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Equações Diferenciais Parciais: AULA 12

DITTER YATACO

UERJ

16 de Março de 2022
PROPAGAÇÃO DE SINGULARIDADES

Para o problema de Cauchy



a(x, y ) ux + b(x, y ) uy = c(x, y ), (x, y ) ∈ Ω,
(1)
u(σ(t), ρ(t)) = f (t), t ∈ I,

onde
1. A curva inicial γ(t) = (σ(t), ρ(t)) é uma curva suave.
2. As funções a, b, c são de classe C 1 em Ω.
3. f uma função dada.
Temos que:

Se f ∈ C 1 (I) e γ não for tangente às curvas características


planas, então o problema (1) terá única solução clássica em
uma vizinhança da curva γ.
Além disso, a solução em (x0 , y0 ) (ver figura abaixo) é obtida
integrando-se a equação ao longo da característica plana

s 7−→ (X (s, t0 ), Y (s, t0 )) (que passa por (x0 , y0 ))

de s = 0 até s = s0 .

(x0 , y0 ) = (X (s0 , t0 ), Y (s0 , t0 ))

s 7→ (X (s, t0 ), Y (s, t0 ))

(σ(t0 ), ρ(t0 )) = (X (0, t0 ), Y (0, t0 ))


Logo, a solução no ponto (x0 , y0 ) depende apenas do dado
inicial no ponto (σ(t0 ), ρ(t0 )).

• O ponto (σ(t0 ), ρ(t0 )) é chamado de

DOMÍNIO DE DEPENDÊNCIA de (x0 , y0 ).

• Por razões análogas, a REGIÃO DE INFLUÊNCIA de uma


parte γ
e da curva γ é o conjunto de pontos por onde passam as
características planas que intersectam γ
e.

γ
e
Se retirarmos a hipótese f ∈ C 1 (I) mantendo a hipótese sobre
γ, podemos proceder da mesma forma, só que não obteremos
mais uma solução clássica.

Se f (ou f 0 ) tiver uma descontinuidade em t = t0 , então u (ou


alguma de suas derivadas) terá descontinuidade ao longo da
característica que passa por (σ(t0 ), ρ(t0 )).

Logo as SINGULARIDADES são propagadas ao longo das


características planas.
Exemplo (1)
Estude o problema

−y ux + x uy = 4xy ,
(2)
u(x, 0) = f (x), x ≥ 0,

x 2 se 0 ≤ x ≤ 1,

onde f (x) =
1 se x > 1.
Solução:

1◦ : O gráfico de y = f (x) é dado por

y
y = f (x)

1 x
2◦ : a(x, y ) = −y , b(x, y ) = x. Além disso

Curva inicial γ : t 7−→ (x, y ) = (t, 0) , t ≥ 0.

Assim
a (σ(t), ρ(t)) σ 0 (t)

0 1
∆(t) = = = −t.
b (σ(t), ρ(t)) ρ0 (t) t 0

Então
∆(t) = −t = 0 ⇐⇒ t = 0.
Logo temos tangencia no ponto (0, 0).

3◦ : As características planas são dadas por

1  2 
0 = x dx + y dy = d x + y2 ⇒ x2 + y2 = c
2
A curva inicial é dada por y = 0, x ≥ 0. Logo

curva inicial

caract. planas

Note que cada característica plana intersecta a curva inicial


somente em um ponto.
4◦ : Na aula 06 (slide 8), mostramos que a solução é dada por
q 
2
u(x, y ) = 2y + f 2
x +y ,2 (x, y ) ∈ R2 . (3)

Como f é contínua, mas não diferenciável em x = 1, temos


que u é contínua, mas não diferenciável em
q
x 2 + y 2 = 1 ⇐⇒ x 2 + y 2 = 1,

que é precisamente a característica plana contendo (1, 0).

De maneira explícita, u é dado por


(
x 2 + 3y 2 se x 2 + y 2 ≤ 1,
u(x, y ) = (4)
2y 2 + 1 se x 2 + y 2 > 1.
Exemplo (2)
Estude o problema

ux + uy = 0, (x, y ) ∈ R2 ,

(5)
6 0.
u(0, y ) = 1/y , y =

Solução:
1◦ : O gráfico da função y = f (x) = 1/x é dado por

−1
1 x
2◦ : a(x, y ) = b(x, y ) = 1. σ(t) = 0, ρ(t) = 0, t 6= 0. Logo
a (σ(t), ρ(t)) σ 0 (t) 1 0


∆(t) = = = 1 > 0.
b (σ(t), ρ(t)) ρ0 (t) 1 1

Não tem pontos de tangência.

3◦ : A curva inicial é dado por x = 0, y 6= 0. As características


são dadas por
y

0 = dx − dy = d(x − y )
x
x −y =k

k = −1 k = 0 k = 1
4◦ : Seja (x1 , y1 ) e considere y = x − k a única característica
passando por (x1 , y1 ). Logo y1 = x1 − k . Logo temos

y = x + y1 − x1 .

Seja (x0 , y0 ) o único ponto de interseção desta curva com a


curva inicial. Então

x0 = 0 e y0 = y1 − x1 . (6)

5◦ : Parametrizando a curva característica por

s 7−→ (x, y ) = (s, s + y1 − x1 ),

temos
d
[u(s, y (s))] = ux (s, y (s)) + uy (s, y (s)) = 0. (7)
ds
6◦ : Assim
u(x1 , y (x1 )) = u(0, y (0)).
Como y (x1 ) = y1 e y (0) = y0 , obtemos

1 1
u(x1 , y1 ) = u(0, y0 ) = = . (8)
y0 y1 − x1

Portanto
1
u(x, y ) =
y −x

a qual NÃO está definido na característica y = x.


CASO NÃO LINEAR
Para o caso não linear, tanto no que se refere à
PROPAGAÇÃO DE SINGULARIDADES quanto ao
COMPORTAMENTO DA SOLUÇÃO, é bastante diferente.

Para ter uma ideia, vamos considerar equações da forma


b(u) ux + ut = 0, (x, t) ∈ R × ]0, +∞[ . (9)

onde b ∈ C 1 e u = u(x, t) a função incógnita.


t

x
1◦ : O que corresponde às “curvas características” são as
curvas satisfazendo

0 = 1 dx − b(u) dt ⇐⇒ dx/dt = b(u) = b(u(x, t)).

E como foi considerado dx/dt, temos x = x(t).

2◦ : Ao longo de tais “características” u é constante, pois

d dx
[u(x(t), t)] = ux + ut = b(u) ux + ut = 0. (10)
dt dt
3◦ : Usaremos estas curvas para achar a solução de (9) tal que

u(x, 0) = u0 (x). (11)

A ideia, como no caso linear, é construir a solução utilizando as


“características planas” que intersectam a curva inicial t = 0.
4◦ : Seja x0 ∈ R. Por (10) u é constante ao longo da “curva
característica” que contém o ponto (x0 , 0). Temos

u(x0 , 0) = u0 (x0 ) = constante.

Da equação
dx
= b(u0 (x0 )),
dt
temos que tal característica é dada por:

x = b(u0 (x0 )) t + x0

x0 x
5◦ : Chamamos de CARACTERÍSTICAS PLANAS para o PVI

b(u) ux + ut = 0, (x, t) ∈ R × ]0, +∞[ ,
(12)
u(x, 0) = u0 (x), x ∈ R,

às retas da forma

x = b(u0 (x0 )) t + x0 .

Baseados nisto, esperamos resolver (12).

R × [0, +∞)

x
Exemplo (I)
Discuta a solução do problema de Cauchy

u ux + ut = 0, (x, t) ∈ R × ]0, +∞[ ,
(13)
u(x, 0) = u0 (x), x ∈ R.

 1 se x < 0,
onde u0 (x) = 1−x se 0 ≤ x ≤ 1,

0 se x > 1.
Solução:
1◦ : O gráfico de u0 é dado por:

y = u0 (x)

−2 −1 1 2 3 x
Temos b(z) = z. Logo, as características planas de (13) são
dadas pelas equações

 t + x0 se x0 < 0,
x = u0 (x0 ) t + x0 = (1 − x0 ) t + x0 se 0 ≤ x0 ≤ 1, (14)

x0 se x0 > 1.

2◦ : Observe o seguinte para as características planas

x0 = − 21

−2 −1 1 x

CASO: x0 < 0, x = t + x0
t t

x =2

x0 = 0

1 2 x 1 2 3 x
CASO: 0 ≤ x0 ≤ 1, x = (1 − x0 ) t + x0 CASO: x0 > 1, x = x0

Assim
t

t =1

−2 −1 1 2 3 x
3◦ : As retas de (14) se intersectam para t ≥ 1, de modo que a
solução de (13) só é válida para 0 ≤ t < 1.

t
t =1

−2 −1 1 2 3 x

Dividimos R × [0, 1) em 3 conjuntos A1 , A2 e A3

t x =t
t =1
A1 A3
A2

1 x
onde A1 , A2 e A3 são dados por:

A1 = {(x, t) ∈ R × [0, 1) : x < t} .


A2 = {(x, t) ∈ R × [0, 1) : x ≥ t, x ≤ 1} .
A3 = {(x, t) ∈ R × [0, 1) : x > t, x > 1} .

• Se (x, t) ∈ A1 , temos x = t + x0 , com x0 < 0. Logo

u(x, t) = u0 (x0 ) = 1. (15)

• Se (x, t) ∈ A2 , temos x = (1 − x0 ) t + x0 , com 0 ≤ x0 ≤ 1.

x −t 1−x
u(x, t) = u0 (x0 ) = 1 − x0 = 1 − = . (16)
1−t 1−t
• Se (x, t) ∈ A3 , temos x = x0 , com x0 > 1, logo

u(x, t) = u0 (x0 ) = 0. (17)


4◦ : De (15), (16) e (17) obtemos


 1 se x < t < 1, t ≥ 0,
1−x

u(x, t) = se 0 ≥ t ≤ x ≤ 1, (18)
 1−t


0 se 0 ≥ t < 1 < x.

5◦ : Note que u 6∈ C 1 (R × ]0, 1[). Isto é, não é uma solução


clássica. Além disso, note também que u ∈ C (R × [0, 1)) e
satisfaz a condição inicial.
Exemplo (II)
Discuta a solução do problema de Cauchy

u ux + ut = 0, (x, t) ∈ R × ]0, +∞[ ,
(19)
u(x, 0) = u0 (x),

0 se x < 0,
onde u0 (x) =
1 se x > 0.
Solução:

1◦ : O gráfico de u0 é dado por:

y = u0 (x)

−2 −1 1 2 3 x
Temos b(z) = z. Logo, as características planas de (19) são
dadas por

x0 se x0 < 0,
x = u0 (x0 ) t + x0 = (20)
t + x0 se x0 > 0.

2◦ : Observe o seguinte para as características planas.

t t

2
x0 = 5

−2 −1 x 1 2 3 4 x
CASO: x0 < 0, x = x0 CASO: x0 > 0, x = t + x0
Assim
t

−2 −1 1 2 3 x

3◦ : Note que as características planas não se intersectam.


Além disso, estas características não “preenchem” o conjunto
R × [0, +∞). Dividimos então em 3 conjuntos:

t x =t
A1 A2 A3

−2 −1 1 2 3 x
onde A1 , A2 e A3 são dados por:

A1 = {(x, t) ∈ R × [0, +∞) : x < 0} .


A2 = {(x, t) ∈ R × [0, +∞) : 0 ≤ x ≤ t} .
A3 = {(x, t) ∈ R × [0, +∞) : x > t} .

• Se (x, t) ∈ A1 , então x = x0 , com x0 < 0. Logo

u(x, t) = u0 (x0 ) = 0. (21)

• Se (x, t) ∈ A3 , então x = t + x0 , com x0 > 0. Logo

u(x, t) = u0 (x0 ) = 1. (22)

• Se (x, t) ∈ A2 , não temos características. Temos assim


infinitas soluções nesta região. Um cálculo mostra que a
função v (x, t) = x/t, t > 0, satisfaz v vx + vt = 0.
4◦ : De (21), (22), uma solução é dada por

0 se x < 0, t ≥ 0,



 x
u(x, t) = se 0 ≤ x ≤ t, t > 0, (23)

 t

1 se x > t ≥ 0.

a qual é contínua em R × [0, +∞) \ {(0, 0)}. Ou seja, satisfaz a


EDP para t > 0 fora das características contendo a origem e
satisfaz a condição inicial. Temos assim uma solução
CONTÍNUA para t > 0 embora a condição inicial (t = 0) seja
DESCONTÍNUA.
Exemplo (III)
Discuta a solução do problema de Cauchy

u ux + ut = 0, x ∈ R, t > 0,
(24)
u (x, 0) = u0 (x), x ∈ R,

 0 se x < 0,
onde u0 (x) = x se 0 ≤ x ≤ 1,

1 se x > 1.
Solução:
1◦ : O gráfico de u0 é dado por:

y = u0 (x)

−2 −1 1 2 3 x
Temos b(z) = z. Assim, as características planas são:

 x0 se x0 < 0,
x = u0 (x0 )t + x0 = x0 t + x0 se 0 ≤ x0 ≤ 1,

t + x0 se x0 > 1.

2◦ : Para as curvas características temos

t t

−2 −1 x 1 2 x
CASO: x0 < 0, x = x0 CASO: 0 ≤ x0 ≤ 1, x = x0 t + x0
t

1 2 x
CASO: x0 > 1, x = t + x0

Assim
t

−2 −1 1 2 x
3◦ : Note que estas curvas características não se intersectam,
e estão definidas em todo R × [0, +∞). Logo podemos dividir
em 3 conjuntos:
x =t +1
t

A1 A2 A3

−2 −1 1 2 x

onde

A1 = {(x, t) ∈ R × [0, +∞) ; x < 0} ;


A2 = {(x, t) ∈ R × [0, +∞) ; 0 ≤ x ≤ t + 1} ;
A3 = {(x, t) ∈ R × [0, +∞) ; x > t + 1} .
• Se (x, t) ∈ A1 , então x = x0 , com x0 < 0. Assim

u(x, t) = u0 (x0 ) = 0.

• Se (x, t) ∈ A2 , então x = x0 (1 + t), com 0 ≤ x0 ≤ 1. Assim


x
u(x, t) = u0 (x0 ) = x0 = .
1+t
• Se (x, t) ∈ A3 , então x = t + x0 , com x0 > 1. Assim

u(x, t) = u0 (x0 ) = 1.

Portanto


 0 se x < 0, t ≥ 0,
u(x, t) = x/(t + 1) se 0 ≤ x ≤ t + 1, t ≥ 0,

 1 se x > t + 1, t ≥ 0.

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