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Licenciatura em Física - Campus Natal/Central

Prof. Tibério Alves, D. Sc.


Eletromagnetismo Clássico I - 2019.2
Complemento II - A equação de Laplace em coordenadas cilíndricas

6 de setembro de 2019

Resumo
Neste complemento, vamos estudar a equação de Laplace em coordenadas cilíndricas
encontrando sua solução geral e, posteriormente, resolver o problema do cilindro condutor
muito longo posto em campo elétrico inicialmente uniforme.

1 Equação de Laplace em coordenadas cilíndricas


A equação de Laplace em coordenadas cilíndricas se apresenta através do operador Laplaciano
nestas coordenadas, ou seja,
 2 
∂2
 
2 1 ∂ ∂ 1 ∂
∇ = ρ + 2 + . (1)
ρ ∂ρ ∂ρ ρ ∂φ2 ∂z 2
Iremos nos ater a problemas com total simetria na coordenada z, de tal forma que V = V (ρ, φ).
Isto reduz a equação de Laplace para

1 ∂2V
   
1 ∂V ∂V
ρ + 2 = 0. (2)
ρ ∂ρ ∂ρ ρ ∂φ2
Podemos recorrer ao método de separação de variáveis para V , de tal maneira que V (ρ, φ) =
R(ρ)Φ(φ), o que conduz a equação

R ∂2Φ
   
Φ ∂ ∂R
ρ + 2 = 0, (3)
ρ ∂ρ ∂ρ ρ ∂φ2
onde podemos multiplicar a equação por ρ2 /RΦ, chegando à

1 ∂2Φ
   
ρ ∂ ∂R
ρ + = 0. (4)
R ∂ρ ∂ρ Φ ∂φ2
Vamos escolher uma constante de separação do tipo k 2 , cujas razões ficarão claras adiante. Sendo
assim, temos duas equações diferenciais ordinárias a serem resolvidas, ou seja,

d2 R dR
ρ2 2
+ρ − Rk 2 = 0, (5)
dρ dρ

∂2Φ
+ k 2 Φ = 0. (6)
∂φ2
Inicialmente, resolveremos ambas as equações para k = 0, isto é,
 
ρ d dR
ρ = 0, (7)
R dρ dρ

1
∂2Φ
= 0. (8)
∂φ2
A equação radial tem solução R(ρ) = A0 + B0 ln ρ e a equação em φ possui solução linear Φ(φ) =
C0 + D0 φ. Vamos trabalhar com sistemas físicos que obedeçam a condições de contorno periódicas,
de tal forma que Φ(φ) = Φ(φ+2π). Sendo assim, a solução linear em φ não se aplica a esta condição,
o que nos permite escreve que, para k = 0, temos a solução

V (ρ, φ) = A0 + B0 ln ρ. (9)
Note que esta solução está associada a um potencial elétrico de um fio muito longo e fino com
densidade linear de carga uniforme.
Vamos resolver agora para um k arbitrário. A equação 5 é um equação do tipo Cauchy-Euler
e a equação 6 é uma equação harmônica. A equação de Cauchy-Euler pode ser resolvida através
da substituição ρ = et . Sendo assim, usando a regra da cadeia,
dR dt dR 1 dR
= = (10)
dρ dρ dt ρ dt

d2 R 1 dR d2 R
 
=− 2 − 2 . (11)
dρ2 ρ dt dt
Substituindo as equações 10 e 11 em 5, obtemos a seguinte equação,

d2 R
− Rk 2 = 0, (12)
dt2
cuja equação característica é

λ2 − k 2 = 0, (13)
ficando claro que a escolha da constante de separação conduziu à raízes que são quadrados perfeitos.
As soluções são então

λ+ = k , λ− = −k, (14)
de tal maneira que a solução radial toma então a seguinte forma,

R(ρ) = Aρk + Bρ−k . (15)


A equação harmônica 6 possui a seguinte solução

Φ(φ) = C sin kφ + D cos kφ, (16)


o que nos permite escrever a solução geral para a equação de Laplace em coordenadas cilíndricas
X
Ak ρk + Bk ρ−k (Ck sin kφ + Dk cos kφ) .

V (ρ, φ) = A0 + B0 ln ρ + (17)
k6=0

É interessante notar também que as soluções sin kφ e cos kφ obedecem a uma relação de
ortogonalidade, ou seja,
Z 2π
0, para k 6= k 0

sin kφ sin k 0 φ dφ = (18)
0 π, para k = k 0 ,
Z 2π
0, para k 6= k 0

0
cos kφ cos k φ dφ = (19)
0 π, para k = k 0 ,
Z 2π
sin kφ cos k 0 φ dφ = 0, ∀ k, k 0 . (20)
0

2
Exemplo 1. Um cilindro metálico muito longo com seu eixo coincidindo com o eixo z e de raio
a é imerso em campo elétrico inicialmente uniforme dado por E ~ = E0 x̂ e potencial elétrico
V (ρ, φ) = −E0 ρ cos φ. Determine o campo e potencial elétrico externos ao cilindro e a densidade
superficial de carga induzida no cilindro.

Solução: As condições de contorno são:

(i) V (ρ = a, φ) = 0
(ii) lim V (ρ, φ) = −E0 ρ cos φ
ρa

Aplicando a condição (i), temos


X
Ak ak + Bk a−k (Ck sin kφ + Dk cos kφ) = 0.

V (ρ = a, φ) = A0 + B0 ln a + (21)
k6=0

Para que esta equação tenha solução independente da variável φ, e também seja finita, temos que
A0 = B0 = Ak ak + Bk a−k = 0, de onde tiramos que Bk = −Ak a2k (k 6= 0). Nossa solução se reduz
a

a2k
X  
k
V (ρ, φ) = Ak ρ − k (Ck sin kφ + Dk cos kφ) . (22)
ρ
k6=0

Aplicando a condição (ii), temos


X
lim V (ρ, φ) = Ak ρk (Ck sin kφ + Dk cos kφ) = −E0 ρ cos φ. (23)
ρa
k6=0

Devido a ortogonalidade das funções cos kφ e sin kφ, fica claro que todos os coeficientes de sin kφ,
ou seja, os Ck devem ser todos nulos, o que reduz a equação acima para
X 0
Ak ρk cos kφ = −E0 ρ cos φ, (24)
k6=0
0
onde aglutinamos Ak = Ak Dk . Novamente, por argumentos de ortogonalidade, temos que apenas
0
um Ak que é diferente de zero, ou seja, aquele para o qual k = 1, de onde tiramos que
0
A1 ρ cos φ = −E0 ρ cos φ, (25)

0
A1 = −E0 . (26)
A nossa solução, que obedece as condições de contorno do problema, é então dada por

a2
 
0
V (ρ, φ) = A1 ρ − cos φ. (27)
ρ
 2 #
"
a
V (ρ, φ) = −E0 ρ 1 − cos φ . (28)
ρ

~ = −∇V , o que conduz à


Podemos determinar o campo elétrico através de E

~ = − ∂V ρ̂ − 1 ∂V φ̂
E (29)
∂ρ ρ ∂φ
"  2 # "  #
2
~ = E0 a a
E 1+ cos φ ρ̂ + E0 − 1 sin φ φ̂ . (30)
ρ ρ

Uma visualização gráfica para esta campo e suas linhas de campo se encontra na figura 1(a) a
seguir.

3
Podemos determinar também a densidade superficial de carga polarizada na superfície
cilíndrica. Vamos usar a equação para descontinuidade da componente normal do campo elétrico
em uma interface, isto é,
acima abaixo σ
E⊥ − E⊥ = . (31)
0
Imediatamente acima da superfície do cilindro (ρ = a) só temos componente radial, fato já esperado
~ = 2E0 cos φ ρ̂. Sendo assim, E acima = 2E0 cos φ e E abaixo = 0,
para um condutor, de valor igual a E ⊥ ⊥
o que conduz à

σ(φ) = 20 E0 cos φ . (32)

Uma visualização gráfica para esta densidade superficial de carga se encontra na figura 1(b) a
seguir.

(a) (b)

Figura 1: Em (a), temos a configuração do campo elétrico e linhas de campo distorcidas vistas através do eixo z,
ou seja, no plano x-y devido à indução de carga na superfície do cilindro. Em (b), temos o mapeamento colorido
da densidade superficial de carga induzida σ(φ)/20 E0 para um corte do cilindro.

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