Você está na página 1de 9

Verso e Reverso, XXIV(57):171-179, setembro-dezembro 2010

© 2010 by Unisinos - doi: 10.4013/ver.2010.24.57.05


ISSN 1806-6925

Memória e narratividade na construção


biográfica de O Mago1

Memory and narrativity on the biography construction of A Warrior’s Life

Karine Moura Vieira


Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Rua Ramiro Barcelos 2705, 2º andar
Santana, 90035-007, Porto Alegre, RS, Brasil.
karinemourav@terra.com.br

Resumo. O presente trabalho tem como objetivo Abstract. This paper aims to propose an analysis
propor a análise da biografia enquanto gênero of the biography as a kind of frontier between
de fronteira entre a história, a literatura e o history, literature and journalism through the
jornalismo por meio da relação entre memória e relationship between memory and narrative. To
narratividade. Para tanto, o artigo pretende refletir this end, the article focuses on the construction
sobre a construção da narrativa na biografia O of narrative in A Warrior’s Life - The Authorized
Mago, do jornalista Fernando Morais sobre o escritor Biography by Fernando Morais about the author
Paulo Coelho, lançada em 2008. A análise do texto Paulo Coelho released in 2008. The analysis of the
biográfico enquanto produto jornalístico é realizada biography such as an journalistic product is done
a partir da perspectiva da memória e do conceito de from the perspective of memory and the concept of
narratividade, utilizando como referencial os três narrativity, using as reference the three stages of the
estágios da narrativa propostos por Paul Ricoeur: narrative proposed by Paul Ricoeur: foreshadowing,
prefiguração, configuração e refiguração. Desta seing and refacement. Thus, we will analyze the
forma, pretende-se compreender o uso dos diários de use of Paulo Coelho’s diaries by journalist Fernando
Paulo Coelho pelo jornalista Fernando Morais como Morais as a source of narrativity in an aempt to
recurso de narratividade na tentativa de valorizar a enhance the story of life as reality itself.
história de vida, enquanto realidade em si mesma.

Palavras-chave: memória, narratividade, jornalismo. Key words: memory, narrativity, journalism.

1
Este artigo foi apresentado no 7º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo.
Memória e narratividade na construção biográfica de O Mago

Biografia: gênero de fronteira pretendido pelo projeto biográfico que, por


esse motivo, configura-se, então, como uma
A biografia tem na observação da relação “ilusão”. O real tem como condição a impre-
entre memória e narratividade2 o ponto de visibilidade, é descontínuo, fractal.
partida para o seu entendimento como objeto Da “ilusão” proposta por Bourdieu, dentro
empírico comum para a história, com os estu- da perspectiva do paradigma estruturalista
dos de história oral, e para a literatura, como no campo da história, a biografia passou por
gênero narrativo. É por meio da memória que um processo de resgate historiográfico, onde
a história de vida se constitui como relato e, a trajetória individual ganha um novo papel
portanto, como narrativa e como história. Nes- no cenário das construções sociais e no estudo
se sentido, entende-se a memória como um do passado. A partir dos anos 1980 uma reno-
fenômeno de construção individual e coletivo, vação historiográfica, oriunda de uma ampla
que implica, conseqüentemente na constitui- reflexão no campo das ciências humanas, com
ção de um valor de identidade. Paul Ricoeur um “declínio radical das teorias e dos saberes
(1998) busca no texto Da memória a reminiscên- sobre os quais a história havia ancorado seus
cia, de Aristóteles, a definição para trabalhar avanços nos anos sessenta e setenta” (Moa,
o conceito de memória: “tornar presente a au- 2000, p. 6), trouxe uma nova luz para biografia.
sência-que-foi”. Esse processo de “tornar pre- Essa mudança de paradigma na história revela
sente a anterioridade” proposto por Ricoeur um “recuo da história quantitativa serial e o
pressupõe o estabelecimento da memória em avanço dos estudos de caso e da micro-histó-
discurso. A memória “levada ao mesmo tem- ria” (Schmidt, 1997, p. 3).
po à linguagem e a obras pela narrativa, pelo Dentro dessa perspectiva de revisão do
pôr-em-narrativa”, ou seja, a narratividade gênero biográfico, o presente artigo pretende
(Ricoeur, 19983). buscar uma análise empírica da biografia no
A biografia alimenta discussões e criações jornalismo, que encontra confluência na his-
de modelos interpretativos sobre a sua na- tória e na literatura, por meio da relação entre
tureza que buscam o entendimento do de- memória e narratividade. Para tanto, o trabalho
safio do que o projeto biográfico se propõe pretende refletir sobre a construção da narrati-
ser, por definição: a história da vida de uma va na biografia O Mago, do jornalista Fernando
pessoa. Como dimensionar a vida de um in- Morais sobre o escritor Paulo Coelho, lançada
divíduo e, concomitantemente, dimensionar em 2008, sob o ponto de vista de um valor de
o contexto social em que este indivíduo está memória do texto biográfico enquanto produto
inserido, as relações por ele estabelecidas, jornalístico. Analisa-se a utilização dos diários
e revelar, para o leitor, a complexidade que
de Paulo Coelho como recurso de narrativida-
envolve a singularidade da trajetória de uma
de, mas também como tentativa do biógrafo
vida? Desde a sua origem na Antiguidade -
em dimensionar a trajetória do biografado em
com referenciais como os relatos de Plutar-
sua totalidade, visando fechar as lacunas, os
co sobre personalidades greco-romanas em
esquecimentos e os silêncios dos relatos das
Vidas Paralelas -, a biografia suscita debates
entrevistas. Sob o matiz do valor de memória
no âmbito da historiografia sobre como os
pretende-se refletir sobre como a história de
relatos de vida poderiam ser objetos de estu-
vida, enquanto realidade em si mesma, pôde
do do historiador. Bourdieu (2006) questio-
se tornar a textura primordial para a narrativa
na a impossibilidade da biografia dentro de
apresentada por Fernando Morais em O Mago.
uma perspectiva diacrônica da narrativa, a
partir da ordenação de uma existência como
uma história com começo, meio e fim, o que O jogo da memória
ele classifica como “ilusão biográfica”. Um
relato constante e coerente não é capaz de Os caminhos que engendram o universo
encerrar a dimensão absoluta da realidade da memória ainda estão por ser desvendados.
sobre uma existência, objetivo supostamente O que lembramos e o que esquecemos e como

2
Como define Moa, a narratividade é “a qualidade de descrever algo enunciando uma sucessão de estados de transformação. É a
enunciação dos estados de transformação que organiza o discurso narrativo, produz significações e dá sentido às coisas e aos nossos
atos” (Moa, 2008, p. 143).
3
Todas as citações literais de Ricoeur (1998) correspondem a documento eletrônico não paginado, mas é a reprodução de artigo publi-
cado conforme citado nas referências bibliográficas.

Verso e Reverso, vol. XXIV, n. 57, setembro-dezembro 2010


Karine Moura Vieira

construímos essas escolhas fundamentam as ferência inerentes ao processo de articulação


pesquisas sobre a memória. A percepção que da memória. Ao tentar compreender essa fe-
um indivíduo tem de si mesmo e do que o cer- nomenologia da memória, Pollack diz que a
ca, ou seja, a nossa consciência, fundamenta memória é “seletiva”, é “um fenômeno cons-
a construção da memória em relação à forma truído” e também “um elemento constituinte
como sentimos e nos emocionamos com os es- do sentimento de identidade” (Pollack, 1992,
tímulos adquiridos pela experiência de vida. p. 204). Essas características alertam para a
Damásio define o sentimento como “uma per- subjetividade presente no trabalho com a me-
cepção de um certo estado do corpo, acompa- mória e, consequentemente, com a história de
nhado pela percepção de pensamentos com vida. Trabalha-se na mesma medida com uma
certos temas e pela percepção de um certo construção narrativa baseada no “trabalho da
modo de pensar” (Damasio, 2004, p. 94). própria memória em si” – onde é realizada
O trabalho com histórias de vida depara-se uma manutenção de continuidade, unidade e
diretamente com esse labirinto que encerra a ordenação da memória e das lembranças – e
memória de um indivíduo. Quando este conta também, com os silêncios, os esquecimentos
a sua história, tende a construí-la de forma or- e as projeções por “tabela” pertinentes a esse
denada, linear, em ordem cronológica, de for- jogo da memória. Moa avalia esse paradoxo
ma a dar sentido ao seu relato. No ato de nar- do estudo de histórias de vida propondo uma
rar a trajetória, contamos a nossa história de valorização da subjetividade.
acordo com o que nós lembramos no momento
que lembramos e contamos. As estruturas des- A subjetividade da memória, longe de ser um obs-
se relato estão estabelecidas em momentos que táculo ao conhecimento, revela-se ao contrário,
um importante meio de acesso a determinadas
para o indivíduo, em sua trajetória, parecem
“informações”, impossíveis de serem coletadas
determinantes para sua identidade, a percep- em fontes mais ‘rigorosas’. Afinal, em vez de se
ção da sua autobiografia. E os sentimentos e as imaginar uma simples oposição entre memória e
emoções perpassam essa leitura da memória. esquecimentos, deve-se valorizar, sim, a relação
O fenômeno da memória, porém, deve ser en- que ambos mantêm entre si (Moa, 2000, p. 16).
tendido também como um fenômeno coletivo,
social. Pollack, ao citar Maurice Halbwachs O empreendimento em um projeto bio-
e os seus estudos sobre a memória social em gráfico, portanto, pressupõe, primeiramente,
uma perspectiva historiográfica, define a me- a compreensão das regras do jogo da memó-
mória também como “um fenômeno constru- ria que se configuram a partir das intenções
ído coletivamente e submetido a flutuações, de cada jogador. O que se pretende ao narrar
transformações, mudanças constantes” (Polla- uma história de vida? A trajetória da biografia
ck, 1992, p. 201). revela uma evolução e uma transformação do
A memória individual ou coletiva é cons- gênero permeada pela intersecção de diferen-
tituída de pessoas, lugares e acontecimentos tes perspectivas dos campos de estudo em que
que ganham significado a partir da forma se manifesta. Sob uma perspectiva histórica, o
como foram vividos, percebidos na trajetória gênero passa por um momento de revaloriza-
do indivíduo ou de determinado grupo social. ção, por assim dizer. Na visão reducionista, e
Esses elementos podem estar ligados direta- também totalizadora, o ato de escrever a histó-
mente a uma experiência pessoal ou a uma ria de vida de uma pessoa era visto como uma
percepção por “tabela”, como define Pollack impossibilidade devido à fragilidade e subje-
(1992, p. 201). Isto é, o indivíduo muitas vezes tividade de suas fontes. Além disso, a reação
não participou, viveu ou conheceu tal elemen- contra o hibridismo do gênero, que se confi-
to, mas o tem projetado dentro de um imagi- gura na fronteira entre a literatura e a história,
nário4 e apoiado em uma relação de espaço e relegou a biografia a um espaço quase margi-
tempo que se tornou irredutível no relevo da nal dentro da perspectiva histórica de grande
memória. São fenômenos de projeção e trans- parte do século XX, onde a sua especificidade

4
Compreende-se aqui a noção de imaginário na perspectiva de uma narrativa própria do indivíduo, da sua percepção, identificação,
e sentimentos sobre o que o rodeia. Para melhor definir esse entendimento utiliza-se aqui a definição de Silva (2003, p. 11-12) que
observa o imaginário como um “reservatório, agrega imagens, sentimentos lembranças, experiências, visões do real que realizam o
imaginado, leituras da vida e, através de um mecanismo individual/grupal, sedimenta um modo de ver, de ser, de agir, de sentir e de
aspirar ao estar no mundo. O imaginário é uma distorção involuntária do vivido que se cristaliza como marca individual ou grupal.
[...] o imaginário emana do real, estrutura-se como ideal e retorna ao real como elemento propulsor”.

Verso e Reverso, vol. XXIV, n. 57, setembro-dezembro 2010 173


Memória e narratividade na construção biográfica de O Mago

enquanto arcabouço metodológico não tinha dade construída possuidora de sua própria va-
reconhecimento. A partir dos anos 1980, a pro- lidade interna. Os relatos noticiosos, mais que
dução biográfica voltou a ganhar espaço na uma realidade seletiva do que uma realidade
historiografia tanto como instrumental para a sintética, como acontece na literatura, existem
compreensão e análise da história, entendida por si só. Eles são documentos públicos que
como “lugar de memória”5, expressão e con- colocam um mundo à nossa frente” (Tuchman,
ceito propostos por Pierre Nora, e também 1993, p. 262). Na construção do relato noticio-
como objeto de estudo em que os questiona- so, o jornalista traz a sua percepção do fato, a
mentos concentram-se principalmente na sua sua noção do “real”, um processo permeado
ambigüidade, como explica Moa, “já que tan- por suas escolhas. Para Wolf, “as notícias são
to podia se constituir em um instrumento da aquilo que os jornalistas definem como tal”
pesquisa histórica , como ser um meio de fugir (2003, p. 190).
dela” (2000, p. 9). Dentro dessa perspectiva, entende-se a in-
Mas e no âmbito do jornalismo que se apro- terdisciplinaridade do jornalismo enquanto
priou do gênero como oficina da grande repor- campo de estudos, com suas aproximações
tagem, quais são as premissas que orientam a com história e a literatura em um movimen-
produção da biografia? A partir da observação to transversal de interpretação do significado
empírica entende-se, neste artigo, a biografia da reportagem como valor cultural, estético e
no jornalismo como uma narrativa que encon- documental. Medina analisa as afinações entre
tra confluência na literatura pela narrativida- jornalismo e literatura e avalia que “há uma
de e na história, pela memória, construída na certa sabedoria em conotar de clima ficcional a
transversalidade entre a realidade e a ficção. redação e edição da coleta de informações” ao
lembrar que “o jargão jornalístico norte-ame-
Narrativa, story e biografia ricano consagrou a palavra story para nomear
reportagem” (1996, p. 225). Para a autora, “o
A percepção das qualidades narrativas na relato jornalístico, para obter o máximo de di-
reportagem tem como base neste artigo as teo- fusão, tem de ser eficiente: só uma estória bem
rias construcionistas. Desta forma, compreen- contada pode aspirar o êxito na comunicação
de-se o papel do jornalismo na construção da social” (Medina, 1996, p. 225). No entendimen-
realidade e se concebe a reportagem como “es- to da reportagem como “estória” se reconhece
tória” e, por definição, como narrativa cultu- a importância do jornalismo enquanto forma-
ralmente construída. Mas o que significa essa dor de valores, conceitos culturais e sociais,
“arquitetura” das narrativas em um contexto bem como, produtor de discursos e sentidos.
onde os termos de entendimento do jornalis-
mo ainda preconizam a produção de notícias A competência estritamente da técnica da
conduzida pela imparcialidade, objetividade tradição ganha muito da energia criativa (es-
e um “comprometimento” com a realidade. tética) através destas exposições que, certamente,
Bird e Dardenne questionam esses parâmetros redundarão em afinações literárias. Na proposta
complexa, a oficina do mediador – produtor sim-
ao considerarem “[...] seriamente as notícias
bólico – ficaria incompleta se à ética e à técnica
como narrativas e ‘estórias’ e, deste modo, a não se acrescesse a estética. Ou seja a eficiência
relação nada pacífica entre realidade e as ‘es- de uma story mais bem narrada, profunda, en-
tórias’ sobre a realidade” (1993, p. 264). volvente, humanizadora e, por que não, especu-
No entendimento da notícia como “estó- ladora e presentificadora dos mitos da cultura de
ria” se reconhece a importância do jornalismo onde emerge (Medina, 1996, p. 228).
enquanto formador de valores, conceitos cul-
turais e sociais, bem como, produtor de discur- Na observação do jornalismo como for-
sos e sentidos. Tuchman ratifica essa idéia ao mador de valores, discursos e sentidos a par-
evidenciar “[...] o fato de as notícias, como to- tir das qualidades narrativas da reportagem
dos os documentos públicos, serem uma reali- evidencia-se também a transversalidade com

5
Os lugares de memória são antes de tudo restos. A forma extrema onde subsiste uma consciência comemorativa numa história que
a chama, porque ela a ignora. É a desritualização de nosso mundo que faz aparecer a noção. O que secreta, veste, estabelece, constrói,
decreta, mantém pelo artifício e pela vontade uma coletividade fundamentalmente envolvida em sua transformação e sua renovação.
Valorizando, por natureza, mais o novo do que o antigo, mais o jovem do que o velho, mais o futuro do que o passado. Museus, arquivos,
cemitérios e coleções, festas, aniversários, tratados, processos verbais, monumentos, santuários, associações, são marcos, testemunhas
de uma outra era, das ilusões de eternidade (Nora, 1993, p. 12-13).

Verso e Reverso, vol. XXIV, n. 57, setembro-dezembro 2010


Karine Moura Vieira

a história, a partir da pertinência de um va- divíduo na sua memória que, ao tomar forma
lor documental, para a pesquisa e revisão de na narrativa, passa a ser o “presente do passa-
contextos e personagens históricos. No estudo do”. Esta dialética entre o presente e o passa-
sobre as aproximações e afastamentos entre o do que já passou constitui o tempo da narrati-
jornalismo e a história na biografia, Schmidt va. Ricoeur define o tempo da narrativa como
ressalta “que o gênero biográfico emerge na “um misto desse tempo vivido e daquele dos
história e no jornalismo no bojo de um pro- relógios, tempo cronológico enquadrado pelo
cesso de aproximação destas áreas com a li- tempo do calendário com, atrás de si, toda a
teratura, o que implica uma incorporação do astronomia. Na base desse tempo narrativo
elemento ficcional e a adoção de determinados há esse misto do simples instante, que é um
estilos e técnicas narrativas” (1997, p. 8). Po- corte no tempo universal, e do presente vivo
rém, o trabalho com a memória e o significado onde não há senão um presente: agora” (Ri-
atribuído a ela difere de um campo a outro. Ao coeur, 1998, p. 2). Dentro dessa definição do
trabalhar com histórias de vida, o jornalista tempo narrativo, Ricoeur trabalha a “repre-
põe o seu saber narrativo a serviço da memó- sentação criadora” na construção narrativa
ria. Na produção biográfica o “como” contar a sobre histórias a partir de três etapas: prefi-
trajetória de um indivíduo não é orientado por guração, configuração, a refiguração.
modelos prontos, pré-configurados em estru-
turas limitadoras, mas sim pelo fluxo singu- Eu situo toda a minha análise sob as três rubri-
lar dessa história de vida que ao ser narrada, cas sucessivas que percorri em Temps et Récit,
projeta-se como uma experiência suscetível a o que eu havia posto sob o título muito antigo
inúmeras interpretações. de mimésis – portanto, de re-criação, da repre-
O jornalista traz para a construção do pro- sentação criadora – partindo de um estágio que
jeto biográfico os referenciais epistemológicos nomeio de “prefiguração”, aquele em que a narra-
tiva está engajada na vida cotidiana, na conversa,
do seu ofício, com a necessidade de apoiar a
ainda sem se separar dela para produzir formas
sua investigação na confrontação de fontes, na literárias. Passarei em seguida a estágio de um
comprovação de documentos históricos para tempo realmente construído, de um tempo nar-
validar a informação com precisão. Para o jor- rado, que será o segundo momento lógico: “confi-
nalista, enquanto biógrafo, a biografia é um guração”. E terminarei por aquilo que chamei, na
processo dialético, um produto de consonân- situação de leitura e de releitura, a “refiguração”.
cia e dissonância entre o jornalismo, história e (Ricoeur, 1998, p. 2).
literatura, mas que por isso, constitui-se com
um amplo sistema simbólico6. O desafio de Na construção da narrativa de O Mago,
“como” contar para o jornalismo está em ar- Fernando Morais parte do relato do escritor
ticular as inúmeras peças que compõem a me- Paulo Coelho sobre a sua própria história de
mória do biografado, não para construir uma vida. Neste estágio de prefiguração da narra-
visão reducionista, totalizante e atomítisca da tiva proposto por Ricoeur, Morais embarca na
história de vida do indivíduo, mas compre- tarefa inédita em sua carreira como biógrafo
endê-la como uma entidade em si mesma, e de contar a trajetória de um personagem vivo.
valorizá-la pelo seu valor como memória e não Fernando Morais já escreveu sobre personali-
apenas pelo seu valor histórico. dades como a militante alemã do Partido Co-
munista Brasileiro e mulher de Luis Carlos
Memória e narratividade em O Mago Prestes, Olga Benário, na biografia Olga (1985),
e sobre o empresário e jornalista Assis Chate-
O trabalho com histórias de vida tem como aubriand, do grupo Diários e Emissoras Asso-
princípio traçar uma ponte entre o passado e ciados, em Chatô – O rei do Brasil (1994), mas é
o presente, na perspectiva de projeção de um a primeira vez que atua como biógrafo de per-
significado futuro. Este ofício de “tornar pre- sonagem vivo. A dialética do tempo narrativo
sente a anterioridade”, passa necessariamen- sempre se faz presente na construção biográfi-
te, pelo estabelecimento de um tempo narra- ca, pois grande parte da base de investigação
tivo na construção do discurso. O relato da e pesquisa sobre a trajetória de um indivíduo
história de vida traz o tempo vivido pelo in- acontece a partir de entrevistas com pessoas

6
Entende-se aqui o simbólico na perspectiva da narrativa como uma construção de característica mitológica, no sentido de explicar a
realidade, concebida “enquanto processo de comunicação” (Bird e Dardenne, 1993, p. 266).

Verso e Reverso, vol. XXIV, n. 57, setembro-dezembro 2010 175


Memória e narratividade na construção biográfica de O Mago

contemporâneas do indivíduo, familiares que em uma centena de fitas cassete. O processo


guardam o seu passado, além do suporte de de configuração da narrativa ganha uma nova
documentação histórica para a confirmação perspectiva. Para contar a história de Paulo
das informações fornecidas pelas fontes. Coelho, Fernando Morais não apenas utiliza
Por se tratar de um personagem vivo, Fer- os diários como elementos de sua pesquisa,
nando Morais acompanhou o biografado Paulo mas os traz para dentro da narrativa, como
Coelho dia após dia durante um mês, fazendo mais um artifício para conduzir a construção
entrevistas diárias que chegavam a durar mais do texto e tornar a história de vida de Paulo
de 12 horas. Morais observou a rotina domésti- Coelho menos inextrincável. Na arqueologia
ca do escritor com a mulher, Cristina Oiticica, de seu relato, o biógrafo explora os detalhes
na sua casa na França, assim como a marato- por meio das palavras escritas e gravadas pelo
na de lançamentos de livros em vários países, próprio personagem, dividindo com o mesmo,
o contato com os fãs e sua relação com a fé e em alguns momentos, a co-autoria da narrati-
a religiosidade, objetos de sua criação literária. va. Dessa forma, o jornalista evidencia a mul-
Nessa primeira fase da narrativa, o persona- tiplicidade de papéis do protagonista, questão
gem começa a tomar forma para o autor. São debatida por Giovani Levi (2006) na sua análi-
descobertas, revelações, construções e descons- se sobre os usos da biografia.
truções sobre a figura do personagem, em um
processo único de observação. O personagem [...] É essencial reconhecer o ponto de vista do
sai do imaginário do autor – tal como na cria- observador; a existência de uma outra pessoa em
ção literária, onde ao conceber um personagem nós mesmos, sob forma do inconsciente, levanta
o escritor tem em mente um imaginário que ao o problema da relação entre descrição tradicional,
linear, e a ilusão de uma identidade específica, co-
longo da construção do texto vai ganhando no-
erente, sem contradição, que não é senão o biombo
vas nuances. No caso de Paulo Coelho, o imagi- ou a máscara, ou ainda o papel oficial, de uma
nário sobre a sua figura foi construído ao longo miríade de fragmentos e estilhaços. A nova di-
de sua carreira de escritor que se tornou um fe- mensão que a pessoa assume com sua individua-
nômeno cultural com uma trajetória no mundo lidade não foi, portanto, a única responsável pelas
das belas-letras de ascensão fulminante. Com perspectivas recentes quanto a possibilidade e a
11 publicações e mais de 100 milhões de livros impossibilidade da biografia (Levi, 2006, p.173).
vendidos, há alguns anos Paulo Coelho é uma
referência no universo literário brasileiro e in- Com esses novos elementos em mãos, Fer-
ternacional, principalmente pela tradução dos nando Morais tem pela frente uma nova visão
seus livros para mais de 60 línguas e dialetos sobre o ato de contar a história de Paulo Co-
de 160 países. elho. Pode-se analisar como a progressão do
Para todas as perguntas Fernando Morais processo de construção da biografia se confi-
iniciou a busca por respostas nas conversas gura a partir dos conceitos definido por Paul
que teve com o autor, com seus amigos e ini- Ricoeur ao descrever a criação literária: a colo-
migos, embrenhando-se no cotidiano do escri- cação em intriga, a inteligibilidade e a intertex-
tor para conhecer o seu discurso na percepção tualidade. Ao escolher como contar a história
de si mesmo, enquanto pessoa, escritor, perso- de Paulo Coelho, Fernando Morais inicia a sua
nagem da sua própria história. É a plenitude “trama” com um perfil enxuto e provocativo
da prefiguração, onde acontece a “intromissão do escritor logo na capa do livro:
da narrativa na vida, sob a forma da conversa-
ção ordinária. Nesse estágio, a narrativa está A incrível história de Paulo Coelho, o menino que
nasceu morto, flertou com o suicídio, sofreu em
realmente implicada em nossa própria toma-
manicômios, mergulhou nas drogas, experimen-
da de consciência mais imediata” (Ricoeur, tou diversas formas de sexo, encontrou-se com
1998, p. 3). Esse seria o processo natural na o diabo, foi preso pela ditadura, ajudou a revo-
construção biográfica para o autor que depois lucionar o rock brasileiro, redescobriu a fé e se
de ter em mãos tantos depoimentos, histórias, transformou em um dos escritores mais lidos do
lembranças, deveria passar para o segundo mundo (Morais, 2008).
estágio da narrativa, a configuração. Porém
no meio do caminho, o autor deparou-se com Ao ler o resumo já se tem uma expectativa
uma informação que iria mudar totalmente o do que será o relato. As linhas gerais de como
processo de construção da biografia: um baú vai se desenrolar a trama já estão lançadas.
com 40 anos de diários escritos por Paulo Co- Como exemplifica Ricoeur (1998, p.4), o co-
elho, além de gravações feitas pelo escritor locar em intriga, a trama, revela “aspectos da

Verso e Reverso, vol. XXIV, n. 57, setembro-dezembro 2010


Karine Moura Vieira

ação e, em particular, maneiras de produzi-la, jamais visto nas narrativas factuais tradicio-
com causas, motivos para agir e também aca- nais nos grandes veículos. A presença de um
sos”. Ao lançar mão do resumo, o autor apre- narrador onisciente, por exemplo, manifesta-
senta ao leitor alguns dos aspectos que vão se na biografia principalmente na reprodução
pontuar o seu relato sobre a história de vida de diálogos, onde se propõe à reconstrução do
de Paulo Coelho. E a trama inicia pelo que se acontecimento a partir da entrevista com os
pode chamar como o desfecho da vida do per- personagens em questão.
sonagem, isto é, a persona que ele se tornou.
No primeiro capítulo, Fernando Morais relata Com a cabeça coberta por um capuz, ele era le-
a maratona internacional de Paulo Coelho pela vado ao banheiro por um policial quando, ao pas-
Hungria, França e Egito no ano de 2005 para sar diante de uma cela ouviu alguém em prantos
chama-lo:
o lançamento do livro O Zahir, mostrando o
– Paulo? Você está aqui? Se é você, fala comigo!
dia-a-dia de um escritor que se tornou celebri- Era Gisa, provavelmente encapuzada, como ele,
dade internacional das belas-letras, ou como que reconhecera sua voz. Aterrorizado com a pos-
o próprio autor define o seu biografado, um sibilidade de voltar a ser colocado nu na “gela-
“pop star”. Fernando Morais mostra ao leitor deira” – a cela fechada em cujo interior a tem-
o homem que está no imaginário social: um in- peratura era mantida baixa a ponto de justificar
divíduo que se autodenomina mago, escritor o apelido –, permaneceu em silêncio. A namorada
conhecido internacionalmente, fenômeno de implorava ajuda:
vendas, objeto de polêmica entre a crítica lite- – Paulo, meu amor! Por favor, diga que sim. Só
isso, diga que é você que está aqui!
rária, que suscita ódios e paixões a cada novo
Nada. Ela insistia:
livro e que tem em seu currículo a eleição para – Por favor, Paulo, diga a eles que não tenho nada
a Academia Brasileira de Letras e a condeco- a ver com isso.
ração Légion d’Honneur da França. Ao final do Naquele que consideraria o maior gesto de co-
primeiro capítulo, faz um apanhado com al- vardia de toda a sua vida, ele não abriu a boca
guns fatos pontuais da trajetória do escritor, (Morais, 2008, p. 338).
expondo como alguém com uma trajetória
tão improvável conseguiu alcançar o sonho No trecho acima, Fernando Morais explo-
que ambicionava desde criança - tornar-se um ra os referenciais da literatura na reprodução
escritor conhecido internacionalmente, com de uma situação dramática na trajetória do
“fama, fortuna e poder”. personagem. Os recursos da literariedade são
Deste ponto em diante, Fernando Morais empregados para dimensionar a realidade do
avança para a sua tentativa de “esclarecer o episódio e, desta forma, sedimentar o seu va-
inextrincável”, ou seja, a conquista da inteli- lor de memória do relato biográfico. Fernando
gibilidade. Depois da colocação em intriga, Morais sedimenta a construção do seu texto
o biógrafo tem o desafio de narrar a vida do com bases na escola representada pelo New
biografado de forma a revelar ao leitor todos Journalism, e na perspectiva de buscar a inteli-
os aspectos possíveis da trajetória do persona- gibilidade do texto vai ao encontro do terceiro
gem, utilizando de todos os modos narrativos elemento de configuração do tempo narrati-
que possam dar sentido ao pôr em narrativa. vo proposto por Ricoeur, a intertextualidade,
Dentro do estágio da configuração no qual “o por meio da utilização dos diários de Paulo
ato de contar liberta-se do contexto da vida Coelho. Retomando a idéia de lugares de me-
cotidiana e penetra na esfera da literatura” mória, de Nora, pode-se entender os diários
(Ricoeur, 1998, p. 4), a inteligibilidade se ma- como exemplos plenos, nos quais ao longo de
nifesta na utilização de todos os recursos nar- toda a sua vida Paulo Coelho registrou a sua
rativos para se contar a trajetória. Na análise memória do momento, imediata, a sua pers-
da biografia no jornalismo, entende-se que o pectiva sob os acontecimentos que marcaram
jornalista na construção do texto bebe na fon- sua vida no instante mais próximo em que eles
te do New Journalism, que serve de referência aconteceram. De posse desse material e dos
para a sua inserção na narrativa jornalística. O depoimentos, de Paulo Coelho e de outros en-
movimento New Journalism usa as técnicas trevistados, Fernando Morais dispõe no texto
da literatura para renovar a escrita jornalísti- não apenas a confrontação das narrativas de
ca, com uma atitude mais libertária no estilo memória, mas também conta a trajetória do
e na linguagem, na construção de diálogos e personagem através da sua própria voz. A
uma percepção do personagem multifacetada, contribuição dos diários como voz narrativa
onde o narrador atinge um grau de onisciência dentro do relato biográfico se mostra essencial

Verso e Reverso, vol. XXIV, n. 57, setembro-dezembro 2010 177


Memória e narratividade na construção biográfica de O Mago

para a manutenção do valor de memória em desses diários com o seu próprio relato sobre
vários momentos importantes do livro, como a sua trajetória. No caso de O Mago, a refigu-
quando da primeira vez que Paulo Coelho foi ração materializa-se, por assim dizer, na carta
internado no manicômio. Para o episódio, Fer- que Paulo Coelho escreve a Fernando Morais
nando Morais designa um capítulo inteiro que em 2008, quando da publicação do livro, que
é totalmente descrito com trechos do diário. foi integrada ao texto como recurso para o des-
fecho da narrativa.
8:00 horas – Me acordaram para tomar a pressão.
Ainda meio tonto de sono, pensei que fosse sonho. Como qualquer escritor, sempre namorei a idéia
Mas aos poucos fui me compenetrando da reali- de uma autobiografia. Mas é impossível escrever
dade. Era o fim. Me mandaram vestir a roupa às sobre si mesmo sem terminar justificando os er-
pressas. Na porta de casa um veículo do Socorro ros e engrandecendo os acertos – faz parte da na-
Psiquiátrico de Urgência. Nunca pensei que fosse tureza humana. Daí a idéia do seu livro ter sido
tão deprimente entrar num carro destes. aceita com tanta rapidez, mesmo sabendo que es-
Alguns vizinhos espiam à distância o rapaz ma- tou correndo o risco de ver reveladas coisas que,
gro e cabeludo que abaixa a cabeça para entrar no no meu entender, não são necessárias. Porque, se
carro. Abaixa a cabeça. Estava vencido (Morais, elas fazem parte da minha vida, precisam ver a
2008, p. 162). luz do dia. Daí a minha decisão, de que em muitos
momentos ao longo destes três anos eu me arre-
A utilização dos diários de Paulo Coelho pendi, de abrir os diários que escrevo desde que
como um elemento significante dentro da era adolescente.
Mesmo que eu não me reconheça no seu livro, sei
construção do tempo narrativo poderia ser
que ali está uma parte de mim. Enquanto você
entendida como um excesso de detalhe, mas me entrevistava, e eu era obrigado a rever certas
se apresenta na biografia como um recurso efi- partes da minha vida, ficava sempre pensando:
ciente para a compreensão da trajetória. Pode- qual seria o meu destino se eu não tivesse experi-
se “ver mais” de Paulo Coelho por meio da mentado as coisas que vivi? (Coelho in Morais,
construção textual de Fernando Morais, que 2008, p. 609).
subtrai a sua presença estrategicamente para
conquistar a primazia do efeito de real e de Na carta a Fernando Morais, Paulo Coelho
sentido da existência narrada e evidenciar a faz uma reflexão sobre a experiência biográfi-
importância do valor de memória. Esse mesmo ca. Nas entrelinhas do seu relato ele reconhece
recurso narrativo, e aqui poderia chamá-lo de que ato de colocar em narrativa uma história
“subterfúgio” explorado pelo autor, implica, de vida implica não apenas a realização de
conseqüentemente, uma manutenção da audi- um trabalho de memória, mas também a cons-
ência, dos seus leitores e os de Paulo Coelho. trução de um novo lugar de memória sobre a
O que há de revelador está dito não apenas na existência narrada. O processo de refiguração
sua voz, mas também na do protagonista. Essa estabelecido na leitura do biografado sobre
busca pela manutenção da audiência encami- o relato da sua trajetória, o confronto com as
nha a análise para o último estágio do tempo suas memórias em diferentes relações de tem-
narrativo proposto por Ricoeur, a refiguração. poralidade, revelaram a ele uma percepção e
Nesse ponto o tempo narrativo sai do texto e se uma reflexão sobre o imaginário que ele cons-
constitui como tal somente a partir da leitura, truiu sobre si mesmo.
da relação com o público e suas interpretações.
Ricoeur observa nessa relação a existência de Considerações finais
uma dialética entre a escrita e a leitura, na qual
“o leitor vem ao texto com suas expectativas Ao refletir sobre a biografia como um gêne-
próprias, e essas expectativas são afrontadas, ro híbrido tensionado no jornalismo pela inter-
confrontadas a proposições de sentido do tex- secção entre a história e a literatura, a partir da
to na leitura, qual pode percorrer todas as fa- relação entre memória e narratividade, pode-
ses [...]” (1998, p. 8 ). se observar algumas singularidades do gênero
No caso da narrativa de Fernando Morais, na sua composição em uma perspectiva jorna-
a refiguração manifestou-se primeiro com o lística. Na biografia de Paulo Coelho, Fernando
próprio biografado, Paulo Coelho. A liberação Morais sobrepõe um valor de memória sobre
dos diários por parte do escritor não foi um um valor de história nas suas escolhas e estra-
processo fácil, pois não fazia parte do projeto tégias para o desenvolvimento da narrativa,
original da biografia e Paulo Coelho tinha a na estruturação do seu processo de narrativi-
exata noção do que implicaria a confrontação dade. No trabalho de narrar a história de vida

Verso e Reverso, vol. XXIV, n. 57, setembro-dezembro 2010


Karine Moura Vieira

de um indivíduo, o saber narrativo do jorna- Referências


lista está a serviço da memória, da experiência
e do saber de vida que se desenvolve ao longo BIRD, E.S.; DARDENNE, R.W. 1993. Mito, registo
do processo de investigação sobre a existência e ‘estórias’: explorando as qualidades narrativas
narrada. No caso de O Mago, Fernando Morais das notícias. In: N. TRAQUINA (org,), Jornalis-
ao investigar a trajetória de Paulo Coelho cons- mo: questões, teorias e “estórias”. Lisboa, Vega, p.
tatou que para construir essa narrativa biográ- 263-277.
fica era preciso mais do que a entrevista com BOURDIEU, P. 2006. A ilusão biográfica. In: J. AMA-
DO; M. de M. FERREIRA, Usos & Abusos da His-
o personagem e com aqueles que o cercavam.
tória Oral. Rio de Janeiro, FGV, p. 182-191.
Foi preciso buscar uma outra memória do per-
DAMASIO, A. 2004. Em busca de Espinosa – prazer e
sonagem, a memória registrada no presente da dor na ciência dos sentimentos. São Paulo, Cia. Das
anterioridade de Paulo Coelho, na sua, por as- letras, 360 p.
sim dizer, autobiografia, registrada em 40 anos LEVI, G. 2006. Usos da biografia. In: J. AMADO;
de diários. A observação dessa aventura pelo M. de M. FERREIRA, Usos & Abusos da História
caminho das subjetividades na construção Oral. Rio de Janeiro, FGV, p. 167-182.
narrativa de O Mago mostra um exercício do MEDINA, C. 1996. Povo e personagem. Canoas, Ul-
jornalista Fernando Morais em manter o seu bra, 245 p.
princípio de buscar o máximo de verdade, de MORAIS, F. 2008. O Mago. São Paulo, Editora Plane-
credibilidade e de objetividade, sobre a histó- ta do Brasil, 630 p.
ria de vida desse personagem, utilizando para MOTTA, L.G. 2008. Análise pragmática da narrativa
jornalística. In: C. LAGO; M. BENETTI, Metodo-
isso, recursos originalmente subjetivos, como
logia de Pesquisa em Jornalismo. Porto Alegre, Edi-
relatos de diários, que são apresentados na for-
tora Vozes, p. 143-167.
ma de uma estratégia narrativa do autor, onde, MOTTA, M.S. da. 2000. O relato biográfico como
em alguns capítulos, a história de vida de Pau- fonte para a história. Vidya, 34:101-122. Disponí-
lo Coelho passa a ser narrada por ele mesmo. vel em: hp://cpdoc.fgv.br/producao_intelectu-
O trabalho de Morais revela que o fazer bio- al/arq/614.pdf. Acessado em: 07/2009.
gráfico no jornalismo abriga ao mesmo tempo NORA, P. 1993. Entre memória e história A proble-
as dimensões histórica e ficcional, onde as es- mática dos lugares. Projeto História, 10:7-28.
tratégias para a construção da narrativa trazem POLLACK, M. 1992. Memória e identidade social.
as confluências entre os campos da história, da Estudos Históricos, 5(10):200-212.
literatura e do jornalismo. A biografia O Mago RICOEUR, P. 1998. Arquitetura e narratividade. Ur-
é um exemplo da rica produção biográfica por banisme, 303:44-51.
SCHMIDT, B.B. 1997. Construindo biografias... His-
jornalistas no Brasil, e a sua análise neste arti-
toriadores e jornalista: aproximações e afasta-
go insere-se na perspectiva de uma proposta mentos. Estudos Históricos, 10(19):03-21.
de reflexão, ainda que exploratória, sobre a SILVA, J.M. 2003. As tecnologias do imaginário. Porto
construção da biografia, como um gênero do Alegre, Sulina, 111 p.
jornalismo, observando quais as características
e especificidades que orientam, identificam e Submetido em: 04/08/2010
definem a biografia no campo jornalístico. Aceito em: 14/10/2010

Verso e Reverso, vol. XXIV, n. 57, setembro-dezembro 2010 179

Você também pode gostar