O Que É Argumentar

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Beleza, então já que a gente sabe que o importante é a argumentação,

vamo começar do começo: O que é argumentar?

Filisteus. Basquiat, 1982

O QUE É ARGUMENTAR?
Se o autor faz alguma afirmação, procurando
convencer o leitor da verdade do que se está
afirmando, estamos diante de um argumento.

Essa é definição de argumento do autor Cezar Mortari, um cara que você


só precisa saber quem é se tiver prestando o ENEM pra cursar filosofia.
Segundo Mortari, argumentar é tentar convencer alguém de que
uma afirmação é verdadeira. Mas como que é você convence alguém
de alguma coisa?

Digamos que uma mãe mande a filha desligar a tevê porque tá na hora de
dormir, e a filha diz que não precisa dormir agora; que pode assistir
desenho até tarde. Essa é uma afirmação: “eu posso assistir desenho até
tarde”. Olha, eu não sei como você foi criada, mas lá em casa minha mãe
tacaria um chinelo na minha cabeça por responder assim. Então eu teria
que ser mais diplomática: eu posso assistir desenho até tarde porque
amanhã não tem escola.

Essa é a diferença entre uma afirmação e um argumento: a explicação.


Nós explicamos uma afirmação pra que ela seja mais convincente. Você
precisa comer verduras porque faz bem pra saúde. A escravidão é
injusta porque liberdade é um direito humano. Eu prefiro dar três
exemplos porque melhora o ritmo do parágrafo.

A fórmula mágica do argumento

Seguindo essa lógica de que explicar uma afirmação torna ela mais
convincente, quanto mais se explica uma afirmação, mais convincente ela
é. “Você precisa comer verduras porque faz bem pra saúde.” Ok.
Mas por que faz bem pra saúde? “Porque verduras são ricas em
nutrientes, como fibras e vitaminas.” Agora a minha afirmação é mais
convincente ainda! E dá pra continuar explicando: “fibras e vitaminas
fazem bem pra saúde porque são nutrientes essenciais ao bom
funcionamento dos órgãos.” Quanto mais fundo você for, mais
convincente é a afirmação original; só de escrever esse parágrafo me deu
vontade de almoçar salada. (Não vou fazer isso)

Mas aí você me diz: pera, eu nunca vi correção pedindo pro argumento


ser mais convincente. O ENEM leva isso em consideração? Leva, só que
sob outro nome — o temido senso comum.
Não existe um argumento que, em si, seja senso comum. Senso comum
não é a mesma coisa que “clichê”. Não tem problema nenhum você seguir
uma linha de raciocínio que não é, digamos, um estouro de criatividade.
Quer ver só? Olha esse parágrafo de uma redação nota 1000, de 2016, do
tema Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil:
Em primeiro plano, é necessário que a sociedade não
seja uma reprodução da casa colonial, como disserta
Gilberto Freyre em “Casa-grande e Senzala”. O autor
ensina que a realidade do Brasil até o século XIX
estava compactada no interior da casa-grande, cuja
religião oficial era católica, e as demais crenças —
sobretudo africanas — eram marginalizadas e se
mantiveram vivas porque os negros lhes deram
aparência cristã, conhecida hoje por sincretismo
religioso. No entanto, não é razoável que ainda haja
uma religião que subjugue as outras, o que deve,
pois, ser repudiado em um Estado laico, a fim de que
se combata a intolerância de crença.

No parágrafo acima, o autor argumenta que as religiões africanas são


marginalizadas desde os tempos coloniais, e que isso não é razoável. Agora
me diz: esse argumento é muito criativo? Não. É um argumento muito
original? Não! Todo mundo sabe que a intolerância religiosa com o
candomblé tem a ver com escravidão. Se um argumento senso
comum fosse um argumento clichê, o autor tinha perdido ponto — mas ele
tirou 1000. Então o que é senso comum?
o coraçãozinho é parte importante da argumentação

Quando se diz que um argumento é senso comum, o que se quer dizer é


que ele não está muito bem explicado. Vamos pegar esse exemplo aí da
intolerância. Finge que o autor escreveu assim:
Em primeiro plano, vê-se que a intolerância contra
religiões afro-brasileiras tem suas raízes nos tempos
coloniais. No entanto, não é razoável que ainda haja
uma religião que subjugue as outras, pois esta é uma
forma de preconceito.

A ideia é exatamente a mesma de antes, mas aqui ela cai no senso comum.
E por quê? Porque eu afirmei, mas não expliquei! Volta no parágrafo
original e olha a diferença. Lá, o autor explica que as religiões africanas
eram marginalizadas porque a religião oficial, dos escravagistas, era a
católica, e que a intolerância deve ser combatida porque o Estado é laico.
Ele até usa uma referência! Já no segundo parágrafo, nada disso é dito; eu
só afirmo e deixo pra lá, como se eu achasse que você já concorda comigo.

Esse é o argumento senso comum — o que acha que não precisa


convencer ninguém. Comum, aqui, não quer dizer simples, ordinário.
Quer dizer compartilhado. Senso comum: o argumento que só funciona se
nós já compartilhamos a mesma opinião.
“porque sim” não é argumento!

Em geral, os argumentos que mais caem no senso comum são os que


explicam um fenômeno (como a violência contra a mulher, ou a
intolerância religiosa) com base em um preconceito (como o machismo,
ou o racismo), porque é muito fácil se satisfazer com isso, já que todo
mundo concorda que o problema é preconceito e que o preconceito é ruim.
Mas se só o que eu digo é que a violência contra a mulher é fruto do
machismo, eu ainda não expliquei direito minha afirmação. Como o
machismo oprime a mulher? O que leva o machista a agredir
uma mulher? Por que o machismo existe? Nada disso foi explicado.
Aí eu meto um pedido de “conscientização” no último parágrafo e pronto,
fica uma redação senso comum, nota 520.

Então o único jeito de fugir do senso comum é explicando tudo que você
afirma, principalmente o que te parecer óbvio. Óbvio é tudo que nós
aceitamos sem explicação. Argumentos que não explicam o óbvio são
argumentos medíocres, que se apoiam no que já está estabelecido. Todo
mundo sabe que a causa da violência contra a mulher é o machismo,
então não precisa explicar mais nada. Claro que precisa! Por isso que é
uma REDAÇÃO, não uma questão de múltipla escolha. Não é a resposta
que interessa, é a explicação!

E já que é a explicação que importa, não existe resposta certa. Você pode


dizer que o machismo valoriza comportamentos agressivos, e faz o homem
se sentir mais homem quando bate na mulher; ou que o machismo
estimula o controle da mulher, tanto por vias econômicas e psicológicas
quanto físicas. Tanto faz! O ENEM não está procurando o
argumento certo — o que a gente quer é um argumento convincente.
E pra convencer, só explicando.

Então vamos exercitar isso.


EXERCÍCIO DE ARGUMENTAÇÃO — I — CRIANDO
ARGUMENTOS
Este primeiro exercício começa com uma afirmação bem simples: “Não-
sei-o-quê é bom”. Pode ser qualquer coisa: viagem ao espaço, Bolsa
Família, acordar às duas da tarde. Pro meu exemplo, eu vou usar “Maçãs
são boas”, pra ver se minhas alunas pegam a dica e me trazem uma maçã
na aula.
AFIRMAÇÃO: Maçãs são boas.

Essa é minha afirmação original. Pra construir um argumento a partir


da minha afirmação eu preciso explicá-la, dar um porquê; do contrário, eu
estou só afirmando, não argumentando.
Maçãs são boas PORQUE fazem bem à saúde.

Essa é a minha primeira explicação: elas fazem bem à saúde. Ótimo!


Nossa afirmação já virou um argumento, mas ele ainda é bem senso
comum. Pra que ele fique mais convincente, precisamos
aprofundá-lo. Por que maçãs fazem bem à saúde?
ARGUMENTO 1: Maçãs são boas PORQUE fazem
bem à saúde PORQUE combatem o tártaro e são
ricas em nutrientes.

Beleza, já temos um argumento mais desenvolvido. Não se preocupa com


a repetição do “porque”; a gente cuida disso depois, na parte de
Mecanismos Linguísticos.

Agora eu vou construir um segundo argumento a partir da afirmação


original. Como nós vimos, pra construir um argumento é só explicar a
afirmação — dar um porquê. Então a mesma afirmação, com uma
outra explicação, é um outro argumento.
Maçãs são boas PORQUE são gostosas.
Aí aprofundamos o argumento:
ARGUMENTO 2: Maçãs são boas PORQUE são
gostosas PORQUE têm um gosto doce bem natural,
sem ser enjoativo.

Pronto! Ao fim desse exercício, temos dois argumentos, que é o número


perfeito pra uma redação.

Agora é sua vez. Vou sugerir algumas afirmações, mas você pode criar as
suas, se preferir. O exercício serve pra qualquer coisa.

AFIRMAÇÃO 1: Escrever uma redação por semana é


bom.
a) ARGUMENTO 1: Escrever uma redação por semana é bom porque…

b) ARGUMENTO 2: Além disso, escrever uma redação por semana é


bom porque…

AFIRMAÇÃO 2. Viajar é bom.


a) ARGUMENTO 1: Viajar é bom porque…

b) ARGUMENTO 2: Além disso, viajar é bom porque…

AFIRMAÇÃO 3. Hospitais públicos são bons.


a) ARGUMENTO 1: Hospitais públicos são bons porque…

b) ARGUMENTO 2: Além disso, hospitais públicos são bons porque…

AFIRMAÇÃO 4: Energia elétrica é boa.


a) ARGUMENTO 1: Energia elétrica é boa porque…
b) ARGUMENTO 2: Além disso, energia elétrica é boa porque…

AFIRMAÇÃO 5. Democracia é boa.


a) ARGUMENTO 1: Democracia é boa porque…

b) ARGUMENTO 2: Além disso, democracia é boa porque…

E aí, conseguiu terminar os exercícios? Se você teve dificuldade, não se


preocupa. Demora um pouquinho pra gente se acostumar a explicar o que
diz, mas com o tempo cê pega o jeito. É só praticar! E falando em prática,
vamos agora à sua primeira proposta de redação.

PROPOSTA DE REDAÇÃO — I — SÉRIE PREFERIDA


Essa é uma proposta bem simples, só pra você exercitar mais sua
argumentação: eu quero que você escreva um texto me convencendo a
assistir sua série preferida. Tenta não se importar muito com a estrutura,
por enquanto; o importante é incluir dois argumentos diferentes,
bem explicados, pra me convencer.

Quando você terminar sua redação, faça uma pausa — a apostila não é
feita pra ser lida inteira de uma vez só. Vê um desenho aí, come um
lanche, sei lá. Faz alguma coisa de jovem. Amanhã você volta.
Dante, Virgílio e Caronte atravessando o rio Estige. Gustave Doré, 1861

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