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O Buraco Negro de Schwarzschild

Alessandro Gagliardi
Depto. de Fı́sica Matemática, Universidade de São Paulo, Brasil
5 de Janeiro de 2013

Conteúdo
1 Observadores estacionários 2

2 Observadores em queda livre 3


2.1 Queda segundo o próprio observador . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
2.2 Queda livre segundo um observador afastado . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

3 A geometria de Schwarzschild perto de r = 2m 7


3.1 Interlúdio: a métrica de Rindler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
3.2 A métrica de Rindler em r ≈ 2m . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

4 Sistemas de coordenadas para a métrica de Schwarzschild 12


4.1 Coordenadas isotrópicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
4.2 Coordenadas de Painlevé-Gullstrand . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
4.3 Coordenadas de Lemaı̂tre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
4.4 Coordenadas de Eddington-Finkelstein . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
4.4.1 A coordenada radial de Regge-Wheeler . . . . . . . . . . . . . . . . 15
4.4.2 Coordenadas nulas: tempo retardado e avançado . . . . . . . . . . . 16
4.4.3 Cones de luz nas coordenadas de Eddington-Finkelstein . . . . . . . 17
4.5 Estendendo o espaço-tempo. O exemplo das coordenadas de Rindler . . . . 18
4.6 O espaço-tempo de Schwarzschild: coordenadas de Kruskal-Szekeres . . . . 21

No capı́tulo anterior, obtivemos a solução de Schwarzschild das equações de Einstein e


estudamos as principais propriedades desta geometria. Neste capı́tulo, nos focaremos em
responder às duas seguintes perguntas: como diferentes observadores “vêem” o mundo na
geometria de Schwarzschild? Que coordenadas podemos usar para nos dar algum insight
quanto a estas observações?
Tentaremos também comparar os resultados que obtivermos neste contexto relativı́stico
com suas contrapartes clássicas.

1
1 Observadores estacionários
O que caracteriza um observador numa posição espacial (r, θ, ϕ) constante? O fato de
ele estar acelerado. Caso contrário, estaria em queda livre, o que na Relatividade Geral
significa seguir movimento geodésico. É por isso que nós (numa aproximação em que a
Terra não gira) sentimos uma normal em nossos pés - é a única força que age contra o
efeito natural de a geometria da Terra nos atrair.
Seja um observador com 4-velocidade u. Sua 4-aceleração A é definida como A =
Du/dτ = ∇u u, ou seja, seus componentes são
Duµ duµ
Aµ = = + Γµνσ uν uσ .
dτ dτ
Um observador geodésico/inercial/em queda livre tem Aµ ≡ 0.
O que é a “aceleração” que o observador mediria? Sabemos que observáveis são, na
Relatividade, dados por escalares; chamemos então
p
a := kAk = g(A, A)

sua aceleração, sem o prefixo “quadri-”. Este escalar efetivamente mede a aceleração do
observador.
Um observador estacionário é tal que duµ /dτ = 0. Ou seja, para ele, sua 4-velocidade
não muda nunca. Neste caso, os componentes da 4-aceleração são simplesmente

Aµ = Γµνσ uν uσ .

Por completeza, colocaremos aqui os sı́mbolos de Christoffel da métrica de Schwarzs-


child:

1 rs
Γ010 = Γ111 = (1.1a)
2r r − rs
rs (r − rs )
Γ100 = (1.1b)
2r3
Γ122 = rs − r (1.1c)
Γ133 = (rs − r) sin2 θ (1.1d)
1
Γ221 = Γ331 = (1.1e)
r
Γ233 = − sin θ cos θ (1.1f)
Γ323 = cot θ. (1.1g)

Com base nisso, e sabendo do capı́tulo anterior que


1 ∂
u= p ,
1 − 2m/r ∂t

é um resultado imediato que


GM ∂
A= .
r2 ∂r
Esta fórmula é atraente - ela é exatamente o que esperarı́amos na mecânica Newtoniana
como sendo a aceleração normal, precisamente igual em módulo à aceleração da gravidade.

2
Isto de fato seria verdade se a métrica fosse Minkowski. Neste caso, o módulo de A
seria GM/r2 , que é o resultado Newtoniano. Contudo, nossa métrica é a de Schwarzschild,
que contém curvatura. Um cálculo explı́cito revela

p 1 GM
a= gµν Aµ Aν = p . (1.2)
1 − 2m/r r2

O fator de correção 1 − 2m/r volta a aparecer, e introduz um resultado novo e ines-


perado: a aceleração necessária para um observador permanecer em repouso na posição
r = 2m é infinita. Este é um resultado ausente da teoria Newtoniana, que representa
algum tipo de problema na posição r = 2m.
Em contrapartida, este efeito é completamente desprezı́vel em geral. No caso da
superfı́cie da Terra, temos r  2m, de modo que (1 − 2m/r)−1/2 ≈ 1 + GM/c2 r, de onde
a aceleração efetiva sentida por nós é
2
gsup r
a = gsup + ,
c2
onde gsup ≡ GM/r2 ≈ 9, 8 m/s2 é o valor clássico da aceleração da gravidade. Este fator
de correção é da ordem de 10−9 m/s2 , sendo portanto completamente indistinguı́vel de
defeitos topográficos ou quaisquer outras variações do campo gravitacional.

2 Observadores em queda livre


A pergunta que segue imediatamente da análise anterior é: o que sente então um obser-
vador caindo, i.e. em movimento geodésico? Será que ele sente uma aceleração infinita
para dentro da região r < 2m?
Esta é uma questão delicada - nada vem de graça na Relatividade Geral. Para esta
pergunta estar bem-definida, é necessária outra ressalva: quem observa a queda livre? É
o próprio observador, ou alguém externo a ele? Como veremos, a divergência entre os
resultados destes dois observadores é tremenda; portanto, faremos uma análise de cada
vez.

2.1 Queda segundo o próprio observador


Um observador em queda livre radial tem ϕ̇ = 0, e portanto L = 0. Neste caso, a equação
da conservação efetiva da energia assume a forma

E2 − 1 ṙ2 m
= − .
2 2 r
Seja ri a posição inicial de repouso da partı́cula, i.e. ṙ(ri ) = 0. Neste ponto,
2m
E2 = 1 − = f (ri ),
ri
na notação introduzida na seção anterior. Vemos que, para ri > 2m, |E| é sempre menor
ou a igual a 1, a igualdade se estabelecendo se ri → ∞.

3
Consideremos então, para simplificar, o caso E = 1, isto é, em que a partı́cula cai
desde o infinito, onde ela tem velocidade nula. Neste caso, a equação da conservação da
energia fornece r
dr 2m
=− ,
dτ r
o sinal de menos decorrendo do fato que o movimento é ingoing.
Existe outra equação que nos será útil, a saber, a própria definição de E:
 
2m dt
E = 1− .
r dτ

No nosso caso, então


dt 1
= .
dτ 1 − 2m/r
Deste modo, o movimento se resume a resolver às duas seguintes equações:
 r
dr 2m
=−



dτ r (2.1)
 dt =


1
dτ 1/2m/r

A primeira equação é separável e admite solução

2 r3/2
τ = τ0 − √ . (2.2)
3 2m

A segunda já é bem mais complicada. É mais fácil resolver para t = t(r) que para
t = t(τ ), de modo que começamos usando a regra da cadeia:

dt dτ dt 1 r
= = −√
dr dr dτ 2m 1 − 2m/r
Z √
1 r
⇒ t − t0 = − √ dr.
2m 1 − 2m/r
A integral do lado direito é da forma
Z √
x
dx,
1 − a2 /x

que pode ser resolvida usando a substituição 1/x = u2 e depois frações parciais. O
resultado é √ √


x − a
Z
x 2 3/2 2 3
dx = x + 2a x + a ln √ .
1 − a2 /x 3 x + a
Assim, escrevemos a resposta na forma

2 r3/2
t = t0 − √ − Θ(r), (2.3)
3 2m

4
onde definimos " r p #
r r/2m − 1
Θ(r) = 2m 2 + ln p . (2.4)

2m r/2m + 1
Comparando (2.2) e (2.3), fica claro que

τ = t + Θ(r) + const., (2.5)

ou seja, a diferença entre a coordenada de tempo e o tempo próprio do observador em


queda livre é dada pela função Θ.
Estes resultados podem ser interpretados como uma generalização relativı́stica do pro-
blema de queda livre Newtoniano? Sim. Para ver isso, tome a equação da conservação
de energia na mecânica clássica, comparando a energia de um corpo a uma distância r do
centro de uma estrela de massa M , e sua energia, parado, no infinito. Obteremos
r
1 2 Mm dr GM
mv − G =0 ⇒ =− .
2 r dt r
Esta equação é formalmente idêntica à primeira de (2.1), e portanto tem solução

2 r3/2
t = t0 − √ .
3 2GM
Além disso, como falamos de mecânica clássica, temos sempre τ = t. Portanto, o
caso clássico pode ser visto como o limite da solução relativı́stica quando Θ(r) → 0. De
tudo que vimos até agora, vamos supor que este limite apareça quando fizermos o raio de
Schwarzschild ir a 0, o que equivale a dizer que a velocidade da luz é infinita. Neste caso,
vemos que, sendo p
√ r/2m − 1
Θ = 2 2mr + 2m ln p ,

r/2m + 1
o primeiro termo vai a 0 e o argumento do logaritmo vai a 1, de modo que o resultado
como um todo vai a 0. Assim, no limite clássico c → ∞, recuperam-se os resultados da
mecânica Newtoniana.
Vamos generalizar nossos resultados para qualquer valor de posição inicial (maior que
2m). Já vimos que, neste caso, E 2 = f (ri ); portanto, voltando na equação da conservação
efetiva da energia, temos
2m
E 2 = ṙ2 + 1 − ⇒ f (ri ) = ṙ2 + f (r)
r
 2  
dr 1 1
= 2m − .
dτ r ri
Disso vem r
±1 dr0
Z
τ − τ0 = √ p .
2m ri 1/r0 − 1/ri
Deixemos o sinal para ser decidido no final. Esta integral pode ser resolvida facilmente
com a substituição (mágica) r0 = ri (1 + cos η)/2, que fornece
1/2
ri3

τ − τ0 = ± (η − sin η),
8m

5
pois η(ri ) = 0 (verifique!). Como x ≥ sin x e o intervalo de tempo próprio deve ser
positivo, escolhemos o sinal de mais; portanto
r
ri3 ri
τ (r) = τ0 + (η − sin η), r= (1 + cos η). (2.6)
8m 2

Este valor é finito para qualquer r > 0 (o que corresponde a η ≤ π). Em particular, o
observador se vê cruzando o raio de Schwarzschild em tempo próprio finito.

2.2 Queda livre segundo um observador afastado


Considere agora um outro observador, fixo numa posição (r0 , θ, ϕ), vendo o observador da
seção acima cair em direção à estrela. Agora, não estamos mais interessados em analisar
dr/dτ ou dt/dτ , mas sim dr/dτ0 e dt/dτ0 , onde τ0 é o tempo próprio medido por este
observador fixo. Em outras palavras, queremos analisar o movimento do observador em
queda de acordo com medidas tomadas pelo observador fixo.
Já sabemos que o tempo próprio do observador fixo se relaciona ao tempo coordenada
pela relação r
2m
dτ0 = dt 1 − .
r0
Portanto, eles são proporcionais, e a menos deste fator constante de proporcionalidade,
podemos usar o tempo coordenado t em nossas análises (naturalmente, esta diferença
desaparece se r0 → ∞).
Para estudarmos o movimento, novamente tornamos à equação da conservação efetiva
da energia e a definição da grandeza conservada E:

2 2
ṙ = E − f (r)

E2
ṫ2 =
 .
f (r)2

Dividindo uma pela outra e tomando a raiz quadrada (novamente com a escolha apro-
priada do sinal de modo que movimento seja de queda):
 s  
dr 2m 1 2m
=− 1− 1− 2 1− .
dt r E r

Para estudar a natureza do movimento próximo ao raio de Schwarzschild r ≈ 2m,


buscamos uma solução gráfica. É possı́vel provar que r só atinge o valor 2m quando t vai
para infinito. Em outras palavras: um observador parado longe da estrela vê o observador
em queda livre cada vez mais próximo do valor r = 2m, mas nunca o vê chegar lá. Isso
entra em conflito direto com a interpretação do observador em queda, que não sente
absolutamente nada diferente ao cruzar este valor.
Existe outro efeito que o observador parado vê enquanto o outro cai em direção à
estrela - o redshift infinito. Por simplicidade, coloque o observador estático no infinito;
então, se ν∗ é a frequência de um fóton medida ao passar por um observador em r, então

6
a frequência medida no infinito será1
r
2m
ν∞ = ν∗ 1− .
r
Quando r → 2m, a frequência medida vai a zero. Portanto, a imagem do observador
caindo fica cada vez mais esmaecida.

3 A geometria de Schwarzschild perto de r = 2m


3.1 Interlúdio: a métrica de Rindler
Voltemos momentaneamente ao espaço-tempo de Minkowski. Considere um observador
acelerado, com aceleração constante a = (0, a, 0, 0) na direção positiva do eixo x, vista num
referencial momentaneamente inercial. Como é o espaço-tempo visto por este observador?
Para o observador, sua 4-velocidade é sempre u = (1, 0, 0, 0). Vamos agora sair do re-
ferencial momentaneamente inercial - então, colocamos u = (u0 , u1 , 0, 0), com a imposição
de normalização
kuk2 = −1 ⇒ (u0 )2 − (u1 )2 = 1
⇒ u0 = cosh F (τ ), u1 = sinh F (τ ),
para alguma função F (τ ) ao menos uma vez diferenciável. Com isto, a aceleração tem
componentes
duµ
aµ = = Ḟ (τ )(sinh F, cosh F, 0, 0),

e módulo
kak2 = Ḟ (τ )2 .
Se kak é constante, isso implicará F (τ ) = aτ + b, para constantes a, b ∈ R. Por outro
lado, se impusermos que a partı́cula sai do repouso, então F (0) = 0 (por quê?) e então
b = 0. Assim, Ḟ (τ ) = a, i.e. teremos kak = a. Logo,

u(τ ) = (cosh aτ, sinh aτ, 0, 0)


 
1 1
x(τ ) = sinh aτ, cosh aτ, 0, 0 , (3.1)
a a
onde as constantes de integração foram todas escolhidas como 0 (isso pode ser alterado
caro queira-se especificar a posição inicial do corpo). Observe que a linha de mundo da
partı́cula é da forma
−t2 + x2 = 1/a2 ,
que são hipérboles no quadrante x > |t| do espaço-tempo de Minkowski2 .
A parte importante desta análise é que o tensor métrico não terá a forma de ηµν no
referencial de repouso deste observador ; apesar de a transformação para um referencial
1
A equação do redshift utilizada considera somente frequências medidas por observadores estáticos, e
não leva em consideração o efeito Doppler. Por outro lado, como os observadores estão se afastando, o
efeito Doppler só contribue para aumentar o desvio para o vermelho, de modo que o efeito qualitativo é
o mesmo.
2
Com efeito, cosh θ > sinh θ. Não é difı́cil então ver o quadrante ao qual as coordenadas escolhidas
coorespondem.

7
acelerado ser permitida pela Relatividade Restrita, ela não faz parte do grupo de Poincaré,
que mantém a métrica inalterada - assim, teremos alguma outra forma do tensor métrico.
Este novo sistema de coordenadas deve ser um em que o observador acelerado tenha
coordenada espacial constante. Sejam (η, ρ) nossas novas coordenadas de tempo e espaço
(y e z se mantêm inalteradas; deixaremos de falar delas de agora em diante). Já que
1 1
t= sinh aτ, x= cosh aτ,
a a
somos levados a procurar uma mudança de coordenadas

t(η, ρ) = ρ sinh η x(η, ρ) = ρ cosh η. (3.2)

Observe que esta transformação é tal que, no caso considerado do observador com ace-
leração constante, temos ρ = 1/a constante e somente η = aτ variando, como querı́amos.
Portanto,
dt = sinh ηdρ + ρ cosh ηdη
dx = cosh ηdρ + ρ sinh ηdη
e a métria original ds2 = −dt2 + dx2 se torna

ds2 = −ρ2 dη 2 + dρ2 . (3.3)

Este é o tensor métrico de Minkowski nas chamadas coordenadas de Rindler.


Propriedades da métrica de Rindler:

• Do fato que
x2 − t2 = ρ2 e t = x tanh η,
vemos que as curvas com ρ = const. são hipérboles, enquanto as com η = const. são
retas que passam pela origem.

• As curvas tipo luz t = ±x correspondem a | tanh η| = 1, o que equivale a η = ±∞.


Portanto, apesar de elas serem simples curvas no espaço de Minkowski, elas não
estão presentes nas coordenadas de Rindler!

• A métrica (3.3) não depende de η, e portanto ∂/∂η é um vetor de Killing. Com


efeito,
∂ ∂t ∂ ∂x ∂ ∂ ∂
= + =x +t ,
∂η ∂η ∂t ∂η ∂x ∂t ∂x
que é o gerador de boosts no eixo x.

• Do princı́pio de equivalência, sabemos que um campo gravitacional fraco se com-


porta exatamente como uma aceleração constante. Portanto, a deve ser possı́vel
escrever a métrica de um campo fraco na forma de uma métrica de Rindler.
Lembremos que, em primeira aproximação, a métrica de um campo fraco é

ds2 = −(1 + 2φ)dt2 + dx2 ,

onde φ = −GM/r é o potencial Newtoniano. Nosso objetivo é introduzir coordena-


das convenientes em que a semelhança desta métrica com aquela de Rinder se torne
óbvia.

8
Figura 3.1: Espaço-tempo de Minkowski nas coordenadas de Rindler.

Faça uma transformação de coordenadas da forma de (3.2), mas com a substituição


ρ → ρ/g, η → gη:
ρ ρ
t = sinh gη x = cosh gη.
g g
Nestas coordenadas, a métrica se torna
1 2
ds2 = −ρ2 dη 2 + dρ .
g2

Faça então a transformação ρ(r) = 1 + gr, que fornece

ds2 = −(1 + gr)2 dη 2 + dr2 .

O observador em r = 0 ⇒ ρ = 1 tem tempo próprio τ = η e aceleração g. Para


g suficiente pequeno, teremos

ds2 ≈ −(1 + 2gr)dη 2 + dr2 .

Se identificarmos φ = gr com o potencial gravitacional fraco, tal como ocorre


na mecânica Newtoniana, então obtemos uma métrica de Rindler representando
o campo fraco, como querı́amos.

• Observe que a métrica de Rindler seleciona apenas uma porção do espaço-tempo


de Minkowski. Observadores geodésicos (i.e. x = const.) vão do tempo coordenado
η = 0 (correspondendo a t = 0) a η = ∞ (correspondendo à reta t = ±x) em tempo

9
Figura 3.2: Ilustração do movimento geodésico no espaço-tempo de Rindler. O movimento
de geodésicas no espaço de Minkowski é completamente bem-definido, mas nas coordenadas
de Rindler precisarı́amos ir “além” de η = ∞. As geodésicas, nestas coordenadas, são
incompletas.

próprio finito, como podemos ver na Figura 3.2. Assim, as geodésicas “acabam”
em η = ∞, o que é apenas uma restrição das coordenadas que utilizamos, pois bem
sabemos que estas geodésicas se estendem por todo o espaço de Minkowski.
Podemos pensar que as retas t = ±x formam horizontes aparentes na métrica de
Rindler - elas são lugares onde as coordenadas deixam de valer, mas são possı́veis
do ponto de vista fı́sico.
Outro modo de ver as limitações das coordenadas de Rindler é analisando o com-
portamente dos cones de luz. Fazendo ds2 = 0, obtemos
dρ 1
=± .
dη ρ

Temos portanto dois tipos de geodésicas tipo luz. Chamaremos

outgoing : dρ/dη > 0

ingoing : dρ/dη < 0.

Para ρ = 1, temos os cones de luz usuais com inclinação de 45◦ . Para ρ > 1, por
outro lado, eles se abrem cada vez mais, enquanto para ρ → 0 eles ficam cada vez
mais finos. Vide Fig. 3.3.

10
Figura 3.3: Cones de luz nas coordenadas de Rindler. Seu comportamente é muito dife-
rente do que seria esperado no espaço de Minkowski, devido à escolha das coordenadas.

• Observe que, enquanto um observador geodésico no espaço de Minkowski eventu-


almente “vê” todo o espaço-tempo (isto é, seu cone de luz eventualmente cobre
todo o espaço-tempo conforme o observador avança no tempo), o mesmo não ocorre
para um observador ρ = const. em coordenadas de Rindler. Seu cone de luz even-
tualmente cobrirá metade do espaço-tempo de Minkowski, mas a reta t = x, por
exemplo (se a aceleração é positiva na direção do eixo x), é um horizonte: ela não é
alcancável com valores finitos de tempo próprio para observadores ρ = const., para
os quais estas coordenadas foram criadas. Deste modo, existe toda uma porção do
espaço-tempo que é invisı́vel para estes observadores.

3.2 A métrica de Rindler em r ≈ 2m


Seja r̄ = r − 2m a distância coordenada da posição de um corpo ao raio de Schwarzschild.
Em termos desta nova coordenada, a métrica de Schwarzschild se torna
r̄ r̄ + 2m 2
ds2 = − dt2 + dr̄ + r2 dΩ2 .
r̄ + 2m r̄
Perto do horizonte r ≈ 2m ⇔ 2m  r̄ → 0, temos
r̄ r̄
' ,
r̄ + 2m 2m
de modo que
r̄ 2 2m 2
ds2 ' − dt + dr̄ + r2 dΩ2 .
2m r̄
Chame
2m 2 √
dρ2 = dr̄ ⇒ ρ= 8mr̄.

dt
dη = .
4m

11
Nessas coordenadas, a métrica assume a forma final

ds2 ' −ρ2 dη 2 + dρ2 + (2m)2 dΩ2 . (3.4)

No último termo, usamos a aproximação r2 ≈ (2m)2 próximo à esfera. Portanto,


vemos que o espaço-tempo de Schwarzschild próximo ao raio r = 2m assume o caráter
das coordenadas de Rindler para o espaço-tempo de Minkowski.
Seguem então consequências imediatas desta analogia, de acordo com o que estudamos
anteriormente sobre a métrica de Rindler:

• A singularidade da métrica de Schwarzschild em r = 2m não tem sentido fı́sico,


sendo apenas uma limitação das coordenadas padrão de Schwarzschild:

r = 2m ⇔ r̄ = 0 ⇔ ρ = 0.

De fato, ρ = 0 corresponde apenas a uma singularidade das coordenadas no espaço


de Minkowski, e desaparece se passamos a coordenadas inerciais padrão (t, x).
• O fato de as coordenadas de Schwarzschild deixarem de funcionar em r = 2m
explica-se pelo fato de, tal como no caso de Rindler, elas serem adaptadas a ob-
servadores acelerados, cujo tempo próprio é proporcional ao tempo coordenado t.
Como vimos anteriormente, isso não ocorre com observadores geodésicos, que cru-
zam o horizonte aparente r = 2m em tempo próprio finito - usaremos este fato para
construir, logo a seguir, coordenadas que sejam adaptadas a tais observadores e,
portanto, não apresentem patologia em r = 2m.

4 Sistemas de coordenadas para a métrica de Schwarzs-


child
4.1 Coordenadas isotrópicas
Na métrica de Schwarzschild em coordenadas usuais, faça a transformação
 2
m
r =ρ 1+ . (4.1)

Depois de uma série de cálculos, vê-se que esta transformação põe a métrica na forma
4
(1 − m/2ρ)2 2

2 m
ds = − dt + 1 + (dρ2 + ρ2 dΩ2 ). (4.2)
(1 + m/2ρ)2 2ρ

Esta é conhecida como a forma isotrópica da métrica de Schwarzschild, pois ela isola
duas partes: a temporal, da forma dt2 , da espacial, da forma dx2 +p dy 2 + dz 2 , ambas com
coeficientes especı́ficos à frente que só dependam da distância ρ ≡ x2 + y 2 + z 2 .
Por causa desta separação, é imediato obter que
 2
m
∆xproper = 1 + ∆xcoordinate , (4.3)

ao fazer dt = 0. A diferença entre distâncias coordenadas e distâncias próprias (fı́sicas)
se torna muito clara deste modo.

12
4.2 Coordenadas de Painlevé-Gullstrand
Apesar de muitas vezes ouvirmos falar que “a métrica de Schwarzschild, em coordenadas
usuais, só vale na região r > 2m”, isto é equivocado. Ela não tem qualquer tipo de
problema na região 0 < r < 2m tampouco, exceto pelo único fato que os coeficientes de
dt2 e dr2 trocam de sinal. Isto, por outro lado, não é tanto um problema - a signatura da
métrica se mantém, o que muda é apenas o sentido (espacial ou temporal) das coordenadas
r e t.
Por outro lado, estas coordenadas de fato são mal-comportadas em r = 2m, e levam a
uma descontinuidade da métrica. Nosso objetivo é, portanto, encontrar uma única forma
do tensor métrico que cubra toda a região r > 0.
Para isso, bamos encontrar um novo sistema de coordenadas para a métrica de Schwarzs-
child em que usaremos a não-singularidade do tempo próprio de um observador em queda
livre para estender nossa solução original.
Da equação (2.5) para um observador em queda livre, vimos que
τ = t + Θ(r) + const.
para este observador. Como τ nunca diverge para raio finito numa queda livre, passaremos
a usá-lo como nossa coordenada de tempo, ai invés de t. Defina
T (t, r) := t + Θ(r),
de modo que dt = dT − dΘ. Um cálculo simples revela que
r
2m dr
dΘ = ,
r 1 − 2m/r
logo r
2m dr
dt = dT − .
r 1 − 2m/r
Assim, temos dt como função somente de dT e dr. Substituindo esta expressão na
métrica usual de Schwarzschild, obtemos por fim
r !2
2m
ds2 = −dT 2 + dr + dT + r2 dΩ2 . (4.4)
r

Esta é a métrica de Schwarzschild nas chamadas coordenadas de Painlevé-Gullstrand,


que abreviaremos por PG.
Vamos entender um pouco melhor esta métrica. Observe que as hipersuperfı́cies T =
const. têm métrica induzida

ds2 T =const. = dr2 + r2 dΩ2 ,
que é a métrica plana do espaço Euclidiano.
Passemos a analisar os raios de luz nestas coordenadas, i.e. como um observador em
queda livre os veria. Para raios de luz em movimento radial, temos
r
2 dr 2m
ds = 0 ⇒ = ±1 − .
dT r
Chamemos r± as respectivas soluções desta equação.
Vamos analisar as consequências desta expressão em dois casos:

13
• Caso r > 2m: neste caso, teremos
dr+
> 0; outgoing
dT
dr−
< 0; ingoing.
dT
Ou seja, são possı́veis raios de luz tanto se aproximando quanto se afastando do
buraco negro.

• Caso r < 2m: neste caso, por outro lado, teremos


dr±
< 0;
dT
ou seja, somente existem raios de luz se aproximando do centro do buraco negro.

Esta é a primeira instância em que vemos o raio de Schwarzschild como um horizonte


de eventos: a borda de uma região sem escapatória. Veremos mais adiante provas mais
definitivas desta propriedade.

4.3 Coordenadas de Lemaı̂tre


Outro sistema de coordenadas que por vezes é útil é o de Lemaı̂tre. Ele combina um
elemento atraente das coordenadas PG, a saber, que a coordenada de tempo é o tempo
próprio de um observador geodésico apropriado, com um elemento útil das coordenadas
de Schwarzschild, que fazem a métrica ser diagonal. Por outro lado, estas coordenadas
tornam os componentes da métrica dependentes do tempo.
Para tal fim, iremos construir coordenadas comóveis para os observadores geodésicos
aos quais as coordenadas PG são adaptadas. Um sistema de coordenadas é dito comóvel
quando observadores geodésicos possuem posição espacial constante, e portanto só evo-
luem no tempo. Uma vez que os observadores escolhidos são aqueles caindo do radialmente
do infinito, já temos θ e ϕ constantes - basta achar uma coordenada radial apropriada.
Isto costuma ser feito pelo seguinte procedimento: uma vez que nossas equações do mo-
vimento são de primeira ordem (vide (2.1) por exemplo), ao serem resolvidas elas admitem
uma constante de integração. O que fazemos é elevar esta constante à condição de uma
coordenada que se mantém constante naquele tipo especı́fico de movimento geodésico.
No caso, consideremos a equação que relaciona r ao tempo próprio τ do observador
em queda, Eq. (2.2):
2/3
3√
r 
2m
ṙ = − ⇒ r(τ ) = 2m(τ0 − τ ) .
r 2

A constante de integração é τ0 , que tem o sentido fı́sico de ser o instante em que


o observador atinge a singularidade em r = 0, medido por este mesmo observador (esta
interpretação pode não ser muito agradável; neste caso, pode-se muito bem tomar τ0 como
sendo r(0), seja este valor quanto for). Assim, τ0 é um candidato a coordenada comóvel
- seja ρ = ρ(τ, ρ) tal que
2/3
3√

r= 2m(ρ − τ ) . (4.5)
2

14
Usando a simetria entre ρ e τ na expressão acima, obtemos
r
∂r ∂r ∂r 2m
dr = dτ + dρ = (dτ − dρ) = − (dτ − dρ).
∂τ ∂ρ ∂τ r
Portanto, substituindo esta expressão na métrica de Schwarzschild usual, obtemos por
fim
2/3
3√

2 22m 2
ds = −dτ + dρ + r2 dΩ2 , r= 2m(ρ − τ ) . (4.6)
r 2

4.4 Coordenadas de Eddington-Finkelstein


As coordenadas de Painlevé-Gullstrand e Lemaı̂tre se baseiam em observadores em queda
livre. Passaremos agora a estudar métricas baseadas em propriedades de raios de luz. Elas
são interessantes pois tornam aparente a estrutura causal do espaço-tempo de Schwarzs-
child, em especial na região próxima a r = 2m.

4.4.1 A coordenada radial de Regge-Wheeler


Em coordenadas de Schwarzschild usuais, a imposição ds2 = 0 para raios de luz em
movimento radial dΩ = 0 fornece
 2  2
dt r
=
dr r − 2m
dt r
⇒ =± .
dr r − 2m

Figura 4.1: Cones de luz nas coordenadas de Schwarzschild. Seu comportamento é idêntico
ao dos cones de luz em coordenadas de Rindler. Em particular, eles se curvam indefini-
damente próximos a r = 2m, tal como no horizonte aparente em t = ±x da métrica de
Rindler.
Observe que os cones de luz nesta métrica se tornam indefinidamente finos próximo a
r = 2m, tal como acontecia nas coordenas de Rindler.

15
Gostarı́amos de achar uma coordenada radial r∗ tal que
dt
= ±1, (4.7)
dr∗
ou seja, uma coordenada que respeitasse nosso conhecimento do espaço de Minkowski
que raios de luz são inclinados de 45◦ . Pela regra da cadeia, isto significa que esta nova
coordenada r∗ - que é chamada de coordenada de Regge-Wheeler ou, em inglês,
tortoise coordinate - deve satisfazer
dr∗ r
= .
dr r − 2m
A solução para esta equação é
r

r = r + 2m ln − 1 . (4.8)

2m
Agora os raios de luz têm sempre inclinação de 45◦ . Por outro lado, só conseguimos
fazer isso “empurrando” o horizonte r = 2m para r∗ → ∞, isto é, removendo-o do espaço-
tempo.
Uma curiosidade: o nome tortoise coordinate provém do paradoxo criado pelo filósofo
grego Zeno, chamado paradoxo de Aquiles e da tartaruga, ou “Achilles and tortoise para-
dox”, em inglês.

4.4.2 Coordenadas nulas: tempo retardado e avançado


Por integração da Eq. (4.7), vem
t = ±r∗ + C,
onde C é uma constante. Seguindo o procedimento da seção anterior sobre a métrica de
Lemaı̂tre, podemos promover C a uma coordenada. Chame

u := t − r∗ (tempo retardado) (4.9)


v := t + r∗ (tempo avançado). (4.10)
Estas coordenadas são tais que um raio de luz ingoing satisfaz v = const. enquanto
um outgoing satisfaz u = const..
Com base nestas novas coordenadas, podemos substituir o tempo t por u ou v. Com
isso, obtemos duas possı́veis métricas:
 
2 2m
ds = − 1 − du2 − 2du dr + r2 dΩ2 (outgoing) (4.11)
r
 
2 2m
ds = − 1 − dv 2 + 2dv dr + r2 dΩ2 (ingoing) (4.12)
r
Estas são as formas do tensor métrico nas chamadas coordenadas de Eddington-
Finkelstein.
Claramente a componente guu ou gvv se anulam no raio de Schwarzschild (tal como nas
coordenadas de Painlevé-Gullstrand), mas fora isso, os componentes são completamente
regulares neste ponto, e o determinante da métrica será
det(gab ) = −r4 sin2 θ,
que é regular em r = 2m. Assim, a métrica inversa está bem-definida.

16
4.4.3 Cones de luz nas coordenadas de Eddington-Finkelstein
Como já é de praxe, vamos analisar o comportamento de raios de luz nas versões da
métrica de Eddington-Finkelstein:
 
2 2m
ds = 0 ⇒ 1− dv 2 = 2dvdr.
r

Existem duas possibilidades para se analisar:

1. dv/dr = 0, ou v = const. Já sabemos que este caso equivale a termos um movimento
ingoing.

2. dv/dr 6= 0, de modo que


dv 2
= .
dr 1 − 2m/r

Esta equação nos mostra, por integração direta (ou pela definição (4.8)), que v =
2r∗ + const., ou seja
u = t − r∗ = const.,
o que equivale a uma geodésica outgoing.

Uma vez feita esta análise, podemos passar a estudar os cones de luz na geometria de
Schwarzschild em coordenadas de Eddington-Finkelstein.
Novamente, os cones de luz são regulares em r = 2m. Por outro lado, existe um
comportamento interessante deles neste ponto, que veremos logo abaixo.

1. Inclinação dos cones de luz:



dv 0 (ingoing)
= 2
dr  (outgoing)
1 − 2m/r

2. Comportamento longe de r = 2m:


(
dv 0 (ingoing)

dr 2 (outgoing)

3. Aproximação r → 2m+ (vindo de fora para dentro):


(
dv 0 (ingoing)

dr ∞ (outgoing)

4. Aproximação r → 2m− (indo de dentro para fora):


(
dv 0 (ingoing)
=
dr −∞ (outgoing)

17
Figura 4.2: Cones de luz nas coordenadas de Eddington-Finkelstein.

As informações relativas a estes cálculos estão sumarizadas na Figura 4.2.


Com estas coordenadas, conseguimos pela primeira vez uma transição contı́nua (pelo
menos do ponto de vista geométrico - naturalmente dv/dr outgoing tem uma desconti-
nuidade em r = 2m, mas a geometria do cone de luz é regular em todo lugar) do cone
de luz entre as regiões r > 2m e r < 2m. Além disso, torna-se clara, de uma vez por
todas, a idéia obtida quando tratamos das coordenadas de Painlevé-Gullstrand, de que
r = 2m representa um horizonte de eventos. Com efeito, raios de luz outgoing na região
r > 2m se “inclinam para fora”, i.e. a derivada dv/dr é positiva. No infinito, o valor
desta derivada é totalmente regular, de modo que em toda esta região podemos ter raios
de luz indo e vindo livremente. Por outro lado, em r = 2m este comportamento atinge
seu valor limite, em que |dv/dr| → ∞, ou seja, a reta representando raios de luz no plano
(v, r) se torna vertical. Para r < 2m, temos agora tanto raios ingoing quanto outgoing
com dv/dr ≤ 0, o que portanto nos indica que é impossı́vel sair da região r = 2m. Toda
e qualquer curva causal (ou seja, tipo luz ou tipo tempo) está confinada à r < 2m, indo
sempre para valores cada vez menores de r.

4.5 Estendendo o espaço-tempo. O exemplo das coordenadas


de Rindler
Vamos parar por um instante de ver diferentes sistemas de coordenadas e passar a analisar
o que eles representam enquanto coleções de cartas que cobrem o espaço-tempo, visto como
uma variedade diferenciável. Em particular, tentaremos descobrir como “expandir” um
sistema de coordenadas que, após uma análise cuidadosa, se mostre limitado somente a
uma certa porção do espaço-tempo. A discussão a seguir segue a seção 6.4 de [1].
Considere a métrica bidimensional
dt2
ds2 = − + dx2 , −∞ < x < ∞, 0 < t < ∞.
t4
Preste atenção nos intervalos aos quais estão restritas as coordenadas. Nos parece, da

18
expressão acima, que a métrica admite uma singularidade em t = 0 - mas, por uma troca
inteligente de coordenadas, pode-se mostrar que esta singularidade é apenas aparente e
decorre de uma escolha ruim de sistema de coordenadas. Com efeito, faça a transformação
t → t0 = 1/t. Então

ds2 = −dt02 + dx2 , −∞ < x < ∞, 0 < t0 < ∞,

e vemos que este tensor métrico cobre somente a porção t0 > 0 ⇒ t > 0 do espaço de
Minkowski. Agora, na forma acima, não há mais por que manter a restrição t0 > 0, pois a
singularidade aparente em t0 = 0 desaparece. Deste modo, podemos “estender” o espaço-
tempo “além de t0 → ∞” acrescentando também a região t0 ≤ 0. Com este exemplo,
podemos ver como é perigoso entender coordenadas como grandezas fı́sicas (tempo ou
espaço), e também como transformações apropriadas de sistemas de coordenadas nos
revelam propriedades do espaço-tempo por vezes oculatas no sistema original. Foi graças
a estas transformações que mostramos que a métrica de Schwarzschild não é singular em
r = 2m.
Nem sempre a melhor transformação que nos permita expandir o espaço-tempo vem
tão de graça quanto no caso acima. Vamos então voltar à Relatividade Restrita e analisar
a métrica de Rindler (3.3):

ds2 = −ρ2 dη 2 + dρ2 , −∞ < η < ∞, 0 < ρ < ∞.

Observe bem a limitação da coordenada espacial ρ, que não consegue atingir o valor
ρ = 0 (pois o determinante da métrica se anula em ρ = 0, logo a métrica inversa está
mal-definida nesta superfı́cie). Suponhamos que esta métrica tenha sido simplesmente nos
dada e ainda não saibamos o que ela representa. Nosso objetivo é entender seu sentido
fı́sico e como/se é possı́vel extendê-la, ou seja, se é possı́vel contornar singularidades
decorrentes de uma má escolha do sistema de coordenadas.
Não existe uma maneira geral de fazer isso; cada caso é especı́fico. Por outro lado,
no caso de apenas duas coordenadas (espaços-tempos bidimensionais), existe um método
bastante abrangente de analisar singularidades de sistemas de coordenadas. Em duas
dimensões, em geral é possı́vel dividir geodésicas nulas em outgoing e ingoing, que não
têm como se interceptar sem serem coincidentes - e, logo, não geram novas singularidades
coordenadas. Portanto, nosa estratégia é introduzir coordenadas nulas - exatamente tais
como as u e v das coordenadas de Eddington-Finkelstein - que sejam constantes ao longo
de raios de luz.
Vamos fazer isto para a métrica de Rindler. Impondo a condição de intervalo nulo,
obtemos a relação
dη 1
=± ,
dρ ρ
de onde
η = ± ln ρ + const.
O sinal + se refere a geodésicas outgoing (com dη/dρ > 0) e o de menos a geodésicas
ingoing. Tal como no caso de Eddington-Finkelstein, vamos aproveitar as constantes de
integração e promovê-las a coordenadas:

u = η − ln ρ

v = η + ln ρ,

19
que satisfazem u = const. ao longo de geodésicas outgoing e v = const. ao longo de
geodésicas ingoing.
Nestas coordenadas, a métrica toma a forma (verifique!)

ds2 = −ev−u du dv, −∞ < u, v < ∞. (4.13)

Mesmo nestas coordenadas, veja que ainda não conseguimos atingir o ponto ρ = 0,
fazendo u e v percorrerem todos os reais. Por outro lado, podemos agora obter novas
transformações que extendem as geodésicas originais.
Sejamos sistemáticos. Usemos o fato que ∂/∂η é um vetor de Killing do espaço-tempo
original (que, lembramos, corresponde à simetria por boosts da Relatividade Restrita),
para obter a grandeza conservada
 
∂ dη
E = −g u, = ρ2 ,
∂η dλ
onde u = u(λ) é o vetor tangente às geodésicas consideradas, com λ seu parâmetro afim.
Para termos esta equação em termos de u e v ao invés de ρ e η, notamos das transformações
acima que
ρ = e(v−u)/2
u+v
η= ,
2
de modo que  
v−u d u+v
E=e .
dλ 2
Para geodésicas outgoing tipo luz, temos u = const. e logo podemos fazer
Z  −u 
1 v−u e
λ= e dv = C + ev , C = const.
2E 2E

Como λ é um parâmetro, podemos sem problemas escolher λout = e−v , dada a ex-
pressão acima, para geodésicas nulas outgoing. Cálculo análogo fornece λin = −e−u para
geodésicas nulas ingoing. Vamos agora promover estes parâmetros a coordenadas - afinal
de contas, os raios de luz não terão - supõe-se - nenhuma limitação fı́sica nas singulari-
dades que forem somente devido a coordenadas, de modo que λin/out serão finitos mesmo
que as coordenadas atinjam valores infinitos (isto é idêntico ao caso das coordenadas de
Painlevé-Gullstrand: o observador em queda atingia o horizonte de eventos em tempo
próprio τ , que era o parâmetro afim de seu movimento, finito, ainda que a coordenada t
explodisse neste ponto). Deste modo, fazemos as transformações de coordenadas

U = −e−u , V = ev .

Com isso, a métrica toma a forma

ds2 = −dU dV, U < 0, V > 0.

Os intervalos das coordenadas U e V podem ser obtidos com um pouco de esforço.


Nestas coordenadas, por fim, podemos estender o espaço-tempo original! Deixamos então
que U e V varram todos os números reais. A transformação final de coordenadas
V −U U +V
x= , t=
2 2

20
põe a métrica na forma

ds2 = −dt2 + dx2 , −∞ < t, x < ∞.

Assim, nosso espaço-tempo estendido é o próprio espaço de Minkowski, como sabı́amos


de antemão. Além disso, uma cadeia de transformações de coordenadas leva às conversões
finais √
ρ = x2 − t2
t
η = tanh−1 ,
x
como bem sabı́amos da teoria da métrica de Rindler. Destas transformações, novamente
verificamos que o espaço-tempo original correspondia ao vértice x > |t| do espaço de
Minkowski.

4.6 O espaço-tempo de Schwarzschild: coordenadas de Kruskal-


Szekeres
Vamos repetir o argumento feito para a métrica de Rindler, acima, para a métrica de
Schwarzschild nas coordenadas nulas de Eddington-Finkelstein. Para isso, escreveremos
o tensor métrico apenas como função de u e v, se misturar com as coordenadas antigas t
e r.
Lembremos as transformações (4.9) e (4.10):

u = t − r∗ , v = t + r∗ .

Destas, vêm as transformações inversas


u+v r v−u
t= , r + 2m ln − 1 = r∗ = . (4.14)

2 2m 2
Observe que r agora é uma função implı́cita de u e v. Do fato que dr∗ /dr = 1/(1 −
2m/r), obtemos  
2m dv − du
dr = 1 − ,
r 2
e um cálculo simples revela que a métrica de Schwarzschild passa à forma
 
2 2m
ds = − 1 − du dv. (4.15)
r
Precisamos agora achar a transformação que retire a singularidade em r = 2m. Antes,
vamos simplificar um pouco mais a métrica usando a transformação inversa para r dada
em (4.14): r v−u
r + 2m ln − 1 = .

2m 2
Tome a exponencial dos dois lados e isole o termo r/2m − 1, obtendo
r
− 1 = e−r/2m e(v−u)/4m .
2m
Pondo r/2m em evidência vem
2m 2m −r/2m (v−u)/4m
1− = e e ,
r r

21
que podemos substituir em (4.15):

2m e−r/2m (v−u)/4m
ds2 = − e du dv. (4.16)
r
Comparando com o caso de Rindler, Eq. (4.13), podemos supor uma transformação
da forma
U = −e−u/4m , V = ev/4m .
Fazendo isso, a métrica se torna

32m3 e−r/2m
ds2 = − dU dV.
r
Não há mais singularidade em r = 2m, que corresponde a U = 0 ou V = 0. Podemos
então finalmente estender U e V para percorrerem todos os valores compatı́veis com
r > 03 . A transformação final
U +V V −U
T = , X=
2 2
fornece a chamada métrica na forma de Kruskal-Szekeres:

32m3 −r/2m
ds2 = e (−dT 2 + dX 2 ) + r2 dΩ2 , (4.17)
r
em que a coordenada r relaciona-se a X e T por (verifique!)
 r 
− 1 er/2m = X 2 − T 2 . (4.18)
2m
A condição r > 0 traduz-se, portanto, como

T 2 − X 2 < 1.

Um modo de manter a assinatura na forma (−, +, +, +) (sem ter a inversão (+, −, +, +)


em nenhum momento) e que nos permite obter as coordendas de Kruskal-Szekeres dire-
tamente é o abaixo:
• Para r > 2m:  r 1/2 t
T = −1 er/4m sinh
2m 4m
 r 1/2 t
X= −1 er/4m cosh ;
2m 4m
• Para r < 2m:  r 1/2 r/4m t
T = 1− e cosh
2m 4m
 r  1/2 t
X = 1− er/4m sinh .
2m 4m
3
A singularidade em r = 0 é real. O cálculo do escalar de Kretschmann da métrica de Schwarzschild
resulta
48m2
Rabcd Rabcd = ,
r6
que possui uma singularidade em r = 0 independente do sistema de coordenadas considerado.

22
Referências
[1] Robert M. Wald, General Relativity, The Chicago University Press, 1984.

[2] M. Blau, Lecture Notes on General Relativity.


Disponı́vel em http://www.blau.itp.unibe.ch/lecturesGR.pdf. Acesso em
8/11/2012.

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