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“Em busca de significado”, um capítulo na filosofia do tcheco-brasileiro

Vilém Flusser no livro de Stanislavs Ladusãns “Rumos da filosofia atual no


brasil em auto-retratos”

"In search of meaning", a chapter on the philosophy of the Czech-Brazilian


Vilém Flusser in Stanislavs Ladusãns book "Rumos da filosofia atual no
brasil em auto-retratos": review

BRAGA, Paulo H.F.S.F.

Resumo: “Em busca de sentido” é um texto de Vilém Flusser presente no livro


“Rumos da filosofia atual no brasil em auto-retratos” de Stanislavs Ladusãns. O
texto aborda as considerações do filósofo Flusser sobre sua trajetória pessoal e
intelectual, abordando temas como sua relação com a língua, suas influências
filosóficas, a busca por significado e orientação, e sua inquietação diante da
desorientação e do desenraizamento. Ele se considera desorientado devido a
diferentes fatores, incluindo sua experiência particular em idade crítica e a perda
de conjuntos de valores fundamentadores. Ao longo de sua vida, o autor se
dedica à filosofia e à escrita, buscando encontrar-se e engajar-se continuamente.
Ele identifica perigos como a grandiloquência vazia e o formalismo erudito, que
considera ameaças à sua busca por sentido. A língua é o campo de sua busca,
entendida como um jogo cujo significado ele procura compreender. Ele se
questiona se sua vida e suas reflexões até o momento são apenas uma
introdução ou um prefácio para o tema central: Em busca de Significado?!

Palavras chave: Filosofia; Filosofia do Brasil; Vilém Flusser.

Abstract: "In search of meaning" is a text by Vilém Flusser present in the book
"Rumos da filosofia atual no brasil em auto-retratos" by Stanislavs Ladusãns. The
text addresses the philosopher Flusser's considerations about his personal and
intellectual trajectory, touching on themes such as his relationship with language,
his philosophical influences, the search for meaning and orientation, and his
uneasiness in the face of disorientation and rootlessness. He considers himself
disoriented due to different factors, including his particular experience at a critical
age and the loss of foundational value sets. Throughout his life, the author
engages in philosophy and writing, continually seeking to find and engage
himself. He identifies dangers such as empty grandiloquence and scholarly
formalism, which he sees as threats to his quest for meaning. Language is the
field of his search, understood as a game whose meaning he seeks to
understand. He wonders whether his life and reflections to date are only an
introduction or a preface to the central theme: In Search of Meaning?!

Keywords: Philosophy; Philosophy of Brazil; Vilém Flusser.


I. “Curriculum vitae”: sobre o autor
Nesse subcapítulo, Vilém Flusser apresenta sua breve biografia. Nasceu
em 12 de maio de 1920, em Praga. Estudou Filosofia na Universidade Carolinga
de Praga e na London School of Economics, em Londres. Foi professor-
convidado da Escola Politécnica da USP para Filosofia da Ciência e Regente
das Cadeiras de Teoria da Comunicação e Comunicação Artística da Faculdade
de Comunicações e Humanidades da FAAP. Membro do Instituto Brasileiro de
Filosofia, diretor de conferências e cursos. Colaborou com numerosas
publicações nacionais e estrangeiras, notadamente com O Estado São Paulo, a
Revista Brasileira de Filosofia e a Frankfurter Allgemeine Zeiiung. Representou
o Brasil em várias ocasiões no estrangeiro e em certames nacionais.

II. Gênese do meu pensamento


Neste texto, Vilém Flusser aborda o desafio ambivalente de se autocríticar.
Ele reconhece que há uma motivação vaidosa por trás desse trabalho, uma
vontade de falar sobre si mesmo para uma grande audiência. No entanto, ele
também vê isso como uma oportunidade de tomar consciência honesta de quem
ele é e o que ele faz. Flusser acredita que viver é se assumir para se transformar,
e aqueles que não se assumem estão apenas vivendo a vida "das pessoas", não
a sua própria. Ele aceita o desafio de se confrontar consigo mesmo,
impulsionado tanto pela vaidade quanto pela honestidade.

Flusser descreve sua origem como filho de burgueses judeu-praguenses


abastados e intelectuais, e relata ter vivido sua infância e adolescência em Praga
durante um período de intensa atmosfera espiritual e artística. Ele sobreviveu ao
nazismo, que destruiu seu mundo e suas escalas de valores. Ele foi lançado no
Brasil, um país plástico e faminto em todos os sentidos, onde passou os últimos
trinta anos de sua vida em busca de si mesmo e do Brasil dentro de si.
Flusser reflete sobre o significado do Brasil em sua vida e como ele ainda
não encontrou o fundamento de seu estar-no-mundo no país. Ele descreve sua
busca por religião e a relação dessa busca com a filosofia, considerando sua
vida como um fracasso por viver a filosofia, mas ao mesmo tempo vendo a
filosofia como sua vida.

O autor também menciona as influências culturais em sua vida, como sua


cultura alemã e tcheca, e a importância da tradição judaica, embora ele não se
reconheça nos judeus brasileiros. Ele discute sua formação filosófica, enraizada
no marxismo, mas que entrou em crise devido a eventos políticos e históricos.
Flusser reconhece a força persuasiva e a beleza interna do marxismo, embora
admita que nunca foi um marxista de fato, mas ainda carrega o marxismo como
uma utopia e um modelo antropológico em seus pensamentos.

Neste texto, o autor menciona três influências importantes em sua


formação intelectual. A primeira é a Escola de Praga, o Círculo de Viena e,
especialmente, Wittgenstein. Ele descreve a atração do formalismo e do
estruturalismo não apenas por sua beleza e rigor, mas também pelo misticismo
inerente. Ele percebe o caminho aberto pela análise linguística em direção ao
inefável como uma verdadeira religiosidade e se agarra a ele, buscando
sintetizar o formalismo transcendental com a dialética marxista.
A segunda influência é o livro de Ortega, "A rebelião das massas", que o
leva a descobrir o mundo vagamente chamado de existencialismo. Esse
encontro com o existencialismo, especialmente através de Nietzsche, o impacta
profundamente e impede que ele se dissolva na banalidade após o naufrágio e
o desterro.
Embora o autor tenha lido muitos outros autores durante sua estadia em
Praga, ele destaca essas três influências como as coordenadas díspares que
formaram seu pensamento.

III. Desenvolvimento do pensamento


Neste texto, o autor descreve sua experiência durante a Segunda Guerra
Mundial e o período pós-guerra. Ele cai na solidão do misticismo, influenciado
pelo Tractatus e Nietzsche, e se interessa pelos pensamentos orientais, São
João da Cruz, Eckehart, Angelus Silesius, românticos alemães e Dostoiévski.
Ele entra em contato com Buber, teologia existencial protestante e Jaspers. Os
primeiros escritos de Heidegger despertam entusiasmo e ódio nele.

Com o fim da guerra e o advento do comunismo em Praga, o autor começa


a se abrir cada vez mais para o ambiente brasileiro. No entanto, o misticismo
que encontra no Brasil parece uma caricatura do seu próprio, e as várias formas
de macumba e espiritismo o preocupam. Ele percebe a esterilidade do
formalismo brasileiro e entra em crise, considerando o suicídio por anos. Ele se
volta para Kafka, Camus e a arte do absurdo.
Nesse período, ele aprende que a fé não pode ser provocada e volta-se
para Nietzsche e os pré-socráticos. Ele escreve seu primeiro livro, "A História do
Diabo", em alemão. Kant se torna sua salvação em todas as crises, e ele estuda
filósofos como Cassirer, Cohen e Hartmann. O problema central que começa a
se delinear é a língua, pois ele a ama e a vê como forma simbólica, morada do
Ser, campo da imortalidade e instrumento de arte. A língua é sua forma de
religiosidade e também a forma pela qual ele se perde.

IV. Primeira fase produtiva


No texto, Fulsser relata sua imersão no estudo da linguagem, abordando
influências variadas. Ele menciona sua leitura de pensadores como Saussure,
Russell, Wittgenstein e Heidegger, bem como sua exploração da lógica simbólica
e da matemática. Paralelamente, ele redescobre grandes mestres da língua,
como Joyce, Pound, Eliot e Morgenstern, e revisita Goethe e Thomas Mann.
Flusser expressa sua relação especial com a obra de Hermann Hesse,
embora não simpatize totalmente com sua linguagem e orientalismo. Ele destaca
duas influências significativas: Kafka e Rilke. Kafka é descrito como um
desmascarador implacável da falsidade da linguagem, enquanto Rilke é visto
como um profeta revelador do mistério nela contido.
Além disso, o autor menciona sua imersão na música e sua fascinação por
Mozart, vendo nele uma busca pela perfeição além do desespero humano. Esse
mergulho musical o leva de volta a Schopenhauer e à relação entre música e
linguagem. Todas essas experiências e influências são reunidas em seu livro
"Língua e Realidade".
V. Segunda fase produtiva
No subcapítulo, o autor descreve a importância de dois grandes mestres
brasileiros em sua vida: Guimarães Rosa e Vicente Ferreira da Silva. Ele
reconhece em Guimarães Rosa uma afinidade com suas teses linguísticas e
destaca a religiosidade linguística, o fanatismo pela fala e pela escrita, o uso
lúdico das palavras, a ironia e o humor presentes em sua obra. O autor também
revela o impacto de seu diálogo com Guimarães Rosa, que parecia acontecer
em um terreno de sonhos.
Em relação a Vicente Ferreira da Silva, o autor lamenta não o ter conhecido
mais cedo e descreve a descoberta de um alter ego, com elementos
semelhantes, mas uma estrutura completamente diferente. Ele destaca a luta
diária com Vicente e seus escritos, sua visão do cristianismo e sua influência na
compreensão do romantismo alemão. O autor menciona a barreira de mal-
entendidos entre eles, mas expressa sua determinação em superá-la.
Além disso, Flusser menciona que sob a presença e ausência de Vicente,
escreveu uma série de artigos e ensaios reunidos sob o título "Da Religiosidade",
publicados pela Comissão Estadual de Cultura em São Paulo.

VI. Terceira fase produtiva


No texto, Flusser relata sua experiência após a publicação de "A História
do Diabo", em resposta a Guimarães Rosa e Vicente Ferreira da Silva. Ele
menciona ter sido atacado pela chamada "esquerda" e, ao mesmo tempo, ter
exercido influência sobre certas parcelas da cultura brasileira, especialmente a
juventude paulistana, por meio de conferências e cursos.

O autor reconhece que o seu problema central, a língua, era vasto demais
para ser abordado integralmente naquele momento. Ele disciplina-se e volta-se
para a lógica, os aspectos do Círculo de Viena, Quine, Chomsky e a
epistemologia. A filosofia da ciência ocupa grande parte de seu interesse,
influenciado por Vicente e sua visão apocalíptica da tecnologia. Ele menciona o
encontro com Leônidas Hegenberg, que lhe ensina a virtude do freio intelectual.
Nessa fase, o autor escreve "A Filosofia da Linguagem" e o ensaio "Da
dúvida", que considera um estágio decisivo em seu caminho futuro. Ele destaca
a amizade com Milton Vargas, ressaltando sua influência e a abertura para o
interesse pela teoria da comunicação. O autor menciona sua reaprendizagem da
literatura francesa e italiana, bem como o contato com a poesia concreta.
Embora absorvido por esse novo campo de interesse, o autor se sente
estrangeiro na terra das fórmulas e computações, expressando divergências
com engenheiros da poesia. Ele escreve "Até a Terceira e Quarta Geração",
influenciado por Foucault, em busca de uma saída para a não-língua. O
manuscrito está nas mãos de Miguel Reale, a quem o autor atribui grande parte
de sua integração na cultura brasileira e uma nova visão da ética.
No entanto, ao rever essa fase, o autor não se sente satisfeito e continua a
escrever muito, publicando e dando conferências. Ele expressa insatisfação ao
refletir sobre essa fase de sua vida.

VII. Fase atual: da filosofia de Flusser


No texto, o autor descreve sua descoberta da Teoria da Comunicação
como uma abertura para um novo campo de ação. Ele percebe que a teoria da
comunicação está ligada à teoria da decisão e dos jogos, e isso implica uma
nova concepção de arte. A partir dessa compreensão, o autor enxerga a crítica
como tradução de jogos e como uma forma de transcendência e meta linguagem.

Ele relaciona a motivação religiosa ao ato de jogar e destaca a crítica como


uma expressão da religiosidade. Passa a compreender sua circunstância como
uma interconexão de jogos que revelam o não-convencional e o não-jogável,
estabelecendo hierarquias efêmeras e reversíveis. O autor menciona a
importância de vivenciar esteticamente essa perspectiva, vendo tudo como arte
e língua, inclusive o jogo supremo da morte.
Flusser menciona seu engajamento nos jogos das artes plásticas como
uma forma de tradução e crítica. Explora as artes plásticas brasileiras, suas
figuras, tendências e contradições, usando-as como peças de seu jogo de
tradução e buscando dar sentido a elas. Também reflete sobre a reversibilidade
das hierarquias e a infinita interrogação que avança na medida em que a
tradução prossegue.
Por fim, o autor levanta questões sobre a dedicação a esse trabalho e se
essa busca por um novo homem é realmente uma agonia do velho. Ele sugere
que as perguntas só têm sentido quando não têm respostas.

VIII. Resumo do próprio Vilém Flusser


No texto, o autor expressa sua desorientação e desenraizamento,
atribuindo isso à perda de conjuntos que fundamentam valores.
Ele se considera desorientado principalmente porque continua buscando
se encontrar e engajar-se, filosofando ao longo da vida. Identifica dois perigos
de perdição definitiva: a grandiloquência vazia e o formalismo erudito. O autor
se vê como escritor por vocação e a língua é o campo de sua busca, entendendo-
a como um jogo cujo significado ele procura, embora ainda não tenha
encontrado.
Também produz e publica com dúvidas e reservas, justificando-se diante
dos outros e de si mesmo, e vendo isso como uma esperança de não ter vivido
de forma fortuita. O autor vê sua produção como uma possível maneira de se
orientar nos outros e contribuir para sua circunstância brasileira.
Flusser expressa o desejo de continuar vivendo para ver o resultado de sua
tentativa de traduzibilidade e para explorar outras curiosidades. Também sente
a necessidade de articular muitas coisas dentro de si, especialmente a
linguagem ainda não amadurecida contida na palavra. Ele se questiona se ainda
nem começou a viver e filosofar, e se tudo que escreveu até agora é apenas uma
introdução ou um prefácio para o tema: Em busca de Significado?

Conclusão geral
Flusser expressa sua trajetória pessoal e intelectual, abordando temas
como sua relação com a língua, suas influências filosóficas, a busca por
significado e orientação. Ao longo de sua vida, dedica-se à filosofia e à escrita,
buscando encontrar-se e engajar-se continuamente. Além disso, percebe uma
constante necessidade de articular-se e sente o sussurro de uma linguagem
ainda não amadurecida dentro de si.
FLUSSER, Vilém. Em busca de significado. In: LADUSÃNS, Stanislavs. Rumos
da filosofia atual no Brasil em autorretratos. São Paulo: Edições Loyola, 1976.
p.495-518.

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