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A Maior Flor do Mundo – Resenha Crítica

1º§

A curta-metragem, narrado pelo próprio José Saramago, é um esboço do que seria


uma história para crianças, pois, segundo o autor, o mesmo não detinha da capacidade
necessária para escrever histórias infantis, e, de fato, como ele mesmo o disse, as crianças
não sabem muitas palavras e não gostam de usar as complicadas, desta forma, o
personagem-narrador inicia a história contando como seria se ele a colocasse no papel. É
considerada uma forma de retórica, de modo que quando ele chega ao final, a história já se
deu por completa.

Mas afinal, sobre o que versa a galardoada produção? A história saramaguiana


folheia, principalmente, o viés ecológico e ambiental. Vejamos: o narrador apresenta no
enredo a história de uma criança, que sai de sua zona de conforto, na sua casa, e parte
rumo a uma jornada altruísta quando se depara com uma flor sozinha e morrendo no
deserto, existindo uma metáfora do respeito mútuo inter partes, ou seja, homem e natureza,
a amizade sem que lhe seja insuflada de interesse quanto ao outro, no caso, o meio
ambiente.

Seguiremos por partes. Assim, a priori, o pai de uma criança retira uma árvore, ainda
pequena, do solo que lhe provê a vida, e esta mesma árvore, fornece sombra a uma flor.
Neste intercurso temporal, o menino vê um coprófago, um besouro que se alimenta de
excrementos, o toma em suas pequenas mãos e o coloca em uma caixa com furos na
tampa, percebemos que a intenção do garoto é torná-lo um animal de estimação; e, quanto
a árvore, o genitor a coloca no carro e então seguem rumo a sua casa, na aldeia.

Ao chegar em casa, o besouro foge, e consequentemente, aguçado pela


curiosidade, o garotinho logo vai atrás, saindo do conforto de sua casa e de sua segurança
do seio familiar, perseguindo o animal pelas veredas áridas de sua aldeia, ultrapassando
lixo e entulho, quando, ainda em perseguição ao escaravelho, se depara com o rio, e, ao
olhar para trás, decide enfrentar o seu medo e transpassar aquela barreira.

Alcançado esse objetivo, cessa a perseguição ao se deparar com uma floresta rica
em sua flora, e continuamente andando, sempre atento a diversidade ao seu redor, passa
por um amplo vale de belas flores, chegando a ser um cenário idílico, com borboletas por
aqui e ali. O garoto, sempre se mantendo admirado em sua exploração da natureza, chega
ao sopé de uma montanha, onde visualiza, no cume, uma flor. Sobe até lá e se depara com
ela, murcha, a vida se esvaindo, predominando a tristeza, soturna, bacenta. A analisa.
Notemos que é a mesma flor que no início da trama, foi-lhe tirada a árvore de seu
perímetro.

Diante disso, o menino sem nome corre em disparada em direção ao rio, e, com
suas mãos em concha, enche-as com a água corrente e parte novamente na sua jornada
até a flor. Quando finalmente chega até ela, derrama-lhe não somente a água, mas
também, a inunda com sua esperança inocente de criança, sua força de vontade em vê-la
crescer e repetindo várias vezes sua ida até o rio, vê a flor adquirir vida e proporções
extraordinárias.

Após admirar a maior flor do mundo e contente por seu trabalho, o garoto, já
cansado, se deita ali mesmo, e, neste momento, a flor olha para ele e lhe dá uma de suas
pétalas como cobertor, para cobri-lo e protegê-lo, como agradecimento e retribuição pelos
cuidados prestados. Simultaneamente, os pais, que estão em casa, veem ao longe a
enorme flor imponente em seu tamanho, quase tocando o céu, e ambos seguem o mesmo
caminho percorrido pelo filho, e ao encontrá-lo, os genitores da criança admiraram a bela
flor, como que reconhecendo o ato da pequena criança, voltaram para casa, onde todos na
aldeia olhavam para o grande feito.

Sobretudo, o enredo da história narrada por José Saramago, é centrado na viagem


ecológica que o pequeno garotinho faz. Fato é que o foco é claramente o salvamento da
flor, que representa o meio ambiente, a natureza, a concomitante existência entre seres
humanos e a natura. Ainda, tem-se que no retorno a aldeia, aparece ainda o besouro do
início do filme, agora, já não há mais perseguição e sim, respeito pelo diferente, pelo habitat
natural, pelos diferentes ecossistemas e a consciência da importância da sua manutenção e
preservação.

Tal perspectiva, na curta-metragem é observada pelo menino, pelos pais do menino,


e pelos moradores da aldeia, que veem, atentos, que a pequena criança saiu da aldeia,
transpôs obstáculos imensos para uma pessoa do seu tamanho, idade e inocência. Saiu de
sua casa em busca de uma aventura, e realizou um feito muito maior do que ele mesmo e
do que alguém poderia imaginar, que é fazer crescer a maior flor do mundo.

De veras, impactante, o menino poderia ser qualquer um de nós. O fato de ele ter
feito algo além do que todos pensavam se aplica a todos, crianças, jovens e adultos. Seu
gesto foi humanitário, de viés ecológico, reconhecido pela pequena população representada
na narrativa fílmica. Clarividente está o objetivo do autor, em enfatizar a necessidade de
manter o meio ambiente equilibrado, sob nossa responsabilidade, pois a flor se encontrava
em situação de quase morte devido ao pai da criança ter arrancado a árvore que lhe provia
sombra, para enfeitar seu jardim em casa, não pensando no efeito que isso causaria nos
ecossistemas ao redor; contudo, este erro foi corrigido por seu filho, quando este, ao se
deparar com a indefesa flor, cuidou, a amou e a respeitou.

A ilustração, apesar de fictícia, pode ser facilmente traduzida para nós mesmos. Pois
trata de humildade e respeito, quando o garoto reconhece a importância da flor, tanto para
ele, como para o meio ambiente; esperança, quando o pequeno menino acredita com
veemência que a flor vai sobreviver e crescer; amor e amizade, quando ao invés de
arrancar-lhe do solo, entender que seu lugar na natureza tem papel fundamental e é ali que
deve permanecer; perseverança, foco e esforço, pois como visto, ao fazer o percurso da
descida ao rio tantas vezes quanto suas pernas em desenvolvimento aguentaram, até a flor
estar desenvolvida, mesmo ele estando cansado, não desistiu.

Fica então o recado dado pelo autor, José Saramago, ao finalizar a narrativa com um
apelo, um chamado, dizendo: “E se as histórias para crianças passassem a ser de leitura
obrigatória para os adultos? Seriam eles capazes de aprender realmente o que há tanto
tempo tem andado a ensinar? ”. Assim, fecha o enredo, deixando uma profunda reflexão.
Nós mesmos ensinamos – ou pelo menos tentamos ensinar - as crianças e jovens a
respeitar e cuidar do meio ambiente, mas será que nós mesmos o fazemos?

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