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AFORISMO DA VIDA QUE NÃO SE VIVE E DA MORTE QUE NÃO SE MORRE

(Para Mauro Henrique Gregório Batista)

Hoje pensei 25 maneiras diferentes para morrer, mas não fui adiante nos
auspiciosos desejos de morte. Aquele infeliz momento em que você não tem motivos para
morrer, porém, não há justificação alguma que lhe dê tais motivos para viver. Desisti.
Morrer dói. A ideia da dor me causa arrepios. Temo mais a dor do que a morte em si.
Talvez eu deixe para morrer amanhã. Quem sabe eu não encontre uma maneira que me
faça partir sem necessariamente experienciar a dor.
É o medo da dor que me mantém vivo. Mas, viver também dói. Uma dorzinha
fina. Suportável. Medos! os tenho em grande profusão. Porém, muito mais que o medo
da dor, eu temo não ser amado. Passar por esta vida inútil sem nem ao menos encontrar
alguém que me dedique amor. Assombrado! assim o sou, porque ninguém me amou.
Nunca experimentei a troca enérgica de olhares, que transmitem radiações de amor e que
conectem dois seres amantes.
Certa vez ouvi no rádio uma entrevista. O locutor entrevistava uma médium muito
respeitada no campo da comunicação com o além. Ela afirmou que o corpo sente a hora
da morte. A alma sabe muito bem que será arrebatada da matéria e simplesmente desliga
todos os nossos sentidos. Duvido! ela nunca morreu para saber e conversa de espírito
talvez seja coisa que não se fia. Todavia, se for verdade, caminhão veloz na rodovia é
uma boa saída. É isso. Morte violenta e sem dor. Não sei. Me parece covardia morrer
assim, ainda mais sem motivo algum aparente. Mas daí continuar vivo sem nenhum
sentido é coisa de covarde também. Não pago nem o ar que eu respiro.
Luís Otávio se matou ontem. Fiquei impressionado. Sempre fraco e mirrado,
patético até com toda aquela fragilidade que aparentava. Como conseguiu subir naquela
gameleira velha, alta, tronco grosso que parecia inescalável? Pois ele subiu, amarrou uma
corda e se enforcou. Culpa tem Lindaura, sua namorada. Largou o pobre e fugiu com o
porteiro do condomínio onde morava. Se eu fosse mulher também fugiria. O porteiro tem
aqueles dois olhos grandes e verdes que te devoram naquele olhar mistério. Parece que
desnuda a alma da gente.
Bem que a Dona Aparecida avisou Luís Otávio. Meu filho tome tento. Lindaura
vai ser sua perdição. Coitada, mulher sempre leva a culpa das ações desatinadas dos
homens, se for bonita então, a culpabilidade é dobrada. Enquanto com uma pá, o coveiro,
jogava terra sobre o esquife de Luís Otávio a velha lembrava de suas palavras e ora
chorava o filho morto, ora xingava Lindaura.
Coisa feia de se ver é dor de mãe. Deve ser pior que morrer ou não ser amado.
Meu filho, o que será de mim sem você? Me deixaste só e desamparada. Chorava Dona
Aparecida batendo a mão direita no peito. Puta dos infernos! com o primeiro macho que
apareceu tu se enrabichou. Xingava Dona Aparecida. Que Deus te guarde meu filho e a
Virgem Maria te proteja. Acredito na misericórdia divina e creio que você alcançou o
galardão. Se auto consolava. Ela sabia que no céu não entrava suicidas, assim disse o
padre Argemiro, uma vez na missa. A ideia de um filho no inferno pela eternidade
assustava Dona Aparecida. Era melhor ter fé no perdão divino. Se meu Luís Otávio tiver
ido para o inferno, culpa tem aquela piranha, cachorra safada, que não pôde ver um macho
novo no pedaço. Depois Dona Aparecida lembrou que o homem que perdeu Lindaura foi
o porteiro de olhos verdes. Concluiu que até ela fugiria. Consolou-se.
Eu continuo nessa sina. Com medo da dor, querendo morrer. Morrer sem motivo
é covardia, já disse! é morte vã. É ser esquecido. E cá entre nós, o esquecimento também
me causa arrepios. Outro dia na calçada, um mendigo estava morto. Fome e frio, sem
dúvidas. Falou o médico legista no local. Sem nome, endereço ou alguém que lhe
reclamasse a identidade. Foi fazer companhia aos demais que repousam na campina dos
indigentes. Esquecido na vida e na morte.
Se Deus existe, talvez o grande Senhor de todas as coisas o tenha consolado e lhe
chamado pelo nome. Fome e frio é um tipo de morte que te faz merecer o céu, sejam lá
quais foram os seus pecados. O céu. Não acredito em Deus, mesmo assim tenho medo do
inferno. Tenho medo. Medo. Da vida, da dor, da morte e de mim mesmo. Hoje pensarei
novamente em 25 maneiras diferentes de morrer, entretanto, vou continuar vivendo.
Subsistir. Entre o caos do medo, não morrer por covardia.

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