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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE EDUCAÇÃO

DEPARTAMENTO DE FUNDAMENTAÇÃO DA EDUCAÇÃO

Disciplina: Corpo, ambiente e educação

Docente: Thaís Oliveira de Souza

Resumo/Fichamento

Referência

PEREIRA, Rogério Santos. Corpo, movimento e jogos eletrônicos: relações com a infância e
juventude no contexto da educação. In: ARROYO, Miguel G., SILVA, Maurício Roberto da
(Orgs.). Corpo-infância: exercícios tensos de ser criança: por outras pedagogias dos corpos
Petrópolis, RJ : Vozes, 2012.

O texto

Este texto é escrito por Rogério Santos Pereira, na época, doutorando em educação da
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Sua formação inicial é em Educação Física.
Trata-se do capítulo 14 do livro organizado pelos professores Arroyo e Silva: Corpo-infância:
exercícios tensos de ser criança: por outras pedagogias dos corpos. O título do texto é “Corpo,
movimento e jogos eletrônicos: relações com a infância e juventude no contexto da
educação”.
O autor inicia o texto trazendo Paulo Freire (1989) com a famosa frase: “a leitura do
mundo precede a leitura da palavra”, “palavramundo”. Ele destaca a importância de se
pensar em novos letramentos, alfabetizações. Inclui-se neste ponto, o novo cenário
tecnológico do qual fazemos parte: “Se falamos da importância de que crianças e jovens
dialoguem com o mundo em diferentes linguagens, fazendo uso de diferentes mídias, não
podemos nos esquecer que o corpo humano é considerado o ponto de encontro entre o ser
humano e o mundo e que o movimento corporal possui papel central nessa relação.” (p.
332).
Essas transformações trazidas por essa nova era tecnológica atinge as mais
variadas esferas de nossa vida: “Os modos de ser e estar no mundo se encontram em
transformação acelerada diante do avanço do digital sobre o cotidiano, sobre nossas vidas.
Reconfiguram- se as relações sociais, as formas de ocupação do espaço, a pragmática da
comunicação, a economia, o consumo, os mecanismos sociais de controle, a educação, a
arte, a política, o trabalho, o lazer, o constructo cultural do corpo.” (p. 332).
Neste ponto o autor traz um elemento importante a discussão: esse novo panorama
traz opiniões extremas, tanto otmistas, quanto pessimistas. A infância não consegue fugir
dessas previsões. Porém, o autor destaca que para compreender como as crianças se
inserem neste contexto, é preciso entender como elas acessam esse mundo digital, os
espaços e os tempos em que esse acesso acontece. “Por mais que crianças e jovens
saibam, e mostrem com propriedade que sabem usar as tecnologias digitais, estas não
pressupõem apenas um domínio técnico das diferentes ferramentas. Saber ler a palavra
não é a garantia de que se conseguirá ler o mundo. Em um contexto em que os espaços
públicos vão além dos espaçosfísicos, os ciberespaços são espaços de convivência onde se
exercem diretos e deveres, onde se constrói a cidadania, onde se lê e se escreve a
palavramundo.” (p. 333).
O autor traz a sua pesquisa sobre Futebol, especificamente, o videogame.
“Tematizado em jogos eletrônicos de grande popularidade mundialmente, o futebol pode
ser um gatilho, a partir das vozes dos sujeitos que brincam e dos discursos das mídias,
para pensarmos sobre a infância e a juventude, o corpo e o esporte.” (p. 334).
Trazendo o videogame, Pereira nos convida a dar a mão as crianças e deixar que
elas nos guiem, nos surpreendam, nos fazendo exergar aquilo que nos é desconhecido,
que pode até nos causar medo.
Após esse convite, Pereira segue com o tópico “O futebol no mundo dos games”.
Neste momento é interessante notar a forte relação do futebol com o movimento, o que muitos
poderiam supor que ao trazer o futebol para as telas, não haveria mais o “corpo”. Pereira diz
que “Buscar relações entre o corpo e suas representações digitais não é um anúncio de um
processo de anulação do corpo, de adeus ao biológico, material, corpóreo, humano.
Também não é um reforço de previsões apologéticas de que iremos abandonar nossos
corpos graças à tecnologia, fazer um backup de nossas mentes – memórias, desejos,
sentimentos, sonhos, conhecimentos – e atingirmos a utópica aspiração humana de viver
(nesse mundo) além da finitude da carne, vencendo, assim, a temida morte.” (p. 335).
“Assume-se aqui o corpo como uma construção simbólica, e o ciberespaço como
mais uma dimensão da vida social contemporânea” (GUIMARÃES JR., 2000;
MÁXIMO, 2006, apud, p. 335).
Neste ponto o autor traz, assim como as autoras do texto anterior, a problemática
da dicotomia corpo e mente. Segundo Pereira “(...) a brincadeira de construir-se e
representar-se corporalmente no ciberespaço pode ser um momento privilegiado para
refletir e questionar a visão dualística cartesiana que nos divide em corpo e alma,
entendendo o corpo como entidade composta somente por aquilo que é abrangido pelo
seu invólucro externo, a pele humana.” (p. 335).
O autor relata trechos de seu contato, como professor e pesquisador, com crianças
que jogam videogames. Em sua experiência como professor de educação física, ele
percebeu, ouvindo as crianças, que mesmo sem recursos, elas tinham um conhecimento
apurado sobre futebol: “(...) observei que crianças e jovens, meus alunos, verbalizavam
um preciso e extenso conhecimento acerca de assuntos aparentemente distantes da sua
realidade cotidiana: detalhes técnicos de carros importados, organização urbana,
administração de empresas, estratégias militares, conhecimentos geográficos, políticos,
esportivos. Como não indagar sobre a origem e abrangência de tais conhecimentos?” (p.
336). Conhecimento que não vinha das famílias, nem da escola. “(...) eles sabiam não só
o nome dos principais campeonatos e equipes do mundo, como conheciam a escalação
dos jogadores (titulares e reservas), as cores dos uniformes, a bandeira de cada clube.
Diziam o país de origem de cada atleta e suas características técnicas, táticas e físicas.
Detalhavam a posição em campo dos jogadores, a estatura, peso, fisionomia, perna mais
habilidosa.” (p. 336). Então, Pereira descobriu que este conhecimento vinha atráves do
videogame, aparelho que essas crianças de baixa-renda não possuiam, mas que “(...) eles
trabalhavam em pequenas tarefas fora do horário escolar, repassavam parte do dinheiro aos
pais e usavam o restante para jogar em uma pequena locadora da cidade que
disponibilizava aparelhos de videogame que podiam ser alugados por hora ou fração.” (p.
337).
Nessas observações, Pereira trouxe a reflexão algumas ideias. Relatando conversas
das crianças, o autor destaca como o jogo nas telas, influencia as regras do jogo em
campo/quadra. “Em outra ocasião, despertou-me a atenção um aluno que, a cada gol
feito, chamava a si mesmo de “Drogba”, nome do atacante do time inglês Chelsea. Eu já
havia observado que o aluno usava frequentemente, por cima do uniforme escolar, uma
camisa azul do time inglês com o nome do jogador predileto estampado nas costas. Ao ser
questionado sobre sua identificação com o jogador africano, nascido na Costa do Marfim,
o aluno explicou que no videogame ele também era o Drogba, pois este era o jogador
com o qual ele fazia o maior número de gols na tela.” (p. 338).
Pereira ainda traz a experiência das crianças com o conhecido “futebol de prego”.
“No jogo, uma tábua de madeira lisa pintada de verde fazia as vezes do campo gramado,
pregos fincados sobre a madeira representavam os jogadores e uma moeda, posta em
movimento (chutada) com os dedos, era a bola.” (p. 338). Assim, o autor traz diálogos
que mostram a imaginação e criatividade da criança nessa modalidade de jogo:
“‘Professor, está vendo aquele prego ali, bem perto do gol?” (O aluno me apontou um
dos pregos com o dedo). “É o Kaká. É o melhor prego-jogador do mundo! A bola bate
nele e entra cada golaço!’” (p. 338). Além do desenvolvimento da criativadade, o autor
traz exemplos de uma maior conexão da criança com a família: “De acordo com a criança,
quando seu pai escutou sobrea brincadeira na escola, buscou logo no armário um campo de
“futebol de botão” e uma caixa com botões coloridos de diversos tamanhos, estampados
com as cores e o brasão dos principais clubes do futebol brasileiro. Então, o pai contou
que quando era criança, em uma época anterior à existência de videogames e
computadores, também se jogava futebol dentro de casa, não nas telas da TV, mas sobre
tabuleiros ou sobre o chão.” (p. 339). Ele segue relatando a fala da crianças: “(...) dentre
todos os botões, destacava-se um. Guardado separadamente, ficava embrulhado em uma
flanela. Segundo o pai, aquele botão tinha pernas tortas e usava a camisa número 7. Era o
craque do time. Seu nome, Mané Garrincha.” (p. 339).
Pereira continua sua analise escrevendo: “O diálogo do pai com o filho, sua
comparação entre o futebol de botão e o futebol digitalizado dos jogos eletrônicos, mostra
como cada época constrói suas representações, alimenta seus sonhos, expande, com o
imaginário, o esporte em suas brincadeiras. Os tabuleiros e as telas destes jogos – cuja
especificidade está na representação do futebol – compartilham semelhanças entre si, a
começar pela apropriação de elementos oriundos do esporte praticado nos gramados.” (p.
339).
Ao refletir sobre tais pontos, Pereira alerta que: “não são os jogos eletrônicos os
primeiros a transferir para o plano da brincadeira de representação as atividades corporais.
Os museus, por exemplo, estão cheios de brinquedos dos povos da idade antiga e
medieval que representam miniaturas de guerreiros, de cavaleiros sobre seus cavalos, de
brincadeiras infantis, dentre outras cenas do cotidiano.” (p. 339).
O autor relata fatos interessantes de como os jogos influenciam, até, os jogos
profissionais. “Ao final da partida entre Palermo e Milan, no dia 30 de novembro de
2008, pelo Campeonato Italiano, Marco Amélia, goleiro do Palermo, após conquistar o
prêmio de melhor jogador em campo por difíceis defesas – entre elas a de uma cobrança
de pênalti desperdiçada pelo jogador brasileiro – concedeu uma entrevista em que o
futebol representado nos videogames ocupou lugar de destaque nas explicações para a
memorável atuação, reforçando a ligação estreita entre jogos eletrônicos e esporte, entre o
corpo em movimento e a percepção: Foi como se estivesse jogando contra Ronaldinho no
Playstation. Ele fez o mesmo movimento, a mesma corrida para a bola, muito estranho.
No último instante, vi que ele havia mudado o canto e, então, mudei também o movimento,
indo na bola e fazendo a defesa. Olhei nos olhos dele e pensei que ele iria bater no outro
canto, mas, quando o vi mudando a posição do pé, percebi que ele decidira mudar a batida
(GLOBOESPORTE.COM).” (p. 340).
Importante destacar que: “Imaginação e imagens digitais se imbricam nos jogos
eletrônicos, os sujeitos constroem novos sentidos para suas práticas. Assim, a sequência
de exemplos que demonstra a intersecção entre diferentes maneiras de vivenciar o
futebol, o corpo e o movimento nos mostram que as experiências dos participantes se
situam nas fronteiras permeáveis entre o vivido e o imaginado, entre o on-line e o off-line,
entre o ciberespaço e as demaisdimensões da vida social contemporânea.” (p. 342).
Terminando o texto, Pereira retoma a ideia de que “Para compreendermos e
aprendermos a ler e nos expressar com a palavramundo contemporânea, mais do que
julgarmos se as práticas que surgem com o digital são reais ou virtuais, verdadeiras ou
fantasiosas, faz-se necessário repensarmos, à luz dos rearranjos sociais que vivemos nas
últimas décadas, categorias importantes como público e privado, isolamento e
participação, informação e conhecimento, linguagens, identidade, corpo, movimento,
lazer, trabalho, educação. (...) Adultos e crianças precisam ser postos em diálogo,
redescobrir o valor da mediação. As conversas podem (e precisam) se dar nos dois
sentidos. Adultos e crianças, professores e alunos, paise filhos: todos têm muito a aprender
uns com os outros.” (p. 342 – 343).

Referências principais

FREIRE, P. (1989). A importância do ato de ler: em três artigos que secompletam. São
Paulo: Autores Associados/Cortez.

GUIMARÃES JR., M.J.L. (2000). Vivendo no Palace – Etnografia de umambiente


de sociabilidade no ciberespaço. Florianópolis: PPGAS/UFSC, 2000
[Dissertação de mestrado].

MÁXIMO, M.E. (2006). Blogs: o eu encena, o eu em rede – Cotidiano,performance e


reciprocidade nas redes sociotécnicas. Florianópolis: UFSC [Tesede doutorado –
Disponível em http://www.tede.ufsc.br/teses/PASO0197-T.pdf –Acesso em 08/03/12].

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