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A AFRICA NA SALA DE AULA Visita a Historia Contemporanea Leila Leite Hernandez A “ O “NOVO IMPERIALISMO” E A PERSPECTIVA AFRICANA DA PARTILHA Os signiticados de im perialismo Historicamente, cabe lembrar que entre o estabeleci- mento do protctorado fiancés na Tunisia (1881), a ocu- pacio britinica de Egito (1882) ¢ a sujeigao do Marrocos & Franga (1912) 0 continente afficano foi quase comple- tamente dividido, ficando de fora da partilha apenas a Li- béria, a Eti6pia, parte do Egito e do Condominio Anglo-Egipeio (veja mapa 3.1). Tanto a partilha como a ocupagio efetiva foram im- pulsionadas pela concorréncia entre varias economias industriais, buscando obter prescrvar mercados, ¢ pela pressio ccondmica de 1880 que desencadeou 0 expansionismo europeu. Como conseqiéncia da articulacao desses processos assistimes ao. imperialisme que agressivamente conquista reas de influéncia, proterorados e coldnias, em parti- cular no continente africano. Nao ¢ dificil compreender que esse imperialisme de fins do século XIX este- ve ligado ao desenvolvimento do sistema capitalista em uma fase cuja inovag! ¢ a forma como se aricula politica e economia na qual o Estado assumiu, deci- sivamente, 0 papel de parcciro ¢ interventor econémico. termo imperialismo foi utilicado pela primeira vez na década de 1870, na Inglaterta vitoriana, dando nome a umva politica orientada para criar uma fede- ragao imperial baseada no fortalecimento da unidade dos Estados auténomos do império. Vinte anos depois, em 1890, no decorrer das discusses sobre a conquista colonial, integrando a dimensio econdmica que permanece até 03 dias atuais, passou a fazer parte do vocabuldrio politico ¢ jornalistico. Se acompanharmos as exposigdes sobre o tema, podemos verificar que tan- toa palavra como a idéia sdo carregadas de um conjunto de quests, além de conter uina série‘de premissas ideoldgicas que animam intimetas polémicas. 72 LEILA LEITE HERNANDEZ usta costal § 50 ovA0 2 ae ee Ouse “ ZANZIBAR (eit er MASSALANDIA LSUINE ESPANMOLA {is Comores rey < Se. 3) anol ay S FRICANO oS WALVIS SET eae 1S BAY gee e OCEANO. (Brit, = ATLANTICO- cee INDICO SUAZILANDIA, {Prot driténicos) BASUTOLANDIA | O mapa da Africa em 1914 © | indépendentes ‘enti francis Libéria s Eeiapia it mica 68 POUCOS eSpacos geopolitics io espanhol] far Tecriférie italiane itbr0 EFAGE, 1979) A AFRICA NA SALA DE AULA B Mas’é necessirio destacar que os fenémenos ligados ao termo imperialismo tem em comum © fato de se referirem a uma expansao por parte dos Estados carac- terizada por forte assimetria ¢ violenta dominagao que se manifesta de formas diversas, como nds relacher:de preponderdricia das metrépoles sobire as'4reas.de influéncia, proterorados € colénias, ou come no pés-1945, entre os Estados Unidos da América, ¢ a Unido Soviética ¢ os Estados integrantes dos dois blo- cos hegembnicos liderados por essas poténcias, ou, ainda, nas diversas facetas da politica de dominagao ¢ exploragio praticada em diferentés proporgées pelos Estados ricos em relagio aos Estados pobres. Para explicar esses fendmenos procurou-se identificar o feixe de condigaes econémicas, politicas € idcolégicas segundo as quais surgiu o expansionismo territorial como clemento bdsico do imperialismo de fins do século XIX. Daia origem de tcorias sobre esse fendmeno que trazem consigo uma série de ques- tOes acerca de sua natureza, causas'¢ extensdo, bem como propostas para sua su- peragio. Do primeiro grupo fazem parte as teorias de inspiragio marxista, predomi- nantemente econémicas, que se-dividem em cldssicas, tendo como represenean- tes Lénin ¢ Rosa Luxemburgo, ¢ as formuladas no pés-Segunda Guerra Mun- dial, desenvolvidas por Baran, Sweezy, Gunder Frank e Samir Amin, Elaborada durante a Primeira Guerra Mundial, a teoria de V. L Lénin ba- seia-Se-na tese central do primado do econémico, tendo como fundamental 0 pressuposto de que o imperialismo decorre da tendéncia 4 queda das taxas de lucto explicada, grosso modo, como conseqiiéncia do constante aumento da concorréncia entre os capitalistas. Para superar esse desafio haveria um crescen- te, concentrado € continuo investimento em maquinaria cada ver mais aperfei- gpritlase queceia scien eapegy sie wemipsswermcae obvoleca: Os monopélios financeiros, resultados da fusio entre capital industrial e capital bancdrio, excedem os limites de um Estado. Para o referido autor, na tentativa de garantir o lucro os Estados nos quais‘o sistema capitalista € con- siderado mais desenvolvido voltam-se para assegurar 0 controle de maté- rias-primas, partindo para a conquista de novos mercados do “mundo sub- desenvolvido” dividindo entre si dreas de influéncia, o que inclui a obtengao de colénias. Com pequenas modificagées; a andlise de Lénin foi aplicada no pés-Segun- da Guerra Mundial pelas liderangas intelectuais ¢ politicas africanas tanto para cxplicar o colonialismo como o neocolonialismo, isto é, as relagdes entre os pat- ses formalmente independentes ¢ os Estados que continuaram a explord-los, em grande parte das vezes as préprias ex-metrépoles européias. 74 LEILA LEITE HERNANDEZ Ja Rosa Luxemburgo explica, basicamente, que o imperialismo se insere num pensamento mais.amplo, a teoria do subconsumo. Em resumo, Luxem- bburgo considera que, devido ao baixo poder aquisitivo da classe trabalhadora ¢ 8 miscrabilidade do seu n{vel de vida, a produgo corrente do mundo capita- lista ndo pode ser absorvida. Assim, como conseqiiéncia das “leis objetivas da acumulagao capitalista’, faz-se necessério um mundo nao-capitalista que absorva grande parte do que foi produzido para que o crescimento econdmico no seja interrompido. Esses mercados externos sio obtidos com a conquista de colénias. Por sua vez, os economistas americanos Baran ¢ Sweezy, diante dos fatos histéricos surgidos ng pés-Segunda Guerra, buscam superar as teorias de Lénin e¢ de Rosa Luxemburgo construindo um modelo tedrice capaz de identificar os clementos préprios de uma cconomia claramente configurada como monopéli- ca, considerada o principal fator de estimulo para o imperialism, em particular © norte-americano. O mais inovador néssa teoria ¢ a hipdtese relativa 4 existén- cia de um surplus (conceito que substituiria 0 cldssico:da mais-valia) referente a despesas em pesquisa ¢ desenvolvimento tecnolégico no sctor militar, caracte- ristica considerada fundamental no ambito de um mundo bipolarizado como o do pds-1945 entre Estados Unidos e Unido Sovidtica ¢ com a presenga gp ¢o-militar destes no “Terceiro. Mundo”. No que se refere 3 questio-do imperialismo, essa teoria sustenta que os pai- ses atrasados, mesmo conquistando as independéncias, continuam a ser explo- rados, como conseqiiéncia de expansionismo impulsionado pela busca de lucro ctescente por parte dos paises desenvolvidos e pelas grandes empresas multicon- tinentais. Além disso, organicamente, sistema capitalista gera grandes dese- quilibsios tertitoriais ¢ socials, acarretanda um proceso de pobreza crescente nos paises periftricos. Para o “capitalismo monopdlico” de Baran ¢ Sweezy, essa simuacio sé poderia ser alterada por uma guerra revoluciondria que implemen- tass¢ uma economia socialista. Vale observar que as andliscs marxistas estabelecem tuma conexdo especifica entre o imperialismo de fins do século XIX e inicio do. Xx ¢ o capitalismo em geral ow uma etapa sua particular. Consideram que 0 imperialismo tem raizes econdmicas fundamentais ¢ estabelece relagGes assimétricas de dominagao entre ‘98 paises que implicam exploragao das zonas “atrasadas” em beneficio dos paises capitalistas “desenvolvidos”. Do segundo grupo, composto pelos representantes da “interpretagio socialde- mocrética do imperialismo”, destaca-se 0 texto bdsico de Hobson, que nfo € marxista, a despeito de ser predominantemente econdmice ¢ ter como central a A AFRICA NA SALA DE AULA 7S idéia de que o subconsumo das classes populares impulsiona a busca por merca- dos externas. Além disso, associa os elementos econdmicos a um importante papel da “politica de poder”,' negando a existéncia de um nexo orginico entre capitalismo e imperialismo ¢, portanto, a necessidade de um proceso revoluciond- rio para eliminé-los. De outro lado, afirma que as tendéncias imperialistas cxis- tentes no ambito do sistema capitalista podem ser suprimidas mediante reformas econdmico-sociais ¢ democrdticas eficazes para 0 aumento de consumo dos traba- Ihadores ¢, por conseqiiéncia, favorecer 0 crescimento e regular a absorgio da produgio, rompendo com a necessidade do expansionismo imperialista. Incluem-se nessa tendéncia outros escritos teéricos como os de Kautsky ¢ Hilferding que, embora de variada orientagao politica, desenvolvem a idéia de que © imperialismo no ¢ uma fase necessiria do capitalismo, constituindo-se apenas uma de suas politicas, podende ser substitufda por outra que instirua uma colaboragao pacifica entre as poténcias capitalistas, no sentide de adminis- trar o subconsumo no ambito de um mercado mundial organizado. Isso signifi- ca admitir paises aré enti dele excluides, o que, no entanto, no eliminaria a exploragéo estrutural nem mesmo a assimetria entie as poténcias capitalistas 0s paises atrasados, sobretudo 0s produrores de matérias-primas, Superar essa situagao implicaria um conjunto de reformas socialistas com a introdugao de um controle politico do desenvolvimento econdmico orientando © crescimento para o interesse geral, ante dos: pafses “capitalistas” como dos paises “atrasados”. Esse “ultra-imperialismo”, porranto, ordenaria ¢ administraria as profundas diferengas que garantem a dominagao e a exploragao entre os pal- ses ¢ a reparticgo dos territérios transformados em coldnias, climinando os conflitos das povéncias capitalistas entre si, a corrida armamentista € @ guerra No que'se refere ao terceiro grupo, seus integrantes elaboraram uma “inter pretacao liberal do imperialismo”. Significa dizer que J. A. Schumpeter, seu principal representante, apresenta um ensaio, datado de 1919, que propée ser uma andlise sociolégica do impcrialismo, cujas idéias sio totalmente opostas 3 tradigio marxista Analisande com crudigio os imperialismos desde'a Antigui- dade, conclui que o imperialismo moderno nao decorre do modo capitalista de produgio: € 0 resultado de condigdes econdmicas, sociais, politicas, culturais e psicoldgicas préprias do pré-capiralismo, portanto, fora do dominio do desen- volvimento capitalista. Assim, 0 que leva 2 expansio imperialista sao atitudes 1, BOBBIO, Norberto; MATTEVECL, Nicola € PASQUINO, Gianfranco (orgs.). Dictandrio de poll ta. 2. ed, Brasflia: Edivora da UNB, 1986. Vale destacar que exse & um texto de leitura obrigaréria sobre o tema do imperialismo, 76 LEILA LEITE HERNANDEZ psicoldgicas e culturais “agressivo-itracionais” que se manifestam na pratica po- Iitica pré-capitalista em variadas formas de violéncia. Nessa. perspectiva, o desenvolvimento do capitalismo, segundo ele, de natureza pacifica, porquanto baseado na racionalizagio imanente que permeia todos. os aspectos da vida social, seria o meio de levar 0 mundo 4 competicio pacifica do mercado e fomentar a instituicdo de procedimentos democrdticos pelas prdprias estrururas politicas internas dos Estados capitalistas centrais. Por fim, o quarto grupo é composto por estudiosos come Otto Hintzer ¢ Max Weber que apresentam uma interpretagio do imperialismo baseada na “Teoria:da Razao de Estado”. Sua tese fundamental é que o imperialismo deri- va, cm ultima anilise, de uma estrutura andrquica das relagbes internacionais, fundada no exercicio da forca, estabelecendo uma relagio desigual de poder entre os Estados que possibilita 0 dominio dos mais fortes sobre os mais fracos, ctiando as condigées necessdrias para a exploragie econémica de uns sobre os outros. Assim sendo, a climinagao do imperialismo dependeria da superacio do estado de anarquia internacional por meio de uma “Constituigao Federal Mun- dial” capaz de institucionalizar os limites da soberania externa e defender juridi- camente a independéncia das nagées: Se na perspectiva marxista a énfase recai sobre a economia, nas perspectivas social-democrata ¢ liberal os elementos condicionantes sio de ordem politica, sa- lientando-se o papel das forcas democriticas e progressistas capazes de encampar reformas nas quais © intervencionismo estatal surge como dado imprescindivel.. Scja.como for, um ponto unc todas as explicagies teéricas, qual seja, o-de- safio de.compreender ¢ sugerir modos de superar a perversa desigualdade cons- titutiva do imperialismo. O “novo” imperialismo ‘As relagGes entre 0 expansionismo territorial eo impérialiemo nis eoncep- s6es apresentadas no incorporam 2 dimensio das relagSes-histéricas especificas que cria questGes para as teorias de cardter geral, impondo ao pesquisador esta belecer um didlogo dos textos com a realidade social em que se inserem, ppressu- posto bésico para verificar sua adequacao. Hobsbawm, enfrentando 0 desafio, eferua uma pesquisa na qual analisa a conjuntura des anos 1890.4 1914-considerando um conjunto de fatores histéri- cos. Significa dizer que reconhece que 2 divisio do globo tem uma dimensio econémica, mas destaca a importincia do poder politico ¢ dos aglutinantes ideo- logicos préprios do “novo” imperialismo. A AFRICA NA SALA DE AULA 7 Feira essa observacio, ¢ necessirio ter clareza sobre a conexio intrinseca entre 0 expansionismo ca conquista do mundo nao ocidental, reconhecendo a dimensao. cconémica desse processo. Nesse sentido, ¢ importante registrar os elementos prdprios de um nitido quadro de crescimento econémico como ates- tam alguns indicadores: Como € sabido, entre 1870 e 1914 as exportagies cu- ropéias duplicaram; a navegagio mercante mundial passou de 16 para 32 mi- Ib6es de-toneladas ca rede ferrovidria mundial aumentou de 200 mil para 1 milhao de quilémetros as vésperas da Primeira Guerra Mundial.” ‘Também é importante observar 0 crescimento de uma rede cada vex mais densa de transagSes econdmicas.c comunicagées, além do movimento de bens, dinheiro ¢ pessoas, ligando nao'sé os paises desenvalvidas entre si como estes ao mundo nao desenvolvido, por exemplo, 4 bacia do rio Congo ¢ A regio do ‘Cabo, na Africa do Sul. Esse nitido quadro de crescimento econdmico cria possibilidades, a0 mesmo tempo que geta novas necessidades que levam.ao expansionismo territo- rial. A economia internacional caracteriza-se pela concorréncia entre varias eco- nomias industriais, todas apoiadas em um. desenvolvimento tecnolégico que necesita de matérias-primas como © petréleo ¢ a borracha, encontrados fora do continente europeu. Basta lembrar que o petréleo que vinha predominante- mente dos Estados Unidos ¢ da Russia passa a ser buscade nos campos petro- liferos. do Oriente Méddio, regio que-se torna cada ver mais objeto de intenso confronto ¢ conchavo diplomdtice. Quanto a borracha, produto exclusiva- mente tropical, eta extraida com uma exploragao atroz de natives nas florestas equatoriais do Congo ¢ da Amazdnia ¢, mais tarde, extensamente cultivada na Maldsia, ‘ambém'¢ preciso ter em conta que as novas indstrias.clétrica ¢ de moto- res precisavam de cobre, sendo seus maiores produtores paises aos quais se.con- vencionou chamar no final de 1950 “Terceiro Mundo”, como Zaire, Zambia, Chile ¢ Peru. Por sua vez, os metais preciosos como 0 ouro ¢ os diamantes pas- sam a ser explorados ina Africa do Sul. Em contrapartida, como € sabido, algumas teorias sobre o imperialismo apéiam-se no pressuposto do subconsumo, No entanto, 0 que se yerifica empi- ricamente € que 0 préprio desenvolvimento desigual do sistema capitalista pro- piciou um consumo. de massas nas metrépoles, ctiando-um mercado em répida expansio para’os “bens coloniais”, isto ¢, produros alimenticios como ché, café, 2, WORSWAWM, Etc J. A era dot impérios: 1875-1914, Rio de Janeiro: Paz ¢ Terra, 1988, Cap. 3: “A era dos impérios”, ip. 87-124, A Ieinura cuidadosa desse capieulo 6 essencial para 6 wecessécio aprofundamento das idéiss aqui apresentadas. 78 LEILA LEITE HERNAND: agticar, cacau ¢ derivados ¢ dleos vegetais que sc tornaram disponiveis gracas as técnicas de conservagao ¢ & maior rapidez nos transportes. Como conseqiiéneia, as plantations © os comerciantes:e financistas tornaram-se importantes. pilares das economias impetiais. Por sua vez, também 0 pressuposto genérico da pressdo do capital par in- vestimentos mais rentaveis fora do territdrio europeu merece reparos quando consideradas algumas particularidades histéricas. Em outras palavras, € verdadeiro que houve um fluxo de capital aplicado nas coldnias. Mas nao € menos verda- deito que ele se concentrou apenas em alguns territérios ultramarinos. Conside- remos, por exemplo, 0 que -ocorreu com a Gra-Bretanha que destinou a maior parte do seu montante de capital 4s coldnias de povoamento branco ¢ com ra- pido desenvolvimento como Canada, Austrdlia, Nova Zclandia ¢, no caso do continente afticano, a Africa do Sul. Cumpre observar, no entanto, que se fizermos uma avaliagio relativa ao conjunto de elementos econdmicos considerados seré possivel reconhecer que 0 ponte crucial da situagio econdmica global foi que certo mimero de economias desenvolvidas se deu conta, simultaneamente, da necessidade de novos merca- dos, obtendo algumas “portas abertas” no mundo subdesenvelvido, ou procu- rando-conquistar ¢ dominar territérios que garantissem 4s economias nacionais ¢ européias uma posicio monopolista ou, ac menos, vantagens bastante subs- tanciais. E evidente que estas foram fortes razdes para que sé promovesse a re- partigaio das regides nado ocupadas do “Terceiro Mundo”, processo, sobretudo apés 1879, francamente reforgado por um conjunto de politicas protecionistas. As coldnias inesse contexto representavam pontos estratégicos em espacos geopoliticos, como as Africas ocidental ¢ central, necessdrios para a penetracio curopéia, De fato, o¢ interesses econdmicos passatam a operar articulados a agées politicas concretamente voltadas para o recorte do mapa da Africa. ‘Ambos integram um projeto de forte significado simbdlico que, justificando legitimando a exploracao ¢ a dominagao européias, pde em curso 0 glorioso herdico empreendimento de conquistar terras.exéticas habitadas por gentes. sel- vagens, de pele negra, carentes de civilizagaio> ‘As experigncias histéricas efetivas demonstraram que © “nove” imperialis- mo dispunha de mecanismos ideolégicas como as exposig6es universais, verda- deiras “viurines do progresso” que levavam as massas a se identificar com o Estado ¢ a nacio imperiais, conferindo justificagao ¢ reconhecendo legitimidade & missao civilizatéria européia na Africa. 3. HOBSRAWM, Esc J. A ra dos impérios, op. cits pp. 105-6. A AFRICANA SALA BE AULA 79 A Exposi¢io Universal de 1889 em Paris. Cartio-postal da Brasserie d’Arcucil, Paris, Contudo, essas considcragées roferem-se a0 protagonismo europeu no im- petialismo do final do séeulo XIX, colocando em relevo os temas da partilha ¢ da conquista. Mas ignoram 0 protagonismo africano do infcio de um dos perfo- dos mais violentos da historia recente. Impée-se portanto registrar a perspectiva afticana, uma perspectiva que entreolha a europeéia, mas dela estd certamente separada pelas acentuadas diferencas de suas posigdes politico-ideolégicas. A partilha €a conquista na perspectiva africana O pensamento africane sobre a partilha ¢ a conquista apresenta uma composicao de idéias fiel 4 pratica politica de negar a do- minagao da civilizagao branca, ocidental, sobre o mundo ne- gro, o “inferno tenebroso”, isto ¢, a Africa. Ciosas de seu prota- gonismo na histéria, se por um lado as elites culturais africanas aceitam 0 conjunto de elementos econémicos como cixo impulsionador do expansionis- mo tertitorial europew, acrescentam a esse discurso dois elementos fundamen- tais, a critica 20 etnocentrismo europeu € ao racismo c, por outro lado, 0 tema da resisténcia afticana. Assumindo um “tacismo anti-racista”," estudiosos africanos como @ nige- riano Godfrey N. Uzoigwe sao responséveis pela historiografia mais recente 4. Aczpressio “racisme anti-racista” foi cunbada por Jean-Paul Sartre em. Reflocics sobre o-racésma, Sao Paulo: Difustio Européia do Livro, 1960, p. 111. 80 LEILA LEITE HERNANDEZ sobre a partilha ¢ a conquista, comprometides com a preecupagio em no se deixarem levar pelas representagdes construfdas pelos ocidentais.” Nesse quadro de discussio é fundamental ressaltar a importancia histérica da postura de crfti- ca contundente com que os pesquisadores africanos se debrugam ac examinar a historiografia ocidental sobre o tema. Nao ¢ outra a razfio de destacarem as principais tcorias psicoldgicas, quais scjam, o darwinismo social, o cristianismo evangélico ¢ © atavismo social, evidenciando sua conivéncia com uma dispo- sigéo para o dominio ea exploragio, articuladas a um imaginério coletive apri- sionado pela crenga em uma superiotidade racial ¢ cultural. Em telacao ao “darwinismo social”, os africanistas ressaltam que a lura pela existéncia nada mais é do que a dominagao da “raga sujeita” ou “nfo evoluida” pela “raga superior”, segundo 0 processo de “selecdo natural”, no qual 0 “mais fraco” é submetido pelo “mais forte”. O simplismo da explicacao deriva de uma leirura que se pretendia social da obra de Darwin, A origem das especies por meio da selesito natural ow a conservagito das racas favorecidas ne hita pela vida, publi cada em lingua inglesa em 1859. Assim, a classificagao’ das ragas em “superiores” e “inferiores”, recorrente desde o século XVI, ganha uma falsa legitimidade baseada no mito iluminista do saber cientifico, coincidinde com a necessdria justificativa de que a domina- ao ¢ a exploracao da Africa, mais do que “naturais” ¢ inevitaveis, eram “neces- sérias” para desenvolver os “selvagens” afticanos, de acordo com as normas ¢ as valores da civilizagao ocidental, Portanto, essa “teoria” articula a questo politi- ca ao etnocentrismo, apresentando-os como simultineos dada a correspondén- cia construfda entre ambos. No caso do “cristianisme evangélico”, a partilha da Africa era explicada como conseqiiéncia de um impulso “missiondrio” ¢ “humanitério” orientado para “regenerar” os povos africanos. movimento missiondrio, sobretudo dos Iuteranos alemaes-e da diversidade de calvinistas evangélicos a servigo da Socie- dade Missiondria de Londres, atuantes em Serta Leoa, na Costa do Ouro, na Nigéria ena Libéria ¢ das missGes catélicas na bordadura do Senegal, clamava a conquista da Africa pela Europa como meio de pér fim a esctavatura e ao mas- sacte dos negros, 20 mesmo. tempo que para instaurar as condigdes necessdrias para “regenerd-los”, isto é, torné-los cristios ¢ civilizados. Por fim, a teoria do “atavismo social”, E uma lcitura especifica de uma das conclusées apresentadas. por Joseph Schumpeter de que “o imperialismo é um 5. Godfrey N. Uzoigwe ¢ especialista em histSria d+ Africa oriental, tendo como seu principal obje- to de estudo o reino bunyoro de Uganda. Ver: “Partilha européia e eonquista da Africa: apanha- do geral”. fe: BOAHEN, Adu (coord.), op. cit., pp. 25-42. A AFRICA NA SALA DE AULA 81 atavismo”, centrado em uma pratica politica na qual © individuo tem o desejo natural de dominar 0 préximo pelo simples prazer da dominagio. Estendida & escala de um povo, essa idéia se transforma no argumento bisico para cxplicar 0 imperialism. coma’resultado: de um egoismo nacional caletive préptio iooman- dedo.por-um Estado: pré-capitalista que se expande.dimitadamente pela forga. Schumpeter ressalta que o capitalismo, por sua ver, seria antiimperialisca, um sistemia de nanureza. benevolente “dirigido por empresirios inovadores”. © danwinismo social ¢ 0 cristianismo evangélico, cada qual a seu modo, ex- plicam © expansionismo territorial utilizando-se do racismo ¢ do emocentris- mo; baseados no-espirito de catequese ¢ de missao ¢ na crenga numa tarefa civi- livatéria capazes de convertcr os. africanos ao: cristianismo. ¢ 4 civilizagio ocidental. Jd Schumpeter, numa abordagem aistérica, deixa transparecer grandes dificuldades. A primeira ¢ identificar em quais circunstincias seriam al- terados “as vontades” e os “vincules psicoldgico-culturais” responsdveis pelo imperialismo. A segunda, por sua ver, € distinguir 0 “ponto:de ruptura”, isto é, © momento no qual o pré-capitalismo se transforma em capitalismo superando sua faceta imperialista. Portanto, as idéias contidas nas teorias apresentadas mostram-se suficiente- Tiieniee preconéciniosas:e equivocas séndo, por isso, deixadas de lade io: proces so de construgio de uma “teoria da dimensio africana”. No que se refere as teorias diplomaticas, sustentadas pelo primado da poli- ticay a “teoria do prestigio nacional”, a “teoria. do equilibrio de forga” ea “teoria da estratégia global” apresentam interpretagées tio discutiveis como as das “teo- rias psicolégicas”, embora se apdiem em’ alguns fatos que nfo podem ser des considerados. ‘A “teoria do, prestigio’ nacional” explicava os diferentes expansionismos da Franga, do Reino Unido, da Reissia, da Alemanha, da Ieilia, de Portugal ¢ da Ho- landa como compensagio de perdas dentro do préprio continente curopen, ou ainda como forma de manter ow restaurar o prestigio nacional com ganhos no ultramar. Seu principal mentor, Carlton Hayes, argumenta: A Franga procurava uma compensagio para as perdas na Europa cm ganhos no ultra- mar, © Reino Unido aspirava compensar seu isolamento na Eueopa engeandecende © cxaltando:o Império Britinico. A Reissia, bloqueada nos Balcas, voltava-se de novo para.a Asia. Quanto & Alemanha ¢ & Luilia,,queriam mostrar ao mundo que tinham @ direito de realgar seu prestigio, obtido 3 forga na Europa por facanhas imperiais em outros continentes, As poténcias de menor importancia, que nao tinham prestigio a defender, li conseguiram viver sem se langarem na aventura imperialista, a ndo ser 82 LEILA LEITE HERNANDEZ Portugal ¢ Holanda, que demonstraram renovado interesse pelos impérios que jé pos- suiam, esta dltima principalmente, adminiserando 0 seu com redobrado vigor, © Se esses exemplos pecam por equivocos advindos de indo serem’levadas em conta as particularidades do’ expansionismo de cada um desses paises, anun- ciam, no entanto, um argumento. pragmaticamente vilido para alguns casos como a Espanha‘e a Alemanha, cujas conquistas nfo tiveram importancia eco- némica, muito menos estratégica, podendo scr explicadas como uma busca por prestigio nacional, Ha de se registrar também a “teoria do equilibrio de forcas” que tem como principal representante F. H. Hinsley ¢ ¢ calcada no “primado da politica exter- na”. © pressuposto é de que no Ambito internacional a relagao encte os paises é caracterizada pelo dominio.dos mais fortes sobre os mais fracos com a predomi- nancia absoluta da forca. Assim, nao haveria um real espaco para uma politica de limitaggo da soberania, podendo as atribuigses ¢ as rivalidades levar a confli- tos generalizados. Buscando uma convivéncia calcada na gestdo pacifica das friegdes ¢ dos conflitos de diversos graus de intensidade para garantir uma “verdadeira ¢ au- téntica” ordem internacional estivel, a saida apontada seria o reforgo do pode- rio de cada pais mediante a conquista territorial. Esse argumento autojustifica- dor explicaria 0 imperialisme prdprio de fins do século XIX. Ora, essas duas “teorias diplomaticas” tornam algumas observagées necessi- rias. A primeira € que restringem 0 imperialismo a um protagonismo exclusiva- mente europeu, ignorando a totalidade que envolve 0 expansionismo territorial, sobretudo com a conquista de colénias. Por sua ver, desconsidera o processo histérico de “roedura” ¢ a desestabilizagao progressiva do continente africano provocada pelos paises europeus desde o século XV, limitando temporalmente o expansionismo ao seu apogeu, isto ¢, 2-conjuntura entre os anos 1875 ¢ 1914 que configura o “novo” imperialismo. Quanto 4 terceira observacao, refere-se ao fato de as referidas “teorias” reduzirem o imperialismo partilha curopéia, ignorando o lugar que as lutas de resisténcia tém na histéria do imperialismo de fins do século xrx, na Africa. Por fim, € necessirio tornar explicita a “teoria da cstratégia global” cujos principais claboradores, Ronald Robinson ¢ John Gallagher, tém como hipéte- se central 0 fato de que a partilha ¢ a conquista sao respostas aos “protonaciona- 6. NaAvES, C. J. H. “A generation of materialism, 1871-1900", Jn: UIZQIGWWE, Godfrey N., op. cit: peas. A AFRICA NA SALA DE AULA 83 lismos” africanos, apresentados como “lucas romanticas ¢ reaciondrias” que co- locavam em risco os interesses estratégicos globais dos paises curopeus. Ora, essa idéia é historicamente equivocada, em primeire lugar porque as exploragdes do continente africano foram continuas desde o século XV, atin- gindo um significativo crescimento a partir do final do século XVII, com a acio de-exploradores que buscavam rasgar 0 desconhecido interior do conti- nente 4 procura do curso dos rios das principais bacias hidrogréficas como o Niger, o Nilo, o Congo ¢ o Zambeze. Em segundo lugar, a partilha que se segue 4 Conferéncia de Berlim atende a disputas de Estados europeus ¢ nio surge como resposta de protonacionalismos africanos, Em terceiro lugar, as resisténcias ocorreram a comegar pela partilha ¢ pela conquista, precipitando a conquista militar efetiva. E importante ressaltar que de uma ou outra forma as “teorias diplomaticas” atribuem 4 Africa um papel de mero apéndice da histéria da civilizagio ociden- tal. E bem verdade que algumas pesquisas constituiram-se importantes excecies a essas tendéncias como as obras de J. S. Keltie, em 1893, ¢ a de George Hardy, em 1930, por considerarem a partilha como parte de um lento proceso de con- quista de cerca de quatrocentos anos acentuado pela crescente concorréncia econémica entre os paises europeus. Também reconhecem a importancia das lutas de resisténcia para o proceso de conquista que implica a efetividade da burocracia colonial como instituigio politica. Nessa esteira de pensamento, em 1956, foi publicado livto Trade and politics in the Niger Delta, de K. Onwuka Dike, que passou a ser uma obra classica sobre a partilha ea conquista por considerd-las decorréncia do con- tato entie civilizagdes'¢ culturas diferentes. Coubé ‘entretanto a A. G. Hop- kins apresentar uma “interpretagao afticana” mais histérica do tema, na medi- da em que propée uma articulagiio entre as componentes externas ¢ interna do continente africano, Com efeito, em uma de suas passagens mais'explic tas, Hopkins afirma que: Por um lade, ¢ possivel conceber regides onde o abandono do comércio de escravos se deu sem choques nem perda de rendimentos ¢ onde ay tensbes internas foram controladas. Em casos tais, a cxplicacio do retalhamento colonial deverd salientar as fatores externos, como as consideragdes mereantis @ as vivalidades anglo-france- sas. No outro. extremo, é possivel imaginar casos. em que os chefes indigenas addora- ram atitudles de reagdo, no hesitanido em recorrer a métodos predatérios, na tenta- tiva dé:manter os rendimentas, ¢ em que og conflitos interns eram pronunciados. esses casos peso maior deve ser dado, na andlise do imperialismo, as forgas de de- 84 LEILA LEITE HERNANDEZ sintegragao ativas no seio das sociedades africanas, sem negligenciar, todavia, os f2- vores externos.’ Em sua versio mais explicita da perspectiva africana, @ nigeriano Godfrey Uzoigwe pretende dar existéncia 20 dinamismo sociopolitico africano, Reafirma como fundamental a énfase dada esfera econémica; nega que a partilha e-a conquista tenham sido inevitéveis para a Africa; enfatiza que a partilha € 0 marco no processa de “roedura” do. continente; ¢ ressalta as especificidades do proceso histdrico registrando 0 papel desestabilizador dos entrepostos comer- ciais, dos estabelecimentos missiondrios, da instalagio de colénias e protetora- dos'e'da ocupagio de zonas estratégicas. Além disso, confere importincia fundamental as formas de resisténcia iden- tificando-as como de “confronto, alianga, € aceitagao ¢ submissio”. Sobretudo quanto as duas tiltimas, Uzoigwe explica que se constiruem respostas a tratados comerciais ¢ politicos, os quais exerceram uma influéncia decisiva para a deses- tabilizagao-de varios espagos geopoliticos do continente. Por isso, realca tanto.o papel dos Estados europeus acerca da partilha da Africa come a importincia para a conquista dos tratados entre os dirigentes curopeus ¢ os soberanos africa: nos, af incluidos os tratados comerciais com as sociedades arabes, a obtengao de garantias diplomaticas ¢ a politica de melhoramento das comunicacdes mariti- ma, fluvial ou terrestre. E importante observar que esse conjunto de instrumentos permite ao capi- talismo curopeu extrair produtos necessérios & indtistria, desequilibrar as econo- mias domésticas ¢ influenciar os sistemas politicos africanos, Em particular, os dois tiltimos elementos sio estratégicos para-a transformacio dos espacos africa- nos em dreas de influéncias, protctorados ¢ colénias curopéias. ‘Tendo em vista os tratados firmados por diigentes enropeus ¢ africanes na fase imediatamente posterior & Conferéncia de Berlim, € possivel distinguir entre os que se referiam & regulacio de atividades econémicas ¢ aqueles que ti- nham um cardter predominantemente politico. Exemplo significativo de trata- do econémico foi o realizado por Cecil Rhodes, que pela carta da British South Africa Go., de 1888, passou a ter plenos poderes de Transvaal ao Congo ¢ de Angolaa Mocambique. Sua estratégia teve inicio com a obtengao do reconheci- mento pelo chef ndebele, Lobengula, do privilégio de explorar as minas de ouro do seu pequeno territério. Em troca, Rhodes empenhou sua palavra em dar protegao ao povo ndebele diante dos béeres do Transvaal. Mas, enquanto 7. HOPKINS, A: "An econiomie history of West Aftie’s Jn: UZOIGWE, Godfrey Nis ep. ci, p. SI. A AERICA'NA SALA DE, AULA’ 85 durow o’controle dos ingleses, ow scja, até 1923, foram imimeros € sangrentos 0s confrontos entre europeus ¢ povos africanos dessa extensa regio. Havia, simultancamente, os tratados politicos celebrados por representan- tes de governos curopeus ou por organizagées privadas, pouco depois repassa- dos aos seus respectivos governos. Quanto 20s mandatirios africanos, estes sc submetiam a exclusividade do tratado assinado, por meio do qual renunciavam. a soberania do territério sob seu governo em troca de protecde de determinada nagio curopdia da qual passavam a ser protetorados, Resguardadas as diferencas de tempo ¢ lugar, € possivel considerar basica- imetite erés as rages que levaviam os afficanos a firmar tratados politicos, tradu- zidos em aliancas, dando ensejo para que fossem registrados exemplos de'estra- tégias de “alianga ¢ aceitagdo” perante’ a conquista. A primeira é instituir relagSes com os europeus buscando obrer vantagens politicas em comparacSo com seus vizinhes. Na Africa oriental alema (atual Tanzania), os mareales ¢ os kibangas, grupos que habitavam a regito proxima dos montes Usambta ¢ Kili- manjaro, firmaram tratados com os alemies na expectativa de que com a alian- ga destes derrotariam povos vitinhos, seus inimigos. J4 a segunda razio revela qué 0 aspecto doméstico € significativo, c os tratados e as aliangas com os curo- péeus tornam-se um recurso usual para o soberano manter a obediéncia de seus stiditos, Um exemplo esclarecedor foi o de Ahmadou Secku, que estabcleceu uma alianga com os franceses, mantendo 0 controle dos bambaras, mandingas ¢ fulanis em troca do fornecimento de armas. Tendo reconhecida sua soberania, 08 franceses obtiveram: regalias comerciais: No entanto, firmado 0 acordo, os franceses nao sé apoiaram uma insurreigao bambara como, em 1889, aracaram © soberano obrigando-o a recorrer & forca das armas. Dois anos depois, domi- nado, Sckw passou a fazer parte de império francés. Por fim, a terceira razdo é a obtencao da salvaguarda da soberania, ameagada por outras nagées européias. Um exemplo ¢ 0 de Lobengula, rei dos ndebeles, que estabeleceu relagées amis- tosas com os'ingleses no intuito de obter uma alianga contra os africanderes, os portugueses ¢ os alemies visando salvaguardar a soberania ¢ a independéncia de seu reino ~ que hoje corresponde @ grande parte do Zimbabue. Pode-se argumentar bastante bem que.o resultado dos tratados, obtides ou no fraudulentamente;:convergiu para’a perda da sobetania das tspagos geopo= Iiticos africanos. £ importante registrar também os tratados bilaterais curopeus na medida em que as circunstincias nas quais sao feitos constituem-se em uma das razbes centrais para.a eclosao das lutas de resisténcia afticanas. Conforme nos referi- mos no capitulo anterior, o século XIX encerrou-se com a partilha da Africa 86 LEILA LEITE HERNANDEZ praticamente concluida gragas a um conjunto de tratados, acordos ¢ convengbes andlogos bilarerais, realizados nas capitais europdias que regulamentavam as ¢s- feras de influéncia no continente africano. No seu conjunto os tratados delimi- tavam as grandes zonas de influéncia, embora no interior de cada uma delas as fronteiras tenham softide deslocamentos em raz3o, de tendéncias centrifugas ¢ centripetas. Evidentemente, 0s estadistas curopeus estavam perfeitamente cOnscios de que a definigao de uma cs- fera de influéncia em um tratido subscrito por duas nagdes européias nao podia legi- timamente atingic os direitos dos soberanos africanos da‘regido aferada, Na medida em quea iniluéncia constitufa mais um conceito politico de que juridico, determina- da poténeia amiga podia optar por respeitar esse conceits, enquanto ourra, inimiga, nao o levaria a sério.® No que s¢ tefere a0 entendimento contraditétio que africanos ¢ europeus tinham. dos tratados, acrescido da precétia efetividade da resolugio da Confe- réncia de Betlim sobre a ocupagdo tettitorial, era clara a tendéncia de potencia- lizar as situagdes de conflito entre 1885 ¢ 1902. Significa dizer que houve rea- Go de confronto’ 4 conquista, ow seja, que os africanos nio se resignaram pacificamente a cla, defendendo seus costumes ¢ interesseé vitais como a sobera- nia, a liberdade ¢a independéncia. Essa observagio bdsica para a. interpretagao, africana da partilha e da conquista vale tanto para as estruturas polfticas centra- lizadas.(“Estados” centralizados); como na maior parte da Africa ocidental, por exemplo, quanto para as sociedades cujas estrururas politicas si0 descentraliza- das, come foi o caso dos khoi-khois — que nem por isso deixaram de reagir con- tra os bderes na Africa do Sul durante os séculos XVI XVII. alguinas sociedades nao “estatizadas” (cujas estruturas politicas eram organiza- das mas no complexas), por exemplo, a dos agnis, dos haules e dos ibos, rerem marcado a sua presenca nese capitulo da histéria africana pela guerra de guerri- ha.’ A resisténcia africana, por sua vez, precipitou a conquista militar que este- vve, em graus variados, marcada pelo. despropésitoe pela irracionalidade do Some-se a fato de exercicio da violéncia. Para a efetividade da conquista concorreu a supremacia européia, decorrente do conhccimento geofisico, econdmico ¢ militar dos dife- rentes territérios do continente africano gracas as atividades dos missiondrios ¢ exploradores; 0 desenvolvimento da tecnologia médica, oferecendo drogas de B. UZOIGWE, Godfrey N., op. cit, p. 58. 9. THORNTON, J. “The state in African historiography: a reassessment”. Ufiohama, vol, IV, 1973, pe 20, A AERICA NA SALA DE AULA 87 uso profilético contra varias doengas como a malitia; ¢ os scus recursos mate- riais, sobretudo bélicos e financeiros. Valea pena apresentar um sumdtio com alguns exemplos que conferem. sonsetido) Kseitioo:a eveak afienagben destacindid.-albersiincie sec: poe:the resistencia, ora com os africanos utilizando-se da diplomacia, ora respondendo com luta armada & vaso militar, ou reagindo com a combinagio de ambas as estratégias, 0 que, alids, caracterizou a gtande maioria das resisténcias no conti- nente. Sob a forga das circunstincias, a diplomacia foi um tipo de resisténcia pouce encontrado na sua forma pura. Um dos raros exemplos ocorreu no oeste do Quénia onde rei dos wangas, Munia, para se fortalecer no conflito com os povos vizinhos, itesos e lnos, fez um acordo diplomdtico com os ingleses. Como resultado. os povos africanos foram divididos possibilitando que os curopeus alargassem a sua influéncia em toda a regio, criando as condigies: necessérias para o estabelecimento de seu poder colonial em Uganda. De um ponto de vista comparativo, parece haver poucos motivos para du- vidar da hipérese de que foram em muito maior mimero as conquistas que deram ensejo a uma “luta militar efetiva’, em particular no nordeste do conti- nente onde sudaneses, egipcios ¢ somalis morreram em grande nimero em san- gretitas luna dontia topas coloniais biitdnicas. Idamnizades, os poves dessa te- giao lutavam ao mesmo tempo pela soberania de scus territérios ¢ pela sua fé, jé que acteditavam ser inaceitdvel que mugulmanos se submetessem politicamente a.uma poténcia cristi. ‘Também a ocupagio dos espacas geopoliticos da Africa ocidental, entre os anos 1880 ¢ 1900, foi marcada por lumas sangfentas destacando-se tanto as campanhas francesas ne Sudao ocidental (hoje; Mali), ma Costa do Marfim (contra os batile) ¢ no Daomé, atual Benin (contra os fons), come as campa- nhas britinieas no Ashanti (atual Gana), na regio do delta do Nilo (atual Ni- géria) c no norte da Nigeria, entre 1895 ¢ 1903. E possivel afirmar que, no geral, houve uma tendéncia de a reagao africana contra a Franga ser mais violenta, uma vez que esse pais europeu optou por conquistar territérios predominantemente pela forga. A esta faceta militar asso- ciava-se’o fato de as regides ocidental ¢ equatorial ‘afficanas terem sofride pro- cesso de islamizacae rejcitando fortemente o dominio branco dos “infi¢is”, con- siderando-o uma imposicio intolerivel. O exemplo mais classico- de resisténcia armada 4 Franca foi o da Senegambia. Os africanos do império unificade man- dinga, sob a lideranga de Samori ‘Touré, em 1882, comtavam com ‘um poderoso exército cuja homogencidade © coesio’ permitiram que ganhasse um carder 88 LEILA LEITE HERNANDEZ praticamente nacional. Era também um exército bem equipado, dentro dos moldes curopeus, com armas modernas adquiridas com a venda de marfim ¢ ouro do sul da Costa do Marfim, e de cavalos, obtides pela troca de escravos na regio do Sael. Mas o poderio francés extingiiiu a lura quando capturou, em 1892, Samori Touré, deportando-o para 6 Gabso. Dessa forma, pds fim a resis: t@ncia armada conhecida como a mais duradoura das campanhas contra um mesmo adversirio, em toda.a histéria da conquista do Sudao ocidental. Em contraste com os franceses, é consensual que a acao britinica nao foi, no seu conjunto; basicamente militarizada. Os seus processos de conquista, em niimero considerdvel, foram advindos de negociagio pacifica, da “diplomacia”, sendo conclufdos com tratados de protegio como foram os casos do norte de Serra Leoa e norte da Costa do Ouro, além de diverses pontos do pais loruba. ‘Apesar disso, no \faltaram canipahhas britinicas cor 6 emprego'da forga como no pais Ashanti, onde os:conflites surgiram em torno de 1760 culminan- do em 1824 com um violento choque militar. Ainda assim, os ashantis sé foram decisivamente derrotados cingtienta anos mais tarde, 0 que, alids, levou 0 seu império & desintegracao. Um segundo ‘exemple é 0 do Reino'do Benin, que, embora:tenha como marco de sua conquista a-assinatura de um tratado de protetorado, em 1892, ainda assinn procitava: respuardar parte de sua soberania. A forcada submissio do reino se deu em 1897, quando os britanicos, sob 0 pretexto da morte do seu cénsul interino ¢ de mais.cinco compatriotas, enviaram contra @ Reine do Be- nin wna expedicgo de cerca de 1.500 homens-que pilhataméos preciosos bron zes dos iorubas e incendiaram:a capital. Processo semelhante ocorreu no delta do Niger onde foram efetuados trata- dos de protetorado com a maioria dos chefes. Houve, no entanto, os que mani- festaram um descontentamento radical desafiando as autoridades britanicas. Foi 0 caso de Jaja de Opébo cuja lura implicow um confronto em torne: do paga- mento de impostos cobrados por uma empresa britinica. A medida que o pro- cesso de polarizagio avangava, a represdlia tomou-se violenta’¢ ‘seu alvo mais definido. Atrafdo para uma emboscada, Jaja de Opébo foi preso, julgado ¢ de- portado para as Antilhas. A dimensio simbdlica desse ato teve a particularidade dé ser-usado pelos ingleses para persuadir osioutros “Estados” do delta do Niger a se submeter pacificamente 4s condig6es administrativas impostas. ‘Também na’Africa oriental; no Quénia, os nandis ofereceram: umia:oposi- ao militar 3 construcio de uma estrada de ferro em seu tertitério. Foi a mais prolongada das resisténcias a0 Império Britiinico nessa regio, se estendendo de 1890 2 1905, quando seu chefe, atraido para negociagécs, foi traigoeiramente A AFRICA NA SALA DE AULA 89 assassinado. Enfraquecida, a resistencia dos nandis acabou vencida apés quinze anos de encarnigada luta que reuniu diversos clas divididos em unidades tettito- riais, aproximando-os da organizagao de um exército regular curopeu. Por sua vez, no ‘Tanganica, a reagao contra a conquista alema contou com © cmprego da forga de aliangas diplomaticas com virios povos tanto no interior quanto no litoral. J4 no Congo, na regio fronteiriga com Angola, entre outros povos, os combatives chokwes, até sucumbirem ao dominio belga, resistiram com tenacidade, por cerca de vinte anos, isto é, de 1890 a 1910, infligindo pe- sadas perdas 4 Force Public. Quanto ao sul de Angola, os macuas, os luandas ¢ 08 diversos grupos da regiio de Gambo aperfeigoaram suas técnicas de guerrilha, utilizando-as com freqiiéncia e vigor contra © colonizador portugués. De certo modo, esses. embates assemelham-se ao que havido sucedido mais de dois séculos antes da Conferéncia de Berlim na Africa do Sul, onde desde 1652 jé havia sido fundada a Colénia do Cabo pela Companhia Holandesa das Indias Orientais, visando estabelecer na regido uma estaco de teabastecimenw para os seus navios. No séeule XVII, os béeres (migrantes holandeses) adentra- tam 0 interior cagando'¢ comerciando gado com os hotentotes ¢ por vezes tor- nando-se eles prdptios criadores de gado. Seus descendentes vieram a autode- signar-se africanderes. Nos seus deslocamentos para leste em diregao & zona de maior pluviosidade onde fundaram Natal, encraram em confronto com povos africanos locais expulsando os boschimanes, dominando ou dispersando os ho- tentotes ¢, em 1779, guerreando com os bantos nas conhecidas “guerras cafres”, assim chamadas porque, pela jurisprudéncia islamica, os bantos cram conside- rados pagios, nao tendo direitos em um “Estado” islimico. Entre 1793 ¢ 1815, durante as guerras anglo-francesas, 2 Cidade do Cabo, apreciada por sua posigio estratégica de entrada para o oceano [ndico, passou do dominio holandés para o inglés (1795). Esse acontecimento marcou o inicio de uma série de embates violentos entre béeres e ingleses e béeres ¢ povos afri- canos, como os kéi-kéis, os sans, os xhosas, os-upondos, os tembus ¢ os:mfen- gus © mais tarde, os aulus. Em 1852 ¢ 1854 a Inglaterra reconheceu duas coldnias de povoamento branco de lingua holandesa, a Repiiblica Sul-Africana ¢ 0 Estado Livre de Orange, como independentes. Mas, pouco mais tarde, com a descoberta do ouro e des diamantes, os britanicos impuseram o scu dominio com uma politi- ca de confronto, tanto aos africinderes como aos zulus, ndebeles,. bembas ¢ yaos; até 1947, quando ocorreu a independéncia da Africa do Sul. Concluindo, é possivel afirmar que todos esses exemplos, embora em pe- quéno nimero, séo suficientes para indicar que tanto a violéncia como as 90 LEILA LEITE HERNANDEZ formas de resisténcia diante da perda de soberania, independéncia ¢ liberdade desvendam 0 protagonismo afticano perante a partilha e a conquista. Mas os exemplos evidenciam também a imporéncia bélica dos africanos ante a supre- macia européia. Como bem resumiu @ poeta inglés Hilaire Belloc: “Aconteca 0 que acontecer, nés temos a metralhadora, ¢ cles nao”!° A dominagio fundada no esertlcio da violencia fisica. Ane afre-porruguesa encontrada no Benin, no 10. Apud BOAHEN, A. Adu (evord.), ep- cit, p. 30.

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