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FERNANDO PESSOA

ORTÓNIMO
HETERÔNIMOS

UEMA
Editora
Pessoa, Fernando, 1888 —1935

1.ed. Fernando Pessoa (antônimo heterônimos) /

Fernando Pessoa; prefácio, Juliana Silva. – Colinas – MA:


UEMA editora, 2020.
SUMÁRIO

FERNANDO PESSOA

Autopsicografia

Não sei quantas almas tenho

Quando eu não te tinha

Tenho tanto sentimento

O Amor é uma companhia

ALBERTO CAEIRO

É preciso também não ter Filosofia nenhuma

O Tejo

Nem sempre sou igual no que digo e escrevo

RICARDO REIS

Cada um cumpre o destino que lhe cumpre

Breve o dia, breve o ano, breve tudo

Enquanto eu vir o sol luzir nas folhas

ALVARO DE CAMPOS

Acordo de noite, muito de noite, no silêncio todo

Ah a frescura na face de não cumprir um dever!

Ah, onde estou ou onde passo, ou onde não estou nem passo

Começo a conhecer-me. Não existo

BERNADO SOARES

O peso de haver o mundo


PREFÁCIO

Neste livro possui uma coletânea de poesias de Fernando Pessoa e seus heterônimos. Dessa
forma, a proposta deste livro é mostrar a genialidade de Fernando Pessoa, assim, ter um trabalho com
obtenção da segunda nota na disciplina de Literatura Portuguesa do Simbolismo às Tendências
Contemporâneas ministrada no curso de Letras/Português pela a ProfaEsp Elizangela Rodrigues.

Fernando Pessoa foi um dos diretores da revista Orpheu, colaborou com a Presença e fundou a
Athena.

Produziu uma poesia extremamente complexa. Para ele, tudo no mundo é relativo e, para poder
vê-lo sob diferentes ângulos, desdobra sua personalidade em várias outras, como disse: “Multipliquei-me,
para me sentir”. Surgem então os heterônimos de Fernando Pessoa.

Os mais importantes heterônimos são: Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos.

Alberto Caeiro enaltece a simplicidade da vida. Para ele, o importante é sentir o mundo.

Ricardo Reis mostra uma poesia de inspiração neoclássica marcada pelo paganismo e propõe
viver e gozar o momento.

Álvaro de Campos é um poeta futurista, exalta o progresso, mas mostra também a angústia de
seu tempo.

Juliana Silva
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,


Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda


Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Fernando Pessoa
Não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho.


Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,


Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo


Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.

Fernando Pessoa
Quando Eu não te Tinha
Quando eu não te tinha
Amava a Natureza como um monge calmo a Cristo.
Agora amo a Natureza
Como um monge calmo à Virgem Maria,
Religiosamente, a meu modo, como dantes,
Mas de outra maneira mais comovida e próxima …
Vejo melhor os rios quando vou contigo
Pelos campos até à beira dos rios;
Sentado a teu lado reparando nas nuvens
Reparo nelas melhor —
Tu não me tiraste a Natureza …
Tu mudaste a Natureza …
Trouxeste-me a Natureza para o pé de mim,
Por tu existires vejo-a melhor, mas a mesma,
Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,
Por tu me escolheres para te ter e te amar,
Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente
Sobre todas as cousas.
Não me arrependo do que fui outrora
Porque ainda o sou.
Só me arrependo de outrora te não ter amado.

Fernando Pessoa
Tenho tanto sentimento
Tenho tanto sentimento
Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Qual porém, é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.

Fernando Pessoa
O Amor É uma Companhia

O amor é uma companhia.


Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.

Se a não vejo, imagino-a e sou forte como as árvores altas.


Mas se a vejo tremo, não sei o que é feito do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força que me abandona.
Toda a realidade olha para mim como um girassol com a cara dela no meio.

Fernando Pessoa
É Preciso Também não Ter Filosofia Nenhuma

Não basta abrir a janela

Para ver os campos e o rio.

Não é bastante não ser cego

Para ver as árvores e as flores.

É preciso também não ter filosofia nenhuma.

Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.

Há só cada um de nós, como uma cave.

Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;

E um sonho do que se poderia ver se a janela se


abrisse,

Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

Alberto Caeiro
O Tejo

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,

Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia

Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.

O Tejo tem grandes navios

E navega nele ainda,

Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,

A memória das naus.

O Tejo desce de Espanha

E o Tejo entra no mar em Portugal.

Toda a gente sabe isso.

Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia

E para onde ele vai

E donde ele vem.

E por isso, porque pertence a menos gente,

É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

Pelo Tejo vai-se para o mundo.

Para além do Tejo há a América

E a fortuna daqueles que a encontram.

Ninguém nunca pensou no que há para além

Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.

Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

Alberto Caeiro
Nem Sempre Sou Igual No Que Digo E Escrevo

Nem sempre sou igual no que digo e escrevo.

Mudo, mas não mudo muito.

A cor das flores não é a mesma ao sol

De que quando uma nuvem passa

Ou quando entra a noite

E as flores são cor da sombra.

Mas quem olha bem vê que são as mesmas flores.

Por isso quando pareço não concordar comigo,

Reparem bem para mim:

Se estava virado para a direita,

Voltei-me agora para a esquerda,

Mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés —

O mesmo sempre, graças ao céu e à terra

E aos meus olhos e ouvidos atentos

E à minha clara simplicidade de alma ...

Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema XXIX"

Heterônimo de Fernando Pessoa


Cada um cumpre o destino que lhe cumpre

Cada um cumpre o destino que lhe cumpre.

E deseja o destino que deseja;

Nem cumpre o que deseja,

Nem deseja o que cumpre.

Como as pedras na orla dos canteiros

O Fado nos dispõe, e ali ficamos;

Que a Sorte nos fez postos

Onde houvemos de sê-lo.

Não tenhamos melhor conhecimento

Do que nos coube que de que nos coube.

Cumpramos o que somos.

Nada mais nos é dado.

Odes de Ricardo Reis


Breve o dia, breve o ano, breve tudo

Breve o dia, breve o ano, breve tudo.

Não tarda nada sermos.

Isto, pensando, me dê a mente absorve

Todos mais pensamentos.

O mesmo breve ser da mágoa pesa-me,

Que, inda que mágoa, é vida.

Odes de Ricardo Reis


Enquanto eu vir o sol luzir nas folhas
Enquanto eu vir o sol luzir nas folhas
E sentir toda a brisa nos cabelos
Não quererei mais nada.
Que me pode o Destino conceder
Melhor que o lapso sensual da vida
Entre ignorâncias destas?
Sábio deveras o que não procura,
Que, procurando, achara o abismo em tudo
E a dúvida em si mesmo.
Pomos a dúvida onde há rosas. Damos
Quase tudo do sentido a entendê-lo
E ignoramos, pensantes.
Estranha a nós a natureza extensa
Campos ondula, flores abre, frutos
Cora, e a morte chega.
Terei razão, se a alguém razão é dada,
Quando me a morte conturbar a mente
E já não veja mais
Que à razão de saber porque vivemos
Nós nem a achamos nem achar se deve,
Impropícia e profunda.

Poemas de Ricardo Reis


Acordo de noite, muito de noite, no silêncio todo
Acordo de noite, muito de noite, no silêncio todo.
São — tictac visível — quatro horas de tardar o dia.
Abro a janela directamente, no desespero da insónia.
E, de repente, humano,
O quadrado com cruz de uma janela iluminada!
Fraternidade na noite!
Fraternidade involuntária, incógnita, na noite!
Estamos ambos despertos e a humanidade é alheia.
Dorme. Nós temos luz.
Quem serás? Doente, moedeiro falso, insone simples como eu?
Não importa. A noite eterna, informe, infinita,
Só tem, neste lugar, a humanidade das nossas duas janelas,
O coração latente das nossas duas luzes,
Neste momento e lugar, ignorando-nos, somos toda a vida.
Sobre o parapeito da janela da traseira da casa,
Sentindo húmida da noite a madeira onde agarro,
Debruço-me para o infinito e, um pouco, para mim.
Nem galos gritando ainda no silêncio definitivo!
Que fazes, camarada, da janela com luz?
Sonho, falta de sono, vida?
Tom amarelo cheio da tua janela incógnita…
Tem graça: não tens luz eléctrica.
Ó candeeiros de petróleo da minha infância perdida!

Álvaro de Campos
Ah a frescura na face de não cumprir um dever!

Ah a frescura na face de não cumprir um dever!

Faltar é positivamente estar no campo!

Que refúgio o não se poder ter confiança em nós!

Respiro melhor agora que passaram as horas dos encontros.

Faltei a todos, com uma deliberação do desleixo,

Fiquei esperando a vontade de ir para lá, que eu saberia que não vinha.

Sou livre, contra a sociedade organizada e vestida.

Estou nu, e mergulho na água da minha imaginação.

É tarde para eu estar em qualquer dos dois pontos onde estaria à mesma hora,

Deliberadamente à mesma hora…

Está bem, ficarei aqui sonhando versos e sorrindo em itálico.

É tão engraçada esta parte assistente da vida!

Até não consigo acender o cigarro seguinte… Se é um gesto,

Fique com os outros, que me esperam, no desencontro que é a vida.

Poesias de Álvaro de Campos


Ah, onde estou ou onde passo, ou onde não estou nem passo

Ah, onde estou ou onde passo, ou onde não estou nem passo,

A banalidade devorante das caras de toda a gente!

Ah, a angústia insuportável de gente!

O cansaço inconvertível de ver e ouvir!

(Murmúrio outrora de regatos próprios, de arvoredo meu).

Queria vomitar o que vi, só da náusea de o ter visto,

Estômago da alma alvorotado de eu ser…

s.d.

Poesias de Álvaro de Campos

Começo a conhecer-me. Não existo.

Começo a conhecer-me. Não existo.

Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,

Ou metade desse intervalo, porque também há vida…

Sou isso, enfim…

Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulho de chinelas


no corredor.

Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.

É um universo barato.

s.d.

Poesias de Álvaro de Campos.


O peso de haver o mundo

O peso de haver o mundo

Passa no sopro de aragem

Que um momento o levantou,

Um vago anseio de viagem

Que o coração me toldou.

Será que em seu movimento

A brisa lembre a partida

Ou que a largueza do vento

Lembre o ar livre da ida?

Não sei, mas subitamente

Sinto a tristeza de estar

O sonho triste que há rente

Entre sonhar e sonhar.

Bernardo Soares
REFERENCIAS
https://www.revistaprosaversoearte.com/13-belissimos-poemas-de-ricardo-reis-
fernando-pessoa Acessado em 28/07/2020

https://brasilescola.uol.com.br/literatura/os-melhores-poemas-fernando-pessoa.htm

Acessado em: 28/07/2020

https://www.revistaprosaversoearte.com/12-instigantes-poemas-do-poeta-alvaro-de-
campos-fernando-pessoa Acessado em: 28/07/2020
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
(do poema “Autopsicografia”)

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