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Capı́tulo 5

A Equação de Laplace

A solução de estado estacionário para a equação do calor em um aberto Ω ⊂ R2

ut = K∆u

(ou seja, ut = 0) é a equação homogênea


∆u = 0. (5.1)
Esta é chamada a equação de Laplace. Como não há dependência com o tempo, problemas envolvendo
a equação de Laplace não possuem condições iniciais, mas apenas uma condição de fronteira, que pode ser
uma condição de Dirichlet: ½
∆u = 0 se (x, y) ∈ Ω,
(5.2)
u(x, y) = f (x, y) se (x, y) ∈ ∂Ω,
uma condição de Neumann: 
 ∆u = 0 se (x, y) ∈ Ω,
∂u (5.3)
 (x, y) = f (x, y) se (x, y) ∈ ∂Ω,
∂η
ou uma condição mista, especificando uma condição de Dirichlet em uma parte da fronteira e uma condição
de Neumann na outra parte, e mesmo uma condição de Robin mais geral:

 ∆u = 0 se (x, y) ∈ Ω,
∂u (5.4)
 a (x, y) u (x, y) + b (x, y) (x, y) = f (x, y) se (x, y) ∈ ∂Ω.
∂η

. Quando há geração ou absorção de calor interna independente do tempo

ut = K∆u + q(x),

a solução de estado estacionário é a solução da equação de Laplace não-homogênea, também chamada


equação de Poisson
∆u = f (x) .
Além de descrever a distribuição de temperaturas no estado estacionário, a equação de Laplace descreve
diversos outros fenômenos fı́sicos de equilı́brio Também o potencial escalar de um campo vetorial conservativo,
tal como o campo elétrico, o campo gravitacional ou o campo de velocidades do escoamento de um fluido
irrotacional, pode ser escrito como a solução de uma equação de Poisson.

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Rodney Josué Biezuner 135

5.1 Solução da Equação de Laplace no Retângulo


Vamos resolver o problema de Dirichlet para a equação de Laplace em um domı́nio retangular através do
método de separação de variáveis e séries de Fourier. Em um retângulo, R = [0, a] × [0, b], o problema de
Dirichlet geral para a equação de Laplace se escreve na forma:

 uxx + uyy = 0 se 0 < x < a e 0 < y < b,
u(x, 0) = f1 (x), u(x, b) = f2 (x) se 0 6 x 6 a, (5.5)

u(0, y) = g1 (y), u(a, y) = g2 (y) se 0 6 y 6 b.
Por linearidade, se u1 , u2 , u3 , u4 são respectivamente soluções dos problemas de Dirichlet particulares
 
 uxx + uyy = 0  uxx + uyy = 0
u(x, 0) = f1 (x), u(x, b) = 0 , u(x, 0) = 0, u(x, b) = f2 (x) ,
 
u(0, y) = u(a, y) = 0 u(0, y) = u(a, y) = 0
 
 uxx + uyy = 0  uxx + uyy = 0
u(x, 0) = u(x, b) = 0 , u(x, 0) = u(x, b) = 0 ,
 
u(0, y) = g1 (y), u(a, y) = 0 u(0, y) = 0, u(a, y) = g2 (y)

então
u = u1 + u2 + u3 + u4 .
Para obter a solução geral do problema de Dirichlet, basta portanto resolver cada um dos quatro problemas
acima. À tı́tulo de exemplo, vamos resolver o segundo explicitamente:

 uxx + uyy = 0 se 0 < x < a e 0 < y < b,
u(x, 0) = 0, u(x, b) = f2 (x) se 0 6 x 6 a,

u(0, y) = u(a, y) = 0 se 0 6 y 6 b.

Escrevendo
u(x, y) = F (x)G(y),
segue que F 00 (x)G(y) + F (x)G00 (y) = 0 e portanto

F 00 (x) G00 (y)


=− = σ.
F (x) G(y)

As condições de fronteira implicam as seguintes condições sobre as equações diferenciais ordinárias acima:

u(x, 0) = 0 =⇒ F (x)G(0) = 0 =⇒ G(0) = 0,


u(0, y) = 0 =⇒ F (0)G(y) = 0 =⇒ F (0) = 0,
u(a, y) = 0 =⇒ F (a)G(y) = 0 =⇒ F (a) = 0.

Logo, ½
F 00 (x) − σF (x) = 0,
F (0) = F (a) = 0,
e ½
G00 (y) + σG(y) = 0,
G(0) = 0.
As autofunções do primeiro problema são

nπx n2 π 2
Fn (x) = sen para σn = .
a a2
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A solução geral do segundo problema (de valor inicial) é conveniente escrever na forma
nπy nπy
G(y) = c1 cosh + c2 senh
a a
porque a condição G(0) = 0 implica que c1 = 0. Assim, as soluções obtidas através de separação de variáveis
são os produtos
nπx nπy
sen senh .
a a
A solução u2 do segundo problema será a função

X nπx nπy
u2 (x, y) = bn sen senh ,
n=1
a a
onde Z a
2 nπx
bn = f2 (x) sen dx,
nπb 0 a
a senh
a
pois
X∞ µ ¶
nπb nπx
f2 (x) = u2 (x, b) = bn senh sen .
n=1
a a
nπb
É mais conveniente, para efeitos de memorização, incorporar a constante senh na solução, escrevendo-a
a
na forma
nπy
nπx senh a
X∞
u2 (x, y) = bn sen (5.6)
a nπb
n=1 senh
a
de modo que Z
2 a nπx
bn = f2 (x) sen dx (5.7)
a 0 a
tem a forma padrão dos coeficientes da série de Fourier.
De maneira análoga, obtemos as soluções para os outros problemas:
nπ(b − y) Z
nπx senh

X a
a 2 nπx
u1 (x, y) = an sen , an = f1 (x) sen dx, (5.8)
a nπb a 0 a
n=1 senh
a
nπ(a − x) Z
X∞ senh nπy 2 b
nπy
u3 (x, y) = cn b sen , cn = g1 (y) sen dy, (5.9)
nπa b b b
n=1 senh 0
b
nπx Z
X∞ senh nπy 2 b
nπy
u4 (x, y) = dn b
nπa sen b , dn = b
g2 (y) sen
b
dy. (5.10)
n=1 senh 0
b
Portanto, a solução do problema de Dirichlet (5.5) é
nπ(b − y) nπy
nπx senh senh

X X∞
a nπx a
u(x, y) = an sen + bn sen (5.11)
a nπb a nπb
n=1 senh n=1 senh
a a
nπ(a − x) nπx
nπy senh nπy senh b
X∞ X∞
+ cn sen b + d sen ,
b nπa n
b senh nπa
n=1 senh n=1
b b
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com os coeficientes an , bn , cn , dn dados pelas expressões acima.

5.1.1 Exercı́cios
Exercı́cio 5.1. Resolva o problema de Neumann

 uxx + uyy = 0 se 0 < x < a e 0 < y < b,
uy (x, 0) = f (x), uy (x, b) = 0 se 0 6 x 6 a,

ux (0, y) = ux (a, y) = 0 se 0 6 y 6 b.
Por que é necessário assumir Z a
f (x) dx = 0
0
para que este problema tenha solução? Além disso, observe que a solução só está determinada a menos
de uma constante (leia o enunciado da Proposição 5.4).
Exercı́cio 5.2. Resolva os seguintes problemas de fronteira para a equação de Laplace no retângulo. Veri-
fique que condições os dados de fronteira devem satisfazer para existir solução e se a solução que você
obteve é única ou única a menos de uma constante.

 uxx + uyy = 0 se 0 < x < a e 0 < y < b,
(a) u y (x, 0) = f 1 (x), u y (x, b) = f2 (x) se 0 6 x 6 a,

u(0, y) = g1 (y), u(a, y) = g2 (y) se 0 6 y 6 b.

 uxx + uyy = 0 se 0 < x < a e 0 < y < b,
(b) u(x, 0) = f1 (x), u(x, b) = f2 (x) se 0 6 x 6 a,

ux (0, y) = g1 (y), u(a, y) = g2 (y) se 0 6 y 6 b.

 uxx + uyy = 0 se 0 < x < a e 0 < y < b,
(c) uy (x, 0) = f1 (x), uy (x, b) = f2 (x) se 0 6 x 6 a,

ux (0, y) = g1 (y), ux (a, y) = g2 (y) se 0 6 y 6 b.
Exercı́cio 5.3. Encontre as soluções de estado estacionário, se existirem, para os seguintes problemas de
condução do calor no retângulo:
 √
 ut = π (uxx + uyy ) se 0 < x < a e 0 < y < b,
(a) u(x, 0) = f1 (x), u(x, b) = f2 (x) se 0 6 x 6 a,

ux (0, y) = g1 (y), ux (a, y) = g2 (y) se 0 6 y 6 b.
 √
 ut = e log π (uxx + uyy ) se 0 < x < a e 0 < y < b,
(b) u (x, 0) = f1 (x), u(x, b) = f2 (x) se 0 6 x 6 a,
 y
u(0, y) = g1 (y), ux (a, y) = g2 (y) se 0 6 y 6 b.

Exercı́cio 5.4. Encontre as curvas de nı́vel de temperatura (chamadas isotermas) para a solução de estado
estacionário para o seguinte problema de condução do calor no retângulo:

 ut = K (uxx + uyy ) se 0 < x < a e 0 < y < b,
u(x, 0) = 1, u(x, b) = 1 se 0 6 x 6 a,

u(0, y) = 1, u(a, y) = 1 se 0 6 y 6 b.

Exercı́cio 5.5. Use o computador para encontrar as isotermas para a solução de estado estacionário, se
existir, para o seguinte problema de condução do calor no retângulo:

 ut = K (uxx + uyy ) se 0 < x < 1 e 0 < y < 1,
u(x, 0) = 0, u(x, 1) = 0 se 0 6 x 6 1,

u(0, y) = 0, u(1, y) = 100 se 0 6 y 6 1.
Você consegue obter uma expressão analı́tica para estas curvas de nı́vel?
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Exercı́cio 5.6. Use o computador para encontrar as isotermas para as soluções de estado estacionário, se
existirem, dos seguintes problemas de condução do calor no retângulo:

 ut = K (uxx + uyy ) se 0 < x < π e 0 < y < π,
(a) u(x, 0) = 100, u(x, π) = 100 se 0 6 x 6 π,

ux (0, y) = 0, ux (π, y) = 0 se 0 6 y 6 π.

 ut = K (uxx + uyy ) se 0 < x < π e 0 < y < π,
(b) u(x, 0) = 0, u(x, π) = 100 se 0 6 x 6 π,

ux (0, y) = 0, ux (π, y) = 0 se 0 6 y 6 π.

 ut = K (uxx + uyy ) se 0 < x < 1 e 0 < y < 2,
(c) u(x, 0) = 100, uy (x, 2) = 0 se 0 6 x 6 1,

ux (0, y) = 0, ux (1, y) = 0 se 0 6 y 6 2.

Exercı́cio 5.7. Resolva o seguinte problema de valor de fronteira para a equação de Laplace para a faixa
semi-infinita: 
 uxx + uyy = 0 se 0 < x < a e y > 0,

 u(x, 0) = f (x) se 0 6 x 6 a,
 u(0, y) = u(a, y) = 0 se y > 0,

 lim u (x, y) = 0.
y→∞

Encontre a solução e as curvas de nı́vel (se precisar, use o computador) se

(a) f (x) ≡ 100.


(b) f (x) = x (a − x) .

Exercı́cio 5.8. Prove que se as condições de fronteira satisfazem hipóteses adequadas, a solução (5.11) para
o problema de Dirichlet da equação de Laplace é de classe C 2 no interior do retângulo e contı́nua até
a fronteira do retângulo.

5.2 O Princı́pio do Máximo Fraco e a Unicidade de Solução para


a Equação de Laplace
Lema 5.1. (Princı́pio do Máximo Fraco) Seja Ω ⊂ R2 uma região limitada. Se u : Ω → R é uma função
contı́nua que satisfaz a equação de Laplace em Ω, isto é, ∆u = 0 em Ω, então u atinge o seu máximo
e o seu mı́nimo na fronteira de Ω.

Prova: Sejam
M = max u e m = max u
Ω ∂Ω

e suponha por absurdo que m < M . Então existe um ponto (x0 , y0 ) ∈ Ω\∂Ω tal que u(x0 , y0 ) = M . Defina
a função
M −m
v(x, y) = u(x, y) + [(x − x0 )2 + (y − y0 )2 ],
4d2
onde d = diam Ω. Se (x, y) ∈ ∂Ω, temos
M −m 2 3 M
v(x, y) 6 m + 2
d = m+ < M,
4d 4 4
e como u(x0 , y0 ) = v(x0 , y0 ) = M , segue que o máximo de v também é assumido em um ponto de Ω − ∂Ω,
digamos em (x, y). Mas, como (x, y) é um ponto de máximo para v, devemos ter

∆v(x, y) 6 0,
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enquanto que, pela definição de v e pelo fato de u satisfazer a equação de Laplace, para todo (x, y) temos

M −m M −m
∆v(x, y) = ∆u(x, y) + = > 0,
4d2 4d2
uma contradição. Isso mostra que u atinge o seu máximo em ∂Ω. Para provar que o mı́nimo de u também é
atingido em ∂Ω, basta observar que −u também satisfaz a equação de Laplace e que min u = − max(−u). ¥

Teorema 5.2. (Unicidade de Solução para o Problema de Dirichlet) Se o problema de Poisson


½
∆u = f (x, y) se (x, y) ∈ Ω,
u(x, y) = g(x, y) se (x, y) ∈ ∂Ω,

tiver solução, então ele possui uma única solução.

Prova: Se u1 e u2 são duas soluções para o problema de Poisson acima, então u = u1 − u2 é uma solução
para o problema de Laplace com condição de fronteira homogênea
½
∆u = 0 se (x, y) ∈ Ω,
u(x, y) = 0 se (x, y) ∈ ∂Ω.

Em particular, u satisfaz o princı́pio do máximo e portanto, como u = 0 na fronteira ∂Ω,

max u = max u = 0,
Ω ∂Ω

min u = min u = 0,
Ω ∂Ω

logo u ≡ 0 em Ω, o que significa que u1 = u2 . ¥

5.3 Solução da Equação de Poisson no Retângulo


Vamos tratar agora do problema de Dirichlet para a equação de Poisson em retângulos:

 uxx + uyy = F (x, y) se 0 < x < a e 0 < y < b,
u(x, 0) = f1 (x), u(x, b) = f2 (x) se 0 6 x 6 a,

u(0, y) = g1 (y), u(a, y) = g2 (y) se 0 6 y 6 b.

onde F : (0, a)×(0, b) → R é uma função de classe C 1 que possui uma série de Fourier dupla convergindo para
F (veja o capı́tulo anterior). Usando a linearidade do operador laplaciano, podemos dividir este problema
em dois: ½
uxx + uyy = F (x, y) se 0 < x < a e 0 < y < b,
u(x, 0) = u(x, b) = u(0, y) = u(a, y) = 0 se 0 6 x 6 a e 0 6 y 6 b.
e 
 uxx + uyy = 0 se 0 < x < a e 0 < y < b,
u(x, 0) = f1 (x), u(x, b) = f2 (x) se 0 6 x 6 a,

u(0, y) = g1 (y), u(a, y) = g2 (y) se 0 6 y 6 b.
O segundo problema é o problema de Dirichlet para a equação de Laplace no retângulo, que já resolvemos
no inı́cio deste capı́tulo. O primeiro é a equação de Poisson com condição de Dirichlet homogênea. Para
resolvê-lo, observamos que a função
nπx mπy
unm (x, y) = sen sen
a b
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satisfaz as condições de fronteira. Logo, se escrevermos



X nπx mπy
u (x, y) = anm sen sen , (5.12)
n,m=1
a b

u será a solução se pudermos encontrar coeficientes anm tais que



X µ ¶
2 n2 m2 nπx mπy
uxx + uyy = − anm π + sen sen = F (x, y) .
n,m=1
a2 b2 a b

Como vimos no capı́tulo anterior, temos


Z aZ b
4 nπx mπy
anm = − µ ¶ F (x, y) sen sen dxdy. (5.13)
n2 m2 0 0 a b
abπ 2 +
a2 b2

5.3.1 Exercı́cios
Exercı́cio 5.9. Resolva o problema de Dirichlet homogêneo
½
uxx + uyy = F (x, y) se 0 < x < 1 e 0 < y < 1,
u(x, 0) = u(x, 1) = u(0, y) = u(1, y) = 0 se 0 6 x 6 1 e 0 6 y 6 1.

Exercı́cio 5.10. Resolva o problema de Neumann homogêneo



 uxx + uyy = F (x, y) se 0 < x < a e 0 < y < b,
uy (x, 0) = f1 (x), uy (x, b) = f2 (x) se 0 6 x 6 a,

ux (0, y) = g1 (y), ux (a, y) = g2 (y) se 0 6 y 6 b.

Exercı́cio 5.11. Usando séries de Fourier triplas, resolva o problema de Dirichlet




 uxx + uyy + uzz = F (x, y, z) se 0 < x < a, 0 < y < b e 0 < z < c,

u(0, y, z) = f1 (x, y), u(a, y, z) = f2 (x, y) se 0 6 y 6 b e 0 6 z 6 c,
 u(x, 0, z) = g1 (x, y), u(x, b, z) = g2 (x, y)
 se 0 6 x 6 a e 0 6 z 6 c,

u(x, y, 0) = h1 (x, y), u(x, y, c) = h2 (x, y) se 0 6 x 6 a e 0 6 y 6 b.

5.4 A Equação de Laplace no Disco


É uma conseqüência do princı́pio do máximo que as soluções da equação de Laplace em domı́nios simétricos
com uma condição de fronteira simétrica são simétricas (este é um resultado altamente não elementar, cuja
demonstração é bem recente). Em vista disso as soluções da equação de Laplace no disco são radialmente
simétricas, o que transforma o problema de Laplace no disco em um problema essencialmente unidimensional,
isto é, a equação diferencial parcial transforma-se em uma única equação diferencial ordinária. Para obter-
mos esta equação diferencial ordinária, precisamos obter uma expressão para o Laplaciano em coordenadas
polares.

5.4.1 A Equação de Laplace em Coordenadas Polares


A relação entre coordenadas cartesianas retangulares e coordenadas polares é dada pelas seguintes relações:
½
x = r cos θ
(5.14)
y = r sen θ
Rodney Josué Biezuner 141

e (p
r = x2 + y 2 ,
y (5.15)
θ = arctan .
x
Para obter a expressão para o Laplaciano em coordenadas polares, usamos estas relações e a regra da
cadeia. Como
ux = ur rx + uθ θx ,
segue que
∂ ∂ ∂
uxx = [ur rx + uθ θx ] = (ur ) rx + ur rxx + (uθ ) θx + uθ θxx
∂x ∂x ∂x
= urr rx2 + urθ θx rx + ur rxx + urθ rx θx + uθθ θx2 + uθ θxx ,

donde
uxx = urr rx2 + uθθ θx2 + 2urθ rx θx + ur rxx + uθ θxx . (5.16)
Trocando x por y, obtemos também

uyy = urr ry2 + uθθ θy2 + 2urθ ry θy + ur ryy + uθ θyy . (5.17)

Diferenciando r2 = x2 + y 2 implicitamente com relação a x, obtemos 2rrx = 2x, logo


x
rx = .
r
Daı́,
x2
r − xrx r− 2 2 2
rxx = = r = r −x = y .
r 2 r 2 r 3 r 3

Similarmente,
y x2
ry = e ryy = .
r r3
y
Por outro lado, diferenciando θ = arctan com relação a x, obtemos
x
1 ³ y ´ y y
θx = ³ y ´2 − 2 = − 2 = − 2,
x x + y2 r
1+
x
e com relação a y obtemos µ ¶
1 1 x x
θy = ³ y ´2 = 2 = 2.
x x + y2 r
1+
x
Diferenciando estas expressões uma segunda vez com relação a x e y, respectivamente, encontramos

y (2rrx ) 2xy
θxx = = 4
r4 r
e
−x (2rrx ) 2xy
θyy = =− 4 .
r4 r
Em particular, valem as seguintes identidades:

θxx + θyy = 0 e rx θx + ry θy = 0.
Rodney Josué Biezuner 142

Usando as relações obtidas, temos


uxx + uyy = urr (rx2 + ry2 ) + uθθ (θx2 + θy2 ) + 2urθ (rx θx + ry θy ) + ur (rxx + ryy ) + uθ (θxx + θyy )
x2 + y 2 x2 + y 2 x2 + y 2
= 2
urr + 4
uθθ + ur
r r r3
1 1
= urr + 2 uθθ + ur .
r r
Em outras palavras, o Laplaciano de u em coordenadas polares é dado por
1 1
∆u(r, θ) = urr + ur + 2 uθθ . (5.18)
r r

5.4.2 Solução da Equação de Laplace no Disco pelo Método de Separação de


Variáveis e Séries de Fourier
Em coordenadas polares, a equação de Laplace no disco D = [0, R) × [0, 2π) se torna
(
1 1
urr + ur + 2 uθθ = 0 se 0 < r < R e 0 < θ < 2π,
r r
u(R, θ) = f (θ) se 0 6 θ 6 2π,

onde f é uma função contı́nua que satisfaz f (0) = f (2π). Resolver este problema nestas coordenadas significa
encontrar uma função u(r, θ) contı́nua em D e de classe C 2 em (0, R) × (0, 2π) tal que u(r, 0) = u(r, 2π) para
todo 0 < r < R.
Escrevendo
u(r, θ) = F (r)G(θ),
obtemos
1 1
F 00 (r)G(θ) + F 0 (r)G(θ) + 2 F (r)G00 (θ) = 0,
r r
donde
F 00 (r) F 0 (r) G00 (θ)
r2 +r =− = σ.
F (r) F (r) G(θ)
Do fato de G(θ) satisfazer a equação diferencial ordinária
G00 (θ) + σG(θ) = 0
e ser uma função periódica de perı́odo 2π, concluı́mos que
σ = n2
para algum n > 0, e
Gn (θ) = an cos nθ + bn sen nθ. (5.19)
Em particular, F satisfaz a equação diferencial ordinária
r2 F 00 (r) + rF 0 (r) − n2 F (r) = 0.
Esta é a equação de Euler, cuja solução geral é
½
c1 + c2 log r se n = 0,
F (r) =
c1 rn + c2 r−n se n > 1.

Como a solução u é contı́nua, devemos ter F (r) limitada próximo a r = 0, o que implica que c2 = 0. Portanto,
as soluções de F admissı́veis para este problema são
Fn (r) = rn para n > 0.
Rodney Josué Biezuner 143

As soluções produto são então


a0
u0 (r, θ) = ,
2
un (r, θ) = rn [an cos nθ + bn sen nθ] para n > 1.
A solução do problema é

a0 X r n
u(r, θ) = + [an cos nθ + bn sen nθ], (5.20)
2 n=1
Rn
onde an , bn são os coeficientes de Fourier de f (lembre-se que f está definida no intervalo [0, 2π], satisfaz
f (0) = f (2π) e é natural supor que ela é perı́ódica de perı́odo 2π)
Z
1 2π
an = f (θ) cos nθ dθ, n > 0,
πZ0 (5.21)

1
bn = f (θ) sen nθ dθ, n > 1.
π 0
Exemplo 5.3. Encontre a distribuição de temperatura de estado estacionário em um disco de raio 1, se a
metade superior da circunferência é mantida a uma temperatura constante igual a 100◦ e a metade
inferior é mantida à temperatura constante 0.
Solução. Em outras palavras, queremos resolver o problema de Dirichlet em coordenadas polares
½
∆u = 0 se 0 < r < R e 0 < θ < 2π,
u(1, θ) = f (θ) se 0 6 θ 6 2π,
onde ½
100 se 0 < θ < π,
f (θ) =
0 se π < θ < 2π.
Temos Z π ½
100 100 se n = 0,
an = cos nθ dθ =
π 0 0 se n > 1,
e (
Z π 0 se n é par,
100 100
bn = sen nθ dθ = (1 − cos nπ) = 200 .
π 0 nπ se n é ı́mpar.

Logo, a solução é

200 X (−1)n+1 2n−1
u(r, θ) = 50 + r sen(2n − 1)θ.
π n=1 2n − 1

Observação. A solução obtida acima pode ser escrita em forma fechada com o auxı́lio da seguinte identidade

X sen nθ r sen θ
rn = arctan . (5.22)
n=1
n 1 − r cos θ

De fato, usando a identidade cos nπ sen nθ = sen n(θ − π) e reescrevendo a solução anterior, obtemos

100 X 1 − cos nπ n
u(r, θ) = 50 + r sen nθ
π n=1 n
∞ ∞
100 X n sen nθ 100 X n sen n(θ − π)
= 50 + r − r
π n=1 n π n=1 n
100 r sen θ 100 r sen(θ − π)
= 50 + arctan − arctan
π 1 − r cos θ π 1 − r cos(θ − π)
Rodney Josué Biezuner 144

de modo que µ ¶
100 r sen θ r sen θ
u(r, θ) = 50 + arctan + arctan . (5.23)
π 1 − r cos θ 1 + r cos θ
Esta solução é prontamente escrita em coordenadas cartesianas:
µ ¶
100 y y
u(x, y) = 50 + arctan + arctan . (5.24)
π 1−x 1+x

Em particular torna-se fácil determinar as isotermas (isto é, curvas de temperatura constante) desta
solução. Igualando o lado direito a um valor T , temos

y y π(T − 50)
arctan + arctan = .
1−x 1+x 100
Aplicando tan a ambos os lados desta equação e usando a identidade trigonométrica
tan a + tan b
tan(a + b) = ,
1 − tan a tan b
obtemos y y µ ¶
1−x + 1+x πT π πT
³ ´³ ´ = tan − = − cot ,
1− y y 100 2 100
1−x 1+x

donde
2y πT
2 2
= − cot ,
1−x −y 100
ou
x2 + y 2 − 1 πT
= tan .
2y 100
Portanto, a isoterma correspondente à temperatura T é o cı́rculo
µ ¶2
πT πT πT
x2 + y − tan = 1 + tan2 = sec2 ,
100 100 100
µ ¶
πT πT
centrado em 0, tan e de raio sec . Em particular, os centros destes arcos isotermais estão
100 100
centrados no eixo y. Por exemplo, T = 100 corresponde ao semicı́rculo superior, T = 50 corresponde
ao segmento do eixo x e T = 0 corresponde ao semicı́rculo inferior; os outros arcos isotermais ocupam
posições intermediárias, deformando-se continuamente de uma destas posições para a outra.

5.4.3 Exercı́cios
Exercı́cio 5.12. Encontre a solução limitada para a equação de Laplace na região fora do cı́rculo r = a que
satisfaz as condições de contorno:

u(a, θ) = f (θ) se 0 6 θ 6 2π.

Exercı́cio 5.13. Encontre a solução para a equação de Laplace na região semicircular r < a, 0 < θ < π,
que satisfaz as condições de contorno:

u (r, 0) = u (r, π) = 0 se 0 6 r < a,


u(a, θ) = f (θ) se 0 6 θ 6 2π.
Rodney Josué Biezuner 145

Exercı́cio 5.14. Encontre a solução para a equação de Laplace na região anular a < r < b, 0 6 θ 6 2π, que
satisfaz as condições de contorno:
u(a, θ) = A se 0 6 θ 6 2π,
u(b, θ) = B se 0 6 θ 6 2π,
onde A, B ∈ R.
Exercı́cio 5.15. Encontre uma solução para o problema de Neumann no disco:
(
1 1
urr + ur + 2 uθθ = 0 se 0 < r < R e 0 < θ < 2π,
r r
ur (R, θ) = g(θ) se 0 6 θ 6 2π.

Exercı́cio 5.16. A função potencial da velocidade φ de escoamento de um fluido invı́scido incompressı́vel


em torno de um cilindro satisfaz o problema de valor de fronteira

 1 1

 φrr + φr + 2 φθθ = 0 se r > a e 0 6 θ 6 2π,
r r
 φr (a, θ) = 0, φ (r, θ) = φ (r, −θ)

se 0 6 θ 6 2π.
 lim φ (r, θ) = φ0 r cos θ,
r→∞

onde φ0 ∈ R. Use o método de separação de variáveis para obter a solução


φ0 ¡ 2 ¢
φ (r, θ) = r + a2 cos θ.
r
Como φ é o potencial da velocidade V = (u, v) de escoamento do fluido, ou seja, V = ∇φ, deduza que
φ0 ¡ 2 ¢
u= 2
r − a2 cos 2θ,
r
φ0
v = − 2 a2 sen 2θ.
r
A partir daı́, esboce as linhas de fluxo para o campo de velocidades do fluido em torno do cilindro.
Isso pode ser feito de maneira mais fácil, observando-se que em coordenadas retangulares a função
potencial é dada por µ ¶
a2
φ (x, y) = φ0 x 1 + 2 ,
x + y2
e que a função corrente para o escoamento é
µ ¶
a2
ψ (x, y) = φ0 y −1 ,
x2 + y 2
isto é, ∇φ · ∇ψ = 0. Como V = ∇φ, conclua que as linhas de fluxo do campo de velocidades do
fluido são as curvas de nı́vel de ψ (daı́ o nome função corrente, porque as linhas de fluxo são também
chamadas linhas de corrente).

5.5 Funções Harmônicas e o Princı́pio do Máximo Forte


5.5.1 Identidades de Green
Seja Ω ⊂ Rn . O problema de Dirichlet para a equação de Laplace é, dada uma função f ∈ C 0 (∂Ω), encontrar
uma função u ∈ C 2 (Ω) ∩ C 0 (Ω) que satisfaça
½
∆u = 0 em Ω,
(D)
u=f sobre ∂Ω.

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