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Publicado em NOVA ESCOLA Edição 267, 01 de Novembro | 2013

História da Educação no Brasil

Ditadura militar: aulas


para o trabalho
História da Educação no Brasil
Anna Rachel Ferreira

O regime militar se apoiou nos ideais tecnicistas e fez do ensino uma


ferramenta de controle

O Mobral ampliou a escolarização de adultos, mas gerou analfabetos funcionais


Costa e Silva promulgou o AI-5 e leis que geraram a prisão de docentes

As propostas de uma Educação mais democrática foram


abandonadas com o início do regime militar, em 1964. Paulo
Freire (1921-1997) foi exilado no Chile e a Escola Nova deixou de
ser considerada para as políticas públicas (leia os capítulos
anteriores desta série). O novo governo manteve a preocupação
Aqui tem mais
com a industrialização crescente e o foco em formar um povo reportagens!
capaz de executar tarefas, mas não necessariamente de pensar
sobre elas.

No primeiro ano de mandato do marechal Humberto de Alencar Castello Branco


(1900- 1967), um simpósio do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes),
ligado à direita governista, deu indicações claras do rumo que se queria tomar.
Dermeval Saviani conta no livro História das Ideias Pedagógicas no Brasil (498
págs., Ed. Autores Associados, tel. 19/3289-5930, 89 reais) que a meta do evento
era a elaboração de um plano de Educação com a escola primária voltada para
uma atividade prática e o 2º grau técnico que preparasse o estudante para o
mercado. Também foram assinados acordos entre os governos brasileiro e norte-
americano que vinham sendo discutidos há alguns anos e previam a vinda de
técnicos para treinar professores. "As ações visavam transformar o Brasil em uma
potência econômica mundial", explica Amarilio Ferreira Jr., da Universidade
Federal de São Carlos (Ufscar).

Na Educação de adultos, as ideias de Freire deram lugar a um modelo


assistencialista por meio do Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral). A
leitura passou a ser tratada como uma habilidade instrumental, sem
contextualização. Os alunos aprendiam palavras acompanhadas de imagens,
faziam a divisão silábica e, por último, trabalhavam com frases e textos. Também
eram estudados os cálculos matemáticos, a escrita e hábitos para a melhoria da
qualidade de vida. De acordo com o livro História da Educação, de Maria Lúcia de
Arruda Aranha (256 págs., Ed Moderna, tel. 0800-7707-653, 65,90 reais), em 1970,
33% das pessoas com mais de 15 anos eram analfabetas e, dois anos depois, a
taxa caiu para 28,51%. No entanto, a autora ressalta que por causa do método
usado muitos alunos mal desenhavam o nome.

Paralelamente a isso, o Brasil vivia um momento crítico no ensino universitário. A


oferta não acompanhava o crescimento da demanda e a revolta pela falta de
vagas ganhou força com as notícias das manifestações ocorridas na França, em
maio de 1968, e gerou a chamada "crise dos excedentes". O governo federal
assumiu, então, uma postura mais invasiva (leia a pergunta de concurso na última
página). A União Nacional dos Estudantes (UNE) foi considerada ilegal e qualquer
tentativa de se organizar politicamente era vista como atividade subversiva a ser
reprimida.

"Agora, vossa excelência [presidente Médici] não proporá ao Congresso Nacional


apenas mais uma reforma, mas a própria reforma que implica abandonar o ensino
verbalístico e academizante, para partir, vigorosamente, para um sistema educativo
de 1º e 2º graus voltado para as necessidades do desenvolvimento."
Jarbas Passarinho

Endurecimento do regime

No fim de 1968, o general Arthur da Costa e Silva (1902-1969), na presidência,


promulgou o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que deu a ele poderes de legislativo e
executivo e permitiu o confisco dos bens de quem fosse incriminado por
corrupção (leia a linha do tempo abaixo). E, no ano seguinte, o Decreto-lei nº 477
determinou que "comete infração disciplinar o professor, aluno, funcionário ou
empregado de estabelecimento de ensino público ou particular que pratique atos
destinados à organização de movimentos subversivos, passeatas, desfiles ou
comícios não autorizados". Muitos estudantes e docentes foram presos e
torturados por aderirem à oposição ao governo.

O incentivo ao patriotismo era uma marca forte nas escolas públicas. Uma vez
por semana, meninos e meninas se posicionavam com a mão direita no peito,
observavam a bandeira ser hasteada e cantavam o Hino Nacional. Um desejo
desde o início do regime, a disciplina de Educação Moral e Cívica (EMC) foi tornada
obrigatória em 1969. A maior parte dos que a lecionaram era militar ou religioso e
lia na aula cartilhas com temas como cidadania, patriotismo, família e religião.
Mas alguns conseguiam burlar o controle e introduzir conteúdos diferenciados.

Em julho de 1971, o ministro da Educação e Cultura Jarbas Passarinho (leia a frase


dele na primeira página) oficializou o vestibular classificatório nas universidades,
algo que se mantem até hoje. No mês seguinte, foi aprovada a Lei nº 5.692 que
determinava a organização do ensino em 1º e 2º graus em vez de primário,
ginásio e colegial. A obrigatoriedade escolar foi ampliada até os 14 anos de idade
e o exame de admissão necessário para entrar no ginásio foi extinto. Para
garantir a boa receptividade da legislação, docentes tidos como carismáticos
foram convocados para a divulgarem. Francisco Beltramni, então professor de
Geografia, foi um deles. "No treinamento, eles nos falavam da maravilha que a lei
seria e orientavam que não permitíssemos discussões se alguém quisesse
questionar aspectos como as condições de trabalho", lembra.

A lei ainda estabeleceu a inclusão da disciplina de Estudos Sociais, com conteúdos


que seriam de História e Geografia, nos anos iniciais do 1º grau. Os professores
polivalentes que atuavam nesse segmento, passaram a ser formados no
Magistério, com nível de 2º grau, e as escolas normais foram extintas. Para
lecionar para os outros anos, era necessário cursar uma licenciatura em
programas de curta ou longa duração. "A ideia era transformar o pedagogo em
um técnico em Educação de acordo com a política tecnocrata do governo", explica
José Willington Germano, docente da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN). Os concursos públicos eram poucos e não havia professores
suficientes para atender a todas as vagas que vinham sendo criadas com a
construção de escolas e a oferta de aulas pela manhã, à tarde e à noite. Então,
quando não havia profissionais habilitados suficientes era permitido contratar
outros temporariamente.

Apesar do recurso do salário-educação criado em 1964 e revisto em 1975, pelo


qual as empresas pagavam imposto relativo aos filhos de funcionários em idade
escolar, os investimentos na área decresceram ao longo do regime. No estado de
São Paulo, por exemplo, de 8,7 salários mínimos, os docentes passaram a receber
5,7 salários, em 1979, segundo o livro Educação, Estado e Democracia (Luiz
Antônio Cunha, 495 págs., Ed. Cortez, tel. 11/3864-0111, 56 reais). Assim, muitos
educadores e alunos migraram para escolas privadas.

Linha do tempo

1968 O AI-5 é assinado e aumenta a repressão a atos públicos.

1969 A disciplina de Educação Moral e Cívica se torna obrigatória em todas as


etapas.

1970 O Mobral é implementado com foco na alfabetização de adultos.

1975 Começa o processo de transição do regime para a democracia.

1985 Tancredo Neves é eleito e morre antes de assumir.

Mobilização e abertura

A esse cenário se somou a crise do petróleo, em 1973, que acabou com o


chamado milagre econômico, época em que o produto interno bruto (PIB) do país
aumentava cerca de 10% ao ano. A militância política ficou mais forte e as
pessoas começaram a reivindicar a volta da democracia.

Diante do fortalecimento da oposição democrática, o general Ernesto Geisel


(1908-1996) iniciou em seu governo o processo de abertura lenta e gradual que
acarretou mudanças educacionais. O ensino de 1º grau foi municipalizado, numa
tentativa de descentralizar e democratizar o sistema. Em 1979, o Ministério da
Educação e Cultura foi assumido por um professor universitário pouco
identificado com o regime, Eduardo Portella, outro indício de que as coisas
estavam mudando. E João Figueiredo (1918-1999), último presidente militar,
intensificou o processo de abertura, revogou a obrigatoriedade de o 2º grau ser
profissionalizante e criou programas específicos para o ensino voltados à
população de baixa renda, que geraram pouca mudança na prática.

Três anos depois, se encerrou a ditadura militar no Brasil. Tancredo Neves (1910-
1985) ganhou a eleição indireta, mas morreu antes da posse e seu vice, José
Sarney, se tornou o primeiro presidente da chamada Nova República, que será
contemplada no próximo capítulo desta série.

Questão de concurso
Prefeitura Municipal de Paulo Frontin, PR, 2012
Prova para professor

De acordo com a história da Educação brasileira é incorreto afirmar:

(A) Os jesuítas, que chegaram ao Brasil liderados por Manuel da Nóbrega, foram
os responsáveis pela criação das primeiras escolas do país.

(B) No período da ditadura militar é incentivada a criação de órgãos de


representação estudantil em âmbito nacional.

(C) A era pombalina é marcada pela implantação do sistema de aulas régias de


disciplinas isoladas.

(D) Um dos objetivos do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova era defender
a Educação obrigatória, leiga, pública e gratuita.

(E) O ensino jesuítico centrava-se na formação humanística.

Resposta correta: B

Comentário Após o golpe de 1964, as organizações representativas do movimento


estudantil, como a UNE e as Uniões Estaduais de Estudantes (UEEs), foram
colocadas na ilegalidade por combaterem a ditadura militar.

Consultoria Amarilio Ferreira Jr.

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