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NOS PASSOS DO POETA

ISAILTON REIS

Nos passos do poeta


Prosas, poesias, imagens e reflexões de um caminhar

Feira de Santana - Bahia


2021
Copyright © 2021 by Isailton Reis

Projeto gráfico: Editora Zarte


Editoração eletrônica: Editora Zarte
Capa: Justino Neto sobre fotografia do autor
Revisão textual: Valdomiro Santana

Conselho Editorial
Claudio André Souza
Maria de Lourdes Novaes Schefler
Mariana Fagundes de Oliveira
Maria Victória Espiñeira González
Zenaide de Oliveira Novais Carneiro

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

R31
Reis, Isailton
Nos passos do poeta [recurso eletrônico] : prosas, poesias, imagens e reflexões de um
caminhar / Isailton Reis. – Feira de Santana : Editora Zarte, 2021.
162 p.: il.

E-book.
Formato: PDF.
ISBN 978-65-88707-18-0 

1. Pessoa, Fernando António Nogueira, 1988-1935. 2. Poesia. 3. Prosa. 4. Reflexões.


5. Fotografia. 6. Caminhada. 7. Viagens – descrição. I. Título.

CDU: 869.0(81)-992

Luis Ricardo Andrade da Silva – Bibliotecário – CRB 5/1790


Todos os direitos desta edição reservados à
Editora Zarte
Rua Nacional nº 300 A, Parque Ipê
44054-064 — Feira de Santana, BA
Telefone: (71) 99116-6034 WhatsApp
E-mail: zartegraf@gmail.com
http://blog.editorazartefsa.com
Agradecimentos

Ao bom Deus, meu invisível e inseparável Companheiro


em todas as caminhadas, que, nesta — acredito —, comigo
acolherá outros e outras caminhantes.
Aos amigos Rubens e Luiz, que tanto me alegraram com
suas participações neste livro.
A Andrea e Marina, minhas companheiras e
inspiradoras, a quem sou muito grato por nossa vida a três
em paciência e amor.
A todos os poetas fingidores
e aos caminhantes em reflexão.
Que a cada dia nos enchem de
significados para nosso viver incompleto.
Sumário

Prefácio I 11
Prefácio II 13
Apresentação 17
Reflexões numa conexão 23
Passeio de bonde 31
Uma noite de fado 35
Visita a casa do poeta 59
Relatos de um caminhar: Prosas, poesias e reflexões 67
Posfácio 147
Prefácio I

Com a licença dos leitores, vou me dirigir ao autor,


em como ele se apresentou em 2009, ao nos conhecermos
numa manhã muito ensolarada em Tombos, cidade que
inaugura o Caminho da Luz. Com bom astral, se apresentou
como Zaza, e naquela fração de segundo, mal sabia que ali
começávamos uma grande amizade.
Ao entrarmos no Caminho somos estrangeiros.
Estrangeiros para os outros e para nós mesmos. A cada
passo nos apresentamos, nos desvelemos. Este sentimento,
agora, foi despertado “Nos passos do poeta”! Zaza promove
uma empolgante caminhada, com as belas imagens das suas
palavras e a poesia das fotos. E se não bastasse, promove, a
companhia de Fernando Pessoa, que aliás, aproveito para
registrar, há um tempo que venho nutrindo apreço por este
poeta pelas recomendações do Zaza.
Santo Agostinho em sua obra Confissões, no livro XI,
nos ensina que o tempo é o resultado de uma distensão da
alma, podemos eternizar um momento, um “agora”. É assim,
em diversas passagens deste livro, constatamos a eternização
de momentos. Não posso deixar de citar um deles; “[...] uma
fadista sentada lindamente no parapeito interno da janela.
As vidraças esquadrinhadas combinavam com a sua saia
xadrez. Seu penteado brilhava mais ainda com a entrada
das luzes externas pelas frestas da janela, pondo um brilho
marcante naquele canto do clube. [...]”. Somos presenteados

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Isailton Reis

por narrativas que brotam da sensibilidade de alguém cujo


olhar ilumina tudo que lhe cerca; aliás, não será este o cerne
do poeta? Daquele que através das palavras nos apresenta a
imagem das emoções e sentimentos?
Não construímos para habitarmos, habitamos aquilo
que construímos. Aqui os leitores terão a oportunidade de
vivenciar em cada página, esta habitação, na construção
manifestada na efetivação de um sonho, com o planejamento
e execução de cada etapa idealizada. Mas não se enganem,
o principal componente deste Caminho, apresentado pelo
Zaza, é entregue aos acontecimentos que se apresentam. É
o que todo bom caminhante-peregrino sabe ao se lançar no
Caminho: sei onde se inicia e sei onde quero chegar, agora
entre o ponto de partida e a chegada..., bom, aí meu amigo
é o Caminho que se apresentará.
Poderão constatar neste caminho, que os anjos de
luz, foram extraordinariamente benevolentes, talvez por
saberem dos desdobramentos. Entre eles, o de estarmos
sendo agraciados com a generosidade de podermos reviver
cada um dos seus passos, nos passos do poeta. “Sigamos,
pois.”

José Rubens Salles Toledo


São Paulo, 22 de março de 2021

Ah! O amor
Ardente, caliente,
Ou apenas sentido
Nos faz Caminhar e seguir.
E viver e sentir
Ah! O amor!

ISAILTON REIS

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Prefácio II

Conheci Isailton Reis durante o Mestrado em Portugal,


mais precisamente na cidade de Vila Real, e nossas conversas
foram se estreitando devido à prática de caminhadas longas,
quando fazíamos o registro fotográfico dos lugares por onde
passávamos, e também por nossos familiares na Bahia. Com
ele caminhei bastante explorando Vila Real e outras cidades
portuguesas, captando imagens das construções e paisagens,
almoçando em diversos restaurantes para apreciar a
culinária local. Passamos um dia inesquecível juntos, em
Santiago de Compostela (Espanha), e lá, igualmente, o que
mais fizemos foi caminhar, conversar e fotografar tão rico
patrimônio cultural. Reencontro-o neste livro e ouço-o,
mais uma vez, dizer o que é se sentir em Portugal, que ele
incorporou ao coração.
Falar sobre prosa e caminhada é prato cheio para
Isailton. Recordo-me que, em 2012 e 2013, no final de julho,
sentamo-nos num muro baixo, em frente ao alojamento
universitário, e conversamos sobre o significado, para
nós, de estudar naquele país e conhecer várias pessoas
com experiências de vida totalmente diferentes das nossas.
Falávamos também dos planos de conhecer outros países,

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Isailton Reis

de escrever livros e de continuar estudando. De minha


parte, posso dizer que sempre procurei caminhar mundo
afora, em busca de algo que me preenchesse. Andei por
doze países, mas foi em 2016 que encontrei o Caminho, a
Verdade e a Vida, e Jesus me mostrou o sentido de minha
existência aqui na terra. Espero que Isailton escreva mais
livros, e que outras pessoas (leitores e leitoras) encontrem
seu propósito de viver e percebam a grandiosidade de amar
e compartilhar o amor de Deus.
Agradeço o convite – que muito me honra – para
prefaciar este livro, o qual, espero, sirva para que as pessoas
creiam nos sonhos que Deus coloca no coração de cada um
de nós. Isailton sempre sonhou em estar frequentemente em
Portugal, e isso tem um propósito maior do que ele possa
imaginar.
Boa leitura e uma excelente viagem para todos!

Luiz Moura
Rio de Janeiro, 22 de dezembro de 2020

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NOS PASSOS DO POETA

Qualquer caminho leva a toda parte

Qualquer caminho leva a toda parte.


Qualquer ponto é o centro do infinito.
E por isso, qualquer que seja a arte
De ir ou ficar, do nosso corpo ou espírito,
Tudo é estático e morto. Só a ilusão
Tem passado e futuro, e nela erramos.
Não há estrada senão na sensação
É só através de nós que caminhamos.

Tenhamos para nós mesmos a verdade


De aceitar a ilusão como real
Sem dar crédito à sua realidade.
E, eternos viajantes, sem ideal
Salvo nunca parar, dentro de nós,
Consigamos a viagem sempre nada
Outros eternamente, e sempre sós;
Nossa própria viagem é viajante e estrada.

Que importa que a verdade da nossa alma


Seja ainda mentira, e nada seja
A sensação, e essa certeza calma
De nada haver, em nós ou fora, seja
Inutilmente a nossa consciência?
Faça-se a absurda viagem sem razão.
Porque a única verdade é a consciência

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Isailton Reis

E a consciência é ainda uma ilusão.


E se há nisto um segredo e uma verdade
Os deuses ou destinos que a demonstrem
Do outro lado da realidade,
Ou nunca a mostrem, se nada há que mostrem.
O caminho é de âmbito maior
Que a aparência visível do que está fora,
Excede de todos nós o exterior
Não para como as coisas, nem tem hora.

Ciência? Consciência? Pó que a estrada deixa


E é a própria estrada, sem a estrada ser.
É absurda a oração, absurda a queixa.
Resignar(-se) é tão falso como ter.
Coexistir? Com quem, se estamos sós?
Quem sabe? Sabe [...] que são?
Quantos cabemos dentro em nós?
Ir é ser. Não parar é ter razão.

FERNANDO PESSOA

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APRESENTAÇÃO

Dividir, com os “viajantes” da vida, uma conversa que


ousei ter com o poeta português Fernando Pessoa foi minha
motivação maior para escrever este livro. É ele feito de
conversas em prosas, versos e fotos. Fruto de contemplações
e reflexões que marcaram uma caminhada feita em Lisboa,
em outubro de 2016, quando parti do Brasil para aceitar o
convite do poeta — minha fantasia literária — após leitura
de um livro dele, no qual mostra Lisboa aos visitantes.
O livro é Lisboa: o que o turista deve ver, um dos poucos
escritos completos encontrados por aqueles que até hoje
buscam desvendar os segredos de seu baú.
Tive a ideia de fazer mais uma caminhada anual, o de
que sempre gostei para me dar um tempo de reflexão, num
determinado período do ano. Foi assim que fiz o Caminho
da Luz, em Minas Gerais; dois dias do Caminho de Santiago
de Compostela, na Espanha; e o Caminho da Paz, na Bahia.
Ao fazer todos esses caminhos, sempre digo que estou me
preparando para os 30 dias de caminhada no Caminho de
Santiago de Compostela. Mas isso será uma outra história.
Após decidir fazer uma caminhada no ano, tinha
também em mente uma visita a Portugal, a fim de conhecer
a empresa que se dedica a projetos de apoio aos pequenos

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Isailton Reis

negócios no país (o IAPMEI) e também apresentar minha


proposta de Doutorado ao coordenador do curso na
Universidade de Lisboa. Penso que na verdade estes dois
motivos eram boas desculpas (verdadeiras) para eu poder
voltar à terrinha e reviver o que me foi tão significativo e
prazeroso: o período de 2011 a 2013 em que lá cursei meu
Mestrado.
Bem. Com todas estas vontades já na mochila, lembrei-
me do livro do jornalista João Correia Filho, Lisboa em
Pessoa, junto do qual retirei da estante o livro do poeta —
Lisboa: o que o turista deve ver. Leitura após leitura, fui
alimentando a ideia de unir o útil ao muito agradável: fazer
a caminhada na Lisboa de Fernando Pessoa.
Daí logo cheguei às planilhas de planejamento, aos
guias de viagem e às páginas da internet, preparando
roteiros, rabiscando livros. E, num pulo, direcionei horas
de um planejar regado por vinhos portugueses, contatos
com algumas pessoas próximas e agendas financeiras. Li
também alguns livros sobre Pessoa para ter uma ideia de seu
processo de criação e, principalmente, conhecer a gênese de
seus heterônimos. Não para me tornar um erudito ou um
especialista neste que é o maior poeta português moderno
e um dos mais importantes do mundo. Poemas dele estão
lembrados nesta jornada.
Plano pronto e organizado, comprei meu bilhete
de passagem, reservei hotel e avisei em casa. Já tinha
programado férias na empresa, organizado um contato

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NOS PASSOS DO POETA

no IAPMEI, e também marcado reunião com o professor


orientador do Doutorado na Universidade de Lisboa.
Foram dias inesquecíveis, mais uma vez, vividos em
terras portuguesas.
Fui e voltei. Vivi o que sonhava viver. Talvez tenham
me faltado algumas coisas, mas, quem pode ter tudo o que
deseja? Voltar feliz, satisfeito e gratificado pela experiência
foi o sinal de que minha alma se fez grande e valeu a pena.
De volta para esposa e minha filha, elas já me esperavam
com o vinho da chegada. Contei-lhes no geral e com
minúcias tudo que se conta de uma rica experiência. E,
enquanto lhes mostrava as fotos, mais lembranças do que
vivi foram surgindo.
De 2016, o ano da viagem, até 2020, os escritos das
reflexões, versos e fotografias tinham ficado restritos à nossa
família, nos sábados à tarde, em nossos cafés literários. Foi
numa dessas tardes que, além de lembrar-me da aventura na
terra do poeta e lendo suas poesias e prosas, surgiu o interesse
de dividir estas reflexões com mais alguns caminhantes, que
são os possíveis leitores e leitoras deste livro.
Chega então a pandemia da covid-19 e o tempo começa
a nos dar oportunidades...
Iniciei os dias de isolamento social num final da manhã
de sexta-feira (20-03-2020) despedindo-me da equipe de
trabalho e lembrando que, como tinha ouvido de uma colega
psicanalista, os processos de pandemia/crise/dificuldades
em si não tinham o poder de nos mudar, mas com certeza

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Isailton Reis

nos dariam oportunidades para necessárias e importantes


mudanças. Oportunidades para mudanças...
Os dias iniciais, os mais difíceis, levaram-me a escrever
algumas reflexões. Mas, após uma prosa com minha filha
e esposa sobre visões futuras, mais uma vez ressurgiu o
sonho de viver Portugal. No dia 13 de junho festejamos
em casa o aniversário de nascimento de Fernando Pessoa,
lemos suas poesias no café da manhã em família, assistimos
a um documentário sobre ele. Não tive mais dúvida: era
aquela uma oportunidade para passar a limpo o escrito
da caminhada — o sonho de um tempo —, destinado a
consolidar um planejamento de mudança para um tempo
de experiências na terra do poeta. Outra história futura,
com certeza.
Mesmo assim, dúvidas me perseguiam. Inicialmente,
eu havia pensado em concluir os escritos desta experiência
ao lado de minhas duas companheiras de viagens (Andrea
e Marina) e visitando os lugares indicados pelo poeta, desta
vez de carro. Só que, ao visitar os rabiscos da caminhada,
dei de frente com um bloco de anotações, comprado na
Casa dos Bicos, onde fica a Fundação José Saramago,
outro grande escritor português, bloco no qual eu copiara
uma frase sua: “Fisicamente, habitamos um espaço, mas,
sentimentalmente, somos habitados por uma memória”.
Perguntei-me, então: para que esperar voltar para
escrever, se as memórias vivem em mim?
Tudo isso vivido neste tão triste período de pandemia,
que afeta o mundo inteiro com tantas mortes de entes

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NOS PASSOS DO POETA

queridos. Foi quando decidir editar, com alguns recheios de


leituras feitas da obra de Pessoa, estas linhas que partilho
com vocês.
O presente texto foi transcrito de anotações feitas em
vários momentos do caminhar. Algumas vezes sentado
em uma calçada para descansar, ou num café, restaurante,
ou num local onde o poeta se sentava para meditar sobre
sua existência. Por mais que eu quisesse, não conseguiria
transpor para o papel tudo que marcou meu caminhar.
Mas, transcrever os escritos, ver novamente as fotos, ler
novamente as poesias que me marcaram, ouvir os fados
que me emocionaram, foram atos que dialogaram entre si,
e tanto, que sua memória em mim fluiu inteira, bem viva.
Este texto não é um guia turístico, existem vários
e indicarei alguns ao final. Também aqui não pretendo
apresentar-me como conhecedor da obra de Pessoa, com
quem aqui converso tanto, ainda que eu não tenha me dado
tempo bastante para mergulhar em sua obra. Tempo que,
espero, haverá de chegar.
O melhor, talvez, já foi vivido no caminhar, no relembrar
e no escrever. Como diria ele próprio, o poeta, “vou deixar
escrito no ‘livro dos viajantes’ algo para entretê-los na
passagem...”

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REFLEXÕES NUMA CONEXÃO

09-10-1916 (13h20, Madri)

Terceira vez no aeroporto de Madri — Barajas, que


é imenso. Sensação de estar sempre perdido, sem saber
para onde me dirigir, tão grande é a movimentação de
passageiros, ao ouvir a chamada para o voo. E, já aceitando
isso, procuro logo identificar onde embarcarei e depois sigo
a caminhar por suas lojas e becos entrelaçados entre escadas
e esteiras rolantes. Entro no avião, acho meu lugar, guardo
minha bagagem, sento-me e sou tomado por um poema:

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Isailton Reis

Foto 1 – Fotografia na casa do poeta.

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NOS PASSOS DO POETA

Saudades na conexão

Nem bem cheguei


E a saudade me invade
Saudade dos amores dados
Dos amores recebidos
Rotina de viver
Rotina de ser notado
Aqui só mais um
Neste emaranhado
Como na Torre de Babel
Separados pelo falar.
Mas unidos pelas mãos.
Em tempos passados, nos tijolos a carregar.
Hoje, pelo teclar.
Com o mesmo sistema
Falam sem parar
Talvez estejam todos
Suas saudades matar.
E a minha?
Vai amiudando
Neste observar.

ISAILTON REIS

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Isailton Reis

Foto 2 – Um poema inicial logo no carro que me levou ao


aeroporto

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NOS PASSOS DO POETA

Foto 3 – Bilhete da passagem... Um passo dado

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Isailton Reis

CHEGADA AO HOTEL

Quando decidi me hospedar num hotel, na Praça dos


Restauradores, centro de Lisboa, esperava viver a mesma
atmosfera, ainda que muitos anos depois, vivida por
Fernando Pessoa em sua cidade.
Pois bem. Após receber a chave e subir as escadas, abri o
quarto e fiquei estarrecido: vi nas paredes dois quadros que
retratam o poeta.
Nada mais acertado para aquele período que me
aguardava a viver por lá. A partir daquela hora eu estava
certo de que iria valer a pena aquela jornada.
Com estes quadros tive boas prosas, algumas anotadas
aqui, quando chegava de minhas caminhadas em Lisboa.

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NOS PASSOS DO POETA

Foto 4 – Quadro retrato de Fernando Pessoa em meu quarto


do hotel em Lisboa

Foto 5 – Quadro retrato de Fernando Pessoa em meu quarto


do hotel em Lisboa

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Isailton Reis

Foto 6 – Placa dos quartos do hotel

Foto 6 A – Fachada do hotel na Praça dos Restauradores

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PASSEIO DE BONDE

Banho tomado, corpo adaptando-se ao novo fuso


horário e entusiasmado pela chegada, mas ainda sem
cansaço que me levasse àquela hora para cama, resolvi viver
uma noite de domingo lisboeta.
Desci, peguei o metrô até o Rossio e segui para a
Martim Moriz. Depois percebi que o trajeto dava para fazer
facilmente a pé. Cheguei então no ponto inicial para fazer
um passeio de bonde. O escolhido, por sua rota tradicional,
foi o Bonde 28. Em ladeiras, vielas, ruas, praças, largos,
avenidas, entre casarios, naquela tarde/noite comecei a
entrar no clima de uma cidade que, em uma semana, iria
explorar muito. Ao longo do trajeto, me permiti viajar na
contemplação daquela arquitetura e observar seus detalhes,
em vias largas e estreitas; durante o passeio, fiquei intrigado
e assustado com o condutor ao vê-lo manobrar a pequenas
distâncias dos carros, transeuntes e estruturas urbanas.
Ao cair da noite a beleza da cidade foi pintada por novas
cores, realçadas pelas luzes que a emolduravam e quadros
constantes e rápidos que eu ia vendo pela janela do bonde.
Imagens que eu ia acompanhando, gravando na mente e
captando com minha máquina fotográfica. Foi com esta

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Isailton Reis

forte impressão inicial que voltei ao hotel, já me preparando


e construindo expectativas para o que viveria durante a
semana.

Foto 7 – Bonde Rota 28. Minha condutora nas primeiras


aventuras

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NOS PASSOS DO POETA

Foto 8 – Observando no interior do bonde. Entre casas e


carros, lá vamos nós

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Isailton Reis

Foto 9 – Transporte chegando. Nem imagivana onde me


levaria...

Foto 9 A – Mais próximo e esta curva foi pequena

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UMA NOITE DE FADO

Ainda no Brasil, cuidei de reservar uma mesa no Clube


de Fado, no bairro de Alfama, um dos mais antigos de
Lisboa. Por lá passei mais cedo e estava aberto apenas para
quem iria jantar, o que não era o meu caso, pois, como estava
só, preferi caminhar pelas ruas e becos daquela área urbana
mais fadista da cidade. Vi lojas e entrei num bar para beber
a Ginja, um tipo de licor português tradicional, que conheci
em minha primeira visita à Vila de Óbidos, em 2011, em
meio a uma festa medieval.
A alegria dos moradores e turistas se misturava, dividida
apenas por diferentes sotaques, mas todos falavam alto,
junto com um casal de cantores que distribuía rosas entre as
mesas de um restaurante, num largo do Alfama.
Aquela caminhada ficará para sempre em minha lem-
brança, principalmente por ter assistido a uma apresentação
de fado na calçada de um dos bares. Diz a letra Rosa branca,
a canção que ouvi:

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Isailton Reis

“Quem tem, quem tem


Amor a seu jeito
colha a rosa branca
Ponha a rosa ao peito”.

Foi amando o jeito da noite, e mesmo sem rosa branca


ao peito, que segui para o show.

Foto 10 – Escadarias do Alfama à noite

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NOS PASSOS DO POETA

Foto 11 – Um dos becos do Alfama à noite

Foto 12 – A Ginja. Bem provada na noite do Alfama

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Isailton Reis

Já no clima do bairro e de seus fados, atento ao horário


acordado e em meio a turistas, inclusive brasileiros,
reivindiquei minha reserva e entrei naquele clube, já visitado
por celebridades como Milton Nascimento e Woody Allen,
como vi nas fotos logo na entrada. Conseguiram-me uma
mesa num canto, parece que escolhida para solitários como
eu, naquela noite. Mas era próximo ao palco; assim, pude ter
uma boa visão e desfrutar do vinho, dos petiscos e da música
que aquela noite me reservava. Logo senti que eu precisava
registrar num papel a atmosfera daquela tão boêmia casa
noturna. Recorri a um garçom, que me emprestou caneta
e papel. Fui então conversando comigo mesmo e com o
poeta, em minha solitária alegria de estar vivendo aquele
momento.

Foto 13 – Chegando para o show de fado

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NOS PASSOS DO POETA

Foto 14 – Clube de Fado. Bairro Alfama

Foto 15 – Escritos da noite de fado. Um bom companheiro

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Isailton Reis

Foto 15 A – Os petiscos da noite de fado. Nem só de fado


vive o homem...

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NOS PASSOS DO POETA

UMA NOITE DE FADO

Dizem que é de saudades que vive um fadista.


E eu do que vivo ou viverei numa noite de fados?
Saudade que aparece.
É a que é preciso viver.
Saudades de minhas amadas.
Saudade do bom viver.
Mas, como diria o poeta,
“Navegar é preciso”, e preciso navegar
É o navegar que me move
No desejo de amar.
Amo na presença
E de longe também
Feliz daquele que tem
Um grande bem.
O fado que traz saudade
Também traz a felicidade de estar
Realizando sonhos
Nesta bela cidade.
A saudade eu vou sentindo
Saudade que eu mesmo pedi.
Mas ao menos contarei
As coisas que aqui vivi.
Vivi saudade pedida.
Sentida pelos fadistas?
Vivida pelos turistas?
ISAILTON REIS

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Isailton Reis

E assim fui, fados após fados, curtindo a noite naquele


clube, entre muitas mesas ocupadas, em uma das quais eu
estava só, mas sem me incomodar, nem um pouco, com
minha solidão.

Foto 16 – O cenário da noite de fado

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NOS PASSOS DO POETA

O ambiente do fado

Em cada mesa que olho


Tem alguém a conversar
Rotinas e novidades
É o que posso imaginar
Eu aqui conversando por meus dedos
Sem saber se um dia
Alguém vai ler ou ouvir
Este sentimento vivido.
Saudades e felicidades se misturam
Em meu anotar
E a noite vai passando
Num escrever e cantarolar.

ISAILTON REIS

E entre meus olhares perdidos e achados... se destacou


o movimento do moço da mesa ao lado.

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Isailton Reis

Foto 17 – O moço da mesa ao lado

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NOS PASSOS DO POETA

O moço da mesa ao lado

O moço da mesa ao lado


Não cansa de ouvir e encarar
Ouvindo a voz da companheira
Que não cansa de falar.
Ele fixa o olhar
E os lábios dela a se mexer.
Queria saber o que sua mente
Está a perceber...
O garçom chega à sua mesa falando.
Lhe ajuda a respirar.
Mas sua linda companheira
Ainda não cansa de falar.
Juro que queria,
Aquele inglês melhor escutar
E saberia o que o moço revelava
Naquele seu olhar.

ISAILTON REIS

Logo depois, entre especulações de sentimentos alheios,


lembrei-me de um escrito do poeta:

45
Isailton Reis

O amor, quando se revela

O amor, quando se revela,


Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p’ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente


Não sabe o que há-de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,


Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P’ra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;


Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe


O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...
FERNANDO PESSOA

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NOS PASSOS DO POETA

Ainda entre essas especulações, anotei o que tanto tinha


a ver com meus sentimentos:
Embalado por um triste fado.

Foto 18 – O moço da mesa ao lado

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Isailton Reis

Um choro para o fado

Do outro lado do Atlântico


Numa noite de fado chorei.
Saudades e alegrias
Guiaram o meu chorar.
Saudades de minhas amadas.
Vontade de com elas aqui estar.
Que histórias vivo e estou aqui a construir?
Um dia contarei tudo que vivi?
E lembrarei também saudoso
Cantante e a chorar?

ISAILTON REIS

Lágrimas enxugadas e uma parada no show para o


descanso dos músicos e quem sabe de alguns corações...
Subi então ao andar superior para ir ao toalete. Ao sair,
dou de cara com uma imagem que sempre guardarei na
memória: uma fadista sentada lindamente no parapeito
interno da janela. As vidraças esquadrinhadas combinavam
com a sua saia xadrez. Seu penteado brilhava mais ainda
com a entrada das luzes externas pelas frestas da janela,
pondo um brilho marcante naquele canto do clube. Seus
finos dedos tocavam uma tela brilhante que fazia seu olhar
não perceber que, naquele momento, era uma imagem a ser

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NOS PASSOS DO POETA

sempre lembrada... Sem notar estar sendo observada, ela


tocava o celular, parecendo ser uma personagem diferente
daquela que, havia pouco, me levara às lágrimas com seu
canto. Refleti então rapidamente, perguntando-me como o
poeta descreveria aquela cena. Não conseguia ter certeza.
Lembrei-me, porém, de seu poema

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Isailton Reis

Dizem que finjo ou minto

Dizem que finjo ou minto


Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,


O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio


Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é,
Sentir, sinta quem lê!

FERNANDO PESSOA

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NOS PASSOS DO POETA

Foto 19 – A fadista

Foto 20 – Mais um fado

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Isailton Reis

A fadista

Não sei se assim a chamam


Eu fiquei a chamar.
Depois que a vi à beira da janela.
Olhos e dedos ao celular.
Parecia estar matando saudades.
Como a que cantava para o meu chorar.
Aquela moça na janela.
Parecia não carregar toda saudade sentida
No cantar.
Despretensiosa digitava
E um salgado petiscava.
Quando desta forma a vi
Não me lembrei do fado.
Fado de saudades
Que cantando parecia sentir.
Eu ou ela?
Quem dos dois estava a fingir?

ISAILTON REIS

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NOS PASSOS DO POETA

Autopsicografia

O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

FERNANDO PESSOA

Show terminado, o que eu tinha de fazer era ali, na


porta do Clube de Fado, pegar um táxi que em dez minutos
me levaria ao hotel. Mas ainda não tinha dado meia-noite e
o último metrô, numa estação a cinco minutos a pé da casa,
era a desculpa para prolongar aquela noite caminhando
pelos becos do bairro Alfama. Cheguei à estação de metrô
poucos minutos antes de seu fechamento. Estação vazia. No
vagão do metrô que peguei, só eu.

53
Isailton Reis

Foto 20A – Um retorno a sós

54
NOS PASSOS DO POETA

Depois de ser o último a sair da estação de metrô,


próxima ao hotel, um segurança me fitou, como a dizer: “Só
tu aqui?”. Eu estava sob os efeitos da garrafa de vinho que
bebera só naquela noite de fado.
“Sou eu” (como se alguém já soubesse), falei no porteiro
eletrônico, ao lado da porta fechada do hotel. “Que queres?”,
uma voz perguntou. “Entrar”, eu disse, sou o hóspede do
quarto 412. Depois de um clique, liberando minha entrada,
subi até o quarto.
Com certeza guardarei para sempre estas memórias
fadistas, que tratei logo de anotar:

55
Isailton Reis

Noite de fados e vinhos

Quantas vezes e deste jeito


O poeta assim chegou?
Procurando por amores que por algum lugar deixou.
Eu matei minha saudade com um toque no celular.
O que faria o poeta para a sua matar?
Esta noite celebrada com fado
Que em mim lembrança deixou
Deu-me boas coisas da vida
Sempre boas de acontecer.
Chorando, rindo, cantando.
Marcando o bom viver.

ISAILTON REIS

Depois das anotações e toques ao celular, fui dormir.


Mas lembrei-me de uma das cartas do poeta a seu amor:

Meu querido amorzinho:


Hoje tenho tido imenso que fazer, que
fora do escritório, que aqui mesmo.
Vão duas linhas, para te provar que te não
esqueço — como se fosse muito fácil eu
esquecer-te!

56
NOS PASSOS DO POETA

... Desculpa-me eu não te escrever mais,


sim? Amanhã, à hora do costume nos
encontraremos e falaremos.
(Trecho de carta de Fernando Pessoa para
sua namorada Ofélia — do livro Cartas de
amor de Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz)

57
VISITA À CASA DO POETA

Na terça 11-10-2016 eu tinha uma reunião, marcada na


Universidade de Lisboa, com o coordenador do Doutorado
em Gestão de Recursos Humanos, professor Miguel Lopes.
Programei visitar, antes, a casa onde Fernando Pessoa passou
seus últimos 15 anos de vida. Lá visitei a reconstituição de
seu quarto, de seu baú de escritos, que até hoje intriga os
pesquisadores de sua obra e ousei colocar meu primeiro
livro de Gestão que ofertaria ao professor ao lado dos seus
na cômoda, onde, segundo relata em seus textos, escreveu
de uma só fez o poema “Guardador de rebanhos”:

[...] acerquei-me de uma cômoda alta, e,


tomando um papel, comecei a escrever, de
pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi
trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de
êxtase cuja natureza não conseguirei definir.
[...] E o que se seguiu foi o aparecimento
de alguém em mim, a quem dei desde logo
o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o
absurdo da frase: aparecera em mim o meu
mestre. (Trecho de uma carta de Fernando
Pessoa ao amigo Adolfo Casais Monteiro.
Fonte: Eu, Fernando Pessoa – em quadrinhos.)

59
Isailton Reis

Cheguei cedo à Casa Fernando Pessoa, que fica na Rua


Coelho da Rocha, no 16, no bairro Campo de Ourique. Ainda
não estava aberta; então resolvi andar pela rua onde outrora
ele muito havia caminhado. Numa esquina, um café. Entrei,
bebi uma xícara e comi um pastel de Belém. Deleitava-
me com ares outrora vividos por ele... E, de repente, vozes
cantam músicas rotineiras de meu ouvir no Brasil. Surpreso
e feliz, cantarolei provando a boa pedida que chegou.
Coincidências ocorrem, eu sei. Esta, além de ocorrer,
alegrou-me e lembrou-me de grandes poetas que ouço em
minha terra.

Foto 21 – Num café próximo à casa do poeta

60
NOS PASSOS DO POETA

Musica que tocava: O cuitelinho (Pena Branco e Xavantinho)

Cheguei na beira do porto


Onde as onda se espaia
As garça dá meia volta
E senta na beira da praia
E o cuitelinho não gosta
Que o botão de rosa caia, ai, ai
Ai quando eu vim
Da minha terra
Despedi da parentáia
Eu entrei no Mato Grosso
Dei em terras paraguaia
Lá tinha revolução
Enfrentei fortes batáia, ai, ai
A tua saudade corta
Como aço de naváia
O coração fica aflito
Bate uma, a outra faia
E os óio se enche d’água
Que até a vista se atrapáia, ai.

61
Isailton Reis

Foto 22 – Fachada da casa do poeta

Foto 23 – Casa do poeta

62
NOS PASSOS DO POETA

Foto 24 – Casa do poeta

Foto 25 – Nos passos do poeta

63
Isailton Reis

Foto 26 – Baú na casa do poeta

Foto 27 – Cômoda na casa do poeta

64
NOS PASSOS DO POETA

Foto 27A – A cômoda na casa do poeta. Ousando aproximar


meu segundo livro Gestão Empreendedora. Cenário
Mágico.

65
RELATOS DE UM CAMINHAR:
PROSAS, POESIAS, REFLEXÕES

Segue o teu destino

Segue o teu destino,


Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só.


Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

67
Isailton Reis

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.

FERNANDO PESSOA

68
NOS PASSOS DO POETA

Lembro-me que sentei no ponto inicial e fiquei


imaginando como seria naquele canto, na época do poeta,
desembarcar em Lisboa.
Diz ele que “Desembarcar é fácil e relativamente rápido;
costuma fazer-se num ponto da margem onde abundam os
meios de transporte”.

(Fonte: Livro-Lisboa: o que o turista quer ver.)

69
Isailton Reis

Foto 28 – Primeiras anotações no início da caminhada

Foto 29 – Doca de Alcântara. Início da caminhada

70
NOS PASSOS DO POETA

Foto 30 – Placa no início da caminhada

Foto 31 – Doca de Alcântara. Já deixando para trás

71
Isailton Reis

Legenda: Resumo dos quilômetros caminhados

72
NOS PASSOS DO POETA

INICIANDO UMA CAMINHADA

12.10.2016

Após planos, sonhos (dormindo e em vigília) e chegada,


aqui estou, poeta, no porto de partida.
Doca de Alcântara, de onde convidas o turista a
conhecer a tua terra, Lisboa. Há 91 anos (segundo estudos,
o livro foi escrito em1925), imaginaste uma visita à tua boa
terra.
Pelos ares cheguei e aqui estou a aceitar o teu convite.
Mas, só um detalhe...
Vamos andando?
Todo início guarda expectativas, não só do começar,
pois já comecei. Mas, aonde vou chegar? Dado o passo
inicial, aqui estou aberto a viver o que virá... Sigamos, pois.
Além do sentimento de prazer por estar aqui e
expectativas do que virá, mais uma vez a saudade. Ela,
a companheira inseparável, cutuca-me na lembrança
amorosa. Sigamos.
No Museu Oriente, ainda na Doca de Alcântara, resolvi
não entrar. Visitei somente o espaço externo, área da
recepção e loja. Estes já me conduziram a algumas imagens.
Sigamos, pois o dia será longo e quero mesmo é ver Lisboa.
Chuva. Bons presságios para lembrar também que
graças àquelas que amo, a chuva não me perturbará tanto,

73
Isailton Reis

pois um casaco, que elas escolheram e me presentearam


para o caminhar, me acolheu.
A chuva aumentou. E aí poeta, uma confeitaria, a
Nacional, à beira do cais, me recebeu tão simpática e com
um cardápio feito à medida para um caminhante como eu.
Escolhi pastel de Belém e um galão de café com leite. De
repente, mente e mãos se encontram...

74
NOS PASSOS DO POETA

VEM COMIGO, SAUDADE

Se não pensasse na saudade


Não iria ela cultivar?
Mas, quem mandaria onde ela está a emanar?
Para a mente,
Para o coração
E a saudade vai passar?
E como faço para viver longe, aqui neste lugar?
Mas como viver o que vivo
Quando olho ao meu redor?
Barcos que me levariam.
Para braços acolhedores?
Mas ficar ainda é preciso...
Se não tenho como evitar...
Convidarei a saudade,
Para tranquila, me acompanhar.
Que venhas e vivas ao meu lado.
Até o dia em que eu daqui partir.
Divirta-se comigo saudade.
Num canto aqui e outro ali.
Seremos companheiros,
Mas contigo não vou me acostumar.
Pois melhor que tua companhia,
São os braços a me esperar.

ISAILTON REIS

75
Isailton Reis

O sentir, o escrever, o alimentar deram-me forças pra


retomar o caminhar.

Foto 33 – Cafeteria Nacional

Foto 34 – Cafeteria Nacional. Um bom menu para o


peregrino

Pois é, poeta. Saudades. Mas tu já falaste sobre isso.

76
NOS PASSOS DO POETA

Saudade

Ó sino da minha aldeia,


Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.
 
E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.
 
Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho.
Soas-me na alma distante.
 
A cada pancada tua
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.

FERNANDO PESSOA

Continuemos. A chuva parou, já lavou o que devia. E o


café aqueceu-me.

77
Isailton Reis

Foto 35 – Companheiros inseparáveis. Nem imaginam


nesta hora o quanto rodariam

Museu Nacional de Arte Antiga. Visitei obras


magníficas. A arte... Ah, a arte! Transporta-nos a outros
cantos, a outros momentos. Em sua a maioria, as obras que
vi são dos séculos XVI a XVIII. Sempre viva na memória a
arte, poeta, como a tua está.
Ao descer as escadarias tirei uma foto de dois turistas.
Um casal que acredito ser de mais de 70 anos cada um, de
mãos dadas a subir em direção à entrada do museu. Se eu
artista fosse, poeta, cravaria aqui, por foto ou pintura que
fosse, uma expressão para nunca poder perder esta visão.

78
NOS PASSOS DO POETA

Foto 36 – Um casal no museu. O amor

79
Isailton Reis

O amor

Ah! O amor
Ardente, caliente,
Ou apenas sentido
Nos faz caminhar e seguir
E viver e sentir
Ah, o amor!

ISAILTON REIS

80
NOS PASSOS DO POETA

Terminei o primeiro dia, poeta.

Após oito horas, vinte e um minutos e um segundo.


Cheguei ao ponto de onde saí, o meu hotel, na Praça dos
Restauradores. Bem no centro. Sim, no centro onde indicaste
que se hospedasse o turista ao conhecer tua Lisboa. Aliás,
nada melhor... Da janela de meu quarto, vejo, ouço, aspiro os
aromas e saboreio a vida; não demoro a sair para encontrar
tanta gente, monumentos, cores, parques, jardins. Tanto
que, ao chegar da caminhada do dia, aqui estou ao lado do
hotel, degustando uma pizza italiana com um bom vinho
português da região do Alentejo. Sento-me numa mesa na
calçada do Il Mulino Ristorante e observo os transeuntes,
relembro o dia que vivi: Doca de Alcântara, Museu do
Oriente, Confeitaria Nacional, Museu de Arte Antiga,
Avenida 24 de Julho, tantas praças, Mercado da Ribeira, Cais
do Sodré, Praça do Município, Câmara Municipal, Museu
do Dinheiro, Paço Imperial, Restaurante Nova Pombalina
– que sanduiche de leitão! (dica de um jornalista), Café
do Martinho, Rua do Ouro, Elevador da Justa, Praça do
Rossio, Praça da Ribeira, Praça dos Restauradores, Avenida
Liberdade, Praça Marquês de Pombal e, de volta, a Praça dos
Restauradores. Foram 26,98 quilômetros, poeta, a pé, como
te propus. Sem cansaço ainda. Vontade de viver Lisboa
como a sonhei antes de vir. E a companhia? Ah, a saudade!
Está aqui, sentada à minha frente.

81
Isailton Reis

Foto 37 – Um brinde ao dia

Foto 38 – Rua de restaurantes ao lado do hotel

82
NOS PASSOS DO POETA

Foto 39 – Mesa que me acolheu.

83
Isailton Reis

A saudade me olha

Sentada aqui à frente


Fica sempre a me fitar.
Perguntando-me por que a chamei
Para comigo caminhar.
Sua voz grita em minha mente
Se quisesse não estaria aqui,
Foi você quem me escolheu
Para contigo partir.
Deixaste no teu aconchego
Aquelas que te fazem feliz.
Por que me trouxeste
Pras banda deste país?
Pergunta-me ela
A fitar-me
Fitar-me e instigar-me
Que por momentos me vem a mente
Que faço neste lugar?
Mas deixe-me falar saudade
Deixe-me também falar.
Venho em busca de aventuras
Aqui neste lugar
São aventuras que muitas vezes
Precisamos viver só.
Mesmo que tu venhas junto.
Gostando ou não.
Falando à minha mente

84
NOS PASSOS DO POETA

Doendo ao coração.
Como diria o poeta
“Navegar é preciso”.
Diria que viver também.
Mesmo que ao seu lado,
Não esteja quem te queira bem.
Então companheira saudade
Pare só de me olhar
Admire-me um pouco
Pois estou a te aguentar
E além de viver
É preciso navegar.
Já te disse que pode
Comigo um pouco ficar
Mas não me olhes deste jeito
Sempre a me censurar.
Te trouxe e estás comigo.
Seja uma boa companheira
Pois não terei tua presença
Aqui para a vida inteira.

ISAILTON REIS

Pois é, poeta, alimentado a carne e o espírito, volto


agora a meu hotel, como Ricardo Reis, subirei as escadas
até o quarto. E lá prepararei meu caminhar de amanhã. Por
hoje cumpri, não o destino, mas o planejado.

85
Isailton Reis

Cada um cumpre o destino que lhe cumpre 

Cada um cumpre o destino que lhe cumpre, 


E deseja o destino que deseja;
Nem cumpre o que deseja,
Nem deseja o que cumpre.

Como as pedras na orla dos canteiros 


O Fado nos dispõe, e ali ficamos;
Que a sorte nos fez postos
Onde houvemos de sê-lo.

Não tenhamos conhecimento


Do que nos coube que de que nos coube. 
Cumpramos o que somos.
Nada mais nos é dado.

RICARDO REIS (heterônimo de Fernando Pessoa)

86
NOS PASSOS DO POETA

Legenda: Rota caminhada 12.10.16

87
Isailton Reis

13-10-2016

Sete da manhã. Já estou pronto para mais um mergulho


em Lisboa, em teus passos, poeta. Apesar de hoje eu não
seguir a sequência que indicas em teu livro, vou numa rota
definida por ti. Modifiquei-a para, no próximo sábado,
participar de uma aula na Universidade de Lisboa.
A proposta do dia é andar por aqui, pelo Centro, nos
cantos onde andavas a pé e refletias com teus companheiros
de escrita (Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis,
Bernardo Soares...)
Teatros, cafés, livrarias, museus... Estes serão os cantos
anunciados por ti com os quais meus olhos hoje irão com
certeza se encantar.
Sigamos. Ouso, após subir o Chiado, tomar um café
e anotar reflexões ao lado de tua estátua, aqui, no café A
Brasileira.

88
NOS PASSOS DO POETA

Foto 40 – Estátua de Fernando Pessoa no café A Brasileira

Foto 41 – Um café ao lado do poeta

89
Isailton Reis

Foto 41 A – Praça Luís de Camões

Quantas vezes tu sentaste aqui? Quantas vezes aqui


anotaste, em teus costumeiros pedaços de papel, o que te
vinha à mente e ao peito?
Hoje vejo é que muitos aqui passam e querem te
fotografar. A ti não, a uma estátua que fizeram de ti. Estás
de pernas cruzadas, parado. Combinas contigo? Penso que
não muito. Dizem que gostavas muito de caminhar aqui,
por entre becos e ladeiras. Então, já que inquieto estou e já
provei um bom café, vou continuar seguindo teus passos.
Minutos depois, já me encontro em frente à casa onde
nasceste, poeta. Sentei-me para descansar, admirando os
cantos por onde acredito que brincavas. Na frente, o Teatro

90
NOS PASSOS DO POETA

São Carlos e, próximo, o Museu de Arte Contemporânea.


Parto para lá.
No museu, que transcreveste tão bem em teu livro, penso
que não imaginavas as obras que lá vi em uma amostra pós-
modernista. Belas obras. Muita coisa virou arte, poeta. Dois
vídeos me impressionaram. Em um deles, um abutre num
escritório: ele sozinho, destruindo papéis e esvoaçando,
feroz. Outro vídeo mostra a reforma de um prédio novo
para expansão do museu. Trabalhadores no labutar diário.
Tudo apresentado como arte.
Talvez Ricardo Reis enquadrasse aqui a sua prática de
um verso que sempre gosto de refletir quando as coisas
que me passam pelos olhos me pedem algum tempo
para reflexão. Ele dizia: “Sábio é o que se contenta com o
espetáculo do mundo”. Contentei-me, por ora, ao ver os
vídeos. Continuemos. Vou adentrar o Chiado...

91
Isailton Reis

Sábio é...

Sábio é o que se contenta com o espectáculo do


mundo,
E ao beber nem recorda
Que já bebeu na vida,
Para quem tudo é novo
E imarcescível sempre.
Coroem-no pâmpanos, ou heras, ou rosas volúteis,
Ele sabe que a vida
Passa por ele e tanto
Corta à flor como a ele
De Átropos a tesoura.
Mas ele sabe fazer que a cor do vinho esconda isto,
Que o seu sabor orgíaco
Apague o gosto às horas,
Como a uma voz chorando
O passar das bacantes.
E ele espera, contente quase e bebedor tranquilo,
E apenas desejando
Num desejo mal tido
Que a abominável onda
O não molhe tão cedo.

RICARDO REIS (heterônimo de Fernando Pessoa)

Belos lugares viram meus olhos. É realmente instigante


andar por aqui.

92
NOS PASSOS DO POETA

Foto 42 – No Chiado. Traseuntes e artes nas pedras

Foto 43 – Praça Luís de Camões

93
Isailton Reis

Andando pelo Chiado

Ando e vejo transeuntes


Que nunca vi
E pode ser que nunca mais
Irei ver.
Alguns fazendo o que faço, nas horas vagas,
E no labutar.
Mas diferentes somos no jeito de olhar.
Olho e os vejo
E o tempo passando.
Interrogo-me o que estão a pensar.
O que fazem de suas vidas
Por que neste momento estão por cá.
Mas não há o que se interrogar...
É melhor observar, observar.
E viver a arte de andar.
Ando, olho, leio, fotografo.
Observo um canto aqui
Observo um canto lá.
Olho lábios, olhos e pernas que passam...
Transeuntes a me instigar.
Como interrogar não é preciso...
Deixe-me ficar a observar.
Vou curtindo o passar do tempo...
E onde pode ele me levar?
Aqui e hoje a teus passos.

94
NOS PASSOS DO POETA

Mas isso aqui também vai passar.


E passando o tempo, te acompanho.
E como hoje não irei interrogar
Pois deixarei que me leve,
De volta ao meu lugar.

ISAILTON REIS

Parei, poeta. Vou alimentar o corpo e carregar o meu


aparelho de me comunicar. Chamam-no de “celular”.
Preciso dele para manter-me mais próximo de onde vim e
acho que também com os pés no chão. Delego a ele, nestes
dias, o papel de marcar meus passos que te seguem. Sigamos.
15h18 no MacDonalds do Chiado.
Cheguei agora ao Miradouro de São Pedro Alcântara.

Foto 44 – Miradouro São Pedro Alcântara


Que vista!

95
Isailton Reis

À minha frente, ao longe e no alto, o Castelo de São Jorge,


que visitarei amanhã. Se baixo um pouco o olhar, encanto-
me com os inúmeros telhados como um tapete flutuando
acima das ruas. Lisboa merece o amor de um poeta.
Aqui fico algum tempo para prosseguir minhas
observações e reflexões. Os transeuntes continuam a passar
pelos meus olhos, e eu ainda sem saber o que se passa por
seus pensares. Sentei-me aqui para falar contigo. E ao meu
lado senta-se alguém. Uma bela portuguesa. Fotografei-a
mentalmente: olhos verdes, pele branca, cabelo claro e curto,
seu olhar, mesmo vendo-a aqui ao lado, me transparece um
olhar perdido no tempo, um sem saber onde olhar, mas
parece perceber, como eu, os transeuntes a passar, passar,
passar.
Fosse eu Ricardo Reis, talvez a convidasse para me
seguir, como convidou Lídia.

96
NOS PASSOS DO POETA

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.

Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos


Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.

(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida


Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena
cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o
rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a
voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre
correria,
E sempre iria ter ao mar.

97
Isailton Reis

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,


Se quise’ssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.
Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento –
Este momento em que sossegadamente não cremos em
nada,
Pagãos inocentes da decadência.
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.
E se antes do que eu levares o ó’bolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim – à beira-
rio,
Pagã triste e com flores no regaço.

RICARDO REIS (heterônimo de Fernando Pessoa)

Com este poema em mente e a portuguesa em fantasias,


findei mais um dia de caminhada, poeta. Meu instrumento
de contar passos marca 20,97 quilômetros.
Após um banho, fui ao Festival de Cinema Francês.
Assisti a um filme no cinema São Jorge, na Avenida

98
NOS PASSOS DO POETA

Liberdade: Le grand partage / Bem vindos, mas não muito,


direção de Alexandra Leclère. Uma boa reflexão sobre
a solidariedade e as ditas boas vontades. Uma fisgada na
mente. Após jantar, fui caminhar no Rossio. Noite fresca
e luzes mornas, ao ponto de fazer-me lembrar novamente
de “minha Lídia”, lá do mirante da tarde. É, poeta, são as
fantasias... Que seríamos de nós sem elas? E dos poetas?

Foto 45 – Cartaz do Festival de Cinema Francês. Uma grata


surpresa

99
Isailton Reis

Foto 46 – Cinema São Jorge

Ainda acompanhado de algumas fantasias, relembro e


reflito sobre o intenso dia vivido nesta cidade tão linda. Dia
dedicado às artes. Leituras, músicas, poesias, arquiteturas e
cinema. Muito bom, poeta. É mundo a se admirar e viver.
Uma pena é que nem todos têm acesso e eu não me empenhe
mais para este acesso chegar aos que não o têm. Chegará a
hora de minha contribuição? Espero, poeta. Espero.

100
NOS PASSOS DO POETA

Legenda: Rota caminhada 13.10.16

101
Isailton Reis

14-10-16

Começo o dia aqui, poeta, onde muitas vezes sentaste.


E escreveste também para Ofélia, teu amor. Estou no Café
Martinho da Arcada, na grande e muito bonita Praça do
Comércio.

Meu querido bebé pequeníssimo: Estou aqui


no Martinho da Arcada, são 3 e meia da tarde,
e tenho completo o meu dia — isto é, está
feito tudo quanto, de alguma importância, eu
tinha que fazer antes das 6 horas. (Carta de
Fernando Pessoa para Ofélia. Em Cartas de
amor de Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz).

102
NOS PASSOS DO POETA

Foto 47 – Fachada do café Martinho da Arcada

Foto 48 – Mesa do poeta no café Martinho da Arcada

103
Isailton Reis

Foto 49 – Praça do Comércio e o cais. Visão da Porta do


Martinho da Arcada.

Fui até tua mesa, ainda aqui preservada. Fotos, chapéu,


apetrechos para o degustar de um bom café.
Um destaque numa placa: “Ah, todo cais é saudade de
pedra”, relembrando a escrita de um de teus “amigos” (Ode
de Álvaro de Campos).
À frente, o cais da “eterna saudade da perda”. As águas
do Tejo aqui continuam a nos lembrar que navegar sempre
será preciso...

104
NOS PASSOS DO POETA

Foto 50 – Miradouro da Graça

Sigamos, poeta. Que o dia hoje promete boas vistas em


Miradouros e lugares que já me instigaste na leitura de teu
guia.
Que subida! Aqui estou no Miradouro da Graça.

105
Isailton Reis

Foto 51 – Igreja da Graça

Sentado à porta da Igreja Nossa Senhora do Monte.


A vista lá fora é deslumbrante, o vento refresca o calor da
subida só para mostrar que marca presença por ali. E o
silêncio neste ambiente propicia o agradecer.

106
NOS PASSOS DO POETA

Agradeço

Deus, eu te agradeço
Por aqui estar,
Pelos caminhos percorridos
E os ainda a caminhar
Obrigado pela vontade
De pelo mundo aventurar-me
Levando na bagagem muita felicidade.
Que a tua luz, que me guia,
Comigo esteja também.
A paisagem daqui me eleva
A também dizer amém.

ISAILTON REIS

Visitei o Panteão Nacional e o Museu do Azulejo. Na


saída do Panteão, abordando um guia turístico sobre o
trajeto que estava em mãos, ele me disse: “Mas é longe.
Precisa pegar um carrinho destes aqui”. E mostrou-me
seu meio de transporte. Recusei. Mal sabia ele de minha
companhia, poeta. E segui a pé. Visitei o museu. Ida e volta
passando por pontes e vias mais modernas. Fui ao porto, à
estação de trem e, já quase ao cair da tarde eu estava de volta
às beiradas de Alfama para visitar a Casa dos Bicos e subir
para o Castelo...

107
Isailton Reis

Foto 51A – O Panteão Nacional

Foto 51 B – Uma das salas do Museu do Azulejo

108
NOS PASSOS DO POETA

17h25 – Já estou no Castelo de São Jorge, poeta. Boa


subida. É mesmo de encantar esta tua Lisboa. Como é
bom caminhar por estas ruas de Alfama! Nem os fados
conseguem transmitir os detalhes do sentir quando a gente
por aqui passa. Olhares em janelas, sorrisos no ar, roupas
nos varais, poemas em paredes...

Foto 52 – Becos e escadarias do Alfama de dia

Foto 53 – Um bonde no Alfama.

109
Isailton Reis

Antes de adentrar estas belas ruas, passei na casa de José


Saramago. Um mestre das letras, um romancista. E, como
tu, encanta leitores.
Hoje vejo daqui o que ontem vi do outro lado,
lembrando-me dos “cantos” de ontem... E, assim, como
não concordar com a frase de Saramago, lida na visita à sua
casa (a Casa dos Bicos)? Diz ele: “Moramos em lugares, mas
vivemos de recordações”.

Foto 54 – Casa dos Bicos (Fundação José Saramago)

110
NOS PASSOS DO POETA

Foto 55 – Casa dos Bicos (Fundação José Saramago)

Das outras vezes que por Lisboa pisei não conheci este
canto onde agora estou, poeta. Belo canto, este jardim do
Castelo. Mais uma vez se desenham sobre os olhos os tapetes
que formam os telhados do casario lá embaixo.
É também um bom canto para viver momentos a dois.
Talvez tenhas trazido tua Ofelinha aqui. E aqui aproveitaram
desta vista que resume Lisboa, com cais, telhados, casarios,
praças...
Eu, por minha vez, por aqui estou só. Mas tenho um
bem para lembrar. Um dia voltarei com meu bem e aqui
cultivaremos nosso amor.
Que bela cidade vejo daqui, poeta!

111
Isailton Reis

Foto 56 – Avistando o Castelo de São Jorge

Foto 57 – Castelo de São Jorge

112
NOS PASSOS DO POETA

Foto 58 – Jardins do Castelo de São Jorge

Hoje, ao longo do dia, foram 12 horas de caminhada.


Muitas... Muita coisa a se admirar e lembrar passou por
olhos que, como os pés, não cansam de por aqui rodar.
Qualquer escrita sempre será impotente para transmitir
uma avaliação.
Já são 21h. Parei por aqui, próximo ao hotel, para comer
um delicioso bacalhau. Hoje foi puxada a caminhada, mas
valeu cada minuto. Ver o pôr do sol no Castelo de São Jorge
foi marcante, alimentou-me a alma para a próxima jornada.

113
Isailton Reis

Foto 59 – Pôr do sol no Castelo de São Jorge.

Foto 59A – O famoso bacalhau português

114
NOS PASSOS DO POETA

Imagem inesquecível que me levou a aprofundar e


refletir meu gosto pela fotografia. Por isso coloco tantas
aqui e como foi difícil escolher entre outras tantas.
Gosto de fotografar. O tempo, as paisagens, a vida...
Tenho muitas. Pode ser minha forma de arte, pode ser
minha poesia. São muitas, poeta. E muitas histórias juntas
com os cliques.
Para fechar a noite, os preparativos para amanhã. Esta
agenda foi aqui incluída. Vou à Universidade para uma
“aula experimental” do Doutorado. Contato com colegas,
mostrar interesse ao professor com quem já me reuni antes.
Levar informações para refletir muito sobre esta decisão. Por
outro lado, poeta, vir fazer aqui este curso pode representar
mais um tempo longe das “meninas”. Não sei se será algo
legal nem pra mim, nem pra elas... Mas vou ver... Ao voltar
matutarei uma forma boa para todos. Como diria Ricardo
Reis: “Tudo tem seu tempo”.

115
Isailton Reis

Cada coisa a seu tempo tem seu tempo 

Não florescem no Inverno os arvoredos,


Nem pela Primavera
Têm branco frio os campos.
À noite, que entra, não pertence, Lídia,
O mesmo ardor que o dia nos pedia.
Com mais sossego amemos
A nossa incerta vida.

À lareira, cansados não da obra


Mas porque a hora é a hora dos cansaços,
Não puxemos a voz
Acima de um segredo,

E casuais, interrompidas sejam


Nossas palavras de reminiscência
(Não para mais nos serve
A negra ida do sol).

Pouco a pouco o passado recordemos


E as histórias contadas no passado
Agora duas vezes
Histórias, que nos falem

Das flores que na nossa infância ida


Com outra consciência nós colhíamos

116
NOS PASSOS DO POETA

E sob uma outra espécie


De olhar lançado ao mundo.

E assim, Lídia, à lareira, como estando,


Deuses lares, ali na eternidade
Como quem compõe roupas
O outrora compúnhamos

Nesse desassossego que o descanso


Nos traz às vidas quando só pensamos
Naquilo que já fomos,
E há só noite lá fora.

RICARDO REIS

117
Isailton Reis

Legenda: Rota caminhada 14.10.16

118
NOS PASSOS DO POETA

15-10-2016

Aula na Universidade de Lisboa, poeta. Onde tu


estudaste. Aqui estou na sala 5 do piso 3: aula de seminários
de pesquisa — metodologia. A cada minuto passado aqui,
confirmo o quanto foi importante ter vindo. Boas dicas de
estudos, em uma manhã que passou num piscar. Um bom
passo para iniciar meus estudos de Doutorado. Conheci os
brasileiros que aqui estão. E entre prosas com o professor
orientador, descobri que escreveram um livro sob tua visão
de gestão: Organizem-se! A gestão segundo Fernando Pessoa.
Que surpresa incrível esta foi!

119
Isailton Reis

Ao voltar para o hotel, algo inusitado para mostrar


como o mundo continua pequeno. No ponto de ônibus,
observo três brasileiros conversando. Ao entrar no ônibus,
um dos três — um senhor — me perguntou: “És do Rio?”.
“Não”, respondi. E ele: “Mas já te vi”. Falei que eu o tinha
ouvido dizer que estudou em Vila Real. “Pode ter sido da
UTAD (Universidade Trás-os-Montes), estudei lá também”,
acrescentei. “Ah, sim. Então é de lá”, confirmou ele.
Conversamos durante toda a viagem, recordando alguns
eventos que ocorreram no período de julho em Vila Real
e percebemos que, mesmo sem estar juntos, tínhamos
participado daqueles eventos. Ele saltou. Eu segui. Com
seus contatos... Segui certo de que, se um dia eu voltasse
para estudar aqui, não estaria tão sozinho em tuas terras,
poeta. Porque o mundo é realmente pequeno.
Cheguei ao hotel no início da tarde e, após o banho, fui
novamente ao Festival de Cinema Francês. Filme escolhido:
Madame Bovary, direção de Sophie Barthes, adaptação do
romance homônimo de Gustave Flaubert. Após a sessão,
fui ao Chiado, à Feira de Alfarrábios e ao Bairro Alto. Mais
encantos, cantos, olhares e espiares... A noite festejava
com frescos ares, que não eram de arrepiar, mas de marcar
presença num sábado onde boêmios e turistas já tinham
escolhido para comemorar não sei o quê, mas, pelos copos
a brindar, fados a tocar, risadas a alegrar, deixei marcada em
mente mais uma noite lisboeta.

120
NOS PASSOS DO POETA

Foto 60 – Fachada da Faculdade de Lisboa (ISCSP) onde


tive aula

Foto 61 – Jardins e refeitório da Faculdade de Lisboa


(ISCSP) onde tive aula

121
Isailton Reis

Foto 62 – Cartaz do Festival de Cinema Francês. Uma grata


surpresa

Foto 63 – Cinema São Jorge.

122
NOS PASSOS DO POETA

Andei, visitei bares e lugares inusitados pela diversidade


de gentes, línguas, cantos e forma de aproveitar a noite
lisboeta.

Foto 64 – Feira dos Alfarrabistas no Chiado

Foto 65 – Ruelas do Bairro Alto num sábado à noite

123
Isailton Reis

Foto 66 – Ruelas do Bairro Alto num sábado à noite

Foto 67 – Ruelas do Bairro Alto num sábado à noite

124
NOS PASSOS DO POETA

Pessoas dos mais diferentes cantos. Senti-as ouvindo-


as nas paradas, nas entradas nos lugares e a cada olhar
fiquei mais uma vez impressionado pela diversidade de
vidas, artes, escritores e cantos do lugar... Resolvi não parar
para beber ou comer algo. Andei e andei, retornei ao hotel,
trazendo vinho e pães portugueses, para, da varanda, mais
uma vez conversar contigo e me preparar para mais um dia
de caminhar.
Antes de adormecer, e em meio ao nosso prosear
noturno, olhando para os quadros onde apareces e me
acompanha desde a chegada, aproveito também para, “pelos
dedos”, via WhatsApp, falar com alguns amigos e familiares,
num contato que me faz cruzar o Atlântico, mas também
me prende nos olhares.
Vigiando minha prisão, e buscando me afastar da
tela, inicio a leitura de Comboio noturno para Lisboa, do
suíço Pascal Mercier (pseudônimo do filósofo Peter Bieri).
Comprei hoje esse livro na caminhada, lá na Livraria
Bertrand. Deixe-me então, poeta, eu prosear aqui com este
suíço. Boa noite. Amanhã, novo roteiro.

125
Isailton Reis

16-10-16

Estou cansado, poeta. Hoje, foram 30,64 km. Desde o


início da jornada, já se vão 98,46 km. Continuo deslumbrado
com tua Lisboa.

Foto 69 – Parque Eduardo VII

Foto 70 – Aqueduto das Águas Livres

126
NOS PASSOS DO POETA

Foto 71 – Jardim Estrela. Próximo à casa do poeta

Foto 72 – Palácio Nacional da Ajuda

127
Isailton Reis

Foto 73 – Mosteiro dos Jerônimos

Foto 74 – Torre de Belém

128
NOS PASSOS DO POETA

Terminei o caminhar hoje vendo uma boa peça, no


Teatro A Barraca, onde foste lembrado e representado, O ano
da morte de Ricardo Reis, baseada no romance homônimo
de teu conterrâneo José Saramago.
Foi pela leitura de Lisboa em Pessoa, do jornalista João
Correia Filho, que tomei conhecimento desse romance de
Saramago. Que obra de arte, poeta! Nele, Saramago traz
para Lisboa o médico Ricardo Reis, “tua criação”. Lembras
que partiste e ele ficou vivo no Brasil? Pois é. Na ficção de
Saramago, ele volta para Portugal, mas, antes de morrer, te
encontra em Lisboa. Imagina! Leitura instigante.

Foto 75 – Fachada do Teatro A Barraca

129
Isailton Reis

Foto 75A – Ingresso para um belo espetáculo

Foto 75B – Críticas da peça de teatro O ano da morte de


Ricardo Reis

130
NOS PASSOS DO POETA

Na peça, foi emocionante vê-lo representado por um


ator de talento. Peça que me encantou não só pela adaptação
— eu já havia lido o livro — mas também pelo figurino,
cenário e dramaturgia. O ator que representou Ricardo Reis
também foi brilhante. Em mim, por ser um Reis, ficou o
desejo de continuar a estória... Quem sabe, um dia?
Depois da peça, ainda cansado, voltei para o hotel,
levando vinho, pão e uma boa linguiça portuguesa, para
conversar contigo, lembrando mais uma vez as noites
vividas com esta combinação lá nas bandas de Vila Real.
Lembrando tempos bons vividos com amigos que hoje só
me comunico pelo teclar. Lembrando histórias boas de
encontros e prosas.
Lembrando novamente Saramago: “Vivemos de
memórias e habitamos lugares”. Estou eu aqui, então,
vivendo de boas memórias. Hoje mesmo é o aniversário
de uma querida tia. Liguei para ela, e lembramos quando
chegava lá na casa de meus pais, aos domingos, sempre à
tarde. E lembranças como estas, em meio a uma prosa
contigo, respirando os ares da Praça dos Restauradores, só
poderia dar em verso.

131
Isailton Reis

Tardes de domingo

O escritor português José Saramago


Diz que vivemos de memórias e habitamos lugares.
Hoje vejo que ele tem razão.
Aqui, habitando um quarto de hotel, no centro de
Lisboa,
Distante, bem distante da terra natal,
Vivo uma memória
Ao ligar para tia Vinha.
Lembrei vivendo,
Diria o escritor,
Das tardes de domingo em Jequié.
Quando ela e sua turma, filhos e marido,
Chegavam para comer o macarrão de cumadinha.
Assim, tio Ito chamava minha mãe, Elita.
Sentava e, já bem em “altas vivências”, promovidas pelo
álcool,
Trocava ideia como o velho Zai — meu pai.
Eram realmente — hoje depois de passadas, sinto
melhor
Tardes inesquecíveis.
Como Tio Ito, esposo de Vinha, chegava “tomando
umas”.
As prosas eram sempre marcadas por muita alegria.
Após o macarrão com o molho de cumadinha,
O bolo, feito por ela também, era a sobremesa.

132
NOS PASSOS DO POETA

Ali, naquele tempo, encerrávamos uma tarde de


domingo em família.
Tarde para ser lembrada para sempre.
Você, poeta, talvez diria
Que naquelas tardes, além de navegar, pois era preciso.
Vivíamos uma boa vida.
E que bom estar aqui
A viver as memórias daquelas tardes.
Que deixaram marcas em minha mente e coração.
Um brinde, poeta!
Um brinde a Vinha e àquelas tardes de domingo.

ISAILTON REIS

Vou dormir.

133
Isailton Reis

Legenda: Rota caminhada 16.10.16

134
NOS PASSOS DO POETA

17.10.16

Jornada completa, poeta.


Estou aqui, são 16h06, após vinte e alguns quilômetros
do dia. Hoje, depois da Praça de Touros, Biblioteca Nacional,
Museu da Cidade, Universidade de Lisboa, Jardim Zoológico
(este trajeto para o centro próximo à Praça Luís de Camões
fiz de metrô — pois tive que encaixar dois roteiros em um
dia, por causa da aula de sábado na Universidade), Praça
Luís de Camões, Bairro Alto... Chegamos ao Miradouro
de Santa Catarina, onde, há alguns meses, entre leituras,
pesquisas, fotos e fantasias, sonhei terminar a caminhada.
E aqui estou.

Foto 76 – Miradouro de Santa Catarina. Fim da jornada

135
Isailton Reis

Foto 77 – Fim da jornada. Companheiros inseparáveis

Foto 78 – Mirante de Santa Catarina. O Gigante Adamastor

136
NOS PASSOS DO POETA

Foto 79 – Praça de Touros

Foto 80 – Biblioteca Nacional

137
Isailton Reis

Foto 81 – Última noite. Bolinho de bacalhau, vinho do


Porto e o poeta

138
NOS PASSOS DO POETA

Legenda: Rota caminhada 17.10.16

139
Isailton Reis

Legenda: Rota caminhada 17.10.16

140
NOS PASSOS DO POETA

Cheguei ao fim, ao chegar aqui... Recepciona-me no


Miradouro o “Mostrengo Adamastor...” Ele não conseguiu
me abater.

O mostrengo

O mostrengo que está no fim do mar


Na noite de breu ergueu-se a voar;
A roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,

E disse: “Quem é que ousou entrar


Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?”
E o homem do leme disse, tremendo:

“El-Rei D. João Segundo!”


“De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?”
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,

Três vezes rodou imundo e grosso.


“Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?”

141
Isailton Reis

E o homem do leme tremeu, e disse:


“El-Rei D. João Segundo!”
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,

E disse no fim de tremer três vezes:


“Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme

E roda nas trevas do fim do mundo,


Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!”

FERNANDO PESSOA, Mensagem

142
NOS PASSOS DO POETA

É bom sonhar. Realizar sonhos, melhor ainda.


Realizei o meu, a Deus graças dou, Companheiro
inseparável aqui também. Que bom!
Um dia, poeta, eu quero transcrever este caminhar
contigo nesta aventura em aceitar teu convite e seguir teus
passos — isto escrito lá e agora já terminando este sonho
também.
Quero deixar algo escrito para quem quiser, como eu,
seguir teus passos. Mas só deixar escrito. Espero não guardar
a expectativas, que sigam meus passos, pois cada um tem os
seus. Prefiro — talvez seja menos trabalhoso — ficar com o
que disseste:

Para todos nós descerá a noite e chegará a


diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma
que me deram para gozá-la, e não interrogo
mais nem procuro. Se o que deixar escrito no
livro dos viajantes puder, relido um dia por
outros, entretê-los também na passagem, será
bem. Se não o lerem, nem se entretiverem,
será bem também”. (Fernando Pessoa, Livro
do desassossego).

Pois, pois... Por aqui vou seguindo. Amanhã, dia de


voltar ao meu Brasil, tão amado por Ricardo Reis.
E, quem sabe, como já te confessei, um dia voltaremos
a nos falar sobre as andanças dele por lá. Um abraço, poeta.
Obrigado pelas dicas e — quem sabe? — pela companhia.

143
Isailton Reis

Valeu a pena? Tudo vale a pena


Se a alma não é pequena.

FERNANDO PESSOA

A caminhada não foi pequena. E minha alma já veio


grande, quando saí de casa.

144
NOS PASSOS DO POETA

ADEUS…

O navio vai partir, sufoco o pranto


Que na alma faz nascer cruel saudade;
Só me punge a lembrança que em breve há-de
Fugir ao meu olhar o teu encanto.

Não mais ao pé de ti, fruindo santo


Amor em sonho azul; nem a amizade
De amigos me dará felicidade
Igual à que gozei contigo tanto.

Dentro do peito frio meu coração


Ardendo está co’a força da paixão,
Qual mártir exilado em gelo russo...

Vai largando o navio p’ra largo giro:


Eu meu “adeus” lhe envio n’um suspiro,
Ela um adeus me envia n’um soluço.

FERNANDO PESSOA

145
Posfácio

A jornada poética se deu pelo caminhar, observar,


fotografar e respirar os ares de uma Lisboa “um pouco”
diferente da que viveu o poeta, mas presente na beleza dos
casarios, músicas e mirantes.
A volta sempre traz histórias a contar, sentimentos a
relatar. Mas há, também, sentimentos e histórias que letras
e linhas escritas nunca relatarão, apesar de vividas. Essas
me acompanharão. E, se algum dia eu me vir, sem motivos
aparentes, com uma taça de vinho na mão, ou uma xícara de
café, com o olhar perdido, mas um sorriso no rosto e brilho
no olhar, poderá ser a lembrança dos momentos que aqui
relatei... Neste momento, não serei um fingidor.
A escrita, vida e frases de Fernando Pessoa continuam
a cada dia a emocionar-me e levar-me a deliciosas, risonhas
e saudosas reflexões.
Vivamos, pois. O essencial é viver.

147
NOS PASSOS DO POETA

Roteiro dia 12.10.16

1 – Chegada ao local de saída: Doca de Alcântara


2 – Doca Alcântara - Museu do Oriente
3 – Cais de Sodré. (Ver Sol e Pesca (armazém de enlatados)
4 – Passar no Mercado da Ribeira - Lanche
5 – Museu Nacional de Arte Antiga
6 – Praça do Município
7 – Ver na Rua do Comércio o Restaurante Nova Pombalina
- Sanduíche de leitão.
8 – Praça do Comércio - Museu do Design
9 – Café Martinho da Arcada
10 – Museu do Design
11 – Elevador de Santa Justa
12 – Teatro Nacional Dona Maria II
13 – Estação do Rossio
14 – Praça Rossio (Café Nicola, Pastelaria Suíça)
15 – Praça da Figueira (Confeitaria Nacional)
16- Hospital de Bonecas (Casa Macário).

149
Isailton Reis

17- Teatro Nacional - Praça dos Restauradores


18 – Palácio Foz
19 – Praça dos Restauradores - Praça do Marquês de Pombal
20 – Praça do Marquês de Pombal - Elevador da Gloria
21 – Hotel - Praça Restauradores

150
NOS PASSOS DO POETA

Roteiro dia 13.10.16

22 – Praça dos Restauradores - Chiado (Café A Brasileira)


23 – Museu do Chiado (Museu Nacional de Arte
Contemporânea)
24 – Teatro Nacional de São Carlos
25 – Casa onde nasceu Fernando Pessoa
26 – Região do Chiado
a. Café A Brasileira
b. Livraria Bertrand
c. Livraria Sá da Costa
d. Café no Chiado
e. Feira dos Alfarrabistas
f. Grêmio Literário
g. Casa Havaneza
h. Livraria Ferin
i. Livraria Fnac
j. Livraria Portugal
k. Livraria Ailaud & Lellos

27 – Largo do Carmo
a. Praça Luís de Camões (Café A Carioca)
b. Estátua de Eça de Queiroz
c. Restaurante Tavares
d. Rua das Flores

151
Isailton Reis

28 – Igreja de São Roque


a. Museu Arqueológico do Carmo
b. Café Royale
c. Livraria O Mundo do Livro
d. Livraria Artes e Letras
e. Livraria Olisipo
f. Museu de Arte Sacra
g. Teatro Trindade
h. Cervejaria Trindade
29 – Miradouro de São Pedro Alcântara
30 – Escola Politécnica
a. Jardim Botânico
b. Museu de História Natural
c. Museu da Ciência
d. Pastelaria Císter
31 – Hotel - Praça Restauradores

152
NOS PASSOS DO POETA

Roteiro dia 14.10.16

32 – Praça Restauradores — Café do Martinho — Miradouro


da Graça
33 – Igreja da Graça
34 – Miradouro da Graça - Panteão Nacional
35 – Panteão Nacional - Museu Nacional do Azulejo
36 – Museu Nacional do Azulejo — Casa dos Bicos (Museu
José Saramago Oliveira centenária) — Na porta casa
37 – Museu do Fado
38 – Casa dos Bicos — Sé Catedral
39 – Museu de Artes Decorativas
40 – Pois Café
41 – Museu do Teatro Romano
42 – Castelo de São Jorge
43 – Castelo de São Jorge — Miradouro de Santa Luzia
Largo das Portas do Sol
Museu de Arte Decorativa
44 – Praça dos Restauradores

153
NOS PASSOS DO POETA

Roteiro dia 16.10.16

45 – Praça dos Restauradores — Parque Eduardo VII


47 – Jardim Estrela
a. Casa Fernando Pessoa
b. Basílica da Estrela
48 – Jardim da Estrela — Palácio Nacional da Ajuda
49 – Jardim Botânico da Ajuda
50 – Igreja da Memória
51 – Museu da Marinha
52 – Mosteiro dos Jerônimos
53 – Pastelaria de Belém
54 – Museu de Arqueologia
55 – Torre de Belém
56 – Padrão dos Descobrimentos (monumento)
57 – Centro Cultural de Belém
58 – Museu Nacional dos Coches
59 – Teatro A Barraca

155
NOS PASSOS DO POETA

Roteiro dia 17.10.16

60 – Praça dos Restauradores — Praça de Touros de Campo


Pequeno
61 – Praça de Touros de Campo Pequeno — Parque de
Campo Grande
a. Entrecampos
b. Biblioteca Nacional
c. Museu da Cidade
d. Universidade Lisboa
62 – Parque Campo Grande — Jardim Zoológico
63 – Praça Luís de Camões
a. Bairro Alto
64 – Miradouro de Santa Catarina

157
NOS PASSOS DO POETA

Dicas de leitura

Alguns livros para mergulhar melhor no roteiro e nos


escritos de Fernando Pessoa

1 – Lisboa: o que turista deve ver. Fernando Pessoa.


2 – Lisboa em Pessoa: guia turístico e literário da capital
portuguesa. João Correia Ribeiro.
3 – Organizem-se! A gestão segundo Fernando Pessoa.
Fernando Pessoa. Editor: Felipe S. Fernandes.
4 – Livro do desassossego. Fernando Pessoa.
5 – Os mensageiros. Antologia de Fernando Pessoa. Inclui
cd produzido e editado por SevenMuses MusicBooks.
6 – Guia de viagem Lonely Planet Portugal. Lonely Planet
Editora.
7 – Eu, Fernando Pessoa em quadrinhos.   Eloar
Guazzelli (ilustrador). 
8 – As aventuras de Fernando Pessoa, escritor universal.
Miguel Moreira. Ilustrações de Catarina Verdier.
9 – Poesias. Fernando Pessoa. Seleção de Sueli Barros Cassal.
Editora L&PM.
10 – Para compreender Fernando Pessoa. Amélia Pinto Pais.
Editora Claro Enigma.
11 – Mensagem. Fernando Pessoa. Editora Via Leitura.
12 – Poemas completos de Ricardo Reis. Antologia poética
do heterónimo de Fernando Pessoa, Ricardo Reis. Editora
Amargo.

159
Isailton Reis

13 – O ano da morte de Ricardo Reis. José Saramago. Editora


Companhia das Letras.
14 – 1000 Lugares para conhecer antes de morrer. Editora
Sextante.
15 – Guia criativo para o viajante independente na Europa.
Zizo Asnis.  
16 – A essência do comércio. Fernando Pessoa. Babel Editora.
17 – Comboio noturno para Lisboa. Pascal Mercier.
18 – Cartas de Amor de Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz.
Editora: Assírio & Alvim.
19 – Documentário “ O vento lá fora”. Maria Bethânia e
Professora Cleonice Berardinelli.

160
NOS PASSOS DO POETA

E-book

Esste livro foi composto no formato 15,0 x 21,0 cm, fonte Minion
Pro (texto principal) Calibri (títulos e subtítulos), em abril de 2021.
ISBN: 978-65-88707-18-0

9 786 588 70 718 0

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