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ISSN: 1984-6290

Qualis B1 - quadriênio 2017-2020 CAPES


DOI: 10-18264/REP

Guia do educador sobre o livro "O meu pé de laranja lima": a personificação pela mente
infantil como anestesia para duras realidades

Mariana Freire de Souza


Graduanda em Pedagogia (UEMG)

Marcelo Diniz Monteiro de Barros


Doutor e pós-doutor em Ensino em Biociências e S aúde (IOC/Fiocruz), professor da PUC-Minas, da Faculdade de Educação (UEMG) e do Programa de Pós-Graduação em Ensino em
Biociências e S aúde (IOC/Fiocruz)

Publicado em 1968, o livro infantojuvenil autobiográfico intitulado O meu pé de laranja lima foi o maior sucesso do escritor brasileiro José Mauro de
Vasconcelos (1920-1984). O livro foi traduzido para mais de cinquenta línguas e influenciou gerações no Brasil e no exterior. Com o enorme sucesso da obra,
surgiram adaptações para o cinema e para a televisão (uma novela realizada pela T V Tupi e duas pela T V Bandeirantes). José Mauro de Vasconcelos foi um
escritor brasileiro que nasceu em uma família nordestina que havia migrado para o Rio de Janeiro. Os pais tinham poucos recursos e ele, ainda criança, teve
que mudar para o Rio Grande do Norte, onde foi criado pelos tios em Natal. “José Mauro de Vasconcelos, com um estilo simples e bastante singular, narra a
história pela perspectiva de uma criança de cinco anos de idade e utiliza uma linguagem conotativa – figurada, simbólica – comum em textos literários, mas
bastante marcante nesse escritor” (Selória; Corsi, 2015).

O livro narra a história de Zezé, um menino de cinco anos, inteligente, sensível e de uma imaginação incrível, que mora nos arredores da cidade do Rio de
Janeiro, cujo pai se encontra desempregado. Assim, sua mãe passa a sustentar a casa com o árduo trabalho fabril. Zezé cria um mundo de fantasia para se
refugiar de vários momentos infelizes que evidenciam a violência física por parte de seu pai. E um pé de laranja lima, no fundo do quintal, torna-se o seu
confidente, e é a esse novo amigo que ele confia seus segredos, questionamentos e suas travessuras.

Os personagens que cercam o Meu pé de laranja lima


Luís é o irmão por quem Zezé demonstra grande apreço, pois é um menino independente e companheiro de aventuras, “O Rei Luís”. Totó, o irmão mais velho, é
um jovem interesseiro que sempre expressa egoísmo. Glória é a irmã mais velha de Zezé e amiga, ela o defende sempre. O pai de Zezé (sem nome registrado
na obra), é um homem que vive frustrado por estar desempregado e não poder sustentar a família. Muito impaciente, agride fisicamente Zezé, levando a uma
dor maior que a física, que é a dor do coração. O pai bebe com frequência, agride e depois se arrepende dos seus atos. Sua mãe, também sem registro de
nome no livro, é uma mulher que cuida de todos e, devido às dificuldades financeiras enfrentadas pela família, toma a decisão de trabalhar em uma fábrica
para sustentar a casa.

Um personagem especial no livro é Manuel Valadares (chamado de Portuga). É um senhor idoso e rico que acolhe Zezé como filho, tratando-o sempre com
carinho. São ótimos amigos. O final do livro é marcado pelo grande impacto sofrido por Zezé, com a triste notícia da morte do Portuga. Por fim, o personagem
Minguinho (ou também chamado por Xururuca) é o pé de laranja lima que fica no fundo da casa. O vegetal é considerado por Zezé um grande amigo e
confidente.

O início do livro apresenta um momento lúdico entre Zezé e seu irmão caçula. Com sua imaginação, Zezé passeia com ele no jardim perto de casa, imaginando
ser um passeio pelo zoológico. Ali, eles imaginam que estão dando bananas aos macacos e, na verdade, estão passeando pelo galinheiro.

Embatucava. Precisava pedir de novo para Tio Edmundo repetir aquela palavra. Não sabia se era acorbacia, acrobacia ou arcobacia. Era uma daquelas. Só que
não devia ensinar errado ao meu irmãozinho. Mas agora ele estava querendo o Jardim Zoológico. Chegamos até perto do galinheiro velho. Dentro, as duas
frangas claras estavam ciscando e a velha galinha preta era tão mansa que a gente até coçava a cabeça dela (Vasconcelos, 1975, p. 14).

Sobre a sensibilidade em relação aos fatos que enfrentava e o amor e a esperança que sentia, "Zezé dizia que queria ter 12 filhos e mais 12 crianças e afirmava
que eles nunca iriam apanhar”. A obra mostra como as relações humanas e familiares são primordiais para a estruturação da criança. Um exemplo significativo
na obra mostra a amizade de Zezé e o Portuga, em que uma “pessoa de fora” do âmbito familiar, e que não tem laço sanguíneo algum com a criança, se
expressa com atitudes de grande valor e modifica os rumos da criação dela.

Zezé tinha um grande sonho, que era ganhar um presente no Natal, mas “dizia que o menino Jesus nunca nascia para ele, só para as crianças mais ricas”. Em
determinada véspera de Natal, ele decide ir com o irmão, Luís, até o centro da cidade, onde havia distribuição de brinquedos para as crianças, mas eles
chegaram muito tarde e o caminhão dos presentes já havia passado. Ele ficou muito triste e entendeu, a seu modo, que era o “menino diabo” que havia nascido
naquele Natal.

Pela leitura desse livro, e pensando como ele agrega à educação, os professores e a família podem ter uma noção acerca do impacto de um contexto familiar
abalado pelo desemprego e como ele atinge negativamente uma criança em formação. O afastamento da dignidade social e o abalo do estado psicológico
do homem (ou daquele que é responsável pela questão financeira familiar) levam à depressão, ao rebaixamento da autoestima, ao sentimento de insatisfação
com a vida, a dificuldades cognitivas e dificuldades de relacionamento familiar. São questões que infelizmente desencadeiam os vícios e a violência
doméstica. A escola precisa estar atenta a qualquer tipo de alteração no comportamento do aluno e se preparar para fazer valer o direito imprescindível de
segurança dele.
A aplicação da personificação e das ideias científicas na sala de aula
O livro mostra o desenvolvimento do lado imaginário de Zezé, que passa por diversos cenários naturais que o cercam, desde imaginar o quintal como um
zoológico, lugar prazeroso para o passeio com seu irmão caçula, chegando até o primeiro encontro com a árvore que seria seu grande amigo confidente: o pé
de laranja lima. Esse amigo fiel passa a ter grande significado para o personagem principal, que comprova no quesito educacional como é fundamental
proporcionar à criança o contato com a natureza e assim promover o desenvolvimento do lado imaginário que passa pelas brincadeiras e diálogos com a
árvore. É preciso registrar ainda que a obra mostra a capacidade dessa ação imaginativa como fuga sensível da criança que usa esses momentos para sair da
realidade de certas tristezas, incompreensão e até mesmo violência física e psicológica.

O professor, em sala de aula, precisa conhecer a literatura infantil brasileira e aproveitá-la de forma criativa e didática, usando a história contada como base
para atividades que podem partir de experimentos integrados de disciplinas diversas, como Língua Portuguesa, para desenvolver análise crítica sobre as
narrativas abordadas, e o conhecimento de Geografia, História e Ciências Naturais, sendo esta última a facilitadora da abordagem em relação às observações
de vegetação e características dos espaços regionais. Assim, O meu pé de laranja lima pode ser uma ótima proposta para o professor de Ciências trabalhar as
suas particularidades com os alunos, aproveitando a proposta do livro, que mostra o lúdico e a forma poética sobre amizade como amparo do personagem.

A árvore frutífera laranjeira lima (Citrus sinensis) é conhecida também como laranja lima-verde, serra d'água.

Podemos encontrar essa árvore, na sua fase adulta, com a sua copa em formato arredondado, chegando a nove metros de altura. Ela é indicada tanto para
quem vai cultivá-la em pomares quanto para quem decide tê-la como ornamentação, sendo que a mesma floresce anualmente por diversas vezes. Na época
do outono, podemos encontrar o pé de laranja lima abastecido de numerosos frutos, sendo estes geralmente grandes, arredondados, com casca fina
esverdeada alaranjada e com um doce sabor (Pomar e Cia., 2023).

Assim, o professor pode trabalhar conteúdos científicos associados a plantio, regiões brasileiras, flora, clima etc.

O lúdico como o brilho da obra


A história da Educação mostra que a criança já foi vista como um miniadulto e considerada uma tábula rasa, dando a ideia de que não tinha sentimentos,
opiniões e escolhas. A criança é um ser que pensa e se espelha no mundo sociocultural que a rodeia; ela demonstra capacidade de alimentar suas fantasias
em relação ao que vê, sendo capaz de armazenar suas vivências e descobertas de mundo, colaborando com a cultura da qual faz parte.

A exploração das metáforas e da ludicidade presentes na obra comprova a grande relevância da literatura brasileira, que sempre expressa a importância da
fantasia presente na literatura infantil.

O jogo de palavras e de linguagem abre caminhos para o próprio jogo da vida, proporcionando um contato mais efetivo com a realidade. Nesse viés, a criação
artística assemelha-se a um sonho do adulto ou ao brinquedo da criança, pois, durante sua ocorrência, evidenciam-se os problemas que afetam o sujeito e as
possibilidades de solução para eles.

De acordo com Garcia e Silva (2009), “o contato da criança com os bens culturais, dentre os quais está o livro, deve ser estimulado e anteceder à idade escolar.
A criança deve descobrir o gosto pela leitura antes mesmo de aprender a ler. O ato de aprender a ler é fundamental para a sua integração no contexto
socioeconômico e cultural”.

Como a criança tem o meio social em que vive como modelo, é ideal a conscientização da família para o uso da literatura desde os anos iniciais, a fim de
fomentar o costume valoroso da leitura por parte da criança.
Figura 1: Capa do livro O meu pé de laranja lima
Fonte: http://meupedelaranjalimaofilme.blogspot.com

Considerações finais
A literatura infantil brasileira permite a transformação da vida dos alunos que apreciam e desfrutam dessas obras magníficas desde o início, da primeira fase
da alfabetização. Experimentar o livro atemporal O meu pé de laranja lima dá a oportunidade de viver sensações únicas e sentir a delicadeza da criança que usa
a sua inteligência e sua inquietação para mudar a realidade pelo lado imaginário e sensível e que, de certa forma, chega ao ponto de “se criar sozinha” em meio
ao caos.

O professor tem o livro como forte aliado em relação ao auxílio de pesquisa, vivência e ensinamentos sobre a observação do aluno que vive na sua
individualidade, por certas vezes, escondendo seus anseios e angústias. A obra serve também para inspirar o trabalho educacional em relação à natureza e à
poesia em sala de aula, aprofundando os estudos e pesquisas sobre as riquezas naturais do Brasil e como a sensibilidade poética pode contribuir para o
interesse do aluno em seguir com esse hábito saudável de leitura por toda a vida.

Referências
BLOG. O meu pé de laranja lima. Disponível em: http://meupedelaranjalimaofilme.blogspot.com. Acesso em: 30 abr. 2023.

GARCIA, S. C. G.; SILVA, A. M. S. A criança, o livro e o gosto pela leitura. São José do Rio Preto: Olho d’água, 2009.

SELÓRIA, A. A.; CORSI, M. S. O meu pé de laranja lima: uma abordagem metodológica - Comparativa de romance e filme. Pensares em Revista, nº 7, 2015. Acesso
em: 28 abr. 2023.

VASCONCELOS, J. M. O meu pé de laranja lima. 2ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 1975.


Publicado em 20 de junho de 2023

Como citar este ar tigo (ABNT)


SOUZ A, Mariana Freire de; BARROS, Marcelo Diniz Monteiro de. Guia do educador sobre o livro "O meu pé de laranja lima": a personificação pela mente infantil como
anestesia para duras realidades. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 23, 20 de junho de 2023. Disponível em:
https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/23/guia-do-educador-sobre-o-livro-o-meu-pe-de-laranja-lima-a-personificacao-pela-mente-infantil-como-anestesia-para-
duras-realidades

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