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Só que o critério 

Conhecimentos tá pela metade! O nome completo


é Estrutura e Conhecimentos. Precisamos cuidar, agora, da estrutura.

E O QUE É A ESTRUTURA?
A estrutura da redação do ENEM é a seguinte:
PARÁGRAFO 1: INTRODUÇÃO
PARÁGRAFO 2: DESENVOLVIMENTO DO 1º
ARGUMENTO
PARÁGRAFO 3: DESENVOLVIMENTO DO 2º
ARGUMENTO
PARÁGRAFO 4: PROPOSTA DE INTERVENÇÃO

Ah, mas a minha amiga Ana Bárbara fez só três parágrafos na redação
e tirou 920, posso fazer só três? Pode. Pode fazer três, quatro ou até cinco,
se quiser, mas não é coincidência que todas as redações nota 1000
divulgadas pelo MEC tenham quatro parágrafos. Também não é porque
quatro é um número mágico. Essa estrutura é recomendada porque
facilita a argumentação.

Se uma aluna minha tá só começando a praticar a redação do ENEM, sem


experiência nenhuma, ela provavelmente vai cometer algum dos dois erros
mais comuns de argumentação: usar argumentos demais ou usar só
um. Usar argumentos demais é sinal de nervosismo — você quer tanto
impressionar o corretor que escreve TUDO que te vem à mente,
vomitando conhecimento no papel. Ah, o tema é vestibular? Beleza, então
eu vou falar do sistema educacional precário, e das cotas, e de Paulo
Freire, e de projeto pedagógico, e de outros vestibulares em outros
países, e de… Cê tá escrevendo um livro sobre o assunto? Não! Você não
tem nem uma folha inteira — só 30 linhas. Não cabe tudo isso. Quanto
mais argumentos você usar na sua redação, menos espaço você tem pra
desenvolver cada um; ou seja, menos espaço pra explicação. Então quanto
mais argumentos você usar, menor é a qualidade do texto.
Isso não quer dizer que o ideal seja usar um argumento só. É claro que
você explicaria muito melhor seu argumento se usasse TODO o espaço da
redação pra isso, mas também é importante demonstrar que você sabe
outras coisas sobre o assunto.

Se eu não posso usar argumentos demais nem focar em um argumento


só, qual é o número ideal de argumentos na redação? Dois — um
em cada parágrafo.

seus dois argumentos


Argumentos são desenvolvidos em parágrafos diferentes pra evitar que as
ideias se misturem. Pense nos argumentos como água e óleo — cada um
no seu canto, bem definido. Aí a argumentação fica super clara, sem pular
pra cá e pra lá tentando explicar tudo ao mesmo tempo.

Tá, e quais são os meus dois argumentos? Isso você já sabe.


PARÁGRAFO 1: INTRODUÇÃO
PARÁGRAFO 2: CAUSA
PARÁGRAFO 3: EFEITO
PARÁGRAFO 4: PROPOSTA DE INTERVENÇÃO

Ou seja: respondendo as cinco perguntas lá do início da apostila, você já


tem quase toda a redação pronta. Só falta a introdução.

UÉ, MAS A INTRODUÇÃO NÃO É A


PRIMEIRA COISA QUE EU FAÇO?
Não, uai. A introdução é uma apresentação do seu texto; é você falando
pro leitor olha só, meu texto fala disso, disso e disso, beleza?. Como é que
você vai apresentar um texto se você mesma ainda não sabe do que ele se
trata? É como se você apresentasse uma pessoa sem saber o nome dela.
Aliás, esse é um erro super comum de quem tá começando a praticar
redação: escrever a introdução primeiro e decidir os argumentos depois,
no improviso. Aí na hora de reler o texto cê percebe que a introdução não
tem NADA A VER com o resto e sai da prova chorando.
relendo o rascunho

BELEZA. ENTÃO COMO EU INTRODUZO O


TEXTO?
Imagina que alguém tá dando uma volta no bairro e tropeça na sua
redação. Se essa pessoa pega o papel do chão e lê o primeiro parágrafo, ela
vai entender do que o texto se trata? Ou a redação só faz sentido se o leitor
já sabe o tema antes de começar a ler?
Dá uma olhada nessa intro (que NÃO é nota 1000):
Com o advento da era da informação, que
popularizou smartphones e democratizou o acesso à
internet, muitos jovens têm dedicado todo seu tempo
livre às redes sociais, interagindo com amigos,
conhecidos e estranhos. No entanto, as
consequências podem ser muito prejudiciais, levando
a crises de autoestima e até mesmo à morte.

Qual é o tema dessa redação? Eu entendi que tem alguma coisa a ver com
jovem e internet, mas qual é o tema? Vício em redes
sociais? Cyberbullying? Não dá pra saber. Essa introdução não cumpre
seu papel principal: me dizer do que é que o texto se trata.

Olha a diferença desse outro exemplo, escrito pela Ana Luiza:


Na arte cristã, pietà é um tema que representa a
Virgem Maria com Jesus morto em seus braços.
Consternada pela dor, a mãe chora pela brutalidade
sofrida pelo filho, exercida pelas forças do Estado
que falharam em cumprir sua missão: prestar pelo
bem e proteger. Essa imagem reflete a realidade
brasileira da perda da credibilidade da polícia como
instituição do Estado por conta da sua violência.

Do que é que a redação fala? Da perda da credibilidade da polícia como


instituição por conta da sua violência, certo? Certo; o tema é violência
policial. Então nós já sabemos tanto o assunto do texto quanto o ponto de
vista da Ana Luiza, já que ela claramente não gosta dessa violência.
Esse ponto de vista, que é o que você pensa sobre o problema, não precisa
ser muito detalhado. Aliás, outro erro super comum é argumentar na
introdução: já chegar explicando o que pensa, por que pensa, etc. Calma!
Não é pra dar spoiler da argumentação. Eu só quero ter uma ideia do que
é que você vai abordar no texto.

ENTÃO EU TENHO QUE USAR UMA


REFERÊNCIA NA INTRODUÇÃO?
Não! A introdução que traz uma referência é sempre a mais forte, porque
mostra repertório, mas existem vários outros tipos mais fáceis. Tente
experimentar todos, um em cada redação, e ver quais você prefere!

1. DEFINIÇÃO

O termo “autoestima” significa a estima que uma


pessoa tem por si mesma; o quanto ela se valoriza,
sua autoconfiança. Ironicamente, apesar da
semelhança fonética, a autoestima dos jovens
brasileiros não é alta. De fato, a inadequação é tanta
que muitos desenvolvem problemas de saúde,
podendo chegar até mesmo à morte.

Esse recurso é o mais simples de todos. Se você tem dificuldade em pensar


em uma intro e acaba gastando tempo demais nisso, aposte na definição.
É só começar definindo uma palavra-chave do tema, como se você fosse
um dicionário — e aí conectar essa definição ao tema em si e à sua posição
sobre ele.
2. DECLARAÇÃO

A baixa autoestima é epidêmica entre jovens


brasileiros. Vítimas dos padrões estéticos, que ditam
rostos e corpos ideais, esses adolescentes têm sua
autoimagem distorcida e chegam a desenvolver
transtornos alimentares, ferindo corpo e alma em
nome da perfeição.

Outro recurso bem simples — a chave é começar com uma frase curta que
inclua um adjetivo forte, estabelecendo a seriedade do problema. A baixa
autoestima é epidêmica, a proibição das drogas é ineficaz, o vestibular é
um fracasso. Essa declaração pode até ser mais ousada: A proibição do
aborto é a sentença de morte da mãe.

3. EXEMPLIFICAÇÃO

Seios rijos, músculos definidos, pele de alabastro. Os


padrões estéticos ditam rostos e corpos ideais e
frequentemente inalcançáveis aos jovens brasileiros,
cuja autoestima sofre. Tomados por um sentimento
de inadequação, esses adolescentes chegam a
desenvolver transtornos alimentares, ferindo corpo e
alma em nome do que é considerado perfeito.

Mais um recurso fácil de usar, que consiste em dar vários exemplos


concretos. A situação da saúde no Brasil é de salas de espera lotadas,
leitos nos corredores, escassez de remédios. O vestibulando tem as mãos
trêmulas, morde a tampa da caneta, sua frio. Esse recurso tem o efeito
bem legal de estabelecer a seriedade do problema dando imagens bem
claras ao leitor. Pode caprichar no drama.

4. INTERROGAÇÃO

Vítimas dos padrões estéticos, que ditam aparências


ideais, jovens brasileiros têm sua autoimagem
distorcida e chegam a desenvolver transtornos
alimentares, ferindo-se para atingir a perfeição. Ao
invés de buscar um corpo magro e cobiçado, não
seria melhor um corpo saudável?

Esse recurso já é um pouquinho mais complexo. A interrogação vem ao


final do parágrafo pra sacudir o senso comum, trazendo uma reflexão que
será desenvolvida ao longo do texto. No exemplo, o corpo perfeito é tido
como um corpo bonito, sensual, desejável, então eu questiono se não seria
melhor do que tudo isso ter um corpo são — isto é, um corpo sem
anorexia, sem neuras. O vestibular é tido como indispensável, o crack é
tido como um problema a ser resolvido pela força — esses paradigmas
também podem ser questionados. Além de instigar o leitor, a interrogação
obriga o seu texto a sair do óbvio, o que já garante mais pontos. Olha a
intro da Maria Clara, que combina a definição com uma interrogação:
O termo vestibular faz referência à palavra
“vestíbulo”, sendo um pátio de entrada ao ensino
superior. Instituída no Brasil no início do século XX,
essa prova continua sendo a principal forma de
ingresso nas faculdades. Entretanto, mais de cem
anos depois, cabe perguntar: o vestibular ainda é
necessário para determinar o conhecimento de um
estudante?

5. REFERÊNCIA

A estatueta Vênus de Willendorf, esculpida há 28 mil


anos, representa o padrão de beleza feminina vigente
no período paleolítico: curvas generosas, associadas à
fertilidade. Em contraste, o padrão estético atual
exige magreza extrema, ao ponto de provocar risco à
saúde. Vítimas da estética do seu tempo, jovens
brasileiros têm sua autoimagem distorcida e chegam
a desenvolver transtornos alimentares, ferindo corpo
e alma em nome da perfeição.
aí sim

Introduções que incluem referências são mais impressionantes porque já


abrem o texto demonstrando repertório. Pra explicar a violência contra a
mulher, podemos citar Simone de Beauvoir, que diz que a mulher não
nasce mulher; torna-se. Pra demonstrar o impacto do crack sobre a vida
do usuário, recorremos a MC Carol: Larguei minha família, a escola, você
sabe. Vou perder os meus amigos, se prostituir faz parte. Vale
referenciar QUALQUER coisa — obras filosóficas, contextos históricos,
filmes, músicas, notícias (anime não). O importante é traçar uma relação
com o tema. Mas lembre-se: a prioridade é colocar referências no
desenvolvimento! Se você só pensar em uma, deixa pra lá.

Olha esse uso brilhante de referência em uma introdução da Giovana:


“Não é cova grande, é cova medida, é a terra que
querias ver dividida”. O verso de Morte e Vida
Severina ultrapassa a barreira do tempo e representa
a realidade do Brasil de 2018. Isso porque,
infelizmente, a luta pelo fim da desigualdade social
ainda é muito estigmatizada, principalmente por
contrariar a ordem vigente, o que pode ser observado
na conotação negativa dada ao Movimento Sem
Terra (MST), que luta pela reforma agrária e fim dos
latifúndios improdutivos. Essa visão do MST como
algo imoral prejudica a sua atuação e contribui para a
perpetuação da narrativa de João Cabral de Melo
Neto.

Em Morte e Vida Severina, o personagem que queria um pedacinho de


terra pra si só o recebe em forma de cova. A referência — poderosíssima —
tem tudo a ver com uma redação sobre o MST.

6. ALEGORIA
No conto Branca de Neve e os Sete Anões, a Rainha
Má indaga: “Espelho, espelho meu, existe alguém
mais bela do que eu?” Seu espelho mágico então
responde que ela é a mais bela aqui, mas que a
Branca de Neve, que está morando bem longe, é mil
vezes mais bela. A obsessão da Rainha em alcançar a
perfeição estética, personificada pela princesa, é
refletida pelos jovens brasileiros; ao se compararem
aos padrões vigentes e constatarem que não são os
mais belos, adolescentes colocam sua saúde física e
mental em risco em busca da perfeição distante.

O poder da alegoria é o de encontrar em uma história, seja um mito,


fábula, parábola ou conto de fadas, um paralelo ao problema em questão.
A introdução demonstra repertório, já que é uma referência, mas também
comprova seu poder de interpretação e sua compreensão do tema. Esse é o
recurso mais complexo, é claro, mas também é o de resultado mais
impressionante. Segue outro exemplo, que puxa da mitologia grega:
Na mitologia grega, Narciso se inclina sobre um rio
para matar a sede e outra sede o toma: a de olhar a si
mesmo. Obcecado por seu reflexo, ele mergulha os
braços na água e se frustra ao abraçar o nada, mas
persiste às margens do rio até definhar. A morte de
Narciso na busca pela perfeição estética espelha as
mortes de milhares de jovens brasileiros nas mãos de
transtornos alimentares, não por amarem a própria
imagem — mas por odiarem-na.
autoestima é tudo!!
Um último exemplo, dessa vez do Phellipe, que arrasou na introdução:
De acordo com a mitologia grega, Hércules precisou
cumprir doze tarefas para tornar-se um deus. Tais
tarefas só poderiam ser realizadas por alguém com
capacidade e habilidades divinas; logo, eram uma
forma de avaliação coerente. O mesmo não pode ser
dito do vestibular, método que seleciona a entrada de
alunos no ensino superior brasileiro — a dificuldade
do exame supera em muito o que poderia ser
razoavelmente esperado de um estudante.

Agora você já conhece os seis principais tipos de introdução, do mais fácil


ao mais complexo. Pronta pra exercitar?

EXERCÍCIO DE ESCRITA— VII — INTRODUÇÃO

Pro nosso sétimo exercício, nós vamos reaproveitar o exercício anterior,


em que você escreveu uma proposta de intervenção baseada em dois
argumentos já prontos. Releia os argumentos, responda às perguntas (de
acordo com o que está escrito) e desenvolva várias introduções pro mesmo
texto, uma de cada tipo.

Qual é o assunto do texto?

O que eu penso sobre isso?

1. DEFINIÇÃO
Construa uma introdução deste tipo.
2. DECLARAÇÃO
Construa uma introdução deste tipo.

3. EXEMPLIFICAÇÃO
Construa uma introdução deste tipo.

4. INTERROGAÇÃO
Construa uma introdução deste tipo.

5. REFERÊNCIA
Construa uma introdução deste tipo.

BÔNUS: ALEGORIA
Como este é o tipo mais difícil, fica como um exercício bônus, opcional.
Não precisa fazer se não quiser. Na real, isso vale pra todos os exercícios
da apostila, já que eu não sei onde você mora e não posso ir aí te obrigar a
estudar redação. Eu iria, viu.

PROPOSTA DE REDAÇÃO — III—AGORA É PRA VALER


Escreva uma redação completa, com introdução, causa, efeito (incluindo
referências!) e intervenção, sobre o tema Caminhos para combater o
aborto clandestino no Brasil. (link pros textos motivadores)

Não se esqueça de começar pelas cinco perguntas! Elas é que guiam o


rumo do texto.
Essam Marouf
Beleza, agora nós já falamos de todos os critérios do ENEM que envolvem
argumentos — Estrutura e
Conhecimentos, Argumentação e Proposta de intervenção. Ou
seja, o mais difícil já foi! Os outros dois critérios, Domínio da Escrita
Formal e Mecanismos Linguísticos, têm mais a ver com a sua escrita
em si; quem tá acostumada a ler e escrever já se dá bem nisso aí sem
problemas. Tendo dito isso, uns vinte ou quarenta pontinhos a mais não
fazem mal a ninguém, então vamos revisar isso aí, começando pelos
mecanismos linguísticos.

MAS O QUE SÃO MECANISMOS


LINGUÍSTICOS?
Pra construir um texto, as frases e parágrafos precisam estar conectados
entre si, como os elos de uma corrente. Assim, cada frase leva à frase
seguinte, e o leitor entende direitinho a linha do seu raciocínio. Sem os
conectivos ligando uma frase à outra e um parágrafo ao outro, o texto é
não é um texto, é só uma sequência de ideias desconexas. E é pra fazer
essa conexão que nós usamos os mecanismos linguísticos — isto é,
os conectivos.
Veja que esta redação nota 1000 usa conectivos no início de quase todas as
suas frases, especialmente no início do segundo argumento e no
início da proposta de intervenção. Esses são os dois conectivos mais
importantes! Não se esqueça de usá-los.

E QUAIS CONECTIVOS EU POSSO USAR?


Você pode usar conjunções — Além disso, No entanto, etc — ou conectivos
mais sofisticados, que referenciam o próprio assunto da frase anterior. Por
exemplo:
Helen Keller — primeira mulher surdo-cega a se
formar e tornar-se escritora — definia a tolerância
como o maior presente de uma boa educação. O
pensamento de Helen não tem se aplicado à
sociedade brasileira, haja vista que não se tem…

A autora poderia ter começado a frase seguinte com “No entanto”, o que


estaria correto, mas o uso de “O pensamento de Helen” é mais criativo e
mais relevante à frase anterior. De uma forma ou de outra, o importante
é enxergar a relação entre as frases — se é uma relação de
semelhança, de contraste… Vou te dar uma listinha de relações e exemplos
de conectivos pra facilitar tua vida:

1) Prioridade (o que deve ser dito primeiro):

em primeiro lugar, antes de mais nada, antes de tudo, em princípio,


primeiramente, acima de tudo.

2) Semelhança (coisas que se parecem):

igualmente, da mesma forma, assim também, do mesmo modo, de acordo


com, segundo, conforme, sob o mesmo ponto de vista, tal qual, tanto
quanto, como, assim como, bem como.

3) Contraste (uma coisa que não se parece com a outra. É


diferente):

pelo contrário, em contraste com, contudo, todavia, entretanto, no


entanto, conquanto.

4) Continuação (uma coisa após a outra. Bom pro início do 3º


parágrafo):

além disso, ademais, outrossim, por outro lado.


5) Conclusão (resume o que foi dito. Bom pro início da
conclusão):

em suma, em síntese, em conclusão, enfim, em resumo, portanto, assim,


dessa forma, dessa maneira, desse modo, logo, dessarte, destarte, assim
sendo, nesse sentido.

BELEZA. E O DOMÍNIO DA ESCRITA


FORMAL?
Olha, dominar a escrita formal — isto é, seguir direitinho a norma culta e
usar um vocabulário complexo — é questão de prática. Não tem atalho.
Tem que ler muito e escrever muito, o ano todo, pra desacostumar da
linguagem que a gente usa na internet (sem pontuação, sem maiúscula,
etc). Tendo dito isso, se o seu tempo tá curto, presta atenção nas três áreas
que mais dão problema: vírgula, crase e divisão de frases.

COMO USAR A VÍRGULA?


Existem muitas regras no uso das vírgulas. Não vou cobrir todas aqui,
senão essa apostila dobra de tamanho; vamos ver só as mais importantes.
Vírgulas são úteis:

1. PARA SEPARAR ELEMENTOS DE UM GRUPO

Marília Rafael e Andressa foram ao shopping. Onde faltou vírgula na


frase? Entre “Marília” e “Rafael”: Marília, Rafael e Andressa foram ao
shopping. Por quê? Porque separam-se com vírgula palavras que
são elementos de um grupo! Como Marília, Rafael e Andressa formam
um grupo, nós os separamos. Outros exemplos:

Vou à feira comprar tomates, cenoura e beterraba.


As cores primárias são vermelho, verde e azul.
Dois, quatro, seis, oito e dez são números pares.

Uma dica: antes de “e” não vai vírgula.


2. PARA DESTACAR EXPLICAÇÕES

Meu aluno preferido Luan faltou à aula. Onde ficaria a vírgula? Antes e
depois de “Luan”: Meu aluno preferido, Luan, faltou à aula. Por quê?
Porque o sentido da frase é “Meu aluno preferido faltou à aula”. Luan é
uma explicação — eu estou te dando o nome do meu aluno. Explicações
recebem vírgulas antes e depois, pra que o leitor entenda que o autor
está desviando da frase e então voltando. Outros exemplos:

A mala azul, por ser de rodinhas, é mais fácil de carregar.


Eu, como professora de redação, sou obrigada a tirar boa nota no
ENEM.
Refrigerante, uma bebida super calórica, atrapalha a perda de peso.

3. PARA SITUAR A FRASE

Na Revolução Industrial os trabalhadores não tinham direitos. Cadê a


vírgula? Depois de “Industrial”: Na Revolução Industrial, os
trabalhadores não tinham direitos. Por quê? Porque essa expressão situa
a frase num período de tempo. Expressões que vem ao início da
frase para situá-la em um tempo, local, modo, etc são separadas
por vírgula. Por exemplo:

Antigamente, mulheres não podiam votar.


No Brasil, fala-se português.
Geralmente, o que firma o aprendizado do aluno é a resolução dos
exercícios.
Quando a gente gosta, é claro que a gente cuida.

4. ANTES, E ÀS VEZES DEPOIS, DE CONJUNÇÕES

Eu gosto dela porém ela não gosta de mim. Onde fica a vírgula? Antes do
“porém”: Eu gosto dela, porém ela não gosta de mim. Por quê? Porque o
porém é uma conjunção. A fórmula é: primeira ideia + vírgula +
conjunção + segunda ideia.

São só quatro regras, mas não é tão simples entender.


Ou se aprende a vírgula, ou não se passa no ENEM!
Se a conjunção estiver no início da frase, só vem vírgula depois, é claro.
Por exemplo:

A vírgula nem sempre é necessária pro entendimento. Apesar disso, é


importante conhecer seu uso correto.

Só se usam duas vírgulas se você rearranjar a segunda ideia pra que a


conjunção fique no meio dela. Assim:

Queremos ver o mar, porém não será nesta viagem.


Queremos ver o mar. Não será, porém, nesta viagem.

Dá uma olhada também nesse vídeo do prof. Noslen:


perfeito

COMO USAR A CRASE?


A crase é a versão feminina de “ao”. “AO” é a preposição A + o artigo O;
“À” é a preposição A + o artigo A. Quando você precisa repetir o A, você
usa a crase, pra não precisar escrever “a a”. Assim:

“Eu vou a o teatro” vira:

“Eu vou ao teatro”

“Eu vou a a escola” vira:

“Eu vou à escola”

O erro de crase vem da confusão entre o A-artigo e o A-preposição. Só é


preciso usar crase quando se pede tanto o artigo quanto a preposição. Dá
uma olhada no exemplo:

Consumo de fast food somado a uma rotina atarefada leva à obesidade.


No primeiro caso, o A-preposição está presente, mas o artigo é Uma. Ou
seja, a crase não é necessária. Já no segundo caso, tanto a preposição
quanto o artigo são As. A + A = À!

Para descobrir se o A é preposição ou artigo, o truque é olhar a flexão de


número e gênero e a definição. Já que o A é um artigo definido,
feminino e singular, o termo precisa ser definido, feminino e singular
também. Pode usar crase com palavra masculina? Não. Pode usar crase
antes de artigo indefinido? Não. E plural? Pode, mas aí pluraliza a crase
também.

O padre deu bênção ao menino.

O padre deu bênção a uma menina.

O padre deu bênção às idosas.

Uma dica é transformar a palavra feminina em uma masculina e ver se o À


vira AO. Se não fizer sentido usar AO, não faz sentido o À.

Isso ocorre devido à omissão do governo.

Isso ocorre devido ao lapso do governo.

As exceções à regrinha acima são os usos de crase em expressões que


indicam tempo, lugar e modo. Assim:

Às vezes eu envio lições sobre português.

Essas lições são feitas às pressas.

Preciso sair de casa às 17h!

O prof. Noslen também tem um vídeo legal sobre crase:


alguém por favor tem o zap do noslen só pra eu conferir um negócio aqui

COMO DIVIDIR FRASES?


O que eu mais vejo nas primeiras redações das minhas alunas, lá no início
do semestre, são as frases gigantes. Frases gigantes são frases de mais
de três linhas — aquela frase que, quando termina, cê já nem lembra mais
como começou. Às vezes, acontece até do parágrafo inteiro vir em uma
frase só, o que prejudica muito a compreensão do texto.

É a diferença entre comer um bife cortado em vários pedacinhos ou um


bife inteiro, de uma vez só. Fracionar o seu texto em frases curtas torna ele
mais fácil de digerir. Olha só:
Num país de 12 milhões de desempregados, a
competitividade do mercado de trabalho relega ao
pobre toda sorte de trabalho braçal, subalterno e
indigno por apenas um salário mínimo ao mês — se
tanto — , e a esses trabalhadores as facções estendem
mão amiga, oferecendo não só dinheiro como uma
função que inspira medo e respeito, autoridade, em
vez de sujeição, assim, a pobreza dá forças ao tráfico
de drogas.
Num país de 12 milhões de desempregados, a
competitividade do mercado de trabalho relega ao
pobre toda sorte de trabalho braçal, subalterno e
indigno por apenas um salário mínimo ao mês — se
tanto. A esses trabalhadores, as facções estendem
mão amiga, oferecendo não só dinheiro como uma
função que inspira medo e respeito; autoridade, em
vez de sujeição. Assim, a pobreza dá forças ao tráfico
de drogas.
Procure montar seus parágrafos com um mínimo de duas frases
(idealmente, três ou quatro), usando o ponto final sem medo. Uma última
dica: quase todo conectivo é uma oportunidade de divisão de frase!
Conforme afirmou Aristóteles, é preciso tratar
igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na
medida exata de suas desigualdades, contudo, a
instrução aristotélica não é vista na prática, uma vez
que o mercado de trabalho oferece poucas
oportunidades, ainda que o deficiente auditivo tenha
concluído o ensino superior.
Conforme afirmou Aristóteles, é preciso tratar
igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na
medida exata de suas desigualdades. Contudo, a
instrução aristotélica não é vista na prática, uma vez
que o mercado de trabalho oferece poucas
oportunidades, ainda que o deficiente auditivo tenha
concluído o ensino superior.

E é isso! Agora que você já sabe como construir uma redação no modelo
ENEM, só o que falta é praticar bastante. Escreva uma redação por
semana, sem consulta e de olho no relógio — o tempo ideal é de
1h30. E não fique desanimada se, a princípio, você demorar bastante a
escrever ou tiver muita dificuldade em colocar suas ideias no papel.
Pratique! A gente só aprende a andar andando.

Agradecimentos a Ana Luiza, Giovana, Maria Clara e Phellipe, pelas


introduções maravilhosas, e a todas as outras alunas pelo seu esforço e por
me encherem de orgulho. Paulo Freire dizia que a educação é um ato de
amor — espero ter transmitido esse amor a vocês.

Alguns direitos reservados. Atribuição, não-comercial. Uso e


reprodução liberados, desde que sem fins lucrativos.

Disponível em: <https://medium.com/@niva/apostila-de-reda%C3%A7%C3%A3o-905fa7b02f2e>. Acesso em 02 mar.


2020.

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