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Mariana, 2012
LAIZELINE ARAGÃO DE OLIVEIRA
Mariana, 2012
O482n Oliveira, Laizeline Aragão de.
Nos domínios de Dona Joaquina do Pompéu [manuscrito] : negócios,
famílias e elites locais (1764-1824) / Laizeline Aragão de Oliveira - 2012.
133f.: il. color.; grafs.; mapas.
CDU: 94(81).03:316.344.42(815.1)
Catalogação: sisbin@sisbin.ufop.br
Laizeline Aragão de Oliveira
Banca Examinadora
_____________________________________________________
Profª. Drª. Cláudia Maria das Graças Chaves – Orientadora
Departamento de História/UFOP
_____________________________________________________
Prof. Dr. Antônio Carlos Jucá Sampaio
Departamento de História/UFRJ
_____________________________________________________
Prof. Dr. Renato Pinto Venâncio
Departamento de História/UFMG/UFOP
É impossível construir um trabalho acadêmico sozinha. Por mais que o ato de redigir o
texto seja solitário, outros momentos da pesquisa exigem a participação e contribuição de
mentes solidárias. Produzir este trabalho me fez mergulhar no século XVIII e ficar, muitas
vezes, ausente da minha própria vida. Mas a compensação vem agora ao vê-lo pronto. Foram
dois longos anos de idas e vindas, de Belo Horizonte para Mariana, de Mariana para Belo
Horizonte. De Belo Horizonte para Pitangui, de Pitangui para Belo Horizonte e depois de
volta para Mariana. Por vezes achei que nunca terminaria, que o texto estava horrível, que o
melhor seria jogar tudo para o alto. Mas depois vinha aquela vontade incontrolável de
historiadora de voltar no arquivo, ler mais documentos, achar mais informações, descobrir
mais sobre minha personagem Dona Joaquina do Pompéu. Oh mulher que meu deu trabalho!
Mas no fim tudo entrou nos eixos, algumas respostas obtidas, algumas lacunas preenchidas e
eis que o texto surge. E surge pronto para ser questionado, para ser contestado (o que farão
com certeza) ou para ser simplesmente reconhecido como um texto relevante para a história
de Minas Gerais (o que eu espero que aconteça). Mas é bom lembrar que o texto está pronto e
ao mesmo tempo não está. A partir de agora ele pode ser alterado e renovado, vai saber o que
ainda não vou descobrir sobre a Senhora Dona Joaquina? Vai saber o que outros historiadores
não descobrirão? Ao longo do árduo processo de construção deste trabalho algumas pessoas
foram essenciais e a elas ofereço o meu mais sincero agradecimento.
Agradeço em primeiro lugar, e antes de mais nada, a professa Cláudia Maria das
Graças Chaves por ter aceitado ser minha orientadora mesmo sem me conhecer. Você foi uma
orientadora excepcionalmente incrível! Sua generosidade, compreensão, paciência e
conhecimento foram essenciais para o meu trabalho. Foi uma honra ter sido sua orientanda.
Agradeço aos professores do mestrado Valdei Lopes de Araújo, Ronaldo Pereira de
Jesus, Francisco Eduardo Andrade e Maria do Carmo Pires pela competência com a qual me
mostraram caminhos possíveis para a escrita da história.
Agradeço a Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal de
Ouro Preto (PROPP/UFOP), pela bolsa de pesquisa que me foi concedida, possibilitando a
realização deste trabalho.
Agradeço ao Marcos, meu amor, pelos sorrisos, abraços, beijos e cafunés. Obrigada
por ter acreditado, confiado e esperado o mestrado terminar pro casamento começar. Obrigada
por ter sido meu oásis nos momentos mais difíceis da pesquisa.
Agradeço à amiga Alexandra Nascimento por dividir comigo sua experiência de já ter
passado pelo mestrado (quantos conselhos, hein?), pelos livros emprestados (ih, será que já
devolvi todos?), pelo conhecimento compartilhado. À amiga Camila Costa agradeço pelos
momentos de diversão que aliviaram as tensões da minha mente dominada pela escrita da
dissertação. Obrigada as duas, queridonas do meu coração, pelas saídas estratégicas, pelas
risadas, pelas festas particulares, almoços feitos pela chef de cozinha e por não me deixarem
sozinha na mesa mesmo depois de duas horas me ouvindo falar sobre Dona Joaquina!
Agradeço à amiga Raquel que me socorreu nos “45 minutos do segundo tempo”. TKS!
Agradeço ao professor Euclides Couto por todas as oportunidades que me concedeu
durante a graduação, pelas aulas magníficas e pela amizade. Saudações!
Ao professor Rodrigo Almeida Ferreira, meus sinceros agradecimentos por ter me
incentivado a continuar na luta com a Dona Joaquina e encarar o mestrado. Seu
conhecimento, conselhos e sugestões foram muito importantes para minha formação.
Agradeço às companheiras do mestrado Iara, Karine, Lídia, Melina, Pérola e Suziely
pela companhia em Mariana e nos congressos Brasil a fora.
Por fim, mas não menos importante, agradeço às minhas “Três Mosqueteiras” – mãe,
Jaque e Nata – que aguentaram os relatos intermináveis das histórias de Dona Joaquina do
Pompéu nos últimos anos.
O documento não é inócuo. É, antes de mais nada, o resultado de uma
montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da
sociedade que o produziu, mas também das épocas sucessivas durante
as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais
continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é
uma coisa que fica, que dura; o testemunho, o ensinamento que ele
traz devem ser em primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o
seu significado aparente. O documento é monumento. Resulta do
esforço das sociedades históricas para impor ao futuro – voluntária
ou involuntariamente – determinada imagem de si próprias. No limite,
não existe documento-verdade. Todo o documento é mentira.
Jacques Le Goff
RESUMO
Oliveira, Laizeline Aragão de. Nos domínios de Dona Joaquina do Pompéu: negócios, família
e elites locais (1764-1824)/ Laizeline Aragão de Oliveira – 2012. Dissertação (Mestrado) -
Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Departamento
de História. Programa de Pós-Graduação em História
Este trabalho tem como objetivo discutir a organização do núcleo familiar liderado por
Dona Joaquina do Pompéu e como esta se sobressaiu à frente do comando de seus negócios e
de sua família. Por ter se destacado em uma sociedade onde as mulheres ficavam, na maioria
das vezes, relegadas as atividades domésticas, buscamos apresentar a vida dessa distinta
senhora tentando identificar elementos que pudessem nos dar indícios de como se deu sua
atuação. A documentação analisada formada correspondências pessoais, recibos de compra e
venda, testamentos, inventários, entre outros, permitiu vislumbrar aspectos das relações
comerciais da matriarca. Com isso conseguimos perceber que em torno de Dona Joaquina
foram se articulando uma série de alianças, comerciais e parentais, que refletiam o seu poder
na região da Vila de Pitangui. Procuramos ainda problematizar a questão da formação das
elites coloniais no interior da América portuguesa descrevendo como a família da matriarca
aqui se estabeleceu. As balizas cronológicas definidas foram o ano de 1764, quando Dona
Joaquina se casou, e 1824, ano do seu falecimento.
This project discusses the organization of the family nucleus being led by Dona
Joaquina do Pompéu and how she protruded being at the helm of her family business. For
having stood out in a society where women should be, most of the time, at home doing the
household chores, we attempted to present the life of this distinct lady trying to identify
elements that could give us indications of her performance. The documentation analyzed
composed by personal letters, bills of sales, wills and final instructions, inventories, among
others, enable us to discern indistinctly the aspects of the matriarch’s commercial relation. In
this manner we could realize that a number of alliances were built around Dona Joaquina such
as commercials and parental, and they reflected her power in the region of Vila de Pitangui.
Moreover, we sought to discuss the issue of the formation of colonial elites inside the
portuguese America, describing how the matriarch's family establish here. The chronological
beacons defined were the years of 1764, when Dona Joaquina got married, and 1824, the year
of her death.
Key-words: Supply and trade. Dona Joaquina do Pompéu. Elites. Family. Pitangui. Pompéu.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Introdução .............................................................................................................................. 12
3.2. A formação de uma elite colonial na Vila de Pitangui e suas redes de poder .... 95
INTRODUÇÃO
Luciano Figueiredo
O interesse pelo estudo sobre Dona Joaquina do Pompéu, surgiu ainda na graduação,
quando percebi que havia poucos estudos que discutissem o trabalho das mulheres brancas da
elite colonial. A matriarca do Pompéu mostrou ser a personagem ideal para as questões que eu
vinha levantando. Inicialmente o foco do trabalho seria discutir exclusivamente sobre a
condição feminina no século XVIII, mas na medida em que a pesquisa se desenvolveu
aspectos novos surgiram e abriram um leque de possibilidades de análises. Os primeiros
documentos analisados mostraram que, muito mais do que apenas auxiliar o marido, houve
uma efetiva participação de Dona Joaquina na administração das fazendas e das casas
comerciais.
A continuidade da pesquisa foi revelando a presença recorrente de certos nomes e
sobrenomes nas correspondências, e, diante disso ficou claro que havia um grupo de
indivíduos com os quais a matriarca se relacionava com maior proximidade. Ao pesquisar
sobre esses sujeitos descobri que muitos deles tinham laços de parentesco com Dona Joaquina
e seu marido, Capitão Inácio. Essa constatação me instigou a pensar sobre a possibilidade de
considerar esses sujeitos como membros de um determinado grupo que se destacava na Vila
de Pitangui. Mas que grupo seria esse? Como ele se formou? Quem seriam seus membros?
Como nomeá-lo e caracterizá-lo? Essas foram algumas das questões que contribuíram para
dar forma ao presente trabalho.
A partir dessas questões tracei três hipóteses principais sobre as quais o trabalho foi
construído e pensado. Primeiro: Há uma relação direta entre a formação e consolidação do
patrimônio material de Dona Joaquina do Pompéu e o fortalecimento e solidificação do poder,
prestígio e influência de sua família na região da Vila de Pitangui. Segundo: os arranjos
matrimoniais que ligaram a família de Dona Joaquina do Pompéu a outras famílias da elite
mineira colonial são reflexos das relações de poder consolidadas por estes grupos durante o
século XVIII. E terceiro: a organização do núcleo familiar de Dona Joaquina do Pompéu
apresenta elementos característicos do que chamamos de princípio senhorial das mulheres no
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sertão1, ou seja, a existência de grandes e poderosas famílias chefiadas por mulheres que
adquirem prestígio e influência na região onde estão localizados.
As discussões ocorridas no âmbito acadêmico trouxeram novos elementos que
auxiliarão na estruturação das minhas discussões. A partir da temática da linha de pesquisa
Poder, Espaço e Sociedade, cujo foco é a compreensão das relações culturais e políticas em
diferentes contextos históricos. O eixo temático, Poder e Linguagens, direciona o olhar para
as múltiplas e descontínuas redes sociais por meio das quais os sujeitos definem estratégias de
atuação e se posicionam diante da sociedade. Nesse sentido, o intuito desta pesquisa é, entre
outros, contribuir para os avanços da historiografia nacional que discutem principalmente as
questões ligadas ao universo feminino do trabalho, formação das elites coloniais, e estratégias
utilizadas para a manutenção do poder dessas elites. As análises direcionadas para Dona
Joaquina do Pompéu e sua família, para a Vila de Pitangui e para a Fazenda do Pompéu
permitirão lançar luz sobre elementos do cotidiano desses sujeitos e assim responder as
questões que tanto me inquietam.
Neste trabalho a escala da pesquisa foi reduzida diante da possibilidade de examinar as
particularidades das alianças protagonizadas por Dona Joaquina e seus pares, e que talvez não
possam ser apreciadas em análises amplas. Haverá então uma busca por estruturas sobre as
quais, o que nos é conhecido das relações comerciais e de poder no entorno da matriarca, se
articulam. E nesta perspectiva, a escolha do individual não é contraditória com a do social,
mas “torna possível uma abordagem diferente deste último. Sobretudo, permite destacar, ao
longo de um destino específico, a complexa rede de relações, a multiplicidade dos espaços e
dos tempos nos quais se inscreve” (REVEL, 2000, p.17).
Alguns procedimentos metodológicos da micro-história foram mais adequados para a
elaboração deste projeto, já que o que se pretende aqui não é realizar uma obra biográfica,
mas sim compreender aspectos deste personagem histórico que só poderão ser percebidos por
meio de um exame micro2. Também não pretendo afirmar que a partir da análise das relações
comerciais e de poder de Dona Joaquina será possível entender tudo sobre relações de poder,
abastecimento e comércio no período colonial. Muito pelo contrário, a intenção é de descobrir
1
Adotamos o uso da expressão “princípio senhorial das mulheres no sertão”, porque nos permite pensar na
existência de diversos núcleos familiares liderados por mulheres em todo o interior da América portuguesa.
Essas mulheres assumem o comando das famílias e dos negócios atuando de forma efetiva e muitas vezes
ampliando consideravelmente suas fortunas.
2
Baseados nos apontamentos de Revel, identificamos elementos que nos auxiliarão na construção da pesquisa, a
saber: privilégio a redução de escala, interesse por destinos específicos, desejo de “estudar o social não como um
objeto dotado de propriedades, mas sim como um conjunto de inter-relações móveis dentro de configurações em
constante adaptação” (REVEL, 2000, p.7-37).
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elementos particulares que componham, aí sim, as mais variadas práticas comerciais, sociais e
políticas deste período.
As análises vão dizer sobre um indivíduo e seus pares, e não sobre toda uma
sociedade. No entanto, não posso deixar de considerar que mesmo se tratando de uma análise
individualizada, esses sujeitos não se encontram isolados, eles fazem parte de um meio muito
maior, e também o representam. Não proponho o estabelecimento de regras e modelos, quero
apenas observar o comportamento de um sujeito histórico num determinado contexto com a
intenção de responder algumas questões e de contribuir, em alguma medida, para o
enriquecimento da história de Minas Gerais.
Os objetivos definidos a partir das hipóteses levantadas, centram-se em discutir a
organização do núcleo familiar liderado pela matriarca a partir da ideia de princípio senhorial
das mulheres do sertão; investigar a configuração e articulação de alianças em torno da figura
de Dona Joaquina do Pompéu e sua família; analisar o processo de produção e abastecimento
de gêneros na capitania de Minas Gerais, e a partir desse universo compreender a atuação de
Dona Joaquina como produtora e comerciante.
Mas, afinal de contas, quem foi Dona Joaquina Pompéu? Joaquina Bernarda da Silva
de Abreu Castelo Branco era filha do doutor Jorge de Abreu Castelo Branco e dona Jacinta
Teresa da Silva, ambos portugueses. Nasceu em 20 de agosto de 1752 na cidade de Mariana, e
faleceu em dezembro de 1824, aos 72 anos, na Fazenda do Pompéu. Mudou-se com o pai e os
irmãos para a Vila de Pitangui após o falecimento da mãe. Casou-se com o Capitão Inácio de
Oliveira Campos, em 1764, fixando residência na fazenda Lavapés nas proximidades da vila.
O fato de Inácio ser Capitão-Mor3, o obrigava a passar longos períodos longe da
fazenda e com isso Dona Joaquina acabou assumindo, além do cuidado da família, a
administração dos negócios. Inicialmente sob o comando do Capitão Inácio e com a ajuda de
Dona Joaquina, e posteriormente sob o comando da matriarca, a fazenda do Lavapés, onde o
casal morava, cresceu significativamente. A expansão das atividades tornou necessária a
aquisição de uma propriedade maior. Ao buscarem novas terras para comprar, receberam
proposta do fazendeiro Manoel Gomes da Cruz que ofereceu as terras da Fazenda do Pompéu.
O negócio se concretizou em 1784, quando a família passou a residir nas ditas terras. Foi a
partir da transferência para a fazenda que Joaquina passou a ser chamada de Dona Joaquina
do Pompéu.
3
Subordinado ao governador da Capitania, o cargo de capitão-mor era o mais importante, pois apesar de não ser
remunerado pelo governo, “era quem governava as vilas e povoados durante o período de três anos ou mais”. A
escolha do capitão-mor era realizada pela câmara e pelo capitão-general da seguinte forma: a câmara indicava
três nomes e o capitão-general ficava incumbido de definir o escolhido. ALMEIDA, 1981, p.135.
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De acordo com Cláudia Chaves (1999), nos livros do registro da Vila de Pitangui,
referentes aos anos de 1765 a 1767, logo após o casamento de Dona Joaquina, já consta a
passagem da produção da fazenda Lavapés. Os registros estão em nome de seu marido, e
demonstram um considerável volume de mercadorias saindo da região de Pitangui destinado
ao abastecimento de outras partes da capitania. No período compreendido entre os anos de
1768-69, Capitão Inácio aparece como segundo maior produtor da região.
Em 1804, havia na fazenda um centro de criação e engorda de gado, e o engenho
fabricava açúcar e cachaça. Demonstrando a sua perspicácia administrativa, Dona Joaquina
mandou fazer plantações de algodão e mantinha um imenso rebanho de ovelhas, utilizados
para a produção de roupas para a escravaria. Percebe-se que suas fazendas eram, em grande
medida, auto-suficientes, e também um importante núcleo fornecedor de produtos para o
abastecimento da Vila de Pitangui e circunvizinhança, bem como de outras regiões da
capitania. Toda essa atividade favorecia cada vez mais sua visibilidade social e a ampliação
de sua rede de influência. A presença dessas relações de poder, por ela alcançado, chamam a
atenção por se tratar de uma sociedade colonial patriarcal, onde, na maior parte dos casos
eram os indivíduos do sexo masculino quem estavam a frente dos negócios.
Qual era a condição da mulher da elite neste período? De que forma ela se relacionava
com os outros comerciantes? Como eram constituídas as redes formais e informais de poder
no entorno dela? Como ela construía suas estratégias de produção, negociação e
comercialização de gêneros alimentícios? O que dizer dos núcleos familiares estruturados sob
a figura feminina? Como incluir Dona Joaquina do Pompéu nas relações patriarcais do século
XVIII? Estas são apenas algumas das questões que foram tomadas como indicadoras do
caminho a ser seguindo na pesquisa.
Como a pesquisa tem uma mulher como sujeito histórico, serão apresentadas algumas
referências sobre a história das mulheres. Em pesquisas já realizadas sobre o gênero feminino
no Brasil, percebe-se o estabelecimento de imagens estigmatizadas e generalizantes, isto
ocorre principalmente nas discussões sobre a mulher nos séculos XVI, XVII e XVIII. Pensar
sobre o papel social feminino no período colonial, em especial na região de Minas Gerais,
remete-nos a uma imagem de que estavam vinculadas ao trabalho essencialmente doméstico,
não desempenhando nenhuma outra atividade. A construção desta imagem é, em grande parte,
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comerciais. E a representatividade desse título é tão significativa que ela passa a ser conhecida
como “Dona Joaquina do Pompéu”, aquela que é proprietária de um imenso patrimônio
representando pela sede da fazenda (Pompéu), que foi morada também dos primeiros
habitantes da região.
Há aqui uma simbologia no próprio espaço da fazenda, no edifício. E o título de
“DONA”, não é concedido no espaço oficial, mas num outro lugar, num lugar para além do
oficial, e que no caso da matriarca trouxe uma significação bastante sólida. É neste ponto que
identificamos o poder simbólico que emana de Dona Joaquina, uma mulher em uma
sociedade masculina, que se destaca como fazendeira e comerciante. Que organiza e
administra arranjos familiares que se elevam a uma categoria de arranjos políticos, sociais e
econômicos. Neste caso o título não recai sobre uma descendente de casa nobre portuguesa,
mas sobre uma mulher que conquista distinção, status social e poder devido à atuação da
família em terras coloniais, numa esfera local.
É inegável a importância sócio-econômica da exploração aurífera no século XVIII,
contudo, é imprescindível demonstrar a existência de importantes redes de comércio e/ou
produção que se desenvolveram como atividades subjacentes em Minas Gerais e foram, assim
como a mineração, essenciais para o desenvolvimento da sociedade colonial. Para tanto,
foram analisados, além da atuação da matriarca, aspectos da economia mineira nos setecentos
com o intuito de possibilitar um amplo entendimento do funcionamento do comércio e
abastecimento colonial, e assim, introduzir nesse cenário a discussão sobre as relações
econômicas, políticas e sociais protagonizadas por Dona Joaquina.
A agricultura, pecuária e comércio ganharam fôlego e reconhecimento na medida em
que se mostraram essenciais para a sobrevivência das vilas e dos arraiais mineradores. Pode-
se pensar também que, com o desenvolvimento da mineração e a dificuldade de se conseguir
novas datas6, algumas pessoas perceberam no mercado do abastecimento a possibilidade de
riqueza sem os riscos da atividade mineradora. E, mesmo com as divergências historiográficas
sobre a existência ou não de um mercado voltado para o abastecimento interno, e a
possibilidade ou não de acumulação de capital por parte dos produtores e comerciantes,
percebe-se que a atividade agropecuária e comercial movimentou em Minas quantia
6
“Designação da área de terra concedida pela Coroa Portuguesa a indivíduos dispostos a praticar a mineração.
Segundo as Ordenações Filipinas, após a descoberta do veio, notificada ao provedor das minas, proceder-se-ia à
demarcação (...). Segundo o Regimento dos Superintendentes Guardas-Mores e Oficias Deputados para as Minas
de Ouro, inicialmente cabia ao superintendente distribuir as datas. Mais tarde, esse poder foi atribuído aos
guardas-mores, cabendo aos ouvidores dirimir conflitos quanto à posse da terra” (ROMEIRO, 2003, p.95-96).
18
7
De acordo com Deusdedit Campos (2003), baseado no inventário de Dona Joaquina, suas propriedades
atingiram cerca de 100.000 alqueires, 60.000 cabeças de gado vacum, 10.000 equinos; 2.500 juntas de bois
carreiros, cerca de 1.000 escravos. Havia uma grande quantidade de imóveis, prataria, ouro em barra, móveis,
veículos de transporte, títulos de dívidas de fazendeiros vizinhos e outros bens. Segundo o historiador Gilberto
Cezar Noronha, o valor total de sua fortuna na época do seu falecimento, podia chegar, nos dias atuais, a um
valor aproximado de 2 bilhões de reais (NORONHA, 2007a, p.56).
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Metodologia da Pesquisa
8
Arquivo Público Mineiro/APM. Fundo de Origem Privada. Fundo Joaquina Bernarda de Pompéu. FJBP
1.Cx.01-04.
9
A reunião desses documentos, por Coriolano, deu-se com o objetivo de escrever a obra Dona Joaquina do
Pompéu, publicada em 1956 pela Imprensa Oficial.
10
Os arquivos referentes a família Cordeiro Valadares encontram-se no fundo Joaquina Bernarda de Pompéu
pois além de serem parceiros comerciais, dois de seus membros eram genros da matriarca: João Cordeiro
Valadares e Joaquim Cordeiro Valadares. Ao se casarem com as filhas de Dona Joaquina, elas e seus
descendentes passaram a usar este sobrenome. Já Oliveira Campos, era o sobrenome do capitão Inácio, marido
de Dona Joaquina, e sobrenome de todos os seus 10 filhos.
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11
Arquivo Público Mineiro/APM. Documentação de Origem Pública. Fundo Casa dos Contos. CC.
12
Arquivo Público Mineiro/APM. Documentação de Origem Pública. Fundo da Câmara Municipal de Pitangui.
CMPI.
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exaltação de sua trajetória de vida. Importante ressaltar, contudo, que a historiografia nos
apresenta que não era incomum a existência de unidades domésticas chefiadas por mulheres.
No caso desta pesquisa, os biógrafos com os quais trabalho afirmam a todo momento
que suas obras foram construídas embasadas nas informações contidas em documentos e em
relatos orais. Eles deixam claro que suas narrativas são retratos fidedignos da realidade vivida
por Dona Joaquina e sua família. E é justamente por eles afirmarem essa fidelidade aos fatos,
que senti uma enorme dificuldade em encontrar um equilíbrio entre aquilo que realmente pode
ser corroborado com a documentação, daquilo que parece ter sido tirado de um conto de
fadas. Além disso, os relatos orais inundam os municípios nos quais Dona Joaquina viveu de
histórias sobre sua vida, e muitas vezes esses relatos acabam dentro das obras biográficas.
Temos então uma história construída a partir de relatos orais e documentos, onde
ambos se misturam de forma a ser quase impossível separá-los. Somado a isso aparece bem
ao fundo do texto a personalidade do escritor orgulhoso de descender da matriarca e ávido por
contar ao mundo os feitos de sua antepassada ilustre. E em meio a tudo isso, o historiador,
neste caso eu, me vejo envolta por informações valiosíssimas sobre Dona Joaquina, ao mesmo
tempo sem saber qual delas seguir. Sem dúvidas confiar cegamente nos relatos biográficos
significaria a contestação de minhas hipóteses, por outro lado, existem informações nessas
biografias que são importantes, porque associadas aos documentos corroboram para a
construção de uma determinada imagem da matriarca. E é nesta perspectiva que venho
caminhando, entre os tênues limites da história e da memória, tentando criar uma narrativa
histórica capaz de contribuir para a construção da história de Minas e do Brasil.
Percebi que escrever sobre um determinado personagem coloca o historiador diante de
problemas muitos maiores do que simplesmente analisar e relatar a história de vida de um
indivíduo. A pesquisa pautada em fontes biográficas precisa ser alicerçada também em fontes
documentais analisadas minuciosamente na tentativa de não se criar uma ideia incorreta da
realidade na qual aquele personagem estava inserido. As obras biográficas, sejam elas escritas
por historiadores ou não, apresentam-se como um importante grupo de fontes que permite ao
historiador balancear e ponderar sobre os diferentes momentos da vida do indivíduo a ser
estudado.
A bibliografia que serviu de referencial para a construção do trabalho, foi selecionada,
obviamente, a partir daquilo que se propôs discutir: economia, Dona Joaquina do Pompéu,
elites, poder, patriarcalismo, gênero, abastecimento, comércio. A partir desses termos
estabelecemos outros, e outros, e assim sucessivamente. Nomes de comerciantes, produtores,
amigos e parentes serviram também como palavras-chave para a seleção dessas obras. A
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leitura desses textos selecionados foi realizada tentando sempre manter uma relação entre a
historiografia e a análise documental, em busca de soluções para as questões levantadas
durante a pesquisa.
As reflexões desenvolvidas, principalmente, por Cláudia Chaves (1999), Gilberto
Freyre (2006), Júnia Furtado (1999), Maria Beatriz N. Da Silva (2002), Mary Del Priore
(1995), Silvia Brugger (2007), José Antônio Maravall (1979), Pierre Bourdie (2003), dentre
outros historiadores, contribuíram para a análise das fontes e o entendimento do contexto
histórico em que elas e os sujeitos históricos estavam inseridos. O texto, nada mais é, do que o
resultado obtido a partir do confronto das informações contidas nos documentos, nas
biografias e nas obras historiográficas. Sem dúvidas esse diálogo contribuiu para que
houvesse uma ampliação das possibilidades de análise não somente para a atuação de Dona
Joaquina, mas também dos indivíduos que estando ao seu redor fazem parte dessa história.
(1999); Freyre (1961); Freyre, (2006); Leite, (1984); Menezes, (2005); Noronha, (2007);
Ribeiro e Guimarães, (1956); Soihet, (1997); Souza, (1997); Vasconcelos, (1966); Zanatta
(2005); entre outras.
No segundo capítulo trataremos, inicialmente, das atividades comerciais responsáveis
pelo abastecimento de gêneros na capitania de Minas Gerais, principalmente no século XVIII,
demonstrando a existência de uma atividade econômica, diferente da mineração, capaz de
promover o enriquecimento de grandes produtores e comerciantes. Pretendemos ainda
desvendar a cadeia de negócios estabelecida e gerida pela matriarca a fim de conhecer os
mecanismos usados por ela para conquistar seu prestígio. O que ela produzia? Como
comercializava? Aonde vendia seus produtos? Estas e outras questões serão abordadas ao
longo deste capítulo.
Dentre as obras consultadas podemos citar: Carrara (2007); Chaves, (1999); Fragoso,
(1992); Furtado, (1999); Guimarães e Reis, (1986); Ivo (2009); Lenharo (1979); Meneses,
(2000); Souza, (2004); Zemella, (1951); entre outras.
Por fim, no terceiro capítulo, discutiremos a formação das elites coloniais mineiras a
partir da análise da família de Dona Joaquina do Pompéu. Inicialmente analisaremos aspectos
que caracterizam a elite na América portuguesa, em especial sua formação nos sertões das
Minas. Isto porque acreditamos que nas regiões mais remotas da colônia a formação desses
grupos de mando ocorre de maneira um pouco diferente das regiões litorâneas.
Posteriormente, apresentaremos um panorama da chegada da família da matriarca e do seu
marido a região de Pitangui demonstrando o processo de construção e solidificação do
prestígio desfrutado por eles na região. Neste último subtítulo discutiremos ainda questões
referentes a articulação de alianças no entorno da matriarca, evidenciando ser ela o centro da
família.
Dentre as obras consultadas para elaboração deste capítulo podemos citar: Almeida
(2001); Andrade (2008); Barros (2001); Bourdieu (2003); Costa e Olival (2005); Dias (1984);
Faoro (2000); Gouvêa (1998); Lewcowicz (1992); Monteiro, Cardim, Cunha (2005);
Monteiro (2009); Ricupero (2009); Samara (1983), Silva (1998), Vainfas (1989), entre outras.
25
Chegamos assim, a Fazenda do Pompéu, que possui uma superfície de 150 léguas
quadradas, pelos menos, é ela habitada somente pela família da proprietária deste
principado, cujos súditos seriam as 40mil cabeças de gado que habitam estas regiões
despovoadas e anunciam ao viajante a proximidade de habitações humanas. (...) No
Pompéu, em virtude de inúmeros pedidos, tivemos de permanecer alguns dias na
residência da generosa matrona, viúva Dona Joaquina da Silva de Abreu Castelo
Branco, que conta entre seus descendentes 70 netos (ESCHWEGE, 1979, p.279-
280).
Foi entre os anos de 1810 e 1811 que o viajante alemão Wilhelm Ludwing Von
Eschwege, o Barão de Eschwege, passou pelos domínios de Dona Joaquina do Pompéu. Sua
narrativa aguça nossa curiosidade sobre a “generosa matrona” e nos leva a pensar sobre essa
mulher: quem foi ela? Como se tornou proprietária de tantas terras? Quem cuidava de tudo?
Qual era o valor de sua fortuna? Essas e outras questões tentaremos elucidar ao longo deste
trabalho. Não pretendemos, contudo, realizar uma obra biográfica, nossas propostas
caminham na direção de uma abordagem de aspectos econômicos e políticos relacionados à
Dona Joaquina e sua família. No entanto, não seria possível discutir as relações comerciais e
políticas protagonizadas pela matriarca, sem ao menos saber sobre sua história de vida. Nesta
primeira parte do capítulo, apresentaremos a matriarca do Pompéu.
Em 1747, Jorge de Abreu Castelo Branco, natural da cidade lusa de Viseu, advogado,
formado na Universidade de Coimbra, veio para a América acompanhando seu primo D. José
Luis de Menezes Abranches Castelo Branco e Noronha, o Conde de Valadares, que assumiria
como governador da Capitania das Minas Gerais. Jacinta Teresa da Silva nasceu na ilha do
Faial, arquipélago de Açores. Já em terras americanas, Jorge e Jacinta se casaram em
dezembro de 1748 em Santo Antônio do Bacalhau, capela freguesia de Guarapiranga, diocese
de Mariana. Fixaram residência em Mariana onde doutor Jorge atuava como advogado.
Tiveram ao todo nove filhos13. A quinta filha do casal Joaquina Bernarda da Silva de Abreu
Castelo Branco nasceu em 20 de agosto de 1752 na mesma cidade.
13
Em ordem de nascimento: Eufrásia Leonor Guedes da Silva Sobral Abreu Castelo Branco, Ana de Abreu
Castelo Branco, José de Abreu Castelo Branco, Agostinho de Abreu Castelo Branco, Joaquina Bernarda da Silva
27
de Abreu Castelo Branco, Francisco Jorge de Abreu Castelo Branco, Florinda de Abreu Castelo Branco,
Domiciano José de Abreu Castelo Branco e Germano de Abreu Castelo Branco.
14
Caetano da Costa Matoso foi ouvidor geral e corregedor da Comarca do Ouro Preto, nos anos de 1749 a 1752.
Suas memórias foram reunidas no Códice Costa Matoso, uma obra de grande valor histórico, que reúne
informações sobre os primeiros descobrimentos das minas de ouro na América Portuguesa. Consta também
legislação, dados econômicos, tributários, administrativos e documentos relacionados aos temas de grande
significado da época, como o acesso às minas, as terras em disputa com a Espanha, as riquezas, os rendimentos
da Fazenda Real e do bispado mineiro.
15
Provisões régias e cartas de sesmarias. Revista do Arquivo Público Mineiro, 1912. vol. 17, p.583.
16
Inácio de Oliveira Campos era Comandante da Companhia de Ordenanças, parte da Milícia dos Dragões das
Minas Gerais. Foi responsável pela bandeira que, sob ordens de Conde de Valadares, governador da capitania,
desbravou os sertões mineiros e goianos. Considerado o fundador da atual cidade de Patrocínio - MG. Foi juiz
ordinário da Vila de Pitangui.
17
A parir da análise dos documentos de instrução deixados por Jorge de Abreu Castelo Branco a seus filhos,
percebeu-se que havia um modelo social a ser seguido. Neste sentido compreendeu-se que a educação de dona
Joaquina foi baseada nas regras e costumes da época. Para mais detalhes ver RIBEIRO; GUIMARÃES, 1956,
p.52-58.
28
Digo eu Capitão Inácio de Oliveira Campos, que sendo casado passo carta da
metade para Dona Joaquina Bernarda da Silva de Abreu Castelo Branco, e
18
Sobre a educação e a condição feminina nos séculos XVIII e XIX ver: FIGUEIREDO, 1999; LEITE, 1984;
LUCCOCK , 1942; MENEZES, 2007; SAINT-HILAIRE , 1957; SILVA, 2002; SOIHET, 1997; entre outros.
19
Subordinado ao governador da Capitania, o cargo de capitão-mor era o mais importante, pois apesar de não ser
remunerado pelo governo, era a “autoridade que, em uma cidade ou vila, comandava a milícia chamada
ordenança. O capitão-mor era responsável pela ordem na sua jurisdição e, durante o regime escravista, ordenava
expedições contra quilombos quando as câmaras solicitavam ou quando ele mesmo julgava necessário”
(MOURA, 2004, p.84). A escolha do capitão-mor era realizada pela câmara e pelo capitão-general da seguinte
forma: a câmara indicava três nomes e o capitão-general ficava incumbido de definir o escolhido.
20
Em ordem de nascimento: Ana Jacinta de Oliveira Campos, Félix de Oliveira Campos, Maria Joaquina de
Oliveira Campos, Jorge de Oliveira Campos, Joaquina de Oliveira Campos, Isabel Jacinta de Oliveira Campos,
Inácio de Oliveira Campos, Ana Joaquina de Oliveira Campos, Antônia de Oliveira Campos, Joaquim Antônio
de Oliveira Campos.
29
possuindo com ela todos os meus bens em comum, temos contratado dissolver.
Como por esta dissolvemos a sociedade que tínhamos comprando um a parte do
outro. (...) dissolvendo a sociedade que tinha deferido e para o futuro faço a venda
de hoje para todo o sempre, a referida (...) com que de nossa livre vontade nos
ajustamos, e dela a hei empossado [ilegível] de todo o domínio, e como nos mesmos
bens tinha a referida compradora sua metade, fica somente obrigada à satisfação da
minha parte (...) [Vila de Pitangui, maio de 1782] (APM. FJBP 1. Cx.01- Doc. 04)21.
Depois de vinte anos residindo na fazenda Lavapés o casal resolveu adquirir uma
propriedade maior para a expansão de sua produção. Em 1784 compraram a fazenda do
Pompéu de Manoel Gomes da Cruz, por 11.200$000 (onze mil e duzentos contos de réis). As
terras compreendiam as fazendas do Pompéu, Mato Grosso, Santa Rosa, Monte Serrate e
Diamante com seus respectivos retiros, casas, currais, gado vacum e cavalar, e escravos.
Apesar da compra ter se realizado em 1784, a escritura de compra e venda só foi lavrada por
volta de julho de 1792, no arraial de Catas Altas da Noruega. Tem-se como hipótese que,
neste caso, houve um acordo verbal entre as partes para efetuar o negócio. Nas terras da
fazenda do Pompéu foi construído um sobrado com 79 cômodos, onde a família passou a
residir22. A fazenda já possuía uma criação de gado, que foi ampliada pelos novos moradores.
Além disso, investiram em plantações e na criação de eqüinos. É neste ponto da história da
matriarca que seu nome ficará conhecido na capitania de Minas, já que ela será uma das
responsáveis pelo abastecimento de gêneros alimentícios de diversas vilas. Foi quando se
mudou para esta localidade que ganhou o apelido de “Dona Joaquina do Pompéu”, uma
referência ao local onde estava a propriedade.
Desde o início do casamento percebemos que Dona Joaquina auxiliava seu marido no
trato das propriedades, no entanto é a partir da mudança para a fazenda do Pompéu que a
matriarca passa a cuidar com maior autonomia dos negócios da família. De acordo com a
análise documental, nos parece correto afirmar, que mesmo nos períodos em que o Capitão
Inácio estava presente na fazenda do Pompéu, era a matriarca quem continuava cuidando dos
negócios. Inferimos que isso ocorria em função de outras atividades desempenhadas pelo
Capitão, como o exercício do cargo de juiz ordinário. Em 1795 capitão Inácio é acometido por
uma doença e fica de cama até o seu falecimento em 1804. Após o falecimento do marido,
Dona Joaquina não contraiu segundas núpcias, viveu sozinha até 1824 quando faleceu.
21
Na transcrição dos documentos, modernizou-se a grafia a fim de facilitar a compreensão do leitor. Foram
respeitados os arcaísmos e a pontuação sempre que possível.
22
O mencionado sobrado foi passado por herança à Ana Jacinta de Oliveira Campos, filha de Dona Joaquina do
Pompéu. A propriedade foi sucessivamente herdada até o ano de 1943, quando o então governador de Minas
Gerais, Benedito Valadares, adquiriu o casarão por meio do Decreto Lei n. 959 de nove de novembro de 1943.
Em 1953 o governador Juscelino Kubitschek, doou o terreno à União para que fosse construído um posto
agropecuário. Em 1954, o sobrado foi demolido a mando do Ministério da Agricultura.
30
Durante os quarenta anos que morou no Pompéu, a matriarca foi responsável pela
ampliação do rebanho e das áreas de plantio, solidificando um imenso patrimônio. Acolheu
em sua casa ilustres viajantes, como o Barão de Eschwege, e mostrou ser uma fiel vassala da
Família Real. No ano de 1805 o Comandante Domingo Gonçalves Pereira passava à matriarca
um recibo sobre doações, “Recebi da Ilustríssima Senhora Dona Joaquina Bernarda da Silva
de Abreu Castelo Branco a importância de cento e cinquenta mil réis da contribuição
voluntária que ofereceu a Sua Alteza Real para provisão do Estado (...)” [Vila de Pitangui, 01
de janeiro de 1805]. Em março de 1808, por intermédio de Diogo Pereira Vasconcelos enviou
ao Rio de Janeiro 200 bois para auxiliar o abastecimento da família real, “(...) além dos
duzentos [bois] de Sua Alteza Real. (...) já remeteu a sua carta a Real Presença de Sua Alteza,
abonando o seu Patriotismo” [Vila Rica, 18 de março de 1808]. Dona Joaquina também
apoiou a independência do Brasil oferecendo escravos, mantimentos, gado para auxiliar Sua
Majestade Imperial, “Ilustríssima Senhora Dona Joaquina Bernarda da Silva de Abreu
Castelo Branco. Para eu saber decidir sobre a sua oferta de cem bois que ofereceu nas suas
fazendas do Paracatu para socorro da Bahia (...) subirá a Augusta presença de Sua Majestade
Imperial (...)” [Vila de Pitangui, 26 de agosto de 1823]23. De acordo com Ribeiro e
Guimarães, em discurso entusiasmado, o filho mais jovem da matriarca, Capitão Joaquim
Antônio de Oliveira Campos anunciou: “contai igualmente com os bens de Dona Joaquina
Bernarda da Silva de Abreu Castelo Branco, minha Mãe, por quem estou autorizado a fazer-
vos este puro oferecimento (...)” [Vila de Pitangui, janeiro de 1823] (RIBEIRO;
GUIMARÃES, 1956, p. 297).
À primeira vista a figura de Dona Joaquina do Pompéu pode parecer uma exceção a
regra patriarcal da sociedade colonial: uma mulher que chefia e provê a família. No entanto,
não era incomum a existência de unidades domésticas chefiadas por mulheres, como afirma
Miriam Moreira Leite, “as mulheres dos fazendeiros, freqüentemente quando ficam viúvas,
administram sozinhas as fazendas e os escravos, assumindo integralmente as
responsabilidades dos maridos” (LEITE, 1984, p.57). Luciano Raposo Figueiredo (1999) ao
discutir sobre o cotidiano e o trabalho feminino no século XVIII, demonstra que a sociedade
na região das Minas não teria sido exclusivamente patriarcal, no sentido de ser chefiada
apenas por indivíduos do sexo masculino. Ao contrário, houve casos, não raros, de mulheres
no comando dos núcleos domésticos.
23
APM. FJBP 1. Cx. 01. Doc. 29; 36; 44.
31
24
Expressão usada por Jeannie da Silva de Menezes ao discutir as representações femininas no século XVIII. De
acordo com ela, “o sexo imbecil aparece como caracterização a incapacidade feminina e tal noção é ampliada na
legislação eclesiástica que lhe dá suporte e nos tratados como é o caso do Espelho dos casados, de João de
Barros, além de Ruy Gonçalves com o seu Dos privilégios e das prerrogativas que o gênero feminino tem por
direito comum e ordenações do reino que o gênero masculino” (MENEZES, 1995, p.230).
32
Pensar em uma história sobre as mulheres brancas da elite colonial, atuando como
chefe de família, nos leva a refletir sobre sua condição na sociedade. Desde o início do
processo de colonização do Brasil, houve uma sensível diferença na relação entre homens e
mulheres, brancos e portugueses, que vieram para a colônia. No entanto, já estava presente no
pensamento europeu as diferenças e hierarquias entre os gêneros, e essa diferenciação não era
uma especificidade da sociedade colonial americana.
Antonio Manuel Hespanha (2010) em obra intitulada Imbecillitas, discute sobre as
bem-aventuranças da inferioridade nas sociedades de Antigo Regime. Loucos, crianças,
selvagens, pobres e mulheres são alguns dos “diferentes” tratados pelo autor a partir do
discurso jurídico. A inferioridade da mulher diante do homem possui uma justificação que vai
além do direito, e remonta do discurso bíblico da Criação. Os juristas e filósofos, muitos deles
católicos, buscavam nas Escrituras elementos de diferenciação entre os gêneros. “Existindo na
Criação um modelo de perfeição que é o próprio Deus, esse modelo não se refletia igualmente
em todas as criaturas. O homem, por exemplo, fora criado à imagem e semelhança de Deus.
Já a mulher não teria essa natureza de espelho divino. A sua dignidade seria menor”
(HESPANHA, 2010, p.57).
A incapacidade feminina para as funções de mando, por exemplo, se justificaria na sua
menor dignidade. Segundo Hespanha (2010), o texto fundador dessa prerrogativa foi de
Ulpianus inserido no Digesto25, daí passa pelo Decreto de Graciano, Aristóteles, Platão, São
Tomás de Aquino, entre outros. “As mulheres são infelizes acidentes da natureza”, “é da
ordem natural que as mulheres sirvam os homens e os filhos, os pais”, “a mulher é algo de
deficiente e ocasional”, são estas as impressões que vigoram na Europa sobre as mulheres e
que refletirão nas colônias americanas. Na Primeira epístola de São Paulo a Timóteo,
podemos observar um exemplo das atitudes que eram mais recomendáveis às mulheres, e que
serviram, aliadas a outros textos, para a criação de uma imagem feminina de fraqueza,
debilidade intelectual, indignidade, imbecilidade, etc.
25
Compilação bizantina de doutrina jurídica romano-clássica, incluída no Corpus iuri civilis, obra central em
toda a tradição jurídica europeia (Hespanha, 2010).
33
ser criado foi Adão, depois Eva. E não foi Adão que se deixou iludir, e sim a mulher
que, enganada, se tornou culpada de transgressão. Contudo, ela poderá salvar-se,
cumprindo os deveres de mãe, contanto que permaneça com modéstia na fé, nas
caridades e na santidade (Timóteo, I, 2,9-15)26.
26
Bíblia Sagrada. 50 ed. São Paulo: Editora Ave Maria, 2004.
27
Em nota Freyre esclarece: “Tive o gosto de ver confirmadas por esses dados, generalizações a que arriscara, na
primeira edição deste trabalho, sobre a formação da família naquelas zonas do Brasil [área mineradora] onde foi
maior a escassez de mulher branca” (FREYRE, 2006, p.61).
34
28
Entende-se por organismos reguladores as doutrinas eclesiástica e estatal portuguesa que regiam,
regulamentavam e ditavam as normas de conduta civil, política e jurídica em Portugal e suas colônias.
35
dominação da colônia ficaria comprometida, pois este grupo era dado à indisciplina social.
Com relação à falta de mulheres brancas disponíveis para o matrimônio, Figueiredo afirma
que isto ocorreu devido à forma como se desenvolveu o processo de colonização brasileiro. E,
citando Caio Prado Júnior, reforça que a colonização não se deu por famílias portuguesas
estruturadas, mas, geralmente, por indivíduos isolados, e que mesmo tendo uma família, esta
foi deixada para trás, ficando a espera de uma oportunidade mais segura para então se
deslocar para a colônia (FIGUEIREDO, 1999).
Decretos disciplinadores, como o Concílio de Trento e as Ordenações Filipinas, foram
amplamente utilizados para a legitimação das práticas da Igreja e do Estado no que tange o
controle do comportamento feminino na colônia. Aliado a estes decretos, o uso do discurso
médico reafirmava a função natural da mulher que era a de procriar. A ideia de que o corpo
feminino fora da maternidade tendia a luxúria e aos prazeres do pecado, reforçava a
necessidade do matrimônio e do consequente nascimento da prole, um filho após outro. A
Igreja, detentora do monopólio ideológico, usando da medicina conseguiu disciplinar as
mulheres para o ato da procriação.
Nessa mesma lógica de submissão feminina diante do homem, a Igreja difundia a ideia
de que à mulher cabia a propagação do cristianismo no interior da família. E, um dos
caminhos que usou para atingir este objetivo foi incentivar a devoção a Nossa Senhora, ao que
Mary Del Priore (1995) chama de “surto mariológico”. Sendo assim, o incentivo a devoção a
Nossa Senhora era uma tentativa de renovar o espírito cristão, e com isso estabelecia-se uma
relação íntima entre devotos e devotados. Esta relação entre as mulheres e Maria é discutida
por alguns autores, que destacam aspectos daquele que seria o comportamento de Maria, nas
atitudes das moças portuguesas no Brasil. Freyre (2006) ressalta a conduta das moças de
família, que mantém o ano todo o ar humilde das filhas de Maria, ou seja, meninas acanhadas,
dedicadas à família e à religião, moldadas à imagem da Virgem Santa29.
Emanuel Araújo, em artigo publicado no livro História das Mulheres do Brasil (2002),
também demonstra a percepção da sociedade em relação à condição da mulher grávida. Estar
29
Freyre, 2006, p.510.
36
grávida, ser mãe, correspondia ao grande momento da vida das mulheres, pois era quando elas
se distanciavam da condição de pecadoras e se aproximavam das virtudes de Maria, mãe do
filho de Deus. Essa atitude pode ser uma das justificativas para o fato de que na América
portuguesa os casamentos ocorriam tão cedo. Freyre (2006) ao analisar as impressões de
estrangeiros na colônia, destaca a surpresa de vários deles diante das meninas de 12 e 13 anos
já casadas e com filhos. Aos 18 anos já eram maduras e, cercadas de crianças, demonstravam
que haviam cumprido sua missão de procriar. Elas ocuparam seus corpos com a maternidade,
e depois dos filhos nascidos novas responsabilidades lhes foram conferidas.
As mulheres-mães tinham “o papel decisivo na origem e preservação dos rituais de
cortesia, que afinam as maneiras e ajudam a separar, em camadas distintas, os componentes
da sociedade” (HOLANDA, apud FIGUEIREDO, 1999, p.124). E é a mulher, dentro da casa-
grande, com seu oratório e altares quem ensina aos negros as rezas, os nomes dos santos e o
temor ao Deus cristão. É ela quem ensina às filhas as regras disciplinadoras às quais estão
submetidas, e mantém estável a sociedade familiar da América portuguesa.
Del Priore (1995) aponta que a relação estabelecida entre os homens que estavam nas
colônias e as mulheres que eram enviadas para estas regiões, exclusivamente para o
matrimônio, legitimava a desigualdade nas relações de gênero. E esta desigualdade foi
importante tanto na constituição dos papéis femininos, quanto na construção de estereótipos
utilizados amplamente pelo Estado e pela Igreja, para legitimar e justificar esses papéis. As
doutrinas eclesiástica e estatal portuguesa fundamentaram a formação da sociedade durante o
processo de colonização do Brasil. Em todo caso, não podemos desconsiderar que nem
sempre esta legislação era cumprida, e havia uma distância entre a norma e a prática social,
como observa Gilberto Freyre: “(...) quando é que as leis de proibição portuguesas e
brasileiras foram escritas para ser cumpridas à risca?” (FREYRE, 2006, p.502). Mas isto não
quer dizer que houve o rompimento com essas instituições, os indivíduos apenas adaptaram-
se a realidade na qual viviam, como é o caso das mulheres que atuaram como chefe de
família.
Percebe-se então que, apesar da existência de normas regulamentadoras tanto por parte
do Estado quanto por parte da Igreja, havia pontos de coincidência e outros de divergência, no
que diz respeito a sua atuação reguladora. Um desses aspectos seria a questão do trabalho, ou
seja, para a Igreja o trabalho feminino de mulheres pertencentes a elite não era muito
apropriado; para o Estado, ao contrário, era importante que a mulher assumisse os negócios
do marido mantendo em dia o pagamento dos impostos e das taxas. E justamente para isso o
governo, por meio das Ordenações Filipinas30, legitimou a participação feminina no trabalho
permitindo que a mulher se mantivesse como chefe da família em situações específicas, como
no caso de viuvez.
No entanto, algumas vezes, práticas que eram permitidas apenas em casos específicos
passavam a valer como regra em toda sociedade colonial. Jeannie da Silva Menezes
exemplifica bem essa situação, ao analisar o caso da restauração portuguesa no século XVII,
“quando cessada a ocupação holandesa, as mulheres que tinham assumido a condução do
patrimônio familiar continuaram a fazê-lo e a atuar nas questões de confirmação de suas
propriedades e posses na capitania de Pernambuco” (MENEZES, 2005, p.234).
No caso de Dona Joaquina do Pompéu, podemos estabelecer que houve um ponto de
coincidência entre as normas da Igreja e do Estado. Se por um lado ela é mãe de dez filhos,
avó, senhora dedicada aos cuidados domésticos e cristã fervorosa, por outro, assumiu a
administração da fazenda cuidando do rebanho, das plantações e dos escravos, negociando e
comercializando seus produtos. Sendo reconhecida como a “dona” do Pompéu, não somente a
proprietária, mas aquela que manda, que dá as ordens e é obedecida. Nesta perspectiva a
matriarca é citada por Silva, quando a autora discute a atuação feminina no processo de
colonização, “eram fundadoras de capelas, curadoras, mulheres de negócios, administradoras
de fazendas e líderes políticas locais. (...) como chefes políticas, algumas ficaram famosas
como Joaquina do Pompéu” (SILVA, 1984, p.73).
Segundo o historiador Gilberto Cezar de Noronha (2007b), Dona Joaquina supera um
dos papéis esperados da mulher, ainda que de forma limitada, e vive uma condição instável
diante de avaliações frequentes de seu comportamento. Para o autor, diante da conduta
exemplar da matriarca, a imagem de dama do sertão se sobrepõe às imagens negativas
surgidas por meio da oralidade ao longo dos anos. E, essa imagem de dama do sertão reflete
uma adaptação da matriarca com relação às normas estatais e da igreja. É a representação da
30
Ordenações Filipinas, 1985.
38
Entende-se que a Dama do sertão é uma mulher brava, “enérgica, forte e varonil”,
mas que não é braba, quer dizer, sua bravura é vista como um valor positivo,
enaltecedor, ao contrário da brabeza, que traz um significado intrínseco de maldade
– valor negativo. Dessa forma, trata-se de uma mulher que traz no sangue a nobreza
europeia, e como herança a educação castelã. No coração cultiva os sentimentos
cristãos, nas ações a fidalguia. Portadora dos valores morais católicos da altivez, da
riqueza e da cortesia. Dama fundadora de uma civilização – da civilização do povo
do oeste de Minas –, que promove o combate à barbárie, desafia o isolamento e o
marasmo do sertão com força e dinamismo. Matriz de uma classe política destinada
a conduzir os rumos da região num esforço de integração à nação, com mãos de
ferro, com tino político, capacidade administrativa, e culto aos valores patrióticos.
Essa dama do sertão constitui um verdadeiro divisor de águas na história da região,
numa perspectiva linear de progresso, uma mulher que viveu fora do seu tempo e de
seu lugar porque alia a força do homem às qualidade da mulher. Outras imagens
vêm subsidiar a imagem dominante de dama do sertão: mulher “viril”, porque nas
agruras do sertão, as damas têm que ter virilidade; mulher-matriz: política,
civilizadora, bandeirante (NORONHA, 2007b, p.148).
Essa confluência de qualidades descritas por Noronha (2007b), nos permite avançar
nas discussões e debater sobre um elemento que nos parece fundamental na construção e
consolidação da figura da matriarca. O que distingue Joaquina das outras mulheres? Que
mecanismos ela utilizou consciente ou inconsciente para se distinguir das outras mulheres e
para se colocar frente aos homens? Os indivíduos do sexo masculino usavam os títulos dos
cargos para se diferenciarem: capitão, tenente, sargento, coronel. Que títulos poderia uma
mulher usar para se diferenciar? Será que não podemos pensar que o termo “Dona” na frente
do seu nome passou a ser usado como uma forma de distinção, como um título? Quer dizer,
ela não era qualquer mulher, mas uma mulher dona, proprietária de terras, escravos, e gado.
Será que neste caso “Dona” não pode ser visto como um título carregado de simbolismos
ligados a valores morais e poder?
De acordo com Pierre Bourdieu (1987), os títulos sejam eles de nobreza, acadêmicos,
ou militares, por exemplo, representam verdadeiros títulos de propriedade simbólica que
permitem vantagens de reconhecimento para os agentes que os ostentam. Esses títulos podem
ser instituídos oficialmente, como no caso dos títulos de nobreza, no entanto eles também
podem ser conquistados e reconhecidos socialmente. Inferimos neste caso, que “Dona” usado
na frente do nome da matriarca não significa apenas sinal de respeito ao se dirigir a uma
mulher, o termo “senhora”, por exemplo, poderia ser mais adequado se fosse esse o caso.
Mas, de acordo com nossas análises acreditamos que “Dona” tem um valor muito mais forte e
39
bem definido, ainda que tenha sido recorrente seu uso para o tratamento a senhoras da elite
colonial.
Alguns estudos têm discutido o trabalho feminino sob a perspectiva de mulheres ricas
e o termo “Dona” tem sido utilizado para caracterizá-las. Os autores têm demonstrado
considerações bastante relevantes e utilizaremos algumas delas em nossas análises. Em
Donas, Senhores e Escravos, José Capela (1995) estuda o sistema de propriedade da
Zambézia, marcado pela participação feminina no sistema senhorial. As Donas zambezianas
foram importantes proprietárias de terras e escravos e exerceram significativo poder político
na região. Segundo o autor as donas adquiriram seu status de poder e distinção a partir da
posse de terras e escravos, e “Dona” tornou-se um título adquirido por elas e enraizado na
consciência coletiva.
Outro trabalho que discute sobre essa temática é o de Selma Pantoja, cujo objetivo é
analisar as chamadas “Donas” em Luanda, “poderosas e ricas comerciantes de escravos que,
através de várias gerações de mulheres, conduziram as grandes empresas atlânticas, como
proprietárias de navios e administrando agências entre os dois continentes” (PANTOJA,
2004, p.79). Segundo a autora, as Donas de Luanda, apropriaram-se do termo e o
incorporaram aos seus nomes atribuindo significado diferente ao que era usado em Portugal.
Em Luanda, as Donas, eram as mestiças e negras que detinham grande concentração de poder.
Ainda sobre o uso do vocábulo “Dona”, Marize Helena Campos (2008) investiga a
atuação das “senhoras donas” no Maranhão, mulheres proprietárias de escravos e terras. A
autora demonstra que na América portuguesa o “Dona” foi apropriado para fazer referência a
mulheres brancas pertencentes a elite colonial. Carlos de Almeida Prado Bacellar (1990)
apresenta uma informação interessante sobre o uso do “Dona” pelas mulheres paulistas.
Título de mulher nobre. (...) Privilégio de Damas que se comunica às Donas. (...)
Mulher viúva de qualidade, que no palácio assiste a uma rainha, ou a uma princesa.
Mulher de idade, que serve em uma casa de capela, à diferença das donzelas. (...)
Título das Cônegas Regrantes de Santo Agostinho, por duas razões, a primeira
porque os Cônegos da dita Regra se chamam com pronome de Dom; a segunda,
porque as religiosas que professam nela eram senhoras ilustres, ou viúvas nobres, e
neste Reino, semelhantes pessoas sempre foram chamadas de Dona. (...) Dona como
derivado do latim Domina quer dizer senhora, com este título de Domina eram
tratadas geralmente entre os Romanos mais cortesãos as mulheres moças, ou
donzelas, sendo nobres (BLUTEAU, 1712-1728, p.287-288).
Diante desses significados relativamente semelhantes, mas que tiveram seu uso
particularizado de acordo com o objeto de análise, buscaremos agora, demonstrar qual é o
nosso entendimento sobre este termo e como temos aplicado nas análises sobre Dona
Joaquina do Pompéu. Entendemos que de maneira geral o termo “Dona”, significava no
vocabulário português do Antigo Regime, uma forma de tratamento que diferenciava as
mulheres nobres das plebeias. Compreendemos a partir deste significado que, em Portugal o
vocábulo “Dona” estava relacionado a um tratamento honorífico dado a uma senhora nobre.
No entanto, ele foi apropriado nos domínios ultramarinos e adaptado de acordo com as
necessidades de cada local.
31
Ver, entre outros: GOLDSCHMIDT, 1997; ZANATTA, 2005.
41
Por outro lado, acreditamos que na América portuguesa, o uso do termo “Dona”
ocorreu para caracterizar as mulheres brancas pertencentes à elite colonial. Aline Antunes
Zanatta (2005) ao discutir os processos de divórcio da elite paulista, busca identificar quais
elementos poderiam justificar o uso de “Dona” pelas mulheres paulistas. No entanto, ela
afirma que é impossível esta definição, uma vez que estas mulheres estavam ligadas por
matrimônio a representantes de uma elite composta por indivíduos que exerciam diferentes
atividades na sociedade. Para a autora,
as mulheres poderiam ter herdado a nobreza dos pais, ou ter se casado com homem
nobre; poderiam também provir de um grupo não nobre que conseguiu ascender
economicamente e que, conseqüentemente, adquiriu prestígio. Logo, a riqueza era
apenas um dos critérios possíveis para a obtenção de nobreza, mas não uma
categoria estática de definição das “Donas” paulistas, pois muitas destas mulheres
poderiam ter empobrecido e continuarem sendo identificadas como “donas” pela
sociedade em que viviam. Se as “donas” paulistas envolvidas nos processos de
divórcio estavam ligadas aos principais da terra (senhores de engenho, homens com
cargos políticos, administrativos e militares), concordamos com a definição de
Eliana Goldschmidt em que a “dona” era a mulher de condição nobre no Brasil
colonial e que “fazer parte dos quadros da nobreza significava pertencer à elite, de
origem hereditária ou ainda militar, judiciária, administrativa, acadêmica, agrícola e
comercial, que concentrava poder e prestígio no grupo formado por brancos de
sangue limpo que não tivessem a mancha do trabalho manual (ZANATTA, 2005,
p.38-39).
Rica, 19 de março de 1799] (APM. FJBP 1. Cx. 01. Doc. 23); “Recebi da Ilustríssima
Senhora Dona Joaquina Bernarda da S. de Abreu Castelo Branco a importância de cento e
cinquenta mil réis (...)” [Vila de Pitangui, 01 de janeiro de 1805] (APM. FJBP 1. Cx. 01. Doc.
29); “Ilustríssima Senhora Dona Joaquina Bernarda da Silva de Abreu Castelo Branco. Minha
Camarada, Mãe e Senhora. (...)” [Vila Rica, 18 de março de 1808] (APM. FJBP 1. Cx. 01.
Doc. 36); “Minha mana e senhora, minha maior veneração e respeito. (...) pelos grandes
motivos que tenho de ser obrigado a ilustríssima Senhora Dona Joaquina de cuja bondade e
grandeza nunca me esquecerei (...)” [09 de janeiro de 1819] (APM. FJBP 1. Cx. 01. Doc. 41);
“(...) Ouvidor e Corregedor José Antônio da Silva Maya enviou o dizer a Dona Joaquina
Bernarda da Silva de Abreu Castelo Branco e outro por uma petição (...) [Sabará, 07 de junho
de 1822] (APM. FJBP 1. Cx. 01. Doc. 43).
Sem dúvida o destaque alcançado por Dona Joaquina na administração de suas
propriedades está, de alguma forma, relacionado a educação diferenciada que recebeu, já que
ela aprendeu a ler e a escrever, o que não era tão comum entre as jovens de sua época.
Durante a análise de seus documentos, percebemos uma habilidade considerável na escrita,
reconhecida pelo teor e a pertinência das correspondências por ela redigidas. Acredita-se que
possuía a mesma habilidade para a leitura. Não é possível afirmar que todas as mulheres não
sabiam ler ou escrever, mesmo porque, é sabido que algumas jovens aprendiam a ler, porém o
suficiente para entenderem as orações dos livros das rezas (LUCCOCK, 1942).
A educação de Dona Joaquina se fez diferenciada desde sua infância até a vida adulta,
e parece que seu caráter e personalidade, aliados a boa administração, também contribuíram
para que ela se tornasse uma mulher bem sucedida nos negócios. De acordo com Hespanha o
chefe da família tinha três deveres para com os filhos: educá-los espiritualmente, moralmente
e civilmente, “fazendo-lhes aprender as letras (pelo menos, os estudos menores), ensinar um
ofício, (...) dotá-los para matrimônios carnais ou religiosos” (HESPANHA, 2010, p.128).
Parece-nos que o doutor Jorge de Abreu Castelo Branco, pai de Joaquina cumpriu bem seus
deveres. Ele deixou para os filhos um livro de instruções com recomendações sobre como
estes deveriam se apresentar na vida32. O livro é na verdade uma compilação de 15
documentos onde o autor discursa sobre como gostaria que seus filhos, incluindo as mulheres,
deveriam se comportar na vida social e privada.
32
Os documentos estão transcritos em duas obras sobre Dona Joaquina, a saber: RIBEIRO; GUIMARÃES,
1956, p. 52-58; CAMPOS, 2003, P.102-104. O manuscrito original não foi localizado.
44
Os primeiros documentos têm um caráter religioso, como amar a Deus sobre todas as
coisas e acreditar unicamente na Igreja Católica. Como as instruções servem tanto para os
filhos quanto para as filhas, alguns documentos chamam a atenção por podermos identificá-
los nas ações de Dona Joaquina, e porque, justificam ao mesmo tempo, o que estamos
inferindo com relação à sua educação. No documento de número nove, doutor Jorge pede que
os filhos cuidem dos bens que possuem e não sejam demasiadamente ambiciosos ou
miseráveis, mas que tenham qualidades de bons administradores.
No décimo primeiro documento ele discursa sobre a importância da educação, pede
que os filhos amem e dediquem-se as letras, mesmo que não se tornem doutores. E no de
número doze sugere que os filhos ao lidarem com os outros sejam sempre sérios e honestos. O
que pretendemos com a apresentação dessas instruções é demonstrar que Dona Joaquina foi
criada dentro de uma família preocupada com a educação dos filhos, inclusive das mulheres.
E muito provavelmente, esses documentos escritos por seu pai, a aconselharam e orientaram
na administração dos negócios e na sua conduta diferenciada em relação a outras mulheres
que viveram no período colonial.
De acordo com Araújo (2002), a educação destinada às meninas era diferente da dos
meninos. A elas cabia o aprendizado mínimo da leitura e escrita voltadas não só para o “livro
das rezas”, mas para realizar eficazmente algumas tarefas da casa, como escrever listas de
compras, calcularem medidas para costura e etc. Sendo que estas qualidades eram vistas com
bons olhos, pois os maridos sabiam que suas casas estavam sendo comandadas de acordo com
a tradição familiar.
Ainda referente à educação, é interessante perceber nos relatos de estrangeiros a
impressão que estes tinham das mulheres que moravam nos trópicos. Aos olhos deles as
mulheres brancas que aqui viviam eram, em sua maioria, ignorantes: “(...) o pouco contato
que os costumes com elas permitem, dentro em breve, põem a nu a sua falta de educação e
instrução” [1813] (LUCCOCK, 1942, p.75). Mais interessante ainda é perceber como os
estereótipos contidos nestes relatos foram sendo absorvidos pela historiografia ao
caracterizarem as mulheres do século XVIII e XIX.
Charles Expilly (1977) demonstra em seu relato sua surpresa em relação a ignorância
das mulheres que viviam no interior do país. Já o artista Jean Baptiste Debret (1975) analisa a
educação das brasileiras, e sua fala é bastante parecida com o que se costuma ouvir sobre as
mulheres do período colonial. Segundo o artista, a educação “se restringia, como antigamente,
a recitar preces de cor e a calcular de memória, sem saber escrever nem fazer as operações.
Somente o trabalho de agulha ocupava seus lazeres, pois os demais cuidados relativos ao lar
45
são entregues sempre às escravas.” [1816] (DEBRET, 1975, p.17). Novamente, a presença do
estereótipo feminino ligado à falta de instrução e a não execução dos serviços domésticos
recai sobre as mulheres brancas.
Entendemos que as impressões desses estrangeiros e as descrições da educação das
mulheres no Brasil, não são simples estereótipos. É preciso perceber em suas narrativas que se
trata de uma generalização da condição destas mulheres, mas nem por isto estas informações
tornam-se menos valiosas, já que o que descrevem são as impressões que vivenciaram no
cotidiano. No entanto, não se pode ignorar que existiram algumas mulheres que não
obedeceram a estes estereótipos. Ao analisar a história de mulheres que se destacaram à frente
de seus negócios, vê-se claramente o rompimento com este que parecia ser o padrão feminino
para a época. Mas um rompimento, não no sentido de que estas mulheres eram revoltadas com
sua condição e por isso procuraram se destacar. Pelo contrário, o rompimento surge porque
elas precisaram se adaptar a novas situações para sobreviverem.
Diferentemente do que observaram os estrangeiros aqui citados, e outros tantos, a
viajante Adéle Toussaint-Samson, citada por Leite (1984), apresenta outro olhar sobre as
mulheres, pois podia conviver com elas mais intimamente, ao contrário dos viajantes do sexo
masculino. De acordo com ela, as mulheres brasileiras realmente não faziam nada, mas davam
ordens aos escravos para que estes fizessem. Passando o dia todo delegando tarefas aos
escravos, desde a fabricação de doces para serem vendidos nas ruas, até a confecção de roupas
para a escravaria, para as crianças, roupas de cama e mesa. Há ainda as ordens para a
arrumação e providências para as refeições da casa, e mais outros tantos afazeres organizados
e comandados por elas.
Interessante nas observações de Toussaint-Samson, é que a mulher descrita por ela, é
totalmente diferente daquelas mencionadas por outros observadores estrangeiros. Ela
conseguiu observar uma mulher no seio da vida doméstica, com seus intermináveis afazeres.
A observação não foi feita apenas durante uma refeição ou conversa formal na presença do
marido. A viajante participou do cotidiano dos cuidados domésticos, evidenciando que por
trás de uma dita falta de educação e instrução, as mulheres cuidavam muito bem de suas
casas.
O Barão de Eschwege (1979) também pôde ver de perto a vida de várias mulheres em
suas viagens pela América portuguesa. No segundo volume de seu livro Pluto Brasiliensis, o
Barão narra, a sua passagem pelo “principiado” de Dona Joaquina, por volta do ano de 1811.
Ele e sua comitiva ficaram hospedados na fazenda do Pompéu, onde apreciaram a
generosidade da matriarca e admiraram sua eficaz administração no trato de mais de quarenta
46
mil cabeças de gados, escravos, plantações e ainda o cuidado com a casa, os filhos, netos e
hóspedes. Eschwege destaca ainda a ativa participação da matriarca em lutas políticas, na
defesa de suas propriedades e no processo de independência do Brasil.
Elizabeth C. Agassiz, em sua narrativa sobre o universo feminino, no século XIX, e
Coroliano Pinto Ribeiro (1956), em sua obra sobre Dona Joaquina, apresentam informações
sobre a condição feminina, que merecem destaque. No primeiro excerto apresenta-se a
condição geral das mulheres brancas da elite. A passagem seguinte refere-se à Dona Joaquina.
Com esta comparação, pretendemos demonstrar as diferenças de conduta entre essas mulheres
que pertenciam a um mesmo grupo social, mas que viviam em situações diferentes:
Em geral, no Brasil, pouco se cuida da educação das mulheres (...). Não há uma só
mulher brasileira, que, tendo refletido um pouco sobre o assunto, não se saiba
condenada a uma vida de repressões e constrangimentos. Não podem transpor a
porta de sua casa, senão em determinadas condições, sem provocar escândalo (...).
Nunca vi em parte alguma, para as pessoas do meu sexo, condição tão triste como a
das mulheres dessas pequenas localidades [cidades do norte e do interior do Brasil].
É uma existência horrivelmente monótona, privada desses prazeres sadios que
proporcionam vigor; um sofrimento passivo, entretido, é verdade, mais por falta
absoluta de distrações do que por males positivos, mas que nem por isso é menos
deplorável; um estado de completa estagnação e inércia (AGASSIZ; AGASSIZ,
apud. LEITE, 1984, p.74-76).
Não quis ela seguir o perfil das damas de salão da nobreza de uma vida de
toucadores últimos figurinos das Cortes de então. Preferiu a roça, a criação de gado,
e a indústria das invernadas, o rodeio dos rebanhos em campos a perder de vista, ela
montada em seu veloz “puro-sangue”, de botas e esporas, armada de escopetas, e
terçando, chapeirão de palha e um chicote a mão acompanhada de filhos, netos,
escravos fiéis, galopando pelos desertos (RIBEIRO; GUIMARÃES, 1956, p.382-
383).
33
APM. FJPB 1. Cx. 01-04.
47
desempenho dos negócios, como para ter notícias dos familiares e colocar-se a par de diversos
assuntos” (FURTADO, 1999, p.106).
Em carta assinada por Diogo Pereira Ribeiro Vasconcelos, datada de 1808, o
destinatário questiona sobre a saúde da “ilustríssima senhora Dona Joaquina. Minha
camarada, mãe e senhora” e tece longos elogios sobre suas virtudes. Faz uma breve menção
ao período em que sua esposa e filhos passaram hospedados na fazenda do Pompéu. Por fim
discorre sobre negócios: produtos que está mandando de Vila Rica para Pompéu; venda de
gado que não foi bem sucedida, devido ao excesso de gado proveniente da Comarca do Rio
das Mortes; o sucesso no envio de duzentas cabeças de gado para a “Sua Alteza Real” no Rio
de Janeiro, juntamente com a carta levada a “Real Presença de Sua Alteza, abonando o seu
Patriotismo” (APM. FJBP 1. Cx. 01. Doc. 36). Na carta observamos alguns elementos que
estamos discutindo neste trabalho, a convergência da “dona de casa” e da “dona do Pompéu”.
Vale ressaltar que, a matriarca conseguiu conciliar em si qualidades essenciais para uma boa
moça da América portuguesa, segundo os manuais. Ao mesmo tempo em que conseguiu
adotar uma postura forte e determinada para administrar seu patrimônio.
Na administração, Dona Joaquina montava a cavalo e saía pelos currais e fazendas de
suas propriedades dando ordens e cuidando para que tudo corresse de acordo com sua
vontade. Para percorrer os caminhos da capitania de Minas Gerais, solicitou autorização para
andar armada, como demonstra o documento a seguir. Interessante no documento é que ao
final das explicações sobre os perigos do interior da capitania, há uma menção a existência de
inimigos na Vila de Pitangui, mas que a solicitação do porte de armas não tem nenhuma
relação com este fato. Neste aspecto, andar armada significava para a matriarca garantir sua
segurança pessoal, tanto na Vila quanto em viagens mais distantes. Sendo assim, pode-se
perceber mais uma vez as particularidades que cercavam o cotidiano desta senhora.
poderes a Manoel Ferreira da Silva e a João Evangelista F. Lobato, para que pudessem
representá-la em qualquer tipo de ação. Além disso, no documento, citado acima, consta uma
solicitação para que fosse enviado à Vila de Pitangui um juiz de fora para resolver problemas
“jurídicos” da região. Ribeiro e Guimarães (1956) afirmam que, nos domínios de Dona
Joaquina, na falta de autoridade legal, era ela em pessoa quem aplicava castigos aos negros,
efetuava prisões e inquéritos, perdoava ou indultava. Percebe-se aqui a fragilidade da
autoridade do Estado português nos sertões da Colônia defendida por Gilberto Freyre (2006) e
por Caio Prado Júnior (1979), e que legitima a existência de uma sociedade patriarcal baseada
nas relações de poder, onde a autoridade está representada na figura do grande proprietário.
Sendo que neste caso específico a autoridade encontra-se vinculada à Dona Joaquina do
Pompéu.
Se por um lado Freyre e Prado Júnior defendem uma atuação frágil do governo na
América portuguesa, Raimundo Faoro (2000) acredita num Estado forte e presente. Segundo
o autor, a metrópole instala “amplos tentáculos” na colônia, “as peças do Estado português
atravessam o oceano, firmando-se no litoral e nos sertões. Despreza-se a realidade americana,
as peculiaridades locais são esmagadas” (FAORO, 2000, p.78). No entanto, é preciso
mensurar esses dois extremos (Estado frágil e Estado Forte), e perceber que uma vez na
colônia, os funcionários reais, passavam a fazer parte daquela sociedade. Com isso
articulavam-se junto a elite local por meio de alianças matrimoniais e de compadrio como
demonstra Silvia Brügger: “no que diz respeito à administração das Minas, os poderes
metropolitanos não podiam eximir-se de alianças com os poderes locais. Concediam benesses,
privilégios e cargos a potentados, buscando inseri-los na ordem administrativa” (BRÜGGER,
2007, p.59).
Parece-nos que, ainda que dependam do poder central e estejam submetidas a ele, as
câmaras dos longínquos sertões da colônia parecem ter maior autonomia e maior
possibilidade de privilegiar seus membros no âmbito local. As câmaras, na América
portuguesa, podem ser tidas então, como locais de articulação política, onde seus membros,
muitas vezes ligados por meio de laços de parentesco, agem em benefício de seus próprios
interesses. Assim, segundo João Fragoso, Maria de Fátima Gouvêa e Fernanda Bicalho
(2000), muitas vezes, os vereadores usavam a câmara para definirem práticas econômicas,
intervindo no mercado e controlando preços e serviços ligados ao abastecimento da cidade,
por exemplo. Com atitudes como essa as elites locais beneficiavam-se enormemente e
mantinham seu poder e controle.
49
34
Em 1718, Antônio Rodrigues Velho, conhecido também como "Velho da Taipa", um dos primeiros
bandeirantes a chegarem a Pitangui, tornou-se Capitão-mor e elegeu-se o primeiro juiz ordinário da Câmara da
vila. Era avô do Capitão Inácio, marido de Dona Joaquina (DINIZ, 1965).
35
Ver, entre outros, CORRÊA, 1982; DIAS, 1984; FREYRE, 2006; SAMARA, 1983; VAINFAS, 1989.
50
formada a partir da atividade mineradora associada à agricultura, mas que acaba solidificando
seu poder por meio da agricultura, pecuária e ocupação de cargos políticos e militares. Um
núcleo familiar que descortina outras diversas famílias ligadas entre si por laços matrimoniais
e de parentesco consanguíneo. Que arranjos familiares são esses, cujo chefe da família é uma
“Dona”?
Para nós, sem dúvida, algumas características apresentadas por Freyre para determinar
o conceito de patriarcalismo cabem perfeitamente na estrutura familiar de Dona Joaquina do
Pompéu. Mas nem por isso deixamos de acreditar que outras formas de organização familiar
coexistiram com o patriarcalismo ao longo do período colonial brasileiro. Procuraremos a
partir de agora determinar características comuns entre o modelo patriarcal descrito por
Freyre (2006) e a família da matriarca. Ao mesmo tempo demonstraremos alguns elementos
particulares dessa família e que podem nos ajudar a justificar a importância que tiveram.
De acordo com Sheila de Castro Faria, no Dicionário do Brasil Colonial, “em geral, os
termos patriarcal e patriarcalismo são utilizados nas ciências sociais como referência a uma
sociedade em que o homem exerce o poder de liderança na família tendo a mulher uma
condição inferior” (FARIA, 2000, p.470). Ora, a condição da inferioridade feminina no
período colonial é bastante relativa, o que nos leva a problematizar esse conceito e refletir
sobre ele. No mesmo verbete, Faria completa, “(...) mesmo tendo existido certa opressão das
mulheres na colônia, ela só poderia ser efetivada nos estritos grupos da elite, justamente nas
famílias patriarcais, e mesmo assim de maneira matizada” (FARIA, 2000, p.471).
As críticas a Freyre com relação ao domínio do homem sobre a mulher na sociedade
patriarcal, não são pertinentes já que o autor não faz nenhuma afirmação nesse sentido. Para
Noronha (2007), Freyre nega a existência de um matriarcado no Brasil, mas reconhece a
existência de matriarcas como equivalentes de patriarcas. Além disso, ele cita núcleos
familiares comandados por mulheres inserindo-os na sua concepção de patriarcalismo. Uma
das matriarcas citada em nota é justamente Dona Joaquina do Pompéu: “parece ter sido do
mesmo feitio, por assim dizer, matriarcal, de Da. Francisca do Rio Formoso – que era uma
Wanderley – Da. Joaquina do Pompéu, de Pitangui e Paracatu (Minas Gerais), onde foi dona
de grandes fazendas e, com a doença do marido, o “homem da casa” (FREYRE, 2006, p.344.
[grifo meu]).
Segundo Silvia Brügger (2007) o que é realmente relevante no conceito de
patriarcalismo proposto por Freyre é a representação do poder familiar. Associado a isso, tem
a ideia de que os sujeitos se percebiam muito mais como membros de uma determinada
família do que como indivíduos. Neste caso, o chefe da família ser do sexo masculino ou
51
feminino não interfere na caracterização da família como patriarcal. O que justifica o uso do
conceito de patriarcalismo é a força, influência e o poder da família em uma determinada
região, aliado aos valores e aos laços familiares. Neste sentido, a conformação da família de
Dona Joaquina explicita laços familiares muito fortes e dependentes entre si, como mencionou
o próprio Freyre. Merece destaque então, a posição privilegiada da família no centro das
relações, ou seja,
ainda sobre certa influência destas famílias patriarcais sobre o Estado e a Igreja ao nível local.
Desses apontamentos feitos por Samara (1983), podemos buscar na documentação sobre
Dona Joaquina elementos que corroborem para a validação dessas afirmações dentro da
perspectiva da nossa pesquisa, que é, entre outras coisas, demonstrar elementos patriarcais
nesse núcleo familiar.
A Fazenda do Pompéu, a casa-grande da matriarca, sem dúvidas, foi o símbolo maior
do poder de Dona Joaquina. Nos Autos do Inventário, registrado em Pitangui, podemos
mensurar a dimensão da propriedade que abrangia o que hoje são mais de dez municípios
mineiros, cerca de 6.220 alqueires de terras produtivas. A propriedade possuía ainda,
uma morada de casa de sobrado, engenho de cana, paiol, currais, senzalas, dois
moinhos, quatro monjolos, regos de água, engenho de serra descobertado, uma casa
velha de sobrado, uma horta cercada de muros, cercas de aroeiras rochadas, três
pastos fechados, [ilegível] ranchos de bezerros, sevos de porcos, árvores de
espinhos, jabuticabeiras, marmeleiras, vários pés de café, tudo avaliado depois de
visto e examinado pelos ditos locados na quantia de 13 contos e 200 mil réis (...)
(CAMPOS, 2003, p.161).
Como chefe da família, Dona Joaquina cuidou de conservar a linhagem de sua família
buscando para seus filhos e filhas casamentos com indivíduos pertencentes ao seu círculo de
amizades e familiares. Seus genros e noras eram também sobrinhas, primos, primas, irmão e
até uma de suas netas. O núcleo familiar liderado pela matriarca mostrou com isto contornos
estáveis, permanentes e tradicionais da sociedade colonial. “Nesse contexto era quase uma
contingência para os indivíduos se incorporarem às famílias ou grupos de parentesco, que
funcionavam ao mesmo tempo como organizações defensivas e centros de propulsão
econômica” (SAMARA, 1983, p.11-12) Dessa forma manteria tanto a fortuna quanto o
prestígio social seguros no seio familiar.
O núcleo central da família formado pelos filhos(as), genros, noras e netos(as) era o
que sustentava a representatividade da figura de Dona Joaquina. Sem a família e seus laços,
consolidados ao longo de anos de arranjos matrimoniais, econômicos, etc., a matriarca é
apenas uma mulher. Seu poder é o poder da família e vice-versa. O patriarcado regido por ela
só é possível tendo em vista a noção de família enquanto parentela, rede de poder e
dependência, sugeridos por Antônio Cândido e discutidos por Ronaldo Vainfas (1989). Por
esse motivo, percebemos ainda a anexação de uma série de outros sujeitos ao núcleo central
da família formando uma camada periférica de dependentes. Esses eram parentes mais
distantes, afilhados, amigos, agregados, escravos, todos, em alguma medida, dependentes de
Dona Joaquina. E, para estes indivíduos era essencial ter e manter a proteção de uma grande
53
família, por outro lado, para a matriarca ter ao seu redor toda essa gente “significava projeção
política em um tipo de sociedade em que o prestígio era medido pela quantidade de pessoas
sob sua influência” (SAMARA, 1983, p.14).
Concordamos com Samara que a família patriarcal assumiu características diferentes,
regionalmente e que ela mudou com o tempo. No entanto, em nossas análises percebemos que
alguns elementos permaneceram inalterados e se reproduziram em diversos lugares. Vemos
na conformação da família de Dona Joaquina do Pompéu a representação da família patriarcal
se pensarmos no poder da família em relação aos indivíduos que a compõe. A condução da
família por um membro forte e que provem a todos de sustento, respeito, prestígio e influência
também encontramos no Pompéu. O fato desse sujeito ser uma mulher não altera
drasticamente o conceito proposto por Freyre (2006), já que ele mesmo apresenta famílias
patriarcais liderados por mulheres. Por fim, acreditamos que devemos entender o
patriarcalismo “como um conjunto de valores e práticas que coloca no centro da ação social a
família” (BRUGGER, 2007, p.63).
54
Localizada a noroeste da Vila de Sabará, sede da Comarca do Rio das Velhas, a Vila
de Pitangui possuía um vasto território. De acordo com Silvio Gabriel Diniz (1965) os limites
da Vila iam além da margem esquerda do Rio São Francisco, a oeste; limitava com o Rio
Paraopeba na direção leste e norte; e ao sul a cordilheira do Itatiaiuçu indicava a fronteira
entre a Comarca do Rio das Velhas e a Comarca do Rio das Mortes. A oeste da Vila o grande
sertão se estendia até encontrar os limites com a Comarca de Paracatu (Figura 01 e 02).
Fonte: COSTA, Antônio Gilberto (org.). Cartografia da Conquista do território de Minas Gerais. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2004. p.204. [Acervo da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa]
Fonte: ROCHA, José Joaquim da. MAPA DA CAPITANIA DE MINAS GERAES COM A DEVIZA DE
SUAS COMARCAS. [S.l.]: 1778. Coleção de documentos cartográficos do APM. Preto e branco. 46,5 x
39,0cm. [Em destaque, Vila de Pitangui].
Legenda
Caminho Novo
Caminho Velho
Caminho para Pitangui via
Sabará/Serra de Itatiaiuçu/Rio
Pará
Caminho para Pitangui via
Sabará/Rio das Velhas/Rio
Paraopeba
Fonte: Adaptado de, COSTA, Antônio Gilberto (org.). Cartografia da Conquista do território de Minas
Gerais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004. p.204. [Acervo da Biblioteca Pública Estadual Luiz de
Bessa]
Podemos dizer que esses foram os principais caminhos utilizados pelos primeiros
povoadores dessa região. Se inicialmente a Vila de Pitangui se destacou pela exploração
aurífera, num segundo momento foram as atividades agropecuárias que movimentaram sua
economia. Segundo Magno Guimarães e Liana Reis (1986), o vale do São Francisco, onde se
localiza a Vila de Pitangui, base dos domínios de Dona Joaquina do Pompéu, foi uma das
regiões responsáveis pelo abastecimento de toda a capitania e muitos de seus fazendeiros se
destacaram no cenário político e econômico.
Antes de discutirmos sobre as atividades econômicas de Pitangui é necessário
pensarmos sobre a ocupação deste território iniciada em fins do século XVII. Esta discussão
nos fornecerá elementos que ajudam a explicar o processo de desenvolvimento e as
transformações ocorridas na região ao longo do período colonial e dos anos iniciais do
período imperial. Carlos Henrique Davidoff (1986) informa que na ausência de uma atividade
agrícola nos moldes mercantis da colonização portuguesa, como no caso do açúcar
pernambucano, os paulistas buscaram em novas atividades, como a caça aos índios e a busca
de metais e pedras preciosas, uma maneira de sobreviver. E, foram estes primeiros
bandeirantes, com auxílio dos índios, que abriram caminhos para as bandeiras que se
sucederam até a descoberta do ouro.
Para Francisco Eduardo de Andrade, os paulistas foram os principais empreendedores
dessas incursões aos sertões, pois haviam alcançado fama de “sertanistas hábeis, prudentes e
valorosos, faziam de suas expedições ao sertão verdadeiros feitos de expansão do domínio
luso” (ANDRADE, 2008, p. 59). A esperança portuguesa da existência de metais e pedras
preciosas no interior do território, assim como havia nas colônias da América Espanhola,
favoreceu para que a Coroa incentivasse os bandeirantes, prometendo-lhes recompensas e
mercês caso encontrassem as tão sonhadas minas.
Com a descoberta das primeiras minas em fins do século XVII, Ilana Blaj (1998)
afirma que a articulação ocorrida entre São Paulo e as áreas mineradoras possibilitou o
surgimento de grandes comerciantes de gêneros alimentícios. Foram estes sujeitos que
identificaram no abastecimento e comércio da região mineradora uma oportunidade única
para o estabelecimento de rentáveis negócios. Organizou-se então, uma rede de abastecimento
que contava com produtores de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia no início do século XVIII e
que depois foi reforçada, por produtores da própria capitania de Minas. Com o aparecimento
de vários núcleos produtores nas Minas em meados dos setecentos houve uma redução
significativa na importação de produtos de outras capitanias.
59
36
CATAO (org.), 2011.
37
DINIZ, 1965; SILVA, 1919; SOARES, 1972.
60
estudos38 têm demonstrado ainda, que a fixação dos bandeirantes paulistas no sertão do São
Francisco e a formação de núcleos pecuaristas, contrapõe a ideia da mobilidade bandeirante
defendida durante décadas pelos historiadores, pelo menos nessa região. De acordo com
Márcio Santos,
A movimentação dos sertanistas por esses espaços interiores, que é muito mais
antiga do que a segunda metade do Seiscentos, parece ter se voltado, a partir de
então, também para a ocupação, fixação e valorização econômica dos sertões
centrais e setentrionais. Por razões distintas, antigos caçadores de índios,
combatentes mercenários de tribos tapuias e aventureiros exploradores de riquezas
minerais deixam, em alguns casos, o ritmo itinerante dessas atividades e assentam
núcleos pioneiros de ocupação do interior, dando início à territorialização dos
sertões (SANTOS, 2004, p.56).
38
Sobre bandeirantismo e a presença paulista em Pitangui consultar: PEIXOTO, 2006; SANTOS, 2004, entre
outros.
39
Pitangui do tupi pitang, de pele tenra, corado, vermelho, ou como substantivo, criança e ii, rio, rio das pitangas
ou rio das crianças.. DINIZ, 1966, p.21-23. Atualmente o rio é chamado de rio Pará.
61
40
DINIZ, 1965; DINIZ, 1966; SOARES, 1972.
62
Faço saber aos que esta minha carta de sesmaria virem que tendo respeito ao que por
sua petição me enviou a dizer o Capitão Antônio Rodrigues Velho morador no
Pitangui que ele tem povoado e cultivado há anos uma fazenda de gados, no
sertão do Rio São Francisco no riacho chamado Bambuí, que parte da banda Leste
com Domingos Rodrigues Neves e do Norte com o Rio São Francisco, e do oeste e
sul com sertões ainda por cultivar e porque queria acrescentar a dita fazenda de que
resultava grande aumento aos reais Dízimos a possuía com justo título para viver
livre de contendas e com quitação [grifo meu] (RAPM, 1912, p. 850).
(...) hei por bem de fazer mercê ao suplicante em nome de Sua Majestade de quatro
léguas de terra em quadra de sesmaria, que principiam da Lagoa dos Patos junto do
Rio do Pará verdadeiro até chegar ao Rio Indaiá, a qual fica rio acima da outra banda
do Rio de Pitangui, fazendo frente com a sesmaria que pediu Antônio Rodrigues
Velho, compreendendo também a parte de campo que fica da mesma banda do rio
até se inteirar das ditas quatro léguas em quadro [grifo meu] (APM, SC. Livros da
Secretaria de Governo – códice 9.165).
Podemos perceber que o Capitão Antônio utilizava o terreno mesmo sem ter a
concessão oficial da sesmaria, que só receberia em 1737. Além disso, Diniz (1965) informa
que ambos os senhores acima mencionados povoaram fazendas e mantiveram grandes
empresas de mineração na região e ainda atuaram no cargo de Juiz Ordinário. E é nesta
perspectiva, de aliar a mineração a outras atividades que a Vila de Pitangui se desenvolve e
posteriormente se transformará num dos principais centros abastecedores da Capitania.
Analisar esses dois documentos nos permite perceber que a atividade agropecuária já
fazia parte da vida desses primeiros moradores de Pitangui. Andrade demonstra que foi
concedida “aos exploradores do sertão de Pitangui, sesmarias maiores, cuja extensão era de
até três léguas em quadra, para currais de gado” (ANDRADE, 2008, p.220). Há ainda a
solicitação de Dom Lourenço de Almeida, governador da Capitania, para que se abrisse um
caminho para Pitangui a fim de que chegasse a Vila Rica maiores quantidades de gados e de
41
Antônio Rodrigues Velho é conhecido em Pitangui como o Velho da Taipa. Em 1705 casou-se, em Itu, com
Margarida de Campos, filha de José de Campos Bicudo. Coloca-se, juntamente com seu sogro, entre os
descobridores da região pitanguiense. Residiu na Vila até sua morte em 1765. Serviu o cargo de Juiz Ordinário
diversas vezes. (DINIZ, 1965, p.75).
63
mantimentos vindos daquela região42. Com isso percebemos a importância econômica que a
criação de gado teve para a região, sendo reconhecida inclusive pela administração colonial.
José Joaquim Rocha, autor de várias memórias sobre a Capitania de Minas Gerais,
descreve a Vila de Pitangui mencionando aspectos geográficos e econômicos da região: “em
terreno bastante fértil de peixe, caça, gados e tudo o mais que se necessita para o sustento da
vila. Na vizinhança desta, tem muitas fazendas de gado vacum, que não só fornecem de carne
a mesma Vila, mas ainda as mais da Capitania e suas povoações” (ROCHA, 1995, p.117).
Outros autores também demonstram o quanto a região foi responsável pelo abastecimento da
capitania de Minas Gerais. Ao descreverem características do solo e relevo, cuja formação
calcária e localização em uma vasta planície de cerrados, recortada por córregos, demonstram
que essas especificidades tornavam as terras da região férteis e favoráveis para a criação de
gado e o cultivo de variados gêneros, sobretudo grãos e cereais43.
Sabemos que a produção que saía da Vila de Pitangui circulava pela Capitania
passando por diferentes regiões. Qualquer que fosse o trajeto os comerciantes passavam por
postos fiscais, instalados pela Coroa com intuito de impedir o contrabando de metais
preciosos, ao mesmo tempo em que gerava fundos para a administração portuguesa com a
cobrança de impostos sobre as mercadorias transportadas. Esses postos conhecidos como
registros de passagem, foram estudados por Cláudia Chaves (1999). A autora apresenta os
registros da capitania de Minas no século XVIII, as mercadorias registradas e os comerciantes
que por eles passavam. Destacamos as informações referentes a um dos postos pertencentes à
comarca do Rio das Velhas, o posto de Pitangui. Constam nos registros que os principais
produtos que saíam desta vila eram o gado vacum, peixe fresco e seco, carne seca, potros e
cavalos, sal, couro, açúcar, fumo e sabão. Com base na documentação disponível sobre as
fazendas de Dona Joaquina do Pompéu, infere-se que em suas propriedades estes itens citados
eram produzidos, confirmando a contribuição que a matriarca tem para o abastecimento
mineiro no final do século XVIII e início do século XIX.
Nos livros do registro de Pitangui, referentes aos anos de 1765 a 1767, imediatamente
após o casamento de Dona Joaquina, já consta a passagem da produção de sua fazenda. Os
registros estão em nome de seu marido, Capitão Inácio de Oliveira Campos, e demonstram
um considerável volume de mercadorias saindo da região de Pitangui destinado ao
abastecimento de outras partes da capitania. Neste período, o Capitão Inácio não aparece nos
registros como um dos grandes comerciantes, contudo, no período seguinte (1768-69) sua
42
APM. SC. 20.l37.
43
RIBEIRO; GUIMARÃES, 1956. ESCHWEGE, 1979. VASCONCELOS, 1994.
64
atuação o coloca como segundo maior produtor, ao lado de Manoel Gomes da Cruz. Este, por
sinal, amigo da família e parceiro de grandes negócios com Dona Joaquina, como comprova
ampla correspondência comercial entre eles44. Além disto, foi de Manoel Gomes da Cruz, que
o capitão Inácio e a matriarca compraram a fazenda do Pompéu.
Entre 1757 a 1767, Manoel Gomes da Cruz aparece como sendo o principal
movimentador do registro: “Manoel Gomes da Cruz movimentou, apenas com o gado, 45,7%
do total da arrecadação do posto no período e 65,5% do total de impostos sobre o gado
vacum, somando 691 cabeças, transportadas de sua fazenda em Pompéu” [grifo meu]
(CHAVES, 1999, p.121). Com isso percebe-se que a Fazenda do Pompéu, ao ser adquirida
por Dona Joaquina e Capitão Inácio, já era produtiva, cabendo ao casal administrá-la. À
produção desta fazenda somam-se às produções das outras propriedades do casal, e tem-se
dimensão do que foi produzido e administrado pela matriarca. Ainda referente aos registros de
1768-69, a atuação conjunta do Capitão Inácio, que figura como segundo negociante da
região, e de Manoel Gomes da Cruz, soma 72,29% do total arrecadado pelo posto da Vila de
Pitangui. Cerca de 90% do total de impostos arrecadados sobre o gado vacum foram pagos
por estes dois fazendeiros.
De acordo com nossas análises entendemos que apesar da sociedade setecentista ter se
constituído em torno da atividade mineradora quase exclusiva para a exportação, foi por meio
da atividade agrícola e comercial que ela se consolidou. De acordo com Chaves “a atividade
comercial em Minas estava intimamente ligada ao setor produtivo, sobretudo o agropecuário”
(CHAVES, 1999, p.163), e com o desenvolvimento da capitania e a estruturação do
abastecimento interno surgem indivíduos que vão produzir e comercializar seus próprios
produtos nas vilas e arraiais.
Neste caso, percebe-se que o comércio e a atividade agrícola caminhavam lado a lado
na economia mineira dos setecentos. Além disso, várias famílias que viviam da atividade rural
estavam envolvidas, de alguma forma, com o comércio como fonte adicional de ganhos. Ou
seja, a atividade comercial estava presente na vida dos mineiros como importante suporte
econômico. Aqueles comerciantes atentos ao mercado tiveram a oportunidade de lucrarem
consideravelmente com seus negócios.
Era bastante comum, no período colonial, a utilização de cartas de crédito, recibos e
notas promissórias para a movimentação da economia. E um dos serviços implementados pela
Coroa que favoreceu enormemente os comerciantes, foi a instalação do serviço de correio em
44
Na documentação disponível no APM – FJBP. CX.01, dos 47 documentos datados entre 1775 a 1824, 16 são
cartas trocadas entre Inácio e Joaquina com Manoel Gomes da Cruz.
65
meados da segunda metade do século XVIII. Isto porque a informação e os negócios passaram
a caminhar juntos. Para Júnia Furtado “Além de facilitar os negócios, as cartas faziam parte
de um conjunto de códigos escritos em que saberes e poderes eram intercambiados e se
reproduziam de maneira informal” (FURTADO, 1999, p.119). As cartas que circulavam entre
os comerciantes traziam informações de cunho pessoal, sobre os produtos mais procurados, os
mais vendidos, os que estavam sem saída. Traziam também sugestões de novos produtos,
informações sobre dívidas e pagamentos, notícias gerais sobre uma determinada vila ou
arraial, ou ainda sobre a metrópole:
Júnia Furtado (1999) e Cláudia Espírito Santo (2004) esclarecem que na capitania de
Minas havia uma escassez de moeda corrente em função das restrições impostas pelas
autoridades coloniais e pelas práticas sociais da época. Devido à proibição da circulação de
66
ouro em pó, criou-se “um sistema de empréstimos baseados em recibos e letras de crédito, a
palavra escrita tornou-se muito importante” (FURTADO, 1999, p.107). Cláudia Espírito
Santo ratifica a existência dos recibos passados em troca de produtos e empréstimos:
(...) empenhavam sua palavra, escrita ou falada, como moeda para as transações
comerciais cotidianas, e o não-cumprimento dela resultava em demandas judiciais.
Sua aceitação como instrumento monetário estava respaldada nas crenças e valores
da sociedade mineira setecentista, que concebia o empenho da palavra como forma
de circulação monetária para a obtenção de crédito, na medida em que era uma
promessa de pagamento fundamentada na confiança depositada no emitente.
Portanto, em Minas Gerais é possível acompanhar o surgimento de uma “moeda”
especial, aquela feita pela “palavra” (ESPIRITO SANTO, 2004, p.3).
Devo que pagarei ao Sr. Manoel Cordeiro a quantia de cem oitavas de ouro
procedidas de um escravo por nome Manoel Místico, que comprei a meu contento
tanto em preço como em vontade, sem embargo de ter o vício de fujão. E, se vou
fazer deste, em ano corrente no qual recebi cuja quantia pagarei a ele dito, ou a
quem este me mostrar o recibo deste, há um ano, sem a isso por dívida alguma para
clareza. Escrevi este que a meu rogo escreveu o Padre João Pereira Guimarães e o
assinei em presença das testemunhas abaixo assinadas.
Vila de Pitangui a 6 de setembro de 1798. [Assinado por] Joaquina Bernarda da
Silva de Abreu Castelo Branco
Como testemunha, que este fiz a sobredita o Padre. João Pereira Guimarães.
Fui presente [Assinado por] José Francisco Valladares. Fui presente [Assinado por]
Caetano José Alvez (APM. FJBP 1. Cx.01 – Doc.21).
45
“Cada oitava correspondia em média a 1.500 reis (ou 15 tostões), mas as variações cambiais deste metal
reduziam seu valor até a 1.200 reis” (CHAVES, 1999, p.38).
67
46
FURTADO, 1999, p.107; 121.
47
“Local onde o ouro extraído das minas era recolhido, fundido e, após a dedução do quinto, reduzido a barras
marcadas com o selo real, indicando seu peso, quilate e ano da fundição.” ROMEIRO, 2003, p.71.
48
“Designação da área de terra concedida pela Coroa Portuguesa a indivíduos dispostos a praticar a mineração.
Segundo as Ordenações Filipinas, após a descoberta do veio, notificada ao provedor das minas, proceder-se-ia à
demarcação (...). Segundo o Regimento do Superintendente Guardas-Mores e Oficias Deputados para as Minas
de Ouro, inicialmente cabia ao superintendente distribuir as datas. Mais tarde, esse poder foi atribuído aos
guardas-mores, cabendo aos ouvidores dirimir conflitos quanto à posse da terra.” (ROMEIRO, 2003, p.95-96)
68
Existem distintas narrativas sobre a atuação de Dona Joaquina a frente dos negócios da
família, desde relatos biográficos de seus descentes, muitos dos quais ajudaram a construir a
personagem “Dona Joaquina do Pompéu”, aos estudos acadêmicos que se apoiaram em um
vasto acervo documental. Em todos eles um fato é unânime: Joaquina Bernarda da Silva de
Abreu Castelo Branco assumiu integralmente a administração das propriedades da família a
partir de 1795. No período anterior a esta data ela auxiliou seu marido Capitão Inácio de
Oliveira Campos cuidando principalmente dos negócios na Vila de Pitangui e na Fazenda do
Pompéu. Assim como informou Gilberto Freyre, ao mencionar que a matriarca foi dona de
grandes fazendas e, com a doença do marido, o homem da casa.
De acordo com a documentação disponível no APM sobre a matriarca, é datada de
novembro de 1795 a primeira carta enviada para Dona Joaquina. A correspondência refere-se
a “assuntos pessoais e negócios de gado” e foi enviada por Manoel Gomes da Cruz, antigo
proprietário da Fazenda do Pompéu. A esta carta segue-se uma série de outras com a temática
sempre voltada para “negócios de gado, lavras, cargas” e eventualmente assuntos pessoais. Há
ainda recibos de pagamento, cobranças, doações. Podemos dizer que essa compilação de
documentos reforça, em alguma medida, o quão efetiva foi a atuação de Dona Joaquina nos
negócios após a doença de seu marido.
Anteriormente já foram feitos apontamentos sobre alguns dos produtos
comercializados na capitania de Minas. No entanto, faz-se necessário retomar esta abordagem
para que seja possível discutir a produção específica da matriarca. Para compreender o
abastecimento em Minas é importante identificar que tipos de produtos eram comercializados
de forma geral, e destes quais eram comercializados por Joaquina do Pompéu. De acordo com
Mafalda Zemella (1951)49, os gêneros alimentícios essenciais para a sobrevivência dos
mineiros eram os cereais, a carne de boi ou peixe, o sal, açúcar, toucinho, cachaça e tabaco.
Havia os produtos de uso doméstico e no trabalho, como utensílios de ferro, aço e madeira,
pólvora, armas, ferramentas para a lavoura, arreios para animais; roupas e calçados, móveis e
49
Pioneiro nos estudos sobre o abastecimento de Minas Gerais no período colonial, o trabalho de Mafalda
Zemella é de importância inegável. Contudo, devemos nos atentar que ao discutir a produção interna de gêneros
a autora o faz tendo em vista apenas o contexto da crise da mineração. Na nossa pesquisa a presença constante de
menções a Zemella deve-se ao fato de que sua exímia descrição dos produtos consumidos na Capitania referenda
as informações contidas na documentação pesquisada, no que se refere ao consumo de gêneros alimentícios.
69
utensílios domésticos. Os artigos de luxo também se faziam presente nas vilas mineiras
setecentistas, como louças, porcelanas e tapeçarias da Índia e da China; tecidos ingleses,
vinhos e presuntos europeus50.
No inventário e nos autos de partilha de Dona Joaquina consta que em suas
propriedades eram criados principalmente o gado vacum ou de corte, mas havia também
vacas leiteiras, cavalos, muares, porcos e galinhas. Cultivavam cana de açúcar, feijão, milho,
arroz, café, mandioca, mamona, e diversas árvores frutíferas. E, a partir desses, produziam
açúcar, rapadura, aguardente, fubá, farinha de mandioca, óleo de mamona, entre outros. Esses
produtos eram utilizados tanto para o suprimento das necessidades internas das fazendas,
quanto para serem vendidos nas vilas mineiras, principalmente na casa de comissão que a
matriarca tinha na Vila de Pitangui.
Levando em consideração apenas a Fazenda do Pompéu, sua descrição no inventário
assusta devido às dimensões da propriedade, o que por outro lado evidencia a significativa
produção da fazenda:
Acharão os ditos louvados dentro destas divisas haverem terras de cultura em matos
virgens trezentos e vinte alqueires de plantação de milho que sendo por eles vistos e
examinados acharão valer a razão de oito mil réis cada um alqueire a quantia de dois
contos quinhentos e setenta mil réis – 2:570$000. Acharão mais os ditos louvados
haver em Capoeiras na mesma fazenda trezentos alqueires de planta que sendo por
eles vistos e examinados acharão valer a razão de seis mil reis cada um alqueire a
quantia de um conto e oitocentos mil reis – 1:800$000. Acharão mais as sobreditas
louvados haverem os campos desta mencionada fazenda cinco mil e seiscentos
alqueires que sendo por eles vistos e examinados acharão valer a razão de mil e
duzentos reis cada um alqueire a quantia de seis contos setecentos e vinte mil reis –
6:720$000, que todas estas parcelas acima juntas pertencentes a esta fazenda fazem
a total soma de onze contos e oitenta mil reis – 11:080$000 (...) (apud CAMPOS,
2003, p.161).
Destacamos a criação de gado e a produção de seus derivados (carne, couro, leite, etc.)
como sendo a principal atividade comercial de Dona Joaquina em suas fazendas51. A região
do Alto São Francisco em que estão localizadas suas terras é próxima à capitania da Bahia,
cujos currais abasteceram a região mineradora no início do século XVIII. Margeando o rio
São Francisco as boiadas iam da Bahia em direção às vilas mineiras, encontrando na região
mais próxima ao mencionado rio, local propício para a criação do gado. Associado a isso o
50
Sobre os produtos comercializados e produzidos na Capitania de Minas consultar: CHAVES, 1999;
HOLANDA, 1957; MENEZES, 2000; SILVA, 2008; ZEMELLA, 1951; entre outros.
51
Nos arredores da Vila de Pitangui estavam as seguintes fazendas: Santa Rosa, Passagem, Mato Grosso, Quati,
Chôro, Água Doce, Pompéu, Três Barras e Pari. Na Vila de Paracatu estavam: Cotovelo, Barra, Novilha Brava e
Gado Bravo (IHP. FCMP. IJPB. Vol 2).
70
clima, relevo e vegetação da região são alguns dos fatores que ajudam a explicar o
desenvolvimento da atividade pecuária na região do Alto São Francisco52.
Fonte: Adaptado de, BARBOSA, J.M. Mapa Do Estado De Minas Gerais, Município De Pompéu. Belo
Horizonte, 1939. Fundo Secretaria de Viação e Obras Públicas do APM. Colorido. 113 x 86cm.
52
“Na segunda metade do século XVIII, o termo da Vila de Pitangui, na comarca do Rio das Velhas,
transformou-se num importante pólo da pecuária regional no interior da Capitania, graças ao estímulo dado pelas
autoridades através da concessão de cartas de sesmaria aos moradores interessados em estabelecer currais de
gado naquela região” (SILVA, 2008, p.135).
53
A demarcação da Fazenda do Pompéu foi feita a partir da descrição dos limites geográficos da propriedade
contidos na documentação pesquisada.
71
54
Para mineração em rios profundos, os cativos utilizavam uma ferramenta chamada pá de saco, confecciona em
couro cru. Essa ferramenta se compunha de uma bolsa, anel e pá de cabo comprido, normalmente de ferro. Com
ela o escravo retirava cascalhos do leito até encher a canoa, depois esvaziada nas margens do rio; ver
ROMEIRO, 2003, p.301.
55
CAMPOS, 2003, p.147; NORONHA, 2008, p.97; RIBEIRO; GUIMARAES, 1956, p.71.
72
a posse destas terras, herdadas dos pais, que abrangia um total de quatro fazendas56. Nestas
havia cerca de oito mil cabeças de gado vacum avaliados em dois mil réis cada.
Confrontando informações disponíveis sobre essas propriedades do casal em Paracatu,
com a documentação dos registros de passagem levantadas por Chaves (1999), nos deparamos
com uma informação valiosa. Nos registros do posto fiscal de Ribeirão da Areia – que fazia
ligações com a Comarca do Rio das Mortes, com o rio São Francisco e com a região de
Paracatu – aparece o nome de ‘Inácio O. Campos’ transportando carne seca. Chaves (1999)
pondera não poder afirmar se este é o mesmo comerciante que aparece no registro de Pitangui
ou se trata apenas de um homônimo. Contudo ela afirma que ele estava saindo de Pompéu.
Ora, se este registro ligava a Comarca do Rio das Velhas, entre outras regiões, a Paracatu,
podemos inferir que se tratava realmente do Capitão Inácio. Neste caso, ele estaria
transportando carne seca da Fazenda do Pompéu para a Vila de Paracatu, onde também
possuía propriedades. Da mesma forma, no retorno ele poderia trazer produtos de Paracatu
para Pompéu e Pitangui.
Entre os anos de 1785 a 1787, ele passa 5 vezes pelo registro, movimentando cerca de
3% sobre o valor total de impostos (10,5%) sobre o produto. Isto representa uma quantia
significativa comparada aos outros produtores. Vale ressaltar, que a primeira vez que o
Capitão passa pelo registro é apenas um ano após a compra e mudança da família para a
Fazenda do Pompéu que se deu em 1784. E que antes disto, entre os anos de 1771 a 1779, foi
designado pelo governador da capitania, Conde Valadares, para uma missão no interior do
sertão a fim de capturar índios e negros fugidos57. Ou seja, podemos inferir duas coisas,
primeiro: é absolutamente normal que depois de um longo período longe de suas
propriedades, mesmo tendo sua esposa a frente de tudo, o Capitão precise visitá-las e
certificar-se de que tudo corria bem. E, aproveitando a viagem levou um carregamento de
carne seca.
Segundo: ao invés de usar um intermediário para o transporte e comercialização dos
seus produtos, preferiu ele mesmo transportar e providenciar a venda, já que possuía
propriedades na região e conhecia muitas pessoas na Vila Paracatu. Por outro lado, talvez as
diferentes atividades exercidas pelo Capitão Inácio não anulem uma a outra. Quer dizer, ele
pode perfeitamente ter desempenhando essas diferentes funções de capitão, de negociante, de
56
APM. FJBP. Cx. 01. Doc. 01 – Certidão de posse de terras para requerimento de sesmaria solicitada por Inácio
de Oliveira Campos.
57
De acordo com Diogo de Vasconcelos (1984), o governador mandou organizar bandeiras em Pitangui e
Paracatu, sendo esta última, chefiada pelo Capitão Inácio de Oliveira Campos. As bandeiras se dirigiam aos
territórios do Rio Negro e dos Dourados e, com excelentes resultados conseguiram descobrir importantes minas
auríferas.
73
fazendeiro simultaneamente, já que no triênio analisado ele passa 5 vezes pelo registro, média
de passagem semelhante a dos outros comerciantes.
De qualquer forma, em meados de 1790, Dona Joaquina administrava, na presença ou
ausência do marido, cerca de dez fazendas na região da Vila de Pitangui e na Vila de Paracatu
do Príncipe. Cuidava ainda da comercialização dos produtos de suas fazendas. Segundo
Deusdedit Ribeiro de Campos, “Dona Joaquina freqüentava, constantemente, Pitangui e ali
possuía seguramente 3 [casas], uma de residência, outra onde vendia carne, o açougue, e uma
terceira chamada de Comissão, em que vendia outros gêneros” (CAMPOS, 2003, p.95). Outro
autor que informa sobre a existência da Casa de Comissão da matriarca é Silvio Gabriel
Diniz, ao descrever a Vila de Pitangui: “(...) continuava a rua com a frente de cinco casas,
medindo 19 braças e meia e 4 palmos, e, em seguida, vinha a Casa de Comissão, de Dona
Joaquina do Pompéu, fronteira aos chãos da cruz...” (DINIZ, 1965, p.190).
Em 1804, Dona Joaquina foi citada em uma Notificação para aferir as medidas de suas
“balanças, pesos e medidas” 58. Segundo o documento era necessário que aferição fosse feita
já que as balanças tinham sido acrescidas de novas partes, uma vez que as antigas haviam se
deteriorado. Além disso, é informado que a matriarca nunca havia pagado as aferições anuais.
Nas mais de 30 páginas do documento, entre outras coisas, são listados os principais produtos
comercializados pela matriarca na Vila de Pitangui. A casa de Comissão vendia ao público
não somente as “manufaturas de suas lavouras” como fubá, farinha, milho, feijão, arroz,
cachaça, açúcar, rapadura, sabão, carne seca e toucinho, mas também gêneros importados,
como queijos, fumo, sal, farinha de trigo, facas, vinho, entre outros.
Ainda que as plantações de cana nos sertões das Minas Gerais não pudessem, nem de
longe, serem comparadas aos imensos latifúndios de Pernambuco, por exemplo, seu cultivo
era suficiente para prover as vilas com seus subprodutos. De acordo com Marcelo Magalhães
Godoy havia uma série de elementos que diferenciavam a atividade açucareira para
exportação e aquela feita em Minas para o consumo interno, como por exemplo: o tamanho
média dos engenhos, a variedade de técnicas de cultivo, a ausência de especialização
produtiva, a diversificada agenda agrícola e produção preferencialmente destinada ao
autoconsumo e mercados locais são atributos que conferiam identidade ao espaço canavieiro
mineiro e contrastavam com as características dos grandes espaços canavieiros exportadores
do litoral59.
58
IHP. FCMP. Séc.XIX. Notificação.
59
GODOY, 2007, p.20.
74
Nas fazendas de Dona Joaquina também produzia algodão, destinado para a confecção
de roupas para seus escravos, além de peças de cama e mesa. Segundo nos informa Chaves
75
(1999), era bastante comum a cultura do algodão em Minas, já que seu cultivo era simples e
sem a necessidade de cuidados excessivos. Em um documento, onde o filho testamenteiro de
Dona Joaquina, Capitão Joaquim Antônio de Oliveira Campos, informa suas despesas com a
administração dos bens da sua finada mãe, consta dados sobre a produção de algodão e
tecidos do ano de 1826: “412 varas de pano de algodão que se fiaram das 30 arrobas de
algodão não inventariado que se colheram no ano de 1826 (...). 468 varas de pano de algodão
fiadas de 34 arrobas que tirei das 659 arrobas e meia de algodão já inventariado (...)” (IHP.
FCMP. IJBP. Vol 2)60.
Havia ainda a criação de muares, ou seja, as bestas de carga, responsáveis pelo
transporte das mercadorias. Ter sua própria frota reduziria os custos com o transporte,
permitindo a ela oferecer melhores preços, uma vez que, o custo do transporte em lombo de
muar variava na casa dos 146 réis por tonelada/por quilômetro61. Além disso, os principais
fornecedores desses animais eram provenientes do sul, o que acarretava a demora na chegada
dos animais e, muitas vezes, estes chegavam em péssimas condições. Nas fazendas da Vila de
Paracatu constam, segundo a “escritura de afastamento de sociedade e venda” entre Capitão
Inácio e Dona Joaquina, 270 éguas de várias raças, 60 potros e 100 cavalos62. Nos
documentos referentes às propriedades próximas a Vila de Pitangui, também observamos
frequentemente menção a criação de gado cavalar e de carga.
Um outro produto das fazendas da matriarca é o peixe. Este era, provavelmente, usado
em abundância para o abastecimento da própria fazenda e também vendido no açougue, na
forma fresca ou seco. O peixe seco do sertão, nome que aparecia nas listas de preços dos
registros de passagem, foi descrito por Auguste de Saint-Hilaire, na sua obra Viagens pelas
províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais:
60
Para se ter ideia do volume dessa produção, uma vara corresponde a 1,10 metros; uma arroba equivale a 14,7
kg. (CHAVES, 2001, p.300).
61
ZEMELLA, 1951.
62
APM. FJBP 1. Cx. 01. Doc. 04.
76
pagavam pelo peixe seco que saía da região em direção as outras vilas. Além disto, nas
descrições das terras de Dona Joaquina constata-se que a região era cercada por rios e riachos
que deveriam ser abundantes em peixes, sendo uma das possíveis justificativas para a prática
da comercialização e consumo deste alimento63.
Produto que não faltava na alimentação dos mineiros era o milho. Segundo Sérgio
Buarque de Holanda (1957), havia uma preferência geral dos homens brancos, de consumir o
produto em grãos, já que o fubá (milho moído) era o principal ingrediente da alimentação dos
cativos. Fosse assado em espigas, socado e cozido no leite (curau), do bagaço amassado e
posto sob as cinzas do fogão (pamonha), a farinha de milho ou qualquer outra forma de
consumo, o milho “nas minas, era o verdadeiro pão da terra” 64.
O milho conquistou os mercados porque além de ser um produto bastante versátil em
seu preparo, o transporte e armazenamento não eram dispendiosos. Segundo Holanda, “além
de poder ser transportado a distâncias consideráveis, em grãos, que tomavam pouco espaço
para o transporte, oferecia a vantagem de já começar a produzir cinco e seis meses ou menos
depois da sementeira” (HOLANDA, 1957, p.222). Nas terras do Pompéu foram medidos 320
alqueires de milho plantado, quando da elaboração do inventário de Dona Joaquina. A
plantação estava avaliada em 8$000 (oito mil reis) – cada alqueire, num total de 2:560$000
(dois contos quinhentos e sessenta mil reis).
E mais uma vez o documento, citado anteriormente, sobre as despesas do
testamenteiro no trato das propriedades da finada matriarca, informa sobre 96 alqueires de
milho usados para o sustento da fábrica da Fazenda do Pompéu. Se esta quantidade de milho
estava sendo enviada para o “sustento da fábrica”, e sabendo que no Pompéu haviam 2
moinhos e 4 monjolos, podemos inferir que estes 96 alqueires seriam processados e
transformados provavelmente em fubá e farinha de milho. Produtos estes vendidos na Casa de
Comissão de Dona Joaquina na Vila de Pitangui e em outras partes da capitania por meio de
seus caixeiros.
Dos produtos comercializados, mas não produzidos por Dona Joaquina temos um
registro interessante presente em carta trocada com Diogo Pereira Ribeiro de Vasconcelos:
“(...) o seu Francisco nada quer de [cirurgiões]: Leva os dois barris de vinho, o chumbo
sortido, tabaco e freios, conforme a sua ordem. Ele lhe dirá, que faltaram quatorze bois
mortos, ou extraviados no caminho (...)” [grifo meu] (APM. FJBP 1. Cx. 01. Doc. 36). A
correspondência foi enviada de Vila Rica e o remetente menciona ainda sua ida ao Rio de
63
ESCHEWEGE, 1979; ROCHA, 1995; SAINT-HILAIRE, 1975; VASCONCELOS, 1994.
64
HOLANDA, 1957, p.215-225.
77
Janeiro. Podemos supor que muito provavelmente Diogo Vasconcelos era um dos
comerciantes parceiros de Dona Joaquina na aquisição de produtos importados de outras
localidades. O vinho e o chumbo certamente vindos da Europa deveriam ser negociados no
Rio de Janeiro e depois enviados a Vila de Pitangui.
Interessante perceber que apesar de sabermos que esses produtos eram
comercializados na Casa de Comissão de Dona Joaquina, a importação não deveria ser
freqüente, já que o produto não aparece entre os itens registrados no posto fiscal de Pitangui.
Por outro lado, podemos pensar que estes produtos, em especial o vinho, eram consumidos
apenas pela população mais abastada das principais vilas. Daí na necessidade de tê-los para
venda, mas em quantidade bem inferior a cachaça, por exemplo, bebida muito consumida pela
população mais pobre.
Acreditamos que a produção das propriedades de Dona Joaquina era tão variada,
porque além de produzir para a subsistência de cada fazenda, ela precisava ter uma variedade
de produtos que suprisse a necessidade do mercado das vilas mineradoras. O arroz, feijão,
frutas, legumes e etc., ainda que produzidos em menor escala eram também vendidos na casa
de Comissão. Muitos desses produtos não apareciam nos registros de passagem porque eram
cultivados e produzidos para atender especificamente aquela região e por isso não precisavam
se deslocar passando pelos postos. Por outro lado, inferimos que ao passar pelo registro, um
determinado produto estava indo para uma região onde ele não era produzido ou era
produzido em quantidade insuficiente para atender a demanda, como é o caso do gado vacum.
E é justamente neste caso, de se tratar de um produto específico, que Dona Joaquina
garantiu sua fama para além das fronteiras da Capitania de Minas Gerais. Foi a imensa criação
de gado e o lucro obtido de sua venda, que proporcionou a matriarca a oportunidade de
ampliar a fortuna da família. Se antes de adquirir a produtiva Fazenda do Pompéu o casal já
aparecia entre os grandes comerciantes que passavam pelo registro de Pitangui, após a compra
da fazenda muito provavelmente se tornaram os maiores produtores e comerciantes de gado
da região65.
Dona Joaquina fazia parte de um grupo de comerciantes que produzia, transportava e
vendia suas próprias mercadorias, além de comercializar produtos importados, como o caso
do vinho. Podemos dizer que ela se tornou uma “proprietária de terras/tropeira”66, ou seja,
65
Não foram localizados os livros de registro de passagem para a Vila de Pitangui no período posterior a 1769.
66
A expressão “tropeiro/proprietário de terra” foi utilizada por Alcir Lenharo (1979), para caracterizar os
tropeiros/comerciantes que a partir do sucesso de suas vendas passam a adquirir terras e começam a cultivar os
produtos que eles mesmos venderão. Neste trabalho tomo de empréstimo a expressão para caracterizar uma
78
produzia e comercializava sem intermediários. Isso ocorria porque a matriarca contava com
tropas próprias especializadas em transportar mercadorias e vendê-los nas vilas e arraiais.
Cláudia Chaves aponta que
Temos neste ponto que chamar atenção para duas reflexões: primeiro, as fontes nos
mostram a presença de funcionários nos serviços de transporte e venda dos produtos das
fazendas de Dona Joaquina: “(...) e vendem por seus caixeiros em casas de Comissão nesta
Vila (...)”; “(...) fiz apartar treze [reses], que entreguei ao ajudante Bento Joaquim, e que o
Cunha não quis comprar (...)”; “(...) o seu escravo, condutor da boiada que há pouco saiu
67
(...), ele leva seu crédito (...)” [grifos meu] . Esses funcionários, caixeiros e boiadeiros, são
de vital importância para o funcionamento do mercado do abastecimento, pois são eles que se
deslocam nos caminhos tortuosos da Capitania vendendo os produtos e retornando às
fazendas de origem trazendo os pagamentos recebidos. Sua atuação coibia a ação dos
atravessadores, pois, muitas vezes, eram eles mesmos que se ocupavam das vendas. Isso
garantia a aproximação entre o produtor e o consumidor, contribuindo para prática de preços
melhores e o conseqüente aumento do lucro do produtor. Além disso, possuir suas próprias
tropas permitia a matriarca vender diferentes tipos de produtos, já que juntamente com uma
boiada, ela poderia enviar uma série de outros produtos para serem comercializados.
Segundo: ainda que tenha funcionários trabalhando nos comboios, inferimos que Dona
Joaquina, por vezes, se aventurava nas tropas, conforme demonstra um documento de
solicitação de porte de arma de fogo68. A solicitante informa que “sendo preciso tratar de seus
negócios por várias partes desta Capitania e Sertões dela infestados de assassinos, é obrigada
a trazer pistolas e outras armas para sua defesa tão somente” (APM. FJBP 1. Cx.01 – Doc.23).
Fica evidente neste excerto a efetiva atuação da matriarca na condução dos negócios da
família, não só nos arredores da Vila, mas em diferentes partes da Capitania.
E nessa discussão sobre a comercialização da produção, não podemos esquecer de
mencionar uma questão bastante complexa durante o período colonial: a cobrança de
proprietária de terras que passa a comercializar sua produção diretamente com os consumidores finais, sem o
auxílio de atravessadores.
67
APM. FJBP 1. Cx. 01.
68
Documento citado integralmente no capítulo 1, p.47.
79
impostos. De acordo com Cláudia (1999) os impostos passaram a ser uma das principais
fontes de arrecadação para a administração da capitania. Apesar de existirem uma série de leis
e decretos que ditavam normas sobre a cobrança, a administração colonial tinha grandes
dificuldades para controlar a atividade comercial. As Câmaras Municipais impunham uma
série de exigências a serem cumpridas pelos comerciantes, entre elas: tabelamento de preços,
proibição de venda nas ruas sem licença, proibição de venda fora das vilas, padronização de
pesos e medidas.
Apesar da existência dessa legislação sobre os produtos comercializados, “não havia,
pois, critérios preestabelecidos para a cobrança de impostos. Toda a arbitrariedade cometida
contra a população mineira provinha de uma instância superior e inatingível: a Coroa
Portuguesa” (CHAVES, 1999, p.79). Para driblar os excessos de algumas cobranças os
produtores/comerciantes chegavam a boicotar determinados mercados a fim de não pagarem
impostos sobre as mercadorias e obter melhores preços nas negociações.
Outra forma encontrada pelos comerciantes para transpor as imposições portuguesas
era a retenção das mercadorias a fim de provocar um aumento de preços. Era comum que os
produtores estocassem sua produção, nas próprias fazendas e sítios, até que os preços
tivessem uma melhora. Ou que os donos de estabelecimentos comerciais também estocassem
gêneros com o mesmo objetivo dos produtores. Segundo apresenta Flávio Marcus da Silva
(2008), em 1723 os roceiros foram acusados de estocarem milho nos arredores de Vila Rica.
Percebendo a falta de um produto tão essencial na alimentação, o então governador das
Minas, D. Lourenço de Almeida mandou que os oficiais da Câmara, acompanhados por juízes
ordinários, fossem a todos os paiois e depósitos nos arredores de Vila Rica em busca de milho
estocado. Caso fossem encontrados estoques desse produto, estes deveriam ser levados a Vila
onde seriam vendidos69.
Ao que parece, a matriarca do Pompéu também usou destes artifícios não só para
conseguir melhores preços de venda, mas para diminuir os altos impostos cobrados sobre as
mercadorias. Em 1804, a Vila de Pitangui passou por um período de crise e fome devido a
ocorrência da peste das bexigas70, que atacou os moradores de tal forma que houve um temor
69
SILVA, 2008, p.115-116.
70
A varíola, conhecida popularmente como doença da bexiga, é transmitida pelo vírus Poxvirus variolae. Seu
contágio se dá de forma direta, pelo suor, espirro, enfim, as secreções de um doente podem causar o contágio em
outra pessoa que não esteja imunizada por vacinas. Como não havia nenhum tratamento específico para este mal,
a solução encontrada era manter o doente afastado dos demais membros sadios a fim de evitar o contágio. Isto
quase nunca era conseguido devido às condições de vida da população que eram muito precárias. Desta forma, a
varíola encontrava um excelente campo para se disseminar.
80
Esta pendência entre Dona Joaquina e o administrador da Aferição, pode estar ligada a
um outro processo, já citado aqui71, quando ela foi notificada a aferir as balanças de sua Casa
de Comissão. No processo consta ainda que a matriarca não pagava os impostos devidos, ora
sabemos que havia uma série de imposições a serem cumpridas pelos comerciantes ao abrirem
suas casas de comissão, se Dona Joaquina não os estava pagando, nada mais justo do que ser
notificada. Contudo, as relações envolvendo a elite colonial eram muito mais complexas e iam
além do cumprimento da lei. Jogos de poder, influência política, pedido e concessão de
favores eram os caminhos mais fáceis para a resolução de determinados problemas. E foi
exatamente isso que ocorreu, devido ao tamanho prestígio de Dona Joaquina e sua família, o
próprio Ouvidor pediu a ela que retomasse o fornecimento de gêneros para Pitangui.
Discutimos nesse capítulo, entre outras coisas, sobre a ocupação dos sertões mineiros
numa região conhecida como Alto São Francisco. Percebemos que esta região privilegiada
por sua geografia, muitos rios e riachos, e sua terra fértil se despontou ao descobrir suas
71
IHP. FCMP. Séc.XIX. Notificação.
81
Giovanni Levi
Escrever sobre Dona Joaquina do Pompéu, não é escrever apenas sobre um indivíduo,
é escrever sobre uma família, é escrever sobre homens e mulheres. Impossível falar sobre o
sujeito “Joaquina Bernarda da Silva de Abreu Castelo Branco”, ou melhor, “Dona Joaquina
do Pompéu”, sem conhecer aqueles que antes dela começaram a construir o patrimônio que
mais tarde ela administraria. É fundamental ficar claro que apesar dela estar no comando das
ações que aqui estamos discutindo, outras pessoas auxiliaram, cooperaram, contribuíram de
diversas maneiras para que ela se tornasse a Dona do Pompéu. A história dessa “digníssima
senhora”, como os biógrafos gostam de chamá-la, só se tornou o que ela é hoje porque além
das ações da própria matriarca, toda uma sociedade reconheceu, legitimou e lhe conferiu
importância.
Em Pitangui e em Pompéu principalmente, mas também em outras cidades da região
do Alto São Francisco, ainda hoje, 188 anos após o seu falecimento o nome de Joaquina e de
sua família ainda permanecem vivos na memória. Nessas cidades muitas figuras públicas
chamam para si a descendência da matriarca, reiterando a força do poder dessa família ao
longo dos séculos XVIII e XIX e até os dias atuais, ainda que com uma força bem menor.
Para tentarmos entender a história da matriarca, ou pelo menos parte dela, precisamos pensar
em toda a sua estrutura familiar. Não somente ela, o marido e os filhos são relevantes nesse
estudo, mas lançamos também o nosso olhar para seus antepassados (pais, sogros, tios), pois
estes são sujeitos ativos na construção dessa história.
72
AGASSIZ, 1975; EXPILLY , 1977; FREYRE, 2006; LEITE, 1984; LUCCOCK, 1942.
73
Sobre as práticas matrimoniais no período colonial consultar: ALMEIDA, 2001; 2005; BACELLAR, 2007;
FRAGOSO, 2001; 2005.
85
cada vez mais influentes nos assuntos da Vila. Retomemos a ordem das coisas a partir dos
dados disponíveis na documentação do APM, do AHP e das obras de Leme (1903), Leme
(1980), Diniz (1965), Ribeiro;Guimarães (1956) e Campos (2003).
A família materna do Capitão Inácio de Oliveira Campos veio da ilha de São Miguel,
Portugal. De sobrenome Bicudo, eles foram alguns dos responsáveis pelo povoamento do
litoral da colônia recém-descoberta, na região da Capitania de São Vicente. Um dos
descendentes desta família, morador da Vila de Itu, o português José Campos Bicudo se
estabeleceu em Pitangui com a esposa Inês Monteiro, por volta de 1714 depois de receber a
concessão de um pedido de sesmaria74. Naquelas terras dedicou-se a mineração, e também
atuou como importante figura política, ocupando o cargo de Juiz Ordinário em 1720. A filha
do casal, Margarida Campos casou-se em Itu com Antônio Rodrigues Velho, e posteriormente
foram para a Vila de Pitangui.
Antônio Rodrigues Velho ficou conhecido em Pitangui como Velho da Taipa. Sua
atuação na atividade mineradora associada a ocupação de cargo público conferiu a ele grande
destaque na região75. Segundo Gabriel da Silva Diniz (1965), ao lado de seu sogro José
Campos Bicudos e outros paulistas, foi um dos descobridores das minas nesta região. Em
Pitangui possuía significativo rebanho de gado vacum e diversas minas, mas apenas em 1737
solicitou carta de sesmaria das terras que já ocupava há anos76. Foi Capitão-mor da Vila e
atuou como Juiz Ordinário em 1718, quando atendeu aos apelos do então governador Conde
de Assumar, para que recebesse o Brigadeiro João Lobo de Macedo em Pitangui. Neste
episódio foi considerado por Assumar como um dos homens “mais confiáveis e afeitos à
ordem pública” 77.
Do casamento de Antônio e Margarida nasceram dez filhos, destes destacaremos duas
filhas, Gertrudes de Campos e Ana Margarida de Campos, que por meio dos enlaces
matrimoniais foram ajudando a definir os contornos da família. É imprescindível ressaltar
aqui, que estes casamentos são importantes mecanismos de fortalecimento e manutenção do
poder da família. Isto porque foram agregados na mesma família uma série de sujeitos que
desempenham importantes papéis na sociedade. Aqui, temos um vereador associando-se pelo
matrimônio de sua filha com o juiz ordinário da Vila de Pitangui.
Gertrudes casou-se com o Capitão-mor João Veloso de Carvalho. A filha do casal,
Maria Teresa Joaquina de Campos casou-se com o Sargento-mor João Cordeiro Valadares
74
Carta de sesmaria José Campos Bicudo. APM, SC. Livros da Secretaria de Governo – códice 9:165.
75
Antônio Rodrigues Velho atuou como juiz ordinário na Vila de Pitangui.
76
Carta sesmaria Antonio Rodrigues Velho. APM, SC. Livros da Secretaria de Governo – códice 9:166.
77
CUNHA, 2009, p.104.
86
natural de Sintra, Portugal. Deste casamento nasceram três filhos João Cordeiro Filho, Pedro
Nolasco Cordeiro e Rita Maria de São José Cordeiro, esta contraiu matrimônio com o
português José Fernandes de Valadares, capitão das ordenanças.
De poder político bastante relevante na Vila essa família uniu-se aos Oliveira através
do casamento de Ana Margarida com Inácio de Oliveira. Este último era natural da cidade da
Bahia e possuía diversas fazendas de criação de gado. O casal teve, entre outros filhos, Inácio
de Oliveira Campos, o Capitão-mor que em 1764 se casou com Dona Joaquina.
Diferentemente do pai, Capitão Inácio atuou diretamente na vida política da Vila de Pitangui,
dando continuidade na ocupação do cargo de Juiz Ordinário que já havia sido ocupado por seu
avô e por seu bisavô.
No quadro abaixo podemos observar a configuração inicial dessa família78.
78
A elaboração da árvore genealógica teve como fontes principais a documentação do APM, do AHP e a obras
de Deusdedit P. Ribeiro de Campos (2003), Pedro Taques A.P.Leme (1980) e Luiz G.S.Leme (1903). Alguns
indivíduos foram suprimidos devido a pouca relevância para o trabalho.
87
Ana Antônio
Maria Rodrigues Velho Margarida
Bicudo (Velho da Taipa) Campos
Josepha
José de Gonçalo de
Campos Pires de Campos
Monteiro Campos
João Maria Antônio Inácio de Joaquina Bernarda
Cordeiro Teresa Margarida de de Oliveira da Silva de Abreu
Inês de Campos
(Sargento Joaquina Oliveira Campos Castelo Branco
Campos
Mor) Campos Campos (Capitão Mor) (1752-1824)
Monteiro
(1734-1804)
Casamento
Descendentes
Homem
Mulher
79
Para maiores detalhes sobre a genealogia completa da Família de Dona Joaquina ver: CAMPOS, 2003;
RIBEIRO, GUIMARÃES, 1956.
89
Jorge de Jacinta
Abreu Teresa da
Castelo Silva
Branco
1°Casamento Legenda
Eufrásia Maria Antônio Dias Teixeira
da Silva (Capitão) Isabel Jacinta Casamento
Campos (ou de Oliveira
Maria E.A.C.B) Campos Inácio de Descendentes
2°Casamento (F-DJP 06)
(S-DJP 01) Oliveira
Félix de Oliveira Campos
(NR-DJP 01) Campos F-DJP Filho(a) de Dona Joaquina do Pompéu
(F-DJP 02)
(Capitão Mor)
GN-DJP Genro de Dona Joaquina do Pompéu
Jacinta Thereza NR-DJP Nora de Dona Joaquina do Pompéu
2°Casamento da Silva de
Antônio Álvares da Silva Abreu Castelo S-DJP Sobrinho(a) de Dona Joaquina do Pompéu
(Coronel)(GN-DJP 03) Branco
(S-DJP 02) Homem
Mulher
Refletindo sobre alguns apontamentos propostos por Bacellar (1997) sobre os arranjos
matrimoniais dos troncos familiares do Oeste Paulista, percebemos semelhanças significativas
na Vila de Pitangui. Segundo o autor os indivíduos classificados como chefes de domicílios
pertencentes a uma mesma ascendência genealógica se concentrariam numa mesma área. Ou
seja, “indivíduos primos entre si estariam residindo no mesmo local, ou muito próximos,
tornando mais prováveis os casamentos consanguíneos” (BACELLAR, 1997, p.89).
Ana Joaquina de Oliveira Campos, oitava filha de Dona Joaquina, casou-se com seu
primo o Sargento-mor João Cordeiro Valadares. Sua irmã Antônia Jacinta de Oliveira
Campos casou com o Capitão-mor Joaquim Cordeiro Valadares, também seu primo. Sendo
que os dois eram irmãos. Já o filho caçula da matriarca, Joaquim Antônio de Oliveira Campos
casou-se pela segunda vez com sua sobrinha Ana Cordeiro Campos, filha de sua irmã Ana
Joaquina e do Sargento João Cordeiro. Isabel Jacinta de Oliveira Campos, casou-se com seu
tio, irmão de Dona Joaquina, Agostinho de Abreu Castelo Branco. Após o falecimento do
marido contraiu segundas núpcias com o Tenente Coronel Martinho Álvares da Silva. A filha
do casal, Cloriana Umbelinda foi entregue em matrimônio ao irmão de sua mãe, o Capitão-
mor Félix de Oliveira Campos.
Estes são alguns dos arranjos matrimoniais consanguíneos protagonizados pela família
do Pompéu. Se estendermos mais a descrição desses casamentos, veríamos uma repetição nos
casamentos entre primos, tios e sobrinhas. Mas, além da predominância desse tipo de
casamento, observamos que os casamentos ocorridos fora da família restringiam-se a algumas
famílias específicas, o que também foi percebido por Bacellar.
Se, por um lado, os casamentos restritos ao âmbito de uma única vila não eram
limitados às uniões entre primos, por outro notamos que eram apenas algumas
determinadas famílias, que aparentadas ou não, que tinham seus filhos cedidos para
matrimônio com determinadas outras. Isto, é, acima das necessidades de obtenção de
cônjuges para seus filhos, pairavam obstáculos sérios, de ordem provavelmente
econômica e política, que afastavam determinadas famílias do convívio diário, e,
portanto, de uniões entre seus filhos (BACELLAR, 1997, p.89).
Jorge de Oliveira Castelo Branco, quarto filho de Dona Joaquina casou-se com
Antônia Maria de Jesus, filha de Antônio Álvares da Silva. Este casou mais dois filhos no
Pompéu: o Tenente Coronel Martinho com Isabel Jacinta; e o Coronel Antônio Álvares da
Silva com Joaquina de Oliveira Campos. O sétimo filho de Dona Joaquina, Tenente Inácio de
Oliveira Campos casou-se com Bárbara Umbelinda de Sá e Castro, filha do Capitão Felipe de
Cunha Sá e Castro e Maria do Carmo Ribeiro de Vasconcelos, esta era parente de Diogo
Ribeiro de Vasconcelos, amigo e parceiro comercial da matriarca.
91
Inácio de
Oliveira Joaquina Bernarda
Campos da Silva de Abreu
(Capitão Mor) Castelo Branco
(1734-1804) (1752-1824)
Ana Félix de Maria Jorge de Joaquina Isabel Inácio de Ana Antônia Joaquim
Jacinta de Oliveira Joaquina de Oliveira de Oliveira Jacinta de Oliveira Joaquina de Jacinta de Antônio de
Oliveira Campos Oliveira Castelo Campos Oliveira Campos Oliveira Oliveira Oliveira
Campos (F-DJP 02) Campos Branco (F-DJP 05) Campos (F-DJP 07) Campos Campos Campos
(F-DJP 01) (F-DJP 03) (F-DJP 04) (F-DJP 06) (F-DJP 08) (F-DJP 09) (F-DJP 10)
Legenda
Casamento
Descendentes
Homem
Mulher
Figura 07 – Árvore Genealógica Família Inácio de Oliveira Campos e Dona Joaquina do Pompéu
92
Inácio de
Oliveira Joaquina Bernarda
Campos da Silva de Abreu
(Capitão Mor) Castelo Branco
(1734-1804) (1752-1824)
1ºCasamento
Félix de Oliveira Jorge de Oliveira Antônia Maria
Eufrásia Maria da
Silva Campos Campos Castelo Branco de Jesus
(Capitão Mor) (F-DJP 04) (NR-DJP 02)
(S-DJP 01)
(F-DJP 02)
(NR-DJP 01)
Legenda
2ºCasamento Casamento
Cloriana U. O.
Castelo Branco Descendentes
(NT-DJP 01)
(NR-DJP 05) F-DJP Filho(a) de Dona Joaquina do Pompéu
Maria
Luiz Joaquim de Joaquina de GN-DJP Genro de Dona Joaquina do Pompéu
Souza Machado Oliveira NR-DJP Nora de Dona Joaquina do Pompéu
(Capitão) Campos
(GN-DJP 02) (F-DJP 03) NT-DJP Neta de Dona Joaquina do Pompéu
Homem
Mulher
Figura 08 – Matrimônio dos filhos de Inácio de Oliveira Campos e Dona Joaquina do Pompéu (1ª parte)
93
Inácio de
Oliveira Joaquina Bernarda
Campos da Silva de Abreu
(Capitão Mor) Castelo Branco
(1734-1804) (1752-1824)
1ºCasamento
Claudina C. L.
França
Isabel Jacinta Joaquim 2ºCasamento
(NR-DJP 04)
Agostinho de Abreu Antônio de Ana Cordeiro
de Oliveira
Castelo Branco Oliveira Campos
Campos
(Capitão)(GN-DJP 04) Campos (NT-DJP 02)
(F-DJP 06)
(F-DJP 10) (NR-DJP 06)
Antônia Joaquim
Martinho Álvares da Silva Jacinta de Cordeiro
(Tenente-Coronel) Oliveira Valadares
(GN-DJP 04) Campos (Capitão Mor)
(F-DJP 09) (GN-DJP 06)
Inácio de
Bárbara U. Sá e Oliveira Legenda
Castro Campos
(NR-DJP 03) (F-DJP 07) Casamento
Descendentes
Homem
Mulher
Figura 09 – Matrimônio dos filhos de Inácio de Oliveira Campos e Dona Joaquina do Pompéu (2ª parte)
94
Se pensarmos então nos casamentos dos 10 filhos de Dona Joaquina e Capitão Inácio
observaremos o seguinte: 6 casamentos ocorreram com parentes consanguíneos (entre primos
e tio e sobrinha); 3 ocorreram com parceiros comerciais, sendo que pertenciam a uma mesma
família, os Álvares da Silva; 4 ocorreram entre famílias com as quais a matriarca mantinha
relações comerciais. Foram ao todo 13 casamentos, tendo em vista que alguns dos filhos
casaram-se uma segunda vez. Dos 6 genros, 3 ocuparam cargos na Câmara da Vila de
Pitangui e todos possuíam patentes.
Segundo Diniz (1965), foi recorrente a ocupação de cargos no Senado da Câmara da
Vila de Pitangui por parentes de Dona Joaquina. O cargo de juiz ordinário foi ocupado de
1718 a 1720 por Antônio Rodrigues Velho, depois assumiu, por mais alguns anos, José
Campos Bicudo. No período entre 1763 a 1765 foi Inácio de Oliveira Campos quem assumiu
o cargo conforme o excerto a seguir: “Aos onze dias do mês de julho de mil setecentos e
sessenta e três, nesta Vila de Nossa Senhora da Piedade de Pitangui, em casa de residência do
Juiz Ordinário, o licenciado Inácio de Oliveira Campos (...)” (DINIZ, 1965, p.216). Nas duas
primeiras décadas do século XIX, o cenário na Câmara da Vila não muda muito, continua
sendo os parentes de Dona Joaquina a ocuparem os principais cargos camarários.
Com estes matrimônios a família reforçou sua influência na região e cada indivíduo
contribuiu para este fortalecimento. Diante disso é possível desenhar um circuito de alianças
que perpassavam por diversos setores da sociedade e proporcionavam decisivamente a
interferência dos membros dessa família nas decisões da Vila. A presença destes homens na
Câmara, o fato da matriarca ser a principal responsável pela produção de alimentos
comercializados em Pitangui e a presença de inúmeros parentes na atividade militar refletem
uma organização familiar que com certeza seria bem sucedida na conquista de fortuna e
poder.
Essa cuidadosa seleção dos cônjuges pelos pais, pode ser vista como uma estratégia
pensada para que ocorresse a estruturação de uma rede de relações familiares que estava
relacionada às ligações de cunho comercial. O casamento dos filhos de famílias abastadas
refletia então, a complexa ordem social do século XVIII e XIX. O patrimônio econômico,
político e social que cada cônjuge trazia, havia sido herdado dos pais, e não poderia de
maneira alguma ser dispersado, mas sim acrescido a outro. Dessa forma, afirma Bacellar, “um
casamento poderia significar o reforço de uma aliança política ou econômica, ou mesmo a
criação de uma nova aliança” (BACELLAR, 1997, p.91).
O casamento nos domínios de Dona Joaquina do Pompéu fazia parte de um quadro
mais amplo, em que se buscava a construção, manutenção e transmissão da fortuna. A lógica
95
da sociedade colonial não permitia que o sucesso de Dona Joaquina nos negócios fosse ligado
apenas ao seu bom desempenho administrativo ou a um mercado favorável. Seu sucesso
estava ligado também, ao seu bom relacionamento com comerciantes, produtores, autoridades
políticas e administrativas. Nesse complexo emaranhado de relações, o parentesco era usado
frequentemente como uma garantia extra para a boa conclusão dos negócios. Se por um lado
os casamentos ocorriam voltados para o viés da união sanguínea. Por outro lado, as alianças
economicamente vantajosas é que atraíam as famílias da elite ao unirem seus filhos. Contudo,
a escolha dos cônjuges era balizada por um parâmetro fundamental: “o cônjuge selecionado
deveria advir do meio socioeconômico semelhante ao de seus sogros. A endogamia social era,
assim, critério essencial na escolha conjugal” (BACELLAR, 1997, p.98).
3.2. A formação de uma elite colonial na Vila de Pitangui e suas redes de poder
80
Sobre o termo nobreza da terra ver: FRAGOSO, 2001; MELLO, 1997; MONTEIRO, CARDIM, CUNHA,
2005.
96
primeiro ocuparam os cargos régios na colônia, nomeados pelo próprio rei. Todo esse
discurso visava legitimar um status social que garantisse a esses homens ricos privilégios.
Porque segundo Nuno Monteiro “a nobreza não era apenas uma dignidade, mas uma
dignidade à qual correspondiam privilégios” (MONTEIRO, 2005, p.5).
Talvez o uso do termo nobreza da terra coubesse melhor na análise daqueles
precursores da família, aqueles que primeiro chegaram a região e “dispunham suas vidas e
fazendas em prol de uma causa que não era apenas sua ou dos grupos que representavam;
tornando-se, enquanto vassalos do rei de Portugal, agentes da construção da soberania lusa no
Atlântico Sul” (BICALHO, 2005a, p.79). Se, nos séculos XVI e XVII esses homens mais
abastados passaram a reivindicar o estatuto de uma nobreza da terra, como demonstra
Bicalho (2005a) ao analisar a obra de Evaldo Cabral de Mello, percebemos que os sujeitos
pertencentes à família que estudamos, em fins do século XVIII e início do XIX, não tinham
essa mesma preocupação. Isto porque a sua diferenciação social já estava tão legitimada na
sociedade que todos já os consideravam um grupo superior aos demais. E aqui usamos a
expressão superior no sentido de serem mais ricos, influentes e com isso terem atingindo um
status social diferenciado. Só que é importante ressaltar que a conquista desse diferencial não
aconteceu repentinamente, mas após anos de construção de todo um imaginário social.
Sendo assim, reforçamos que usaremos o termo elite para nos referir a esse grupo
familiar específico, ainda que conceituá-lo não seja uma tarefa das mais fáceis e sua utilização
deva ser cercada de cuidados. Na América portuguesa as elites ganharão um sentido usual um
pouco diferente do seu uso em Portugal, uma vez que existem certas particularidades na
organização social e econômica da colônia. Estamos tratando de uma sociedade colonial que
nada mais é do que um produto de relações mercantis e escravistas. Para Bicalho “podemos
conceituá-las [as elites] a partir de um critério econômico, de acordo com o qual as elites
coloniais seriam os segmentos que mais riquezas teriam acumulado. Certamente o acúmulo de
riquezas é a garantia de status e poder na sociedade colonial” (BICALHO, 2005a, p.74).
Antonio Manuel Hespanha (2005) ao discutir sobre novas perspectivas de análise para
a história das elites, enumera pontos importantes para a reflexão do historiador. Como: a
emergência de grupos antes esquecidos das análises; o fato de que as elites e suas formas de
representação não podem ser reduzidas a um modelo único aplicável a todas as realidades;
adaptar as análises a diferentes escalas de observação, uma vez que determinadas
características do grupo só aparecem se analisadas em macro estruturas, ao mesmo tempo em
que outros elementos são perceptíveis apenas se analisados numa esfera micro. E, por fim,
pensar nas maneiras como as elites se relacionam na sociedade. Hespanha conclui que:
97
O que se pode dizer é que, considerando as coisas assim, todos, em algum sentido
(em algum plano) são tendencialmente elites. E que, com isso, o conceito deixa de
ser operativo. (...) ora, no caso do poder, a experiência de investigação já
demonstrou que este alargamento do conceito, de modo a abarcar as suas múltiplas
formas, só tem enriquecido a análise política, acrescentando-lhe dimensões e
viabilizando aspectos até agora ocultos dos mecanismos de poder. É sensato esperar
que o mesmo se passe no campo das elites. Mas, mais substancialmente, na verdade,
em algum sentido, todos somos elites; porque todos temos algum grupo que nos
reconhece, para o bem ou para o mal, como detentores de uma legitimidade para
dirigir, em algum dos infindáveis planos da interação social” (HESPANHA, 2005,
p.44).
grupo que chamamos de elite, reflete e demonstra as estratégias usadas por eles para se
reproduzirem ao longo dos anos.
Ainda nesse sentido, Jose Antonio Maravall (1979) propõe uma definição de elites que
se associa perfeitamente ao conceito de Heinz (2006). Para Maravall as elites constituem um
fenômeno político de projeção social, ou seja, ela fornece diretamente agentes de ação política
que atuam a seu favor. “Las elites: un conjunto de individuos enlazados que penetra en la
esfera de toma de decisiones sobre la acción conjunta del grupo, esto es, en la esfera en donde
de ejerce lo que en amplio sentido puede llamarse mando” (MARAVALL, 1979, p.156).
As perspectivas conceituais propostas por Heinz (2006) e Maravall (1979) se
mostraram as mais adequadas para as discussões e análises que propomos. Estamos tratando
de um grupo de indivíduos ligados, por laços familiares, e que ocupam posições-chave nas
esferas de decisões oficiais, e porque não dizer, nas extra-oficiais. Na região da Vila de
Pitangui detêm poder, influência e privilégios, que outros grupos possuíam em menor escala
ou não possuíam. Ou seja, a discussão é sobre a representação dessa elite, sob a perspectiva da
família de Dona Joaquina do Pompéu, que foi ao longo do século XVIII e XIX ocupando e
acumulando posições privilegiadas.
Algumas considerações propostas por Maravall (1979) foram baseadas em
experiências analisadas na Espanha do século XVII, contudo percebemos as mesmas
características no grupo analisado em fins dos setecentos. As indicações do autor são
extremamente elucidativas e só corroboram para nossa definição e caracterização da família
de Dona Joaquina como um grupo pertencente à elite colonial. Destacaremos algumas
características apresentadas por Maravall (1979).
Primeiramente, a elite é um grupo minoritário, e apesar de seu caráter político não tem
um caráter institucional. Enquanto grupo possui hierarquização própria e possibilidade de
mobilidade em seu interior, além de permitir a entrada de novos membros. No entanto,
prioriza um caráter duradouro e recorrente, e o indivíduo que mais se destaca e, em certo
sentido, lidera o grupo, não é substituído aleatoriamente e a qualquer momento. Por outro
lado, a elite não pode ser tida simplesmente como um grupo de pressão que atua por um ou
outro interesse, ela projeta sua influência sobre uma ampla zona de aspectos da vida, mas que
também é afetada. Outro aspecto importante da elite, segundo Maravall é,
A percepção da coesão pelo grupo garante que eles se reconheçam e atuem voltados
para um mesmo objetivo, determinando aquilo que de mais importante os une, seja o valor do
herói da guerra, da riqueza material, etc. Ressaltamos que não entendemos o termo elite
caracterizado apenas por posse de bens materiais, riqueza econômica, mas por um conjunto de
posses materiais e imateriais. Destacamos ainda que os valores, os comportamentos, as formas
de vida são outros elementos capazes de gerar um sentimento de pertencimento aos indivíduos
que integram a elite. Esse sentimento é que permite que esse grupo minoritário se destaque, se
afirme e reafirme sobre os outros, por meio da confluência de uma série de elementos como a
posição social, riqueza, força militar e influência religiosa por exemplo. Mas, uma vez que o
grupo se reconheça enquanto tal, para que sua influência se estabeleça em toda a sociedade, é
imprescindível o reconhecimento público.
Podemos pensar que este reconhecimento começa, muitas vezes, pela ocupação dos
cargos administrativos e militares, associados ao recebimento de benefícios concedidos pelo
rei que também significavam ascensão social. Nesta perspectiva, ser capitão-mor, ser
governador, ser juiz ordinário é muito mais do que ocupar um cargo político, administrativo
ou militar, significa confiança e reconhecimento do monarca. E, consequentemente, o
reconhecimento da sociedade diante do caráter excepcionalmente distinto daquele sujeito.
No entanto, a reprodução das hierarquias sociais portuguesas nos domínios imperiais
não ocorre de maneira idêntica à metrópole. É perceptível que os modelos de comportamento
das elites metropolitanas foram tomados como referência na formação e afirmação das elites
americanas, embora com limitações. De acordo com Mafalda Soares da Cunha e Nuno
Gonçalo Monteiro, em artigo sobre a hierarquia nobiliárquica portuguesa, “as elites sociais e
institucionais do Brasil, estruturadas em hierarquias próprias fortemente diferenciadas no
espaço, procuravam, apesar disso, aceder aos signos de distinção definidos pelo centro do
império e alcançar as honras que de lá dimanava” (CUNHA; MONTEIRO, 2005, p.197).
Se pensarmos no Brasil, e em especial nas Minas setecentistas, ainda que nos altos
cargos encontremos nobres portugueses, os poderes locais são dominados, em grande parte,
por uma elite formada a partir de famílias que não são mais tão próximas da nobreza
metropolitana, salvo algumas exceções. Essa elite será formada por descendentes dos
primeiros conquistadores, grandes proprietários de terras, e de negociantes com grandes
cabedais, como é o caso da família de Dona Joaquina do Pompéu. Identificamos então que a
partir da associação desses grupos, há o surgimento de uma elite plural que se espalha pelos
territórios imperiais na América. Uma elite que não é mais formada pela primeira nobreza
100
portuguesa e que vai cada vez mais se afastando de suas origens genéticas, por assim dizer,
mas que reforça sua identidade pelos laços de parentesco adquiridos dentro do espaço
colonial.
Retomando a discussão inicial, o desejo, ou melhor, a necessidade de fazer parte da
câmara está diretamente ligada ao reconhecimento, à titulação do que a qualquer outro
motivo. Na América portuguesa, ocupar cargos na administração camarária local significava
status social, prestígio e poder. De acordo com Maria Fernanda Baptista Bicalho,
juiz ordinário e outros parentes se tornam vereadores. Desde então a câmara de Pitangui teve
frequentemente membros dessa família.
Em artigo publicado no livro Modos de Governar (2005), Carla Maria Carvalho de
Almeida apresenta alguns apontamentos sobre os homens ricos em Minas colonial. Segundo
dados da autora a Comarca do Rio das Velhas, da qual a Vila de Pitangui fazia parte, possuía
o maior número de homens ricos atuando como fazendeiros de gado, negociantes e
mineradores. Dos 1061 homens listados, 50 foram identificados como fazendeiros de gado,
destes, 49 pertenciam a Comarca do Rio das Velhas; 529 foram identificados como
mineradores, destes, 251 pertenciam a mesma Comarca. 272 foram identificados como
negociantes, destes, 144 pertenciam a Comarca do Rio das Velhas.
Os dados de Almeida (2005) corroboram para demonstrar a presença de um número
significativo de homens ricos e a conseqüente formação de uma elite local na região da Vila
de Pitangui. Ainda que os dados sejam referentes a toda Comarca do Rio das Velhas,
podemos mensurar que parte desses homens ricos deveriam pertencer a Pitangui, já que esta
era uma vila importante. Outros indicativos apresentados pela a autora demonstram que:
a quase totalidade deles era composta por portugueses que migraram para a colônia
vindos da região norte de Portugal, e, no momento de sua morte, quase todos eram
proprietários de terras e escravos; predominavam os homens casados com prole;
grande parte deles estava relacionada aos primeiros povoadores ou era deles
descendentes. Eram homens que se destacavam na sociedade mineira, fosse pelos
bens que possuíam, pelas patentes militares que a maioria ostentava, pelos pleitos
que moviam junto ao Conselho Ultramarino ou pelos cargos da administração
colonial que ocupavam (ALMEIDA, 2005, p.384).
81
CAMPOS, 2003; RIBEIRO, GUIMARÃES, 1956.
102
inocentando-os “de uma devassa a que se procedeu pelo fugido dos presos que se achavam
recolhidos na cadeia da mesma Vila de Pitangui” (APM. FJBP 1. Cx. 01. Doc. 43).
A carta é datada de 7 de junho de 1822, e assinada pelo escrivão Manoel da Silva,
funcionário da Câmara da Vila Real de Nossa Senhora da Conceição de Sabará, Comarca do
Rio das Velhas. Ela foi enviada pelo “Príncipe Real Regente do Reino do Brasil” por
intermédio do Doutor José Antônio da Silva Maia, Juiz de Fora, Ouvidor Geral e Corregedor
da Comarca do Rio das Velhas. O conteúdo do documento revela ainda que a carta foi emitida
para assegurar a matriarca e seu filho de quaisquer acusações ao longo de um ano não
somente para o caso descrito da fuga dos presos, mas também por outros quaisquer que
pudessem ser livrados. Podemos constatar então que há na concessão dessa certidão certo
favorecimento a Dona Joaquina, já que ela poderia ter sido inocentada somente daquele crime.
No entanto, por alguma razão, a certidão a deixa segura por um ano de qualquer devassa em
que ela fosse citada. Mas, no caso dela ser realmente culpada de ajudar os presos, como
afirmam seus biógrafos, a certidão torna-se um indício de sua força e influência. Afinal de
contas o próprio regente estava inocentando-a de um delito que ela realmente tinha cometido.
A nossa perspectiva de análise, a maneira como selecionamos e mapeamos essa
família, parte da mesma lógica enunciada por Giovanni Levi (2000) em A Herança Imaterial.
Apesar do período e do espaço social analisado por Levi (2000) ser diferente do nosso,
consideramos suas afirmações bastante pertinentes. O grupo que tomamos como elite é
formado por indivíduos de uma mesma família que não dividem a mesma residência, mas que
estão ligados por laços de sangue e alianças matrimoniais. É Dona Joaquina e o Capitão
Inácio que residem na Fazenda do Pompéu, seus filhos e genros que moram na Vila de
Pitangui e em fazendas espalhadas por toda a região. Esses indivíduos herdam e ao mesmo
tempo ampliam um status de poder e importância que os permite obter e conceder benefícios.
E, esses benefícios, privilégios, vantagens, não estão voltados somente para a esfera
econômica, muitas vezes o econômico estava subordinado as relações sociais, e eram estas
últimas que tinham mais representatividade na sociedade colonial.
103
O poder que emana dessa matriarca nada mais é do que o reflexo dessa estrutura
familiar, caracterizada pela união de diferentes famílias. Não é só Dona Joaquina que é
poderosa, mas o conjunto das famílias que ao longo de décadas se uniram e consolidaram esse
poder. São os Oliveira Campos, os Cordeiro, os Valadares, os Castelo Branco, os Rodrigues
Velhos, os Álvares da Silva, um conjunto de famílias que se uniram por laços matrimoniais e
também por laços comerciais e que representaram o controle político, econômico e social de
Pitangui no século XVIII e XIX. E Dona Joaquina acabou se tornando o elemento de maior
destaque porque a ela coube a responsabilidade de guiar esta família garantindo a manutenção
de seu status.
Ela não foi responsável por nenhum rompimento com a conduta social, ela não fez
com que sua filha primogênita atuasse ao seu lado no mando das fazendas, ao contrário, ela
garantiu que suas filhas permanecessem no interior do lar, se preparando para o casamento.
Ela agiu como um bom chefe de família e cuidou de reproduzir a estrutura familiar colonial.
Com isso possibilitou a ampliação da fortuna da família e a manutenção do status social
diferenciado daqueles que estavam ligados a ela por laços familiares.
Ao longo de nossas análises observamos o estabelecimento de uma série de alianças
entre Dona Joaquina e outros sujeitos, sendo que, essas associações serviram na maioria das
vezes para beneficiar a matriarca e sua família. Diante disso, percebemos a existência de um
conjunto de indivíduos que atuavam de forma coletiva com o intuito de alcançarem um
determinado objetivo. No caso em que estamos analisando o objetivo desse grupo de
indivíduos era justamente a ampliação e manutenção da fortuna familiar.
José Maria Imizcoz Beunza (2009) afirma que esses indivíduos estão ligados por laços
de parentescos, de amizade, profissionais, comerciais, entre outros. E, essas alianças entre os
indivíduos, que acabam se tornando uma complexa rede, só são possíveis por serem relações
duradouras. Nesta lógica, conseguimos perceber a coerência com a qual Dona Joaquina vai
“tecendo” sua rede, associando, por exemplo, o parentesco com a economia. Para sermos mais
específicas: na documentação pesquisada encontramos uma série de correspondências
trocadas entre Dona Joaquina e os homens membros da família Cordeiro Valadares, sobre
assuntos relacionados aos negócios82. Com José Fernandes Valadares, esposo de uma prima
do Capitão Inácio, o assunto é sobre compra e venda de escravos. Com um dos filhos desse
casal, Manoel Cordeiro, a matriarca negocia propriedades, mantimentos e escravos: “Devo
82
APM. FJBP 1. Cx. 01. Doc. 19; 21; 24; APM. FJBP 2. Cx. 02. Doc. 04; 06; 08.
104
que pagarei ao Sr. Manoel Cordeiro a quantia de cem oitavas de ouro procedidas de um
escravo por nome Manoel Místico (...)” (APM. FJBP 1. Cx. 01. Doc. 21).
Outro que negocia frequentemente com Dona Joaquina é Domiciano Ferreira de Sá e
Castro pai de uma das noras da matriarca. Suas correspondências são sempre extensas, tratam
de assuntos pessoais inicialmente e depois sobre os negócios.
Ago 9 de janeiro de 1819. Minha mana e senhora, minha maior veneração e respeito.
Cheio de amor e gratidão vou a sua presença, não só beijar lhe as mãos, como
procurar saber da sua saúde, na qual muito me interesso, pelos grandes motivos que
tenho de ser obrigado a ilustríssima Senhora Dona Joaquina de cuja bondade e
grandeza nunca me esquecerei. O seu escravo, condutor da boiada que há pouco saiu
me participou de ordem de vossa senhoria para eu mandar buscar o dinheiro do
nosso contrato que passo por meu compadre Antonio Gomes Pereira, a quem Vossa
Senhoria poderá integrar. Ele leva o seu crédito, assim como também leva o crédito
de Francisco Dias do Nascimento de quem nada pude cobrar, pois já achei muito
enfermo e por sua morte nada deixou a herdeira sua mãe, isto me asseguram.
Agora é também que dou os parabéns a minha Mana e ao ilustríssimo senhor
Capitão-mor cuja oposição não foi pequena, porém foi sempre superior a muita
Justiça do Senhor. Capitão-mor é maior que tudo, o nome e merecimento da
ilustríssima senhora D. Joaquina Bernarda, a quem desejo as maiores vantagens e de
quem sou a maior veneração e respeito. Mano o mais obrigado e fiel criado.
[Assinado por] Domiciano Ferreira de Sá e Castro (APM. FJBP 1. Cx. 01. Doc.
41).
El análisis de red social procura um instrumento de primer orden para medir la red
de relaciones entre actores sociales y lãs características y formas de ésta. Esto se
formaliza mediante lá representación del campo social como una estructura en red,
105
É justamente nesse sentido que propomos tratar a questão da rede de poder, ou seja,
para este trabalho especificamente, ela representa o conjunto de uma série de alianças
firmadas entre Dona Joaquina e outros sujeitos que estão ligados a ela principalmente pelo
parentesco. A seguir observaremos uma representação dessa rede, onde a matriarca está no
centro e as alianças são estabelecidas em uma “via de mão dupla”, a partir dela.
Antônio
Pereira da Teodoro de João
Cunha, Mendonça Evangelista
Marquês de de Faria
Inhambupe Lobato
Luiz da Manoel
Cunha e Gomes da
Castro Cruz
Coronel Comandante
Antônio Domingos
Álvares de Gonçalves
Araujo Pereira
Francisco
Domiciano
José da
Ferreira de
Silva Dona Sá e Castro
Capanema
Joaquina
do
Pompéu
Tenente
Diogo
Coronel
Pereira
Martinho
Ribeiro de
Álvares da
Vasconcelos
Silva
Capitão
José
Antônio
Fernandes
Álvares da
Valadares
Silva
Sargento
Timóteo
mor João
Gomes
Cordeiro
Valadres
Valadares
Capitão mor
Joaquim Manoel
Cordeiro
Cordeiro
Valadares
Valadares
As relações estabelecidas pelos membros dessa rede foram organizadas por pautas e
expectativas próprias da relação que acabavam gerindo o seu funcionamento coletivo. Beunza
(2004) afirma que estas pautas não eram exteriores ao grupo e aos indivíduos que o
formavam, somente os valores, mais ou menos compartilhados, de sua própria economia
moral, é que correspondiam aos seus hábitos de funcionamento, a seus costumes, ou seja, as
práticas e experiências mais habituais de seus membros83.
83
BEUNZA, 2004, p.131.
107
cuidado. Ao discutir sobre o poder, um dos aspectos que talvez melhor o caracterize, é
justamente o fato dele só existir quando há uma relação entre dois ou mais agentes, ou entre
agente(s) e instituições como Igreja, Estado. O poder é o funcionamento, é a engrenagem que
movimenta estas relações e não o resultado delas. O poder emerge das práticas sociais, por
isso é mutável e dinâmico apresentando diversas formas de se realizar.
Ao compreendermos a família de Dona Joaquina do Pompéu como elite, entendemos
também que ao se relacionarem com outros agentes, eles buscaram evidenciar de diversas
maneiras o seu poder. Seja influenciando os moradores da Vila de Pitangui ou negociando
com a Câmara taxas e impostos. E numa relação mais complexa, provendo uma determinada
capela com apoio financeiro. Mas, neste caso, o que parece mais ser um dever cristão,
expressa simbolicamente o seu poder. Quanto mais ajudava a Igreja mais reforçava sua
posição econômica e social. Dessa forma, a atuação de Dona Joaquina para o bom
funcionamento da capela, não representava apenas sua hierarquia social, mas favorecia
significativamente a construção ou representação, de uma imagem de devoção. Se pensarmos
que estamos nos referindo a uma sociedade cujo catolicismo era a única religião permitida, ela
precisava dar exemplo e se mostrar piedosa, isso é claro demonstrava superioridade e
qualidade.
A manutenção e o cuidado com a capela representavam o cuidado com a casa de Deus,
e como nem todos tinham condições para tais cuidados, os que tinham destacavam-se dos
demais. Essa atitude inspirava respeito e significava que havia um diferencial entre Dona
Joaquina do Pompéu e outros fiéis que não podiam fazer o mesmo tipo de doação. Inferimos
que essa conduta da matriarca era um instrumento de poder, onde garantia a manutenção e o
exercício de sua influência na esfera religiosa.
Esses poderes sociais fundamentais são, (..) o capital econômico, em suas diferentes
formas, e o capital cultural, além do capital simbólico, forma de que se revestem as
diferentes espécies de capital quando percebidas e reconhecidas como legítimas.
108
O capital simbólico – outro nome da distinção – não é outra coisa senão o capital,
qualquer que seja a sua espécie, quando percebido por um agente dotado de
categorias de percepção resultantes da incorporação da estrutura da sua distribuição,
quer dizer, quando conhecido e reconhecido como algo de óbvio. (BOURDIEU,
2003, p.145)
Parece-nos que a matriarca possuía esse capital simbólico, pois, de acordo com alguns
documentos85 analisados, fica evidente sua influência na Vila de Pitangui. Um desses
episódios ocorreu em 1804 quando a matriarca interrompeu o fornecimento de alimentos para
a Vila devido a sua insatisfação com a cobrança de taxas. Somente após receber um pedido do
84
Provisões régias e cartas de sesmarias. Revista do Arquivo Público Mineiro, 1912. vol. 17, p.583.
85
Arquivo Público Mineiro – APM. Família Joaquina Bernarda de Pompéu. Código: FJBP 1 – Cx. 01-04
109
Ouvidor Pereira da Cunha, Marquês de Inhambupe foi que ela retomou a venda de
mantimentos. Esse prestígio, esse poder que parece emanar da figura de Dona Joaquina só
existe porque por trás dela tem todo um histórico familiar. Uma família abastada, repleta de
políticos, letrados, militares, grandes proprietários. Mas também porque outras pessoas
legitimam esse poder.
De acordo com Bourdieu, “o poder simbólico é um poder de construção da realidade”
(BOURDIEU, 2003, p.9), realidade construída a partir da vontade do outro, daí o fato de que
para a eficácia do poder simbólico tem que haver uma conformação entre os agentes que
protagonizam a relação de poder. Ou seja, “o poder simbólico é um poder que aquele que lhe
está sujeito dá àquele que o exerce, um crédito com que ele o credita, uma fides, uma
auctoritas, que ele lhe confia pondo nele a sua confiança. É um poder que existe porque
aquele que lhe está sujeito crê que ele existe” (BOURDIEU, 2003, p.188).
O que se percebe é que a associação desses vários tipos de capital vai derivar um
poder simbólico. Poder este que é compartilhado pelos membros da família de Dona Joaquina,
em maior ou menor proporção, mas que demonstra a importância da família na região. Não é
ela sozinha, nem o marido, nem os filhos, mas é o conjunto da família que representava esse
poder. Ainda que ele acabasse se explicitando na figura da matriarca. Dessa forma, a família
de Dona Joaquina do Pompéu exerceu na Vila de Pitangui um poder simbólico que agiu nas
esferas do social, político e econômico. Seus membros se identificavam como a família mais
importante da região, da mesma forma que os moradores, salvo poucas exceções, os
reconheciam como tal.
Uma das formas que conseguimos perceber isso foi verificando que na maioria dos
registros judiciais contra Dona Joaquina e seus filhos, ou eles saem inocentes, ou a denúncia é
arquivada. Isso ocorreu no caso da fuga de presos da cadeia, no caso em que a matriarca e seu
filho Capitão Joaquim Antônio foram acusados de ameaçar moradores da Vila.
Considerando que eles configuraram uma família poderosa, vêem-se dois
desdobramentos interessantes de análise: o primeiro consiste em pensar que mesmo detendo
muito poder, a família vai querer mantê-lo e ampliá-lo. E segundo, fazer parte dessa família
representava ter algum poder. Assim, inferimos que o estabelecimento de laços familiares, por
meio de arranjos matrimoniais, beneficiava tanto Dona Joaquina, quanto aqueles que se
associavam a ela. Consideramos então, a formação desses laços como trocas de favores. Mas,
talvez seja mais adequado pensá-los nos moldes propostos por Bourdieu (2008), como uma
economia dos bens simbólicos.
110
A economia dos bens simbólicos pressupõe uma espécie de acordo subjetivo entre os
agentes da troca, que indica que não há obrigatoriedade de reciprocidade, mesmo quando há.
Uma vez que é dado um presente, espera-se a reciprocidade, no entanto esta não é dita
claramente, ela esta implícita na própria estrutura das relações de troca. Segundo Bourdieu,
“dizer do que se trata, declarar a verdade da troca ou, como dizemos, às vezes, “quanto
custou” (quando damos um presente, retiramos a etiqueta do preço...), é anular a troca”
(BOURDIEU, 2008, p.162).
Neste sentido, quando Dona Joaquina concedia a mão de uma de suas filhas a um
político da região, por exemplo, de alguma maneira ela estava concedendo uma dádiva.
Aquele homem ia passar a fazer parte de sua família e com isso poderia ampliar seu poder
político e principalmente econômico. Da mesma forma, implicitamente no ato, ou não, Dona
Joaquina e sua família se beneficiavam, pois um homem da política podia oferecer-lhes
benefícios. Com isso ambos se beneficiavam e tornavam-se simultaneamente o que presenteia
e o presenteado, e os benefícios agregados nessa troca se mantém implícitos e não são
entendidos conscientemente como os motivadores da troca.
insígnias militares como capitão, coronel, sargento, tenente e guarda-mor. Ou seja, há uma
concentração muito grande de poderes locais na mesma família.
Inferimos que um dos elementos simbólicos utilizados na consolidação do poder dessa
família são os títulos. No caso dos homens os títulos de capitão, tenente, coronel; no caso da
matriarca, o uso do “Dona” como um vocábulo de afirmação do poder. Este nos parece não
ser simplesmente uma forma de tratamento, mas uma forma de distinção, como já
apresentamos no primeiro capítulo.
As relações estabelecidas entre Dona Joaquina e seus parentes, amigos, parceiros
comerciais e autoridades podem ser entendidas ainda a partir da lógica das redes
clientelares86. Essas redes foram analisadas por Hespanha (1993) e definidas como um
conjunto de relações sociais constituídas de formas variadas, onde prevalece a troca de
interesses pessoais e reais.
Era freqüente que o prestigio político de umas pessoas estivesse estreitamente ligado
à sua capacidade de dispensar benefícios, bem como à sua fiabilidade no modo de
retribuição dos benefícios recebidos. (...) O que provocava um contínuo reforço
econômico e afetivo dos laços que uniam, no início, os atores, numa crescente
espiral de poder, subordinada a uma estratégia de ganhos simbólicos, que se
estruturava sobre os atos de gratidão e serviço. (...) As relações assimétricas de
amizade (relações de poder) teriam tendência para derivar em relações do tipo
clientelar que, apesar de serem informais, apareciam, pela obrigatoriedade da
reciprocidade acrescentada (impossível de elidir), como o meio mais eficaz para
concretizar não só intenções políticas individuais, como para estruturar alianças
políticas socialmente mais alargadas e com objetivos mais duráveis (HESPANHA,
1993, p.382).
Evidentemente que este tipo de relação que obedece a uma lógica clientelar eram
situações sociais cotidianas e refletiam a própria conduta da sociedade. Oferecer a um amigo
um favor, no caso do monarca conceder mercês, eram situação rotineiras na vida diária da
colônia. É interessante perceber que, no seu leque de amizades, havia importantes
autoridades, tanto na Vila de Pitangui, quanto em Vila Rica, Vila do Paracatu do Príncipe e
até no Rio de Janeiro, como demonstra o documento a seguir. Diogo Pereira de Vasconcelos,
quando estava encarregado da organização e administração do Quartel Geral do Indaiá e
Paracatu, em 1807, deixou sua esposa e filho sob os cuidados de Dona Joaquina, durante
alguns meses. O documento mostra o intermédio de Diogo Vasconcelos em assuntos
comerciais da matriarca em Vila Rica, e sua relação com a família real portuguesa. Percebe-se
também a solicitação de Vasconcelos a matriarca que o recomendasse aos seus filhos,
86
Sobre redes clientelares ver HESPANHA, 1984; HESPANHA, 1993; MONTEIRO, 1993; XAVIER,
HESPANHA, 1993.
112
A formação de uma rede clientelar em torno de dona Joaquina do Pompéu pode ser o
ponto de partida para analisar e demonstrar como ocorriam suas relações comerciais, e ainda
para reafirmar as idéias propostas por Silvia Brügger (2006) sobre o patriarcalismo em Minas
Gerais. Neste sentido, entende-se que o poder e a influência atribuídos à matriarca estão
ligados a uma herança familiar de prestígio, tanto de sua família quanto do seu esposo. E sua
relação com a Coroa mostra, como afirma João Fragoso (2001), que o Estado e as elites locais
atuavam em parceria, marcada pelo privilégio e reciprocidade. Segundo Júnia Furtado (1999),
as correspondências comerciais eram essenciais para o desempenho da atividade, mas era
também importante para estruturar laços sociais e políticos, ligando os homens por meio de
uma rede de favores e dependência: “A distância social entre os membros de uma rede social
hierárquica ficava preservada pelo jogo das palavras (...) o que permitia o reconhecimento e a
distinção entre eles” (FURTADO, 1999, p.59).
113
Em pouco tempo Joaquina já tem em mãos um recibo confirmando a chegada de sua doação:
Tem-se como hipótese que com esta oferta Dona Joaquina poderia posteriormente
solicitar algum tipo de favor da coroa, como benefícios políticos e comerciais, ainda que
houvesse sido um pedido oficial real e o seu não acato poderia acarretar problemas. Este tipo
de relação pode ser visto como uma eficiente e sutil estratégia para garantir privilégios.
Segundo Alexandre Mendes Cunha (2006), o clientelismo vai ser marcado por
relações de amizade caracterizadas tanto pela reciprocidade entre iguais, como por exemplo,
dois grandes comerciantes; ou ainda na relação entre governante e governados, como Dom
Pedro I e Dona Joaquina do Pompéu. Característica interessante das relações clientelares é
que surge, neste universo de troca de favores, um sentimento de dependência em que seria
impossível o pagamento de uma determina dívida, já que as trocas de favores vão sucedendo
87
Documento citado por Deusdedit Campos, 2003. Contudo, não foi localizado nos arquivos pesquisados.
114
umas as outras. Além disto, este sistema subordina tanto os governados quanto o governante,
uma vez que o rei também fica ligado aos seus súditos por meio de favores prestados.
O que se pretendeu expor foram apontamentos e reflexões sobre as formas como a
família de Dona Joaquina do Pompéu estabeleceu relações de poder e solidificou sua
influência e prestígio na região da Vila de Pitangui. As relações de poder e a
representatividade desse poder sob a figura de Dona Joaquina e sua família, podem contribuir
para a construção de um complexo mosaico sobre as elites nas diferentes regiões da América
portuguesa. É certo que esse texto não é de forma alguma uma tentativa de representação de
todo esse mosaico, mas de uma parte dele que pode servir para trazer a tona outras. Indicando
assim, como essas elites se estruturaram no seio do Antigo Regime português dentro da lógica
colonial estabelecida na América portuguesa.
115
Considerações Finais
propriedades, foi responsável pela ampliação de sua fortuna. Mas em contrapartida, dedicou-
se também a criação dos filhos e netos. No fim de sua vida é seu filho mais novo, capitão
Joaquim Antônio de Oliveira Campos, quem aparece como seu apoio e substituto. Diante
disto, percebemos que a matriarca se dividiu entre duas funções: a de fazendeira, e a de mãe.
Se por um lado ela pode aparecer na historiografia como uma mulher que cuidou dos negócios
da família, por outro ela enquadrou-se perfeitamente no padrão feminino da América
Portuguesa, de mulher dedicada à casa, à família e a Deus.
Percebemos ainda que, Dona Joaquina não desejou para suas filhas o mesmo destino
de fazendeira, já que todas se casaram muito cedo e nenhuma delas aparece exercendo
qualquer atividade ligada à fazenda ou ao comércio na documentação consultada. Neste caso
existe um paradoxo nos valores externados pela matriarca. De um lado ela aparece como parte
de um grupo minoritário de mulheres, diante da sociedade majoritariamente masculina do
século XVIII no que diz respeito às relações produtivas e comerciais. Por outro, parece que
ela teve uma preocupação para que suas filhas não seguissem o seu caminho, mas que
cumprissem sua função dentro da sociedade setecentista, de mulheres ligadas ao cotidiano
doméstico.
Neste sentido, é preciso que reforcemos a ideia de patriarcalismo, discutida por Freyre
(2006) e Brügger (2007), com a qual trabalhamos ao longo de toda a dissertação. Nós
entendemos a conformação familiar de Dona Joaquina como patriarcal, porque o mais
importante não é o sexo do indivíduo chefe da família, mas sim a força da família, a força da
representação do poder familiar. Além disso, percebemos que os indivíduos membros dessa
grande família não se percebiam como sujeitos separados, para eles mais importante do que
ser alguém, era pertencer a uma determinada família. Ser identificado pela sociedade como
membro dessa ou daquela família é que trazia para esse indivíduo um status social
diferenciado. Dona Joaquina do Pompéu viveu e sobreviveu inserida em uma sociedade
patriarcal, na qual ela exerceu a posição de chefe, o representante da família. Era ela o núcleo
e, por ser a grande responsável, sua obrigação era manter as tradições e os bons costumes
portugueses na colônia, o que ajuda a explicar seu comportamento diante da educação das
filhas.
Ao analisarmos as atividades econômicas desempenhadas pela matriarca do Pompéu,
percebemos que a agricultura, pecuária e comércio tiveram significativa participação na
economia ao longo do século XVIII e XIX. Descobrimos então, que a família de Dona
Joaquina foi ao longo dos setecentos mudando o foco de suas atividades. Se num primeiro
momento a mineração foi a principal atividade dessa família, aos poucos a agricultura, a
117
FONTES E BIBLIOGRAFIA
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Tamandua, Vila Rica, Mariana, Pitangui, Vila do Príncipe, Bom Sucesso, Paracatu,
Sabará e Salgado.
Cód. ES01/PR05 – Cx01 – Agravo de Ação Cível (Réu Capitão Inácio de Oliveira
Campos).
Cód. ES08/PR02 – Cx01 – Agravo de Ação Cível (Ré Dona Joaquina Bernarda).
Cód. ES08/PR05 – Cx07 – Ação Cível (Testamento Capitão Inácio de Oliveira
Campos.)
Cód. ES12/PR03 – Cx02 – Testamento de Joaquina Bernarda da Silva de Abreu
Castelo Branco.
Cód. ES12/PR03 – Cx03 – Testamento de Capitão Inácio de Oliveira Campos.
Cód. ES12/PR03 – CX03 – Codicílio (Testamento de Capitão Inácio de Oliveira
Campos).
Cx 85. Doc. 002 - Inventário de Joaquina Bernarda da Silva de Abreu Castelo Branco.
(Existem dois volumes do inventário de Dona Joaquina em Pitangui. As centenas de
folhas que o compõe estão higienizadas, mas não foram separadas e organizadas por
tipo de documento. Por esse motivo não podemos precisar a localização de cada folha
dentro da caixa).
Séc.XIX. Notificação. (Os documentos referentes ao século XIX ainda estão em
processo de higienização e organização, por esse motivo ainda não tem referência de
localização dentro do AHP. Contudo, foi permitido que eu tivesse acesso a essa
notificação, por se tratar de um documento importante sobre Joaquina do Pompéu).
1.2. Impressas
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