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5. COMO ELIMINAR O PROBLEMA?

Depois de todo esse esforço no desenvolvimento, é muito comum a aluna


chegar na conclusão cansada e propondo qualquer coisa pra acabar o texto
logo. Ah, o problema é intolerância? Conscientiza o intolerante. O
problema é congestionamento? Conscientiza o motorista. O problema é o
apocalipse? Conscientiza Deus aí. Pede mais uma chance pra nois.
É aí que a sua nota afunda. O último parágrafo da redação vale sozinho
200 pontos, considerando a conclusão e a proposta. Bota uma proposta
genérica, sem capricho, e tu perde 80 pontos na hora. Essa é a diferença
de uma redação 840 pra uma 920 —e pode ser a diferença entre a lista de
espera e a aprovação.

Então como é que eu monto uma proposta de intervenção? Fácil. A


proposta de intervenção ataca a causa e o efeito.
Todo o trabalho que você teve no desenvolvimento vai ser bem
aproveitado aqui, porque você já definiu os objetivos da sua proposta. A
causa é o machismo? A proposta ataca o machismo. O efeito é o trauma da
mulher? Ataca o trauma da mulher. Você já sabe o que precisa resolver —
agora é decidir QUEM e COMO.
Vamos voltar praquelas oito áreas (saúde, cultura, etc). Você escolheu uma
causa da área de cultura? Então a proposta deve vir da cultura também.
Por exemplo, digamos que a causa do bullying seja padrões estéticos; a
criança chama a outra de gorda porque existe um padrão estético que diz
que é ruim ser gorda, que ser gorda é feio. Olha a proposta:
Emissoras de televisão devem se afastar dos padrões
estéticos inserindo atores de aparência diferente do
padrão em suas novelas, especialmente naquelas
voltadas ao público jovem, como Malhação.

Ótimo. E o efeito do bullying? A criança gorda acha que ser gorda é


mesmo ruim, desenvolve vários complexos e chega até à anorexia, que é
um puta efeito negativo sobre a saúde — pode até levar à morte. Efeito
sobre a saúde pede proposta de saúde:
Escolas devem submeter seus alunos a exames
médicos periódicos, de forma a detectar estresses e
traumas derivados do bullying, assim como
flutuações de peso indicativas de transtornos
alimentares. Uma vez diagnosticado, o jovem
receberá acompanhamento psicológico até que
supere o problema.

Pronto. Eu defini o QUEM (emissoras de televisão e escolas) e


o COMO (diversificando atores e examinando alunos) e tá pronta a
proposta!

> Tá, mas como eu escolho o QUEM?


O QUEM, que é o agente da proposta, tem a ver com quem cria o
problema e quem sofre com o problema. Vamo pegar esse último exemplo
aí. A vítima do bullying é a criança, o adolescente. Quem é que tem
influência sobre criança e adolescente? Eu disse que as escolas devem
submeter os jovens a acompanhamento médico, mas eu poderia muito
bem ter dito que esse papel é das famílias.

Da mesma forma, pra resolver a causa, eu posso pedir que emissoras de


televisão exibam pessoas fora do padrão estético em suas novelas, ou
que anunciantes usem essas pessoas em comerciais — porque jovem
assiste TV.

Já naquela proposta dos canudos de plástico, várias pessoas pediram


que o governo desenvolvesse canudos melhores; mas faz mais sentido
pedir isso do fabricante, que é quem cria o problema (o canudo de
plástico).

Por falar em governo, toma cuidado na hora de escolher agentes


governamentais. Cada um dos três Poderes tem seu papel. O Poder
Legislativo, que é o Congresso (Câmara dos Deputados e Senado Federal),
cria as leis. Se você pede uma lei ou quer que algo vire crime ou deixe de
ser crime, o negócio é usar o Congresso. Olha essa proposta de uma
redação nota 1000:
Ademais, o Estado, através do corpo legislativo, deve
propor incentivos fiscais às grandes empresas que
instituírem um percentual proporcional na
contratação de pessoas com alguma restrição física,
incluindo a auditiva.

Agora, se o que você quer é uma política pública ou um plano de governo,


seu caminho é o Poder Executivo, e aí você recorre aos governos
municipais, estaduais e ao federal.
Destarte, para que as pessoas com deficiência na
audição consigam o acesso pleno ao sistema
educacional, é preciso que o Ministério da Educação,
em parceria com as instituições de ensino, promova
cursos de Libras para os professores, por meio de
oficinas de especialização à noite — horário livre para
a maioria dos profissionais — de maneira a garantir
que as escolas e universidades possam ter turmas
para surdos, facilitando o acesso desse grupo ao
estudo.

Aproveita e aprende aqui o nome dos ministérios. Minhas alunas só


conhecem o MEC e isso porque é o que cuida do ENEM.

Já os casos em julgamento ficam ao cargo do Poder Judiciário, composto


pelos juízes e pelos ministros do STF. Só lembra que não é papel do
Judiciário encontrar criminoso; isso aí é com a polícia. O Judiciário só
julga.

> E o COMO?
O COMO precisa ser minimamente original. Não pode conscientizar e
não pode dar palestra. Ninguém nunca aprendeu nada com palestra. Pra
isso que serve puxar a proposta da mesma área que veio o argumento; se a
causa é de saúde, dá pra resolver distribuindo vacina e preservativo,
enviando agentes de saúde às casas mais afastadas, organizando mutirões
pra limpar pneus. Não precisa ficar conscientizando.

E mesmo se você quiser muito conscientizar alguém dá pra fazer isso sem
apelar pro clichê. Quer ver um bom exemplo de proposta de
conscientização? Dá uma olhada nesse vídeo.

Além de original, o COMO também precisa ser viável. Já tive aluna


querendo resolver vício em internet disponibilizando atendimento
psicológico gratuito pra todos os brasileiros. Sem condições. Agora,
disponibilizar atendimento pros jovens que já têm o vício é muito mais
viável, porque é uma parcela pequena da população.

Aliás, um aviso importante: não adianta querer resolver qualquer coisa


com revolução, viu? Redação do ENEM não é lugar de ideia radical,
porque quanto mais radical for a proposta, mais explicação você precisa
dar pra que o leitor entenda que a proposta é necessária. De quantas
linhas você acha que precisa pra conectar o tema Excesso de carros nas
ruas à revolução? Mais de 30? No ENEM cê só tem trinta. Melhor deixar
tuas convicções de lado e focar em um plano prático, simples e bem
explicado. A meta aqui não é ser 100% fiel ao que você acredita; é entrar
na faculdade.

MAS EU POSSO FUGIR DA CAUSA E DO


EFEITO E FALAR DE OUTRA COISA?
Não. Você tem que falar exatamente do que falou no desenvolvimento.
Nada de inserir informações novas.

Muita gente tem dificuldade nisso, confundindo resolver o


problema com falar de uma coisa nova. A diferença é a seguinte: se você
menciona um assunto que não apareceu em momento algum no
desenvolvimento, você abriu um argumento novo.

Vamos supor que você fale no seu texto que a causa do excesso de carros é
a cultura do automóvel como símbolo de status. Beleza. Aí você chega na
proposta e diz que vai resolver isso melhorando o transporte público. Ué,
mas o que tem a ver o transporte público com isso? A causa não era a
cultura? Melhorar o transporte público pode ajudar o problema, sim, mas
não tem nada a ver com o que você disse!

improvisando na conclusão

Lembre-se: assim como o médico estuda os sintomas e as origens da


doença pra saber curá-la, nós explicamos a causa e o efeito do problema
pra saber resolvê-lo. Quando o médico descobrir que você tá com
pneumonia, ele pode te passar remédio pra verme? Não. (a menos que
você seja muito azarada e tenha pneumonia e verme. Nesse caso, a
redação do ENEM é o menor dos seus problemas.) Da mesma forma, se a
sua intervenção não encaixar direitinho nos argumentos, o texto fica todo
desconexo! A solução tem que fazer sentido.

Pronta pra exercitar?

EXERCÍCIO DE ARGUMENTAÇÃO — VI— ELIMINANDO O


PROBLEMA

O objetivo deste exercício é eliminar o problema montando uma proposta


nos moldes acima, articulando um quem e um como. Pra isso, eu vou te
dar um desenvolvimento pronto, com um parágrafo tratando da causa e
outro dos efeitos. Seu trabalho é só enfiar a bota na cara do problema.
A cultura jovem é disseminada online. Adolescentes
de todas as partes do país se unem para criar e
compartilhar memes, imagens humorísticas que são
reproduzidas e referenciadas à exaustão até compor
parte do repertório cultural de milhões de jovens
brasileiros. Assim, a sensação de se conectar à
internet é a de pertencer a um grupo cultural —
sensação essa que pode se revelar viciante.
De fato, o vício em se manter conectado afasta os
jovens de atividades offline essenciais ao seu
desenvolvimento. Como dizia Durkheim, o indivíduo
tem um dever perante a sociedade. Ao preterir
atividades comunitárias no mundo real — como o
teatro ou o trabalho voluntário — para dedicar todo
seu tempo à internet, o jovem descumpre o seu dever
social e reprime o desenvolvimento da sua
personalidade.

Terminou o exercício? Beleza. Agora você já sabe identificar o problema,


analisá-lo pelos ângulos da causa e do efeito (com direito a referência!) e
propor uma intervenção adequada. Hora de escrever outra redação.

PROPOSTA DE REDAÇÃO — II — SELF-SERVICE


Pra sua segunda redação, escolha qualquer um dos cinco temas que
aparecem nos exercícios — formação educacional, intolerância religiosa,
etc — e escreva uma redação completa. Eu quero que você inclua uma
causa e um efeito, com pelo menos uma referência, e capriche na proposta.

Sentiu dificuldade na hora de começar o texto? Não se preocupa. Tá na


hora da gente falar da introdução.
Jaqueline com flores. Picasso, 1954

Lá no início da apostila, eu te disse que a minha receita de redação passa


por cinco questões: Qual é o problema?, Por que isso é um problema?,
Por que esse problema existe?, O que apoia meu ponto de vista sobre o
problema?
e Como é que eu resolvo o problema?. Juntas, elas formam um modelo
de projeto de texto; ao encarar qualquer tema do ENEM, basta
responder essas perguntinhas que você descobre exatamente pra onde seu
texto tem que ir. As primeiras três perguntas compõem
sua Argumentação, a quarta, seus Conhecimentos, e a quinta,
sua Proposta de Intervenção.

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