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LINO, O LIVRO ANDARILHO

Jeime Andeia Dávalo Gonçalves


RESUMO

Através da experiência como contadora de histórias, tive a oportunidade de observar


diariamente a relação estabelecida entre as crianças e a história narrada. É visível a atração
que as pessoas sentem pelas histórias e consequentemente pelas pessoas que as contam. O
apego que as crianças demonstram pelo contador de histórias ultrapassam os muros das
escolas, neste sentido, o contador representa a figura de alguém que oferece ao ouvinte
momentos agradáveis. Em uma tarde de trabalho, enquanto contava histórias em uma pré
escola do município de São João Batista, após a narrativa da história que havia planejado para
aquele dia, uma aluna aproximou-se de mim e disse: “Professora, você poderia ir dormir na
minha casa este final de semana?” Esta pergunta deixou-me curiosa, então perguntei o motivo
do inesperado pedido, e a aluna respondeu-me “É porque você me conta histórias, e na minha
casa ninguém conta histórias para mim”. Surgia naquele momento em mim, a necessidade de
incentivar a leitura e a contação de histórias não somente na escola, mas também nas casas
das crianças. Como resposta ao pedido daquela aluna, elaborei o projeto “Lino, o Livro
Andarilho” e dei início a uma grande aventura.

Palavras-chave: Contação de histórias. Educação. Família.

APRESENTAÇÃO

Com a vivência como contadora de histórias, aproveitei à rica oportunidade que me foi
apresentada, observando diariamente a relação entre as crianças e a história narrada. O
incentivo á leitura e o gosto pelos contos, não deveria apenas alcançar os alunos, mas ser
proporcionado em suas famílias, fazer parte do seu cotidiano em seus lares.

IDEALIZANDO O PROJETO:

Basicamente o Lino é um livro, que contém em seu interior muitos outros livros de
histórias, que podem ser trocados de acordo com a necessidade ou interesse de cada criança e
cada família.
Ao iniciar a organização do projeto Lino o Livro Andarilho em maio de 2012 o
mesmo apresentava a seguinte forma:
1-TEMA:
“LINO O LIVRO ANDARILHO”
2-PROBLEMATIZAÇÃO:
Como estimular nas famílias o interesse pela leitura e assim contribuir no processo de
alfabetização das crianças.
3-OBJETIVO GERAL:
Conhecer os prazeres que a contação de histórias pode proporcionar às famílias.
3-1 OBJETIVOS ESPECIFICOS:
*Promover a criança o contato com o mundo imaginário través da contação de história.
*Propiciando a vivência de novas experiências através da dramatização das mesmas.
*Incentivar a imaginação e a leitura de imagem.
*Proporcionar as famílias um maior proximidade com os livros.
*Mostrar aos pais a importância de ler para os seus filhos.
*Incentivar a criança á ler para seus pais.
*Oferecer ás famílias um momento de descontração através da contação de histórias.
4-DESENVOLVIMENTO
Visitar as casas dos alunos com o Lino. Contando histórias e criando novas oportunidades de
interação com a participação de toda a família.

A IMPORTÂNCIA DE SE CONTAR HISTÓRIAS

A contação de histórias é algo que fascina a criança desde muito cedo, por conta deste
prazer que a narrativa proporciona, não é raro os filhos pedirem aos seus pais que lhes contem
histórias. Conforme afirma a autora:

“Mãe, conta-me uma história” é o pedido mais constante e insistente da criança que
mal começa a achar-se na vida. É sem dúvida, significativo o anseio da criança pela
história; é que a história supre um imperativo na natureza humana: a ânsia de
aprender pelo exemplo. (CHAVES, 1963, p11)

Se as crianças encontrarem em seus lares um contato diário com os livros, o incentivo


e o exemplo, com certeza aumentará nelas o interesse e o hábito pela leitura, facilitando
assim, o seu progresso de desenvolvimento.
Os educadores devem ter um contato direto com os pais, orientando os mesmos sobre
os benefícios de se deixar cativar pelas histórias contidas nos livros, e permitir que os livros
de histórias habitem seus lares, e consequentemente conduzir seus filhos ao gosto pela leitura.
Afirmando esta realidade a autora relata:

Ah, como é importante pra a formação de qualquer criança ouvir muitas, muitas
histórias... Escutá-las é o início da aprendizagem para ser um leitor, e se leitor é ter
um caminho absolutamente infinito de descoberta e de compreensão do mundo.
(ABRAMOVICH, 1997, p.16)

Todos nós educadores, preocupados com o desenvolvimento de nossos alunos,


devemos incentivar as crianças a embarcar nesta viagem que é a leitura, e para que este apoio
ao aluno seja dado de forma concreta, devemos encontrar caminhos para estimular as famílias,
e criar nelas também o gosto pela leitura e o hábito da contação de histórias. Defendendo esta
realidade a autora discursa:

“É ouvindo histórias que se pode sentir (também) emoções importantes, como a


tristeza, a raiva, a irritação, o bem star, o medo, a alegria, o pavor, a insegurança, a
tranqüilidade, e tantas outras mais,” e viver profundamente tudo o que as narrativas
provocam em quem as ouve – com toda a amplitude, significância e verdade que
cada uma delas fez (ou faz) brotar... (ABRAMOVICH, 1997, p.17)

Através de uma contação de histórias podemos abordar os conteúdos curriculares


obrigatórios o que segundo Fanny Abramovich proporcionará um conhecimento prazeroso.

“É ficar sabendo história, Geografia, Filosofia, Política Sociologia, sem precisar


saber o nome disso tudo e muito menos achar que tem cara de aula... porque se tiver,
deixa de ser literatura, deixa de ser prazer e passa a ser Didática, que é outro
departamento (não tão preocupado em abrir as portas da compreensão do mundo)
(ABRAMOVICH, 1997, p.17)

A criança quando ouve histórias viaja para um mundo todo especial que só ela
conhece, naquele momento ela vive uma experiência muito particular aonde a história e seus
personagens criam vida no seu imaginário. Podemos constatar esta informação, questionando
a criança, após a contação da história ou a dramatização da mesma, o ouvinte com certeza,
dará detalhes riquíssimos de como ele enxergou e sentiu aquela história. Neste sentido afirma
a autora:

É nesse panorama que vejo a contação de história como um instrumental capaz de


servir de ponte para ligar as diferentes dimensões e conspirar para a recuperação dos
significados que tornam as pessoas mais humanas, íntegras, solidárias, tolerantes,
dotadas de compaixão e capazes de “estar com”. {...} Vejo o contar história como
um ato social e coletivo, que se materializa por meio de uma escuta afetiva e efetiva.
(BUSATTO, 2007, p.13 apud BEDRAN , 2010, p.18)

Fanny Abramovich (ABRAMOVICH, 1997, p.17) afirma que é através duma história que
se podem descobrir outros lugares, outros tempos, outros jeitos de agir e de ser, outra ética,
outra ótica.

Ao contar histórias, posso ver diariamente, as reações, que os contos fazem despertar
nas pessoas, através da contação, nós professores, podemos abordar vários assuntos do
cotidiano, ou mesmo assuntos que pelas crianças ainda não haviam sido imaginados e que
fazem aflorar nas mesmas, vários tipos de emoções. Para a autora:

A história grava-se indelevelmente em nossa mente e seus ensinos passam ao


patrimônio moral da nossa vida. Ao depararmos com situações idênticas, somos
levados a agir de acordo com a experiência que, inconscientemente já vivemos na
história. (CHAVES, 1963, p.33)

DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA

ROTEIRO DE APLICAÇÃO:

Inicialmente foi realizado um trabalho de contação, dramatização, conversação sobre


histórias com estas crianças, para ser criado á partir deste ponto um vínculo, uma afinidade
entre os alunos, a contadora de histórias.

Após esta primeira etapa a contadora teve então, uma conversa com os alunos sobre
um livro chamado Lino, que estava cansado de ficar em uma estante e decidiu conhecer o
mundo. Após esta conversa a professora combinou com os alunos de levar no próximo
encontro, um jornal ou matéria sobre este assunto para mostrar as crianças. Ao levar matéria
prometida a contadora comenta aos alunos que o Lino estará fazendo uma visita a nossa
cidade, e assim observa se existe interesse da parte dos alunos em conhecer o Lino. Se as
crianças apresentarem interesse, elas então receberão uma carta, comunicando que o livro
andarilho irá fazer uma visita aqueles alunos.
Antes da chegada do Lino na escola, foi realizada uma pesquisa com os alunos e suas
famílias, com o intuito de saber se gostam de livros de histórias, qual o livro que eles mais
gostam, se gostam de ouvir histórias, quais as histórias que mais gostam de ouvir, se os filhos
pedem histórias ou livros para os pais, se em casa os pais contam histórias para os filhos, se a
família possui livros de histórias em casa, se a criança é comunicativa, se ela gosta de falar
para outras pessoas, se o filho é imaginativo no momento das brincadeiras.
Esta pesquisa tem como objetivo observar e comparar a visão de pais e filhos com
relação a contação de histórias e os livros.
Com a chegada do Lino á sala de aula, ele fez parte de todas as atividades realizadas
pelos alunos, na ida ao lanche, participará dos passeios, andando por toda a escola
conhecendo assim o local e as pessoas que ali trabalham.
Cada criança levará o Lino para a sua casa, juntamente com o diário, para que a
família produza uma redação sobre esta visita. No dia seguinte professora irá a casa deste
aluno, esta visita será realizada com o objetivo de proporcionar a família um momento
diferente através da contação de histórias, envolvendo a professora, os pais e filhos.
Á partir do momento que a primeira criança levar o Lino a sua casa, os encontros entre
a contadora de histórias e os alunos em sala de aula, serão usados para a contação de histórias
e a narrativa da criança que levou a Lino para conhecer a sua família e sua casa.

APLICANDO O PROJETO

Iniciei a aplicação do projeto Lino o Livro Andarilho em maio de 2012. Tive a


oportunidade para colocar as ideias iniciais em prática, primeiramente com a turma do pré II
N.I. Comecinho de Vida na cidade de São João Batista e posteriormente em 2013 em uma
turma do pré II no CEJU- Centro Educacional Juscélia, escola esta, que também faz parte da
rede municipal de ensino da cidade de São João Batista.
.
Devo agradecer a grande colaboração das professoras regentes, pessoas estas que
foram de um valor incalculável para os trabalhos, pois forneceram toda a liberdade para
realizar o projeto com seus alunos durante o período médio de três meses.
No término da aplicação do projeto no Núcleo Infantil Comecinho de vida e Centro
Educacional Jucélia, consegui visitar 60% das crianças, e as outras 40% receberam somente a
visita do Lino.
As famílias que aceitaram a visita do Lino e da contadora de histórias, foram de uma
forma geral, bem receptiva e demonstraram interesse em falar sobre os seus filhos e as
mudanças vistas por eles a partir do contato frequente com a contação de história e os livros.
Estes pais se mostraram interessados em adquirir livros de literatura infantil para
deixar a disposição de seus filhos, pois até então, não havia por parte de alguns a preocupação
em se ter livros em casa.
Esta ação é um projeto que iniciado de forma solitária. Porém um projeto que tem
como uma das intenções conseguir entrar na casa das famílias e realizar um incentivo a leitura
e a contação de histórias, precisa ter o apoio de alguém que conheça os pais de uma forma
mais profunda e que tenha a confiança dos mesmos, neste caso esta pessoa tão necessária
seria a professora regente da turma, que é aquela que vai permitir a entrada na sala de aula,
para a aplicação das atividades planejadas no projeto, é ela que vai falar com os pais quando
necessário for, deixando os familiares sempre a par dos andamentos do projeto.
AVALIANDO OS RESULTADOS

Como poder descrever com palavras as reações, demonstrações de carinho que saltam
aos olhos das crianças, os mesmos viajam em sua imaginação, e dão vida e sentido aquela
ação, que sem a disposição e interesse deles jamais aconteceria.
Enquanto aplicava projeto, tendo sempre em vista que as metas iniciais seriam levar
para o meio familiar daquelas crianças um contato maior com a leitura e a contação de
histórias, demonstrando assim aos familiares daqueles alunos o quanto era agradável ouvir ou
contar uma história junto á seus filhos, consegui observar gradativamente algumas mudanças
nos alunos, crianças que eram mais tímidas se apresentavam mais falantes após o momento da
contação de histórias, alunos que não demonstravam tanto interesse pelos livros inicialmente,
começaram a mudar o seu comportamento diante do interesse dos colegas pelos livros e pelas
histórias.
Posso afirmar que a receptividade com que algumas famílias acolheram a contadora
de histórias em suas casas, e ter o privilégio de reunir pai, mãe e filhos para ouvir uma
contação de histórias não tem preço.
O que me deixou muito feliz na realização desde projeto foi poder acompanhar e ver
de perto o quanto alguns pais participaram envolvendo-se com o Lino, e consequentemente
participando da realidade de seus filhos.
Durante as visitas nos lares, ouvi relatos de pais que nunca haviam contado histórias
para seus filhos, e de famílias que não existiam livros em suas casas e os adquiriram devido
aos pedidos de seus filhos. Ouvi crianças dizendo que queriam ser escritoras e pude ver
crianças que contavam histórias fazendo uso de qualquer imagem que encontravam.

Acredito que, neste momento, o desafio do projeto se encontra em quebrar a


resistência de algumas famílias e cada vez mais conseguir o acesso não só do Lino, mas
também da contadora de histórias nos lares destes alunos.
Era uma vez uma professora contadora de histórias que acredita que é possível plantar
dentro das famílias sementes do gosto pela leitura.
Quando todas as famílias e alunos de uma turma o recebem, sonham, brincam,
usufruem efetivamente da sua companhia, o Lino pode partir para mais uma aventura.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As experiências vivenciadas por mim neste projeto são terminantemente fortes e ao


mesmo tempo ternas.
Poder observar o quanto o Lino foi especial para aquelas crianças é indescritível.
O Lino foi tão esperado, comentado, que na sua ânsia de recebê-lo a criança envolve a
todos que estão ao seu redor, que acabam o esperando também.
Observei em minhas visitas que o livro andarilho enquanto está na casa das crianças
mobiliza toda a família, pais, mães, irmãos, avós, primos, tios, tias, enfim, todos que estão
diretamente ligados àquela criança e fazem parte da sua realidade familiar. Eles também
compartilham da presença do Lino, tendo curiosidade de saber o que ele é, quais os livros que
ele contém, e isto consequentemente empolga a criança e a incentiva a leitura. Sem falar do
tempo que a família dedica aquela criança para ouvi-la contar as histórias, o tempo precioso
que os pais vão dedicar aos filhos para lhe contar histórias, para decidirem juntos onde o Lino
vai dormir, aonde o levarão para passear, enfim, o Lino promove a união daquela família, e
conseqüentemente, esta experiência se torna inesquecível para a criança.
Concluí que para as crianças o Lino é muito mais do que um Livro, o Lino, é como se
fosse um membro do grupo, “alguém “que se torna tão importante para aquelas crianças, que
este sentimento que vai além da escola e entra na casa das famílias que aqueles alunos fazem
parte.
O sorriso de satisfação de uma criança ao receber o Lino em sua casa, ter o privilégio
de observar o orgulho de um pai vendo seu filho narrar seu conto preferido, a expressão de
um filho ao ouvir seu pai contar-lhe uma história pela primeira vez, são experiências únicas
que fazem do “Lino” um livro especial que tem no seu interior, lindas histórias de vida para
contar.

REFERÊNCIAS

ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil gostosuras e bobices. São Paulo: scipione,


1997
CHAVES, Otília Oliveira. A arte de contar histórias. Rio de janeiro: Confederação
evangélica do Brasil, 1963
BEDRAN,Beatriz Martini. Ancestralidade e contemporaneidade das narrativas orais:
A arte de cantar e contar histórias.Niterói,2010. Dissertação mestrado ( Mestre
em Ciência da Arte.)- PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA ARTE –
PPGCA, UFF – UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE,2010
http://www.uff.br/cienciadaarte/dissertacoes/2010_bia_bedran.pdf acesso:14-03-2013

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