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Marlova Aseff
University of Brasília
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All content following this page was uploaded by Marlova Aseff on 30 May 2020.
Resumo: Nos anos 1960, a poesia traduzida e publicada no Brasil ainda refletia opções estéticas
bastante tradicionais, sendo que quase um terço dos lançamentos editoriais no decênio foram
dedicados a vencedores do Prêmio Nobel de Literatura, na sua maioria, autores da primeira
metade do século 20. No entanto, a década de 1960 também foi marcada pelo início da
publicação das traduções feitas pelos poetas concretos, que introduziram os primeiros nomes do
seu paideuma vanguardista no sistema literário nacional. Apesar de o grupo ter se formado em
1952, e de Augusto de Campos ter começado a se corresponder com Ezra Pound no ano
seguinte (1953), foi somente em 1960 que eles começaram a publicadas em livro as suas
traduções de poesia. Esta comunicação pretende fazer um panorama dos tradutores em atuação
nessa década, de suas opções estéticas e escolhas tradutórias. O objetivo maior é refletir sobre a
possibilidade de demarcar os anos 1960 como a época que, após o Modernismo, deu início a
importantes inovações no panorama da poesia brasileira, tendo a tradução como impulsionadora
das mesmas.
Palavras-chave: História da tradução; Poesia traduzida no Brasil; Poetas-tradutores; História
do livro no Brasil
1
Doutora em Literatura e em Estudos da Tradução (UFSC). Contato: marlova.aseff@gmail.com.
atenção dada à tradução. E, certamente, há também inúmeros trabalhos sobre a prática
tradutória, fundamentalmente centrados nos irmãos Campos. No entanto, pretendo
estudar como a tradução a partir desse período ajuda a configurar o repertório da poesia
brasileira que se fará a partir daí, no nosso período pós-modernista.
O pós-modernismo aqui deve ser entendido simplesmente como o período após o
modernismo. A historiografia costuma concordar que nosso modernismo se encerrou no
final dos anos 1960, depois de passar por três fases diferentes. Segundo Italo Moriconi,
“o modernismo desdobrou historicamente uma dialética que levou do impulso à
dessacralização a um processo de ressublimação da linguagem artística” (MORICONI,
2004, s/p). Nos anos 1950, predominava na poesia brasileira a inclinação lírica e o tom
sublime adotado pela geração de 45, quando então ocorre uma reação promovida pelo
movimento da poesia concreta. Obviamente, havia Carlos Drummond de Andrade, poeta
ainda em atividade e consagrado, e João Cabral, que foi outro poeta fora da curva.
A poesia traduzida nos anos 1960
Antes de prosseguir, gostaria de esboçar um panorama da tradução de poesia nos
anos 1960. Os poetas-tradutores do nosso modernismo continuavam muito produtivos,
embora possamos dizer que suas escolhas eram em sua maioria conservadoras. Eles
reforçavam os modelos poetológicos em voga. Havia espaço para a poesia romântica de
Victor Hugo, representado por Odes e baladas em tradução de Jamil Almansur Haddad
(Editora das Américas, 1960), para compilações de poemas de tema amoroso, como a
antologia de José Guilherme de Araújo Jorge Os mais belos sonetos de amor (Vecchi,
1966) e para clássicos como A arte de amar, de Ovídio, em tradução também de Haddad
(Biblioteca Universal Popular, 1964). O cânone dos poetas refletido na tradução de poesia
na década de 1960 estava composto de 22 poetas, sendo que seis deles – o equivalente a
27,7% – eram ganhadores do prêmio Nobel de Literatura.2
Nessa década, poetas da primeira geração modernista, como Manuel Bandeira,
contando então com 74 anos no início dessa década, e Guilherme de Almeida, já nos seus
2
Fréderic Mistral (francês) – Prêmio Nobel de 1904; em tradução de Manuel Bandeira (Meirelle, Delta,
1961); Giosè Carducci (italiano) – Prêmio Nobel de 1906; em tradução de Jamil Almansur Haddad (Poesias
escolhidas, Delta, 1962); Erik Axel Karlfeldt (suíço) – Prêmio Nobel de 1931; em tradução de Ivo Barroso
(Poesias, Delta, 1964); Gabriela Mistral (chilena) – Prêmio Nobel de 1945; em tradução de Henriqueta
Lisboa (Poesias escolhidas, Delta, 1964). Herman Hesse (alemão naturalizado suíço) – Prêmio Nobel de
1946; em tradução de Geir Campos (Andares, Nova Fronteira, 1961) Saint-John Perse (francês) – Prêmio
Nobel de 1960; em tradução de Darcy Damasceno (Poesias, Delta, 1969).
últimos anos de vida (viria a falecer em 1969) continuavam em atividade. Uma tradução
realizada nesse período e que é bastante celebrada até hoje é a de Cantos de Dante, da
poeta Henriqueta Lisboa (Instituto Ítalo-brasileiro, 1969). Por outro lado, seguindo certo
ímpeto esquerdista vigente na época, Geir Campos publicou em 1966 Poemas e canções,
do poeta e dramaturgo alemão Bertolt Brecht, e o libertário Folhas de relva, de Walt
Whitman, ambos pela Civilização Brasileira, 1964.
Nesta década, foram editadas 56 obras do gênero, em 1.edição, sendo 16
antologias mistas. A publicação ficou concentrada em editoras sediadas na Região Sudeste.
A esmagadora maioria estava no Rio de Janeiro (mais de 70%). A editora que mais
publicou traduções poéticas no período foi a Civilização Brasileira (seis títulos), seguida
pela Delta (cinco títulos) e pelo Serviço de Documentação do MEC (quatro títulos). Como
se percebe, o Rio de Janeiro naquela época concentrava a edição de poesia, fato que iria
mudar já a partir da década seguinte. Também cinco das seis obras de poesia traduzida
lançadas pelos irmãos Campos nesta década foram editadas no Rio e não em São Paulo
(pela Civilização Brasileira, Tempo Brasileiro, e MEC), como seria de esperar, uma vez
que eles eram paulistanos.
Observem que nos anos 1950 os poetas concretos retomam todo o modus
operandi das vanguardas dos anos 1920, que incluía lançar manifestos, revistas e,
sobretudo, a capacidade de criar polêmicas. Como já sabemos, elegem Ezra Pound como
uma espécie de guru literário e, ao segui-lo, descobrem a força da tradução. Todo esse
movimento (ação e reflexão) iniciado na década de 1950 se materializará em muitas
traduções transgressoras e publicações teóricas na década de 1960 e 70. Pode-se dizer que
são duas fases do projeto: a primeira que adota as práticas das vanguardas históricas, e a
segunda, que aposta na difusão das sua poética por meio de traduções e ensaios. A segunda
fase indica método e persistência por parte do grupo para difundir sua poética.
O manifesto concretista de 1956 anunciava:
Mallarmé (un coup de dés-1897), Joyce (finnegans Wake), Pound (cantos-
ideograma), cummings e, num segundo plano, Apollinaire (Calligrammes) e
as tentativas experimentais futuristas-dadaístas estão na raiz do novo
procedimento poético, que tende a impor-se à organização cuja unidade
formal é o verso (livre, inclusive).
Estava descrito aí o primeiro paideuma concretista: a indicação da parte da obra
de poetas, que foram selecionadas, à maneira da pedagogia poundiana, e que seriam
publicadas em traduções nos anos 1960:
1960 - Dez poemas de cummings, por A. de Campos; Cantares, de Pound, por
Augusto, Haroldo e Décio;
1962 - Panorama de Finnagans Wake, por Augusto e Haroldo, trazendo
fragmentos da escrita de James Joyce;
1967 Poemas, de Maiakóvski, 1967 –Poesia russa moderna, ambos em
tradução dos irmãos em parceria com Boris Schnaiderman.
1968 Traduzir e trovar, poetas do século 12 ao 17.
Algumas “intuições preliminares” deste trabalho, uma vez que ainda não posso
considerá-las conclusões, pois recém se inicia, são as que seguem. Como sabemos, o
projeto concretista, que, na prática, foi decisivo para encerrar de vez o ciclo do
Modernismo no Brasil, foi uma retomada dos valores de 1922 (principalmente de alguns
aspectos da poesia de Oswald de Andrade) e do modus operandi das vanguardas históricas
(manifestos, polêmicas, revistas). No entanto, após esse primeiro momento de germinação
e embate verificado na década de 1950, o movimento deu prosseguimento ao seu projeto
por meio da tradução da poesia que eles consideravam legitimadora das suas intenções. A
tradução foi abraçada como crítica e militância. No entanto, segundo pontua Lages, a
prática da tradução ultrapassou a fase de caracterização e de definição do movimento
concretista e perdurou para além da fase mais programática de sua poética (LAGES 2002,
p. 89). Considero esse fato muito importante e diria mais: a prática da tradução dos
concretos colocou a tradução na ordem do dia para as gerações vindouras. Muitos nomes
que constavam do paideuma proposto pelos concretos seriam retomados em tradução por
poetas de gerações seguintes. O modo de traduzir e de encarar as escolhas tradutórias
também foi alvo de debates que perduram. De certa forma, seu exemplo em relação à
atividade da tradução foi incorporado nos anos seguintes e, nos anos 1970 e 1980, muitos
poetas e intelectuais brasileiros engajaram-se na tarefa tradutória. Ivan Junqueira, Paulo
Leminski, Jorge Wanderley, Claudio Willer, Olga Savary, Paulo Hecker Filho, Fernando
Mendes Vianna, Anderson Braga Horta, José Jeronymo Rivera, Leonardo Fróes, Glauco
Mattoso, Paulo Colina, Carlos Nejar, Ana Cristina César foram alguns dos poetas que se
somaram às fileiras da tradução, mas com objetivos e referências diferentes das trazidas
pelos seus precedentes.
O ciclo da poesia concreta foi breve, a morte do verso foi decretada, mas ele de
fato não morreu. O concretismo funcionou como um tratamento de choque que mudou a
poesia que viria a ser feita no brasil nos anos seguintes, conforme corrobora Paulo
Henriques Britto, e citando-o encerro esta comunicação:
a poesia concreta em si teve menos influência do que o tipo de poesia escrita pelos poetas
associados ao concretismo em sua fase posterior, a fase pós-concreta: poesia como um
discurso sobre literatura — ou, mais genericamente, um discurso sobre artefatos culturais,
como literatura, música, cinema e por aí em diante — mais do que uma recriação da
experiência existencial; poesia mais como evocação daquilo que se leu do que daquilo que
se viveu (BRITTO, 2000, s/p).
Referências
AGUILAR, Gonzalo. A poesia concreta brasileira: As vanguardas na encruzilhada
modernista. São Paulo: Edusp, 2005.
ANDRADE, Luis Edgard de. O rock’n’roll da poesia. O Cruzeiro. Pp. 49-50. 02 de março de
1957.
BRITTO, Paulo Henriques. Poetry and memory. In: PEDROSA, Célia (Ed), Mais poesia hoje.
Rio de Janeiro, 2000. Disponível em http://www.angelfire.com/ab6/phbritto/Poetry_and_Memory.pdf.
Acesso em 11/10/2018.
PRIOSTE, José Carlos. Além do limite do verso. Entrevista com Augusto de Campos. In:
Poesia Sempre. Biblioteca Nacional, ano 12, nº 19, dezembro de 2004.