível e mortal angústia ouvindo a pouco passos a
conversação dos perseguidores de seu Filho, fez com que
descesse sôbre êles o fluído misterioso e reparador sono.
CAPÍTULO VI
O BOM LADRÃO
- É isto um
coração. sonho?
Vive aindadizia a Virgem
a vida apertando
da minha o Filho
vida? Deus de ao
 

 bondade! Seus ímpios perseguidores não derramaram o seu


precioso sangue?
Nunca mãe alguma sofreu tão contínuos receios, tão
terríveis temores por seu filho, como a Santa Virgem por
Jesus. Parecia que o céu lhes retirava a sua proteção, ou
punha à prova sua
Como poderão paciência
os pobres e sofrimento.
Nazarenos atravessar tão dilatado
caminho, sem outro auxílio que a sua modesta
cavalgadura, que se enterrará na movediça areia como o
cadáver na sua cova para não tornar mais a sair dela?
56
- Alto ou morres!
- Que mal vos fizeram esta pobre Mãe e seu inocente Filho
para levantardes os vossos punhais contra êles?
Dimas (pois era êle o que
q ue pronunciara aquelas
tranquilizadorase aproximando-se
companheiros, palavras) abriu passagem por
de S. José, entre
que os seus
estava
absorto, sem despregar os lábios, disse-lhe:
mate l ô
- Agora, bom velho, segue-nos com a tua Espôsa; meu
castelo está perto e deves aceitar a hospedagem que te
ofereço até que cesse a tempestade que ainda ruge sõbre as
nossas cabeças.
 Ao deixá-los sós, pediu licença para beijar o menino e Maria
apresentou-lhe Jesus, dizendo-lhe:
-Dimas
Beija-o, senhor, umbeijo
imprimiu pois tu ona
protegeste.
fronte do Messias, e depois,
saindo da habitação com seus companheiros, disse-
lhes:
- Não sei o que senti no meu peito ao tocar com os lábios
aquele Menino; mas parece que me acho como se todo
o meu sangue se houvesse purificado.
Pouco depois todos dormiam no castelo;
cas telo; somente as
noturnas gralhas se agitavam nas bordas das muralhas e
nas
fendas das rochas.
 

- O dia está belo, lhes disse; subi comigo para que vosso
Filho aspire o ar puro da montanha.
Os hóspedes seguiram Dimas, admirando-se da
 benevolência do bandido. Dimas, fascinado ante o olhar de
Jesus, não apartava os olhos daquele formoso Menino.
-muros
Aquelas
sãoovelhas
nossa; eque tranquilamente
aquele cordeirinhopastam
branco àcomo
sombra dos
leite de sua mãe é teu; eu te dou para te lembrares da
hospedagem que te ofereceu o facínora dos montes de
Samaria.
- Se és bom, se no teu coração ainda não se extinguiu o
amor aos desgraçados, porque não abandonas esta vida
de sobressaltos e crimes, que pode conduzir-te à perdição?
57
- Tua morte será gloriosa... e morrerás comigo.
Trinta e dois anos depois, Cristo, sôbre o Calvário,
recompensava com estas palavras a caridade hospitaleira do
Bom Ladrão:
“Hoje, estarás comigo no Paraíso”.
 A tradição sobre que baseamos a lenda que precede, diz diz
assim:
CAPÍTULO VII
A CARAVANA
58
Cristo), e desde então as suas torres derruídas servem de
assento a seus pacíficos habitantes quando, nos ardentes
mêses
de canícula, vão respirar a brisa da tarde à sombra das suas
 belas palmeiras.
Dimas tinha cumprido a palavra, porque um branco
cordeirinho começava a saltar junto de Maria, a qual, com
doce e maternal solicitude, mostrava a seu Filho o presente
do bandido.
- Maria, lhe disse José, depois de terminar o trabalho: Deus
quis conduzir-nos sãos e salvos à porta do deserto;
Deus nos tirará a salvo das terríveis solidões que vamos
atravessar em breve.
 

José, levando o modesto herbívoro pelo freio, encaminhou-


se para a cidade de Gaza, que levantava os seus
esboroados muros e uns trezentos passos do lugar em que
se achavam.
Por fim o silencioso observador da Virgem fez um
movimento
resolução quecom a cabeça,
o teve como
indeciso poroalguns
homemmomentos
que aceitaeuma
encaminhou-se para a árvore onde se achavam Maria e
Jesus.
- Mulher, a paz seja contigo, disse.
- Árabe, ela te seja propícia, respondeu a Virgem.
- Perdoa, se com a minha pergunta te pareço indiscreto,
i ndiscreto,
tornou o árabe; mas a julgar pelo teu traje pareces-me
- Belém de Judá foi o seu bêrço.
- Então tu és Maria, a venturosa Mãe a quem os anjos de
 Abraão saúdam e os reis do Oriente rendem
 vassalagem.
- Meu Filho foi o que mereceu tanta honra.
- Perdôa se torno a fazer-te uma pergunta: que esperas
neste lugar, tão afastado da tua pátria? Para onde te
diriges?- Espero meu espôso. Vou ao Egito.
- Ao Egito! Exclamou o árabe com espanto, não vejo os
camelos nem o guia que deve conduzir-te.
- Deus é grande o misericordioso. Quem pode ler os seus
desígnios? Só sei que vou ao Egito.
 As misteriosas palavras de Maria, a doce e modesta
dignidade do seu acento, comoveram o velho árabe, o qual
respondeu deste modo:
- Que tens, meu espôso perguntou com doçura.
- É preciso que façamos a viagem, sós, sem um guia que nos
indique os desconhecidos caminhos do deserto, sem
um camelo que encurte as imensas distâncias que havemos
de atravessar.
59
José, com o coração cheio de alegria, foi
f oi encontrar-se com o
árabe e êste ofereceu-lhe um camelo para sua
Espôsa e seu Filho sem retribuição alguma.
a lguma.
 

- Que importa, respondeu José com alegria, se minha


Espôsa e seu Filho caminharem sem cansaço?
Pouco depois, tudo estava pronto; os comerciante de Gaza
reuniram-se com os egípcios e Hassaf o árabe mandou
levantar as tendas e empreender a partida.
CAPÍTULO
O DESERTOVIII
si mum
si m umsi mumbouc ol e s
60
- -
Maria aceitou a fineza do velho egípcio, agradecendo do
fundo da alma tanta generosidade.
Quantas amarguras, quantos sobressaltos, quantos
incômodos devia sofrer durante a perigosa e longa viagem a
delicada e terna nazarena!
Por isso quando o grito selvagem do egípcio condutor da
caravana exclama, com o prazer inexplicável do
náufrago que vê aproximar-se á frágil tábua que o sustenta,
sôbre as espumantes ondas do navio salvador, M ok al te b!
Mokalteb! grito que todos repetem com prazer indefinível,
grito ante o qual os sedentos dromedários partem a galope
61
si mum.
 A caravana, antes de penetrar na cidade de Cléopatra,
deteve-se.
Os divinos viajantes só se detiveram na cidade para
agradecerem ao seu protetor e descarregarem do camelo os
seus modestos haveres.
Pouco depois a Santa Família habitava humilde choça e ali,
naquele miserável ninho, a virtuosa mulher respirou
em paz longe de Herodes, o inumano perseguidor de seu
Filho.
LIVRO QUINTO
A DEGOLAÇÃO
62
 

CAPÍTULO I
OS FILHOS DA VESTAL
Uma esperança animava ainda o vingativo coração do
assassino de Mariana: era que seu filho não lhe havia
noticiado definitivamente a evasão dos caldeus.
-rei
Gostaria muito,como
tão poderoso exclamou o adolescente,
o nosso que tu fosses um
aliado Otaviano
 Augusto.
O Idumeu sorriu-se. O menino inocentemente tinha
afagado um desejo que Herodes teria realizado até à custa
da
sua honra.
- Povo valente, eu te saúdo e venero, o teu nome ficará
gravado na minha memória.
Herodes, sempre bom e condescendente com seu neto,
entretinha-se ensinando-lhe deste modo ameno a história
militar das nações.
- Não, meu filho, seus domínios alargaram-se pelas
conquistas. A origem de Roma tem uma história fabulosa, é
quase um conto.
- Oh! Pois já sabes que eu morro pelos contos e pelas
histórias.
- Ouve-o, pois meu filho,
fi lho, e não esqueças que um rei, por
pequeno que seja o seu reino, pode com o seu valor
convertê-lo em grande e poderoso.
Herodes abandonou a mesa e, estendendo-se no seu branco
leito, fez com que seu neto se sentasse à cabeceira
sôbre uns almofadões, e depois continuou desde modo:
63
CAPÍTULO II
AS VÍBORAS DO ESCRAVO
- Ah! Finalmente dignas-te vir ver êste pobre rei enfêrmo,
meu valente general. Trarás novas desses caldeus?
- E meu filho Arquelau que diz? perguntou o Idumeu de
modo estranho, que gelou o sangue do neto.
-deTeu filho, lheentregando-se
Jerusalém, respondeu o romano,
às fúriasacha-se no teu palácio
do averno. paláci o
 

64
- Oh!, a moléstia torna-me impotente! E Herodes levou a
mão ao peito, rasgando a magnífica túnica escarlate,
como se um áspide o houvesse mordido no coração.
Como se estas palavras fossem de uma pitonisa, correu-se
um tapete
Cingo, da parede
o etíope, e a escura
apareceu e feroz
na câmara defigura de
Herodes.
Herodes, ao ver o escravo, sorriu-se com ferocidade
f erocidade
indescritível Cingo permaneceu impassível. Nem um só
músculo do seu rosto se agitou.
- Verútidio, meu amigo, exclamou Herodes, espera-me na
antecâmara, que talvez precise dos teus serviços. E tu,
 Aquiab, já são horas de tomares o banho; vai-te.
 Aquiab beijou a mão do avó e saiu. Verutídio fez o mesmo,
mas não sem volver antes um olhar de desprêzo ao
escravo negro, cujo favor para com o rei o desgostava
altamente na sua qualidade de general e de romano.
Herodes e
- Pois bem, Cingo, emprega tuas víboras nesses dois
Meninos.
- Então quer dizer que os belemistas se propuseram ocultá-
o cultá-
lo? Pois tanto pior para eles... Eu tencionava arrancar
uma só espiga, e êles opõem-se, Cingo, será preciso segar
todo o campo.
O escravo inclinou a cabeça em sinal de acatamento, ainda
sem compreender as palavras do amo.
Herodes dizia todas estas palavras para si próprio, dando
largos passos pela câmara.
Por desgraça, os tiranos que passaram sôbre a terra com a
fronte coroada como uma maldição, como um açoite
do céu, tiveram servos leais, fiéis executores dos seus
horríveis desígnios, que não vacilaram em dar o sangue por
êles.
Porque a ferocidade, o crime, o assassínio, costumam ter
também seus admiradores; almas empedernidas, seres
degradados e repugnantes que lambem carinhosamente a
ensanguentada mão do verdugo, e se sorriem com desprêzo
 

65
 Antípatro não trazia arma mas, em compensação seu traje
estava perfumado como o duma cortesã de Roma.
Herodes tinha também um filho de que nos ocuparemos
mais adiante.
O rei, ao voltar-se
 Antípatro ao lado, afranziu
cabeçaoesobrolho;
achar-se com
mas seu
êle, filho
antes de lher
dar tempo para que fizesse a pergunta que sem dúvida estava
formando, exclamou com voz melíflua:
- Meu pai, Augusto manda-te de Roma um emissário a
quem acompanham vários soldados pretorianos: queres
recebê-lo?
- Que entre êsse enviado de Roma, disse Herodes sentando-
se nos almofadões, depois de colocar a coroa de
louro na cabeça e o manto de púrpura sôbre os ombros.
 Antípatro fez uma saudação acompanhada dum sorriso e
saiu da câmara do pai.
Pouco depois quatro escravos levantavam a pesada e larga
cortina da porta do camarim de Herodes para que
passasse o mensageiro de Roma.
CAPÍTULO III
A LEI DAS DOZE TÁBUAS
l ati cl ávi as
66
Lei das Dozes
Tábuas.
- Saúde ao César Augusto, exclamou Herodes, vendo entrar
na câmara o enviado de Roma.
pat r ono
Êste fez uma reverência, pegou no rôlo e começou a
desdobrá-lo pausadamente. A segunda carta de Otávio
 Augusto, imperador de Roma, dizia assim:
“Ao rei de Judeia, por nosso favor,
f avor, Herodes, o Escalonita,
do Capitólio: saúde.
Lei das Doze TábuasDe c ê nvi r osAug ust o” .
Herodes terminou
desencontradas a carta, que
comoções procurando dominar
lhe agitavam as
o coração.
 

Por um lado o César, o poderoso Otávio, o grande Augusto,


o senho do mundo, chamava-lheque r i do eami go, e
por outro seus filhos acusavam-no perante os tribunais de
Roma como assassino de sua espôsa.
- Com que então meus filhos acusam-se e requerem a minha
presença
- Pois bem,emromano,
Roma? eu acato a lei, e nomeio-te meu
patrono; lê-me a lei quarta dos Decênviros.
- Antes que eu te aceite por meu cliente, é preciso que
conheças os deveres que unem até o dia da sua morte o
defensor e o defendido.
- Fala, pois.
O romano pousou o livro sôbre u’a mesa e, com um gesto
indicou aos escravos que podia retirar-se. Quando
ficou só com Herodes disse-lhe:
- Juro, exclamou Herodes, estendendo a mão sôbre o livro.
Mário Cúrcio fez uma pausa, durante a qual abriu livro da
lei que deixara na mesa.
Herodes ouvia seu patrono com profunda atenção; quase
não respirava; teria dado a metade da coroa para poder
afogar com suas próprias mão os rebeldes filhos.
Os filhos não se verão livres do poder dos pais até a morte
deste, ainda que cheguem a ter netos. As filhas
casadas dependem só de seus esposos.
- Ah! pois então! exclamou Herodes sem se poder conter...
- Teus filhos são teus apesar da sua acusação.
O Idumeu pôs-se em pé, e, pegando numa varinha de metal,
descarregou uma forte pancada sôbre um timbre
ma ní pul o
67
- Descansa, partiremos amanhã ao despertar do dia.
maní p ul ocl â mi decal iga,
- Eu julgava-te no campo de Marte vencendo homens e
conquistando belas.
- Corpo de Baco!!! Antípatro! Por Júpiter “Stator” que me
apraz encontrar-te,
Macabeus, mas folgojulgava-te
de que tena cidade
aches santa dos
na cidade das rosas.
ro sas.
 

Devemos dizer que Antípatro, como todos os filhos de


Herodes, se tinham educado em Roma; rasgo de adulação
servil que o rei tributário de Judá rendeu a Otaviano
 Augusto, o imperador.
Paulo conheceu-o na cidade pretoriana e fizeram-se amigos.
 Além dissocobrar
Jerusalém Atme tinha por do
o tributo duas vêzesdeido
César; a que eram
modo
antigos conhecidos.
E Antípatro, sem esperar resposta, separou-se de Paulo,
receioso de que seu pai suspeitasse daquela
familiaridade.
- Vou fazer com teus tios Aristóbulo e Filipe o que Amúlio
fez com Rómulo e Remo, para que não me suceda o
mesmo que lhe sucedeu a êle.
E Herodes, dando em seu neto uma pancadinha no ombro,
indicou-lhe que se retirasse. Ficando só, encaminhou-
se para o leito murmurando:
- Com meus filhos me servirá de exemplo Amúlio; com o
novo Messias, com o rei de Judá, tomarei por modelo
 Atalia.
CAPÍTULO IV
O NINHO DUM PRÍNCIPE
68
tal e t
 Assim decorreu coisa de meia hora, até que por fim outra
figura
O filhohumana apareceu
de Herodes, no extremo
o efeminado oposto enfiou
Antípatro, da praça.
o braço
no de Paulo, o soldado romano, e ambos se se
encaminharam pelas tortuosas e estreitas ruas em busca
dum dos bairros mais solitários e afastados da cidade, onde
- Boa noite, Enoe, disse Antípatro ao entrar na casa, a uma
 jovem que,
que, com um lâmp
lâmpada
ada na m
mão,
ão, alum
alumiava
iava aos
dois amigos.
- A paz seja contigo, senhor, e com quem te acompanha,
respondeu Enoe com a entoação melodiosa das judias.
Paulo
amigolançou
como aum olhar à filhaquem
perguntar-lhe de Israel,
era aemoça.
depois outro ao
 

 Antípatro sorriu-se e êsse sorriso era uma resposta ao olhar


de Paulo.
- Esperai, bons senhores, tornou Enoe; o corredor está
escuro e vos alumiar-vos.
- Passai, lhes disse Enoe.
-maravilhoso:
Oh! pronunciou
a luzcom profundo
sucede assombro
as trevas; Paulo,àisto é
a ostentação
pobreza.
man up udi um
71
- Pois bem, Paulo, meu pai vai a Roma, porque meus irmãos
o acusam perante o senado como assassino da nossa
uma vez apagada no coração a voz da natureza, a luta será
terrível e precisarei de ti, Paulo.
- Fala, respondeu o romano, vendo com desgosto que
aquela ceia, que começara com tão bons auspícios, ia
terminar com uma conspiração.
Terminada em Roma a sua causa, meu pai voltará a Judá
escoltado pelos soldados pretorianos. Se ao pisar as
conheces a sêde insaciável de ouro dos meus compatriotas:
nada lhes basta quando se trata de pôr preço às suas vidas:
Depois de esvaziarem as taças, Antípatro saltou do leito e,
encaminhando-se para um dos extremos da estância,
tirou duma espécie de armário, embutido na parede mui
dissimuladamente, uma bolsa de couro bastante grande, um
72
- Pois não esqueças de que precisamos ambas as coisas.
Cingo saudou e tornou a sair do camarim por onde tinha
entrado. Herodes tornou a deixar-se cair sôbre o mole
leito como se ninguém o houvesse interrompido.
CAPÍTULO VI
CLEÓPATRA E OS TRIÚNVIROS
para não sobreviver à república que julgava perdida
nas mãos de Júlio César
si nal
precursor dalgum grave acontecimento . O povo agrupa-se
nas praças e comenta a seu modo aquele misterioso sinal
 

do céu.Passa a noite, nasce o sol, e César, com o seu


s eu manto
de púrpura, sem armas, encaminha-se a pé para o senado,
 também tu, Bruto!
Cícero, o sábio orador, acha-se já salvo na popa de uma
galera; mas teme o enjôo e faz-se conduzir a sua casa de
campo, numa liteira.
no, cortam-lhe Os esoldados
a cabeça de António
colocam-na encontram-
no senado  sôbre a
73
tribuna dos discursos: sarcasmo cruel e sangrento do feroz
 António, que arrancou lágrimas de dor aos sábios de Roma
e Grécia.
 Armaram-se as legiões; Marco e Otaviano encaminharam-se
à frente delas para a Grécia, onde Cássio e Bruto
tinham levantado um poderoso exército. Venceram-nos na
 batalha de Felipes. Lépido entretanto ficou em roma;
covarde e preguiçoso, inepto para governar aquela poderosa
nação, comete mil torpezas. Otaviano convence a Marco
  cob
ober
ertta de ou
ourro e pe
pedr
drar
ariia, cuja
cujass velas
elas eram de
púrpura e os remos de prata,
 disfarçadas de
amores agitavam sôbre a encantadora cabeça de sua
soberana vistosos leques de plumas, purificando o ambiente
com
- Dispõe-te a seguir-me a Roma com o manto de púrpura
sôbre os ombros e a coroa na cabeça; far-te-ei entrar
pela via Triunfal diante do meu carro vencedor.
 A rainha nada disse. Seus olhos, negros como a noite,
lançaram um olhar de ódio e desprêzo ao romano. Quando
se viu só, chamou Iras, sua escrava favorita, e disse-lhe,
entregando-lhe um punhado de ouro:
- Toma, procura o camponês a quem
q uem encomendei o último
adôrno do meu reinado.
- Cumpriste as ordens da minha senhora? disse.
- Sim, escrava, lhe respondeu o homem entregando-lhe um
açafate cheio de figos, e cuidadosamente coberto com
pâmpanos e flôres.
 

Iras deu ao campônes uma bols de seda cheia


c heia de moedas de
ouro, e retirou-se. Nos olhos do campônes brilhou a
alegria e a cobiça, e enquanto acariciava com suas calosas
mãos a bolsa da rainha, murmurou:
- Para que quererá Cléopatra as víboras, e porque me terá
dado
74 tanto dinheiro por elas? As rainhas têm caprichos
 Algumas árvores de folha amarelada erguiam às copas por
detrás dos muros, como os ciprestes num cemitério
abandonado pelos vivos, para enxugar uma lágrima e,
depois, soltando um suspiro, exclamou:
O homem da toga entrou nos jardins e, percorrendo aquela
dilatada rua de árvores, chegou ao vestíbulo da casa,
onde sôbre um pedestal de pedra rústica se erguia uma
elegante estátua de mármore.

cão”.Cuidado
O homem com
queo entrava acariciou a cabeça do cão com
familiaridade; êste fechou preguiçosamente os olhos,
CAPÍTULO VII
- Saúde ao César, exclamaram a um tempo Mecenas e
 Agripa.
- Para ti a quisera eu, meu querido administrador.
- Ah! A minha, poderoso Augusto, é u”a menina malcriada
que há algum tempo anda descontente por dentro do
meu ser.
E Mecenas, dizendo estas palavras, procurou sentar-se no
leito. César tinha-se sentado sem cerimônia ao lado de
 Agripa.
75
- As mulheres são egoístas, senhor; nenhuma delas
compreende sacrificar um instante de felicidade pelo
público,
disse Mecenas.
- E todavia, nada lhes agrada tanto como exigir sacrifícios
dos homens, tornou Agripa.
-a Os deuses
nossa obra!me concedam
terminou vida suficiente para ver terminada
Mecenas.
 

- Pois então toca a trabalhar!


E Augusto, Mecenas e Agripa puseram-se a folhear volumes
que colocavam depois com ordem em uma estante,
formando antes um índice em longos pedaços de papiro que
se achavam estendidos na mesa.
- Omorte
 A meu maior desgôsto
dos seus será sobreviver-lhes.
dois poetas sfavoritos
obreviver-lhes.
encheu-o de dor
porque, folheando seus versos passava as horas
melhores da sua vida. Quando, algum tempo depois, a morte
lhe arrebatou Mecenas e Agripa, que tão bons conselhos
ar tí fic e
- Este cacho de pérolas, ilustre César, lhe disse, trouxe-os de
Judá para que os mandes colocar na vide de ouro de
 Aristóbulo,
 Aristóbu lo, meu antecessor,
antecessor, para
para que RRoma
oma veja que a vide
vide
de Judéia dá fruto nas mãos do teu servo Herodes.
Desde então,conceder
das Tábuas, Augusto apropôs-se, escudado
Herodes todos com a lei quarta
os direitos
que como pai tinha sôbre seus filhos.
O tribunal, por conselho de Augusto e querendo que se
respeitasse a lei das Doze Tábuas, entregou os filhos ao
pai, para que obrasse com êles como lhe aconselhasse o
coração.
Enquanto isto acontecia o manípulo Paulo Atme não se
descuidava. Diariamente concorria ao campo de Marte
em busca de aventureiros que recrutasse na sua pequena
legião.
Cingo, escravo de Herodes, fiel ao seu senhor, astuto como
uma cobra, espiava o romano sem que êle o
percebesse, chegando a tal extremo sua astúcia e
fingimento, que Paulo, crendo na palavra do etíope, o
 julgava um
76
- Que é isto? perguntou Otávio fitando os olhos no escrito.
Mas antes que Herodes lhe respondesse, exclamou
com doloroso acento!
-glória
Pelosda
deuses
águia,doque
Capitólio,
serve depela honra
cimeira aode teus paisdo
estandarte e pela
 

teu manípulo, exijo-te que me digas se é certo o que diz este


pergaminho.
- É certo, César.
- Só Augusto levanta legiões em Roma, exclamou o
imperador com voz ameaçadora; ninguém mais que eu tem
direito
Tu faltasa conceder as coroas
à lei; morre tributárias
pois, como nos meus domínios.
soldado!
E Augusto, tirando a espada que pendia do cinturão de
Paulo, disse-lhe com voz enérgica, apresentando-lhe pelo
punho:
- Toma.
- Assim devem morrer os traidores que ameaçam a
existência dos reis a quem concedo hospitalidade no meu
palácio, tornou Augusto, afastando os olhos do cadáver de
Paulo.
E depois, vendo que as duas testemunhas, Herodes e o
centurião, nada diziam ante aquele drama sangrento,
continuou, dirigindo-se ao velho soldado:
Pouco depois os litores mandavam enterrar o cadáver de
Paulo.
LIVRO SEXTO
CAPÍTULO I
FA N TA SI A
77
Cícero havia dito: “Desde que os homens não são tão
singelos, os oráculos emudeceram?
Roma, pois, começava a rir-se até dos seus deuses.
Ars amandi
e i si umr e dos
 A noite tinha também seus encantos na cidade do Tibre.
78
- Uma estrangeira que vem do centro do mundo, que deixou
atrás de si o golfo de Corinto, e que caminha em
VIAJANTE:
DETÉM O PASSO, E SAÚDA AS CINZAS
DO CENSOR
- Quem és tu que tens o poder de agitar as minhas cinzas, e
dar voz ao meu espiríto? Perteces à família
f amília dos
 

deuses?- Sou a sibíla Cúmea.


- A sibíla Cúmea, a sibíla de Tarquínio abrindo os fossos do
Capitólio sôbre a rocha Tarpeia, a vender os livros
- Sim, morri: o velhor Quiron conduziu minha alma pela
lagoa Estígia; visitei a caverna da morte e vi as três
parcas: Laquesis,
Cloto, que deeternamente
sustenta cujos dedos brotam
o fuso; emilhares
Átropos,de fi os;
fios;
com suas
79
incansáveis tesouras de diamante que cortam sem cessar o
fio da vida. O meu caiu
cai u também sob o corte incansável da
sua arma fatal.
- Como, pois, ouço a tua voz, se deixaste de existir?
 A estrangeira pôs-se em pé soltou doloroso suspiro, e,
tomando o caminho de Roma, disse:
- Dorme em paz, Ápio; mas, se a tua alma vagueia errante
pelas regiões do desconhecido em busca dum perdão
que não podem conceder-te os deuses pagãos, dirige-a para
Israel, terra prometida onde nasceu o verdadeiro Deus, o
Crasso, caiu ao chão feita em pedaços; os mármores
estremeceram e a sibila Cúmea, inclinada a fronte para o
chão,
apoiado o corpo no cajado
caj ado que lhe servia de árrimo,
encaminhou-se para Roma, pronunciando estas palavras:
CAPÍTULO II
O ORÁCULO DE DELFOS
Os dois cavaleiros
 Augusto, chegaram
e apearam. ao pórtico
Os soldados do palácio
do César rodearamde os
forasteiros, estranhando-lhes a franqueza com que se
introduziam no palácio do seu senhor a tal hora da noite.
- Que? Já me não conheceis, lobos caducos! Disse Tibério
imperiosamente. Tão depressa se apagou da vossa
memória a fisionomia do sobrinho do vosso senhor? Nesse
caso, aconselho-vos a que depositeis um coração de pomba
80
Macron pôs com impassibilidade a cobra
co bra no peito, e,
enquanto Tibério
encaminhou-se subia
para as largas escadas
as cavalariças, do dos
seguido palácio,
corcéis.
 

Quando Tibério chegou à antecâmara do imperador, disse


lacônicamente a um dos litores que vio ao seu
encontro:
- Dize a César que Tibério está aqui.
- Meu querido tio tu quiseste que abandonasse a minha
rocha
Roma,solitária
e os teuspara me estabelecer
desejos são ordens no
parateuTibério.
palácioAqui
de me
tens, falou êle.
- Eu sou o teu primeiro escravo, senhor, lhe disse; manda;
mas preferiria a solidão da minha rocha de Rodes ao
 bulício de Roma.
- Chamei-te, pois, continuou Augusto desatendendo as
palavraas de Tibério, porque desejo instruir-se nos
deveres de um rei clemente e justiceiro. A paz, meu filho,
deve ser o primeiro cuidado dos reis.
Tibério tornou a inclinar-se.
- Senhor, antes de nos separarmos quisera interceder por
um desgraçado que geme num cárcere, na praia do
Ponto Euxino, recordando na sua solidão os encantos de
Roma, os gôzos da via Ápia.
 Augusto despediu Tibério com um gesto. O imperador ficou
um momento taciturno, com os braços curvados
sôbre o peito e os olhos no chão, como se o nome de Ovidio,
o cantor inspirado da Ars amatória, de Medea e do poema
A Batalha de Acio, lhe houvesse evocado na mente
dolorosas recordações.
Desse atitude veio tirá-lo um litor anunciando-lhe que uma
mulher estranha e coberta de pó, que dizia vinda de
Me puer hebrae, divos Deus ipse gubernans,
Credere sedem jubet, tristemque reddire sub óreum.
Aris ergo lime tacitis abscedite nostris.
 Apenas Augusto, pronunciara a última palavra dos três
 versos do oráculo, quando Cúmea, estendendo
estendendo o braço
para o Oriente exclamou:
- De Israel brota a luz que há de dissipar
dissi par as trevas. Ai dos
cegos idólatras do Olimpo! Ai dos deuses pagãos!
Jesus mandou-os emudecer, e caem ante o seu glorioso
nome dos soberbos pedestais para baixarem ao infernor!
 

 Augusto apertava o papiro entre os dedos, tremendo ante o


fatídico eco da sibila. Grossas gotas de suor lhe caíam
da fronte. Cúmea continuou:
- Já cumpri a última missão do oráculo; Átropos, corta o fio
da minha existência!...
 A sibila soltou um gemido
desprendeu-se-lhe doloroso,
das mãos; extenso.
os olhos O cajado e
fecharam-se-lhe,
caiu em cheio sôbre a alfombra.
85
- “Vem, já, Salvador do mundo! Por mais que te busquem a
ninguém, temes: veja-te o tirano e não tire a vida a
nossos queridos filhos”.
 Até aqui
aqui Sto. Agostinh
Agostinho.
o.
Mais de sessenta belemitas sacrificadas ao furor de
Herodes, jaziam degolados no largo do pátio da piscina.
pi scina. O
quadro era horrível, espantoso, sem exemplo. A história
recorda-o como assombro.
- Ai de ti, miserável escravo, exclamou a mulher com as
feições horrivelmente contraídas, se tocas num só
cabelo desse menino!
- Nada temas, lhe respondeu Cingo sorrindo-se dum modo
feroz; quanto a êle, não me denunciará aos juízes de
Jerusalém.
- Treme, infame, tornou a mulher, a quem dois satélite de
Cingo tinham segurado: êsse menino é o herdeiro da
coroa
trono.de Judá, é filho de rei, e está destinado a ocupar o
 Ao ouvir estas palavras, no escuro semblante de Cingo,
 brilhou uma alegria feroz.
- Cingo, eu te apresento a cabeça dum rei: não te esqueças
de me dar o galardão.
 A infeliz mulher não pôde resistir ao sangrento espetáculo, e
caíu de costas, sem sentidos.
Belém, pátria de Davi, berço de Deus, foi a mãe dos
primeiros mártires do Cristianismo.
CAPÍTULO VI

SANGUE NO ROSTO
 

86
- Eu cortei vinte cabeças, vêde aqui os dentes das mães.
Mais tranquilo que os seus satélites, o escravo favorito
encaminhou-se para o palácio de seu senhor. Como
sempre, penetrou no quarto de dormir de Herodes pela
porta
entrousecreta. O Idumeu passeava agitado, quando Cingo
cruel, o Rei de Judá não deve inspirar-te o menor receio: eis
aqui a sua cabeça. E o escravo, desdobrando a ponta do
manto, apresentou a cabeça do menino que tão cruelmente
arrebatara dos braços da última belemita.
- É estranho, murmurou, parece que já vi esta cara...
Cingo nada dizia. Orgulhoso por ter desempenhado tão
fielmente a terrível missão de seu senhor, esperava
impassível a recompensa que, segundo o costume, devia

seguir
 A mulhoerserviço
mulher soltouprestado.
soltou um ru
rugido
gido reconhece
reconhecendo
ndo Cingo.
Cingo. Hero
Herodes
des
 voltou a cabeça.
- Tu aqui, Rebeca! perguntou o rei com estranheza.
- Sim... eu! Exclamou a mulher com um rouco e nervoso
acento. Eu... que venho entregar ao rei de Jerusalém o
que êste infame assassinou por ordem tua!
E Rebeca estendeu o braço na direção de Cingo.
- Deixai-me! Deixai-me! gritou o rei com acento ameaçador
depois de um momento; mais levai êsse corpo
ensanguentado da minha presença. Sua vista abrasa-me os
olhos e faz-me arder o coração.
Rebeca levantou o destroçado corpo do menino,
embrulhando-o na saia e depois lançando um olhar
ameaçador
ao escravo, exclamou em tom profético.
- Ai do assassino dos primogênitos de Judá! Seu nome será
maldito pelos séculos dos séculos, e na hora da sua
morte, as fúrias do inferno se deleitarão em despedaçar-lhe
as entranhas com as línguas de fogo!
Rebeca saiu da câmara do rei, apertando contra o peito o
cadáver do inocente mártir. Cingo ia também sair,
quando Herodes exclamou, levantado-se:
 

- Espera...
- Senhor, castiga-me; sou digno de tua cólera. E Cingo
inclinou a cabeça, como se esperasse o golpe que devia
 vingar o seu rei.
87
- Se tu consegues
prometo-te apresentar-me
em recompensa as cabeças
um talento de João
hebreu, e e Jesus,
- Éros, escravo de Marco Antonio, imortalizou
i mortalizou o seu nome
morrendo aos pés do seu senhor; a minha única
ambição é imortalizar o meu morrendo por ti.
- Parte, e não esqueças que te espero.
- Nunca descanso quando o meu senhor me encarrega de
alguma coisa.
- Socorro... Socorro!... que morro!
CAPÍTULO VII
PRELÚDIOS DA MORTE
88
improbo trabalho, com o sorriso e os beijos de seus filhos, e
encontraram a incrível realidade ante os absortos olhos, a
dôr, a desesperação, as lágrimas e os gritos de raiva e
 vingança foram incalculáveis.
Mas aquele céu sem nuvens, aquela manhã risonha tinha
sido substituída por uma noite de dor, dor tanto mais
terrível, tanto mais inconsolável, quando estavam mui longe
de esperar.
....................................
.........................................................
.........................................
.........................................
.....................
....................................
.........................................................
.........................................
..........................
......
....................................
....................................................
................
Perguntam por João e a pergunta fica sem resposta, porque
todos ignoram seu paradeiro, ameaçam com a morte
os criados, e estes lançam-se aos pés dos verdugos
derramando lágrimas.
Cingo precisava duma vítima para aplacar a raiva do seu
senhor. Pergunta pelo velho sacerdote e diz-se-lhe que
se acha de semana no templo de Jerusalém.
Parte de Ain, chega a Jerusalém, penetra na câmara de
Herodes pela porta secreta com o fim de informar da sua
 

desgraçada missão, e detém-se ante o espetáculo que se lhe


apresenta aos olhos.
Num extremo da sala acham-se sentados quatro anciãos ao
redor de uma mesa. Uma lâmpada de prata derrama
luz sôbre um grosso volume que se acha aberto. Esse
anciãos são os
- Ainda nos médicos
falta tentar,do rei um
disse queoutro,
deliberam em vozdebaixa.
os banhos azeite
aromático. As úlceras da pele cerrarão, e o cheiro do
corpo desaparecerá.
- Tudo é inútil, replicou o primeiro; mas o nosso dever é
aconselhar, e opto pelos banhos de Caliroe.
- O rei tem sessenta anos: com esta idade e com esta
moléstia, o médico mais sábio só pode enganar a morte por
alguns dias; aconselhemos, pois, os banhos de Caliroe.
Este parecer, que foi o dum ancisão que não tinha
despregado os e,
companheiros lábios atéde
depois então, foi aprovado
trocarem frases empelos
voz baixa, um
dos médicos aproximou-se do leito do enfêrmo.
89
- Que opina a ciência, amigo
ami go Joaquim, deste pobre
enfêrmo? Perguntou Herodes vendo acercar-se o médico
favorito.
- A ciência opina, senhor, que deves tomar os banhos de
Caliroe.
- Mas eu sofro horrivelmente! É preciso que busqueis
alguma
para quecoisa
sois que minore
médicos? os meus
Para padecimentos.
que vos Se vos
pago, para que não
tenho em minha casa? Pedi ouro, mas daí-me saúde; já que
- Uma liteira conduzida pelos teus escravos pode
transportar-te, sem que sofras com isso mais do que agora.
- Está bem, tornou Herodes, entrego-me nas vossas mãos;
fazei de mim o que vos aprouver, mas salvai-me a
 vida. Porque não quero morrer ainda... entendeis?
entendeis?
- Então manda que se prepare tudo para o novo sol.
- Ptolomeu! Ptolomeu! exclamou Herodes dirigindo a
palavra
CAPÍTULOao velho
VIIIguarda-selos; bem ouves, dispõe tudo: a
 

A PROFANAÇÃO
Cingo, que permanecera oculto atrás das pregas duma
cortina, entrou na sala apenas viu que se achava só o seu
senhor. O escravo, andando nas pontas dos pés para não
fazer barulho, acercou-se do leito do seu senhor.
O enfêrmo
- Ah! És tu, abriu os olhos
meu leal Cingo,e viu
vi u a negra
disse figura.
com voz desfalecida. Não
sabes! Os médicos desconfiam, a ciência é
impotente, e deixam-me morrer, mas ai deles! O meu
último suspiro será a sua sentença de morte.
- Senhor, lhe disse o escravo: se a saúde, se a vida pudesse
transmitir-se como a riqueza, tua não morrerias,
- Quando me vir livre desta horrível enfermidade, hei de
nomear-te general das legiões herodianas, hei de dar-te
90
Cingo ficou
inocente em Jerusalém.
e manchar O anegro
com êle, devia
casa de derramar
Deus. O santosangue
sacerdote Zacarias, pai do Batista, sábio, preceptor da
 Virgem,, estav
 Virgem estavaa sentenciado
sentenciado à mo
morte.
rte.
Os verdugos não recuaram ante o horroroso e sacrílego
crime. Cingo e seus infames companheiros
apresentaram-se no templo de Sion com o punhal homicida
na dextra.
O velho sacerdote achava-se desempenhando os santos
ofícios do átrio interior da casa de Jeová.
Os verdugos perguntaram-lhe por seu filho; êle que
ignorava e seu paradeiro, respondeu ingenuamente que
estava em casa de Ain, e que se ali não se achava êle não o
sabia.
 A morte de Zacarias foi o sangrento epílogo com que
terminou a terrível tragédia dos mártires de Belém. O
sangue do justo, manchava os mármores da casa do Santo
dos Santos.
Não estava longe o dia em que o sangue de Deus devia
correr pelas ásperas ladeiras do Gólgota.

LIVRO
A SÉTIMO
ÁGUIA DE OURO
 

CAPÍTULO I
A VIA SANGRENTA
Herodes chega a Caliroe, e os banhos daquela águas
medicinais, tão célebres então, pioram-lhe a saúde.
- Tenho fome... muita fome... Daí-me alguma coisa que
comer,
Saloméporque morro.
consultou com um olhar os médicos; mas êstes que
perderam a esperança de o salvar e que temem
desobedecer às ordens de um rei bárbaro e cruel que pode
mandá-los degolar na sua presença, respondem que se lhe

91
Herodes estava ébrio e, na sua embriaguez, pede em altos
gritos que o transportem para o seu palácio de Jericó.
Todos temem desobedecer-lhe, e as suas ordens, cumprem-
se imediatamente. Chega a Jericó, mas em que estado!
Proibe-se a entrada no quarto do rei a toda a gente; e os
escravos; crendo que o seu senhor morreu, espalham esta
nova, que corre a Judéia, enchendo de júbilo quantos a
ouvem.
via sangrenta
O ardente corcel, alheio às comoções que agitam o coração
do dono, que a tais horas da noite cruza tão
solitários caminhos, continúa galopando com incansável e
impertubável regularidade.
Deve ser aqui, murmurou
Imediatamente emcantou
um rouxinol voz baixa o cavaleiro.
a poucos passos do
cavaleiro; que se pôs em pé, e, como se o vomitasse a
terra, um homem se levantou dentre as matas.
O cavaleiro, ao ver levantar-se uma sombra ao seu
s eu lado,
empunhou por precaução a espada que lhe pendia do
talim.
92
Então o homem deu alguns passos, e agachou-se, agarrando
com seus robustos braços uma rocha. O cavaleiro
fez o mesmo. Pouco depois a boca duma gruta chou-se
aberta antes êles.
 

- Entra, disse o homem; só tu faltas.


O cavaleiro entrou sem despregar os lábios naquele abismo
que se lhe abria diante dos pés; mas a escuridão era
tão completa, que se deteve sem se atrever a dar um passo.
pa sso.
Desta indecisão o tirou uma mão que na escuridão lhe
travou
- Entra, disse ao cavaleiro.
Este entrou numa caverna espaçosa alumiada por uma
imensa lâmpada de ferro de três bicos.
O viajante caminhou alguns passos, e ao ruído das suas
pisadas os moradores da gruta voltaram a cabeça.
- É êle, disse um dos companheiros, e, todos se puseram em
pé.
- Sabemos, disse um dos homens da caverna,
c averna, os perigos que
te rodeiam, e desculpamos-te de todo o coração a
-que
Senta-te entre nós,o sangue
vem derramar pois nósnas
te admitimos
aaras
dmitimos como um
da liberdade da irmão
pátria.
CAPÍTULO II
A CONJURAÇÃO
Dissemos que eram quatro homens que se achavam na
caverna esperando Antípatro, filho de Herodes. Três deles
são desconhecidos e passarão
pelas páginas deste livro rápidos como
co mo uma exalação; o
outro é conhecido, e
acompanhar-nos-á até ao cume do Calvário.
93
profetizou a Herodes, quando era menino, que seria rei de
Jerusalém, e como esta profecia se realizou a família ficara
como hereditária; todos era adivinhos.
Josefo diz-nos que Herodes protegia os essénios e a
explicação que disso nos dá é tão curiosa que merece ser
contada:
Reinarás vinte, trinta
Sedós era filho de Manaém, e a fama de seu pai ficara
hereditária nele.
Judas e Matias tinha grande influência entre os discípulos, e
quanto a Dimas, já o sabemos
s abemos com a gente contava,
 

e a felicidade e respeito que pelo seu valor lhe tinha os seus


soldados.
Informamos de quem eram os personagens da caverna,
prossigamos a narração. Sedoc, o essénio, o mais velho,
foi quem rompeu o silêncio.
-passa
Mancebo,
nela? tu que vens da cidade santa, dize-nos que se
- Jerusalém chora como sempre, respondeu Antípatro; as
filhas de Israel quebraram os saltérios e penduraram as
harpas no tronco das palmeiras.
- Os jerossolimitanos chorarão eternamente enquanto a
águia dos ímpios estender as asas de ouro sôbre a casa de
- Pensa, mancebo, que se Israel desembainhar a espada será
a primeira vítima, teu pai, lhe disse Sedoc com voz
grave.
- Meuno
 viver paidia
deve
da ter expirado
batalha, a estas horas;
por ventura mas no caso
não sacrificou êle de
minha mãe e meus irmãos? Não me persegue com o intento
de sacrificar-me? Pois então, cale a voz da natureza e fale o
 volume da Lei da mão.
Êsse volume não era um livro, mas dois cilindros de
madeira. Sedoc sentou-se de novo entre os companheiros, e
Matias desceu a lâmpada de modo que a chama banhasse
com seus raios a fronte do ancião.
Matias começou a ler as sábias leis espalhadas pelo sábio
legislador do Sinai noE xodo e noL e ví t ic o.
amé m
Então os quatro israelitas levantaram-se e, pondo as mãos
sôbre a cabeça do jovem princípe, exclamaram:
- Já és nosso irmão... a tua carne é a nossa carne, como a
nossa é a tua; e teu sangue nos será tão prezado desde
este dia como o que nos gira pelas veias.
- Amém!... tornaram a dizer os quatros companheiros.
Depois, houve uma pausa. Os cinco conspiradores rezaram
em voz baixa para que Deus santificasse
santificas se aquele laço
fraternal que em prol da liberdade e da pátria acabavam de
apertar.
 

94
- Agora, disse o essénio, cada qual revele a seus irmãos
aquilo com que conta para o dia do levantamento; e
dirigindo-se a Antípatro disse-lhe: fala tu primeiro
pri meiro que és o
mais moço.

-à Eu
vossa voz. replicou Judas, ofereço como Matias os meus
também,
discípulos, e respondo com a cabeça pelo seu valor e
patriotismo.
- Tu és como o mais
mai s velho o mais prudente; a ti compete
pois dirigir o movimento, disse Dimas.
- Permití-me que vos diga, meus irmãos, tornou Antípatro
com melíflua voz, que a moléstia de meu pai poderia
auxiliar os nossos planos, e não devemos desprezar esta
ocasião.
festa das
Os quatro sortes das afirmativamente
responderam sortes com a cabeça.
das sortesEste r
- Quando cair a águia que pousa sôbre o pórtico do templo,
os meus soldados desembainharão a espada pela
pátria, exclamou Dimas entusiasmado.
- O mesmo prometemos à frente dos nossos discípulos
derribar esse padrão de ignomínia que rouba o sono aos
 judeus descendentes de Jacó.
- Agora, o Leão de Judá afie as garras como em outros
tempos, e o glorioso estandarte dos Macabeus tremula,
do barranco e detiveram-se. Ali deviam separar-se.
- Deus seja convosco, disseram uns aos outros.
- A celebração dassor te s seja tão propícia aos judeus de
agora, como o foi para os judeus no tempo deEste r,
exclamou Sedoc.
CAPÍTULO III
O TEMPLO DE SION
Enquanto o Eterno não concedia morada fixa aos judeus
para lhe elevaem um templo estável, as doze tribos de
Israel serviram-se dum portátil, durante os seus longos anos
de errante peregrinação.
 

 As oito tribos restantes dormiam tranquilas debaixo das


suas tendas, vendo flutuar os estandartes sôbre as suas
cabeças.
95
Quando o sábio legislador mandava levantar os arraiais, os
levitas desfaziam
pois cada o templo
um tinha comum
a seu cargo prodigiosa
pano ourapidez,
uma tábua dos
que formavam as paredes.
Tudo está pronto: plantas e material; porém Davi morre, e
seu filho Salomão tem a glória de pôr em obra o
pensamento do pai.
Santo dos Santos
CAPÍTULO IV
96
A FESTA DAS SORTES
Por i mS or te spar te s
O favorito tinha deitado sortes para ver o dia que devia
começar a terrível matança; mas, felizmente para o povo
hebreu, a formosa rainha consegue salvá-lo do cutelo
homicida e perder o iniciador de tão terrível pensamento.
cidade inferior
- Ouvi, ouvi, ouvi, o livro de Ester, filha de Abigail, sobrinha
de Mardoqueu, da tribo de Benjamim,
B enjamim, mulher de
 Assuero, rei da Pérsia.
 Aqui fez uma pausa e leu os dois primeiros capítulos do
livro, no meio de religioso silêncio.
treze do mês duodécimo chamado Adar
- Sumido seja o teu nome: o nome do malvado seja
destruído.
 A dor dos judeus mudou-se em estrondosas alegria quando
o sacerdote leu o versículo 10 do capítulo VIII que
diz: “E assim foi enforcado Aman no patíbulo que tinha
preparado para Mardoqueu, e cessou a ira do rei”.
Tocava seu têrmo a leitura do livro de Ester quando um
acontecimento veio perturbar a solenidade religiosa da
festa das sortes.
 

- Abaixo os ídolos dos ímpios! exclamaram várias vozes que


figuravam sair da parte superior dos pórticos do
templo.- O leão de Judá quer ser livre, responderam outras
 vozes que saíram da multidão que enchia o átrio das nações.
99
Ptolomeu dispunha-se a abandonar o quarto do rei, receioso
de que terrível sentença o alcançasse quando
Herodes o deteve:
- Ah! esquecia-me. Os outros podes deixar livres para que
apregoem a clemência de Herodes. Vai e dize aos
meus escravos que me sirvam a ceia.
O guarda-selos saiu da câmara real, e meia hora depois o rei
ceiava tranquilamente com seu filho Arquelau, seu
neto Aquiab e o seu general Verutídio.
- Esse miserável com coroa é um infame sem coração.  Vale
mais ser porco que filho de Herodes.
Deixemos o rei ceiando na sua câmara, rodeado dos filhos e
do general, e sigamos Cingo que caminha
favorecido pela escuridão da noite por uma das ruas
desertas de Jericó.
 As quatro sombras reunem-se com o negro, e este diz em
 voz baixa:
- Entremos.
Os punhais brilham nas mãos dos misteriosos
companheiros de Cingo, e imediatamente desaparecem
todos noe escuro corredor que comunica com o interior da
estreito
casa.
Cingo detem-se e, aplicando os lábios no ouvido de um dos
companheiros, murmura uma frase que só aquele a
quem é dirigida pode ouvir.
Êsse deteve, tornou a desandar o andado, e, embuçando-se
no manto, foi sentar-se de cócoras sobre o tosco
degrau da porta.
Os outros quatro seguiram avante, caminhando pelo escuro
corredor
topar nascom as mãos
paredes que estendidas como se temessem
os rodeavam.
 

 Aonde iam?...
iam?... Vamos vê
vê-lo.
-lo.
LIVRO OITAVO
A AGONIA
CAPÍTULO I
A DUPLA CADEIA
Retrocedemos algumas horas.
Tomemos o fio da nossa
noss a narração desde o momento em que
o príncipe Antípatro, vendo perdida sua causa
abandonou o templo, buscando na fuga a salvação da vida
ameaçada tão de perto pela vencedora espada dos romanos.
100
- Escravo, és livre, celebra a tua alegria e a minha desdita
com esses siclos que semeio a teus pés. E, enterrando o
acicate nos ilhais do corcel, partiu a galope rasgado.
O escravo deitou-se de bruços no chão e começou a apanhar
as moedas com avidez. Aquilo era uma fortuna para pa ra
ele; nunca seus olhos tinham visto tanto dinheiro junto e
aquele dinheiro era seu. Tanta emoção transtornava-o e
nem
Então Arquelau, pois era ele, fez voltar o corcel em direção
ao templo e Cingo, o escravo favorito
f avorito de Herodes,
Cingo conheceu que o galope dos cavalos era tão igual, que
nada adiantaria, pois só no caso em que seu inimigo
desse um tropeção poderia conseguir alcança-lo.
Cingo, resolvido a levar a cabo a sua estratégia, agarrou-se
com força, às crinas do cavalo,
cava lo, e, com risco de cair,
conseguiu tirar-lhe a sela e a manta e mais arreios, deixando
dentro em pouco o cansado animal em pêlo.
Esta manobra foi executada com tanta rapidez, que Cingo
não pôde ve-lo por causa do quebrado do terreno.
 Antípatro teve cuidado de picar a ancar do cavalo com a
adaga que tinha na mão ao cair, de modo que o corcel,
livre do pêso do dono e ferido
f erido pelo ferro, redobrou o veloz
galope.
Cingo, sempre estendido sobre o pescoço do corcel,
esperava impaciente
 juntassem o instante
para apoderar-se do em que os cavalos se
inimigo.
 

Na terrível noite do seu infortúnio só aparecia uma estrela


que do céu tempestuoso da sua desgraça lhe enviava
os suaves e tranquilos raios da sua luz pura e formosa.
 Aquelaa estrel
 Aquel estrelaa era E
Enoé,
noé, à escrava
escrava favorita.
favorita.
101
amor onde
 bulício possa esquercer-se
do mundo, a perfídia
que maior ventura, dosque
para homens,
mais o
felicidade
sobre a terra enquanto não chega a hora da eterna
recompensa?
Um pensamento lhe assaltou a mente, e disse para si:
 Algumas horas depois, já de noite, o príncipe, fugitivo bateu
à porta da escrava, e esta abriu-a rapidamente.
- Só um sentimento agitava o doce e terno coração daquela
menina: o amor. Só um nome sabia balbuciar a sua
encantadora boca: Antípatro.
Costumava lembrar-se da pátria; mas um olhar do seu
senhor, tinha o poder de fazer-lhe esquecer tudo.
Enoé deu um grito ao vê-lo daquele modo, e lançou-se-lhe
nos braços. Antípatro pagou aquela afetuosa recepção
com um beijo e um sorriso e antes que a escrava lhe
dirigisse a palavra, disse-lhe:
E Antípatro, que se tinha deixado cair sôbre um coxim
indiciu os pés a Enoé.
- Esta ajoelhou-se e respeitosamente os beijou.
- Oh! disse-lhe o príncipe levantando-a com carinho, deixa
agora os meus pés e ocupa-te do meu estômago,
minha querida.
 Antípatroo viu sair a escrava,
 Antípatr escrava, e acompanhou
acompanhou-a-a com um olhar
doce e carinhoso.
- Pobre menina, disse consigo, só os deuses lares poderiam
revelar-te o teu futuro, quando os escravos de meu
pai me lancem ao pescoço a cadeia opressora que preparam!
Um suspiro seguiu estas palavras.
CAPÍTULO II
ONDE SE PROVA QUE NÃO É DIFÍCIL
ADORMECER NOS BRAÇOS DUM ANJO
E ACORDAR NOS DUM DEMÔNIO
 

Enoé tornou a entrar no camarim, conduzindo uma bandeja


com Carne e duas garrafas de vinho.
- Ah! estás ai, Enoé?
102
- Espero as tuas ordens, senhor.
- Canta, pois, minha bela: a tua doce voz faz-me bem. Sou
tão desgraçado!
- Tu não és minha serva, és minha doce amiga; podes cantar
o que te agrade; só devo advertir-te que sou um
príncipe mui desgraçado a quem a morte persegue mui de
perto.
Enoé, estremeceu. Antípatro começou a comer
distraidamente, e Enoé, depois de procurar uma canção
análoga
às circunstâncias, atreveu-se a dizer:
- Ouçamos o canto do rei.
Enoé começou um acompanhamento que tinha um doçura,
uma variação indefível e, pouco depois, a sua voz
argentina começou a cantar a poética prosa de Isaias desta
maneira:
“No meio dos meus dias, entrarei pelas portas do sepulcro:
 vejo-me privado do resto dos meus anos. Já não verei
o senhor meu Deus na terra dos que vivem. Não verei mais
homem algum, nem os que morarem em doce paz.
Tira-se-me o viver, vai-se dobrar a minha vida como a tenda
dum
Êle mapastor: quando
cortou; a estava
de manhã ainda
à noite urdindo,
acabarás então ó Deus
comigo,
meu.
Esperava viver até ao amanhecer: o Senhor como um leão
forte havia quebrado os meus ossos; mas pela manhã
dizia: antes de anoitecer acabarás, ó Senhor, a minha vida.
Estava eu como um filhinho de andorinha; gemia como as
pombas; debilitaram-se-me os olhos de olhar sempre
para o alto do céu. A minha situação, Senhor, é mui
 violenta; toma a teu cargo a minha defesa.
Mas que é que
patrocínio, digo?Êle
quando Como me tomará
mesmo foi o queÊle
fezsob
s ob o seu
isto?
 

Repousarei, ó Deus meu, diante de Ti com a amargura da


minha alma todos os anos da minha vida.
Ó Senhor! Se isto é viver e em tais apuros se acha a vida da
minha alma, castiga-me, rogo-te, e castiga-me, e
 vivifica-me.
 Vêde
Tu, ó,como se mudou
Senhor, livrasteem paz a minha
da perdição amaríssima
a minha alma, aflição; e
lançaste para trás das costas todos os meus pecados.
Os vivos, Senhor, os vivos são os que Te hão de tributar
louvores, como eu faço neste dia; o pai anunciará a seus
filhos a Tua fidelidade nas promessas.
Cessou o canto: Antípatro, ainda preocupado como se
escutasse o doce eco da voz de Enoé, ficou alguns
momentos sem despregar os lábios.
 As palavras do rei moribundo tinham-lhe chegado até ao
fundo
ele. do coração, e êste pulsava de modo estranho para
Por fim, deslizando do leito e pegando num leque de penas,
começou a abanar-se e a passear distraído pela sala.
De súbido os olhos do senhor encontraram-se com os da
esrava, e então o senhor foi sentar-se aos pés da
formosa egípcia, que lhe apresentou o regaço para que
reclinasse a cabeça.
 Antípatro aceitou o oferecimento enviando um sorriso a
Enoé, e depois disse-lhe:
- Fizeste bem em recordar-me a prece do rei Ezequias.
Desde este momento prometo-te ocupar-me um pouco
mais de Deus e um pouco menos dos homens.
- Meu príncipe: de Jeová emana todo o bom e consolador;
dos homens todo o azíago e penoso. Deus é a fonte do
 bem que vivifica o foco de luz que ilumina; pensa n’Êle e
serás feliz, ama-o e terás ventura sôbre o pó da terra.
103
O príncipe hebreu selou com um beijo as palavras da sua
amada.
 A voz de Antípatro
Antípatro ia-se eenfraque
nfraquecendo
cendo pouco a pouco.
pouco.
Enoé continuou abanando com o leque a formosa cabeça do
amante. O amor da contemplação brilhou com todo
 

O príncipe tinha adormecido nos seus braços, e o sono ia


revelar-lhe com a sua rude franqueza o que o amor não
se tinha atrevido a comunicar-lhe desperto.
 A pobre menina estava tão preocupada, e absorta na dor do
amante, que não percebeu uma porta abrir-se atrás
dela, e umahomem
pés sobre entrar no
mole alfombra camarim
para andando
não fazer bulha.em ponta de
 Aquele homem era um negro
negro de feroz semblante. Um
sorriso de prazer horrível separou seus grossos lábios,
deixando ver duas muralhas de marfim. Sua dextra oprimia
um longo punhal e a esquerda, uns cordões de seda.
 Atrás do negro apareceu outro homem, e atrás deste
deste outro,
e atrás outro. Eram quatro; o negro ia adiante, e
chegou até onde estava a escrava.
 Antípatro dormia com a formosa cabeça reclinada no seio
da suade
leque amada,
penasae refrescando
esta choravaaem silêncio
ardente e agitava
fronte do seuo senhor.
De repente Enoé soltou um grito terrível, mas afogado,
porque uma mão rude e calosa caiu brutalmente sobre a
sua nacarada bôca.
 Antípatro abriu preguiçosamente os olhos, e no seu
semblante plantou-se com as côres mais vivas o assombro e
o terror.
- Ah! formoso príncipe, disse Cingo com insultante
entoação: por fim consegui pôr-me em contato com c om a tua
 bela pessoa.
pessoa.
- Miserável! exclamou Antípatro cheio de ira.
104
- Não tens de que enfadar-te, meu amo, respondeu o negro
colocando a ponta do punhal sobre o coração de
 Antípatro, fazendo sinal aos seus para que o atassem com os
cordões.
- Covardes, porque não me matais dum só golpe? Tornou o
 jovem, forcejando por desembaraçar-se dos
perseguidores.
- Porque isso é incumbência do meu senhor, teu pai.
pai .
 

 Antípatro, a quem os seus inimigos tinham atado e pôsto


em pé, dirigiu um terrível olhar à escrava Enoé,
chorando ao seu lado, aturdida com o que estava vendo.
- E quanto te valeu, miserável escrava, lhe disse com tom de
desprezo, entregar a minha pessoa aos meus
Enoé deu um
 Antípatro. grito
Êste e caiua desamparada
apartou aos pés
vista com desprezo de
daquela
mulher
Os três homens saíram levando atado o pêso. O negro ficou
um momento no camarim; pôs-se a contemplar o
desmaiado corpo de Enoé.
- É formosa como uma virgem do templo de Sion, esbelta
como uma garça do mar de Tiberiades. Pobre menina,
perdeu o seu protetor. Bem posso sê-lo, desde agora.
E dizendo isto, tomou nos braços Enoé, como se fosse uma
criança, e saiu pelo estreito corredor, atrás dos
companheiros.
CAPÍTULO III
AS MAÇAS E O MENINO
Decorreram alguns meses desde os últimos acontecimentos.
Com assombro dos rabinos e altos dignitários de Jerusalém
e Jericó, o idumeu, cuja origem plebéia o atormenta,
a tormenta,
mandou queimar os livros hebraicos em que consigna a
cronologia dos príncipes de Israel.
- Por este meio, diz a posteridade ignorará que a minha raça
não era tão ilustre como a de Davi.
Davi .
Na ocasião em que tornamos a apresentá-lo em cena, acha-
se como de costume deitado na cama. Ptolomeu,
- “Distribuo o meu reino, porque assim é minha vontade, da
maneira seguinte: Deixo por sucessor no reino e
Ptolomeu escreveu, encolhendo os ombros e fazendo um
gesto de desgosto, mui dissimulado, receioso de que
seu senhor o descobrisse.
Ptolomeu, quando acabou de escrever a última frase, disse,
levantando a cabeça:
- Contante...
 Aqui uma pausa, durante a qual o guarda-selos permaneceu
permaneceu
imóvel com a pena suspensa sôbre o papiro,
 

esperando que seu senhor ditasse.


- Agora continua a copiar as doações que faço aos meus
amigos e à imperatriz dos romanos, como está no
testamento antecedente, pois não quero alterar essa parte.
105
O guarda-selos ficou imóvel, ao terminar, esperando novas
ordens.
- Agora, Ptolomeu, pega na pena e escreve o que vou ditar-
te; é um pensamento novo que surpreenderá os
israelitas.
No macerado semblante de Herodes brilhou um sorriso de
selvagem alegria. Seus pequenos e encovados olhos
injetaram-se de sangue e disse desta maneira:
- Está pronto, senhor, disse o guarda-selos.
- Agora encarrega-te da publicação desse edito. Hoje mesmo
podem
Ptolomeuestender-se
saudou e os arautos
saiu pelo meu
da câmara reino.
do rei, não sem levar no
peito alguma curiosidade sobre aquela medida
extrema que acabava de ditar-lhe o seu senhor.
- Avô, meu avô, exclamou Aquiab correndo, com os braços
abertos, para onde estava Herodes.
- Ah! exclamou o enfêrmo depois da horrível luta. Todos me
abandonam, todos me esquecem! Julgava sufocar,
a tua fruta favorita. São muito boas, eu provei uma. Oh!
Quando eu for rei, recompensarei os lavradores dos campos
de
Damasco, que tão boas maçãs fazem produzir às suas
árvores.
 A verbosidade do terno adolescente encantava o velhovelho
monarca.
O menino calava, porque as palavras do avô lhe causavam
medo; e, depois, olhava-o com olhos tão espantados,
tão fosfóricos, e a sua voz tão rouca, tão estranha, que o
pobre adolescente não se atrevia a respirar.
- Tens mêdo? perguntou; e por que tens mêdo?
- Eu não tenho mêdo, respondeu o menino com voz
apagada; mas as tuas palavras fazem-me mal.
 

- Ah! As minhas palavras fazem-te mal, tu vinhas trazer-me


um cestinho de maçãs criadas nos campos de
Damasco... e essas maçãs... essas maçãs... – E Herodes
parou um momento e olhou seu neto como se quisesse
q uisesse lêr-
lhe no
106
fundo da alma. – Apanha as maçãs e trá-las aqui em cima
da cama; quero vê-las, tocá-las e comê-las, porque tenho
muita fome... ah... dá-me uma faca, anda, traze as maçãse a
faca...
 Aquiab apanhou as maçãs, pô-las em cima da cama, e
depois, pegando ma faca de prata da mesa onde se
achavam os medicamentos, foi entregá-la a Herodes.
- Uma, duas, três, quatro, cinco, seis... seis maçãs, disse
Herodes contando-as e olhando às furtadelas o neto; que
- Mas eu já não tenho vontade de mais, trouxe-as para ti.
São tão bonitas que ao vê-las neste cestinho disse
comigo; vou pegar nelas e levá-las ao avôzinho, e ele me
agradecerá.
Herodes ficou um momento estudando as palavras do neto
e depois disse:
- Pois bem, comamo-las ambos, eu quero-o, ouves?
- Então obedeço; e o menino pegou numa maçã e começou a
comê-la.
Os receios tornaram a atormentá-lo, e obrigou o menino a
comer aobedeceu.
 Aquiab maçã que Persuadido
ele acavaba oderei
morder.
de que as fortes dores
que sentia não eram filhas senão de sua horrível
moléstia, começou a revolver-se no leito como um demente
num acesso de furor.
 Aquiab soltou um grito e precipitou-se sôbre seu avô.
Então começou uma luta desesperada, Herodes procurava
desprender-se dos braços do neto para cravar o punhal
eu quero acabar duma vez esta agonia lenta e dolorosa?
Salomé, Aleixo e Ptolomeu correram à câmara de Herodes
seguidos por escravos e soldados.
 

O bondoso Aquiab, repelido pelo avô a alguns passos da


cama já não podia impedir o crime; mas felizmente
 Aleixo lançou-se sobre o rei, e, arrebatando-lhe o punhal
das mãos salvou-lhe a vida.
Herodes, vendo frustada a tentativa, cego de raiva, caiu sem

-sentidos
Sai vós,sobre o leito.
exclamou a irmã do rei dirigindo-se aos escravos e
soldados; mas chamai imediatamente os médicos,
porque o rei creio que morreu.
Os escravos sairam sem voltar as costas.
Então Aquiab informou seus tios do que tinha acontecido, e
todos cercaram a cama procurando auxiliar o
enfêrmo.
Naquela noite espalhou-se por Jericó a notícia de que o rei,
cansado dos seus padecimentos, pusera termo à vida
cravando
parte comum punhaldo
a rapidez nocostume.
coração. Esta nova voou por toda
O príncipe Antípatro, que gemia num calabouço desde a
noite em que o terrível Cingo e arrancou dos braços da
- Eu creio, amigo Cocels, que aquele velho leproso fez
f ez bem
em matar-se; quando o homem não pode beber nem
amar, a vida é um estôrvo.
- Tens razão, Heráclio, eu peço aos deuses imortais de
Roma que, como primeiro sintoma da velhice, me enviem
o último suspiro da minha vida.
- Ah! esquecia-me dizer-te que a sentinela que esta noite
dormir no seu posto, tem pena de morte. As rondas
- Em Roma, a morte dum imperador é sempre uma fortunaf ortuna
para as suas legiões, porque o novo rei espalha ás
107
Era Cingo, o negro, que aproximando-se do miserável leito
do desgraçado príncipe, pousou ambas as coisas no
chão, dizendo com voz pausada.
- Boas noites, meu príncipe.
CAPÍTULO IV
O LIVRO DE JÓ
 Antípatro assentou-se sôbre a palha e disse com
naturalidade.
 

- Ah! és tu, Cingo? Alegro-me de ver-te; esta solidão


so lidão cansa-
me... Que queres! Sou um homem efeminado... a
quem desde pequeno acostumaram a viver com alguma
comodidade e neste calabouço não tenho muitas, por certo.
- O homem deve acostumar-se a tudo, senhor.
-noSim, é verdade,
coração, comomas eumeu
a que não pai
posso;
deuprefiro umaapunhalada
em si hoje,
- Matar-te-ias, senhor?
- O rei, meu senhor, é justo castigando as tuas rebeldias.
- Por Júpiter, que nem tu mesmo crês o que dizes! Herodes
 justo, o matador da virtuosa Mariana, o assassino de
meus irmãos, o verdugo de Belém, Justo! Ora, Cingo, tu
estás mangando. Ainda que seu filho Antípatro fosse
foss e tão
ao tomar uma resolução.
 Antípatro julgou ver alguma esperança na indecisão do
escravo.
- A tua mão pode transportar-me das trevas à luz, da morte
à vida; o favor, como compreendes, é grande. Pede
sem medo.
- Dorme, meu príncipe, dorme sossegado, enquanto eu
medito as tuas propostas. E Cingo encaminhou-se para a
porta.
108
- Enoé... e quem é Enoé?
- Tu... não a conheces? exclamou Antipatro deixando cair
sílaba por faziam
efeito que sílaba, com
suas pausa, dosnolábios,
palavras e estudando o
escravo.
- É a primeira vez que me chega esse nome aos ouvidos... E
Cingo deu outro passo em direção da porta.
- Eu não a conhecia nem a conheço; os meus soldados
espiaram-te, descobriram a tua guarida, e eu surprendi-te;
Cingo saiu do cárcere, e, pouco depois, da torre. Ao chegar à
rua apagou a lanterna e encaminhou-se para o
palácio. O escravo deteve-se junto da porta do camarim de
Herodes e aplicou o ouvido.
O reiconversavam.
que não estava só:Oouviam-se as vozeso de
escravo levantou váriasda
extremo pessoas
 

larga cortina que cobria a porta e observou o que se passava


no interior da câmara real.
- Rabino, exclamou Herodes com voz enfraquecida: os
médicos abandonam meu corpo, mas recomendam meu
espírito aos sábios. Tu o és; recebe-o, pois, sob o teu amparo,
e- Oh!
os deuses imortais
bom velho, lê oteteu
premeiem.
livro, se é que com a sua leitura
podes tranquilizar as minhas pernas, e deixa os deuses
e as crenças religiosas de lado.
O velho rabino abriu o livro, e leu deste modo com entoação
afetada e fanhosa:
- Ela, acaba, rabino, exclamou Herodes; basta dizer que o
meu compatriota Jó, era rico mas não tanto como eu.
- Moisés não escreveu este livro santo, respondeu o judeu
sem se pertubar, para que tu o talhasses por onde se te
antolhasse.
Moisés escreveu esse livro para os desgraçados: eu respeito
o grande legislador, mas quero que comeces pelo
capítulo terceiro, quando Jó amaldiçoa, o dia do seu
nascimento... ouves, rabino? Eu sou o rei, eu to mando.
Herodes, torva a face e preso o corpo dum tremor
convulsivo, escutava em silêncio a leitura desse grande
poema
do deserto, desse grito de dor sublime, imutável.
Suas descarnadas mãos esfregavam a rica colcha e horríveis
gestos, descompunham o seu cadavérico semblante.
O rabino, inspirado com a leitura do livro santo, que tantas
 vezes tinha feito ouvir na Sinagoga, ia
insensivelmente levantando a voz até tomar um timbre
grave e magestoso, que fazia estremecer o coração do
enfêrmo.
 Assim é que, sem que o percebesse Herodes, pulou algumas
algumas
folhas e tornou a ler no versículo V do capítulo VII,
que diz assim:
“Ferve a minha carne em bichos; asquerosas crostas cobrem
todo o meu corpo; a minha pele sêca
s êca vê-se toda
encolhida e enrugada. Se concebo alguma esperança de
achar descanso, quando de noite me recolho a repousar,
 

109
consolando-me com gemidos, e buscando alívio aos meus
males com lágrimas e suspiros, então cheio de sobressalto
me
 vejo acometido de espanto com as imagens e sonhos que me
perturbam
Eu não tenhoa alma.
esperança de viver; compadece-te Senhor, de
mim, e cesse já o castigo. Não é muito o que te peço,
pois que é tão pouco o que me resta viver.
Que é o homem para que mereça que Tu ponhas nele o teu
coração, e o olhes como alguma coisa grande?
O rabino ficou pálido como um agonizante. Herodes, com os
olhos fitos no aturdido velho, ria-se de maneira
cruel.
Salomé, Aleixo e Aquiab tremiam, conhecendo que o pobre
leitor
do rei.ia receber uma sentença de morte dos lábios
De repente, reanimou-se a fisionomia do rabino, e,
ajoelhando-se junto da cama de Herodes, disse com voz
severa e clara:
- Mui poucos, senhor, porque te ofendi segundo parece, e a
minha vida está pendente dos teus lábios; a minha
estrela pode eclipsar-se quando à tua rale vontade se antoje.
Herodes humanizou a dura expressão do semblante, e,
deixando-se cair sobre os almofadões, disse com tom de
Cingo,que tudo tinha ouvido, oculto atrás da cortina
decidiu-se a entrar na câmara desobedecendo à ordem do
seu senhor. Chegou-se ao leito e esteve contemplando
alguns segundos o enfêrmo.
Herodes abriu os olhos e viu ao seu lado o escravo favorito.
No rosto do enfêrmo brilhou um raio de alegria e
CAPÍTULO V
ONDE SE PROVA QUE O AMOR
DOMESTICA AS FERAS
- És um servidor leal, Cingo, e quisera antes de exalar o
último sôpro de vida recompensar os teus serviços.
Dize-me, que ambicionas? Que queres? Pede, estou pronto a
satisfazer os teus desejos.
 

- Só anelo servir-te até que morras, e depois partirei para a


 África, pois quisera morrer sob aquele sol que me viu
- A estreiteza do calabouço afoga-o; a liberdade é a rainha
do seu pensamento, a mais bela imagem dos seus
sonhos.- Nunca, enquanto eu viver.
- A notícia da tua
traspassando morte espalhou-se
as grossas pelacárcere,
paredes do seu cidade,chegou-lhe
e,
O rei ficou um momento pensativo. As rugas da fronte
afundaram-se-lhe, e uma sombra e feroz expressão lhe
passou pelo semblante.
110
executado à hora da minha morte, sobre mim, nada me
importa; sua morte é uma necessidade; mas procura que
morra
mães e se devorariam uns aos outros se não fosse cegos.
 Antípatro
eles. é uma víbora: solta pois as tuas víboras sobre
- Far-se-á como desejas. Dize-me o dia e a hora.
- Parto, pois, a obedecer-te.
Houve um momento de pausa. A egípcia contemplava o
africano, e este imóvel como uma estátua da dor, com a
- Enquanto o meu senhor gemer num cárcere, a minha
língua só saberá abaldiçoar-te; rompe as suas cadeiras e
Cingo, com olhar suplicante, as mãos juntas e prêso o corpo
dum tremor convulsivo, lançou-se aos pés da
egípcia.
- Escravo, exclamou Enóe com indignação, retrocedendo
alguns passos, as mulheres da minha raça nunca se
unem com os homens da tua. A sua lei o proíbe.
- Pela última vez, exclamou o negro, contendo a raiva,
queres partilhar comigo a minha fortuna? Queres vir para
127
Gabriel cessou de falar, inclinou a formosa cabeça sobre o
peito, e permaneceu nessa atitude alguns minutos.
Depois envolveu-o a nuvem entre as suas pregas e,
abandonando a mansão dos homens, elevou-se
Três dias depois chegaram, ao cair do sol, à torrente do
Egito.
 

Só lhe faltava atravessar a estéril Idumeia para se acharem


na formosa terra de Judá. Buscando refúgio onde
alegre, pois em breve iam ver as altas torres da cidade santa.
 À meia noite, dois homens se apresentaram à porta da
caverna. Um deles vinha do Egito; o outro das terras de
tua gente.
Depois esfregou com violência as duas pedras e o extremo
da corda, até que se inflamou, despedindo uma chama
128
- Este Dimas não sabe fazer
fa zer contrato; para não depenar
uma família de mendigos deu-me vinte dracmas e o seu
punhal. Creio que a vantagem está da minha parte, se viver
ao seu lado.
 Alguns dias depois a Santa Família chegou “a Nazaré para
que cumprisse o que tinham dito os profetas: que será
chamado
Com quanta Nazareno”.
alegria, com quanto regozijo viram os
desterrados do vizinho monte as modestas chaminés da sua
aldeia, os tranquilos prados onde correu a sua infância,
infânci a, a
fonte onde apagavam a sede nos ardentes dias do verão!.
 A Santa Família chegou a Nazaré depois de mil perigos e
sobressaltos. A viagem era longa, porém o Deus
invisível guiou os seus passos no deserto.
CAPÍTULO IV
A FESTA DOS ÁZIMOS
tale t as palavras do Senhor, que vos disse
Recordai dis se por Moisés:
lavradores de Zabulon e Judá, montanheses do Líbano e da
Galiléia. Jerusalém vou espera adornada com os atavios
duma desposada, e suas altivas portas estão abertas para
 vos receberem.
Para que se cumpram os preceitos da lei, revistai os cantos
de vossa casa, não seja que os ratos hajam escondido
algum bocado de pão fermentado e a maldição de Jeová caia cai a
sobre vós.
Os pobres galileus, com suas túnicas pardas e brancos
turbantes, caminham fatigados em busca do Santo dos
 

Santos.A lei, com tanta exatidão praticada, proibe-lhe a


mistura nas grandes festividades. Por isso as mulheres
caminham adiante, num grupo, e os homens atrás, a uma
distância de quinhentos passos. Mas detenhamos um
momento
onazarenas.
olhar para contemplarmos o modesto grupo das
 Vede-a! Aí vai a Virgem
Virgem Mãe,
Mãe, a Est
Estrela
rela d
doo Mar, a Flor da
da
Galiléia, a que em breve será fonte de ternura
imaculada.
129
Junto da Santa Virgem, e com saborosa prática entretidas,
caminham Joana, esposa de Chus; Salomé, mulher de
Zebedeu, e outra que mais tarde devia consignar-se nos
Evangelos, com o nome de Altera Maria.
Tiago ignorava que mais tarde chegaria a ser Bispo
Bi spo de
Jerusalém pelas doutrinas daquele Jovem que caminhava
ao seu lado e que ele olhava com indiferença.
E Jesus? Jesus, como tudo possuia, nada afetava, porque só
se finge o que se não tem.
Bastante entrada noite, detiveram-se as mulheres que iam
adiante, na casa desmantelada que devia servir-lhe de
albergue durante a noite.
Maria volveu um olhar para o alegre grupo de galileus que
se aproximava. A rosada cor das frescas faces da
CAPÍTULO V
O MENINO PERDIDO
 Aquele caminho foi a primeira rua da sua amargura. Qual
rôla enamorada que busca seus filhinhos de ramo em
ramo, assim Maria andava e desandava o caminho
perguntando a todas as mulheres que via pelo seu Filho
amado.
 As palavras do salmista, pronunciadas pela sua boca,
tinham um sentimento e amargura indefiníveis.
- Haveis, por ventura, visto Aquele a quem tão deveras adora
a minha alma? lhes diz com olhos arrasados de
 

lágrimas e as mãos juntas com dolorosaa atitude; mães que


tendes filhos, buscai pelo Deus de vossos maiores.
 Absortos,, compadecidos
 Absortos compadecidos da pprofund
rofundaa dor da jovem ga
galiléia,
liléia,
os caminhantes suspendem seus alegres cantares,
detêm o passo, sentem-se
s entem-se enternecidos e perguntam-lhe
como Salomão:
- Que tem o teu Amado sobre os outros amados, ó tu, a mais
formosa entre todas as mulheres? Que há no teu
Querido sobre os outros queridos, para que assim nos
rogues que o busquemos?
130
- Oh, filhas de Jerusalém! Se soubésseis quem é o Amado da
minha alma, quem é o Bem que choro perdido, não
estranhareis que assim vos rogasse para que me ajudásseis
a buscá-lo.
Maria chegou alterada a Jerusalém; percorreu as ruas;
 bateu com trêmula mão às portas dos seus parentes e
amigos;mas ali seu Filho adorado não aparecia.
Seus parentes, ao abrirem-lhe as cerradas portas de suas
casas, a receberam com o sorriso nos lábios dizendo-lhe
Noe miM ar a
dias era feliz e ditosa: meu Filho sorria ao meu lado; o calor
dos seus olhares chegava ao meu coração dando-lhe vida; e
hoje choro meu Filho perdido, e busco-o e corro, e em vão
me canso... meu Filho não aparece, Jesus não se encontra.
 Aqueles anciãos, mudos, absortos, vencidos, impotentes
ante aquele tenro adolescentes que se havia apresentado
ante eles com a humildade do pobre e o modesto traje dos
galileus da montanha:
graciosos caracóis, sobre os ombros. Nos seus azuis e
melancólicos olhos brilha uma faísca de luz divina, que
aprofundava, ao deter-se, as mais recônditas dobras da
alma.
 A aflita Mãe soltou um grito de júbilo ao ver seu filho; mas
toda a alegria do seu coração se converteu em
surpresa
Menino devendo-o sentado entre os doutores da lei, a Ele, um
doze anos.
 

Era aquele o Menino que ela procurava? Nunca sua Mãe, o


tinha ouvido falar daquele modo! Era Jesus, sim,
com a fé na alma.
peregrinação sobre a terra do homem.
CAPÍTULO VI
OS FUNERAIS DE AUGUSTO
Dois imperadores imortalizou o Mártir de Gólgota: com o
seu nascimento, Otaviano Augusto; com a suas ua morte,
Tibério Cláudio Nero.
Sendo estes dois príncipes de alguma importância na
narração deste livro, deixemos as pacíficas e sombrias
ribeiras do Jordão e nos transportemos por alguns
momentos a Roma.
 A cena que vamos bosquejar ocorria no monte Célio, no
palácio de Augusto, tres anos depois que Jesus
surpreendera com achava-se
Otaviano Augusto suas perguntas os doutores
gravemente de Jerusalém.
enfêrmo.
131
O mal de Augusto estava no espírito. Debilitado pela
avançada idade, recebeu o golpe mortal que o levou ao
sepulcro, quando soube a catástrofe irreparável de Varo e
suas legiões.
 Augusto, como todos os conquistadores da terra, sonhava
sempre com o canto do mundo que não lhe pertencia,
ainda que este fosse o mais pobre, o menos produtivo do
globo terrestre.
 Armínio tinha reunido naquele lugar algumas
algumas tribos
címbrias, que só esperavam o sinal para se lançarem contra
os romanos, como lobos famintos. Chegou a noite, e a
horrível matança dos estrangeiros com ela.
Tres legiões imensas de soldados veteranos pereceram
naquela bosque. Só puderam salvar-se alguns, que
levaram a infausta nova às margens do Tibre.
Varo, Varo, restitui-me as minhas legiões.
 A consternação foi grande em Roma ao saber-se a notícia.
Criam ver os germanos passando o Reno e dirigindo-
 

se para a Itália a marchas forçadas. Porém Armínio


contentou-se com a sua vitória e com sacudir o jugo
estrangeiro.
Já dissemos que o César morreu de paixão. No momento
em que o apresentamos achava-se sentado no leito,
escrevendo as últimas
Bastava deter-se disposições.
a gente um momento ante aquela fronte
altiva, para compreender a astúcia, a reconcentração e a
inveja que encerrava no coração aquele homem.
seu castelo, suspenso sobre as rochas na praia, donde
sonhava com seu império, cometendo atos de barbaridades
na
 vizinhança para entreter, segundo dizia, o aborrecimento
que o matava.
- Tibério, disse-lhe Augusto deixando a pena e olhando-o
com bondade;
morrer, mandei-te
e pensei chamar
em ti para que meporque
sucedas meno
sinto
poder.
Tibério sentiu o coração bater de modo violento; mas o
rosto não mudou. Abaixou a cabeça em sinal de
acatamento.
- Tua vida, que os deuses conservem por longos anos para o
 bem do teu povo, será um exemplo quando a pesada
carga que me confias caía sobre os meus ombros. Eu serei
digno de ti: juro-o pelo nome de meu pai.
pai .
- Eu o juro.
- Guardao onovo
porque meusol
testamento e prepara
alumiará meu os meus funerais,
cadáver.
132
Tibério beijou a mão do César deixando nela uma lágrima:
primeira e última que derramou durante a sua vida.
Otaviano Augusto não se tinha enganado: duas horas depois
expirava.
Tibério esteve contemplando o cadáver um instante. Depois
aplicou os lábios à boca do defunto imperador.
- A alma dos moribundos está nos lábios, exclamou Tibério
dirigindo-se aos que o rodeavam: eu recebi a de
 

Decorreu uma hora, durante a qual reinou o maior silêncio


na habitação. Tibério levantou-se e chegando os
- Chamei-o e não me responde: é morto o César. Apresentai
ao senado o seu testamento. – E entregou a um dos
senadores os pergaminhos que o nomeavam herdeiro.
tr i edente
O ramo ciprestes se pendurou sobre a porta da casa
mortuária, e o cadáver de Otaviano foi posto num leito de
marfim no vestíbulo da casa, com os pés fora do leito, para
denotar que estava pronto a empreender a última viagem.
Feito isto, as carpideiras começaram a chorar e a arrancar
os cabelos, lançando de vez em quando flores e folhas
de louro sobre o corpo do seus eu imperador.
César esteve oito dias exposto. Alguns jovens da nobreza,
 vestidos de branco em sinal de luto, de pé e graves, ao
lado do féretro,
pousavam enxotavam
no rosto sas importunas moscas que
do seu senhor.
enhor.
Os funerais foram explêndidos, suntuosos.
Depois o cadáver do César, estendido no leito e coroado, e
com os despojos das suas conquistas, era levado por
oito senadores.
Fechavam a marcha fúnebre algumas c e ntúr i as de tropa
escolhida, com as bandeiras baixo e dando pancadas
com as armas do som du’a marcha, em sinal de
desconsolação.
For umr
 As andas comostr a áver fo
o cadáver
cad foram
ram colo
colocadas
cadas sobre
sobre a pira,
pira, e os
parentes pegaram fogo à lenha seca, virando a cabeça
para outra parte, para mostrarem sua repugnância.
parra que
pa que os vevent
ntos
os fa
favo
vore
rece
cess
ssem
em o prog
progre
ress
ssoo das
das
chamas
- Leva para o céu a alma do César!
Sôbre a polida lousa que cobria as cinzas do César, lia-se
este epitáfio:
 V.F.
DEDICADO AOS DEUSES MANES.
133
 

Os romanos, em Augusto tinham perdido um imperador


sábio, um general valente.
Tibério, hipócrita e receioso, antes de se aclamar
a clamar
imperador, comprou alguns senadores e, certo dos seus
 votos,
recusou o império;
pedindo-le porém eles
com as lágrimas noslançaram-lhes
olhos que nãoaosos pés
abandonasse.
por um rasgo de bondade às súplicas do senado
 Valério respondeu:
“A Tibério Augusto, imperador de Roma, o seu súdito
 Valério Gratos.
Tibério, tranquilo, esqueceu bem depressa Jesus. O soberbo
imperador ignorava que aquele Menino era Deus
que baixava à terra a destruir os seus ídolos e a regenerar o
homem
Dois com
anos o seusucedeu
depois, sangue. a Grato, no governo da Palestina,
Pôncio Pilatos, nome que a sentença contra o Mártir
do Gólgota imortalizou.
CAPÍTULO VII
A HORA ANUNCIADA
Os anos rolavam um após outro pelo declive interminável
do tempo. Nazaré dormia à sombra das palmeiras
como uma ave de arribação que descansa das fadigas
fa digas de
penosa viagem.
aruga,
fronte
emde Jesus,
cujo seioque era cruzadaaa
descansava a idéiapor uma
santa deprofunda
redenção,
reanimava-se à vista de sua Mãe, e um sorriso
s orriso de bondade
lhe assomava aos lábios.
O Filho de Deus seguia em silêncio sua Mãe, com a
modéstia, com a humildade de que tantas vezes mostras
deu,
percorrendo a terra dos homens.
S. Bernardo não admira menos a dignidade da Virgem, que
a humildade de Jesus.
Cristo correspondeu ao excessivo amor de sua Mãe com uma
ternura sem limites.
 

Maria, sempre zelosa do seu amor e profunda conhecedora


dos livros sagrados do seu tempo, instruía seu Filho
nas leis inquebrantáveis de seus maiores.
134
Grandezas
Ia Jesus da Virgem)
completar vinte e nove anos quando o anjo da
morte estendeu as impalpáveis asas sobre a modesta
choça, e José, o patriarca de Nazaré, fechou os olhos à vida.
Um ano depois, Jesus como o bordão do viajante, a túnica
parda dos galileus sobre os ombros, a fronte serena
como o mar da Galiléia, saiu de Nazaré e encaminhou-se
com passo grave e mesurado para as margens do Jordão.
Jesus quis receber o batismo antes de começar a dolorosa
peregrinação. Aquele Cordeiro sem mácula desejava a
limpeza do corpo como o último dos hebreus.
U’a manhã abandonou o humilde lar antes que a luz da
aurora enviasse o orvalho aos campos de Zabulon.
O Cristianismo erguia-se duma humilde cabana de Nazaré.
Pobre, solitário, sem outro apoio que o seu bordão,
seguia seu caminho com os olhos no chão e o pensamento
em Deus.
Quem senão o Eterno podia levar a cabo a grande obra, a
assombrosa revolução de idéias que se efetuou no
mundo no breve espaço de tres anos?
LIVRO UNDÉCIMO
 As pombas dos bosques de Jabes batiam as robustas asas
arrulhando entre os espessos ramos das árvores.
 As aves, essas eternas, incansáveis madrugadores do bosque
e do espaço, esses cantores sonoros da natureza,
enviavam seus mil harmoniosos ecos, suas infinitas
modulações ao sol que ia nascer.
Na margem do lago erguia-se magestosa uma cidade
moderna, recém-construída, cidade dedicada por Herodes
 Antípas a Tibério, chamada Tiberiades.
Tinha fortes muralhas de granito, palácios de mármore,
 jardins preciosos, um circo para entreter o ócio dos
 

soldados mercenários, e vinte torres cilíndricas para


defender-se das invasões estrangeiras.
O verdugo de Belém tinha dedicado a Augusto a cidade e
torres em prova de vassalagem. Seu filho Antípas
seguiu a mesma marcha para captar as simpatias
si mpatias do senhor
de Roma,
O sol seu aliado.
rompeu por fim. Seus brilhantes raios banharam com
a formosa luz os altos minaretes da cidade nova e a
tranquila superfície do mar da Galiléia.
166
- O amor verdadeiro é pouco comunicativo; rejeita a
liberdade e escolhe um cárcere onde não penetram os raios
do sol, a alma.
- O que êle ama mais no mundo é sua mãe.
- O filho tem um amor imenso
i menso que mata o amor da mãe; é o
que sente pela mulher que o fascina. O Mestre
Divino, o Messias que percorre a terra de Israel, disse: “Pela
esposaa deixarás teus pais.
- É verdade, murmurou Dimas ficando dolorosamente com
os olhos fitos no chão, como se aquela citação que
acabava de pronunciar a egípcia lhe houvesse recordado
algum pensamento doloroso.
Houve um momento de silêncio. Enoé pensava em seu filho;
Dimas, em Jesus. Por fim a mãe de Boanerges disse
Dimas deteve-se. Pela fronte corriam-lhe grossas gotas de
suor; o corpo tremia, e a voz ia-se apagando pouco a
pouco.
- Esse homem é Deus, disse pausadamente Enoé.
- Que queria dizer-te com isso? perguntou Enoé.
Dimas, tu morrerás comigo.
- Oh! Nunca!
- Pois aquele menino falou, e é hoje um homem que se
chama Emanuel (Deus, conosco).
- Dimas, desde que Jesus percorre as tribos, os cegos vêm,os
coxos andam, os mortos ressuscitam, murmurou
com voz profética Enoé.
 

- Ah! Agradecida, meu irmão, não sabes o prazer que me


causam as tuas palavras; temia ver-te nas mãos dos
soldados de Pilatos
- Desde amanhã seguirei os passos de Jesus. Êle perdoará as
minhas culpas, que são muitas, e me fará bom em
paga dae fé
Dimas que ficaram
Enoé sinto nosilenciosos.
c oração. Aqueles dois corações
coração.
rasgaados pelo amor e outro pelos remorsos,
esperavam tudo do Pastor de almas que percorria a terra
dos homens em busca do martírio.
CAPÍTULO VII
O FESTIM DE MACHERONT
MACHERONTE E
167
Mais de cinquenta convidados de ambos os sexos se acham
em volta da esplêndida mesa a que preside a
sua filha.
Neste momento abriu-se a porta. Heródias soltou
s oltou um grito
de prazer. Todos dirigiram os olhos para a porta.
na chegar abriram passagem. A filha da infame adúltera,
ajoelhou-se aos pes do tetrarca.
- Venho, senhor, lhe disse, reclamar o oferecimento que há
pouco me fizeste. Peço, senhor, a cabeça de João
Batista, sobre um prato.
Estas palavras produziraaam um efeito mágico. Os
miseráveis cortesãos de Antípas, aplaudiraaam com
entusiasmo o criminoso capricho de Salomé. O tetrarca
tinha dado a palavra, mas vacilava.
168
- Tenho a tua palavraa, senhor, que é sagrada, tornou a
desenvolta jovem.
 A maior parte dos cortesãos apoiaram as palavras do seu
companheiro, Antípas, ainda que com alguma
repugnância, chamou um oficial do castelo, e disse-lhe:
- Desce ao calabouço de João e manda a uma salão que lhe
corte a cabeça. Põe sua cabeça num prato e depois
entrega-a a esta menina.
 

Então, barbaridade inaudita, Heródias faz um sinal aos


músicos e empunhando uma taça, convidou os convivas a
um brinde, dizendo:
- Pela graça da dançarina, pelos encantos irresistíveis de
Salomé, minha filha.
Todos
pintavaesgotaram
o remorso.a O
taça, exceto
festim Antípas,com
continuou em acujo
c ujo rosto se
mesma
alegria, com a mesmo entusiasmo. Que importava para
aqueles infames e a vida dum homem, como João Batista?
Quandos os algozes entraram no cárcere, João dormia
tranquilamente. O ruído das armas, o clamor dos archotes
CAPÍTULO VIII
O SONHO DE UM ASSASSINO
Quando terminou o festim, o oficial encarregado da terrível
sentença, apresentou a Salomé a cabeça de João num
169
Salomé, encerrada na sua for, amaldiçoava aquele monarca
desterrado. Por fim chegaram a Roma.
Ei s
aqui um tirano que morre por falta de ar, e não deixava
respirar ninguém no império.
Ai! Se o povo romano
não tivesse mais que uma cabeça e pudesse cortar-se dum só
golpe!...
rei dos partos, contra Tibério. Pois bem, teu irmão Agripa é
teu delator;com
desterro-te eu dou-lhe as tuas
tua família riquezas
para e o de
um canto teuEspanha.
reino, e
- Ah! exclamou. Que sonho tão horrível se fosse certo!
 Aquele sonho devia cumprir-se alguns anos depois da morte
do Nazareno.
CAPÍTULO IX
A APARIÇÃO
170
Madalena, imóvel, absorta contemplava aquele homem sem
poder compreender o que sentia.
 Vede como crescem
pois diga-vos os Salomão
que nem lírios, queem
nem trabalham
toda a sua nem fiam;
 

 Vendei o que possuis, e daí esmola. Fazei bolsas que não


envelheçam, entesourai nos céus, onde o ladrão não
chega nem rói a traça. Porque onde está o vosso tesouro,
está inteiro o vosso coração.
Quando fordes convidado para bodas, não vos sentes no
primeiro lugar, não seja que ali haja outro convidado
mais honrado que vós.
Não convideis os ricos quando deres um banquete, porque
esses o podem retribuir; convidai os pobres, os
paralíticos, os cegos e os coxos.
E sereis bem-aventurado, porque não tem como que
corresponder-vos, mas sereis galardoado na ressurreição
dos
 justos”.Aquele
 justos”.Aque le Homem continuou a falar po espaço de uma
hora, enquanto descansavam os que o seguiam. As suas
“Toma a cruz,
para salvar e segue-me,
o enfêrmo mulher
do corpo pecadora. Eu desci à terra
e alma”.
Madalena viu como aquele Homem abandonava a benéfica
sombra do terebinto, seguido dos seus companheiros.
Parecia-lhe eu um perfume delicioso lhe penetrava no
coração. Não se atrevia a mover-se do vão da janela.
- Não temas, Madalena, lhe disse com uma voz cheia de
doçura e mansidão.
- És tu uma sombra ou um realidade? perguntou com
medroso acento Madalena.
Madalena cobriu
que despedia o rosto
a fronte de com
Jesusasa mãos, como
cegasse. se o resplendor
Quando
descobriu o rosto, Cristo tinha desaparecido.
- Madalena, pensava, zombou deste amor que me abrasa o
peito.
171
 As mulheres chegaram a Cafarnaum. Pararam
Pararam diante duma
casa de modesta aparência em que se notava bastante
animação. Viam-se entrar e sair algumas pessoas. As duas
mulheres que tinham saido do castelo de Mágdalo
Jesus,
cidade,osachavam-se
seus díscipulos, e algumas
ao redor de umapessoas
mesa. Adistintas
comida da
 

tocava o seu têrmo.


Madalena, afligida pelo remorso da sua vida passada, pouco
po uco
serena ante o desprêzo dos convidados, ajoelhou-se
aos pés de Jesus.
Cristo não voltou a cabeça para a olhar. Continuava em voz
 baixa conversand
conversandoo com o seu
seu parente
parente Joã
João,
o, e com o
seu díscipulo Pedro. Nem as conjecturas dos convidados
convi dados
nem as lágrimas da Pecadora o distraiam.
- Se esse Homem fosse profeta, bem saberia quem é e qual é
a mulher que lhe toca, porque é pecadora.
Então Jesus levantou os amorosos olhos para os fitar em
Simão, seu hospedeiro, que era o que tinha falado, e lhe
disse:
- Simão, quero dizer-te uma coisa. Um credor tinha dois
doi s
devedores: um devia-lhe quinhentos dinheiros e o outro
-para
Vês os
esta mulher...
pés; Entrei
mas esta emsuas
com as tua casa: nãobanhou-
lágrimas me deste água
Pelo que te digo: que perdoados lhe são seus muitos
pecados, porque amou muito. Mas aquele a quem menos se
- Detém-te, Maria!
Madalena e sua criada detiveram-se. Boanerges estava
pálido com um convalescente.
- Esta noite, continuou, permaneci debaixo da tua janela. O
sol ao nascer surpreendeu as lágrimas dos meus
olhos: porque chorei senhora. Já te arrependes da promessa
que fizeste?sentiu alguma coisa desconhecida no fundo da
Boanerges
alma. Seus lábios cerraram-se.
172
Madalena continuou o caminho.
Uma hora depois, um homem montado num cavalo parou
 junto do corpo exânime do Filho do Trovão. Inclinou o
- Ainda bate, tornou. Este rapaz percorre as tribos ao som
da sua lira. É um entusiasta das musas. Façamos um
aboa obra: o que não é muito entre as muitas más que me
pesam sobre a consciência.
 

Getas, era ele, colocou o corpo de Boanerges na garupa do


seu cavalo e, montando depois encaminhou-se para
Cafarnaum, onde vivia a mãe de Boanerges.
CAPÍTULO X
Madalena fechou desde aquele dia as portas do seu castelo.
Os seus alegres visitadores fizeram mil conjecturas
c onjecturas
sobre aquele mudança inesperada.
Pouco tempo depois o antigo castelo de Mágdalo tinha
mudado de dono. O novo proprietário era um rico
cavaleiro de Cafarnaum que enriquecera com as cobranças
dos pobres contribuintes da Galiléia.
Madalena distribuiu todos os seus bens pelos necessitados.
Com a consciência mais tranquila, encaminhou-se
para Betânia em busca de seus irmãos, para
pa ra lhe pedir
perdão pelas suas passadas culpas.
Madalena chegoucasa
daquela honrada a Betânia
que a e, aonascer,
vira achar-se perto
caiu da porta
de joelhos
 beijando humildemente o pó da terra.
Marta, a laboriosa, viu uma mulher que soluçava com a
fronte colado no chão. Marta chamou Lázaro, e disse-
Lázaro, apertou ao peito sua irmã vendoá tão arrependida.
Marta chorava de alegria.
necessária. Maria escolheu por certo a melhor parte, que
não lhe será tirada.
Marta, ainda que não compreendia mui claramente as
palavras
irmã. do Mestre
Naquela mesmadivino,
tardenão tornou
partir a ocupar-se
Jesus de suaIa
para a Galiléia.
despedir-se de sua mãe.
Entretanto, Madalena empregava as horas em fazer obras
de caridade, em chorar as suas culpas passadas e
esperar tudo d’Aquele que lhe dissera: “Toma a cruz e
segue-me”.
- Maria, eis-me aqui outra vez.
179
Durante esta caminhada, os silenciosos viajantes dirigiram
olhares
- Porqueprescrutadores
seguis os meuspor toda parte, como se
passos?
 

- Prossegue teu caminho, irmão, e não temas; o que pode


mandou que sigamos os teus passos, disse João.
 A doçura
doçura daquela
daquela voz d
dissipou
issipou os receios d
doo homem do
cântaro. Caminharam e o homem do cântaro parou
O criado obedeceu, e os dois discípulos
disc ípulos de Jesus
encostaram-se aos muros do vestíbulo, dispostos a esperar.
Em
 breve se apresentou um homem de aspecto
aspecto venerável que
trazia a túnica branca dos essênios. Um criado o precedia
- Na minha casa de Betânia passou a última Páscoa o Cristo.
Já não vos lembrais de mim?
- Sim, disse Pedro, reconheci-te: tu és Heli, cunhado de
Zacarias e de Hebron. É esta a tua casa?
- Não, é a casa de Nicodemos, o Fariseu, e de José de
 Arimatéia. Eu alugueia-a para que Jesus celebre a ceia
convosco.
ceia pascal.Segui-me e vos mostrarei o aposento destinado à
Heli tomou o archote das mãos do servo e entrou, seguido
de João e Pedro, em sua casa.
- Será aqui, disse laconicamente Heli.
Os dois discípulos inclinaram-se e, como nada mais tinham
de fazer, pediram licença para se retirarem e
participar o que tinham visto ao
a o seu Mestre.
- Ide, lhe disse o hospedeiro, e saudai o Mestre em meu
nome dizendo-lhe que o espero.
Os dois
porta emissários
das do Redentor sairam
Águias e encaminharam-se daquela
para casa pela
Betfagé,
onde os esperava o divino Mestre.
CAPÍTULO III
HOSANA NAS ALTURAS
Jesus, no caminho de Jericó a Betânia, tinha parado alguns
instantes para que descansasse a gente que o seguia.
180
- Ide ao lugar que está em frente de vós e achareis um
 jumentinho preso, no qual não montou ainda homem
algum; desprendei-o e trazei-º
 

Os discípulos trouxeram o jumentinho; puseram os mantos


sobre o paciente lombro do animal, e Jesus
E os homens, as crianças e os velhos repetiam com
entusiasmo: “Bendito o Rei que vem em nome do Senhor!
Hosana, hosana, Paz no céu e... glória nas alturas!”
Seus olhos puros e radiantes como a tênue luz da aurora,
iam em breve converter-se em mananciais inesgotáveis
de pranto.
raça de víboras
- Vêde-o! Lá vem, dizia um homem aos que o rodeavam. Eu
era cego de nascimento: Jesus pôs-me o dedo sobre
as cerradas pálpebras e, imediatamente, vi a luz querida do
sol. Bendito seja o Senhor, que vem a nós!
- Ei-lo ali. Meu Jesus! exclamou Maria, estendendo um
 braço em direção ao caminho de Betânia.
Jesus aproximou-se
humildemente dos muros
montado da cidade
ci dade
num jumento, santa dos
rodeado
discípulos e
- A sua voz aplaca as tempestades, os seus pés caminham
sobre a superfície das águas sem que o seu corpo se
afunde, e quando a sua palavra diz aos mortos: levantai-
 vos” os mortos levantam-se e vivem como tu e como eu.
O soldado punha-se então na ponta dos pés para o ver passar
e, sem poder da razão disso, exclamava com os
outros:
- Hosana
No nascontentamento,
meio do alturas! Benditodooentusiasmo
que vem nome doos
geral, Senhor!
fariseus e os doutores da lei que
q ue tinham acudido impelidos
pela curiosidade a ver Jesus, murmuravam:
- Desconfiemos desse Galileu que faz milagres que ninguem
pode fazer.
- Devemos prendê-lo antes que Israel se levante e venham
os romanos e nos destruam como uma manada de
ovelhas, disse outro.
Mas ninguém se atrevia a pôr a mão no jovem Mestre.

181
 

O povo apinhou-se em redor dele e guardou profundo


silêncio, porque Cristo tinha mostrado com seu olhar que
q ue
ia falar e as suas palavras eram um tesouro inapreciável
para o povo de Jacó.
 jovem Mestre
Mestre
Jeová. Jesus chorava com a radiosa fronte inclinada sobre o
peito. Depois dum momento de doloroso silêncio, ergueu os
olhos, e disse dirigindo-se à cidadem, com uma voz que
chegou até os últimos, com a mesma vibração, com a
mesma
clareza que aos primeiros:
- Jerusalém, Jerusalém! A minha alma estremece de dor,
contemplando os teus soberbos muros. Oh, cidade
ingrata, a quem tanto tenho amado e distinguido!  Eu quis
recolher teus filhos como a galinha o faz aos seus
pintainhos , e tu pretendes dar-me a morte... O teu louco
orgulho, a tua vã soberba há de perder-te, pobre povo da
  porque virão dias contra ti em que os teus inimigos te
cercarão com trincheiras, e te porão cego, e te
apertarão por toda parte, e de derribarão em terra, e não
deixarão em ti pedra sobre pedra.
do Messias, e os coros das virgens ressoaram no espaço,
repetindo ao som dos saltérios e das harpas:
CAPÍTULO IV
PÔNCIO PILATOS
 Aos pés deste gigante de granito e de mármore, encostado
encostado
ao flanco setentrional, achava-se um palácio, palácio
que era quase uma povoação pelas suas imensas edificações,
habitado na época de Jesus Cristo pelos juiz romano.
182
Desde então, o sono do governador era desassossegado.
Sempre se achava disposto a sufocar
s ufocar o grito de liberdade
que tão pronto está a pronunciar um povo escravo.
lat ic l ávi a
Tibério amava este servidor, que se unira em casamento
com uma parente um tanto remota, bela, rica e nobre,
 

por cuja influência o senhor do Tibre lhe concedera


co ncedera o
governo da Judéia. Esta romana chamava-se Cláudia
Procia.
- Flávio, indubitavelmente ocorre alguma coisa estranha na
cidade. Sabes o hebraico com um rabino de Jericó;
Por Esculápio, que é prodigioso tudo o que d’Êle se conta, e
a não ser fábula, merecia que os seus compatriotas o
colocassem sobre os cornos do altar! Mas fala, Flávio, fala:
dá-me conta do que viste...
Flávio falou desta maneira:
- Um homem contra tantos! exclamou Pilatos.
- Sim, um Homem cujo olhar é irrresistível, cuja fronte
 brilha como a aurora, e cuja magestade tem algo que faz
estremecer,
Pôncio meditava. Flávio continuou:
-Pilatos.
Esse Homem sabe mais que os doutores do sinédrio? disse
Pôncio, ante esta pergunta, levantou os olhos. Tinham dito:
“Viva Jesus, rei da Judéia”, e pinham ao seu arbítrio
a rbítrio
o tributo romano.
Flávio continuou:
Mostrai-me u’a moeda daí a César o que é de
César e a Deus o que é de Deus”.
- Êsse homem é indubitavelmente o açoite dos fariseus,
fari seus,
disse Pôncio, desses hipócritas especuladores do
fanatismo
Jesus não éhebreu.
inimigoContinua, Flávio, continua, pois vejo que
de Tibério.
Senhor, disse Flávio, o Galileu falou, disse muitas parábolas
e todas causaram profunda sensação; e depois,
seguido dos seus discípulos e du’a multidão imensa, saiu da
cidade pela porta Dória.
- E onde ia?
- Segundo ouvi, ao horto das Oliveiras.
183
Pilatos despediu Flávio e, mais tranquilo, foi reunir-se com
sua esposa Cláudia, que passeava pelos jardins do
palácio.
 

CAPÍTULO V
PROFECIAS
Jesus levantou a radiosa fronte, e exalando um doloroso
suspiro, estendeu a mão para a cidade, dizendo como
profético acento:
- Vês aqueles grandes edifícios, aquelas torres altivas que
desafiam as nuvens? Pois de tudo isso não ficará pedra
Jesus fez uma pequena pausa, e continuou exalando segundo
suspiro:
Jesus guardou silêncio. O pranto corria dos seus olhos. Os
apóstolos, ante aquela terrível profecia, estavam
absortos. O Nazareno, que não desviava o doloroso olhar de
Jerusalém, tornou pela terceira vez a falar, e disse:
184
CAPÍTULO VI
O GRANDE SINÉDRIO
li sc hathagasi th
pal e t ohs
Caifás presidia aquela noite ao supremo
s upremo tribunal. Anás, seu
genro, receoso de que alguns anciãos quisessem
deferir a causa para depois de terminada a festa
f esta dos Asmos,
porque segundo a lei não lhes era lícito tirar a vida a
ninguém no dia festivo da Páscoa, nem exerce o juízo das
almas, tinha comprado alguns membros cujos nomes a
história nos conservou. São os seguintes: Sumus, Datam,
Gamabel, Levi, Neftali,
Naquele momento Alexandre,
de confusão Siro, Roboam
e dúvida e Amer.
em que todos
falavam e o medo e o temor não os deixavam entender-se,
apresentou-se no sinédrio um executor das sentenças e
disse:
Ilustre senado, no átrio das Nações espera um homem a
 vossa licença para entrar; diz que se chama Judas e que
é discípulo do falso Profeta que transtorna a paz da cidade
santa.
Os sacerdotes olharam uns para os outros perguntando-se
que queria aquele homem, discípulo de Jesus. Anás, o
 

Divino. Todos os olhares se fitaram


f itaram no recém-chegado.
Judas volveu em torno de si os olhos, mostrando uma
agitação
espantosa.
Dir-se-ia que aquele homem tinha corrido muito; sua
respiração era cansada; agitava os lábios como se a língua
se lhe pegasse ao paladar. Todos os seus movimentos
mostravam medo, cansaço, desgosto. Os sacerdotes
que vos importa muito, e pensei: Vamos lá. Os juízes
querem prendê-lo e não se atrevem; pois bem, eu atrevo-
me, se
- Todos, menos eu; por isso venho dizer-te: Que me dás e
entrego-te? O que te prova que em vez discípulo, sou
185
e José de Arimatéia haviam alugado a Heli. Era o santo
cenáculo onde Jesus se achava reunido com os seus
discípulos.
Entretanto os sacerdotes fizeram o juramento de um jejum
forçoso se Jesus de Nazaré caísse nas suas mãos e
fosse crucificado.
CAPÍTULO VII
A ÚLTIMA CEIA
Jesus e os discípulos achavam-se reunidos no salão que lhes
prepara Heli. O cordeiro pascal fumegava em cima
da mesa. O Nazareno indicou quepodia começar o sacrifício.
Pouco
traidor,depois
o filhodevia sentar-se,
da aldeia junto de Tomé, Judas o
de Iscariote.
Da parte oposta, sentaram-se junto de Jesus: Pedro, André,
Judas Lebbe, o discípulo mais fiel; depois Simão,
Mateus, e finalmente Felipe, que não esperava nada de bom
de Nazaré.
Na mesa só havia tres pratos. O do centro cotinha o cordeiro
pascal. A direita estava um prato de ervas amargas,
à esquerda outro de ervas doces.
Pai nosso que estás nos céus
Os discípulos olharam-se uns aos outros com olhar cheio de
profunda tristeza, de mudas perguntas que se
 

dirigem. Aqueles corações puros não podiam compreender


tal maldade. Vender Cristo! Vender seu Mestre!... Era
 Ao dizer Jesus estas palavras achavam-se no prato as mãos
de Judas Iscariotes. Cristo contemplou um momento
a perturbação do traidor e o assombro dos outros e disse
com a sua bondade nunca desmentida:
- O filho do homem há de ser entregue, como está escrito;
mas ai daquele por quem for entregue! Mais lhe valera
não ter nascido!
Todos os olhos se fitaram
f itaram em Judas, o único que não tinha
dirigido a pergunta a Jesus. O Iscariotes conheceu que
era preciso dizer alguma coisa:
- Sou eu, por ventura, Mestre?
- Tu o disseste, Judas.
189
Lusbel interrompeu sua gargalhada e exalou um grito de
dor. A mansidão de Cristo despedaçava-lhe o coração.
Tomou alento, como o que se prepara para lutar, e disse:
- A tua dor sublime, o teu sangue inocente,
i nocente, dará a paz ao
universo. Glória a Jesus sobre a terra! Glória ao senhor
nos céus!
CAPÍTULO II
O TREVO DA JUDEIA
190
Jesus as
ouvia continuava
súplicas, orando com
todas em a fronte
favor colada no pó.
da humanidade. Deus
Seus
rogos foram atendidos, e o sangue que oferecia pelo pecado
alheio admitido.
 Aquela voz nascia do cálice duma flor.
Compadecido o Nazareno ante a súplica daquela débil
planta, disse-lhe:
- Senhor, Senhor, bendito sejas! tornou a tenra florzinha.
Desde então cresce nos campos uma flor silvestre, que
ostenta em suas brancas folhas três manchas de sangue
que
Estaentrelaçam uma
flor chama-se coroa
 trevo dade espinhos.
Judeia.
 

- Pedro, Tiago, João, levantai-vos, porque estão perto os que


 vêm por Mim.
Os apóstolos levantaram-se. Naquele momento o
resplendor dos archotes banhou a modesta parede do horto
de
Getsemani. Os apóstolos viam caminhar aquelas luzes,
ouviam o ruído das armas e as pisadas que se aproximavam,
e
- Pedro, exclamou Jesus, tudo o que vai acontecer-me, está
escrito lá em cima. É vontade de Meu Pai. Tu não
farás nada.
- Saiamos ao encontro dos que vêm prender-me.
Jesus caminhava adiante, triste, mas sereno. Saía ao
encontro dos seus inimigos, como para lhes evitar trabalho.
Quando estava perto da parede, voltou a cabeça e chamou
João,
Jesus que
pôs se colocou ao seu
amorosamente lado.
uma das mãos sobre
so bre o ombro do
discípulo favorito e disse-lhe:
- Eis o que me vendeu.
Inclinou a fronte para o chão e esperou.
CAPÍTULO III
SOU EU!
191
Retrocedamos algumas horas. Tomemos a narração desde o
momento em que Judas, deitando ao chão o pão que
Jesus lhe havia entregado, saiu desesperadamente do
cenáculo arrancando os cabelos e gritando:
- Sou um miserável!
- Esperam-me, disse Judas. Por que me deténs?
- Romano, deixa-o passar, disse um dos criados do
pontífice: esse homem é o que o entrega.
- Espera-me um instante, disse o soldado; e entrou no salão
onde os sacerdotes se achavam reunidos em número
de mais de quarenta.
 A tardança do discípulo traidor, tinha-os impacientes. Era
tal o desejo de verem Cristo no Gólgota, que cada
 

minuto que passava era para eles um tormento. Quando


entrou o arauto e disse: “Judas espera”, ouviu-se uma
- Está claro! A que havia de vir? Está perto desta casa;
apenas o separam uns duzentos passos de vós, mui
sossegado, em casa de Heli, celebrando a Páscoa.
- E toleramos, sábios sacerdotes, exclamou cheio de ira Anás,
que esse Galileu celebre a Páscoa em quinta-feira?
- Ora! disse Judas em tom de desprêzo. Não tendes tolerado
que cure os enfermos ao sábado? Que vos admira
pois? As vossas leis, os vossos costumes, olha-os com
desprezo. Ele segue um caminho novo que a vós não
convém, e
- Jesus não é homem de guerra, é de paz. Ele mesmo
apresentará as mãos para que as ateis. Quanto aos seus
da tribo de Zabulon, os moradores das praias do mar da
Galiléia,
Um conhecem-no e querem-lhe como a um profeta.
 Anás não respondeu; mas pegando na bolsa de couro que
estava em cima da mesa, deitou-a aos pés de Judas
Judas saiu para o vestíbulo acompanhado
ac ompanhado de Malco, e
pegando num banco aproximou-se do braseiro onde
soldados de Tibério.
192
E, empurrando-o bruscamente, repeliu-o do lugar que q ue
ocupava.
- Nós o acompanharemos, acrescentaram alguns anciãos,
que talvez ignorassem que iam desonrar suas cãs
naquela noite.
 A comitiva percorreu em silêncio as desertas ruas de
Jerusalém; saiu pela porta Dória em busca do caminho do
- Deus te guarde, Mestre.
- Amigo, a que vieste? lhe perguntou Jesus.
Judas lançou os braços em volta do pescoço de Jesus e
imprimiu um beijo carinhoso na face
fac e d’Aquele a quem
acabava de vender tão miseravelmente.
Jesus, vendo
carinhosa voz:o tropel que se aproximava, perguntou com
 

- A quem buscais?
Malco e alguns anciãos responderam-lhe:
- A Jesus Nazareno.
- Sou Eu, disse com magestade Cristo, adiantando-se um
passo.
- A quem buscais?
- A Jesus Nazareno, disseram algumas vozes com temor.
- Disse-vos que sou Eu. Se me buscais a Mim, deixai esses . E
indicou com um gesto os apóstolos, que
contemplavam com temor aquela cena.
- Sois soldados de Tibério, e fugis diante de um homem!
Covardes! Ai do que não cumpra o seu dever! A pena
das baquetas lhes cairá nas costas!
Esta ameaça deteve os fugitivos, que se agruparam ao redor
do decurião. Entretanto, Jesus tinha dito a Pedro:
- Mete a espada na bainha! O cálix que me deu meu Pai, não
tenho de o beber?
Depois, inclinou-se para o chão, pôs a mão na ferida de
Malco, e curou-º
Malco tivera a orelha arrancada, e achava-se bom, como se
nada lhe houvesse sucedido. O miserável, em vez de
agradecer o milagre que nele acabara de operar Jesus,
atirou-se como uma hiena a Ele e começou
c omeçou a atá-lo.
Enquanto o atacavam disse-lhes com doçura:
- Como a um ladrão saistes para prender-me, com espadas e
paus, e quando estava convosco ensinando
no templo, não me prendieis... Mas é preciso que se cumpra
a Escritura.
Os discípulos tinha desaparecido, exceto Pedro e João, que,
escondidos atrás de uma árvore, observaram,
transpassados de dor, os insultos que prodigalizavam ao
ao
Mestre.
Os anciãos, os soldados e os criados de Anás, que desde a
saída de Getsemani não tinham cessado de dirigir-lhes
palavras grosseiras e insultos miseráveis redobraram seus
horríveis gritos ao entrar na cidade.
 

Mário Cúrcio, o decurião romano, disse em voz baixa a um


dos soldados que se achava ao seu lado:
- Creio que o preso vale, pelo menos, tanto, Ele só, como
todos os hipócritas rezadores da sinagoga que
especulam com o fanatismo do povo. Pilatos, não devia
empregar seus soldados nestas intrigas sacerdotais...
 A comitiva tornou a entrar em Jerusalém e, tornando
tornando a
fralda do monte Dória, chegou junto da esplanada do
cerro de Acra, e parou à porta da casa de Anás.
193
CAPÍTULO IV
OS MILHAFRES E A POMBA
 A comitiva que conduziu o Nazareno desde a granja de
Getsemani, tão depressa chegou diante do átrio da casa
de Anás, começou a soltar gritos de entusiasmo e alaridos
de prazer.
Jesus, que tinha fortemente atados os braços atrás das
costas, levantou com humildade a cabeça, e disse:
- Por que me perguntais a mim? Perguntai aos que ouviram
o que Eu lhes disse e ensinei; eles bem sabem
o que Eu disse.
 Apenas Jesus acabou de falar o miserável Malco, que se
achava ao seu lado, levantou a mão e deu-lhe uma
terrível bofetada. Jesus caiu no chão.
- Se falei mal, mostra-me em que? e se falei bem, dize-me
porque me bates.
O ódio dos homens amesquinha-os, às vezes, até ao crime, e
leva-os quase sempre à loucura.
 A humildade de Jesus irritou de tal modo Anás, que,
levantando-se do seu assento e esquecendo a compostura
que lhe impunha o cargo que desempenhava, começou a
gritar:
- Levai-o à casa de Caifás! Ali está reunido o tribunal e o
esperam as testemunhas que o acusam! Não quero ver
na minha presença esse miserável.
- Vamos, falso Profeta, exclamou Malco, cuidado com a
língua na presença do pontífice, se não queres que a
 

minha mão te afague pela segunda vez a face.


Então um soldado pôs uma cana nas mãos de Jesus,
passando-a barbaramente pelos cordéis que lhe prendiam
os
Ferocidade incrível – Jesus, o manso cordeiro caiu sobre a
dura lage e, ao levantar-se o seu formoso semblante
s emblante
achava-se coberto de sangue.
 Aquele sangue e aquela cana irrisória que promoveu
promoveu a
hilaridade dos verdugos, deviam ser mais tarde a semente
da redenção, o cetro do mundo.
O Nazareno era esperado com impaciência. O ódio cegava a
razão dos juízes. A lei ia calcar-se julgando o que
cuidavam um transtornador da ordem pública.
Pedro, que temendo o furor dos soldados, se escondera
atrás dumas árvores no momento da prisão, tão depressa
desapareceu
 valor tornou aa comitiva levando
reanimar-lhe o Mestre,
o coração cobrou ânimo.
o-se noO
e, embuçando-se
embuçand
194
manto encaminhou-se para Jerusalém, resolvido a saber o
que acontecera. Ao atravessar a torrente do Cedron, topou
com um homem que reconheceu por um discípulo de Jesus.
- Quem és? lhe disse.
- Sou João, discípulo de Jesus, lhe respondeu o homem com
admirável serenidade, atendendo às críticas
Os dois apóstolos entraram em Jerusalém. Em breve os
gritos dos verdugos lhe fizeram encontrar a comitiva.
 Algumas janelas começavam a abrir-se. O povo perguntava
a causa daquel alvoroço.
Jesus tinha muitos amigos no arrabalde de Ofel. Ninguém,
contudo, se atreveu a defendê-lo.
João e Pedro choravam em silêncio sob as pregas dos
mantos, vendo-o passar.
Por fim, Jesus chegou à casa do pontífice Caifás.
Os dois discípulos entraram também confundidos entre a
multidão. De um extremo da sala podiam ver, ouvir
 

tudo sem inspirar suspeitas. Depois todos os olharess


tinham um ponto onde se reconcentrassem: o humilde
Mártir.
Caifás, vendo entrar Jesus, exalou um grito de satisfação.
Era o tigre ao ver a indefesa presa, a hiena em presença
da ferida onça, o lobo ante o manso cordeiro.
 A multidão que rodeava a casa do pontífice era imensa. Ia-
se julgar um Profeta, um Deus: isto era curioso.
curioso .
e f od
- Aproximai-me esse embaucador, disse com voz de trovão.
Malco obrigou Jesus a caminhar até o pontífice.
pontífi ce.
Jesus em pé diante do tirano, pálido, desfalecido, tinha o
olhar docemente fito num ponto da sala, onde estavam
os seus dois discípulos favoritos, Pedro e João.
Caifás chamou as testemunhas. Alguns homens
apresentaram-se
aqueles diante do tribunal. Nicodemus, ao ver
homens, não pode dominar a indignação que lhe
inspiravam e, adiantando-se um passo, disse:
- Caifás, não dês crédito a esses homens! Pensa que Jesus,
em vez de ser um falso Profeta, pode ser um Enviado
ser reta como a torre de Davi, firme como
c omo as rochas do
Sinai.
Caifás, colérico, pôs-se em pé segunda vez e dirigiu-se às
testemunhas depois de enviar um olhar de desprezo a
Nicodemos.
- Falai vós, lhe disse. Que sabeis desse embaucador?
- Nós, disseram várias testemunhas,  ouvimo-lo dizer: Eu
destruirei o templo feito à mão, e em três dias
edificarei outro não feito a mão.
- Não respondes alguma coisa ao que atestam contra ti?
- És tu o Cristo, o Filho de Deus bendito ?
- Eu sou, respondeu humildemente Jesus; e vereis o Filho
do Homem sentado à direita do poder de Deus e
vir com as nuvens do céu.
Como se as lançado
um insulto palavrasao
dopontífice,
dulcíssimo Jesus
este houvessem
começou a dar sido
gritos rasgando as vestes e arrancando as barbas.

- Blasfemou!... Blasfemou! bradava Caifás, levantando as


mãos e fazendo gestos indignos do honroso cargo que
desempenhava. Para que precisamos, já de testemunhas? 
 Agora ouvistes a blasfêmia; que vos parece?
- É réu de morte! É réu de morte! gritavam vários
vário s anciãos.
195
Nicodemus cobriu a cabeça com o manto, para pa ra não ver os
ferozes rostos dos juízes, para não ouvir as terríveis
 blasfêmias dos seus companheiros. José de Arimatéia
imitou o amigo, e ambos sairam do salão precipitadamente,
Pedro, absorto, aterrado com o que acabava de presenciar,
foi esconder-se entre a multidão, receioso que o
reconhecessem.
- Faz um milagre, falso Profeta! lhe dizia um.
- Adivinha como se chama o que te dá esta bofetada, sábio!
repetia
- Oh! O outro.
ilustre pontífice Caifás estará contente com os seus
servos, dizia um criado. Ao abandonar o salão, disse-
lhes: Soldados, eu vos entrego este Rei; tratai-o como
merece. E os soldados postaram-se bem.
- É costume romano, e que chegou a Israel, disse outro, que
as legiões celebrem com regozijo a subida dum
trinta anos; era alta, morena e de ademãs desenvoltos.
Levava uma roça na mão esquerda e um fuso na direita.
- Muito madrugas hoje, Rebeca, lhe disse um dos que a
rodeavam.
- Não estavas tu com Jesus Nazareno?
Todos os olhares se fitaram nele. Pedro estremeceu; mas era
preciso dar uma respostas e respondeu perturbado:
- Mulher; nem o conheço, nem sei o que dizes.
Pedro, não se julgando seguro naquele lugar levantou-se e
saiu do átrio. Ao transpor o umbral parou. Então
 Alguns homens o cercaram; mas no meio dos insultos que
começavam a levantar-se, ouviu Pedro segunda vez o
canto profético do galo. Um dos presentes disse,
aproximando-se do apóstolo:
- Por que negas que o conheces? Receca tem razão: tu és
galileu como ele, e vimos-te no templo, ouvindo suas
galileu como ele, e vimos te no templo, ouvindo suas

patranhas.
Pedro julgou-se perdido. Sua razão ofuscou-se e o medo
pôs-lhe na língua palavras e juramentos que mais tarde
deviam causar-lhe dolorosas lágrimas de arrependimento.
- Não o conheço, disse: o Deus de nossos maiores não dê
ouvidos às minhas súplicas, se tendo tido contato com
esse Galileu de quem falais.
na bk a
- Ainda é muito cedo para incomodar Pilatos; esperai que o
sol possa iluminar o rosto do Réu, e do juiz. Os
fariseus tem medo de o sentenciar de noite.
CAPÍTULO V
196
O SUICIDA
- Que é de meu Filho? exclamou Maria com doloroso
acento.
- É que venho encomendar-te outro trabalho, tornou Malco.
Precisamos de outra cruz para outro réu, um falso
profeta.- Ah! Pois então será preciso que nos esmeremos.
Disse-te de que madeira a quer o tribunal?
 A poucos passos da casa, havia um grupo de gente que
rodeava um homem. Este gritava com toda a força
fo rça dos
pulmões, dizendo:
- Este homem está louco, disse um soldado.
so ldado.
- Filho da minha alma!
 A dois passos da grade via-se um grupo cuja dor era imensa,
Madalena, João e Pedro choravam, dirigindo
através da grade olhares dolorosos para Jesus.
- Eu não tenho deixado de ver-te, minha Mãe, desde o
momento da nossa separação, disse o Mártir; bendita
b endita serás
entre as mulheres como bendito será o fruto do teu ventre,
que hoje é objeto de zombaria e escárnio.
Naquela dolorosa cena as lágrimas substituiram as
palavras; dor profunda, imensa, indescritível; cruel
amargura
a que a pena do homem não dará nunca o elevado
sentimento de que foi digna.
 

Entretanto, no átrio da casa do pontífice, um homem cujo


olhar tosco e receioso inspirava desconfiança,
perguntava aos soldados com preocupada e intranquila voz:
- É certo que Jesus foi sentenciado à morte?
- Tão certo como nós estarmos aqui esperando que
amanheça para o levarmos à casa do juiz romano, responde
um soldado.
- E não amaldiçoou ninguém? Não disse que um traidor o
 vendera?
- Jesus suportou tudo com uma humildade incompreensível
e pediu a Deus o perdão dos seus inimigos e juízes.
 A bolsa que pendi doc into do apóstolo traidor, fazia soar no
fundo as trinta moedas de prata. Quanto mais corria,
mais lúgubre e ameaçador era o argentino som do dinheiro,
que levantava um eco doloroso no coração do miserável.
-- Vêde o que
Sim, eu fui oo infame,
vendeu!odisse um doso anciãos.
miserável, traidor; este dinheiro
queima-me as mãos; tomai-o, tomai-o, para nada o
quero.
197
E dizendo isto, atirou com as moedas aos pés dos sacerdotes
e, descendo as escadas do templo, dirigiu-se
desesperadamente para a porta Dourada.
- A vida, disse com cavernosa, é um gemido interminável,
quando se tem, como eu, um inferno no coração. Ela,
pois, valor, lancemos fora uma carga tão penosa.
Had ed adom
CAPÍTULO VI
A FAMÍLIA DE BELI-BETH
Seram três horas da madrugada. Na estreita habitação
achava-se uma mulher sentada à cabeceira duma cama,
onde jazia enferma uma velha. Junto via-se um berço, onde
dormia um menino que apenas teria doze meses de idade.
Beli-Beth era judeu. Apenas o buço lhe apontava no rosto
quando sentou praça numa legião romana.
198
saúde.
 

Samuel soltou segunda gargalhada, e continuou:


- Os fariseus não se atreverão a crucificar um homem que
não faz mal a ninguém.
Samuel aproximou-se da cama de sua mãe e do berço de seu
filho. Seráfia retirou-se.
Samuel sentou-se junto do berço do filho e esteve-o
contemplando por alguns momentos.
CAPÍTULO VII
CLÁUDIA PROCLA
Retrocedamos. O sol acabava de nascer. Seus raios saiam
como uma chuva de ouro sobre os mármores brunidos
da cidade Antônia e da cilíndrica torre de Davi.
Pôncio Pilatos passeava pelo camarim. Nisto abriu-se uma
porta e apareceu u’a mulher moça e formosa.
- Ah! disse o governador. És tu Cláudia? A que devo a
felicidade
Que tens? de ter vêr cedo? Mas estás agitada... pálida!
- Tive um sonho horrível... espantoso! disse Cláudia.
- Minha Cláudia, estranho as tuas palavras: rogo-te,
pois,que te expliques.
- Conheces Jesus Nazareno?
199
- Pois Jesus foi preso esta noite pelos teus soldados! Nunca
homem algum se viu tão cruelmente maltratado.
Perdoa-lhes, meu pai: não sabem o que fazem.
-preocupado.
Repele vãosJuro-te
temores,
quelheeurespondeu
defendereiPilatos
Jesus,um tanto
caso ele não
Pilatos tirou do dedo um grosso anel
a nel em cuja preda se
achava gravada a cabeça de Tibério, e entregou-o à
espôsa.- Estás contente? disse-lhe.
- Oh, sim, estou contente, porque vou evitar-te uma
infâmia.
 Apenas Pôncio Pilatos acabava de dizer estas palavras,
quando Caio Ápio, centurião da guardaa pretoriana,
entrou no gabinete. Caio Ápio era espanhol, como Pilatos, e

-ambos filhos
Senhor, deCaio,
disse Taragona. O governador
os juízes do sinédrio,tinha em Caio um
os sacerdotes e os
fariseus, recusam se a entrar no palácio, porque

não querem manchar a consciência entrando no dia de


Páscoa em casa de um homem que adora os deuses do
Olimpo.
- Miseráveis hipócritas! exclamou Pilatos. Raça desprezível
e vil, que toca as trombetas para dar um miserável
dinheiro de cobre ao mendigo, e rouba em silêncio um
talento hebreu.
É como neste momento os gritos de “ – Justiça! Saia o
governador! Apareça Pôncio Pilatos” – lhe chegavam
com mais força aos ouvidos, continuou:
Dentro em breve correu a notícia de que o juiz romano ia
apresentar-se.
Jesus, entretanto, achava-se no meio da praça, sofrendo os
insultos e golpes da plebe.
CAPÍTULO VIII
DE PILATOS PARA HERODES
200
Samuel Beli-Beth agarrou brutalmente pelo ombro direito a
Jesus e conduziu-o quase a rastos até junto dos
degraus onde estavam os estandartes.
Depois, dando-lhe uma terrível punhada nas costas, disse:
Beli-Beth tornou a assentar segunda punhada no peito de
Jesus. O povo aplaudiu-º. O miserável judeu
j udeu fez uma
cortesia, agradecendo.
- Se Jesus não cometeu mais crimes que os que acabas de
relatar, disse Pilatos, eu, que represento Roma, não lhe
acho culpa suficiente para o castigar.
- É um malfeitor, um conspirador, um blasfêmo, gritou
Caifás, aproximando-se dos degraus. Se não fôsse um
criminoso não to haveríamos trazido.
- Se esse Homem pecou contra a vossa lei, tornou Pilatos,
 julgai-o vós. Que tem ququee ver R
Roma
oma com as vossas
questões religiosas? Tolera-vos o vosso templo, permite-vos
que rezeis nas vossas sinagogas e nada mais. Julgai-o vós.
- A pena de morte, bem o sabes, Pilatos,
Pi latos, que o reservaste a
 vós, disse Caifás, como direito de conquista; nós não
podemos sentenciar Jesus, e o seu crime merece a morte.
 

- Pois bem, acusai-o de crimes que que mereçam a cruz:


estou pronto a ouvir-vos; mas em tudo o que me
dissestes nada achei digno de morte...
- Pilatos, no que te dissemos tens motivos para sentenciar
Jesus; lembra-te que Tibério declarou réu de morte em
cruz afrontosa todo feiticeiro, e este homem cuja
endemoninhados e faz outros mil sortilégios.
 A Pilatos, que era homem justo e reto, ainda que um pouco
timido e político, começava a desagradar o nome de
Tibério naquele negócio; e, desejando acabar depressa,
mandou um litor, que fizesse subir Jesus ao Pretório.
 Ao ver o Nazareno, Pilatos contemplou alguns segundos a
sua mansidão. No divino olhar de Jesus havia tal
- És tu o Rei dos Judeus?
Jesus respondeu, fitando os formosos olhos nos de Pôncio:
- Dizes isso
Pilatos por ti porque
meditou, mesmo aouvoz
disseram-te outros
de Jesus lhe deproduzido
tinha Mim ?
na alma uma doce sensação e disse:
- Sou eu acaso judeu? A tua nação e os pontífices te
puseram nas minhas mãos. Por que desejam a tua morte
com tal empenho?
- O meu reino não é deste mundo, disse Jesus; não devo,
pois, inspirar receio ao teu senhor. Se dêste mundo
fôsse, os meus ministros pelejariam para que não fôsse
entregue aos judeus.
- És tu Rei? disse Pilatos.
- Tu dizes que o sou, respondeu Jesus; Eu para isso nasci,
mas venho reinar nos corações dos justos, transmitir-
 todo aquele que ama a verdade, escuta a minha voz.
- Nenhum delito acho neste homem.
 A opinião de Pilatos irritou os fariseus, que começaram de
novo a soltar maldições.
- Meditas o que dizes, exclamou Caifás, crendo que a vítima
lhe escapava das mãos. Jesus na Galiléia praticou
- Pois então levai-o a Herodes, tetrarca da Galiléia, que se
acha no seu palácio de Jerusalém por causa das festas
 

- Mago feiticeiro, faz um milagre, concedendo-me a mim a


imortalidade, e a minha mãe, que é muda, o uso da
palavra!
Jesus voltou uma vez a cabeça, junto do palácio de Herodes,
e dirigindo-se a Beli-Beth, disse:
- O filho do homem vai-se... mas tu esperarás que volte.
Beli-Beth soltou uma gargalhada.
 A comitiva continuou a caminhada, parando em frente ao
palácio de Herodes. Aquele rei vérdugo, monarca
assassino, receoso e cruel, tinha edificado seu palácio-
fortaleza com um luxo, e magnifiência incríveis.
201
Jesus dirigindo um olhar de compaixão ao tetrarca, guardou
silêncio.
O Nazareno sorriu-se docemente.
- Miserável, disse o tetrarca, desprezas as minhas ameaças!
Estás louco! Faze um prodígio ou, do contrário, o
rigor da minha ira te cairá sobre a cabeça.
O Mártir permaneceu impassível e mudo com os olhos fitos
no rosto do tetrarca.
Jesus nada respondeu. Então Caifás, o mais encarniçado
inimigo de Jesus, que o seguira até ao palácio de
Herodes, adiantou-se alguns passos e colocando-se junto do
Réu, exclamou:
- Ilustre tetrarca, este Homem é um embaucador; ofereces-
lhe uma coroa por um milagre, e não o faz.
Depois, descendo do trono, abandonou a sala da justiça,
mandando que levassem dali aquele Homem.
CAPÍTULO IX
DE HERODES A PILATOS
Pilatos já se julgava livre do grave compromisso de
sentenciar Jesus,quando ouviu na praça altas vozes.
Chegou-
se a uma janela e, com desgôsto e assombro, viu que lhe
levavam segunda vez Jesus. Caio Ápio entrou para dizer-lhe
- Dize a teu amo que pode contar desde agora com a minha
amizade, e que fico muito honrado se me conta no
 

número dos amigos.Mas, por que torna a remeter-me


Jesus? Por que não o julga, sendo galileu?
- Porque meu amo crê que esse Homem, mais que
criminoso é um louco.
- Pilatos! Saia o Governador! Sentencie o Galileu! A cruz
para o Nazareno! – gritava a alvorotada multidão da
praça desaforadamente.
- Oh! Essas hienas acabarão por devorar o indefeso
Cordeiro que lhes caiu nas mãos! exclamou Pilatos; e,
202
Pilatos sentou-se junto de uma mesa que tinha mandado
levar para o terraço, e escreveu esta sentença em língua
latina:
“Despi, atai e açoitai com varas a Jesus de Nazaré por
sedicioso e menosprezador da lei de Moisés, acusado
pelos
as sacerdotes e príncipes da nação. – Litor, vai e entrega
varas”.
O litor pegou no criminoso papiro que levava a sentença de
Jesus e correu a buscar os verdugos e o Réu.
Pilatos retirou-se do terraço, afrontado de sim mesmo.
Temia encontrar Cláudia, sua espôsa.
LIVRO DÉCIMO SÉTIMO
O GÓLGOTA
CAPÍTULO I
A COLUNA DAS AFRONTAS
 Apenas o litor lhes aponteou Jesus, lançaram-se sobre Ele e
conduziram-no quase a rastos para baixo dos
pórticos onde se achavam as colunas dos ultrages.
Teriam estas escassamente cinco pés de altura, e uns
grossos anéis de ferro para atar os braços do réu, de modo
que as costas apresentassem toda a largura para que os
golpes não fosse infrutuosos.
Estes trinta e nove golpes davam-se; treze nas costas,
cos tas, treze
no ombro direito e treze no esquerdo.
Os saiões amarraram terrivelmente Jesus na coluna,
rasgando-lhe a veste pelas costas até mostras as
a s carnes.
 

Naquele doloroso momento o semblante de Jesus respirava


mansidão infinita; seus olhos contemplavam com
Tão depressa as ardentes notas do bélico instrumento
ins trumento se
estenderam pelas âmbitos da praça, o povo calou-se.
c alou-se.
Todas as gargantas emudeceram. O silêncio foi universal.
Naquele momento horrível só se escutava o assobio das
 varinhas espinhosas ao caírem sobre as ensanguentadas
costas de Jesus, e os dolorosos gemidos do divino Mártir,
murmurando:
- Perdoai-lhes, meu Pai: não sabem o que fazem!
203
- Deus te salve, Rei da Judéia! exclamava um, açoitando o
rosto de Jesus com as duras e ensanguentadas correias
que ainda conservava na mão.
- Glorioso Messias! exclamava outro, escarrando na divina
face do
pois boaNazareno. Faze um milagre! Enriquece-me!
falta me faz.
Guardava Jesus profundo silêncio ante tão atrozes insultos.
Os costumes, as leis, tinham sido violadas, e, sem embargo,
ainda se cevavam de um modo cruel na indefesa
 Vítima que se acha a seus pés.
Esta fraqueza produziu um grito de júbilo enre os verdugos.
CAPÍTULO II
“ECCE HOMO”
Jesus jazia no chão, cercado dos seus verdugos que lhe
escarravam no rosto
pronto se levantou e maltratavam
sobre os joelhos eologo
corpo, quando
se pôs de
em pé.
Como os gritos da multidão redobrassem ao invés de
diminuirem mandou Pilatos que cobrissem os ombros do
 visse com o manto de púrpura, coroa de espinhos e cana na
mão.
- Vêde-o, israelitas! Gritou Pilatos. “ Ecce Homo”! Bastante
castigado está pelos seus crimes. Que vos importa
que este Homem viva depois da afronta que acaba de
receber?...
-clamava
Ao Gólgota!...
o povo.Ao Gólgota!... Crucificai-o! Crucificai-o!
 

Caifás, cujo rancoroso coração temia que Jesus se livrasse


da morte, subiu até o último degrau do palácio, e
gritou com voz desaforada.
- Defende-te. Bem ouves o que de ti dizem.
Jesus guardou silêncio. Neste instante, um criado de
Cláudia acercou-se de Pilatos e disse-lhe:
- Senhor, tua espôsa me manda dizer-te que não esqueças a
tua promessa; que respeites a vida do Nazareno,
criminoso.
Pilatos chegou segunda vez à varanda e indicou que ia falar.
O povo calou-se.
- Faz morrer Jesus! Solta-nos Barrabás! exclamaram os
sacerdotes.
Pilatos tornou a retirar-se da varanda. Apesar da sua
fraqueza de caráter, repugnava-lhe matar Jesus. Fez o
acento:- Nenhum poder terias sobre mim, se não te fosse
dado do Alto. foss e
 As palavras, o acento, o olhar de Jesus, tudo naquele
Homem tinha uma magestade tão sublime, que Pilatos
sentiu uma coisa extraordinária dentro do seu ser.
Jesus naquele momento, parecia-lhe um Deus.
Suas mãos, assinando a sentença de morte d’Êle,
manchavam-se para uma eternidade. Seu coração, pouco
antes
indeciso e fraco, resistiu-se de valor, e tornou a chegar à
 varanda, resolvido
Esta resolução a salvar
irritou de umo modo
Acusado.
horrível os sacerdotess e
a plebe. Caifás, que formava à frente daquelas feras,
falou:
- Pilatos, lembra-te que esqueces os teus deveres. Jesus
proclamou-se Rei dos Judeus, usurpando uma dignidade
que pertence a Tibério, teu senhor e nosso, por direito de
conquista. Esse homem que defendes é inimigo do César.
204
Sendo seu defensor, tornas-te seu cúmplice. Salvando-lhe a
 vida, atentas contra a glória do augusto imperador de
Roma.
 

 Ai de ti, Pilatos! Ai de ti, se o teu procedimento neste dia


chega aos ouvidos do senhor do mundo, do imortal Tibério!.
Pilatos tremeu, ouvindo as palavras do Pontífice. Fraco e
covarde, rendeu-se ante as ameaças daquele sacerdote
G abbatha
Pouco depois, apresentaram-se dois criados com a bacia e a
toalha. Traziam também a Pilatos o anel que sua
- Tomo o céu por testemunha de que sou inocente na morte
desse Justo! A cólera celeste caia sobre os seus
 verdugos.
 verdug os.
- Amém! replicaram os sacerdotes.
Depois, Pôncio Pilatos sentou-se numa cadeira juntoj unto da
mesa; Jesus de pé ao seu lado: os soldados rodeando o
mártir, e os ferozes sacerdotes e o povo em frente.
Era sexta-feira, e seriam aproximadamente dez horas da
manhã. O juiz romano
Os dois ladrões escreveu com
estão igualmente mão trêmula.
pendentes das suas cruzes
um à direita e outro à esquerda, residindo no meio
como Rei, para que seja exemplo e escarmento de todos os
malfeitores, e em voz alta pelo pregoeiro,para que chegue ao
 Pôncio Pilatos”.
CAPÍTULO III
A RUA DA AMARGURA
Junto da cidadela Antônia achava-se o cárcere. Uma mulher
acocorada no umbral da porta chorava
amargamente,
 Ao seu lado, decom a cabeça
pé, triste, escondida
imóvel, nas pregas
achava-se do manto.
um moço com
uma citara pendente do ombro. Era Enoé e o moço
era Boanerges, seu filho, que esperavam para ver o seu
protetor, o bandido Dimas.
Um litor seguido de quatro soldados parou diante da porta
do cárcere. Enoé levantou a cabeça. Um carcereiro
saiu ao encontro do litor e este apresentou-lhe um papiro,
que dizia:
“O carcereiro entregará ao litor os dois bandidos Dimas
Di mas e

-Gestas”.
Ah! Com que finalmente os crucificam, disse
di sse o carcereiro,
dando voltas ao molho de chaves que lhe pendia da

em pé, e, adiantando-se para o litor, deteve-o, dizendo-lhe:


205
cruzes esperavam os réus. Doze verdugos, soldados das
fileiras romanas, rodeavam os instrumentos do patíbulo. O
povo,
espaçopara
entrenão se emanchar
eles os saiões.com seu contato, deixava um
Como cães danados, como carniceiras hienas, lançaram-se
sobre Jesus, e, arrancando-lhe o manto de púrpura que
pouco antes lhe tinham pôsto sobre os ombros, vestiram-no
com o antigo traje para que fossefoss e reconhecido de todos.
Trinta soldados, capitaneados por Caio Ápio, esperavam
 junto aos degraus da cidadela Antônia o momento da
partida. Era a guarda de honra que devia acompanhar Jesus
ao Gólgota.
- Cumpra-se a sentença.
- Já que és Filho de Deus, leva só a carga e faze um milagre,
para que te não seja pesada.
Jesus estava débil, pálido, desfalecido. Mal podia ter-se em
pé. Ao receber sobre os amantíssimos ombros o
pesado e afrontoso lenho, seu corpo dobrou-se como a frágil
cana impelida pelo rijo sopro do furação.
Os verdugos riram-se daquela fraqueza. O povo, vendo o
Mártir pronto a encetar o caminho do suplício, agitou-
se como um imenso formigueiro, soltando gritos de prazer.
 A comitiva seguiu o caminho do Calvário, ao lúgubre som
das trombetas. Longuinhos, seguido de quatro
soldados a cavalo, ia adiante, afastando a gente com a lança.
Seguia-se um pregoeiro e dois trombeteiros.
O primeiro devia ler a sentença em todas as bocas de rua do
trânsito.
Caminhavam depois os soldados a pé, apetrechados com os
arreios de guerra, capacetes, escudos, coraças e
espadas.
“JESUS DE NAZARÉ, REI DOS JUDEUS”
 Atrás deste
deste jovem
jovem ia Jes
Jesus,
us, rodeado
rodeado de verdug
verdugos,
os, com uma
uma
corda atada à garganta.
 

Jesus dirigia seus compassivos olhos para aquele inocente


pimpolho carregado com os cruéis instrumento da sua
morte.
O Nazareno com a mão direita procurava diminuir o peso
enorme do afrontoso lenho, e com a esquerda
levantava a comprida túnica para não tropeçar nas duras e
desiguais pedras das ruas.
 A plebe, instada pelos fariseus e sacerdotes, seguia Jesus,
uivando, escarrando da sua cruel agonia.
 Aos oitenta passos tropeçou Jesus numa pedra, faltaram-lhe
as fôrças e caiu. A multidão soltou um grito de
alegria. A divina fronte do Galileu tinha batido no duro
pavimento da rua.
Os saiões puxaram as cordas para o levantarem; os soldados
deram-lhe duríssimos golpes com as hastes das
lanças para refazerem
Jesus levantou-se suasosdesfalecidas
fitando formosos e forças.
doces olhos no céu.
Seus divinos lábios murmuraram uma frase que ninguém
pode compreender e, ao redor da sua puríssima fronte
apareceu uma auréola de resplandecente luz.
- Saudai o Rei dos Judeus! exclamou um. Não vedes como se
levanta para olhar o povo, para agradecer ao
numeroso acompanhamento que o segue ao Calvário?
206
Esta horrível gargalhada foi repetida pela multidão. Jesus
continuou o doloroso caminho repetindo em voz baixa:
- Perdoai-lhes, meu Pai: não sabem o que fazem .
Entretanto a Virgem Maria dissera a João.
- Corramos ao Calvário! Quero ver meu filho!
 As santas mulheres e o discípulo favorito de Jesus foram
 juntos. Maria colocou-se na Via Sacra, num ponto por
onde ia passar o Filho.
 Ali caiu de joelhos. Madalena, Maria Cléofas, Maria Salomé
e João rodearam-na. Era em vão querer consolar
- Toma, Galiléia: ai tens o presente de morte que te faz teu
filho, o Profeta de Nazaré.
 

Jesus quis correr em socorro de sua Mãe. Mas ai! os pés


enredaram-se-lhe na túnica, e segunda vez caiu ao chão,
 batendo com a divina fronte nas duras pedras da rua.
- Filho da minha alma! exclamou a Virgem, com um desses
gritos que só podem sair do coração de u’a mãe.
Jesus, sereno, pálido e vacilante, dirigiu um doloroso olhar
a sua mãe, e levantando-se disse-lhe com voz
dulcíssima:
- Salve, Flôr de amargura! Salva, Estrela puríssima da
manha! Salve, minha Mãe!
 A enamorada donzela de Mágdalo,
Mágdalo, dirigiu um olhar cheio de
amor e amargura para Jesus, e a comitiva continuou
a interrompida marcha.
- “Jerusalém! Jerusalém! Quantas vezes quis congregar os
teus filhos como a galinha congrega os pintainhos
debaixo dascaminhado
Jesus teria asas, e nãoaquiseste!”
metade da dolorosa estrada,
quando parou pela terceira vez, falto de alento. As pernas
fraquejavam-lhe.
 Alguns pobres do arrabalde de Ofel e algumas mulheres
mulheres a
quem a bondade e os milagres de Jesus tinham curado
as doenças, choravam amargamente seguindo os passos do
Mártir.
Junto do poço, pôsto em pé sobre um banco de pedra, via-se
um homem de elevada estatura e feições
pronunciadas. Era Samuel
E aquele miserável Beli-Beth.
ria-se como um condenado.
- Samuel, disse Jesus, tenho sede! Dá-me dessa água!
Samuel, permite-me por caridade que descanse um
Jesus levantou-se lentamente. Colocou o pesado lenho
sobre o ombro, olhou de um modo compassivo
compassi vo Samuel e
disse:
anda,a ndaa nda Eu logo descansarei; mas tu andarás
sem cessar até que Eu volte.
Judeu Errante; e teu passo não se
s e deterá nunca; serás
imortal, mas a imortalidade será o teu maior castigo.
Prepara as
 

207
tuas sandálias; prepara o teu bordão de viagem. Infeliz!
Disseste-meanda; pois tu andarás até à consumação dos
séculos. Anda, anda, Samuel Beli-Beth; maldito como a tua
pátria, vaguearás pelo universo até o dia do juízo final.
Neste instante u’a mulher saiu da casa da frente com um
lenço na mão. Era Seráfia. Aproximou-se do divino
divi no
Galileu, cujo rosto se achava banhado de suor e sangue, e
ajoelhou-se diante d’Ele dizendo:
- Senhor, meu Jesus, permite que esta humilde pecadora
limpe o teu divino rosto com este lenço tecido pelas
Seráfia soltou um grito de alegria. Algumas mulheres a
cercaram. No lenço tinha ficado impresso por três partes
o rosto do Mártir. Cada um dos crudelíssimos espinhos da
sua coroa despedia um raio de luz. Seráfia estava absorta.
- Seráfia, deixa o teu nome e toma o deVe r ôni c a, pois nas
tuas mãos deixo a minha  verdadeira imagem.
CAPÍTULO IV
A CRUZ
- Observai! Jesus não pode com o enorme peso do lenho.
Bom homem, disse olhando para Simão, ajudai-o antes
 Ai, caiu pela quarta
quarta vez
vez desma
desmaiado.
iado. Sim
Simão
ão deixou a cruz e
correu a levantar o Nazareno.
Um grupo de mulheres que esperava o jovem Mestre para o
 ver passar, vendo em tão doloroso estado o que seis
dias antesdeentrara
caminho rosas ecoberto de flores
de plantas, e de
pôs-se bênçãos por um
a chorar.
Jesus ergueu a fronte, abatida pela dor, manchada pelo
sangue, e disse-lhes:
- “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim! chorai por vós
e por vossos filhos; porque virão em breve dias em
que dirão: Bem aventurados as estéreis e os ventres que não
conceberam e os peitos que não amamentaram!”
Uma senda estreita e tortuosa, semeada de grossas e duras
pedras, conduzia ao cume do Gólgota, desde o lugar
Caio Ápionão
pareceu despediu Simão,
ter ouvido agradecendo-lhe;
a ordem do romano, emas Simão
permanecia cravado junto ao corpo desfalecido de Jesus.

Simão afastou-se alguns passos. Em seus olhos apareceu


uma lágrima.
 Alguns passos acima do lugar em que Jesus se despediu do
homem venturoso de Cirene, achava-se a pequena e
Quando os quatro saiões tiveram os cravos, os martelos e a
cordas preparadas junto da cruz dirigiram-se a
Cristo, e pegando-lhe asperamente de um braço,
arrastaram-no até o lugar onde devia ser crucificado.
208
- Creio que não devemos rasgar esta túnica. Seria
conveniente que a tirássemos inteira, porque a poderíamos
 vender a algum dos fanáticos que crêm que este homem
homem é o
Messias.
- Dizes bem, esfolemo-lo, pois tem na pegado ao corpo.
Os verdugos colocaram Jesus sobre o afrontoso madeiro.
O sangue saltavasobre
dolorosamente ao rosto do verdugo. Jesus agitou-se
o madeiro.
 A mão esquerda foi, por fim, pregada. Os cravos tinham
nove polegadas , eram triangulares e a cabeça redonda.
 A ponta ensanguentada saiu pelo outro lado da cruz.
Faltavam os pés, e colocaram-nos sobre o ponto de apoio
um por cima do outro. Dois cravos esperavam a carne
para a penetrarem.
Dez marteladas terminaram o horrível martírio. Jesus ficou
pregrado, e foi levantado à vista das nações. Então
ressooutinha
Pilatos um grito de entusiasmo
mandado ao redor do
pôr uma tabuinha na Gólgota.
parte mais alta
da cruz com este letreiro:
JESUS NAZARENO, REI DOS JUDEUS
Caifás, que tinha presenciado tudo rodeado dos seus amigos
ami gos
e fariseus, apenas leu o letreiro aproximou-se de
Caio Ápio e disse-lhe com voz descomposta:
- Tira aquela tábua, onde diz que aquele Condenado é nosso
Rei, e põe: Jesus de Nazaré, que se diz Rei dos
Judeus.
Caio enviou
dirigiu um olhar desdenhoso ao pontífice, que se
a Pilatos.
 

- O escrito, escrito. Saí de minha casa, e não espereis que se


mude nem uma só letra, disse Pilatos.
Entretanto, Jesus exclamava com moribundo acento: 
Perdoai-lhes, meu Pai, não sabem o que fazem.
 Alguns homens do mais soez da plebe, que se tinham
reunido com os verdugos, escarneciam desapiedadamente
do Filho de Davi.
- “Eh! Tu que destróis o templo de Deus, lhe disse um e em
três dias o reedificas, salva-te a Ti mesmo. Se és
O bandido Gestas, pregado na cruz à esquerda do Galileu,
 voltou a cabeça para olhá-lo, e disse-lhe com
desprezo:
- Se Tu és Cristo, salva-te a Ti mesmo e a nós.
e estavam jogando a túnica inconsútil do Nazareno.
CAPÍTULO V
TUDO ESTÁ CONSUMADO
209
Maria, a Flôr de pureza, a virgem imaculada, não pôde
permanecer muito tempo na gruta para onde a tinham
conduzido os amigos. Quis tornar a ver seu Filho.
Os rogos de João, as súplicas de Madalena, foram vãos.
Saiu, por fim, e pouco depois caía ajoelhada aos pés de
Jesus, e abraçava-se ao cruel madeiro, com a alma
dilacerada de dor e de angústia.
Seus olhos, cheios de doce e amorosa expressão
encontraram-se com os olhares angustiosos dos três únicos
seres
Jesus ergueu os olhos ao céu, como se buscasse seu Pai no
pálido e triste horizonte que se estendia sobre sua
cabeça ensanguentada e, exalando um doloroso grito, disse:
- Eli! Eli! Lamma Sabacthani?
Jesus agitou a cabeça com agonia e, neste momento, um
relâmpago azulado atravessou os dilatados âmbitos do
espaço.Cem mil espectadores levantaram os olhos para o céu
depois de passarem as mãos por eles.
Não havia nuvens; mas o sol ostentava a palidez dos
cadáveres e os muros da cidade, e as cristas dos montes, e

os seios dos barrancos tingiam-se


tingiam-s e de um resplendor
estranho, que gelava o sangue nas veias e oprimia o espírito.
Cessou o trovão, como se a natureza suspendesse seu enfado,
e Jesus, abrindo a boca, exclamou com moribunda
 voz:
- Tenho sêde.
O Nazareno voltou o rosto para o Ocidente, exalando um
doloroso suspiro. Os elementos responderam com sua
poderosa voz a este gemido do Redentor.
Longuinhos, que se achava perto da cruz, a custo podia
po dia
segurar o cavalo que, espantado e receioso, trabalhava
para despedir-se da sela o cavaleiro.
Jesus tornou com moribundo acento:
- Tudo está consumado.
Os trovões redobraram: a escuridão entendeu-se pelo
espaço; a pavorosa luz do raio dilatou-se pelo éter.
- Meu Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito!
Jesus inclinou a cabeça e, exalando um suspiro, soltou o
último alento.
 A noite substituiu o dia; as estrelas, o sol.
Os vivos vêm os cadáveres pelas ruas e os pálidos esqueletos
inclinam-se para saudar os parentes.
No meio desta desolação geral, dois homens permaneciam
no cume do Gólgota com a fronte erguida e o olhar
provocador.
 Ambos fitaram
Jesus. Um os altivos
chamava-se olhos no corpo
Longuinhos sem
e outro alentoBeli-
Samuel de
Beth.
Beli-Beth! Nazareno! Não me respondes? É o mesmo:
escuta as minhas palavras. Eu rio-me da voz da
tempestade e desprezo essa raça covarde que foge
espantada quando vibra o raio sobre as suas cabeças; a
minha nunca
210
se inclina. Se és homem vencer-te-ei, estou certo; se és
Deus, advirto-te de que me acho pronto para a luta; disseste
que

peito do Nazareno. Por aquela ferida rebentou uma fonte de


sangue e água, que correu como um arroio pela lança de
Longuinhos, umedecendo-lhe as mãos.
Longuinhos sentiu ao tocar aquele sangue alguma coisa
estranha. Maquinalmente a lança caiu-lhe das maõs, e
CAPÍTULO VI
CAIO ÁPIO
Os trezentos mil espectadores da tragédia divina, tão
depressa a terra lhes tremeu sob os pés e o sol ocultou a
 brilhante fronte como envergonhado
envergonhado do crime que acabava
de cometer-se, dispersaram-se.
 Atropelando-se uns aos outros entraram na cidade e,
escondendo-se nos mais escuros cantos de suas casas,
repetiam com covarde acento:
-Era verdade que Êste era Filho de Deus e matamo-lo.
Os covardes jerossolimitanos fechavam as portas e janelas,
porque alguns mortos que tinham saido dos sepulcros
corriam pelas ruas, graves, silenciosos como os túmulos que
tinham encerrado os seus corpos.
Entretanto ao redor da cruz, onde ainda permanecia
pregado Jesus, agrupava-se com amor um grupo doloroso
de
onde devia brotar brevemente a fecundante fonte do
Cristianismo.
Daquele punhado de israelitas reunido no cume do
Calvário,
desenove ia nascerfortalece
séculos o perfume imortal
com e salvador
sua essência q ue há
que
o grande
espírito da humanidade.
Maria, a Mãe dolorosa, era o precioso vaso que reunia as
flôres abatidas do Evangelho.
Madalena, Maria Salomé, João, Pedro e outros discípulos
choravam amargamente ao pé da cruz, quando viram
subir pelas desertas fraldas do Gólgota, José de Arimatéria
Ari matéria e
Nicodemus, seguidos de quatro criados.
Os dois amigos de Cristo
Cris to tinham alcançado do juiz romano
licença
eram para darempara
responsáveis sepultura ao corpo
com Pilatos docadáver
pelo Mártir;de Jesus.
 

José de Arimatéia levava finíssimo lençol de linho e


Nicodemos cem libras de mirra e aloés para ungir e
embalsamar o corpo de Cristo, segundo o costume dos
 judeus.
 judeu s.
José fechou o sepulcro com uma enorme pedra e, como
tudo estava terminado, regressaram a Jerusalém, onde os
chamava a celebração da Pásacoa.
Os fariseus temeram que os partidários do Galileu
roubassem o corpo do Crucificado, fazendo depois crivel a
ressurreição que profetizara e os fizeram reunir no sinédrio.
O concílio acordou que era preciso que Pilatos lhes desse
certo número de soldados para guardarem o sepulcro,
conclave de pedra
Caio Ápio saiu do templo sem que ninguém se opusesse.
Suas palavras tinham sobressaltado os sacerdotes e os
fariseus.
211
Naquele momento, no interior do Santo dos Santos, cujo
 véu se tinha rasgado, justamente à mesma hora em que
Jesus soltou o último suspiro, ouviram-se vozes que nunca
se pôde saber quem pronunciou, as quais diziam: Pa r ta mo
s
deste lugar.
Caifás fez esfôrço para reanimar os companheiros. Logo
partiram
chegaramalguns sacerdotes
ao jardim de Joséseguidos dos soldados,
de Arimatéria e levantaram a
pedra do sepulcro. Ali estava o cadáver de Jesus.
Em presença dos sacerdotes tornou a colocar-se a enorme
pedra, e pelas suas próprias mãos foram seladas as
 juntas.
Quatro soldados com a lança no braço se colocaram à
porta do sepulcro.
Os sacerdotes sairam do jardim, e já no campo, Caifás
disse aos que o cercavam:
- Agora estou tranquilo. Se é Deus, que quebre a lousa do
sepulcro e ressuscite, o que é difícil que suceda.
CAPÍTULO VII

OS MORTOS FALAM
Samu
Sa mue el Be Belili-B
-Bet
eth,
h, depo
depois is de ap apos
ostr
trof
ofar
ar Je
Jesu
suss na
agonia, desceu do Gólgota e começou a caminhar sem
sabe
sa berp rpar
ara
a onde
onde,, como como impe
impelilido
do pela
pela atater
erra
rado
dora
ra vo
vozz da
con
co nsciê
sciênc ncia
ia..A esc scuuridã
idão er era a cocom
mpleletta; o te temmor dosdos
hab
abitita
ant
nte
es deJer eJeru usa
salé
lém
m tã tãoo grandande, qu quee a gen entte se
atropelava pelas ruas.
Samuel parecia insensível ao espanto geral. Seguia seu
caminho com a fronte inclinada e como se a maldição de
Deus lhe pessase sobre a cabeça.
Sem o perceber, atravessou grande parte da cidade de
Beceta e, torneando as fraldas do monte Mória, achou-se
nas portas das Águas. Parou fatigado fa tigado no vale dos Cadáveres,
que conduz ao sepulcro de Absalão.
 Ali limpou
limpou o suor que lh lhee inundava
inundava a fronte
fronte e,e, erguendo
erguendo a
cabeça, retrocedeu dois passos, aterrado.
Os pro rofefettas ac achhavam
avam-s -se e se
sent
nta
ado
doss sobsobre os se seu
us
sep
se pulcrlcros comcom os desca escarrna
nado doss br
braaços
ços na direç ireçã
ão do
Gólgota.Aqueles esqueletos envoltos nos brancos sudários,
que se levantavam das sepulturas para chorarem a morte
de DeusDeus,a ,ate
terrrrav
avam
am Samu
Samuel el,, qu
quee os olha
olhava
va co
com m olho
olhoss
espantados.
O trovão, rugia-lhe sobre a cabeça; a terra tremia-lhe
debaixo dos pés. Então, ao resplendor dum relâmpago,pôde
ver que os esqueletos se puseram em pé que dos seus
olhos sem luz corriam lágrimas de sangue. Caiu de joelhos,
eestendendo as mãos em direção aos mortos, murmurou
com voz aterradora:
- Perdão!... Perdão!...
Os profetas responderam-lhe com a voz espantosa dos
sepulcros:
- Anda!
Imediatamente, em toda extensão do vale de Josafá, se
escutou um gemido, cujo eco repetiu de modo fúnebre:
- Anda, anda, anda!
Samuel
Então viupôs-se
umas em pé de
letras possuido de um pânico
fogo esculpidas sobrehorrível.
as pedras
do sepulcro, que diziam:Absa l ã o.

- Piedade! exclamou Samuel juntando as mãos.


O esqueleto de Absalão estendeu o braço em direção ao
Gólgota e disse:
- Anda!
Os mortos do vale de Josafá tornaram a repetir por três
 vezes:
- Anda, anda, anda!
Samuel com o cabelo eriçado, olhos encovados, a testa
coberta de suor, começou a caminhar como impelido por
mão misteriosa.
 A terra parecia escapar-lhe debaixo dos pés e parou
como
co mo papara
ra toma
tomarr um fôfôle
lego
go;; ma
mass apen
apenas
as tinh
tinha
a de
detitido
do
opasso, a pedra dum sepulcro que se achava ao lado caiu
em pepeda
daço
çoss e o cacadá
dáve
verr do pr
prof
ofet
eta
a Za
Zaca
cari
rias
as saiu
saiu do
túmulo,repetindo:
- Anda!
E outra vez, os mortos tornaram a repetir dos seus sepulcros:
- Anda, anda, anda!
Samuel continuou seu caminho, caindo fatigado depois de
meia hora de caminhada junto duma árvore. Ali, só
com sua dor, com a cabeça entre as mãos, permaneceu longo
tempo.
O remorso devorava-lhe o coração e quis novamente
implorar a clemência divina: mas apenas os lábios
abrasados pela febre pronunciavam a palavra per dã o ouviu
uma voz que lhe repetia sobre a cabeça:
- Anda, maldito como eu, anda, anda!
Ergueu os olhos para vêr quem era o que o perseguia e
ameaçava em tão desertos lugares, e viu à luz de um
relâmpago o corpo de um homem enforcado que se agitava
sobre o precípicio.
 Aquele
 Aque le cad
cadáver
áver era o de Judas.
Judas.
Samuel abandonou aterrado o lugar, encaminhou-se para a
cidade e entrou pela porta Estercolária; atravessou do
mesmo modo o arrabalde de Ofel, a esplanada do templo,
passou sem
fim, à sua se deter parte da cidade de Beceta e chegou por
casa.
 

212
Então viu com horror que um esqueleto se achava sentado
no poial da sua porta. Fitou os olhos espantados
naquele espectro dos túmultos, soltou um grito, e disse com
medroso acento:
- Sara, Sara! Minha espôsa, tu também deixas o sepulcro
para amaldiçoar-me?
O espectro respondeu com doloroso acento:
- Samuel, Deus permite-me que abandone por um instante
o sepulcro e que venha despedir-me de ti e dizer-te:
Anda, maldito de Deus, anda até a consumação dos séculos!
 A visão desapareceu.
Samuel desfalecido, entrou em casa e foi refugiar-se junto
ao berço do filho, que apenas contavadoze meses.
 Ali ao meno
menoss julgava-se
julgava-se seguro
seguro dos mort
mortos.
os. Fitou os
aterrados olhos no formoso menino que dormia no
berç
be rço;
o;ma
mas,
s, na
naqu
quel
ele
e mome
momentnto,
o, o me
meni
nino
no leva
levant
ntou
ou-s
-se,
e, e
pond
po ndo-
o-se
se em pépé,, es
este
tend
ndeu
eu a mã
mãoz
ozin
inha
ha em dire
direçã
çãoo ao
Gólgota, e dissecom voz doce e sonora, que devem ter os
anjos:
- Samuel Beli-Beth, anda, anda, anda!
Samuel retrocedeu até tocar com a cama da sua velha mãe;
que, muda, paralítica, havia muitos anos, pôs-se em
pé, e disse com claro acento:
- Anda, anda, anda, maldito de Deus!
Samuel não pôde resistir a tanta comoção e caiu
desamparado no chão. Naquele momento ouviu-se uma
pancada
na porta da rua, logo outra, depois outra.
Estas três pancadas pausadas, sem que ele pudesse
compreender a causa, reanimaram subitamente, o espírito
aterrado do judeu. Pôs-se em pé e perguntou:
- Quem é?
Uma voz que não tinha nada da terra, respondeu:
- O que Deus envia. Abre.
-recobrado
Entra, se aqueres,
passadarespondeu
energia. Samuel, que parecia ter
 

 A porta abriu-se. Um jovem que quando muito teria


dezesseis anos de idade, branco como o leit, louro como
oouro, formoso como as rosas de Saron e vestido com um
túnica resplandecente, entrou em casa de Samuel. Levava
umbordão de viagem na mão, e do do corpo irradiava uma
auréola de luz.
- Quem és? perguntou Beli-Beth.
- Sou Gabriel, o enviado do Senhor, o mensageiro do
Paraíso, que venho entregar-te o bordão do viajante e
dizer-te que a tua hora chegou:Anda !
- Então era Deus? exclamou dum modo indescritível
Samuel. Então era Deus? E recusei-lhe a água que me
pedia! Ah, maldito, maldito, maldito, seja o meu nome!
O arcanjo repetiu:
- Samuel, a hora chegou.Anda !
- Por caridade, permite que dê um beijo na fronte desse
pobre menino que se acha no berço.
- Anda! Repetiu Gabriel.
- Deixa que dê a minha mãe o ósculo de despedida.
- Anda, anda! tornou o enviado de Deus.
- Estou cansado; deixa que respire um quarto de hora; corri
muito desde que Jesus soltou o último suspiro.
- Anda! Anda! Anda! repetiu o Arcanjo; mas de um modo
tão enérgico, que Samuel baixou a fronte, pegou no
 bordão que lhe apresentava, atou as sandálias e exalando
um doloroso suspiro, saiu de casa para nunca parar, para
caminhar eternamente.
Jacó Besnage, autor protestante, na sua História dos
Judeus, conta três judeus errantes; o primeiro chamou-se
Samer, e foi amaldiçoado por Deus por ter fundido o
 bezerro de ouro no tempo de Moisés, o segundo, com o
nome de
Cataflio que foi porteiro de Pilatos; e o último chamado 
Assuero, sapateiro de ofício, que
q ue tinha a loja na rua que
depois
de chamou via Dolorosa, recusando a Jesus um pouco de
água quando caminhava para o Calvário.

Feijó,
Feij ó, no tomo
tomo segu
segund
ndo
o das
das suas
suas Ca
Cart
rtas
as er
erud
udititas
as,,
falando extensamente sobre o judeu errante, diz que no de
1129apareceu o judeu errante na Inglaterra, em 1547 em
Hamburgo, em 1575 em Madrid, em 1609 em Viena, em
1610, em1612 em Astran, em 1643 em Paris, em 1694 em
Moscou, e finalmente indica-se nos fins do século XVII em
Londrespela segunda vez, como assegura uma carta da
duquesa Hortência de Mazzarino, irmão do célebre cardeal
do mesmosobrenome.
 Acrescenta Feijó, que um homem astuto e sagaz,
instruído na história em oito ou nove línguas, que vida
maisagradável podia escolher que a de se fingir judeu, o
erra
er rant
nte,
e, ch
cham
aman
ando
do a at
aten
ençã
çãoo do
doss pr
prín
ínci
cipe
pess e pe
pess
ssoaoass
poderosas, ouque estranho seria que depois o imitassem
outros embusteiros?
Em todo o caso, se a tradição é uma fábula, como
deve crer-se, é preciso convir que em nada pode
representarcom tanta exatidão o disperso povo de Israel,
que nunca pôde reunir-se, como esse homem,
amaldiçoado por Deus emcujos ouvidos ressoa claramente
o anda, anda, anda! da tradição.
Nós demos-lhe uma forma fantástica, porque em anda
afet
afetaa o do dogm
gma,
a, as
assi
sim
m co
como
mo nos
nos se
serv
rvim
imos
os du
dum
m nome
nome
queninguém cita, em vista dos diferentes pareceres que
desde o célebre historiador Matias de Paris (o primeiro que
deu àluz a tradição do judeu errante no ano de 1299) até
nós se tem adotado.
CAPÍTULO VIII
TRÊS DIAS DEPOIS
213
Quatro soldados da sinagoga, encostados as suas lanças
guardavam o sepulcro de pedra que encerrava o divino
corpo do Salvador.
 Aqueles mercenários de Roma, emprestados por Pilatos aos
sacerdotes
fariseus. israelitasum
Formando riam-se
grupomuito
a unsdo receio
doze dosdo sepulcro
passos
achavam-se mais oito homens. O dia não estava longe. O

avermelhado resplendor de duas teias alumia a enorme pedra


do sepulcro.
- Para isto viemos nós? dizia um dos soldados, dirigindo a
palavra aos companheiros.
- Só os judeus são capazes de pôr sentinelas ao redor dum
cadáver. Fanáticos! respondeu outro.
- Felizmente, disse o primeiro, o prazo desta guarda
enfadonha terminará brevemente.
- Sim, depressa se completarão os três dias que teme a
sinagoga.
Quando surgir o sol, que não está longe.
- Sabes, disse um que até então não tinha despregado os
lábios, que seria coisa surpreendente
surpreendente que se realizasse o
medo desses velhos rabinos?
- Com certeza! Ver voar um homem pelos ares!
Os soldados romperam numa gargalhada; mas ao mesmo
tempo ouviu-se um doloroso gemido no centro da terra.
- Ouviste? disse um deles.
- Sim, a terra tremeu debaixo dos nossos pés.
Então houve um breve silêncio; mas depressa os soldados,
envergonhados do seu medo, tornaram a rir.
- Bonito fôra que os filhos da guerra, os adalides de Tibério,
se pusessem a chorar de medo como covardes
mulheres! exclamou o decurião da fôrça.
 A auror
auroraa come
começava
çava naquele momento a esten estender
der suas
róse
róseas
as cocore
ress pe
pelo
lo espa
espaço
ço.. Ap
Apes
esar
ar das
das ga garg
rgal
alha
hada
dass e
dach
da chac
acot
ota
a da so sold
ldad
ades
esca
ca,, de
desd
sde
e qu
que
e titinh
nham
am se sent
ntido
ido o
estranho estremecimento da terra não tornaram a despregar 
os lábios,notando-se em todos os sembla lan
ntes certa
expressão de desgosto.
Subitamente, fez-se escuro.
 Antes que os soldados pudessem compr compreender
eender aquele
acontecimento inesperado, tornou a gemer e estremecer 
ocen
oc entr
tro
o da te terr
rra.
a. Aq
Aque
uele
le eco
eco subt
subter
errâ
râneneo,
o, pavo
pavoro
roso
so,,
parecia aproximar-se da superfície com incrível rapidez e,
como amaré, crescia, reforçando sua aterradora voz. De
repent
pente
e salt
salto
ou a ped
edrra que cobr
obria o sepu
sepulc
lcrro em mil
pedaços e umachama esplêndida brotou do seio do túmulo.

 Alguns soldados caíram aterrados ao chão; outros


apelaram para a fuga, encaminhando-se para Jerusalém.
 Aprofecia acabava de cumprir-se. cumprir-se. Cristo ressuscitava
dentre os mortos ao terceiro dia. Abandonava o túmulo
para tornar aaparecer sobre a terra dos vivos. O túmulo
que encerrava o seu divino corpo achou-se vazio. Um anjo
apar
ap arec
eceueu sent
sentad
adon
onaa bord
bordaa do sepu
sepulclcro
ro.. Os seus
seus olho
olhoss
brilhavam como os serenos raios do sol. Seus vestido,
bran
br ancoco cocomo
mo as nu nuve
vens
ns de
deAr
Arar
ará,
á, re
resp
spla
land
ndec
ecia
ia co
como
mo a
fronte da lua numa noite serena. As quatro sentinelas que
tinham caído meio mortas,levantaram-se
mortas,levantaram-se retrocedendo com
assombro na presença do anjo.
Este estendeu o celeste braço em direção a Jerusalém e
disse, com dulcíssima voz.
- Ide a Jerusalém e contai o que vistes.
Os soldados obedeceram. O anjo ficou só na gruta. Ao
mesmo tempo umas mulheres saíam de Jerusalém.
- Corramos, dizia uma delas, e derramentos sobre o
seu
se u purí uríss
ssim
imoo cororppo estes
stes precio iossos aromas
omas.. Hoje
Hoje
comp
co mple leta
ta-s
-se
e o terc
tercei
eiro
ro di
dia,
a, e os so soldldad
ados
os da sina
sinago
goga
ga
poderão deixar-nos vê-lo, já que está morto. Corramos,
seus discípulos e suaamorosa Mãe também não faltarão.
 A que assim
assim falara
falara era a enamor
enamorada
ada donz
donzelaela de Mágdalo
Mágdalo..
Chegaram ao sepulcro. Madalena entrou só, primeiro.
O dia ainda estava indeciso às portas do
Orien
riente
te..Ap
Apro
roxi
xim
mou-
u-se
se do se sepu
pulc
lcro
ro,, e ve ven
ndo a pe peddra
levantada do seu lugar, não retrocedeu; mas introduzindo a
formosa cabeçana gruta, soltou um grito:
- Levaram o Senhor!
Então correu a participar a triste notícia aos seus amigos,
Pedro e João encaminhavam-se para aquele lugar.
Madalena saiu-lhes ao encontro, dizendo:
Levaram Jesus; que faremos agora?
Os apóstolos, cheios de assombro penetraram na gruta. O
sepulcro estava vazio. Madalena tinha dito a verdade.
Pedro examinou atentamente o sudário que se achava
colocado num extremo do sepulcro, e disse, dirigindo se a
João:

- Observa bem que o corpo do nosso Mestre não foi roubado


com precipitação; porque nesse caso não se teriam
entretido em desatar as tiras de pano. Cristo ressuscitou dos
mortos, como disse.
- Corramos a participar tão faustosa nova a nossos irmãos,
disse João.
Madalena caiu de joelhos junto do sepulcro. Seu amor 
imenso precisava de verter um mar de lágrimas sobreaquela
pedra abandonada: mas ao fitarem-se os formosos olhos no
fundo do sepulcro, viram dois mancebos vestidos debranco,
cujos corpos despediam um perfume inebriante.
Um deles estava sentado no mesmo lugar em que três dias
antes tinham pôsto a cabeça de Jesus. O outro achava-
se no lugar onde estavam os feridos pés de Cristo.
- Mulher, porque choras tão amargamente? lhe perguntou o
mancebo, sentado à cabeceira.
Madalena, contemplando com sobressalto aquele formoso
mancebo, respondeu-lhe:
- Choro porque tiraram o meu Senhor e não sei onde o
puseram.
214
 Apenas pronunciara estas palavras Madalena sentiu atrás
de si um ruído que lhe fez voltar a cabeça, e viu um
homem que lhe pareceu o hortelão do jardim onde se achava.
-Madalena
Mulher, asem
quem procuras?
levantar lhe disse
os joelhos do ochão,
homem.
juntou as mãos
com gesto suplicante e disse:
- Se tu o tiraste, dize-me onde o puseste, e eu o levarei.
Madalena observou no olhar daquele homem alguma
coisa de sobrenatural que lhe sobressaltava o
espírito.Jesus, pois este era o que se achava junto da
arrependida pecadora, compadecendo da sua dor,
pronunciou com a vozque tão docemente ressoava nos
ouvidos da desgraçada durante a pregação do evangelho:
- Maria!
Madalena conheceu Jesus. Soltou um grito, e lançando-se-
lhe aos pés exclamou com apaixonado acento:

- Mestre!
Jesus recuou, dizendo:
- Não me toques; ainda não subi a meu Pai; mas vai a meus
irmãos e dize-lhes o que viste.
Tinha aparecido a Madalena primeiro que aos
 Apóstolos, mas depois que a sua Mãe, a quem dedicou a
suaprimeira visita ao ressuscitar. Entrevista venturosa foi
esta para aquela Mãe aflita; cena doce, felicidade imensa,
com aqual recompensou o Redentor do mundo a incrível
amargura que sofrera a Flor de Nazaré, a Estrela do mar.
Madalenavoltou pressurosa a Jerusalém. Encontrou os dois
apóstolos que poucos momentos antes tinham observado
detidamenteo vazio sepulcro e, com gozo indefinível que
lhe transbordava na alma, lhes diz:
- Cristo ressuscitou, eu o vi, como vos vejo a vós. Ouvi a doce
 voz que me comoveu
comoveu o cor
coração,
ação, en
enchend
chendo-o
o-o de
alegria e de gôzo.
Pedro e João creram o que Madalena lhes disse; mas ao
participarem-no a seus irmãos, a dúvida achou cabida
em alguns deles.
Naq
aquuel
ela
a mesm smaa tar
ard
de, dois discíiscípu
pulo
loss de Cr
Cris
istto
caminhavam tristes e meditabundos de Jerusalém para a
aldeiade Emaus, que dista duas léguas da cidade santa.
Falavam com doloroso acento dos tristes acontecimentos
daquelesdias.
 A morte de Jesus,
Jesus, seu jovem M Mestre,
estre, era o motivo
motivo da
conversação.
- Sim, Lucas, dizia um deles, Jesus Nazareno era um Homem
sem igual, um grande Profeta.
- Amigo Cléofas, respondeu Lucas, Cristo foi poderoso
conosco, e amado de todo o povo. Os fariseus
cometeram um crime horrível.
Neste momento, apareceu-lhes um desconhecido, que
disse:
- A paz seja convosco: de que falais, irmãos?
Contaram-lhe os acontecimentos que o povo
 jerossolimitano presenciara tres dias antes, e que umas
mulheres

tinham trazido a surpreendente notícia a Jerusalém de que


Jesus ressuscitara dentre os mortos.
O viajante misterioso notou a dúvida na palavra dos
apóstolos e, como já se achassem perto da aldeia, disse-lhes:
- Vejo que a dúvida se alberga no vosso coração: fazeis mal.
Crêde tudo o que vos disserem do Messias que
pregou convosco o Evangelho.
Pouco depois chegaram a Emaus e os apóstolos
convidaram o viajante para comer com eles.
O viajente aceitou. Mas tão depressa se sentou à mesa,
pegando num pão sem fermento, partiu dele dois pedaços,
e dando um a Lucas e outro a Cléofas, disse-lhes:
- Tomai o meu corpo.
Os apóstolos estremeceram e creram reconhecer o Mestre;
mas o estranho desapareceu. Era efetivamente Cristo,
o Mártir do Gólgota.
CAPÍTULO IX
A ASCENÇÃO
Cristo, depois da sua resssureição apareceu primeiro a
sua mãe; logo, a Madalena, depois às piedosas
mulh
mu lher
eres
esMa
Mariria,
a, mu
mulh
lher
er de ClCléo
éofa
fas,
s, Joan
Joana,
a, mu
mulh
lher
er de
Chusa, intendente que foi de Herodes; Salomé, mãe de
João e Tiago, e aoutras que o seguiam no tempo da
pregação.
No mesmo dia da triunfante ressurreição, os apóstolos,
excetuando Tomé, achavam-se reunidos no cenáculo e
Pedro referia com ardente fé o assombroso acontecimento
da ressurreição de Cristo.
O sol acabava de esconder os últimos raios do
Oci
ciddent
nte,
e, e du dua
as lâ
lâm
mpad
adas
as de bronz nze
e al
alu
umiav
iavam a
habitação.Tôdas
habitação. Tôdas as portas estavam fechadas, pois o receio
de serem surpreendidos pelos soldados da sinagoga não
era estranhonos apóstolos.
 A dúvida tinha cabimento
cabimento na alma de algun
algunss daqueles
daqueles
futuros mártires; já começavam as réplicas entre
eles,quando Cristo apareceu no meio do cenáculo sem que
nenhu
nenhuma po
porrta se ab
abri
riss
sse
e pa
para
ra lhe
lhe da
darr pa
pass
ssa
agem
gem. O
assombro dosapóstolos foi grande.

- A paz seja convosco, disse com aquela voz que penetrava


até o mais fundo dos corações; sou Eu, não temais.
Os assombrados discípulos mal podiam dar crédito ao que
 viam. Pedro, reposto do seu assombro, e crendo-se o
mais pecador por o ter negado três vezes, caiu
cai u aos pés do
Cristo, e juntando as mãos com gesto suplicante, exclamou:
215
- És Tu, Mestre! És Tu o Cristo! És Tu o Messias! Ah,
Senhor!
- Sou Eu, lhes disse Deus; e depois estendeu a mão sobre os
apóstolos, encheu-os da sua divina essência e disse-
lhes:
- Recebei o Espírito Santo: aqueles a quem perdoardes os
pecados, perdoados lhe são: e aqueles a quem o
retiverdes,
Depois distoretidos lhes são.
desapareceu do mesmo modo que aparecera,
sem se saber por onde.
Oito dias depois achavam-se os apóstolos reunidos no
mesmo lugar e com a porta fechada. Os escriba ibas e
ossacerdotes tinham comprado à força de ouro o silêncio
dos sold
solda
ados
dos guardardad
ador
ore
es do sep
sepulcr
lcro, pa parra que o
assombrosoacontecimento da ressurreiçã ição não se
divulgasse.
Os apóstolos eram acusados como ladrões do corpo de
cristo. No sinédrio meditava-se a maneira de os prender, e
aquele punhado de ovelhas agrupava-se durante a noite para
tratar da pregação do evangelho.
- Para que Tomé creia, meus irmãos,
i rmãos, é preciso que o veja e
que o toque.
Então apareceu Cristo, entre eles e, como da primeira vez,
disse-lhes com doçura:
- A paz seja convosco.
Jesus, com passo tranquilo e olhar sereno, foi-se
foi -se
aproximando de Tomé, que o olhava com olhos espantados.
Quanco chegou mui perto dele, disse-lhe:
- Aproxima-te do teu Mestre, mete aqui o dedo, examina esta
chaga, sonda depois a do lado, e não sejais por

mais tempo incrédulo, mas fiel.


Tomé, que tinha escutado as palavras de Jesus e visto as
feridas que o Mestre lhe mostrava, caiu confundido a
seus pés, exclamando com doloroso acento:
- Perdão, pela minha dúvida, Senhor e Deus meu: o martírio
não poderá com seu doloroso tormento apagar a luz
 vivíssima da
da minha fé.fé.
- Porque me viste, Tomé, creste, lhe disse Jesus; bem-
aventurados os que não viram e creram.
Jesus, tornou a desaparecer do cenário. Por espaço de
quarenta dias percorreu a Galiléia, mostrando-se a muita
gente. O lago de Tiberíades presenciou depois da
ressurreição os novos milagres de Cristo.
Os apóstolos que, receiosos do furor dos sacerdotes,
se tinham retirado a Cafarnaum, julgando-se ali
maisseguros, tornaram a ver o Mestre divino um dia em
que pesc scaava
vamm na nass susua
as bar
barca
cas,
s, mand ndan
anddo-
o-lh
lhes
es Ele
Ele
queregressassem a Jerusalém sem receio dos fariseus,
pois não havia de faltar-lhes o socorro do Alto.
Os apapós
ósto
tolo
loss, fie
fieis ao que lhe
hess tin
inh
ha man and dad
ado
o o
Mestre, chegaram a Jerusalém, e prepararam uma comida
emcasa de José de Arimatéia, no santo cenáculo. Onze se
acha
ac hava
vamm sent
sentad
adosos à mesa
mesa qu
quan
ando
do JeJesu
suss to
torn
rnou
ou pe
pelala
quarta vez aaparecer. Durante a ceia instruiu-os no que
deviam fazer.
- Ide por todo o mundo, e pregai o Evangelho a toda a
criatura! Ensinai a toda gente, batisando-os em nome doPai,
do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-lhes que guardem
toda
todass as co cois
isas
as qu quee eu vos mandnde ei gu
guaard
rdar
ar,, prat
pratic
icar 
ar 
ecumprir, para serdes eternamente felizes; e estai certos
que Eu permanecerei em vossa companhia até à
consumação dosséculos.
Terminada a comida, Jesus levantou-se e disse aos
discípulos:
- Segui-me! Chegou a hora de abandonar a terra o que
desceu do céu.
Cristtou saiu do cená
Cris enácu
culo
lo.. Su
Sua
a Mãe, as pied
iedos
osas
as
mulheres que nunca a abandonavam e mais de cento e

vintediscípulos, reuniram-se aos apóstolos. Todos seguiam


Jesus, que se encaminhou com tranquilo passo para o
povoado deBetânia. Ao chegar ao cume do monte das
Oliveiras, o Nazareno parou.
Todos os que o seguiam fizeram o mesmo. Jesus
dirigiu um olhar amoroso, primeiro a sua Mãe, que se
achavaquase ao seu lado; depois aqueles fiéis que deviam
pregoar em breve a milagrosa ascenção; e, por último, ao
grandiosopanorama que o rodeava, pois do cume do monte
distinguia o sombrio mar Morto, o clarão do Jordão, e as
gigantescaspalmeiras do vale do Jericó. Depois, inclinando
a divina fonte sobre o peito, ficou pensativo.
Todos os rodeavam sem se atreverem a interrompe-lo.
De súbito, o corpo de Jesus encheu-se dum
resplendorvivíssimo.
resplendor vivíssimo. Da sua divina fronte brotaram raios da
luz. Uma harmonia dulcíssima se ouviu no espaço, e uma
nuvemnacarada foi descendo do céu até tocar com sua
transparente fimbria os cabelos de Jesus.
 A voz dos anjos cantavam o hino da glória; o hosana dos
céus ressoou aos ouvidos dos apóstolos, que caíram
ajoelhados aos pés do seu Mestre.
Então Jesus estendeu os braços sobre aquelas
cabeças inflamadas pela semente fecundante do Evangelho
eabençoou os futuros mártires do Cristianismo. Depois foi-
se elevando suavemente em presença dos discípulos, que
oolhavam com infinito gozo.
Porr muitito
Po o tempo vi virram JeJesu
sus,
s, rodea
odead do de anjo jos,
s,
elevar-se ao céu. Quando o corpo do divino Mestre, do
Deus-Verdade, desapareceu, quando Jesus, abandonando
a terra penetrou pelas portas do Paraíso para sentar-se á
dire
ireita
ita deDe
deDeu us Pa
Pai,i, os ap após
ósttolo
olos fic
ficar
ara
am estát
státic
icoos,
absortos, imóveis, com os olhos fitos no céu, como se o
assombr
asso mbrosoa
osoacont
contecim
ecimento
ento que acabacabavam
avam de pres
presencia
enciar r 
lhes houvesse roubado a faculdade vital de toda criatura.
Dir-se-ia que o seuestático arrouba
arroubamento
mento os convertera em
estátuas.
Dois formosos mancebos, completamente vestidos de
 branco e que tinham uma palma na mão direita e uma

pequena cruz na esquerda, apareceram no meio dos


apóstolos.
Um deles disse-lhe com a voz dos anjos:
- Varões de Galiléia, que fazeis neste lugar olhando
para
para o céu?
céu? Os de desg
sgra
raça
çado
doss vo
voss espe
esperaram
m. Ide,
Ide, pois
pois,,
perc
percor
orre
reio
io mu
mundndo,
o, cont
contai
ai o que
que vist
vistes
es,, porq
porque
ue o voss
vosso
o
Salvador, meu Deus, que acaba de subir ao céu na vossa
presença, voltaráalgum dia a cumprir o que vos prometeu.
Os anjos desapareceram.
216
Então os apóstolos, como fortalecidos com as misteriosas
palavrasm, agruparam-se como para transmitirem a fé
dos seus corações.
 Aquelas flores do evangelho preparavam-se
preparavam-se para
perfumar o msoldados
Mártir.Aqueles undo codem Jesus
o aroCristo,
ma danelando
as palavrsemear 
as do
a frutífera e benéfica semente do Cristianismo, estenderam
as mãossobre o lugar onde pouco antes se tinham firmado
os pés do Mestre, e juraram percorrer o universo pregando
oEvangelho, e morrer pela fé do Cristo.
E cumpriram o juramento.

CAPÍTULO X
O SEPULCRO DAS ROSAS
 Alguns anos depois uma pequena e veloz barca fendia com a
deigada proa as águas transparentes e azuladas do
mar Icário.
Duas mulheres, formosas como aquele mar que se
estendia ante os seus olhos, e um homem, cuja
docefisio
ision
nomia expressava a bondade do coração,
acha
achava
vam
m se se
sent
ntad
ados
os no banq
banqui
uinh
nho
o de popa
popa do barc
barco,
o,

contempla lan
ndo ascostas pitorescas da As Asiia Menor,
semeadas de plátanos e açucenas.
Os três viajantes vestiam o traje judaico, pobres desterrados
que buscavam em solo estranho a paz de existência. exis tência.
 A barca chegou à praia, e os viajantes saltaram sobre a
finíssima alfombra de areia que separa a cidade de Efeso do
mar.
- Quão belo é este solo! Quão brilhante o firmamento! Quão
claro o mar que o acaricia! exclamou o homem,
embevecido na contemplação da paisagem.
- João, meu filho, disse uma das mulheres; lembra-me o
formoso solo da Galiléia, o transparente lago de
Tiberíades, o pitoresco jardim de Zabulon.
- É verdade, murmurou em voz baixa o homem.
- Pobres desterrados! tornou a mulher.
 A SS. Virgem, Maria Madalena e João, o discípulo favorito
de Jesus, pois estes eram os viajantes, entraram na
cidade de Efeso.
O ódio insaciável dos fariseus a Jesus tinha-os feito emigrar,
dispersando os apóstolos da fé pelo mundo.
 A miste
misteriosa
riosa Flôr do Evangelho,
Evangelho, a Mãe do Márt Mártir
ir do
Gólg
Gó lgot
ota,
a, sesem
m ma mais
is pare
parent
ntes
es sosobr
bre
e a te terr
rra
a qu
que e Jo
João
ão –
seufilho adotivo, e Madalena, sua inseparável amiga, viu
passar um, outro e outro sono, em país estrangeiro, sentada
àsombra duma daquelas frondosas árvores que
aformoseiam as vizinhanças de Efeso, e com os dolorosos
olhos no marIcário, como procurando no seu longínquo
horizonte as palmeiras da Galiléia, céu da sua pátria.
Dura
Du rant
nte
e aque
aquele less mo
mome
mentntos
os de dodocece cocont
ntem
emplplaç
ação
ão,,
enquanto Maria e Madalena vagueavam por esse
mund
mu ndoe
oencncan
anta
tado
dorr dos
dos sesent
ntid
idos
os que
que tatant
nto
o emembebeve
vece
ce a
amar
am argu
gura
ra do destdestererra
rado
do,, João
João,, o mo mode
deststo
o pepesc
scad
ador
or de
Bets
Be tsaid
aida,
a, oamo
oamoro roso
so dis
discí
cípu
pulolo de CrCris
isto
to,, ocup
ocupavava-
a-se
se em
escr
es crev
ever
er um liv livro
ro cuja
cuja ma
mararavi
vilho
lhosa
sa ciên
ciêncicia,
a, cu
cuja
ja po
poes
esia
ia
inesgotável deviaser imortal.
Uma nova desgraça fez rebentar de novo as lágrimas
dos olhos da Virgem. Madalena, a doce amiga, aenamorada
de Jesus, deixou de existir. A Virgem e João companharam

aqueles restos queridos à última morada e, desdeentão, a


soledade do seu destêrro foi mais dolorosa, mais sombria. A
virginal Açucena de Nazaré começou a pensarnovamente
na Pátria.
Pressentia o fundo do coração que seu Filho ia enfim
chamá-la à mansão eterna. Uma noite que João escrevia ao
lado do seu leito, disse-lhe com voz carinhosa:
- João, meu filho, pressinto que a minha vida se acha
próxima a extinguir-se, e antes quero visitar o templo de
Jerusalém.
João, que não tinha outra vontade senão a de sua Mãe
adot
ad otiv
iva,
a, pre
prepar
parou tudo
tudo para
para a viag
viagem
em,, e popouc
ucos
os didias
as
depoisembarcaram no porto de Mileto, numa galera que ia
dirigir a proa para a Europa, fazendo escala em Sidon. A
Sant
Sa ntaV
aVirirge
gem,
m, du
dura
rant
nte
e a vi viag
agem
em de re regr
gres
esso
so à pápátr
tria
ia,,
contemplava com indefinível gôzo as costas pitorescas que
pass
pa ssavavam
amanante
te se
seus
us ololho
hoss apapro
roxi
xima
mand
ndo-
o-se
se da cida
cidade
de
querida. Por fim a galera chegou a Sidon. Os remeiros
levantavam cansadosas pás das águas, e a Santa Mãe pisa
enfim a terra desejada.
Quando os viajantes chegaram a Jerusalém, hospedaram-se
na cidade de Sion numa modesta casa levantada
perto do arruinado palácio de Davi.
Em breve souberam que Tiago era Bispo de Jerusalém,
e que quase todos os apóstolos tinham regressado àcidade
santa, depois de terem semeado em outros países com
prov
pr oveeitos
itoso
o frfrut
uto
o as su sub
blilim
mes pa
pala
lavr
vras
as do EvaEvange
ngelh
lhoo.
Joãocorreu a participar a chegada da Mãe de Jesus aos
apóstolos e em breve a modesta Flôr de Galiléia se viu
rodeadadaqueles santos varões, cujo amor a Ele e a seu
Filho era inesgotável. Maria, cansada da viagem recebeu os
fieisrecostada num leito de pobre aparência.
Seus bondosos olhos encheram-se de lágrimas na presença
dos santos varões, que com tão carinhosa solicitude a
rodeavam. Pedro, o apóstolo ancião, o homem da fé, disse-
lhe, pegando-lhe na mão:
- Maria, nossa Mãe, não te separarás nunca mais do nosso
lado!

217
- Pedro! murmurou a Virgem com desfalecido acento. A
minha hora aproxima-se, e meu Filho espera-me: logo
cerrarei os olhos à vida terrestre.
 Algumas horas depois, quando a noite estendia pelo
firmamento as sombras, quando os débeis clarões de uma
lâmpada banhavam com sua vacilante luz a habitação que
ocupavam os apóstolos, Maria deu um suspiro e,
Depois, exalando um gemido, elevou a sua alma à região do
Paraíso. A Virgem deixara de existir; mas a
formosura do seu rosto era tamanha, as rosas
ro sas de suas faces
tão puras, que os apóstolos ficaram estáticos contemplando-
ª
No dia seguinte, o corpo embalsamado da Virgem foi
colocado sobre um leito de flores, e coberto com um véu
fúnebre tecido pelas donzelas de Sion.
Os apóstolos conduziram-no aos ombros ao horto de
Getsemani, onde lhe estava destinada a sua derradeira
mansão sobre a terra.
- Quem morreu? Que fazeis vós aqui? perguntou o
 viandante.
 Aquela voz fez palpitar todos os corações, e os discípulos
pronunciaram ao mesmo tempo um nome: Tomé!
- Sim, sou eu, meus irmãos, lhes disse, que venho
novamente reunir-me convosco. Tão desfigurado me achais
que não me conhecestes
respondei-me: senão quando
a quem guardais vos falei. Mas
nesse sepulcro?
- A Maria de Nazaré, a Flôr mística do Evangelho, a Mãe do
Redendor do Mundo, disse Pedro com voz pausada
E PÍLOGO
218
NEM PEDRA SOBRE PEDRA
Quarenta anos depois que o Homem-Deus exalou no cume
do Calvário o seu derradeiro alento, Jerusalém era um
montão de ruínas.
 A profecia do Lírio de Nazaré havia-se cumprido.
 

Os descendentes de Abraão e de Jacó, quais débeis arestas


que esparge com o seu sôpro o poderoso furação,
haviam-se espalhado pelo universo, chorando a sua
 vergonha e a sua dor.
Era uma manhã do mês de Nisan, desse mês venturoso em
que os filhos de Israel abandonavam as tribos para
celebrarem a festa do cordeiro pascal na mui amada cidade
de Salomão, na mui querida Jerusalém.
 As harpas de Sion, já não ressoavam no Santo dos Santos,
nem as alegres donzelas de Galiléia levantavam as
tendas ao redor das muralhas de Nain.
O vale dos Cedros era um solitário páramo semeado de
cadáveres e ruínas, e os corvos e as águias do Líbano,
abandonando as quebradas rochas, pairavam sobre a cidade
maldita, depois de devorarem as entranhas dos deicidas.
 Ali, naquele mesmo lugar, a venturosa mão de Simão
Simão
Cireneu ajudara a Cristo a levar o pesado madeiro.
Depois da muda oração, aquelas duas cabeças veneráveis
ergueram as maceradas frontes para o céu. Nos olhos
- Nasci em Jerusalém.
219
tempo, dividido dentro da cidade em três bandos, quando o
inimigo suspendia os ataques, pelejavam eles entre si,
O ancião da citara guardou silêncio e duas lágrimas se lhe
desprenderam das pálpebras.
-OViste morrer
ancião parou,ospara
confessores? perguntou
tomar folego, e entãoooancião da citara.
peregrino falou
por sua vez:
220
em voz baixa. Pouco a pouco seu melancolico semblante foi-
se reanimando e por fim exalando um suspiro disse,
frisando os olhos do peregrino.
O peregrino preocupado com a palavra do ancião, disse com
 voz insegura:
- Não aparte Deus de ti a sua santa misericórdia, disse o
ancião d
dispondo se a abandonar o Gólgota.

- Espera , tornou o peregrino, antes de nos separar-nos


dize-me por tua vez, porque nunca se detêm as tuas
plantas intranquilas.
O peregrino ficou aterrado poruqe aquelas palavras foram
pronunciadas com um voz espantosa.
O ancião empreendeu a interminável
i nterminável jornada, e descendo
do cume do Calvário sem entrar na cidade passou ao
longe da muralha, deixando à esquerda o Monte Acra, o
sepulcro de Jesus, a torre Ípica e o palácio de Davi.
Quan
Qu andodo se acho
achouu no cacami
minh
nhoo de BeBelé
lém
m di
diri
rigi
giu
u os
passos para os desertos areais da Iduméia.
O pepere
regr
grin
ino,
o, re
resp
spos
osto
to um tant
tanto
o do asso
assommbr
broo que
que
aquele homem maldito lhe causara, despreendeu a citara
doombro, e levantando os olhos ao céu, como se dela
esperasse a inspiração, entoou um hino de louvor ao Mártir 
doCalvário.

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