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P- Passados mais de 40 anos sobre o fim da nossa guerra colonial, já é

possível fazer uma análise objectiva da sua realidade e importância na


história portuguesa?
R – A análise de um fenómeno histórico vai-se fazendo ao longo do tempo. Em
princípio, adquire-se uma melhor perspetiva à medida que o tempo passa,
uma vez que se beneficia de mais investigação, de abertura de arquivos, de
publicação de memórias e de novos estudos. Que a guerra colonial teve
importância decisiva na sociedade portuguesa na segunda metade do século
XX ninguém põe em causa, a herança e as marcas que nos deixou continuam a
ser objeto de múltiplos estudos, o que traduz a importância que teve na vida
de mais do que uma geração de portugueses.

P- De que forma o vosso livro «Guerra Colonial» inova na abordagem do tema?


R- Nós procurámos, logo na 1ª edição, publicada pelo Diário de Notícias em
1997-1998, sistematizar o conhecimento que então era possível sobre a guerra,
dando a conhecer os elementos fundamentais para a análise histórica da
guerra, enquanto fenómeno de grande dimensão e de ampla influência na
sociedade portuguesa, especialmente nas décadas de 60 e 70 do século XX,
assim como origem do 25 de Abril de 1974 e da mudança política em Portugal.
Na edição atual, procurámos aprofundar algumas questões fundamentais à
compreensão do empenhamento militar a que o regime sujeitou o país e os
portugueses, sem que pudesse e soubesse libertar-se do nó górdio a que o
conflito colonial o acabou por conduzir. Fazemos por isso uma análise mais
profunda do comportamento das várias fações do regime perante a guerra,
abordamos com maior detalhe a tentativa de aliança com os regimes racistas
da África Austral (África do Sul e Rodésia) e abordamos a questão de sabermos
se seria possível continuar a guerra ou se isso não fazia qualquer sentido. Não
deixamos também de enquadrar o tempo da guerra no ambiente internacional
da época, assim como analisamos a importância da guerra no aparecimento
do Movimento dos Capitães e da intervenção dos militares na política, no
sentido de derrubarem o regime, acabarem com a guerra e restituírem aos
portugueses a Liberdade e a capacidade de construírem um regime
democrático.
P- Ao longo da pesquisa que realizaram, que factos mais vos surpreenderam?
R – De uma forma geral, não houve factos que nos surpreendessem de todo,
pois tínhamos conhecimento suficiente da situação para compreendermos o
funcionamento do regime e quais os motivos que o conduziu a uma guerra
sem sentido para a comunidade internacional, mas fundamental para a sua
própria sobrevivência. Contudo, o grau de comprometimento com os regimes
racistas da África Austral e o nível de desagregação interna do regime foram
situações que acabaram por nos causar alguma surpresa.
P- A guerra colonial marcou, sem dúvida, a vida de milhares de pessoas ou até
mesmo de uma geração: conseguimos, apesar de tudo, ultrapassar o trauma?
R – Um acontecimento da dimensão da guerra colonial (mais de 13 anos e com
o envolvimento direto de quase um milhão de portugueses) marca não apenas
a geração que esteve empenhada, mas também a geração anterior e, pelo
menos, a geração seguinte. É isso que nos leva a afirmar, logo de início, que “a
guerra que Portugal travou em África entre 1961 e 1974, e que contribuiu de
forma decisiva para o 25 de Abril, é o acontecimento mais marcante da nossa
história na segunda metade do século XX”. A sociedade portuguesa tem feito o
seu caminho, superando traumas que vêm da guerra, mas também da
natureza do regime que governou Portugal durante quase meio século. São
múltiplas as superações que fomos fazendo, mas como não pode deixar de
ser, continuam heranças que nos vêm desse tempo, tanto a nível individual,
como coletivo.
P- O vosso livro é muito detalhado e completo na visão que transmite das
condições operacionais e vivenciais dos vários actores no terreno: o seu
quotidiano, a realidade dos movimentos de libertação, as posições oficiais e a
sua tradução no terreno das operações, etc. Sentem que podiam ainda ir mais
longe?
R – Nós fizemos o que nos pareceu adequado. Procurámos fazer um livro que
fosse uma obra de referência e de incentivo para novas investigações. A esta
distância, julgamos ter conseguido esses objetivos, pois a guerra colonial é
hoje um assunto importante de investigação e de atenção cultural, em especial
da literatura e da memória partilhada por aqueles que viveram esse
acontecimento e que hoje o relembram, o comentam e o tentam explicar tanto
através de livros, como de artigos e das redes sociais.
P- Directamente associado à guerra colonial está o processo de descolonização:
teria sido possível fazer de outra forma depois do 25 de Abril ou teria sido
preferível uma via diferente, eventualmente até antes da revolução portuguesa?
R – O nosso livro está centrado na guerra, através da análise daquilo que se
passou. O período posterior é uma nova fase da nossa história, a que
ligeiramente nos referimos por não ser esse o nosso objetivo. Mas é claro que
não pudemos deixar de fazer uma breve referência aos acordos com os
movimentos de libertação, aos períodos de transição e à transferência de
soberania para os novos poderes, assim como ao regresso de muitos
portugueses que tinham a sua vida nos vários territórios. As breves respostas
que procuramos dar sobre este período centram-se naquilo que se passou e
num princípio que os historiadores conhecem bem: para compreendermos um
acontecimentos devemos compreender o que se passou antes e ter em conta
as circunstâncias de cada momento.
P- Finalmente, a obra tem ainda muitos contributos com textos de outros
autores (Adriano Moreira, Diana Andringa, entre outros): razões desta opção?
R – Na altura em que planeámos a elaboração de uma obra deste género,
julgámos adequado convidar algumas pessoas que considerámos mais bem
preparadas para responder a certas questões mais específicas sobre a guerra,
ou sobre a sociedade, ou mesmo sobre determinadas personagens de maior
influência sobre os acontecimentos. Sempre achámos e continuamos a pensar
que foi uma solução adequada, que trouxe um valor acrescido à obra e tornou
mais claras algumas questões para as quais os nossos colaboradores traziam
um conhecimento elaborado e mais profundo do que nós poderíamos ter
feito.
__________
Aniceto Afonso/Carlos de Matos Gomes
Guerra Colonial
Porto Editora 24,90€

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