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PROVA ESCRITA

DE
DIREITO CIVIL E COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL
(art. 16º nº 2 al. a) da Lei 2/2008 de 14/1)

2ª Chamada
Grelha de Correcção

Nota:
As indicações constantes da grelha reflectem as que se afiguram ser as soluções mais
correctas para cada uma das questões formuladas. Porém, não deixarão de ser valorizadas
outras opções, desde que plausíveis e alicerçadas em fundamentos consistentes.

Caso I

1ª Questão (3 valores)
Inês interveio na escritura de compra da casa em execução de contrato de mandato
sem representação celebrado com Pedro (arts. 1157º e 1180º, do CC).
Ficou obrigada a transferir para Pedro o direito de propriedade sobre a casa (art.
1181º, nº 1, do CC).
A acção referida em H) é uma acção declarativa de execução específica, em que o
tribunal, por sentença, efectua a transferência do direito de propriedade de Inês para
Pedro.
Apesar do direito à execução específica apenas se encontrar previsto no Código
Civil para o cumprimento do contrato-promessa (art. 830º), pode ser encarado como a
reflexão de um princípio geral aplicável às demais obrigações de contratar, pelo que
também podia ser utilizado para se obter judicialmente o cumprimento da obrigação do
mandatário transferir para o mandante os direitos adquiridos na execução do mandato.
É, contudo, defensável que o direito à execução específica é restrito ao
cumprimento do contrato-promessa, devendo nos restantes casos em que exista uma
obrigação de contratar, como seja o do cumprimento da obrigação prevista no art. 1181º, nº
1, do CC, o mandante requerer a condenação do mandatário a transmitir-lhe o bem em
causa, restando na hipótese de não cumprimento voluntário dessa condenação, o recurso à
execução para prestação de facto.

2ª Questão (2 valores)
Apesar do pagamento das prestações do empréstimo por Inês ter beneficiado Pedro
que era o seu único devedor, não estamos perante um enriquecimento sem causa, nos
termos do art. 437º, do CC, uma vez que esse pagamento resultou de um acordo celebrado
entre Pedro e Inês sobre a repartição das despesas inerentes a uma vida em comum, pelo
que teve uma causa.

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O acordo é válido face ao princípio da liberdade contratual (art. 405º, nº 1, do CC) e
o seu cumprimento era devido (art. 406º, nº 1, do CC), não tendo por isso Inês direito à
restituição das quantias pagas.

3ª Questão (2 valores)
A obrigação dos condóminos de pagamento das prestações relativas às despesas
necessárias à conservação e fruição das partes comuns de um prédio em propriedade
horizontal, apesar de parcialmente ser uma obrigação propter rem, não acompanha o
direito real a que está adjunta, uma vez que visa a satisfação de utilidades já incorporadas
no imóvel à data da sua transmissão, pelo que a respectiva dívida não se transfere para o
novo proprietário. Por isso, o Administrador do Condomínio não podia exigir a Pedro o
pagamento das prestações vencidas e não pagas durante o período em que Inês ainda era a
proprietária da fracção.
A responsabilidade pela reparação dos prejuízos causados a Joaquim resulta de
evento ilícito e danoso imputável a Inês, isto é responsabilidade civil extracontratual (art.
483º, do CC), sendo irrelevante, para a definição dessa responsabilidade, a titularidade do
direito de propriedade sobre a fracção onde esse evento ocorreu.
Se sobre Pedro poderia recair uma presunção de culpa, nos termos do art. 493º, nº
1, do CC, essa presunção encontra-se ilidida pelo conhecimento do facto de que foi Inês
quem se esqueceu da torneira aberta.
Assim, não podia Joaquim exigir de Pedro o pagamento do custo das reparações
efectuadas no seu andar.

Caso II

1ª Questão (2,5 valores)


Em princípio, a comunicação para preferência prevista no art. 416º, do CC, deve ser
efectuada pelo sujeito passivo do direito de preferência, neste caso o proprietário do prédio
a transmitir (Paulo).
Nada impede, contudo, que ela seja feita por um seu mandatário ou representante,
dado que não estamos perante um acto meramente pessoal.
Assim, tendo a comunicação sido emitida por Saraiva, em nome de Paulo, que lhe
havia dado poderes para a efectuar, estamos perante um acto praticado em representação
do obrigado à comunicação, pelo que o mesmo é válido e eficaz, no que respeita ao seu
emitente.
Integrando o prédio confinante a comunhão conjugal do casal formado por Rogério
e Rita, por força do regime de comunhão de bens supletivo (art. 1717º e 1724º, do CC),
são ambos titulares do direito de preferência, pelo que a comunicação deveria ter sido
dirigida a ambos.
Não o tendo sido, pois a carta em causa só foi enviada a Rogério, a comunicação é
ineficaz relativamente a Rita.
Relativamente ao conteúdo, a comunicação para preferência deve conter o projecto
do negócio a realizar e as suas cláusulas essenciais (art. 416º, nº 1, do CC).
Na comunicação efectuada avulta desde logo a falta de indicação do montante da
dívida que a transmissão anunciada visava satisfazer, pois esse era um elemento essencial

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para os titulares do direito de preferência decidirem se desejavam ou não exercer o seu
direito, uma vez que definia o montante que teriam que pagar pela aquisição do prédio
vizinho.
A omissão deste dado torna a comunicação em causa ineficaz relativamente a
Rogério, destinatário da comunicação, por insuficiência do seu conteúdo.

2ª Questão (3 valores)
Paulo ao transmitir a Saraiva o direito de propriedade sobre um imóvel para
pagamento de uma dívida, efectuou uma dação em cumprimento (art. 837º, do CC).
O art. 1380º, nº 1, do CC, confere direito de preferência aos proprietários de prédio
confinantes, de área inferior à unidade de cultura, no caso de dação em cumprimento de
prédio vizinho.
Mas no art. 1381º, alínea a), do CC, é excluído esse direito quando algum dos
terrenos se destine a algum fim que não seja a cultura.
Tendo este direito de preferência legal sido instituído como meio de combater a
pulverização da propriedade rústica e de favorecer o emparcelamento, permitindo a
unificação de prédios vizinhos de modo a formar prédios com área apropriada a uma maior
e melhor produtividade e rentabilização, esta finalidade deixa de ser perseguida quando
um dos prédios se destine a um fim que não seja a sua cultura agrícola ou florestal.
O fim do prédio transmitido a apurar é o fim tido em vista pelo comprador com a
sua aquisição, podendo a prova dessa intenção (facto psicológico) ser efectuada por
qualquer meio e não tendo que ser declarada no acto formal de aquisição (a escritura).
Contudo esta intenção não pode ser meramente platónica, devendo existir uma
possibilidade real desse destino diferente da cultura do prédio verificar-se.
Assim, apesar da intenção de Saraiva ser a de destinar o prédio que lhe foi
transmitido à construção de edifícios, a mesma não corresponde a uma possibilidade real
de ser concretizada, uma vez que o prédio se insere em zona de paisagem protegida, onde é
proibida essa finalidade, pelo que aquela intenção não é idónea a integrar a excepção
impeditiva à constituição do direito de preferência prevista no art. 1381º, alínea a), parte
final, do CC.
Verificando-se os requisitos do direito de preferência consagrado no art. 1380º, do
CC, não se mostrando o mesmo caducado nos termos do art. 416º, nº 2, do CC, atenta a
ineficácia da comunicação referida em E), e não estando preenchida a excepção impeditiva
referida na parte final da alínea a), do art. 1381º, do CC, nada obsta à procedência da acção
referida em H).

3ª Questão (1,5 valores)


O “preço” referido no art. 1410º, nº 1, do CC, inclui apenas o benefício económico
ajustado entre o obrigado à preferência e o adquirente como contrapartida da transmissão
do bem e não todos os montantes desembolsados por aquele último por causa da realização
do negócio de transmissão.
Assim, o preço a depositar nos termos do citado normativo corresponde à
contrapartida ajustada entre o sujeito passivo do direito de preferência e o adquirente, para
a transmissão do bem sujeito à preferência, não abrangendo as quantias despendidas pelo
segundo com o negócio realizado, incluindo as despesas com escritura e registo.
Tendo sido ajustado que a contrapartida pela transmissão do imóvel era a liquidação
de uma dívida de € 25.000, correspondente à devolução de capital mutuado, e que a dívida
respeitante aos juros remuneratórios era objecto de remissão (art. 863º, do CC), a quantia a
depositar, nos termos do art. 1410º, nº 1, do CC, deve ser apenas de € 25.000.

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Caso III

1ª Questão (3 valores)
António e Luís, sócios de facto da Auto António & Luís Lda., com actividade em
instalações de oficina cedidas gratuitamente, obtêm, para guarda destas, de Joaquim
Perestrello, por empréstimo, um cão raça pitbull. Os mesmos solicitam a Soares uma
deslocação às referidas instalações. Nessa deslocação, Soares é atacado pelo pitbull e
suporta perdas e danos.
A acção judicial – uma acção declarativa de condenação (art. 4º, nº 2, alínea b), do
CPC) – que Soares terá de interpor para ser ressarcido, irá ser alicerçada no instituto da
responsabilidade civil extracontratual, como fonte da obrigação de indemnizar. Soares
deverá, no competente tribunal, do lugar onde o facto ocorreu (art. 74º, nº 2, do CPC),
apresentar a sua petição inicial, contendo a articulação dos factos geradores daquela
responsabilidade (arts. 342º nº 1, do CC, e 467º, nº 1, alínea d), do CPC), quais sejam, os
integrantes da responsabilidade por factos ilícitos (art. 483º, nº 1, do CC), concluindo pelo
concreto pedido indemnizatório (art. 467º, nº 1, alínea e), do CPC).
No caso concreto, os danos foram provocados pelo cão raça pitbull. Está-se,
portanto, no âmbito específico dos danos causados por animais, situação que tem
tratamento nos arts. 493º, nº 1, e 502º, do CC. O primeiro prevê um caso de
responsabilidade delitual de quem tiver o encargo da vigilância de animais, onerando este
com o ónus de provar que nenhuma culpa teve na produção dos danos ou que estes se
teriam igualmente produzido sem culpa sua; é portanto caso de presunção de culpa do
vigilante (art. 344º, nº 1, do CC). O segundo trata da responsabilidade objectiva de quem
utilize os animais no seu próprio interesse. Em ambos os casos, é fundamental a causação
de danos ou prejuízos pelos animais. E foi o que aconteceu a Soares, interessando-lhe
cumular as duas responsabilidades, na acção judicial a interpor.
António e Luís são inequivocamente lesantes, neste caso de responsabilidade, para
com o lesado Soares. Foram, afinal, eles quem, com a sua solicitação a este,
desencadearam os factos geradores dos danos. Por outro lado, como comodatários do
pitbull (art. 1129º, do CC) competia-lhes, além do mais, guardá-lo e conservá-lo, e fazer
dele uma utilização prudente (art. 1135º, alíneas a) e d), do CC), incumbindo-lhes, por isso,
tomar todas as providências indispensáveis para evitar a lesão. Daí que a sua
responsabilidade seja delitual, nos termos do art. 493º, nº 1, do CC.
Já Joaquim Perestrello, como dono do pitbull, é responsável, objectivamente, sem
culpa, já que, enquanto comodante, o utiliza também no seu próprio interesse, para efeitos
do art. 502º, do CC.
Finalmente, há responsabilidade da sociedade Auto António & Luís Lda.,
devidamente formalizada em 10 de Janeiro de 2008. Os factos danosos têm lugar a 16 de
Janeiro de 2005, data em que António e Luís eram já sócios de facto, exercendo actividade
em estabelecimento que gratuitamente lhes fôra cedido. Significa que, à época, a sua
sociedade era irregular, se bem que a actividade comum fosse já congregadora de
interesses. Às relações estabelecidas com terceiros aplicam-se as disposições sobre
sociedades civis (art. 36º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais), destas resultando a
obrigação indemnizatória da sociedade irregular (arts. 998º, nº 1, e 500º, nº 1, do CC); e a

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subsequente assunção deste vínculo para a esfera da sociedade por quotas decorrentemente
constituída.
Em suma, o pedido de Soares deveria dirigir-se contra todos, segundo o regime de
solidariedade (arts. 497º, nº 1, e 507º, nº 1, do CC).

2ª Questão (1,5 valores)


Ao tempo dos factos, Soares era enfermeiro e auferia vencimento mensal numa
Clínica e em dois Centros de Enfermagem; ficou com limitações permanentes a nível
motor, na mão direita; e padece de incapacidade parcial para o exercício da profissão. Em
causa, aqui, essa incapacidade parcial, que é permanente e constitui um dano patrimonial,
já que o exercício da profissão é sempre propiciador de rendimentos (art. 564º, nº 1, do
CC).
Soares sofreu ferimentos, internamento, intervenções cirúrgicas, dores e angústia,
além das cicatrizes nas pernas e marcas nos braços. É aqui o campo dos danos não
patrimoniais, indemnizáveis na medida em que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do
direito (art. 496º, nº 1, do CC), e onde habitualmente se reconhecem as dores físicas e
psíquicas, os desgostos (que não simples incómodos ou contrariedades) e o chamado dano
estético, consistente nas deformações sofridas no corpo.
Também se prevê a necessidade de Soares vir a ser submetido a fisioterapia. Os
danos futuros são atendíveis, na medida em que sejam previsíveis (art. 564º, nº 2, do CC).
É esse o caso concreto, sendo aqui os danos futuros consistentes, não só na diminuição da
capacidade laboral, acima referida, com cariz de lucro cessante, mas ainda neste previsível
tratamento, em princípio, com um cariz de dano emergente.

3ª Questão (1,5 valores)


Os factos lesivos ocorreram em 16 de Janeiro de 2005; e, embora logo no dia
seguinte, António e Luís assumissem a responsabilidade, certo é que, em Fevereiro de
2008, acabaram por a afastar, alegando a culpa de Soares.
O direito indemnizatório prescreve no prazo de três anos (art. 498º, nº 1, do CC), o
que significaria, no caso, completada a prescrição em 16 de Janeiro de 2008, com os
inerentes efeitos (art. 304º, nº 1, do CC).
Todavia, Soares, antes mesmo de se atingir o prazo prescricional, fez notificar
judicialmente António e Luís, interpelando-os para cumprirem o prometido. Ocorreu
assim facto interruptivo da prescrição (art. 323º, nº 1, do CC, e Ac. STJ Uniformizador de
Jurisprudência nº 3/98, de 26 de Março de 1998, in DR Série I-A, de 12 de Maio de 1998);
o que envolve a inutilização de todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr
novo prazo a partir do acto interruptivo (art. 326º, nº 1, do CC).
Significa que, quanto a António, Luís e à sociedade (então, ainda irregular) Auto
António e Luís Lda., reiniciou, em 7 de Janeiro de 2008, a contagem do prazo
prescricional de três anos. E que, portanto, o pedido indemnizatório é tempestivo.
Mas já quanto a Joaquim Perestrello assim não acontece. Nem se sabe que este
reconhecesse, alguma vez, o direito indemnizatório (art. 325º, do CC), nem, quanto a ele, é
conhecido algum outro facto interruptivo; certo que aquele que atinge os demais
responsáveis não é passível de o atingir. Se bem que o instituto da prescrição encontra a
sua razão de ser num recíproco elo psicológico entre o credor, que negligencia a
efectivação do seu direito, e o devedor, que confia em que não mais lhe possa ser exigido,
parece ser de concluir que qualquer facto-causa de interrupção prescricional terá
necessariamente um carácter relativo, pessoal e incomunicável.

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Relativamente a este responsável, o crédito indemnizatório deve ter-se por prescrito
o que, portanto, lhe faculta a rejeição do seu cumprimento, como excepção peremptória, a
deduzir na contestação da acção que Soares, contra si, interponha (art. 342º, nº 2, do CC).

Caso IV

1ª Questão (1 valor)
Afonso intentou acção declarativa, com processo ordinário, em litisconsórcio,
contra Berta, Camilo e Diana. Camilo e Diana contestaram; mas Berta não o fez.
Em regra, sendo o réu regularmente citado, e não oferecendo contestação, a
consequência é a de se considerarem confessados os factos articulados pelo autor (art. 484º
nº 1 do CPC). É o que se chama de revelia operante, quer dizer, a que produz esse efeito
cominatório que, porque circunscrito apenas aos factos, também se chama de semi-pleno.
Ocorre, porém, que essa cominação é afastada, em particular, se, havendo vários
réus, algum ou alguns deles contestarem, e relativamente aos factos que o contestante
impugnar (art. 485º alínea a) do CPC). É o que então se chama de revelia inoperante.
Significa isso que, para a hipótese de pluralidade de réus – seja ela de litisconsórcio
necessário, voluntário ou de coligação – o réu não contestante beneficia da contestação
apresentada pelo seu co-réu, relativamente ao que por este seja impugnado.
No caso concreto, a Berta aproveitava, nestas circunstâncias, a contestação
apresentada por Camilo e Diana, pelo que, embora revel, a sua situação jurídico-
processual não era, desse ponto de vista, relevantemente atingida.
Apenas acontece que, mantendo-se em revelia absoluta, não seria notificada para
nenhum acto ou diligência no processo, salvo a decisão final (art. 255º nºs 2 a 4 do CPC).
Ainda assim, porém, mantendo a generalidade dos poderes processuais inerentes à sua
qualidade de parte na acção.

2ª Questão (2 valores)
Compulsada a contestação de Camilo e Diana, nela se descortina defesa por
excepção apenas quando se questiona a intervenção de Diana como ré na causa e, por
outro lado, se invoca a extinção do direito do autor pelo decurso de prazo (arts. 487º nº 2 in
fine do CPC e 342º nº 2 do CC). Tudo o mais é defesa por impugnação.
São, portanto, duas as excepções invocadas.
Em 1º lugar, a intervenção de Diana como ré na causa.
Neste aspecto, adivinha-se a arguição da excepção dilatória de ilegitimidade
passiva de Diana (art. 494º alínea e) do CPC).
Na acção judicial, Afonso pede que seja declarada a invalidade da compra e venda
de uma Quinta, celebrada entre a mãe de Diana e Camilo, este como adquirente, e com
quem Diana casara segundo o regime de comunhão de adquiridos (art. 1717º do CC). Está,
portanto, em causa a proibição de venda consignada no art. 877º nº 1 do CC.
Ora, sem embargo de Diana não ter outorgado na escritura pública, o certo é que a
Quinta, através da compra, passou a ser um bem comum do casal (arts. 879º alínea a) e
1724º alínea b) do CC), logo aí se percebendo a razão da demanda do cônjuge esposa. Por
outro lado, tratando-se de bem imóvel, a sua alienação sempre exigiria o consentimento de
ambos os cônjuges, por entre eles não vigorar o regime de separação (art. 1682º-A nº 1

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alínea a) do CC); donde, naturalmente, tratando-se de uma acção de que pode resultar a
perda de bem que só por ambos poderia ser alienado (art. 289º nº 1 do CC), ela tivesse de
ser proposta, em litisconsórcio necessário, contra o marido e a mulher (art. 28º-A nº 3 in
fine e nº 1 do CPC).
Em suma, é improcedente a excepção de ilegitimidade passiva da ré Diana.
Em 2º lugar, a caducidade do direito de Afonso à anulação da venda.
De acordo com o art. 877º nº 2 do CC, a venda feita em preterição do precedente nº
1 é anulável, mas a anulação tem de ser pedida, além do mais, dentro do prazo de um ano a
contar do conhecimento da celebração do contrato.
No caso concreto, o negócio foi celebrado em 5 de Maio de 2005 e a acção
proposta em 11 de Maio de 2006. Entre um e outra decorreu mais de um ano.
O que a lei exige, todavia, é que o decurso do ano transcorra a partir do
conhecimento da celebração do negócio, facto esse que por ter uma natureza extintiva do
direito de invocar a anulabilidade, é ónus de prova dos réus (art. 342º nº 2 do CC). Aliás,
essa mesma regra de distribuição do ónus da prova é expressamente estabelecida no art.
343º nº 2 do CC.
Ora, Camilo e Diana não alegaram sequer, como lhes competia, que Afonso
tivesse conhecimento da celebração do contrato de compra e venda, em data anterior a 11
de Maio de 2005; tratando-se, portanto, de um facto que escapa ao conhecimento do
tribunal (arts. 264º nº 2 e 664º do CPC). E nessa conformidade, não se podendo concluir
que já decorrera o prazo de caducidade do direito de Afonso.
Também a excepção da caducidade do direito é improcedente.

3ª Questão (2 valores)
Afonso, filho de Berta, pede a declaração de nulidade da venda da Quinta, feita por
esta, mãe de Diana, a Camilo, marido da última, em regime de comunhão de adquiridos.
Alega que não consentiu o negócio.
O enquadramento jurídico-substantivo do caso está no art. 877º do CC, de onde
resulta, além do mais, que os pais não podem vender a filhos ou netos, se os outros filhos
ou netos não consentirem na venda (nº 1); e que a venda feita com quebra dessa proibição é
anulável, desde que a anulação seja pedida pelos filhos ou netos que não deram o seu
consentimento e dentro do prazo de um ano a contar do seu conhecimento (nº 2).
Que Afonso não consentiu no negócio não merecerá dúvida, posto que assim o
alegou, o que não foi impugnado na contestação de Camilo e Diana e, por isso, se
devendo ter por facto assente (art. 490º nº 2 do CPC).
Ocorre é que, na verdade, o comprador Camilo não é filho ou neto da vendedora
Berta. Ele é marido de Diana, esta sim, filha de Berta, com quem é casado sob o regime
de comunhão de adquiridos (art. 1717º do CC).
A razão de ser da proibição legal do art. 877º nº 1 do CC é a de evitar simulações
em prejuízo das legítimas dos descendentes que, em grande parte dos casos, se poderiam
verificar na venda feita por ascendentes (pais e avós) a descendentes (filhos e netos),
evitando doações inoficiosas dissimuladas pela mesma venda. Porque a prova da simulação
seria, por regra, muito difícil de fazer, a lei optou por estatuir, desde logo, com a sanção da
anulabilidade as vendas referidas, presumindo iuris et de iure que tais vendas são sempre
simuladas e, portanto, anuláveis (art. 877º nº 2 do CC).
Aqui chegados, é de ponderar se nos devemos ater a uma interpretação literal do
citado artigo, no qual se proíbe apenas a venda de pais ou avós a filhos ou netos, ou se
devemos fazer uma interpretação mais ampla – permitida, aliás, pelo art. 11º in fine do CC
–, que permita abranger a proibição de venda a outras pessoas.

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É que o comprador Camilo é casado, sob comunhão de adquiridos, com Diana, a
filha da vendedora, Berta. Por via da compra, a Quinta passa a ser um bem comum do
casal (arts. 879º alínea a) e 1724º alínea b) do CC). Ora, neste tipo de casos, celebrada a
compra pelo genro, por efeito inerente desta, logo se transmitiu a propriedade do bem
adquirido não apenas a favor de quem outorgou na escritura como comprador, mas em
favor deste e do seu cônjuge. Neste caso, chega-se ao mesmo resultado prático, que a
norma proibitiva quis evitar, porque então é também inequívoco o benefício a favor de um
filho – se bem que indirectamente, por intermédio da interposta pessoa do seu cônjuge –
com o consequente prejuízo do outro, ou outros, filhos. E daí que não possa deixar de se
considerar abrangida esta situação por aquela mesma proibição legal.
Em suma, a proibição de venda a filho deve abranger, através de interpretação
extensiva, a venda feita a nora ou genro, sendo estes casados sob um dos regimes de
comunhão de bens.
O que, no caso concreto, viabilizaria a anulação da venda feita por Berta a Camilo.
Acontece, porém, que o pedido de Afonso é o da declaração de nulidade do
negócio; pugnando Camilo e Diana que o vício, a haver, seria o da anulabilidade, estando
vedado ao tribunal condenar em objecto diverso do que se pedir.
É inequívoco o vício do negócio, a anulabilidade (art. 877º nº 2 do CC). Por outro
lado, é também inequívoco que a sentença não pode condenar em objecto diverso do que
se pedir (art. 661º nº 1 do CPC).
No caso concreto, inequívoca é ainda a pretensão de Afonso – que o tribunal julgue
inválida, portanto impassível de quaisquer efeitos, a compra e venda da Quinta. Afinal o
efeito próprio da declaração de nulidade, como da anulação (art. 289º nº 1 do CC).
Verdadeiramente, o que acontece é que Afonso qualifica erradamente o efeito
jurídico que pretende. Mas o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à
indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º proémio do CPC). E,
isto posto, reconhecidas as sobreditas inequivocidades – incluindo a do efeito
efectivamente pretendido pelo autor da acção – o que deve acontecer é o juiz, face ao erro
de qualificação jurídica, corrigir oficiosamente tal erro e declarar a anulação do contrato,
em vez da pedida nulidade.
O caso é, aliás, paralelo ao que foi tratado no Acórdão STJ Uniformização de
Jurisprudência nº 3/2001, de 23 de Janeiro de 2001, in DR I-A de 9 de Fevereiro de 2001,
pág. 733, a propósito do pedido de nulidade ou de anulação, em acção de impugnação
pauliana.
No caso concreto da acção judicial interposta por Afonso, o tribunal deveria julgá-
la procedente e, em consequência, anular o contrato de compra e venda da Quinta,
celebrado em 5 de Maio de 2005, entre Berta, como vendedora, e Camilo, como
comprador.

4ª Questão (1 valor)
Estando pendente a acção, através da qual Afonso pretende invalidar a compra da
Quinta, por Camilo a Berta, verifica aquele que este e esposa, Diana, estão decididos a
proceder à alienação daquele bem. Requer, por isso, o respectivo arresto.
A providência cautelar de arresto consiste, de facto, numa apreensão judicial do
bem, à qual são aplicáveis a generalidade das disposições relativas à penhora (art. 406º nº 2
do CPC). Melhor ainda, se pode dizer que se trata de uma verdadeira pré-penhora, isto é,
de um mecanismo de natureza cautelar, que tem em vista conservar a garantia patrimonial
de um crédito, de maneira a que, por via da apreensão de um bem, se salvaguarde a sua
futura penhora, na fase executiva, e todos os respectivos efeitos (art. 822º nº 2 do CC).

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O arresto tem assim em vista um direito crédito e a salvaguarda da sua realização
efectiva (arts. 619º nº 1 do CC, 406º nº 1 e 407º nº 1 do CPC).
Ora, no caso concreto, o direito que Afonso quer acautelar não é um direito de
crédito. Antes, do que se trata, é de manter o bem em causa na esfera jurídica de Camilo e
Diana, de maneira a salvaguardar o seu retorno à esfera de Berta, logo que julgada
procedente a acção declarativa que está pendente. Afonso pretende, então, uma
providência conservatória, concretamente adequada a assegurar a efectividade daquele
direito, assim ameaçado.
Quando o risco de lesão, que se pretende acautelar, estiver especialmente prevenido
por alguma das providências tipificadas na lei, é essa a aplicável (art. 381º nº 3 do CPC);
mas se não estiver, é aplicável a providência cautelar não especificada que concretamente
for adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado (art. 381º nº 1 do CPC).
Não é o arresto a providência ajustada à tutela cautelar pretendida; antes, uma
providência comum, pela qual Camilo e Diana fossem intimados a não transmitir a
Quinta, objecto do negócio anulável, a terceiros.
Requerido que foi o arresto, por Afonso, diante dos dados conhecidos, competiria
ao juiz, em despacho liminar (art. 234º nº 4 alínea a) do CPC), convolar aquele para
procedimento cautelar comum (arts. 381º nº 1 e 387º nº 1 do CPC), ao menos, em
homenagem aos princípios oficiosos de adequação processual, bem mais favoráveis aliás
em matéria cautelar (arts. 199º nº 1, 265º-A e 392º nº 3 do CPC).

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