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de onde eu venho?
qual o ponto de partida?
um traço numa cartografia d’áfrica?
um pranto numa nau sombria?
uma cor vermelha brasílica?
há um caleidoscópio de travessias
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Eucorpoterritório
aline sou
o que é poesia?
olhar as mãos calejadas de meu pai
sentir os olhos cansados de minha mãe
erguer a cabeça enquanto chove
voltar pra casa
partida
sem sentir, nada
apenas a boca salgada
/elas querem falar de poesia/
olhar os traços negro tupi-guarani de meu pai
sentir a memória viva da mãe de minha mãe
baixar a cabeça enquanto velo
voltar pra casa
sem levar nada
apenas a alma ilhada
/elas querem falar/
po·e·si·a
compor versos
forma harmônica
sensibilizar e despertar
/há mais valia se é poesia?/
aqui encerro, pulsando
há dor
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e na magia do dia
sou poesia
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a minha cor
é motivo de elogio amor e dor
a minha cor
é razão para olhares invejosos
a minha cor
não tem paz, não descansa
a minha cor
desperta sentimentos de ódio e vingança
a minha cor
é sempre lembrada sexualizada, sempre
observada inanimada silenciada
é minha cor
ecoa as dores das mulheres pretas
estupradas ontem, hoje e amanhã
a minha cor
reflete o semblante do que tu queres abusar, humilhar
a minha cor
é raiz forte
que há séculos, séculos e séculos e séculos
grita
chora
morre, mas eu nunca deixei de amar
a minha cor
Micaela Sá
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Cama
Mais uma noite chega e mais uma vez aquele desejo queimando a garganta, sinto o meu corpo
inteiro pulsando. Por incrível que pareça não sinto a falta de ninguém. Por incrível, não!
Nunca sinto essa falta. Todas as noites, antes de dormir, o ritual inicia: Penso no contato da
minha mão em meu corpo, meus toques e meus sentidos despertados por mim. Egoísmo
delicioso de me sentir. Narcisismo, talvez. Amor próprio. Prazer próprio. Excitação ao me
perceber em cada pequeno detalhe do meu corpo tão clamado por todos e todas. Ao me ver,
sinto desejo de mim. Da minha boca que faz enlouquecer com sussurros e gemidos. Posso
sentir desde o fio do meu cabelo até o meu sexo pulsando e é por mim. Mais do que me sentir,
registrar essa experiência parece inusitada. Registrar meus espasmos e contrações por
saborear meu corpo e meu gosto. No escuro do quarto, todos os desejos revelados e realizados
somente a quem os interessa. Aos meus instintos eu revelo em imagens e sombras o delinear
do meu corpo e os prazeres a quem jamais revelarei. São meus por essência. De relance, vejo
o meu olhar penetrante de quem come, de quem devora sem espera, porque me faço pronta.
Sinto calafrios, sinto pelos eriçados e poros dilatados. Como se não fosse suficiente sentir em
meu corpo, me dou o direito do duplo prazer: sentir no corpo e no toque o prazer de me
desfrutar.
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Ela(s)
Eu devia seguir, colocar em dia minhas tarefas, mas nada conseguia concluir.
Eu tinha que trabalhar, provas para corrigir, redações que nunca chegavam ao fim, mas
ela a cada minuto se chegava, fazendo casa em mim.
Eu precisava estudar, artigos para entregar, uma monografia para defender e uma tese
para escrever, mas – que bom – tinha uma delícia no meio do domingo.
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Abraço-afago
Renally Luna
a vida é caminho
ponte de corda e madeira
trilha de uma cachoeira
balanço em meio a natureza
passo devagarzinho
na vida caminho
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TRAVESSIA
É sempre sobre ir, travessia é o movimento. Rabisco poemas como quem tem maestria no que
se faz, pelo menos essa é a sensação. Na verdade, são vísceras, gozo e pele. Tudo à
exposição! É a vida acontecendo e a gente devorando. É sobre tragar o indigesto. Café é
droga, amor é vício. É sempre sobre alguma coisa. Alguém te atravessa e pronto! Já tem
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poesia nisso aí. É sobre partir, mas é muito mais sobre ficar. Sobre os restos, sobre os riscos.
O ir sempre acaba quando se chega em algum lugar, mas o que fica será pra sempre o que foi
vivido.
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Haissa Vitoriano
Nota rápida sobre os agravos do meu peito: não tenho estrutura para mergulhos, gosto mesmo
é de lavar os pés de vez em quando.
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Desde pequena conservo este hábito: várias vezes, no dia, ir ao banheiro lavar os pés. Ia
também ao quintal, retirava, com uma cuia, água da lavanderia e molhava meus pés,
esfregando um sobre o outro e os dois sobre a pedra que calçava o terreno. Outro dia ouvi
algo que deve ser verdade, que sofro mesmo é de pés quentes (mas isso nada tem a ver com
sorte).
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Minibiografia das autoras
Thays Albuquerque
@thays.albuquerque.tk
Poeta, negra e feminista. Nasceu em Recife, em 1986, e vive no trânsito entre Pernambuco e
Paraíba desde 2011, já que trabalha como professora de Literaturas Hispânicas na
Universidade Estadual da Paraíba, em Campina Grande. Em 2020, concluiu o Doutorado em
Letras, Teoria da Literatura, na Universidade Federal de Pernambuco. Em 2022, publicou o
livro “o corpo e caleidoscópio”, pela editora Castanha Mecânica. Integra o Ariel Coletivo
Literário, é uma das articuladoras do Podcast Tramando e do projeto As Poetas do Pajeú. Há
anos articula a palavra com a imagem em produções de vídeo-poemas. Entende a literatura de
forma plural, como manifestação cultural cultivada nos mais diferentes espaços e por todo
tipo de gente, e vivencia a poesia como uma postura diante da vida.
aline sou
@4lin3s
mulher negra, natural de Belo Jardim (PE), 1987. atua como pesquisadora, comunicadora,
realizadora audiovisual e produtora cultural. Utiliza dos conhecimentos metodológicos da
formação acadêmica em engenharia novas formas de decodificar o sistema, e enegrecer as
referências. Escritora e performer, parte das próprias experiências para questionar as
limitações impostas à mulher negra, utilizando fotografia e audiovisual para composição.
Fomenta vivências que potencializam sua sensibilidade na construção de oficinas de escrita
criativa para mulheres. Idealizadora do Delas Coletivo, articuladora no Ariel Coletivo
Literário, integrante do Maracatu Estrela Brilhante do Recife e do Coletivo Suçuaranas em
Recife. Escreve, e é poesia.
Micaela Sá
@micaelaletras
Mulher, feminista e brincante com a poesia. Professora de Literatura no sertão potiguar
(UFERSA), doutora em Literatura e Interculturalidade (UEPB), integrante do Ariel Coletivo
Literário. Nos espaços pelos quais tem feito travessia, dissemina e experimenta a poesia como
resistência, potência, suspiro e forma de pensar as possibilidades de ser e estar sujeito.
Renally Luna
@r3n4lly
Mulher, mãe, poeta. Filha de Campina Grande (PB) e moradora do mundo. Professora e
estudante de literatura, amante de todas as letras. Espalha poesias declamando arte com o
Ariel Coletivo Literário. Acredita que escrever é fluxo e energia de vida, é inconsciente que te
leva, e assim escreve quando o vento bate e a palavra vem.
Haissa Vitoriano
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@haissavitoriano
Haissa Vitoriano é paraibana, da cidade de Campina Grande. Mulher e mãe. Com sua mãe
conheceu a poética e o amor pelas letras; como mulher e mãe vive e divide a poesia. Caminha
entre a prosa e o verso, a pesquisa e o ensino. Nem sempre escreve, mas não desgruda da
palavra.
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