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RESUMO
ABSTRACT
This article aims to understand and analyze the relationship between biography and
history in the production of historical knowledge. In order to do so, the work of a
qualitative theoretical-methodological approach was based on specialized literature
to reflect on the relationships. The main conclusions point to the potential for writing
history by reflecting on biographies.
Palavras iniciais
Pági
naP
O presente texto fará um arrazoado teórico-metodológico das relações entre a história AG
E
e a biografia, focando principalmente, nas potencialidades que o olhar que parte do indivíduo \*
ME
para tencionar aspectos sociais, pode legar para a produção do conhecimento histórico. A RG
proposição encaminhou para o reconhecimento da biografia como um objeto transdisciplinar EF
OR
que orienta, com o sujeito como ponto de partida, a reflexão das tramas complexas das vidas MA
T2
que se produzem imiscuídas, nas não menos elaboradas, dinâmicas sociais.
Priore (2009) retratou que a biografia em contexto de usos pela história é recente, em
termos de sua retomada pela produção do conhecimento, já que, figura desde a antiguidade
clássica enquanto um gênero textual e seguiu, tanto em um viés positivista e religioso, a ter
contatos explicativos com a história, mudando ao longo do tempo. Para a autora (2009), foi a
partir do período do Renascimento, com a emergência do individualismo, que as biografias
ganharam mais forças no cenário global, justamente pela sua posição de valorização dos
sujeitos.
Ferreira (1992) destacou que, entre as variadas relações entre as biografias e a história,
o seu ponto de implicação com a história política é relevante, já que se possibilitou voltar o
olhar para o indivíduo, suas representações e articulações, agora não mais, de forma ingênua e
considerada metódica, mas sim, com a crítica às fontes, a consideração da pluralidade e dos
interesses acerca da vida dos sujeitos. Neste sentido, Levillain (2003) sinalizou que tal
movimento de renovação da história política, que jogou luz nos sujeitos e em suas ações,
acabaram por também, renovar e oxigenar, as relações entre a história e a biografia.
Pode-se afirmar, portanto, que no campo histórico, a micro história contribui, como Pági
naP
uma área destacada, para que as pesquisas (auto) biográficas com sujeitos comuns, com seus AG
E
cotidianos e suas memórias tivessem protagonismo. Dosse (2009), neste sentido, alerta para o \*
pesquisador que mescla as biografias com a história, que o trabalho deve contemplar tudo que
ME
RG
foi produzido pelo biografado, com o cuidado metodológico necessário à escrita e a EF
OR
organização. MA
T2
Era impossível reter a totalidade de uma vida com uma ordem cronológico-linear.
Mas era possível narrar diversos momentos, abandonando a lógica começo, meio e
fim. Assim, a dimensão da vida da professora Normalista se torna multifacetada.
[…] estranhar os momentos de sua vida narrados e curiosidades pitorescas da sua
vida, das pessoas e dos lugares em que viveu, no entanto, a descrição era necessária
para a compreensão de sua história de vida.
Assim, Souza e Lopes (2012) destacaram que, embora muitas biografias tenham se
assentado em uma perspectiva cronológica, não necessariamente, ela é a única e restrita forma
de se organizar um estudo biográfico, podendo parecer tais elementos da existência, de uma
forma não biológica ou evolutiva. Um exemplo disto é o trabalho de Alves (2021), para citar
um. Destarte, Pinheiro (2018, p. 61) destacou que, em função “[...] de um passado agora
cristalizado na memória daqueles que presenciaram as vivências e experiências e isso, por si
só, impossibilita o registro em sua totalidade”.
Tal perspectiva é consubstanciada por Rémond (2003), que encarou esta história
política em um olhar de intercessão com outros aspectos teórico-metodológicos e que,
Pági
naP
compreendeu que “o político não constitui um setor separado: é uma modalidade da prática AG
E
social” (RÉMOND, 2003, p. 35-36). O autor (2003, p. 445) ainda complementou que, em \*
ME
termos da representação, que se faz presente nas biografias, neste caso: RG
EF
Seria ingênuo acreditar que o político escapa das determinações externas, das OR
MA
T2
pressões, das solicitações de todo o tipo. Foi – e continua sendo – uma contribuição
das pesquisas das últimas décadas lançar luz sobre o jogo dos interesses, as
correspondências entre os pertencimentos sociais e as escolhas políticas,
No bojo dos entendimentos empreendidos pela história política, cumpre destacar que
as biografias, nesta perspectiva, não se reduzem a um olhar linear do sujeito e da sua história,
nem a primazia de que ele, como representado outrora, fosse representante dos considerados
grandes homens que participaram dos também denominados grandes eventos. O interesse no
caso, é nos movimentos de seleção e de produção das biografias, como também, no próprio
reconhecimento das singularidades e contradições do sujeito retratado. Por isto, Loriga (1998,
p. 249) retratou que:
Desta forma, Levi (2006) marcou que as biografias podem contribuir com a
compreensão dos sujeitos históricos inseridos nos contextos sociais, oferecendo uma margem
para se refletir sobre as ações particulares e deliberadas dos sujeitos, sem prescindir, dos
meandros políticos, históricos e espaciais, por exemplo. Para o autor (2006, p. 179-180)
Para o sociólogo francês (2006), as narrativas (auto) biográficas encaminham para uma
ilusão retórica, já que trazem as vidas dos sujeitos de modo linear e coerente, o que não
correspondem a uma ordem da realidade, mas sim, se aproxima de uma lógica literária,
romanceada. Bourdieu entendeu o biógrafo como profissional da hermenêutica, da
interpretação. Calligaris (1998) identificou nos romances modernos uma linha inicial e de
recurso de verossimilhança com as (auto) biografias, o que corrobora com o entendimento
destacado de Bourdieu.
Almeida (2014) destacou que na biografia literária, o autor tem mais liberdade de
criação e do uso da imaginação, com o objetivo de deixar a história mais palatável aos seus
leitores. Entretanto, o trabalho do historiador, para Dosse (2009) deve buscar uma justa
medida, com a perícia documental e das fontes. Entretanto, o próprio autor (2009, p. 21)
destacou que o historiador que faz biografia “[...] não se acha, de modo algum, muito distante
da postura do cientista. Sua ambição é recriar, graças ao relato, o movimento de uma vida.
Isto, reflete nas escolhas do autor, no uso da imaginação para pensar em algumas lacunas
deixadas na pesquisa, bem como, uma visão epistemológica de pesquisa que aproxima
pesquisador e pesquisado.
Pági
naP
Em diálogo com a proposta, Arfuch (2010) entendeu que narrar produz um outro AG
E
ordenamento de identidade, por mobilizar, de modo distinto, o tempo, as experiências e a \*
própria narração, que vão implicar, na sua articulação, em uma nova representação. Portanto,
ME
RG
partindo da premissa que a vivência é caótica, desordenada e a narração é um modo EF
OR
organizado, sistematizado e coeso, em um sentido de entendimento lógico, a narrativa se MA
T2
difere da ação, em razão da organização proposta. Logo, existe uma implicação evidente na
Deste modo, Schmidt (1997), que em estudo, refletiu sobre o interesse pelo biográfico
e as escritas produzidas por historiadores e jornalistas, frisou que, de forma compartilhada, a
biografia permite pensar a posição de um sujeito individual, específico, diante do contexto
social que é produzido e que o indivíduo também é produtor. Portanto, o autor (1997),
destacou um cenário que oportuniza pensar os conflitos de quem produz a biografia, bem
como, das questões próprias vividas pelo biografado. Ao fim, Dosse (2009, p. 67) destacou
que o trabalho biográfico impõe retratar sobre a vida de um sujeito que mesmo “[...] sem o
saber, sob a luz dos holofotes”, o que ainda reforça a necessidade do trabalho de escolhas e de
seleções.
Nesta perspectiva, concorda-se com Elias (1994) que os sujeitos e as sociedades são
indissociáveis, e que estão em uma relação dinâmica, contínua e de interação que se formam e
conformam. Por isso, é interessante pensar que as biografias podem ser tomadas pela história
como um objeto que vislumbra as tramas e as construções sociais dos sujeitos em um contexto
histórico delineado. O próprio Elias (1995) trouxe, em uma perspectiva biográfica, as relações
de construção entre o indivíduo e a sociedade.
Por isto, Gomes (2009, p. 44) ressaltou que a escrita da história perpassa os “projetos e
desejos que atores construíram e desconstruíram com o passar do tempo”. Isto não quer dizer,
como aponta Velho (1994, p. 40), no campo da antropologia, que o estudo das (auto)
biografias deva ser fundado em “um voluntarismo individualista agonístico ou um
determinismo sociocultural rígido”, mas sim, como um horizonte, uma miríade de
oportunidades.
Então, retoma-se Levi (2006) para ressaltar que, mesmo considerando a complexidade
dos interesses e clivagens que marcam as biografias, é relevante, ao trabalho do historiador,
sobre as relações do indivíduo com o mundo social, observando suas agências e limitações
diante dos componentes objetivos e contextuais. Assim, entende-se como Arfuch (2010, p.
100) que a produção da biografia se dá de modo dialógico, já que “não há possibilidade de
afirmação da subjetividade sem intersubjetividade; consequentemente, toda biografia ou Pági
naP
relato da experiência é, num ponto, coletivo, expressão de uma época, de um grupo, de uma AG
E
geração, de uma classe, de uma narrativa comum de identidade”. Logo, entendendo desta \*
forma, a ideia de uma ilusão biográfica também não é pertinente, pois não se trata de uma
ME
RG
narrativa linear do sujeito, mas sim, de um quadro relacional com a sociedade e com seus EF
OR
demais agentes e componentes. MA
T2
A imagem da vida social governada por normas exteriores uma concepção muito
menos linear, mas bem mais rica da relação existente entre indivíduo e o mundo
circundante. O indivíduo pode ser visto como um ser racional e social que persegue
objetivos; as regras e os limites impostos às suas próprias capacidades de escolha
estão essencialmente inscritos nas relações sociais que ele mantém. Eles se situam,
portanto na rede de obrigações, de expectativas, de reciprocidades, que caracteriza a
vida social. Numa tal perspectiva, o centro da análise será constituído pelo próprio
processo social – e, portanto, pelas interações individuais nos diferentes contextos
sociais – e não apenas pelas instituições. Das estruturas e das instituições, a atenção
se desloca para os processos e as interações.
Ainda sobre o assunto, Revel (1998) endossou como é pertinente marcar as relações
individuais dos sujeitos, sem perder uma dimensão coletiva da experiência social, como em
um jogo de escala. Por isto, Schmidt (1997, p. 2-3) afirmou que:
Pági
A recuperação dos sujeitos individuais na história pode ser vista como uma reação naP
aos enfoques excessivamente estruturalistas, descamados de “humanidade”, que AG
caracterizaram boa parte da produção historiográfica contemporânea. E
Metodologicamente, esta mudança implica o recuo da história quantitativa e serial e \*
o avanço dos estudos de caso e da micro história. ME
RG
Assim, como disposto por Schmidt (1997), o olhar para o micro não despreza
EF
OR
MA
T2
ou desconsidera os aspectos sociais e globais, já que, o estudo que parte da biografia não se
refere a uma redução, mas sim, um olhar do macro que parte do sujeito. E como afirmou
Nesta perspectiva, reforça-se que, para além que tenciona as escalas de poderes e de
sujeitos no contexto da sociedade, ilustra-se, em razão do reconhecimento, trabalhos como de
Levi (2000) e Ginzburg (1998), no campo da micro história, são significativos para refletir o
movimento de escalas, discutido no caso das biografias. Portanto, a proposição da relação
entre as biografias e a história é a de, entre outras, refletir sobre as inserções e ações dos
sujeitos contextualizados em um cenário histórico, cultural, espacial e econômico.
Deste modo, a ideia de Schmidt (2004) de grafia de vida para o trabalho do historiador
com a biografia, encaminha justamente para pensar as tramas relacionais dos sujeitos e a sua
inserção histórica, ressaltando o que o autor (2004, p. 139) destacou:
O enfoque, no entanto, não prescinde que o ponto de partida da vida do sujeito, não
pudesse indicar os contextos social, histórico, espacial, econômico e político, observando
novamente, limites e possibilidades dos indivíduos na sociedade. Isto, direciona para a
indissociável relação entre sujeitos e sociedade, em uma produção dialógica.
Deste modo, reconhece-se que o sujeito não se circunscreve apenas a si próprio, mas
ele também responde a um conjunto da sociedade e de suas tramas sociais, que impõem ao
pesquisador, segundo Levi (2006, p. 176) o trabalho de:
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