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Aula 6: 24 de junho 6-1

Curso: Relatividade 01/2019

Aula 6: 24 de junho
Profa. Raissa F. P. Mendes

6.5 Geometria no interior de uma estrela esférica

Vimos que o elemento de linha de um espaço-tempo esfericamente simétrico e estático pode ser
escrito como:
ds2 = −f (r)dt2 + h(r)dr2 + r2 (dθ2 + sin2 θdφ2 ) (6.12)
e que o tensor de Einstein para essa métrica tem componentes
1
G00 = f [r(1 − h−1 )]0 ,
r2
1 f0
G11 = − 2 h(1 − h−1 ) + ,
r rf
"  0 2 #
r 2 f 00 f 0 1 f h0 f 0 h0
G22 = sin−2 θG33 = + − − − ,
2h f rf 2 f rh 2f h

onde 0 ≡ d/dr. Fora da estrela, Tµν = 0 e vimos que a solução das equações de Einstein no vácuo,
Gµν = 0, nos dá a métrica de Schwarzschild, tal que f (r) = h(r)−1 = 1 − 2M/r, onde M é a massa
do objeto central.
Agora queremos encontrar soluções das equações de Einstein na presença de matéria, mas ainda
assumindo estaticidade e simetria esférica do fluido. Se o fluido é estático, isso significa que a
quadri-velocidade dos elementos de fluido tem apenas uma componente não nula, t
µ ν t
√ u . A condição
de normalização da quadri-velocidade, gµν u u = −1, implica que u = 1/ f . Portanto, nas
coordenadas {t, r, θ, φ}, o tensor de energia-momento tem as seguinte componentes não nulas:

Ttt = f, Trr = ph, Tθθ = pr2 , Tφφ = pr2 sin2 θ.

O próximo passo é combinar essas informações nas equações de Einstein Gµν = 8πTµν . Com a
definição m(r) ≡ (r/2)(1 − h(r)−1 ), a componente tt das equações de Einstein pode ser escrita
como
dm
= 4πr2 . (6.13)
dr
Com a definição f (r) ≡ e2Φ(r) , a componente rr nos dá:

dΦ m + 4πr3 p
= . (6.14)
dr r(r − 2m)
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Além disso, a componente r da lei de conservação ∇ν T µν = 0 leva a

dp dΦ m + 4πr3 p
= −(ρ + p) = −(ρ + p) . (6.15)
dr dr r(r − 2m)

Essa equação é chamada equação de Tolman-Oppenheimer-Volkoff (TOV) e determina a estrutura


interna de uma estrela esférica. As demais componentes da lei de conservação do tensor de energia
momento, bem como as componentes θθ e φφ das equações de Einstein ou são triviais ou são
redundante com as expressões acima.

6.5.1 A equação de estado

Note que temos três equações, (6.13), (6.14) e (6.15) para quatro incógnitas: p, , m e Φ. Claramente
não poderı́amos esperar que as equações de Einstein determinassem completamente a estrutura de
uma estrela sem termos dado informação alguma sobre sua composição! Essa informação adicional
é fornecida pela equação de estado. A equação de estado é uma relação entre a pressão e, por
exemplo, densidade e entropia (ou temperatura): p = p(n, s).
Por exemplo, o interior de uma estrela comum, como o Sol, contém uma mistura de ı́ons, elétrons e
radiação. Se tratamos ı́ons e elétrons como um gás ideal, temos Pgas = (ni + ne )kT . A pressão de
radiação (considerando a estrela como um corpo negro) é dada por Pr = aT 4 /3. Esses são exemplos
de equações de estado.
No entanto, as leis Newtonianas são suficientes para descrevermos uma estrela pouco densa, como
o Sol. A RG se torna essencial, contudo, na descrição de estrelas mais compactas, como anãs
brancas e estrelas de nêutrons. O que contrabalança a força gravitacional nesses objetos não é uma
pressão de origem térmica, mas a pressão de degenerescência de elétrons (no caso de anãs brancas)
e nêutrons (no caso de estrelas de nêutrons). Essa pressão tem origem no princı́pio da exclusão de
Pauli, que restringe os estados quânticos que podem ser ocupados por férmions (ver a Sec. 24.1 do
Hartle ou a Sec. 10.7 do Schutz). Para um gás de férmions a temperatura nula, temos que

3~2 ~2
 = mc2 n + (3π 2 )2/3 n5/3 , p= (3π 2 )2/3 n5/3
10m 5m
se os férmions são não relativı́sticos e
3 1
 = (3π 2 )1/3 ~cn4/3 , p = (3π 2 )1/3 ~cn4/3
4 4
se são relativı́sticos. Esses são outros exemplos de equações de estado, que serão implicitamente
usadas adiante.

6.5.2 Estrutura de estrelas Newtonianas

Antes de resolvermos as equações relativı́sticas de equilı́brio hidrostático em casos simples, vale a


pena recordar alguns pontos sobre a estrutura de estrelas Newtonianas. O ponto de partida é a
~ v = −∇p
equação de Euler, ρ(∂t + ~v · ∇)~ ~ + ρ∇φ, ~ e a equação de Poisson, ∇2 φ = 4πGρ. Como o
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fluido é estático, ~v = 0 e, sendo esfericamente simétrico, p = p(r), ρ = ρ(r) e φ = φ(r). Temos,


portanto:  
dp dφ 1 d 2 dφ
= −ρ , r = 4πGρ.
dr dr r2 dr dr
Definimos: Gm(r) ≡ r2 dφ/dr, de modo que as equações acima se tornam
dm dp Gm
= 4πr2 ρ, = −ρ 2 . (6.16)
dr dr r
A quantidade m(r) tem a interpretação de massa contida dentro de uma esfera de raio r, já que
Z r
m(r) = 4πr02 dr0 ρ(r0 ).
0

A massa total é dada por M = m(R), onde R é o raio da estrela.


Note que a Eq. (6.13) é muito semelhante à equação Newtoniana para dm/dr; apenas a densidade
de energia entra no lugar da densidade de massa. No entanto, a Eq. (6.13) não dá a m (no caso
relativı́stico) a interpretação de energia contida numa esfera de raio r, pois no caso relativı́stico o
elemento de volume próprio não seria 4πr2 dr, mas 4πr2 eΛ dr!
Para auxiliar na discussão a seguir, vamos considerar o caso de uma estrela com densidade constante,
ρ = ρ0 . É fácil mostrar que a solução nesse caso é dada por

m = M (r/R)3 , p = pc [1 − (r/R)2 ],

onde M = 4πR3 ρ0 /3 e pc = 3GM 2 /(8πR4 ). Note que a pressão central é finita para qualquer valor
de M e R: dada qualquer massa e qualquer raio, há sempre uma pressão que poderia a princı́pio
ser aplicada de forma a sustentar aquela configuração em equilı́brio estático.

6.5.3 Solução com densidade constante

Comparando a expressão relativı́stica para dP/dr, Eq. (6.15) com a expressão Newtoniana, vemos
que o lado direito da expressão relativı́stica é sempre maior em magnitude que o lado direito da
expressão Newtoniana. Isso significa que, dado um perfil de densidade, a pressão central necessária
para manter o equilı́brio em RG é sempre maior que na teoria Newtoniana: é mais difı́cil manter
o equilı́brio em RG! Isso é bem ilustrado se consideramos configurações com densidade constante,
 = 0 . Nesse caso, obtemos:
4
m(r) = πr3 0 (r ≤ R). (6.17)
3
Nesse caso, a equação de TOV pode ser integrada exatamente, e obtemos:
" #
(1 − 2M/R)1/2 − (1 − 2M r2 /R3 )1/2
p(r) = 0 . (6.18)
(1 − 2M r2 /R3 )1/2 − 3(1 − 2M/R)1/2

Portanto, a pressão central necessária para o equilı́brio de uma estrela com densidade constante é
" #
1 − (1 − 2M/R)1/2
pc = 0 . (6.19)
3(1 − 2M/R)1/2 − 1
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Para M/R  1, recuperamos o resultado Newtoniano. Mas vemos que pc → ∞ quando R =


9M/4. Ou seja, em RG, estrelas com densidade de energia uniforme e com massa maior que 4R/9
simplesmente não podem existir!
O resultado é mais forte do que esse contexto sugere: a existência de um limite superior na massa
de uma estrela não é um artefato de estarmos considerando soluções com densidade constante. De
fato, se assumirmos apenas que a densidade é positiva e uma função monotonicamente decrescente
de r, então podemos mostrar (ver, por exemplo, o Wald) que, para estrelas com raio R fixo, a maior
massa possı́vel é dada pelo valor obtido à densidade constante, Mmax = 4R/9!

6.5.4 Integrando as equações de equilı́brio hidrodinâmico:


sequências de equilı́brio estelar

As equações (6.13), (6.14) e (6.15) formam um sistema de equações diferenciais ordinárias de


primeira ordem e, quando acrescidas de uma equação de estado, podem ser resolvidas por métodos
numéricos usuais. O procedimento segue os seguintes passos:

1. Comece no centro, r = 0 com um valor qualquer para a densidade, c . O valor central da


pressão é determinado pela equação de estado. O valor central de m deve ser zero. Para ver
isso, considere uma pequena esfera ao redor da origem com raio r = . A circunferência dessa
esfera é 2π e o raio próprio é |grr |1/2 , de modo que a razão entre a circunferência e o raio
é 2π|grr |−1/2 . Logo, para o espaço-tempo ser localmente plano ao redor da origem, é preciso
que grr (r = 0) = 1 e, consequentemente, m(0) = 0.

2. Integre as equações numericamente para valores maiores de r. Temos que dp/dr < 0, de modo
que a pressão diminui monotonicamente. A função de massa m cresce monotonicamente.
Eventualmente, chegamos a um valor de r para o qual a pressão se anula. A condição
p(R) = 0 define o raio da estrela, e aı́ paramos a integração. Como fora da estrela a métrica
é a de Schwarzschild, continuidade da métrica interna e externa requer que m(R) = M .

3. Podemos repetir esse procedimento para vários valores de c de modo a construir uma famı́lia
de estrelas estáticas com uma dada equação de estado.

4. Para completar a determinação do espaço-tempo, a equação (6.14) pode ser integrada a partir
da superfı́cie, quando φ(R) = (1/2) log(1 − 2M/R), até r = 0.

Para construirmos soluções de equilı́brio realistas, precisamos incorporar informações sobre a equa-
ção de estado das estrelas. Aqui, não vamos fazer isso quantitativamente, mas apenas discutir
alguns aspectos qualitativos. A massa M e o raio R de configurações de equilı́brio de matéria
fria com densidades centrais entre ∼ 105 g/cm3 e 1017 g/cm3 estão representados esquematica-
mente na figura abaixo (os números representam log10 [ρc (g/cm3 )]). Há duas regiões de equilı́brio
estável, indicadas por linhas sólidas. Corpos no segmento estável de densidade mais baixa são anãs
brancas. Como mostrado originalmente por Chandrasekhar, a massa máxima de anãs brancas é
Mc ≈ 1.4(2/µN )M , onde µc é o número de núcleons por elétron. Corpos no segmento estável de
densidade mais alta são estrelas de nêutrons. Devido às incertezas sobre a equação de estado em
densidades supranucleares, há ainda alguma incerteza sobre a massa máxima desses objetos, mas
há evidências que indicam que esteja entre 2 e 2.5 massas solares. Configurações tracejadas são
instáveis por perturbações radiais e não existem na natureza. A existência de uma massa máxima
que pode ser suportada por pressões não térmicas tem consequências muito importantes para a
evolução estelar!

A vida de uma estrela é uma história de disputa entre a força gravitacional (de contração) e as
forças expansivas dos gases aquecidos pelo processo de queima termonuclear. Uma estrela começa
sua vida com o colapso gravitacional de nuvens interestelares de gás, que são predominantemente
formadas de H e He 14 . O aquecimento devido à compressão aumenta a temperatura do núcleo
até dar inı́cio ao processo de fusão nuclear, que queima H em He e libera energia. A estrela então
alcança um estado estacionário em que a força gravitacional é contrabalançada pela pressão do gás
e da radiação. Quando a queima de H não é mais suficiente para manter o equilı́brio, a contração
recomeça. Isso novamente aumenta a temperatura do núcleo até que He começa a se fundir e
formar outros elementos, como C e O. O fluxo de energia é tão grande que as camadas externas da
estrela se expandem: o objeto é chamado de gigante vermelha. Esse processo de contração e queima
continua, mas não indefinidamente. Dos elementos da tabela periódica, o 56 Fe tem a maior energia
de ligação por nucleon. Dessa forma, o fim da queima termonuclear ocorre quando um núcleo de
Fe se forma na estrela. O que acontece então? Existem duas possibilidades! Ou a estrela termina
num estado de equilı́brio em que a gravidade é contrabalançada por pressões de origem não térmica
ou ela continua colapsando gravitacionalmente. Estrelas pouco massivas, como o Sol, viram anãs
brancas, nas quais a força gravitacional é contrabalançada pela pressão de degenerescência dos
elétrons. Estrelas mais massivas continuam contraindo. Durante esse processo, as camadas mais
externas podem se chocar contra o núcleo, gerando uma explosão de supernova. O objeto final pode
ser uma estrela de nêutrons, em que prótons e elétrons se combinaram em nêutrons pelo processo
de captura de elétrons (p + e− → n + νe ) e em que a gravidade é contrabalançada pela pressão de
degenerescência dos nêutrons. No entanto, vimos que a massa máxima de uma estrela de nêutrons
é por volta de 2.5M ! Isso significa que um núcleo mais massivo não pode ser sustentado por esse
tipo de pressão e deve continuar a colapsar. O resultado do colapso é um buraco negro!
14
H e He formam cerca de 74% e 24% de toda a massa bariônica do universo!

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