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Nhô Tonico e Dona Lenita

Certa vez, lá no céu, estava Cristina, sentada sobre uma nuvem macia, ela balançava suas
perninhas e contemplava as belezas do firmamento. Cristina vive junto com muitos outros anjos e
com o Arcanjo Micael.
Quando, naquele dia, ela estava observando o céu, sentiu uma forte presença ao seu lado, era
Micael. Ele sorriu para ela e abriu algumas nuvens, mostrou para Cristina uma fazenda que ficava
em meio a montanhas altas e pequenos rios, era a fazenda do Nhô Tonico. Tonico era um senhor que
andava sempre rabugento, reclamava de tudo, vivia com a testa franzida, nada estava bom para ele.
Ele falava palavras hostis para as galinhas, chutava os objetos caídos que encontrava pelo caminho
e até os pequenos passarinhos, que estavam chegando na fazenda, atraídos pelas amoreiras
primaveris, ele espantava, reclamando sempre que os Sabiás-laranjeira cantavam muito.
Cristina ficou surpresa ao ver tudo aquilo acontecendo. Micael então a perguntou se ela
queria ir ajudar na fazenda. Ela, sem titubear, balançou sua cabeça dizendo que sim, que desejava
muito descer. Micael guardou as asas de Cristina e entregou-lhe uma pedra que continha raios
dourados como sol, disse-lhe que lhe traria coragem e proteção durante toda a viagem que faria. Ela
guardou a brilhante pedra em uma pequena bolsinha que carregava consigo.
Logo chegou até a porta da casinha da fazenda. Bateu três vezes: - Toc, toc, toc. A esposa do Nhô
Tonico abriu a porta, o nome dela era Dona Lenita.
Lenita perguntou: - O que fazes aqui menina?! Tome seu rumo!
Cristina falou que queria trabalhar na fazenda, que sabia fazer de tudo um pouco. Lenita
retrucou dizendo que não precisavam de mais ninguém ali, e além do mais, não tinham como
retribuir pelos serviços dela. Cristina insistiu, dizendo que ela aceitava como retribuição o alimento
e um local para descansar.
Lenita olhou ressabiada e disse: - Está bem, vamos tentar!
A menina logo começou a cuidar da casa e tudo começou a se transformar. Ela tirava o pó
dos móveis antigos, consertava as cadeiras que estavam quebradas, fazia delicados paninhos de
crochê para as mesinhas e preparava saborosas refeições com tudo que a horta produzia. Sempre,
sobre a mesa, haviam flores que ela colhia dos canteiros que cultivava. Mas, mesmo assim, Nhô
Tonico resmungava. Ele não tirava os sapatos cheios de barro para entrar em casa e quando ela
estava quase terminando de passar o pano no chão, ele chutava o balde com a água suja e era
preciso começar tudo novamente. Após o almoço, ele jogava os grãozinhos da comida no chão. Mas
Cristina notava que ele não estava mais rude com as galinhas e nem espantava os passarinhos,
muito pelo contrário, ele dava milho diariamente para elas, e colocava frutas doces para os
passarinhos em um comedouro que ele mesmo fez para os bichinhos. Era primavera, o ar estava
perfumado e os pássaros cantavam felizes com o novo presente.
Cristina cantarolava lindas canções primaveris, e notou que, após alguns dias, Nhô Tonico
estava assobiando algumas delas. Passados alguns dias, ele perguntava para a menina se ela
precisava de ajuda para carregar o balde cheio d´água do poço até a casa, e se precisava que ele
segurasse a escada para ela alcançar um enfeite que ficava no alto da prateleira. Nhô Tonico deixou
de ser rude, ele estava a cada novo amanhecer mais amável, e colhia flores perfumadas para
presentear Dona Lenita.
Ali bem perto da casa havia um pequeno arbusto, e tinham dois seres olhando tudo
acontecer, eram avermelhados e tinham rabos compridos como o dos teiús.
Eles falavam entre si: - Ei! Você viu como está o Nhô Tonico?! Desde que essa tal de
Cristina chegou ele tem se transformado a cada dia!
E o outro respondeu:- Sim senhor, como não poderia notar! E o senhor reparou como todos
estão cuidando da casa? Como tudo está florido?
Neste momento o maior disse para o pequenino: - O Nhô Tonico já era nosso! Essa Cristina
veio atrapalhar tudo! Vá até lá e traga ele de volta para nós!
O serzinho vestiu uma capa que o deixava invisível e mais do que depressa começou a
atrapalhar a Cristina. A partir daquele diz, tudo o que ela fazia desandava. Ela fazia o arroz, e
quando ia até a sala pegar algo, ao voltar o arroz estava queimado. As flores que ela trazia para casa
não tinham mais um doce aroma. Quando ela ia esfregar um pano de louça o pano rasgava. Com o
passar dos dias, o Nhô Tonico começou a ficar bravo novamente, a casa voltou a ficar bagunçada e
os objetos quebrados. Assim ele voltou a espantar os passarinhos e a galinhas. Cristina começou a
ficar desconfiada com isso tudo.
Um dia ela estava varrendo o tapete da sala e pisou em algo, mas não conseguir ver o que
era, somente sentia uma protuberância sob seus pés. Ela então escutou um “Ai!!!” E então pisou
mais forte, e desta vez ouviu: - Aí! Pare de pisar no meu rabo!
- Só se você se mostrar para mim – ela respondeu. Naquele momento o ser tirou a capa e se
mostrou, e ela pôde compreender tudo. Disse para ele: - Ah! Então é você! Tudo bem, sei que você
está fazendo o seu trabalho, bem, eu estou fazendo o meu. Proponho que ao finalizarmos os nossos
trabalhos diários, sempre às 5 horas da tarde, nos encontremos no quintal para brincar. O que você
acha disso?
O pequenino aceitou. Ele gostava tanto de brincar com a Cristina que aos poucos foi
atrapalhando menos, pois assim podiam brincar mais cedo. Após alguns dias ele já estava ajudando
a menina nos afazeres da casa, pois assim brincavam mais e mais. Subiam nas árvores do quintal,
brincavam de esconde-esconde e plantavam, como eles adoravam plantar juntos!
A casa voltou a ficar harmoniosa. Nhô Tonico assobiava canções e levava flores para a Dona
Lenita, ele cuidava dos animais e consertava tudo que quebrava na casa.
Um dia, Cristina plantou uma semente dourada como o sol. Era uma semente dura, até que
grande. Ela contou para ele (quem?o serzinho? Nhô Tonico?) que muitos chamavam aquela semente
de avatchi que significa “sustento da vida”. Ele ficou encantado com aquilo e ajudou a menina a
plantar. Após alguns meses de chuva, no final da primavera e comecinho do verão, quando a planta
estava grande e cheia de espigas volumosas, Nhô Tonico saiu de casa e disse para Dona Lenita. Veja
só que beleza essas espigas de milho que brotaram aqui!
Cristina sentiu naquele momento que seu trabalho estava completo. Naquela noite, durante o
jantar Cristina falou para Nhô Tonico e para Dona Lenita que sentia saudades, e que havia chegado
a hora de voltar para casa. Os dois compreenderam e agradeceram a estadia da menina, fizeram
apenas o pedido para que ela ficasse apenas até o próximo dia. Ela concordou.
Naquela noite o ser, que viu tudo de perto, ficou muito triste com a partida da menina e
pediu para ela: - Cristina, me leva com você! E ela respondeu: - Não posso! O que Micael vai dizer
ao te encontrar lá no céu?! O pequeno ser avermelhado disse então, bem sério: - Cristina, eu preciso
estar próximo de você, me leva junto! Cristina sentiu o era um desejo profundo, e então ela
aconselhou que ele fosse na frente, e que usasse a bolsinha que continha a pedra, assim, ao menos,
quando ele chegasse no céu, Micael veria que ele estava com a pedra dela e não o expulsaria de lá.
Assim ele fez.
Ao chegar no céu, Micael perguntou como ele se atrevia chegar até lá, e ainda mais com a
pedra dourada de Cristina, queria saber o que havia acontecido com ela. Ele contou para Micael
tudo o que vivera na companhia da menina e que queria viver no céu. Micael disse: - Está bem, mas
para ficar aqui você terá que passar pelo portal celestial. Esta passagem poderia ser muito dolorida,
pois assim ele seria transformado. Mas o serzinho aceitou. Após passar pelo portal sua forma
mudou, agora ele tinha cabelos da cor da semente que plantou com Cristina. Recebeu asas e
aguardou a chegada de Cristina.
Na manhã seguinte, quando Cristina foi colocar a mesa do café, teve uma agradável
surpresa. A mesa já estava toda preparada! Haviam lindas flores e alecrins no vasinho do centro, um
chá de camomila quentinho e um aroma delicioso preenchia todo o ambiente. Era de uma saborosa
broa de milho feita pela Dona Lenita para a menina. Ela agradeceu todo o cuidado que recebeu
durante o tempo que viveu com os dois, e seguiu viagens após a farta refeição.
Após muito caminhar, subiu até o portal celestial, esperando encontrar o pequeno ser
avermelhado. Ela encontrou primeiro Micael com sua pedra dourada na mão e apresentou o novo
morador. Chamava-se Lucas. Ela chegou bem perto e logo reconheceu o luminoso Lucas.
Juntos eles trabalhavam e brincavam no céu. Até que um dia, quando estavam os dois
sentados sobre uma nuvem macia, admirando as belezas do firmamento, sentiram uma forte
presença, era Micael. Ele abriu algumas nuvens a mostrou para os dois uma casa, que ficava em um
vale, em um local árido. Lá morava uma grande família. Micael deu um largo sorriso e perguntou se
os dois queriam ajudá-los. Eles receberam duas pedras, sorriram e juntos seguiram viagem.

Esta história foi escrita por Danielle Felicori no início da primavera de 2020, inspirada em uma história oral de Karin Evelyn de
Almeida.

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