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Márcio Antônio Sens

As Bagagens de
Meu Irmão
Rio de Janeiro - 1997.
As Bagagens de
Meu Irmão
Processo CNPq 10711-000932/92-45
Sens, Márcio Antônio - As Bagagens De Meu
Irmão: Memórias/Márcio Antônio Sens.
Rio de Janeiro - 1995. FVS-Fundação Vitório Sens.
1. Brasil -- Família - 1987. 2. Sens, Maurício
Luiz.1957 3. Aventuras. 4. Viagens --Título.

95-0300 CDD - 320.951091

Índice para catálogo sistemático.


1. Brasil --Família 1987-
CDD - 320.951091

Copyright © 1995 by Márcio Antônio Sens.

Direitos exclusivos desta edição reservados à Fundação Vitorio Sens.


Rua Professor Paulo Roberto Martins, 03 Jardim Santa Mônica -Trindade -
Florianópolis - SC.

Impresso no Brasil
ISBN 95-01-51-07-07-X

Pedidos Pelo E-mail marciosens@gmail.com


À minha mulher, Lígia, digna e fiel companheira, por permitir
que eu me dedicasse a este empreendimento, sem fazer muitas
perguntas.
Ao meu Irmão Moacyr, por me educar e me sustentar na
juventude, além de me pagar para ler um livro sobre boas
maneiras.
Ao meu Irmão Mauri, por dar continuidade ao meu
sustento na juventude, e por arrancar alguns de meus dentes.
Também, por permitir que eu desmontasse todo o seu único
aparelho de raios X, por pura diversão, durante uma de minhas
férias em sua casa.
À minha Irmã Ezir, por me vender pelo preço de custo a
impressora que utilizei neste trabalho, com cartuchos de tinta
velhos.
À minha Irmã Evanir, pela hospedagem em sua casa, nas
minhas férias, permitindo-me ler sossegado o livro “As
Aparições”, de Ërich Von Däniken, e por me arranjar algumas
tralhas para consertar.
Ao meu saudoso Irmão Mário, pelas aventuras que
passamos juntos em São Paulo, por ocasião de meus estágios de
formação acadêmica, e por levar consigo alguns de nossos
segredos.
À minha Irmã Eucléria, pelas sobremesas deliciosas que
me preparou durante minhas curtas visitas a sua residência.
Ao meu Irmão Maurício, por nossas aventuras na
Europa, nossas buscas sobre laços familiares e por suas
bagagens.
À minha Irmã Elizabeth, por me confiar o reparo de uma
dúzia de bugigangas imprestáveis de sua casa, e por me
presentear com meia dúzia de aparelhos toca-fitas, do tipo
“Walk-Man”, igualmente imprestáveis.
À minha Irmã Elizete, por atender aos meus telefonemas
e transmitir meus recados com extrema exatidão.
À minha Irmã Eunice, por segurar minhas mãos quando
tentei consertar sua máquina de lavar roupas alugada e por me
presentear com a metade de um dicionário eletrônico.
À minha Irmã Eliete, pela aventura que me propiciou
junto ao Consulado Americano da Região Sul do Brasil, por
ocasião da obtenção de seu visto no passaporte para visitar a
Disney.
Às minhas cunhadas, por suportarem com talento e
paciência, dentro de certos limites, à todas as extravagâncias de
meus Irmãos.
Aos meus cunhados, por satisfazerem, quase sempre, as
minhas Irmãs.
À minha querida Mãe, por todos estes maravilhosos
Irmãos, por nos sustentar a pão de milho, e também por aqueles
deliciosos bolinhos de soja, que dava um trabalhão danado para
preparar.
PREFÁCIO

a escola primária, onde iniciamos juntos,


N em Ituporanga - SC, meu marido era
chamado de “Mosquito Elétrico”. Tal
denominação, acredito que serviria também
para um de meus filhos, o Leonardo , pois
assim como o pai, ele não sossega um
minuto quieto, mas se mantém em
constância agitação, procurando as mais
variadas atividades. O Márcio diz que
lembra bem de mim na escola primária, mas
confesso que eu não tenho uma nítida
lembrança dele naquela distante época.
O Márcio, pela necessidade de
agitação constante, sempre arrumou o que
fazer, mais para os outros do que para si, e
quase sempre apenas pelo prazer de servir
e de quebrar a cabeça na solução de
complicados problemas. Na escola primária,
consertava grampeadores de papéis,
campainhas elétricas, jarras elétricas de
aquecimento de água, chuveiros elétricos e
muitos outros objetos danificados pelo uso.
Ele era procurado para estas atividades na
escola ou em casa, pelos professores, pelos
padres da Casa Paroquial, pelas freiras do
Hospital, pelos tios e pelos vizinhos.
Quanto mais complexa a tarefa, mais
lhe interessava e, principalmente àquelas
que outros já haviam tentado resolver sem o
sucesso. Aquilo que muito comumente é
resolvido por outros, meu marido prefere
pagar para fazer, para não lhe tomar o
precioso tempo.
Aliás, tempo é uma coisa que o
Márcio não desperdiça. Até no banheiro ele
aproveita para ocupá-lo duplamente, pois
desde que nos casamos percebo que ele
conta com uma biblioteca específica neste
local, além da principal, é claro, onde inclui-
se blocos de anotações, canetas de várias
cores e prancheta própria. Tudo às mãos,
de frente para o “trono” . Além de ler no
banheiro, o Márcio lê e escreve
constantemente no avião, no ônibus, na
praia enquanto distrai nossa filha Mariana e
até enquanto espera o elevador. Ele não sai
para qualquer lugar sem uma caneta e
bloquinhos de anotações.
Realmente não sei como meu marido
consegue assistir ao jornal nacional das
20:00 horas na televisão e simultaneamente
pesquisar uma série de livros que estão
sempre abertos pelo escritório, e ainda
operar um de seus computadores, além de
escrever.

Lígia Maria Philippi Sens.


Rio de Janeiro, maio de 1995.
PREFÁCIO DA 2 a EDIÇÃO

primeira edição deste relatório foi


A apresentada ao Maurício no Natal de 1995,
assim como aos demais irmãos e parentes
reunidos naquela festa, em Florianópolis. Com a
distribuição aos irmãos e aos amigos, logo foi
esgotada a primeira tiragem e pensou-se numa
segunda reimpressão do livro. Entretanto, logo
apareceram, também, as primeiras sugestões
para o melhoramento da redação.
Meu Irmão Maurí achou que não ficava bem a
utilização da palavra "Kombi" com a primeira letra
em maiúscula, e minha maninha Zete achou que não
havia necessidade de se repetir tantas vezes que o
Nego era o meu Irmão e que seu nome era Maurício.
De fato muitos erros de datilografia foram
encontrados, e até palavras trocadas, de modos que
uma segunda edição seria realmente e plenamente
justificada.
Assim, foi revisado o texto da versão original
e aproveitou-se para a inclusão de um capítulo
adicional, o capítulo 9, contando sobre as
dificuldades do Nego nos primeiros dias em Rennes -
França.
Mesmo assim, não foram efetuadas exaustivas
buscas de erros e tampouco de uma modesta busca
pela perfeição do texto, devendo ser encontrados
inúmeros erros ortográficos ou mesmo de
datilografia, que não reduzem os objetivos do
presente relato estritamente de cunho familiar.
M.A.Sens.
Niterói, dezembro de 1997.
AGRADECIMENTOS

Asimaginação
seguintes pessoas, que não são frutos da
e tampouco personagens fictícias,
mas reais e de carne e osso (mais osso do que
carne), tiveram participação ativa para o bom êxito e
o bom andamento do empreendimento descrito neste
relatório, a quem o autor expressa seus
agradecimentos, independente do credo, embora
quase sempre do candomblé, ou de cor, quase sempre
marronzinhos, como se expressa meu filho Rodrigo,
de 6 anos, para evitar o termo mais direto - crioulos,
sem os quais, certamente, eu não teria despendido tão
precioso tempo na condução das mais elementares
tarefas.
Aqui são citadas as empresas e as pessoas
contactadas, incluído os telefones, para o caso de se
necessitar de empreendimentos similares novamente,
o qual, sinceramente, espero que não ocorra jamais.
Fiscal da Receita Federal do Aeroporto Internacional
de São Paulo, Sr. Antônio Jorge de Carvalho,
residente no Grajaú, Rio de Janeiro;
CDRJ - Companhia Docas do Rio de Janeiro, Cais do
Porto, Sr. Josemário Rodrigues, fones 021 - 296 21
21; 291 21 21 ou 296 51 51;
Expresso Catarinense de Transportes, Escritório da
Penha, Srª. Solange, Srtª. Maria ou Sr. Paulo César,
fones 021 - 260 75 63 ou 230 70 76;
Inspetoria da Receita Federal, divisão Internacional
de São Paulo, Srª. Maria Ascensão e Srª. Eliane
Rodrigues, fones 011 - 945 27 87, 945 28 89 ou 945
28 33;
Inspetoria da Receita Federal, Aeroporto
Internacional de Guarulhos-SP, Tenente Tânia (chefe
da Divisão), e Inspetora Srª. Hiroko Kimura, fone
011 - 945 29 03;
Itapemirim Transportes de Carga, Srª. Rosângela ou
Denise ou Rose, fone 021 - 591 24 99; Escritório
Central Sr. Francisco, fone 021 - 233 51 30;
Itapemirim - Rodoviária Novo Rio, fone 233 - 82 84;
Caravelle - Transportes Marítimos S.A., escritório do
Flamengo - Rio de Janeiro, Sr. Luiz, fone 290 34 11;
Unimare - Companhia de Administração de
Transportes Marítimos, Praça Mauá, Av. Venezuela,
Sr. Adalto, Srtª. Simone ou Srtª. Carla, fone 021 - 223
24 54;
Aliança Empresa de Navegação S/A., Av. Pasteur
110, Botafogo, Srª. Sônia, fone 021 - 546 11 74;
Alfândega - Receita Federal, Armazém 1-A, Sr.
Carlos Mouzinho de Azevedo, Srª. Heriette, Srª. Beth
e Ana Beatriz Pontes dos Santos, fone 021 - 516 17
15;
Ministério da Fazenda - Inspetoria da Receita
Federal, Estrada do Galeão, 5335 - Rio de Janeiro, Sr.
Almeida e Srtª. Ana Lúcia, fone 021 - 393 58 01
R/214 ou 215;
Inspetoria da Receita Federal de São Paulo - Divisão
Pinheiros, Sr. Fernando, fone 011 - 211 1808;
Inspetoria da Receita Federal de São Paulo - Divisão
Guarulhos, Aeroporto Internacional, Sr. Alberto
Fortes, fone 011 - 912 61 49 ou 945 26 09;
Inspetoria da Receita Federal de São Paulo - Divisão
Aduaneira Santa Glória, Av. Prestes Maia, 733,
Tenente Franklin, fone 011 - 229 76 38;
Multiteminais Alfandegados do Rio de Janeiro, Sr.
Lima, fone 021-580 22 02 ou 580 54 69;
Cacilda Justino (sogra do Maurício), Florianópolis -
SC, fone 048-222 85 61;
Eliete Rosane Sens (Irmã), Florianópolis - SC,
telefone 048 - 233 24 87;
Elizete Sens Bonetto(Irmã), Florianópolis - SC,
telefone 048 - 234 12 67.
Certamente pessoas importantes e indispensáveis ao
andamento e desembaraço dos processos não foram
aqui lembradas, pois muitas contribuíram de modo
indireto e espontâneo, como em todo e qualquer
grande empreendimento.
De qualquer forma, não tive contato direto
com todos os envolvidos, incluindo operadores de
guindastes e de empilhadeiras do Cais do Porto
francês de Le Havre e do Rio de Janeiro, motoristas,
caminhoneiros, carregadores, escriturários, agentes
alfandegários, telefonistas, agentes dos Correios,
carteiros, porteiros de edifícios, militares e até um
comandante de um transatlântico. Teria sido
empolgante ter conhecido toda esta gente, o que
lamento pela impossibilidade, mas, mesmo assim, os
agradeço.
As Bagagens
de Meu Irmão
2a Edição

Rio de Janeiro - 1997.


SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ····································································26

2 PREPARAÇÃO PARA A PRIMEIRA VIAGEM


INTERNACIONAL·······························································28

3 AS PRIMEIRAS ENCOMENDAS········································33

4 A COMPRA DE DÓLARES COM CHEQUE ······················37

5 UMA RODADA PELA EUROPA EM 1987 ·························40


5.1 Minha Chegada Em Lyon - França 45
5.2 Na Casa Dos Brasileiros Em Lyon - França 47
6 O PRIMEIRO ENCONTRO DOS IRMÃOS SENS NA
EUROPA ·············································································51
6.1 Trem De Primeira Classe 55
6.2 O Final Dos Congressos 58
7 O ADEUS A BAMBERG, NA ALEMANHA ························65

8 UMA RÁPIDA IDA À ITÁLIA ··············································69

9 MEU IRMÃO PARTE DE LYON PARA RENNES -


FRANÇA··············································································75
9.1 Viajar é preciso, comer também é preciso. 79
9.2 O cheiro do Arroz 83
10 MEU IRMÃO SE INSTALA EM RENNES - FRANÇA ········86

11 COLETANDO LEMBRANÇAS ···········································89

12 O SEGUNDO ENCONTRO DOS IRMÃOS SENS NA


EUROPA ·············································································91
12.1 Uma Péssima Recepção em Paris 95
12.2 Minha Visita a Rennes - França 96
13 COLETANDO LEMBRANÇAS E UMA VISITA AO BRASIL101

14 O TERCEIRO ENCONTRO DOS IRMÃOS SENS NA


EUROPA ···········································································104
14.1 Nova Luta pelo Patrocínio 105
14.2 Nada de Hotéis em Paris 108
14.3 As Bagagens da Inglesinha 110
14.4 Entrando no Casa da Rosaura, em Paris 112
14.5 A Conferência JICABLE-91 114
14.6 Alguns Consertos Rápidos 116
14.7 O Cozimento dos Pés do Jerome 117
14.8 Meu Retorno a Rennes - França 118
14.9 Minhas Férias em Rennes França 121
15 O REEMBOLSO DA PASSAGEM····································132

16 A MUDANÇA DE MAURÍCIO E MÔNICA ························134

17 A MUDANÇA VEIO DE NAVIO ········································136

18 AS CHAVES DOS CADEADOS ·······································138

19 O NOME DO NAVIO COM O CARREGAMENTO


ESPECIAL·········································································140

20 NAVIO À VISTA ································································142

21 TELEFONES QUEBRADOS·············································144

22 A EMPRESA DE TRANSPORTES MARÍTIMOS ·············146

23 O DÉCIMO DIA DA MARATONA ·····································152

24 A CHEGADA DAS BAGAGENS AO RIO ························156

25 EM BUSCA DA RELAÇÃO CONSULAR·························176

26 A RELAÇÃO CONSULAR EM ORIGINAL - SELADA ····186

27 LACRE NÃO É SELO ·······················································189

28 NA PROCURA DE UM AGENTE ALFANDEGÁRIO DE


ORIGEM JAPONESA ·······················································198

29 A RELAÇÃO CONSULAR FOI ENCONTRADA··············210


30 MARATONA - MISSÃO: APANHAR DOCUMENTOS NO
GRAJAÚ············································································217

31 DE VOLTA AO SR. MOUZINHO ······································227

32 PAGANDO A CAPATAZIA···············································234

33 DOCUMENTOS EM TRAMITAÇÃO NO MANIFESTO ····241

34 DESIGNADO O FISCAL PARA AS BAGAGENS············245

35 A CONFERÊNCIA DAS BAGAGENS ······························250

36 O TRIGÉSIMO SEXTO DIA DA MARATONA - OPERAÇÃO


TRANSPORTADORA ·······················································266

37 A COLETA DA BAGAGEM NO CAIS DO PORTO··········276

38 A REMESSA DAS CHAVES DOS CADEADOS ··············284

39 A RECEPÇÃO DA BAGAGEM ········································288

40 O QUADRAGÉSIMO DIA DA MARATONA - A ABERTURA


DAS MALAS ·····································································293

41 CONCLUINDO O EMPREENDIMENTO···························297
M. A. Sens

25
As Bagagens de Meu Irmão

1 INTRODUÇÃO

ste relatório trata de um exemplo do bom


E relacionamento entre os Irmãos
da Fundação Vitório
, membros
SENS
, quase todos residentes no
Sens
Estado de Santa Catarina, um Estado de Graça, que
seja bem dito.
Aqui não são tratadas intrigas familiares e tampouco
acusações entre irmãos. Este relatório não contém denúncias
ou críticas a qualquer pessoa da família, incluindo irmãos,
irmãs, cunhados, cunhadas, mãe ou a qualquer outra pessoa
alheia. Também não há aqui tratados literários sobre
corrupção, drogas, seduções ou perversão sexual, como
aqueles encontrados em detalhes em “A Trajetória de um
Farsante”.

26
M. A. Sens

O Caro leitor encontrará aqui, tão somente relatos


detalhados sobre a colaboração mútua entre irmãos de uma
linda e numerosa família de origem catarinense, do Sul do
Brasil.
Os relatos tratam de contratempos em viagens e
sobre encomendas para transporte de bagagens entre
localidades distantes, solicitadas por um a outro irmão, e
certamente poderiam ser resumidos em uma única página,
entretanto, por inspiração nos trabalhos recentemente
publicados pelo renomado autor de “Eram os Deuses
Astronautas?”, E. Von Däniken, aproveitou-se para mostrar
como produzir um livro sobre um assunto que daria para
relatar, sem os entretantos, no prefácio.

27
As Bagagens de Meu Irmão

2 PREPARAÇÃO PARA A PRIMEIRA


VIAGEM INTERNACIONAL

No ano de, jovem,


1987, o meu Irmão mais novo, o
Maurício solteiro, já era professor da
Universidade Federal de Santa Catarina, quando
tomou uma decisão. Ganhava, na época, cerca de
US$350,00, e resolveu que iria estudar um pouco
mais, no exterior.
Com isto, meu Irmão obteria o título e grau de
doutor, e provavelmente passaria a ganhar uns
US$500,00 mensais.
Com alto índice de viração própria, como
denominava meu professor Hamilton Savi, como a
maioria dos SENS e todos os meus irmãos, ele foi à

28
M. A. Sens

luta, e obteve uma bolsa de estudos da CAPES,


entidade ligada ao governo federal para amparo ao
ensino e à pesquisa.
Estávamos em julho de 1987 e tudo estava
indo bem encaminhado para a partida de meu Irmão a
um país distante. Era só aguardar a confirmação da
bolsa de estudos, que sairia a qualquer momento.
Na ocasião, enquanto o Maurício, ou o Nego, como
costumo chamá-lo, se preparava para a viagem,
casando com a linda garota Monica, eu me preparava
para mais um congresso internacional no exterior,
aliás, dois, que ocorreriam em setembro de 1987,
ambos na França.
Veio bem a propósito esta minha viagem. Meu Irmão
também estaria na França, e eu poderia visitá-lo,
aproveitando já levaria, é claro, algumas encomendas
do Brasil.
Como meu Irmão, o Nego, pertencia a uma
Universidade Federal brasileira, e dependia da

29
As Bagagens de Meu Irmão

burocracia brasileira, ou melhor, brasiliana, a bolsa


de estudos não era aprovada assim, de um dia para
outros trinta. Eu, da mesma forma, sofredor veterano
da escala federal, só obtive a informação de que não
haviam recursos para a minha participação nos
congressos, quando só faltavam sete dias para a
viagem. E, a estas alturas, eu já tinha reservas pela
AIR FRANCE, com várias prorrogações.
Minha intenção na viagem, entretanto, era mais forte
e não me abati com os obstáculos. Diante da
eminência de ter que cancelar uma viagem toda
programada, telefonei para o Gerente Geral da Pirelli
- CABOS Elétricos, fabricante de cabos elétricos
isolados para alta tensão, com o qual eu tinha boas
relações profissionais, e obtive o patrocínio para a
minha participação nos congressos na França.
Obtive mais, também uma extensão de minha
viagem até a Alemanha, com o patrocínio da Siemens
do Brasil. Esta última, evidentemente sem o
conhecimento do primeiro patrocinador, ou seja, da

30
M. A. Sens

Pirelli, pois ambos são concorrentes na área de cabos


elétricos.
Estava tudo certo, só faltava a confirmação da
viagem do Nego. Já estávamos em setembro, e o “a
qualquer momento” da saída da bolsa de estudos da
CAPES para o professor catarinense não saía.
Desta forma, acabei viajando primeiro que o Nego e
fui participar dos dois congressos internacionais. Um
foi em Paris, no primeiro JICABLE - Congresso
sobre Cabos Elétricos, e outro em Lyon, em 18 de
setembro de 1987. Este último foi a primeira reunião
do Simpósio Europeu sobre Materiais Poliméricos.
Desta vez eu estava sozinho na Europa, sem meu
amigo britânico John H. Mason, e teria que ir até a
Alemanha e Itália, além da França. A Inglaterra não
estava no meu roteiro desta vez.
Lyon era um ponto estratégico de minha
viagem. Esta importante cidade européia fica na
França, e um casal de brasileiros, muito bem
conhecido do Nego, residia lá, e poderia ser um ponto

31
As Bagagens de Meu Irmão

de encontro com meu Irmão, cuja viagem estava


ainda sem data marcada.

32
M. A. Sens

3 AS PRIMEIRAS ENCOMENDAS

omo minha viagem à França já estava certa, e


C meu Irmão esperava mesmo ir na mesma direção,
ficou tudo bem combinado entre nós. Na ida a Lyon
eu levaria parte da bagagem do Nego e de sua esposa,
a Monica, ou seja, do jovem casal, para a França, e
deixaria na casa do casal de brasileiros que lá residia,
Armando e Janete, bem conhecidos e amigos do
professor.
Dessa forma, quando o Nego conseguisse chegar a
Lyon, no caminho para Rennes - França, com um
enorme desvio da rota normal, ele apanharia a
bagagem. Tudo combinado, foram embalados os
livros mais pesados e os conjuntos de pratos de

33
As Bagagens de Meu Irmão

porcelana, nada leves, numa caixa de papelão de


30x40x60cm e despachada de Florianópolis para o
Rio de Janeiro, de ônibus, onde a apanhei na
rodoviária Novo Rio.
Iniciava-se, então, a maratona das bagagens
de meu Irmão. Para me facilitar a retirada da
encomenda, a caixa foi remetida numa sexta-feira,
para chegar ao Rio na manhã seguinte, ou seja, no
sábado, quando eu tinha mais tempo para a retirada.
O dia de sábado mal estava amanhecendo,
ensolarado, sem chuvas, o que era bom para
preservar caixas de papelão, e já eu viajava de ônibus
de Niterói para o Rio, pela linha da CTC, de número
999, com destino ao Castelo, bairro do centro do Rio.
Este ônibus costuma passar com muita freqüência,
exceto aos sábados, e a passagem era barata, bem
menos que a gasolina que um carro gastaria para
fazer o mesmo percurso. A passagem custou-me
apenas o equivalente a US$1,85.

34
M. A. Sens

Levei um carrinho de malas para carregar a


encomenda, e saltei em frente a CEG - Companhia
Estadual de Gás. Este ponto de ônibus é realmente
inconfundível, mesmo dormindo os passageiros o
percebem, pelo cheiro do gás. Saltei do ônibus, e
andei mais uns 350 metros. Na rodoviária, apenas
uma escada rolante para subir e uma daquelas
comuns, em dois estágios, para descer, e eu já estava
diante da área de recepção de passageiros da
Rodoviária Novo Rio.
Cheguei na rodoviária um pouco mais cedo
do que o ônibus da Penha, que vinha da capital
catarinense com a encomenda e, como de costume,
fiquei lendo, da mesma forma como vim no ônibus
desde Niterói. Na ocasião eu lia o livro de Ludwig
Schwennhagen, sobre “Os Fenícios no Brasil”, um
tratado histórico sobre a antiga história do Brasil de
1100 a.C. a 1500 d.C.
Tão logo o ônibus da Auto Viação Penha
chegou na rodoviária Novo Rio, e o motorista ficou

35
As Bagagens de Meu Irmão

livre, o contactei, assinei o recibo da encomenda, me


certifiquei que o frete já estivesse pago, e estava,
apanhei a caixa de papelão, e retornei a Niterói.
A caixa de papelão, encomenda de meu
Irmão, que foi apanhada com os devidos cuidados,
muito bem recomendados, e que pesava apenas
17,5kg, dava perfeitamente para ser manejada com
certa facilidade com o carrinho de bagagens, exceto
nas escadarias de aço da passarela sobre a avenida.
Lá pelas 10:30 h eu já tinha embarcado de volta para
Niterói, pela linha da CTC 996, que vai da Gávea
para Charitas, em Niterói, e perto do meio dia eu já
estava em casa, para o almoço, quando tentei
confirmar ao Nego, por telefone, o recebimento da
mercadoria. Como ele estava na praia, deixei o
recado com Dona Cacilda, a sogra, que também
expressava alguma preocupação com aquelas
porcelanas, presentes de casamento.

36
M. A. Sens

4 A COMPRA DE DÓLARES COM


CHEQUE

inha viagem para a Europa estava confirmada.


M Recebi em minha conta o auxilio da Pirelli,
retirei os complementos da poupança bancária, e
comprei US$7500,00. Operações financeiras como
estas são corriqueiras, entretanto, esta compra de
dólares foi digna de registro.
Naquela época o Banco do Brasil vendia
dólares apenas para viagens, e no câmbio oficial,
mediante autorização ministerial, porém somente
aceitava pagamento em dinheiro, mesmo para
clientes do banco. Como eu não estava com a
autorização ministerial para me ausentar do país, já

37
As Bagagens de Meu Irmão

que a missão oficial não foi aprovada, tive que


adquirir os dólares no câmbio paralelo.
Desta forma, procurei uma casa de câmbio por
indicação de meu amigo Yamaguti, no centro do
Rio. Fui logo bem atendido pelo gerente, que me deu
um cartão, confirmou a indicação e me liberou em
menos de um minuto para o atendimento. Na salinha
de atendimento, um jovem me entregou os
US$7500,00 e me indicou a quantia que eu deveria
fazer o cheque, na moeda corrente nacional, que nem
me lembro qual era.
Ao entregar o cheque, fui logo pegando meus
documentos, pois tinha vindo preparado com
passaporte, identidade, cartão do banco, comprovante
de endereço, contracheque do CEPEL, CPF, etc.,
etc., ..mas, para minha surpresa, o jovem fez um leve
sinal com a mão, indicando que nada daquilo era
necessário. Apenas o cheque era suficiente, nem meu
telefone foi tomado, como de costume.

38
M. A. Sens

Percebi que para estes casos, de compra de


dólares em casas de câmbio, mais valia a palavra de
uma pessoa conhecida, uma boa indicação, do que
documentos, susceptíveis de falsificações.
Jamais tive tanta moeda americana em meus
bolsos. Andei tranqüilamente, mas não muito, pela
cidade, sem contudo, ser assaltado. Isto sim, que é
Brasil.

39
As Bagagens de Meu Irmão

5 UMA RODADA PELA EUROPA EM


1987

Com os recursos necessários no bolso, adquiri o


bilhete de passagem para Paris pela AIR
FRANCE, saindo do Rio. Naquela época esta
companhia de aviação ainda operava no Brasil
regularmente, porém já sem o famoso avião
supersônico “Concorde”, que por falta de
passageiros ricos, a linha foi suspensa. De qualquer
forma, eu não estava lá com tanta pressa assim, e
poderia ir num avião comum, para mortais.
Com bagagem para trinta dias, composta de duas
malas de vinte cinco quilos, mais a caixa de papelão
toda desconforme de se pegar, com os pratos de

40
M. A. Sens

porcelana da Monica, mais minha pasta de 7,5 kg,


totalizando o suficiente para dois carrinhos de malas,
parti para o destino.
Minha sorte parece que estava em baixa. Ao
entrar no avião, fui sorteado com uma poltrona que
não inclinava um grau. Logo que a coisa subiu,
percebi que o Céu era mais gelado do que eu
pensava. Meus vizinhos estavam de casacos
apropriados para o clima europeu. Eu também não
estava de todo despreparado, só que os meus casacos
estavam na mala, no porão da geladeira voadora.
Com a friagem do avião, acabei com uma
bruta gripe e com a garganta inflamada. Com a falta
de inclinação da poltrona acabei com uma costela
cruzada e, para complicar um pouquinho mais, comi
algumas fatias de salmão estragado.
Com a tal comida nada sadia, cheguei a Paris com
intoxicação e febre, minhas pernas tremiam e o
queixo batia do frio. Meu único apetite era por água.
Além de minha pasta, que nunca foi leve, eu tinha

41
As Bagagens de Meu Irmão

minhas malas e a tal caixa de pratos, frágil, e ainda


para complicar, com minhas pernas bambas. Neste
particular, mesmo em ritmo normal, lembro que
minhas pernas nunca foram lá muito perfeitas.
Acredito que tais segmentos de meu corpo não foram
projetados para o manuseio de cargas muito pesadas,
pois com estas, as pernas entortam ainda mais do que
originalmente, descarregado.
No aeroporto de Paris, meio zonzo, perguntei e
indaguei como se chega, normalmente, à cidade de
Lyon. De tudo o que me diziam eu só captava uma
palavra, que não entendia: “Gardelion”.
Mas se nem água eu sabia pedir em francês,
imaginem a dificuldade para descobrir o caminho da
tal cidade de Lyon. Quando indagados, os franceses,
que não gostam de se expressarem em qualquer outra
língua, muito menos na dos concorrentes americanos,
sempre me diziam o mesmo: “gardelion”. Eu ia lá
saber o que eles queriam dizer com isto?

42
M. A. Sens

Ao tomar o táxi no aeroporto, repeti para o motorista:


“gardelion”. Tive sorte, pois o motorista parece que
logo me entendeu, e seguiu um destino qualquer,
parando num lugar qualquer. No final, descobri o que
significava a tal palavra estranha, pois acabei numa
estação de trem, na ferroviária. Bem na entrada da
estação podia se ler: “GARE DE LYON”, que até em
português significa local de embarque de passageiros
para os trens. Entretanto, só descobri o significado de
“gare” dois meses mais tarde, no Aurélio.
Dentro do táxi da capital francesa, percebi
que na janela tinha uma tabela de tarifas para cargas,
incluía custos para cachorros, bicicletas e bagagens
estranhas. No momento de pagar, foi cobrado a tarifa
normal, incluído bagagens normais e uma tarifa
adicional de FF$70,00, que se referia justamente pelo
transporte da desqualificada caixa de papelão, com a
etiqueta de frágil, com os raios dos pratos.
Já no interior da estação, deparei-me com uma
série de terminais de computadores, que todo mundo

43
As Bagagens de Meu Irmão

olhava e teclava algumas coisas. Também fui lá,


imitando os passageiros anteriores, porém, sem saber
para que serviam aqueles aparelhos. Nestas alturas,
caiu um anjo, na forma de garota, até bonitinha, com
sardas e cabelo de fogo, que percebeu minha
dificuldade. Ela falava inglês e deu para nos
comunicar. A tal máquina servia para as reservas de
passagens, que se fazem mesmo alguns minutos antes
do embarque. Com a ajuda da garota procedi à tal
“reservasion”, e continuei para os guichês de compra
de passagens.
Na compra da passagem, que dificuldade para
entender o preço. Os números no francês falado são
bem diferentes. Quando o caixeiro escreveu num
papel, que susto. Custou-me FF$360,00, o que dava
mais ou menos US$60,00. É, mais o raio do trem era
daqueles que anda que nem bala.

44
M. A. Sens

5.1 Minha Chegada Em Lyon - França

Tomando somente água, pelo problema com a


comida que me foi selecionada durante a viagem
aérea, cheguei ao tal Lyon, eu diria,
aparentemente sem problemas. Em Lyon eu tinha
marcado encontro com um sujeito chamado Armando,
amigo do Nego, que não me conhecia e que eu não
tinha a menor idéia de como se parecia. Eu lhe tinha
dado algumas pistas de como me identificar: eu era
parecido com o Nego e tinha uma caixa de papelão
desconforme.
Com toda aquela bagagem e com as pernas
bambas de fraqueza, eu não poderia tomar qualquer
caminho por escadas para sair da estação ferroviária.
Por comodidade, tomei um elevador, que embora
mais distante da saída normal do trem, dava direto ao
acesso principal da estação ferroviária, onde fiquei
aguardando o encontro com o tal sujeito.

45
As Bagagens de Meu Irmão

O encontro se deu duas horas após o marcado. Neste


tempo, o Armando já tinha telefonado duas vezes
para a casa dele e aguardado a chegada de dois outros
trens, cercando cada passageiro na saída dos mesmos.
A Janete, esposa do Armando, já tinha checado por
telefone junto a estação de Paris, se meu nome
estava na “reservasion” dos computadores. E
estava..., lá a coisa funciona.
O Armando não contava com a possibilidade de eu
utilizar o elevador para descer tão curta distância.
Quando já tinha desistido e ia indo embora, esbarrou
comigo, sentado, tomando água em uma garrafa,
daquelas de um litro, de plástico, aguardando, e de
aparência igualzinha ao Prof. Maurício. Segundo ele
nem foi necessário conferir se eu estava com a caixa.
As aparências, neste caso, não enganavam, mas
confirmava: eram mesmo um SENS, embora pálido e
abatido, devia ser o Irmão do Maurício.
Minha primeira providência ao encontrar com o amigo do
Nego foi me livrar daquela caixa. O Armando mesmo

46
M. A. Sens

quem apanhou, gentilmente, e a colocou no carro,


junto com as malas e com os dois carrinhos de malas.
Isto estava ocorrendo em um sábado, 12 de
setembro de 1987, e na segunda-feira eu teria que
participar da conferência sobre materiais poliméricos,
onde eu poderia finalmente me comunicar com as
pessoas em inglês, pois de francês eu só tinha
aprendido, mais ou menos, a pedir água, que foi pela
mais extrema necessidade, e mesmo assim, porque
para isto basta abrir a boca, nem fechar é necessário.

5.2 Na Casa Dos Brasileiros Em Lyon -


França

Fui recebidoe calorosamente


Armando
pelos amigos do
, que também estudavam em
Janete
Nego,

convênio da Universidade Federal de Santa


Catarina com o governo francês, e que moravam num
pequeno apartamento dentro do campus da
Universidade de Lyon. Logo o Armando foi me

47
As Bagagens de Meu Irmão

apresentando aos amigos, e também logo os


comentários entre eles, em francês, eram de como eu
tinha me perdido na estação do TGV(Trem de grande
velocidade) de Lyon.
Conversávamos ainda no jardim, gramado,
quando, me lembro bem, subitamente pedi para ir ao
banheiro. O recinto era bem pequeno, comparado aos
padrões brasileiros, mas felizmente tinha um
exaustor. Se fosse só pelo fedor, eu nem teria
estranhado e tampouco relatado esta comum
ocorrência. O que foi para mim, estranho, foi a cor do
meu cocô. A coisa era verde, muito verde mesmo,
como o de alguém que comeu abacate puro por um
mês, recheado com folhas de alface. Este foi o
resultado de minha intoxicação pela comida da AIR
FRANCE.
Na segunda-feira, a caminho do Palácio dos
Congressos, passei por uma farmácia, para me livrar
daquela gripe, irritação de garganta e intoxicação. Na
farmácia, fui bem atendido por uma garota de nariz

48
M. A. Sens

fino, simpática, que após minha identificação como


brasileiro, mostrou que entendia um pouco o inglês, e
me recomendou pastilhas, vitamina C efervesceste da
Bayer e um laxante, o Facilax, para “tratement de lá
constipation”.
O congresso foi brilhante. Logo no primeiro
dia tivemos uma recepção pelo Sr. Jean Palluy,
président du Département du Rhône, no próprio
“salons de l’Hôtel du Departement”, no fim da tarde
de 14 de setembro, sob patrocínio “de la Fédération
Européenne des Polymères”. Acho que o cara era
uma espécie de prefeito ou governador de província,
sei lá, mas os trajes pareciam de um imperador
romano, com toda a pompa e luxo. A esposa do
distinto representante público, de dois metros e meio
de diâmetro, o que tinha de ferragens... as argolas dos
braceletes e brincos se viam de longa distância. Achei
até perigoso, sob ponto de vista da segurança elétrica,
pois poderiam atrair descargas elétricas e raios de
muito longe. E ela não tinha fio terra.

49
As Bagagens de Meu Irmão

O jantar do dia quinze de setembro foi sob


convite do “Le Président de L’Université Claude
Bernard”, Monsieur le Professeur Heman Francis
MARK, no próprio Palais des Congrès. Tudo muito
chique, chiquérrimo.
Como no mundo da ciência estava no auge
novamente o assunto da supercondutividade, (mexe-
mexe das cinzas das descobertas de 1911), o
ganhador do prêmio Nobel de física apresentou, na
conferência, suas recentes descobertas com cerâmicas
supercondutoras na temperatura do nitrogênio
líquido. O terno e gravata eram obrigatórios, mas ar
condicionado não era. O auditório era imponente e
bem preparado, com sistema de calefação para os
dias de inverno europeu. Eu suava muito, junto com
os demais europeus e japoneses, só que eu usava
desodorante.

50
M. A. Sens

6 O PRIMEIRO ENCONTRO DOS


IRMÃOS SENS NA EUROPA

Jáanoestávamos na segunda quinzena de setembro, do


de 1987, e a bolsa de estudos de meu Irmão,
prometida para junho, ainda estava sendo esperada.
Mas parece que estava finalmente saindo, e ele já
tinha passagem, visto do consulado francês, uma
esposa, que ficaria por enquanto no Brasil, e tudo o
mais necessário para sair do país em busca da cultura
Européia.
O Nego seguiu minhas recomendações de planejar
quase toda a viagem por avião, já que as despesas não
lhe sairiam do próprio bolso, partindo de
Florianópolis com destino a Paris, Lyon e Rennes.

51
As Bagagens de Meu Irmão

Assim foi feito, e na recepção do aeroporto de Lyon,


eu estava lá, junto com Armando e Janete, na
manhã de 19 de setembro de 1987. Lembro-me bem
que ao cumprimentá-lo, dei um baita beijo em meu
Irmão, um pouco pela saudade e outro pouco pela
alegria de vê-lo bem.
Meu primeiro congresso na França já tinha acabado
e era um final de semana. Pela primeira vez eu estava
com um de meus irmãos fora do Brasil. Nosso
encontro foi melhor até do que o planejado. Nos
reunimos na casa do Armando e Janete, brasileiros,
onde entreguei a encomenda com os pratos e livros, e
também aproveitei para me livrar logo de
US$2500,00, que eu espalhei pela sala do
apartamento da Janete, como pagamento pelo carro
do Nego. O carro tinha ficado lá em Florianópolis, e
como meu Irmão ia ficar quatro anos fora, não ia
precisar do carro, o Monza branco, com mais de 100
mil quilômetros rodados, ano 1982, placa AI5595,

52
M. A. Sens

que comprei pelo preço normal de mercado e mantive


a placa de Florianópolis.
Eu tinha um montão de assuntos pendentes para
conversar com meu Irmão, que há muito eu não via e,
por outro lado, o Armando e a Janete, muito gentis,
queriam mostrar tudo de Lyon. Acabamos fazendo
um turismo enquanto conversávamos. Vimos a região
dos vinhedos, incluindo os engenhos de
beneficiamento da uva, e onde se bebia um pouco de
vinho de graça.
Nosso tempo parecia muito curto para colocar todos
os assuntos em dia. O Armando e a Janete queriam
realmente nos fazer aproveitar o tempo e nos mostrar
tudo de Lyon, além das plantações de uva e praças
mais importantes, mas logo chegou o domingo a
noite, quando parti novamente a Paris, de trem, o
TGV.
Meu destino era novamente Paris, mas meu outro
congresso era em Versailles, ao lado do enorme e
famoso palácio de Versailles. Procurei um hotel

53
As Bagagens de Meu Irmão

próximo de uma estação do Metrô, para comodidade


na locomoção. Escolhi o hotel Arcade, ao lado da
estação “Cambronne”, que fica elevada em relação ao
solo, na Av. Champs-Elysées,127(fone 47 23 61 72).
La acabou correndo tudo normalmente, já que em
hotéis costumam atender em inglês.

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M. A. Sens

6.1 Trem De Primeira Classe

Naeusemana de 22 de setembro de 1987, enquanto


participava da conferência internacional sobre
cabos elétricos isolados, no palácio dos
Congressos de Versailles, meu Irmão se preparava
para acomodar-se na nova cidade francesa, Rennes,
onde iria morar por quatro anos.
Para ir diariamente a Versailles eu apanhava o
metrô e depois um trem. Ao aguardar o metrô, eu
sempre ficava no centro da estação, onde havia
descoberto que sempre os vagões estavam mais
vazios e também as pessoas estavam melhor trajadas
que nos demais vagões. Procedi desta forma toda a
semana, até que na sexta-feira apareceu uma turma de
fiscais da rede ferroviária, todos de uniforme azul
escuro, com jaquetas que ostentavam grandes botões
dourados.

55
As Bagagens de Meu Irmão

Os fiscais surgiram sem que ninguém


esperasse, e foram solicitando a todos o ticket
comprovante de pagamento da passagem. Um casal,
bem a minha frente, foi multado no ato, em
FF$250,00, porque o moço não tinha o ticket.
Na minha vez de ser fiscalizado, apresentei
prontamente o bilhete, mas o fiscal não gostou, pelo
contrário, reclamou muito. Quando percebeu que eu
não entendia, começou a se expressar, com
dificuldades, em inglês, solicitando meus
documentos. Mostrei logo o passaporte, e lhe
expliquei que eu era brasileiro. O fiscal compreendeu
que eu não era do país, e mais calmo me solicitou que
mudasse de trem, pois aquele era de primeira classe.
Pedi muitas desculpas, saltei, e aguardei o próximo
trem.
Sem entender muito como saber quais os trens
de primeira e os de segunda classe, tomei outro trem
e segui meu destino, achando que tinha me livrado de
uma boa. Engano meu, logo após duas estações, me

56
M. A. Sens

aparece o mesmo fiscal, que me reconheceu e, desta


vez mais bravo, indagou: “mas você aqui de novo, já
não lhe expliquei que este é um trem de primeira
classe?”
Agora é que eu não tinha mesmo entendido. Disse
ao oficial que eu havia mudado de trem conforme a sua
recomendação, e que eu não sabia como distinguir entre um
trem de primeira e outro. Bem, acabei entendendo, depois de
muito gesto do oficial francês, que eu estava no vagão errado
do trem, e não no trem errado. Localizado ao centro de cada
estação, havia uma plaqueta atravessada que indicava “1ª
classe”, ou seja, os vagões que paravam em frente àquela
marca eram de primeira classe.
De fato, não havia diferença alguma entre os vagões
do trem, só que aqueles, por serem denominados de primeira,
eram mais caros e, portanto, tinham menos pessoas, que por
seleção lógica estavam normalmente melhor vestidas.
Enquanto isto, meu Irmão Maurício sofria sozinho
em Rennes. Para início, o professor francês que prometeu
esperá-lo não estava lá, como combinado. Na escola,
ninguém sabia informar nem onde era a entrada, pois eram

57
As Bagagens de Meu Irmão

férias escolares na Europa. Era setembro, época de férias do


estudante europeu. Com os raros estudantes remanescentes
no campus universitário, deu o diabo para o Nego sacar onde
era o alojamento e o restaurante universitário. Na época, o
francês do Nego era mais ou menos como o alemão
atualmente falado por meu outro Irmão, o Mauri. O jeito foi
emagrecer, em protesto, e sobreviver comendo frutas, que era
só pegar na quitanda, nem falar era preciso.

6.2 O Final Dos Congressos

erminava a semana de 21 a 25 de setembro de 1987, e foi


T concluído o congresso JICABLE, sobre cabos isolados
para alta tensão, que ocorreu em Versailles, perto de
Paris. Durante o evento, visitei a construção da EuroDisney,
principalmente a parte subterrânea, onde foram instalados os
cabos elétricos, formando a central nervosa do complexo
turístico, sem que o visitante percebesse.
Também, como parte das visitas programadas, tive
uma idéia do complicado sistema de controle do

58
M. A. Sens

tráfego ferroviário da França, incluindo o Metrô de


Paris, num sistema todo automático.
Por último, visitei o centro de manutenção da linha
submarina de alta tensão que atravessa o canal da
mancha, entre França e a Inglaterra. Tratava-se de
uma espécie de tanque de guerra submarino, todo
equipado com câmeras de TV, capaz de procurar uma
falha nos cabos elétricos, nas profundezas do mar, e
permitir o reparo por equipes de manutenção, que
deviam trabalhar sob alta pressão. Coisas de país
rico.
Com todas estas visitas, acabei coletando um bocado de
papéis, num total de nada menos do que 36 kg. No mesmo
congresso, encontrei com dois outros brasileiros, para minha
surpresa, meus amigos da FICAP, Fábrica de Fios e
Cabos Elétricos, o Mário Daniel e o Moysés, que
estavam hospedados em um luxuoso hotel, o
Meridien de Paris.
Como as atividades técnicas já estavam por
concluir, no último dia meus amigos me convidaram

59
As Bagagens de Meu Irmão

para juntar-se a eles, no mesmo hotel, que aceitei de


imediato, e até recebi auxílio para a transferência da
bagagem, que agora já pesava bastante. Como resolvi
que iria a pé, para economizar o táxi, acabei
quebrando um dos carrinhos de mala, que não
suportou a operação. Na luxuosa entrada do
Meridien, devido ao grande movimento, ninguém
percebeu que entramos de malas diretamente para os
elevadores, sem passar pela recepção.
No hotel a farra foi total. Logo acabamos com
o estoque de vinhos do frigobar do quarto do Mário
Daniel e em seguida o do quarto do Moysés, que eu
agora dividia com ele. Acabamos bêbados e tiramos
umas fotos, para recordar.
Quando me referi à divisão do quarto, quis
dizer que cada um ficou em uma das camas,
dividíamos o banheiro, o conteúdo da geladeira, e as
contas, estas ficavam por conta do Moysés.
Aproveitando, já que economizaria uma diária do

60
M. A. Sens

hotel Arcade, mandei lavar algumas camisas na


lavanderia do Meridien, coisa que jamais fiz.
Também, jamais esquecerei o trabalho
impecável da lavanderia daquele hotel. As camisas
retornaram dobradas com uma cartela de papelão,
para não amassarem, e com gravatas borboletas,
pretas, também de papelão, nos colarinhos. Que luxo.
Ainda bem que, também neste caso, as contas ficaram
por conta de meu amigo Moysés.
Agora eu já não estava mais com a caixa de
pratos de meu Irmão, mas, de qualquer forma, tinha
um bocado de carga para arrastar. Minha missão
ainda não tinha acabado. O pesquisador brasileiro
ainda devia visitar uma série de laboratórios
industriais e alguns centros de pesquisas na
Alemanha e na Itália.
Desta forma, guardei o excesso de bagagem
no aeroporto de Paris, e segui para a Alemanha.
Primeiro fui a Hamburgo, e me hospedei num
excelente hotel, o Ambassador, depois fui a

61
As Bagagens de Meu Irmão

Frankfurt, (hotel Henninger Hof), Berlin, (hotel


President), e a Bamberg. Esta parte da viagem foi sob
o patrocínio da multinacional Siemens, que visitei em
Berlin, e onde comprei um aquecedor para água, de
12 kW, trifásico, para meu futuro banheiro, elevando
mais ainda minha carga.
No caminho entre Berlin e Frankfurt, na tarde
de 3 de outubro de 1987, no pequeno avião da NFD
(Nümberger Flugdienst) conheci uma garotinha
alemã, de doze anos, que falava bem o inglês,
chamada Andrea Gall, residente em Berlin. Ficamos
amigos e até hoje trocamos cartões de natal, páscoa e
em aniversários.
Minha viagem a Alemanha ocorreu
normalmente, mas cabe registrar algumas ocorrências
para a chegada e a saída de Bamberg, uma pequena
cidade da Alemanha. Nesta parte, meu transporte era
de trem, e somente descobri onde saltar do veículo,
porque eu fui equipado com um livreto de horários de
chegadas e partidas de cada estação. Era-me

62
M. A. Sens

totalmente impossível entender o que um alemão,


aparentemente com batatas quentes na boca, ia
gritando a cada aproximação de uma nova estação, e
muito menos entender o que estavam naquelas
plaquetinhas.
Após tomar três diferentes trens, para três
direções que não tive a mínima idéia para onde se
destinavam, na manhã de 5 de outubro de 1987, eu
estava chegando a Bamberg. Eu tinha saído de
Frankfurt bem cedo, e às 9:41h saltei do último trem.
A hora era aquela, se o lugar era eu não podia ter a
mínima idéia.
Por sorte o local era aquele, e da mesma
forma, o senhor que iria me aguardar também estava
lá. Era o diretor da famosa fábrica alemã de
equipamentos para alta tensão, a Messwandler Baur.
Ainda equipado com o carrinho de malas, segui o
sujeito e perguntei onde estava o carro. A resposta foi
que estávamos a pé.

63
As Bagagens de Meu Irmão

Em Bamberg tudo era perto, e a fábrica de


fato ficava perto da pequena estação ferroviária.
Foram apenas 750 metros de caminhada e já
estávamos na fábrica. Por sorte o pequeno brasileiro,
de terno, estava equipado com malas de rodas.

64
M. A. Sens

7 O ADEUS A BAMBERG, na
ALEMANHA

Aepequena cidade alemã tinha dois hotéis, eu acho,


não mais que isto de táxis. Ao final de minha
estadia, levantei as cinco horas da manhã para
tomar o trem de retorno a Frankfurt. A dona do hotel,
Gasthof Wilde Rose, ainda de camisola, me preparou
um lanche para a viagem, pois o horário do café se
iniciava as seis horas. Só vi o que continha o pacote
bem mais tarde. O lanche incluía uma maçã e um
iogurte. A madame alemã mesma chamou o táxi, pelo
nome da motorista.
O táxi era um antigo Mercedes bens, amarelo,
de 1978, mas em bom estado. A motorista, no

65
As Bagagens de Meu Irmão

entanto, era bem mais antiga, com uma


circunferência de aproximadamente 3,77 metros, e a
julgar pela inclinação do Mercedes, devia pesar entre
180 a 220kg. Entalada que estava no seu veículo, a
taxista simplesmente me entregou a chave do porta-
malas para que eu mesmo colocasse a bagagem no
respectivo compartimento.
Como meu alemão era fraco, limitei minha
conversa com a taxista, eliminando verbos e adjetivos
inúteis, e indiquei meu destino com uma frase curta:
TREM. Ela não entendeu. Mudei o sotaque para
diversas tonalidades e não adiantou. Ai fiquei
intrigado e encucado. Pelo que me constava, este
equipamento ferroviário tem uma denominação
similar em qualquer língua. Realmente, até em grego
o trem é trem, menos em alemão.
Bem, não foi lá muito difícil para a motorista
experiente descobrir que, a julgar pelas malas, que o
passageiro magrinho iria viajar. E como em Bamberg
não haviam navios, e de ônibus muito pouco se viaja

66
M. A. Sens

com tanta bagagem, ela, provavelmente, imaginou:


Ele deve ir para o aeroporto ou para a ferroviária.
Assim, a motorista gesticulou imitando um
avião, em sinal de pergunta. Rapidamente respondi
“nainn, nainn”, como querendo dizer: “não, não, não
vou para o aeroporto”. Isto para quem não entende de
alemão.
A próxima opção, só poderia ser o trem, que a
gordinha, bem humorada, conseguiu imitar muito
bem, com toda a entonação da barulhenta máquina a
vapor, perguntando com os olhos. Respondi muito
depressa: “iá, iá”. Ou seja, sim, sim, ... É para a
ferroviária que quero ir. Graças a Deus ela me
entendeu, pensei, nada como ser um poliglota.
A estação ferroviária de Bamberg não era lá
muito pequena não. Até que era bem movimentada,
mesmo naquela hora, tão cedo, pela manhã.
Felizmente os funcionários públicos dos
guichês de passagens me entenderam logo, quando

67
As Bagagens de Meu Irmão

lhes perguntei se aceitavam dólares, pois eu já não


dispunha de suficiente moeda alemã. Tanto me
entenderam, que me indicaram o único guichê onde a
moeda americana era aceita e trocada pela moeda
alemã.
Assim como na vinda, levei os horários em
que eu deveria saltar para troca de trem, e cheguei a
Frankfurt.

68
M. A. Sens

8 UMA RÁPIDA IDA À ITÁLIA

Chegando de volta a Frankfurt, como se tratava de


um fim-de-semana, aproveitei para um rápido
giro turístico, pela famosa cidade germânica.
Solicitei as informações no próprio hotel, aguardei
um pouco, e logo apareceu um furgão reluzente,
cinza escuro, para me apanhar.
No furgão já havia outros turistas, incluindo
um casal de japoneses. Assim, nos reunimos a um
grupo de turistas, coletados por outros furgões,
próximo de uma antiga catedral.
Nosso guia foi um professor de história da
universidade, aparentando uns 60 a 65 anos de idade,
que me mostrou em detalhes a cidade germânica. Ele

69
As Bagagens de Meu Irmão

fazia estes serviços nas horas vagas, com muito


talento, e bom humor.
Ao final, o professor fez o grupo se conhecer,
cada um apresentando-se aos demais, num jantar de
confraternização. Para minha surpresa, tinha mais um
brasileiro, uma carioca, de uns 65 anos. Antes que o
grupo se dispersasse, instalei minha câmera com
disparo automático no alto de uma escada, retornei ao
meu lugar, e espantei a todos com o flash inesperado.
Minha próxima parada era em Milão, na
Itália. Em Milão, visitei por três dias os laboratórios
do Centro de Pesquisas italiano, o CESI, similar ao
CEPEL do Brasil.
Na mesma época em que eu estava por Milão,
havia uma importante feira internacional na cidade, e
os hotéis eram raros. Por isto, tive que ficar em um
Residence Hotel, o Contessa Holanda, que me custou
145.000,00 liras italianas, o que dava mais ou menos
US$125,00 a diária, sem café da manhã.

70
M. A. Sens

Uma das fábricas da Pirelli também passou


rapidamente por meu roteiro, pois eu estava sob o
patrocínio daquela empresa de cabos elétricos, nesta
parte da viagem.
No meu final de semana em Milão, no sábado,
parti cedo para as visitas aos centros históricos. Fui
logo para o ponto de ônibus, e comprei um bilhete
numa maquininha automática, do próprio ponto de
ônibus. Observei que as meninas eram mais bonitas,
parecidas com as brasileiras, embora de nariz mais
fino.
No ponto, enquanto eu aguardava, puxei
conversa com uma senhora, em inglês. Depois de
muito tempo de conversa, descobrimos que
poderíamos nos entender melhor se falássemos em
nossa língua natal: o português. A senhora era
brasileira, e lamentou ter se esforçado tanto para falar
em inglês comigo.
Ao entrar no ônibus logo notei que não havia
ninguém cobrando ou coletando o bilhete. Mas, logo

71
As Bagagens de Meu Irmão

em um ponto antes do que eu ia saltar, apareceram os


fiscais. Como eu estava bem na frente, saltei antes de
ser fiscalizado.
Mas o fiscal italiano desconfiou, saltou por
trás do veículo e me solicitou, gentilmente, mas nem
tanto, já em terra, a apresentação do bilhete. Sem
problemas: por acaso eu tinha comprado certo. O
bilhete tinha a hora da compra, impresso pela
máquina automática de venda, e valia por apenas
setenta e cinco minutos. Neste período, o bilhete
poderia ser utilizado para qualquer percurso, em
qualquer ônibus, à vontade.
Minha saída da cidade industrial italiana não
foi das mais simples. Ao tentar pegar o avião, no
aeroporto de Milão, é claro, pois eu já estava um
especialista, e não iria, neste caso, para a ferroviária,
deparei-me com uma greve geral do pessoal de apoio
do aeroporto italiano.
Com a greve dos aeroviários, apenas os
pilotos e comissários de bordo estavam com relativa

72
M. A. Sens

disposição para atendimento ao público, inquieto.


Com muito atraso, o próprio comandante do Boing
737 da ALITALIA recebeu os bilhetes, numa
seqüência daqueles que chegassem primeiro até ele.
O pessoal de primeira classe, os idosos e as
crianças acabaram sendo atendidos por último. Cada
passageiro que levasse, se quisesse, suas próprias
malas, sem qualquer controle. Acabei andando pela
pista do aeroporto, por uns 500 metros, com minhas
malas, e por baixo do avião, entreguei-as para alguém
de dentro do porão da aeronave, que as puxou para
cima.
Devido à greve, quase perdi o vôo de conexão de
Paris para o Rio. Cheguei a PARIS em cima da hora,
numa tarde de chuva, no início de outubro de 1987,
carregando minha enorme bagagem, que agora
incluía uma caixa de papelão com o aquecedor de
água elétrico alemão, da Siemens, e ainda tinha que
apanhar minha maior mala, que pesava 36 kg de

73
As Bagagens de Meu Irmão

papéis, e que tinha ficado guardada no guarda


volumes do aeroporto.
Além de toda a carga, percebi, já com o tempo bem
limitado, que o aeroporto de Paris era dividido em
duas partes bem distintas e longe uma da outra: Os
aeroportos Charles de Gaulle I e o Charles de Gaulle
II, onde VARIG, ALITALIA e AIR FRANCE não se
misturam. Por sorte, havia interligação entre os dois
complexos de embarque de passageiros, de ônibus.

74
M. A. Sens

9 MEU IRMÃO PARTE DE LYON


PARA RENNES - FRANÇA

Enquanto eu continuava com minha viagem pelas


indústrias e centros de pesquisas da Europa, em
outubro de 1987, meu Irmão, que ficara em Lyon
para uma rápida visita aos amigos brasileiros,
Armando e Janete, partia para a cidade onde iria
estudar, e provavelmente sofrer um bocado,
branquear os cabelos e até ficar meio careca.
Chegava a hora da partida para o destino
planejado. Meu Irmão escolheu como meio de
locomoção àquele do maior orgulho francês: o trem
de alta velocidade - TGV. Ele partiu então de Lyon
para Rennes. Tudo parecia perfeito. O trem era de

75
As Bagagens de Meu Irmão

luxo e a linha sem escalas. Mas o brasileiro não


estava com tanta sorte. Era de manhã e a máquina
francesa entrou em pane. Com a falha, o trem parou
por várias horas. Os passageiros foram obrigados a
trocar para outro trem, não elétrico, muito mais lento
e com várias paradas e escalas.
A fome já batia firme contra as paredes
estomacais do brasileiro em terras de alhures, e nada
de oportunidades para um lanche.
No trem, o Nego conheceu um sujeito que ia
para Rennes, e que ainda, por coincidência, conhecia
o tal professor que havia prometido esperá-lo. Que
sorte. Foi só seguir as pegadas do tal sujeito e o
maninho chegou à tal cidade de Rennes. Mas havia
um detalhe. É claro que o trem não chegou na hora
prevista e que, por isto, também não havia nenhum
professor esperando pelo Nego lá na Gare. Telefonar
para a escola foi uma das únicas idéias que surgiu ao
brasileiro abandonado. Mas pelo adiantado da hora,

76
M. A. Sens

não era de se esperar que alguma alma lá atendesse


ao telefone.
Mas para a sorte, a recepcionista gerente, ou
zeladora, denominada de concierge, residia na
própria escola, e após o horário normal, o telefone era
transferido para o apartamento dela. A dita senhora
estava em casa e, por acaso também atendeu ao
telefonema do desesperado brasileiro. A primeira
pergunta foi pelo professor francês, que devia estar
esperando meu Irmão. Mas para esta pergunta,
mesmo após muita decoreba e treino, deve ter dado o
diabo para a tal gerente entender.
Mas tanto ela entendeu, que respondeu que o
procurado professor estava viajando. O jeito agora, segundo
recomendou a concierge pelo telefone, era se dirigir à escola,
de táxi. Mas, ainda aproveitando a conversa telefônica, meu
Irmão marcou uma reunião com seu orientador, para o dia
seguinte, bem cedo.
Assim, para mostrar que era madrugador, e
impressionar os franceses, ficou combinada a reunião para as

77
As Bagagens de Meu Irmão

8:00 horas da manhã, no escritório do professor orientador,


que a estas alturas, o mano ainda não sabia onde ficava.
Sozinho na ferroviária, o Nego não teve outra saída
a não ser realmente apanhar um táxi, como lhe recomendara
a gerente da escola. Entretanto, deparou-se com um
problema inesperado. Como iria explicar ao motorista onde
queria ir. Apanhando o mapa da cidade ele apontou com o
dedo ao motorista o ponto exato onde pretendia ir.
Mas bach tchê, exclamou o chofer em francês, essa
coisa é grande demais, é prá lá de grande. No ponto onde tu
me apontas no mapa tem um montão de possibilidades,
retrucou fortemente o motorista. Mas como o diálogo não
estava lá muito fácil, os dois foram resmungando para o tal
local. Meu Irmão gesticulando e soltando suas frases
padronizadas, conseguiu transmitir uma leve idéia de que
queria ir, de qualquer modo, para uma espécie de secretaria
da Escola Superior de Química de Rennes.
O caro mano teve sorte, até neste ponto, pois chegou
ao destino. Na escola, com fome e muita bagagem, foi
recepcionado calorosamente por alguns poucos estudantes

78
M. A. Sens

remanescentes no período de férias, que lhe ajudaram com as


pesadas e numerosas malas. Aproveitando, os colegas já
convidaram o calouro para uma festa, lá pelas nove da noite.
Era a oportunidade que meu Irmão esperava encontrar para
forrar o estômago, a estas alturas completamente oco, após a
extensa viagem e muita saliva gasta com o taxista.

9.1 Viajar é preciso, comer também é


preciso.

odo animadinho para a festa, mantendo a pontualidade


T que já prometera para o dia seguinte, o coitado do Nego
deu-se muito mal. A festa foi só de bebida, e das
alcoólicas, sem qualquer componente sólido para mastigar,
exceto a fumaça de cigarros. Prevenido, entretanto, aceitou
apenas alguns pequenos goles, apenas para acompanhar aos
novos colegas e para enganar ao seu próprio estômago, que
roncava a todo vapor. Retornando ao alojamento, o Nego
acabou dormindo com fome e, mesmo assim acordou bem
cedo para ir ao café da manhã. O café não foi em nenhum

79
As Bagagens de Meu Irmão

refeitório escolar, como era de se esperar, mas sim em um


bar de um centro comercial, nas proximidades da escola.
Mas que azar, assim tão cedo o bar da esquina
ainda estava fechado. A fome já era insuportável,
pois já haviam se passado 24 horas desde a sua
última refeição, e o horário da reunião estava se
aproximando. A fome pode esperar, pensou o Nego,
compromisso é compromisso.
Tomando um atalho pelo meio do gramado, o
mano seguiu para sua missão. No caminho,
entretanto, (sempre tinha um entretanto, já
repararam?) o mano passou com o estômago em
chamas sob uma macieira, até bastante comum na
região e, para sua surpresa, haviam várias maçãs pelo
chão. Olhando rapidamente para os quatro pontos
cardeais, numa operação rápida de reconhecimento
ambiental, e após uma avaliação de suas condições,
num piscar de olhos duas frutas estavam em suas
mãos, com uma agilidade típica de um esfomeado.

80
M. A. Sens

Mas ele não parou não, o compromisso era


mais importante. O brasileiro continuou pelo
caminho onde foi comendo as maçãs francesas, com
certas partes podres e num aspecto que normalmente
seriam recusadas por muitos, e por ele próprio em
outra situação.
No horário marcado, 8:00 horas da manhã, o
mano estava no escritório do professor para a reunião
e, para a surpresa do catarinense, o mestre já lhe
aguardava para conversa.
A reunião não foi lá um sucesso, pois o
professor falava muito rápido. Lá pelo meio dia o
Nego imaginou, de leve, quase sonhando, que seria
convidado para um suculento almoço pelo professor
francês. Que nada. Não houve qualquer convite e ele
teve que se dirigir ao restaurante universitário, no
rastro de outros estudantes, que acabaram por lhe
emprestar os tickets de ingresso.
Já no restaurante, denominado também de
RU, com em Florianópolis, a única opção de comida

81
As Bagagens de Meu Irmão

incluía uma batata frita extremamente oleosa, que


mais parecia óleo com batatas. A coisa estava
esquisita, os estudantes franceses cochichavam o
tempo todo, parecia que era a seu respeito, mas, com
a fome e na extrema dúvida, meu Irmão fez
novamente uma rápida avaliação circunstancial de
suas condições e opções, concluindo que o óleo
também alimenta, e comeu àquilo mesmo. Eu não
diria que o Nego comeu o óleo com batatas com
gosto, mas imagino que tenha sido com relativa
vontade.
Tendo em vista a primeira experiência mal
sucedida no RU, meu Irmão não arriscou mais e
resolveu fazer suas próprias refeições ali por perto,
num centro comercial. Lá, ao exemplo do que todos
pediam, o mano também pediu o sanduíche de
bisnaga, que media nada mais nada menos que
300mm. O diabo, nas primeiras refeições, foi pedir o
refrigerante. Quem disse que a gorda da francesa
entendia o brasileiro? Depois de muitas tentativas,

82
M. A. Sens

mesmo misturando o português com o espanhol e o


alemão com um pouco de francês, o jeito foi engolir
o pão à seco, antes que a garganta do poliglota
secasse por completo.
De longe, aquela gordinha e branquela
francesa ficou só negaceando o modo como o
brasileiro iria encarar àquele comprimento todo de
sanduíche à francesa. A garçonete disfarçava e ria,
mas aos poucos foi mudando sua atitude, diante do
desempenho do pequeno freguês, a ponto de sentir
pena do desesperado e lhe presentear com uma jarra
de água. Foi a salvação. O nego teve pleno êxito em
sua primeira refeição, embora completamente
desassistido.

9.2 O cheiro do Arroz


s próximas refeições, entretanto, já não foram tão
A complexas, primeiro que a fome já não era
desesperadora, e segundo que o mano foi adquirindo
experiências. Intercalando algumas refeições de somente

83
As Bagagens de Meu Irmão

frutas e outras com bisnagas, ou baguettes, recheadas, o


Nego foi sobrevivendo, até que arriscou e retornou ao
bendito RU.
Foi só então que o Nego percebeu que o
cardápio pouco variava, nada muito além do bife com
fritas. Também foi só na retomada ao RU que o Nego
percebeu que a batata frita não era tão oleosa como
da primeira vez que ali esteve. E, já que a batata frita
não estava mesmo tão oleosa como antes, ou
possivelmente teria sido apenas sua primeira
impressão, o almoço passou a ser efetuado com muito
mais freqüência por ali mesmo. Bem mais tarde, meu
Irmão comentou com os colegas este assunto da
oleosidade, e acabou descobrindo que de fato aquela
sua primeira experiência teria coincidido com um
problema na máquina fritadeira da cozinha do
restaurante, revelando-se uma condição atípica do
cardápio francês, para seu azar.
A rotina então se estabeleceu, mas, num belo
dia, na hora do almoço, o Nego se aproximava do

84
M. A. Sens

restaurante universitário, quando de longe percebeu,


pelo cheiro, que o cardápio havia mudado. O
maninho encheu-se de lágrimas ao perceber que o
arroz também tinha cheiro, coisa que nunca percebera
no Brasil.

85
As Bagagens de Meu Irmão

10 MEU IRMÃO SE INSTALA EM


RENNES - FRANÇA

Enquanto eu retornava ao Brasil, em outubro de


1987, meu Irmão já se instalava na sua nova
cidade. Escolheu o mais alto edifício da região, e
também a altura do 26o andar, com duas grandes
janelas e com vista para toda a Rennes. Por esta vista
ele pagava um imposto maior que seus vizinhos, que
não a tinham.
Embora o apartamento fosse pequeno, comparado
com os padrões catarinenses, havia bastante espaço
para ele e para uma linda mulher. A Monica, esposa
de meu Irmão, chegou mais tarde, para preencher
completamente os espaços e o tempo livre do Nego,

86
M. A. Sens

trazendo o resto da mudança, que ficara em


Florianópolis.
Juntos, agora instalados e com a “gorda” bolsa de estudos
da CAPES, no valor de US$1250,00 mensais, mais
auxílios do governo francês, mais o salário de
professor da Universidade Federal de Santa Catarina,
meu Irmão e a esposa arrecadavam aproximadamente
US$ 2000,00 mensais.
Em relação ao auxílio financeiro prestado
pelo governo francês aos estudantes estrangeiros, não
é assim automático que qualquer estudante recebe.
Mas, graças ao alto índice de viração própria e ao
bom relacionamento com os demais estudantes
brasileiros da região, e também com algumas
amizades com franceses, que meu Irmão obteve ricas
informações e aprendeu os mecanismos para se obter
auxílio do governo francês.
E realmente meu Irmão obteve o auxílio
financeiro, que foi ainda melhor do que o esperado,

87
As Bagagens de Meu Irmão

por se tratar de um casal, e ambos estudantes naquele


país.
Por pouco o casal de brasileiros não arranca
um bocadinho mais de auxílio do governo francês.
Era só ter tido um filho, mas meu irmão sabia, ao
exemplo dos inúmeros sobrinhos, que uma criança
acabaria por lhe dar mais despesas do que lucros,
além de lhe prender em casa e de impedir o turismo
pela Europa.
Possivelmente, caso a Monica tivesse tido um
filho na França, a bagagem teria sido bem diferente e
quiçá ainda maior.
Neste caso, a carga certamente incluiria
fraldas descartáveis, chocalhos, chupetas,
mamadeiras e dispositivos para sua esterilização,
todas automáticas, para poupar-lhes trabalho quando
de volta ao Brasil, é claro.

88
M. A. Sens

11 COLETANDO LEMBRANÇAS

casal de brasileiros vivia relativamente folgado no


O distante país, ambos estudavam, não tinha filhos e com
a elevada monta de recursos arrecadados mensalmente,
e ainda econômicos que eram, só podiam fazer excelentes
investimentos.
Foi o que meu Irmão e minha cunhada realmente
fizeram. Passaram a adquirir bens de todas as regiões
francesas e de todos os países por onde viajavam. Em suas
explorações turísticas, fuçando por todos os lados, os
brasileiros adquiriram lunetas soviéticas, morsa metálica para
oficina mecânica, de mesma procedência, porcelanas
inglesas, quadros de origens diversas, e até cachaça do Peru

89
As Bagagens de Meu Irmão

eles lá na França arranjaram para acumular junto com sua


bagagem.
Após um período inferior a um ano, o casal já
possuía uma sala completa, incluindo um lindo
equipamento de som a laser, com controle remoto e
com pesadas caixas acústicas, além de uma centena
de discos CD, que certamente teriam que levar, um
dia, para o Brasil.
Mas, oportunidades não se perdem, e a ordem
era coletar todas as lembranças da Europa, como
livros, fotos, cartões postais e até uma viola esquisita.
Em relação ao instrumento musical, cá prá nós,
duvido que algum dia seja utilizado pelo maninho.

90
M. A. Sens

12 O SEGUNDO ENCONTRO DOS


IRMÃOS SENS NA EUROPA

uase um ano já tinha passado desde a ida do Nego


Qpara a . Já era junho de 1988 e eu arranjei
França
um outro congresso internacional para participar
na Europa. Desta vez a conferência era na Inglaterra,
onde eu teria que apresentar os resultados de minhas
pesquisas sobre o envelhecimento acelerado de
materiais poliméricos para alta tensão, sob efeito da
radiação solar e da névoa salina. O evento seria na
Universidade de Kent, em Kanterbury, na Inglaterra.
Como de outras vezes, novamente a luta pelo
patrocínio da viagem. O governo brasileiro
novamente não honrou com os compromissos e

91
As Bagagens de Meu Irmão

falhou no auxílio ao pesquisador nacional. Na última


semana prevista para a viagem, pedi novamente
socorro à Pirelli do Brasil, que já tinha me socorrido
da última vez.
Obtive o patrocínio, particularmente, e fui
para a Inglaterra. Arranjei alguma visitas
complementares, para não ficar somente com o
congresso, que sempre é muito curto, de apenas uma
semana, quase não compensando o custo dos
investimentos.
Desta vez meu destino principal era a
Inglaterra, incluindo as cidades de Londres,
Kanterbury e Harlow. Nesta última cidade fui apenas
para visitar meu amigo John H. Mason, professor
aposentado da Universidade Politécnica de South
Bank, de Londres. De Harlow, também consegui, por
telefone, uma visita a uma tradicional indústria
britânica de instrumentos de precisão, na pequena
cidade litorânea de Bognor Regis, na Inglaterra, a
Wayne Kerr.

92
M. A. Sens

Nesta cidade fui muito bem recebido, os


diretores da Wayne Kerr me pagaram vários almoços
e jantares, e até o hotel, para minha surpresa. Em um
dos jantares, o diretor presidente, Dr. Willian Brian,
me perguntou: Quantas indústrias vocês tem no
Brasil? Ele queria saber o tamanho do mercado
provável para seus produtos. Sorri meio sem jeito e,
ao invés de responder, perguntei: O Senhor sabe,
mais ou menos, qual o tamanho do Brasil? O
britânico não tinha a menor idéia. Para eles, o mundo
começa e termina na Grã-Bretanha.
Diante da ignorância geográfica do distinto
diretor de tão importante indústria, eu lhe informei
que o Brasil era tão grande quanto o Canadá! Ele se
mostrou muito surpreso, confirmando, ainda mais,
que jamais olhara o mapa abaixo do equador.
Perguntei ainda mais, em tom de ironia: O senhor tem
uma idéia do tamanho de São Paulo? Notando seu
total despreparo em relação a América do Sul, logo
informei que tínhamos, somente em São Paulo, mais

93
As Bagagens de Meu Irmão

de 14 milhões de pessoas, e que lá fabricávamos


desde aviões de caça militar, que sobrevoam os céus
britânicos, até vários modelos de motores de
automóveis, que rodam em muitos carros americanos,
além do café e dos sapatos, que certamente ele devia
ter conhecimento.
No próximo jantar, a conversa continuou
somente de início sobre as dimensões continentais do
Brasil, entretanto, agora o doutor Willian já tinha
olhado o mapa mundial e confessou: Você tem razão,
o Brasil tem mesmo as dimensões do Canadá, eu
nunca tinha olhado lá para baixo. Informei, para
responder sua pergunta do dia anterior, que milhares
de indústrias poderiam adquirir seus produtos, e que
eu iria lhe recomendar uma empresa de
representações, que poderia lhes representar em São
Paulo, já que muito pouco se conhecia da Wayne
Kerr no hemisfério Sul.
Só então fui atendido em meu principal
objetivo naquela indústria: conhecer o funcionamento

94
M. A. Sens

de um equipamento que o CEPEL tinha adquirido,


sem muito manual de operação, e que no ano seguinte
caiu de linha. Tratava-se de um micro computador
industrial, dedicado ao controle de um sistema de
medição de precisão de componentes elétricos em
alta freqüência. Faltava-me o pulo do gato, que só
indo lá para ver.

12.1 Uma Péssima Recepção em Paris

Após o sucesso de minha visita a Bognor Regis, na


Inglaterra, parti para Paris, para visitar uma das
maiores empresas na construção de
transformadores elétricos de grande porte, a Alstom.
Lá eu tinha marcado uma reunião com a diretoria
técnica, para tratar de um problema ocorrido com um
dos transformadores da CESP, Companhia Energética
de São Paulo, em janeiro de 1988, que tinha
queimado e entrado em colapso total, implicando
perda equivalente a 12 milhões de dólares.

95
As Bagagens de Meu Irmão

Como cheguei a Paris mais cedo do que o previsto,


me hospedando novamente no Hotel Arcade,
próximo da estação Cambronne do Metrô, liguei para
meu contato na multinacional Alstom, e perguntei se
poderia chegar mais cedo, para uma visita, mantendo
a reunião para o mesmo horário, ou seja para as 14:00
horas. Nada feito, não foi aceita a minha proposta,
que certamente me pouparia um almoço.
Mesmo sem o aceite da visita, resolvi chegar mais cedo, logo
após o almoço. Para minha surpresa, me permitiram entrar e
ir procurar sozinho o escritório da diretoria, num mundo de
blocos do parque fabril. Terminada a reunião, saí novamente
sozinho pelo pátio, sem qualquer acompanhamento e
procurei sozinho um ponto de ônibus. Estranhei bastante
àquela recepção, mas compreendi que afinal eu não era um
cliente. Preferi o ônibus para conhecer Paris por cima,
pois pelo subterrâneo eu já o conhecia.

12.2 Minha Visita a Rennes - França

96
M. A. Sens

Estacomerameua segunda vez que eu iria me encontrar


Irmão no exterior. Assim, parti
novamente para Rennes, do aeroporto pequeno
de Paris, do ORLY. Em Rennes o Nego já me
aguardava, com a Monica, e tive todas as mordomias
de visitante ilustre. Tive até uma festa de aniversário,
pois o dia 7 de julho também chegara.
Ainda como parte de minhas atividades técnicas,
visitei e fotografei a “Ecole Nationale Superieur de
Chimie de Rennes” e o laboratório onde meu Irmão
iniciava as investigações experimentais sobre o
tratamento de água com o uso de ozônio.
Os estudos para tratamento da água com
ozônio, entretanto, foram posteriormente
abandonados, mudando-se os objetivos e os
interesses das pesquisas, por motivos que fogem aos
escopos do presente relatório.
Agora eu estava de férias, somente alguns
dias, que sempre tenho de saldo. De Rennes, onde
ficou sendo meu quartel general, parti para vários

97
As Bagagens de Meu Irmão

passeios turísticos de carro: Eu Monica e o Nego.


Visitamos castelos, como àquele onde o francês René
Chateaubriand passou sua infância. Que fique bem
claro que eu não tenho a mínima idéia de quem foi
este cara. Mas deve ter sido alguém importante, caso
contrário o pessoal que mostrava o castelo não
mostraria até a cama e o escritório utilizados pelo
cavalheiro.
Muitas pequenas cidades litorâneas foram
visitadas pelo trio brasileiro, incluindo-se Pornichet,
Dinard, Saint-Malo, La Baule, Nantes e uma grande
ponte, em forma de arco, ligando Saint Nazaire à
Saint Brévin. As melhores praias tinham pedregulhos
no lugar de areia. Dizem que massageia os pés.
Entre tantas visitas, entretanto, uma cidade não podia
ficar de fora: SENS de BRETANHA. Foi
decepcionante, embora um nome tão pomposo, nada
de extraordinário foi encontrado no vilarejo.
Bem, o turismo acabou e, no último dia, resolvi
comprar mais um produto Siemens. Desta vez me

98
M. A. Sens

encantei com uma placa de cozimento de


vitrocerâmica, então muito utilizado na Europa como
fogão elétrico. Eu tinha levado uma semana
namorando, pensando e hesitando na compra.
Quando resolvi sobre o modelo, justo aquele não
tinha na loja para entrega imediata. O tempo corria e
tive que comprar o que tinha. O Nego me levou ao
depósito da loja e de lá partimos para o aeroporto de
Rennes.
Como o aeroporto era relativamente perto,
comparado ao do Rio, o Nego e Monica
aproveitaram para mais umas demonstrações
turísticas e sem pressa iam me conduzindo.
Entretanto, quando o tempo já estava escasso, no
meio do caminho me aparece uma parada militar,
bloqueando por completo a rodovia.
Mesmo com aquele contratempo, chegamos a tempo
ao aeroporto de Rennes, mas com minhas unhas à
zero.

99
As Bagagens de Meu Irmão

Fim das férias, retornei a Paris, desembarcando no


pequeno aeroporto de Orly e, para minha alegria,
como presente pelo meu aniversário, entre Rennes e
Paris sentei com uma linda loura, que falava inglês.
Durante todo o percurso fomos conversando, mas,
neste caso, parece que Rennes era colado a Paris, e
logo chegamos.
Ao sair do Orly, a loura foi para outro lado,
mas antes me orientou como apanhar o ônibus da Air
France, com destino ao aeroporto maior, o Charles de
Gaulle, de onde parti de retorno ao Rio de Janeiro.

100
M. A. Sens

13 COLETANDO LEMBRANÇAS E
UMA VISITA AO BRASIL

Oveztempomaiscorria rápido, meu Irmão tornava-se cada


fluente na língua francesa. Viagem prá
cá, viagem para lá. Turista compra de tudo. E o
pequeno apartamento do 26o andar de Rennes já
parecia não abrigar tantos objetos para a lembrança
da Europa. Objetos imprestáveis para os franceses
eram de extrema utilidade para os brasileiros. Como
uma máquina de lavar roupas, que já não lavava mais
nada, ainda servia de apoio para um fogão elétrico de
duas bocas.
Após tanto tempo fora do Brasil, o jovem casal
brasileiro começava a sentir saudades da terra, dos

101
As Bagagens de Meu Irmão

amigos e, principalmente dos irmãos. Esta saudade


aumentou ainda mais após junho de 1989, quando um
de nossos irmãos, o Mário, faleceu em um acidente
de automóvel.
Assim, no Natal de 1989 estivemos todos reunidos,
inclusive as irmãs que moravam nos Estados Unidos;
só faltou mesmo o Mário César, ou o Héia, como eu
o chamava. Nesse Natal, que foi lá na casa da
Márcia, viúva do Héia, conversamos muito,
principalmente eu, o Nego e o Mauri. Nós três fomos
ao oeste catarinense, na cidade de Campos Novos,
onde o Mauri trabalhava como dentista.
Durante a viagem, de carro, induzimos o Mauri a se
aproximar mais da família e da capital do estado. As
justificativas foram aceitas pelos fundamentos, e o
dentista da família tomou todas as providências muito
rápido. Tudo ficou planejado para, já em janeiro do
próximo ano, ser providenciada a instalação de uma
superclínica ortodôntica na capital catarinense. E o
empreendimento foi um sucesso.

102
M. A. Sens

De volta a França, o Nego e a Monica levaram mais


algumas lembranças do Brasil, que receberam como
presentes de natal. Tudo para elevar ainda mais a
bagagem que teriam que trazer, depois, de volta ao
Brasil.

103
As Bagagens de Meu Irmão

14 O TERCEIRO ENCONTRO DOS


IRMÃOS SENS NA EUROPA

Outra conferência internacional surgiu, e mais um


de meus artigos técnicos tinha sido aceito para
apresentação à comunidade científica
internacional. Preparei, como de costume, os pedidos
de patrocínio. Novamente o destino era a França, e eu
teria mais uma oportunidade de visitar o Nego e a
Monica. Solicitei auxílio à FAPERJ, Fundação de
Amparo a Pesquisa no Estado do Rio de Janeiro, e ao
CNPq, Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e
Tecnológicas.

104
M. A. Sens

14.1 Nova Luta pelo Patrocínio

e início a FAPERJ aprovou meu pedido,


Dconsiderando o trabalho de mérito para a
apresentação internacional, e solicitou aguardar
comunicação para a obtenção da passagem. Como a
data da viagem se aproximava e nada da chamada da
FAPERJ, iniciei meus contatos telefônicos. Fui
informado, então, por telefone, que todos os pedidos
estavam suspensos, mesmo aqueles previamente
aprovados, e que tal informação fora publicada no
diário oficial. Ora se vou ler diário oficial, não
podiam me mandar uma carta?
A resposta do CNPq, por outro lado, veio em
negativa por carta. Julgaram o trabalho muito
tecnológico e pouco científico. Mas a julgar pelo
nome, o CNPq deveria amparar ambas as pesquisas.
Diante das circunstâncias e da eminência de ver o
plano desmantelado, apelei para transformar uma
bolsa de estudos, para três meses na Europa, já

105
As Bagagens de Meu Irmão

aprovada, numa viagem de missão. A bolsa era do


RHAE (Recursos Humanos em Área Estratégica) e
parecia tudo certo, bastava preencher algumas
dezenas de formulários urgentemente e remeter para
Brasília, para a obtenção da autorização ministerial
para o afastamento do país em missão oficial.
Depois de cumprida todas as formalidades, e mesmo
faltando uma semana para a data da partida, eu não
tinha notícias das passagens do CNPq. A VARIG já
tinha adiado por quatro vezes as reservas e estava
generosa, cabe ressaltar, porque o país estava em
crise e poucos eram os pretendentes a Paris.
Estávamos na era Collor de Mello.
Diante da eminência de algum adiamento e da perda
da conferência, liguei para vários fabricantes de
cabos elétricos, mas nenhum estava encaminhando
representantes ao JICABLE - 91, assim se chamava a
conferência, lembrando cabos elétricos. A estas
alturas, para complicar ainda mais, os funcionários da
estatal CNPq entraram em greve. Com muito custo,

106
M. A. Sens

consegui contactar com a secretária técnica do


RHAE, Drª Maria Cláudia, em sua residência de
Brasília, que me garantiu que meu processo fora
aprovado, e de que somente faltava a liberação das
passagens, que por motivo da greve não havia tempo
hábil.
Propus então, para a representante do órgão
público federal, a compra da passagem com recurso
particular, com meu cartão de crédito, para posterior
reembolso. Ela aceitou e me garantiu que no meu
retorno, era só encaminhar a passagem que eu teria o
reembolso, provavelmente antes do vencimento da
fatura do Credicard.
Tudo parecia estar, então, dando certo.
Adquiri o bilhete de passagem da VARIG, para o
percurso RIO-PARIS-RIO, no valor de US$2000,00
aproximadamente, e parti para Paris, no sábado de 22
de junho de 1991.

107
As Bagagens de Meu Irmão

14.2 Nada de Hotéis em Paris

Desta vez, para economizar, não fiquei no


ARCADE Hotel, como das vezes anteriores.
Recebi convite, e aceitei, para me hospedar no
apartamento da minha colega do CEPEL, Rosaura,
que fazia um estágio nos laboratórios do LCIE
(Laboratório Central das Indústrias Elétricas) em
Paris. A Rosaura morava com Jerome Baglin, na
Rua du Pont-Auxchoux número 3, próximo da
estação do Metrô Saint Sébastien - Froissart.
Como eu já me achava relativamente experiente em
Paris, no aeroporto tratei logo de encontrar o trem
para o centro. Mas cada companhia de aviação parece
que sai em lugar diferente, ou ocorrem obras de
reorganização a cada ano no aeroporto, só para
confundir os passageiros. Tudo lá me parecia nunca
visto, mas achei uma central de informações por
computador, onde se escolhe qualquer língua, menos

108
M. A. Sens

o português, e se é orientado automaticamente sobre


táxi, ônibus, trem, etc.

109
As Bagagens de Meu Irmão

14.3 As Bagagens da Inglesinha

o aeroporto Charles de Gaulle, tomei um trem da RER,


D linha B3 azul, no mapa, com direção a Laplace. Saltei
na Gare du Nord, que era a melhor opção para a
conexão com o Metrô de Paris. Era a melhor, mas me
arrependi. Eu explico. No percurso, vim conversando com
uma inglesinha que vinha aventurar em Paris e ia procurar
uma colega. Estávamos em pé no trem, eu com minha mala,
um carrinho e minha pasta, de sete quilos. A inglesinha, por
outro lado, tinha uma montanha de sacolões de náilon e um
carrinho visivelmente quebrado.
Como a dita moça ia saltar também na Gare
du Nord, e o trem não espera, salte quem puder, tive
que ajudá-la com aquela bagagem, e rápido. Depois
de agradecer muito pela ajuda, ela gentilmente
solicitou mais uma ajudazinha para chegar a um
telefone. Tentei usar o carrinho dela, mas foi pior,

110
M. A. Sens

estava desmantelado. A movimentação da muamba


foi no arrastão mesmo.
Encontramos o aparelho, mas a colega não
atendia ao telefone, e agora a inglesa estava sem
rumo. Ela arranhava um francês e decidimos, digo
decidimos porque eu já fazia parte do complexo
“bagajatório”, colocar tudo em um guarda volumes.
Não encontramos qualquer sinal de “lockers”
no térreo. Nada de elevadores ou de escadas rolantes.
Suei só de imaginar o que me esperava. Eu não podia
soltar minha pasta, logo, só contava com mais um
braço. Ora, se já não viajo sem carrinhos de mala,
muitas vezes levo dois, para não fazer força, coisa
que aprendi com meu pai a evitar ao máximo de
fazer, porquê tive que cair nesta armadilha? Se fosse
hoje, pensaria que tinha sido vítima de uma
“pegadinha” ou de um “Surprise-surprise”.
Acabamos subindo várias escadarias da Gare
até encontrar o tal guarda volumes, já com as sacolas
de náilon aos farrapos e se abrindo. Tomamos alguns

111
As Bagagens de Meu Irmão

refrigerantes e, umas duas horas depois, nos


despedimos. A moça era feia, cheia de sardinhas, e
por isto nem perguntei se tinha nome e muito menos
endereço. Mas mesmo assim, lhe dei meu cartão,
para, quem sabe, se lembrar de mim pelo Natal. Não
Lembrou.
Estando livre da sarna que comprei para me
coçar, parti para tomar o Metrô. A Rosaura morava
bem próximo da estação République, mas esta eu
queria evitar, pois tem cinco diferentes linhas de
Metrô, sendo 10 direções distintas e logo, nove
chances de errar o caminho. Além disso, quanto mais
linhas mais escadas e mais corredores, que eu queria
evitar mais ainda, pois meus braços estavam
doloridos pelos exercícios anteriores.

14.4 Entrando no Casa da Rosaura, em Paris

eu itinerário ótimo foi da Gare du Nord para a


M Strasbourg St Denis, tomando a linha de Porte de

112
M. A. Sens

Clignancourt para Porte D’Orléans, linha 4 verde, no


mapa. Desta, tomei a linha de Balard para Crétel-
Prefecture, linha 8 roxa, no mapa, saltando em Saint
Sébastien Froissart, onde logo encontrei a rua du Pont e o
edifício onde morava a Rosaura. Na porta, entretanto, não
tinha campainha, mas um teclado tipo de telefone, para uma
senha de abertura da porta.
Diante do impasse, retornei até a entrada do Metrô,
onde havia uma cabine telefônica, para tentar chamar
a Rosaura. Digo tentar, pois quem disse que o
aparelho aceitava algum tipo de moeda? Só cartão
magnético! Que eu não tinha. Era domingo, dia 23 de
junho de 1991, e tudo ao redor, incluindo uma
padaria, estava fechado. Sentei num banco da praça e
aguardei alguma idéia. Até que apareceu um
adolescente, louro, de aparelho nos dentes, que
entrou na cabine e logo saiu. Perguntei onde eu
poderia adquirir um cartão daqueles. Sei lá se ele me
entendeu, e muito menos o que ele respondeu, mas
entendi que não estava fácil e que ele não sabia.

113
As Bagagens de Meu Irmão

Mas, para minha surpresa, ele perguntou para onde


eu queria telefonar, se a chamada era local, ele
quebraria o galho. Acho que foi isto que quis dizer.
Aceitei logo o cartão e achei a Rosaura em casa. Ela
me deu a senha para a abertura da porta e cheguei lá.
Subi mais uns cinco lances de escadas em caracol, de
madeira bem antiga, e pronto, pude sentar. Na subida
dos degraus, meu carrinho de malas somente
atrapalhou, complicando o manejo nas curvas
circulares.

14.5 A Conferência JICABLE-91

a segunda-feira, dia de São João no Brasil, bem


N cedo a Rosaura saiu comigo e me ajudou na
compra de uma carteirinha de passes de trem e
Metrô, que incluía uma foto minha, e que me
facilitaria bem o ingresso na hora do grande
movimento, pois era só mostrar e passar. Com este
passe fui a Versailles e retornei a Paris todos os dias,

114
M. A. Sens

durante toda a semana, para a conferência


internacional sobre cabos elétricos isolados para alta
tensão. Na dúvida, fui de terno ao congresso, e tive
sorte, estavam todos de terno e tive que apresentar
meu trabalho logo na primeira tarde, para minha
surpresa e alegria. Meu contentamento foi por estar
logo livre de minha missão, a apresentação de minha
palestra.
Meu trabalho tratava-se de um método
bastante simples e econômico para detectar a
distribuição da corrente elétrica na blindagem de um
cabo subterrâneo, durante sua perfuração por uma
picareta metálica. O método descrito mostrava como
utilizar uma simples fita de papel termossensível,
daqueles utilizados em aparelhos de
eletrocardiografia, para ser sensibilizado pelo calor
provocado pela corrente elétrica de alguns milésimos
de segundo através da blindagem dos cabos. O artigo
recebeu ótimos comentários dos redatores
encarregados dos sumários da conferência, sobretudo

115
As Bagagens de Meu Irmão

pela eficiência e simplicidade, sem uso de


computadores, e sem qualquer risco para
dispendiosos equipamentos.

14.6 Alguns Consertos Rápidos

Após uma semana de conferência e de visitas


técnicas, dormindo ao lado da cama da eRosaura
do Jerome, num colchonete no chão do
apartamento, onde o quarto, a sala, o guarda-roupas e
a cozinha se confundiam num único cômodo ( a única
divisão era do banheiro, com uma banheira),
apareceu uma oportunidade para me divertir e pagar a
hospitalidade. Como era sexta-feira, o casal resolveu
passear por alguma praia distante, ficando eu
sozinho. Como a Rosaura havia comentado que não
poderia passar o inverno naquele apartamento,
porque os aquecedores estavam danificados, resolvi
consertá-los. Eram elétricos, com resistências do tipo
cerâmicas e após o desmonte, retirada de ferrugens e

116
M. A. Sens

alguns toques de mágica, foi só montar e pronto, as


3:45 horas da manhã eu já estava testando o
aquecedor, reinstalado na parede do banheiro, bem
encima da porta.

14.7 O Cozimento dos Pés do Jerome

o retornar da aventura na praia francesa, a


A Rosaura nada mostrava de anormal, pois ela é
morena e acostumada com o sol carioca, mas o
seu companheiro, coitado, nem andar direito ele
podia. Antes de sair para o sol, o Jerome, que é tão
branco quanto eu, se protegeu, muito bem, com
cremes e filtros solares por quase todo o corpo.
Quase todo o corpo, menos no dorso dos pés, que
sapecaram ao sol. Na próxima segunda, nem
trabalhar o Jerome foi, pois seus pés estavam
inchados.

117
As Bagagens de Meu Irmão

14.8 Meu Retorno a Rennes - França

oncluído o congresso JICABLE-91, eu só tinha


Cmais um compromisso técnico. Uma rápida visita
ao LCIE, onde trabalhava a Rosaura, no
laboratório de eletrostática, e pronto, eu estaria de
férias. Meu encontro com o Dr. Mengui, do LCIE, de
fato não pôde se concretizar e acabei indo a
RENNES um dia antes. Desta vez, nada de
Aeroporto Orly, mas sim de TGV, o trem de grande
velocidade, que agora já tinha inaugurado a linha
Paris-Rennes-Paris.
Para apanhar o TGV para Rennes era fácil. Bastava
apanhar o Metrô na estação Saint Sébastien
Froissart e saltar na Montparnasse. Desta grande
estação, foi só apanhar o TGV, mediante uma rápida
“reservation” e compra do bilhete, que fiz com meu
cartão de créditos. Assim não foi necessário entender
o valor que o caixa iria me pedir e que eu não ia
entender mesmo.

118
M. A. Sens

Era um sábado pela manhã, dia 29 de junho de 1991,


quando parti de Paris para Rennes. Apanhei o TGV
na estação Montparnasse as 9:20 horas, trem
número 8713, que, sem parada, chegou a Rennes as
11:24 horas, como previsto.
No trem, sentei com uma estudante de psicologia na
Inglaterra. Ela era francesa e estava retornando para
casa, nas férias de julho. A moça era linda, mas de
bitola muito alta para meu gosto. Estava de casaco
vermelho e de unhas impecáveis, também vermelhas.
Percebendo que ela estava com uma avantajada
bagagem, fui logo perguntando se alguém a esperava.
A resposta foi afirmativa, seus pais a esperavam.
Expliquei que minha preocupação tinha fundamentos,
haja vista as ocorrências na Gare du Nord, com a
inglesinha, comentei com ela.
A bagagem da moça, que desta vez era mais
reforçada, não perdia muito em volume para aquela
em que entrei pelo cano, exceto que as malas eram
todas muito bem conservadas e de boa qualidade.

119
As Bagagens de Meu Irmão

Bem, com a linda francesa, certamente, seria


diferente, pois ela garantiu que seus pais realmente a
esperavam.
Quando o trem parou em Rennes, fui logo saltando
sem qualquer preocupação com a dama de vermelho.
Mas já de longe dei uma espiadinha para trás e, com
o que me deparo? Novamente uma garota em apuros
com bagagens. Eu tinha o meu carrinho de malas,
mas a moça não. Voltei rapidamente e lhe avisei que
mais para trás haviam carrinhos da estação, e de que
ela poderia utilizá-los. Claro, com o carrinho, eu
estaria salvo desta vez. A recepção que a dama
aguardava de fato não houve, seus pais não a
esperavam.
Algum tempo mais tarde, quando eu já estava para
sair da estação e me livrar, deparo novamente com a
garota das malas grandes, que estava com
dificuldades para entrar na escada rolante com o
carrinho. Novamente retornei em meus passos e lhe
indiquei onde havia um elevador. Quando eu já me

120
M. A. Sens

espremia no elevador, que mal dava para acomodar


quatro pessoas, com a dama de vermelho, o carrinho
e mais três outras pessoas, fui salvo pela Monica, que
me agarrou pelo braço e me tirou do sufoco. Subimos
pela escada rolante, pois meu carrinho era mais
prático.
De fato a francesa era da cidade, mas a
estação era nova para ela, assim como para mim, mas
ela parecia ter bem menos experiência neste tipo de
atividade.

14.9 Minhas Férias em Rennes França


stando desta vez de férias em Rennes e o Nego
Ebastante ocupado, preparando um artigo técnico
para uma revista e também uma tese, preferi
evitar os passeios turísticos. Tanto o artigo como a
tese tratava do mesmo assunto, e um texto de fato
serviria para o outro: Floculador vertical em meio
granular, destinado ao tratamento de água para o

121
As Bagagens de Meu Irmão

consumo humano em condições emergenciais. A


Monica indagou muito se eu queria ver alguns
castelos, a cidade de SENS ou algumas plantações de
uva, mas preferi me divertir junto com o Nego, ou
seja, com seu trabalho.
Nestas alturas meu Irmão já tinha em casa um
computador americano, trazido dos Estados Unidos
por nossa Irmã Nice e seu marido, o Mark, que
anteriormente lhes visitaram. Além do micro, um
Macintosh, de 2 Mb de memória RAM, ele tinha
também uma impressora matricial de 24 agulhas, com
alimentação automática de folhas soltas. Na época, o
conjunto de brinquedos custou por volta de US$
5000,00, se não estou exagerando.
Além destes brinquedos, ainda contávamos com mais
um: Um laboratório somente para nós, construído
especialmente para o trabalho do Nego, com total
privacidade e liberdade. Esse era uma espécie de
rancho, que o Nego chamava de “cabana”, bem ao

122
M. A. Sens

lado da estação de tratamento de esgotos da cidade de


Rennes.
O local do laboratório foi escolhido estrategicamente.
Se o assunto era tratamento de água, necessário seria
o suprimento de água suja. Assim foi escolhido o rio
da cidade, logo abaixo da desembocadura do esgoto
da estação de tratamento de esgotos da cidade. Mas o
local não era assim tão fedorento, pois bem em frente
havia um hotel, onde se hospedara, na época, uma
equipe de ciclistas de uma importante maratona
ciclista da França. Parece que até brasileiros haviam
em tal hotel, e todos sobreviveram, por uma noite.
Logo em nosso primeiro dia de trabalho, ou melhor, nossa
primeira visita à “cabana”, constatamos um grave
incidente: o suprimento principal tinha sofrido
interrupção, ou seja, não havia água suja para o
laboratório, e o sistema estava inoperante, inativo, ou
melhor, não funcionava. A coisa pifou.
Numa rápida inspeção da equipe de
engenheiros brasileiros, logo se chegou ao

123
As Bagagens de Meu Irmão

diagnóstico do problema: O cano de alimentação, e


também o cabo elétrico da moto-bomba foram
cortados. Avaliando os dados presentes,
minuciosamente, notamos indícios de corte de
arbustos pelas proximidades, e meu Irmão, um já
especialista no assunto, coçando a cabeça, já com
algumas entradas típicas dos futuros carecas,
concluiu, após reunir informações históricas de
ocorrências anteriores de cortes de arbustos
ribeirinhos ao rio da cidade: “Com certeza a causa da
falta da água suja foi o aparecimento do cortador de
arbustos, num horário em que eu não estava
presente”, concluiu meu Irmão.
Numa investigação mais detalhada sobre os
restos mortais dos cabos partidos e do tubo
estraçalhado, chegamos a conclusão que por ali
passara um operador, denominado cortador de
arbustos, munido de poderosa máquina motorizada,
ou de uma ceifadeira, que, sem perceber cortara junto
com a relva ribeirinha o cabo elétrico e o tubo de

124
M. A. Sens

alimentação da água suja, proveniente do rio da


cidade.
Mesmo assim, o conjunto moto-bomba não
sucumbiu nas profundezas do caudaloso curso de
água natural, haja vista as experiências anteriores,
pois desta vez o mesmo estava amarrado por meio de
correntes de aço a um possante palanque de legítima
cabriúva, que por muito tem resistido à ação do
tempo e das águas adoçadas pela merda francesa.
Felizmente a mala de ferramentas do Nego tinha de
tudo, incluindo fita isolante e fita adesiva, daquelas
bem largas, de polietileno marrom. Com o meu
canivete, que trago sempre, foi fácil uma cirurgia
reparatória dos cabos e tubos. Além disso, para
prevenir novos incidentes, retiramos de uma cerca
distante uns palanques semitubulares, que utilizamos
para cobrir a nossa instalação, e ainda fincamos umas
estacas, de modo a elevar a visibilidade da mesma.
Passei mais uma vez o meu aniversário com o Nego e
a Monica, portanto já estávamos em sete de julho de

125
As Bagagens de Meu Irmão

1991, num domingo. Meu estágio em Rennes foi de


muita valia. Aprendi um bocado e gostei de manejar
o Macintosh do Nego, com aquele mouse, ou
“sorri”, como dizem os franceses. Aprendi alguma
coisa sobre equipamentos para medir a turbidez da
água ou de líquidos e também algo sobre o atrito, e
potência perdida pelo mesmo, entre os líquidos e os
sólidos.
Outra experiência interessante que passei em Rennes
foi ao churrasco à francesa. Ocorreu num fim-de-
semana, nos fundos de uma casa de brasileiros. As
churrasqueiras eram daquelas metálicas. O Nego foi
encarregado do pão, ou melhor das bisnagas.
Fui comprar com meu Irmão as bisnagas, cada uma
de uns 60 centímetros. Pedimos dez. A moça da
padaria ainda confirmou, duas? Não, dez..., ela sorriu
e começou a contar. Uma das bisnagas lhe escapou da
mão e caiu no chão. Ela não incluiu entre as nossas
aquela que caiu, mas sem qualquer cerimônia
recolocou na cesta de vime. Sem embrulhar, apanhou

126
M. A. Sens

o molhe de bisnagas e nos entregou dizendo,


sorrindo: BON APETIT. Usamos meu carrinho de
malas para o transporte do citado alimento francês.
O churrasco foi organizado por franceses, e
cada churrasqueira assava uma miséria de carne.
Eram muitos os participantes, entre eles alguns
brasileiros, todos sob uma enorme cerejeira, com as
frutas de cereja, que eu nunca tinha visto. Antes, eu
pensava que a cereja crescia como morangos.
Nada de anormal na churrascada, além de que
a cada um coube uma pitada de carne, uma bisnaga
francesa inteira, e um quilo de salada. Salada para
eles, pois para mim aquilo mais parecia o trato que
sempre dei para nossas vacas, pois parecia mesmo a
verde serragem.
Cabe ressaltar, ainda no churrasco, que uma
brasileira, já meio chumbada pelo vinho nacional,
mostrou-se indignada com o modo que eu me
comunicava com o Nego. Quem é este cara, que só se
comunica por meio de códigos? Perguntou para sei lá

127
As Bagagens de Meu Irmão

quem a professora brasileira, que também estudava


por aquelas bandas. Ela tinha lá uma certa razão para
não entender nada que eu e meu Irmão falávamos,
pois entre uma frase e outra, sempre incluíamos uma
palavra técnica específica do trabalho do Nego, ou de
linguagem de informática.
O tempo parece que correu muito mais rápido desta
vez, e o dia marcado para a partida chegou.
Entretanto, havia muito para fazer e me divertir com
os trabalhos do Nego. Desta forma, liguei para a
VARIG e adiei dez dias a viagem. Disseram-me que
teria que pagar uma multa de US$70,00, aceitei
mesmo assim.
Na casa do Nego, houve alguns momentos em que a
telinha do micro nos deixava meio zonzos e, para
espairecer e no divertirmos, procuramos algo para
consertar. Foi assim que localizamos um velho
forninho elétrico, todo enferrujado e ainda com óleo
das últimas fritadas de pernas de porco. A coisa
estava feia mesmo. Na desmontagem, que contei com

128
M. A. Sens

a ajuda do Nego e de todo o meu arsenal de


ferramentas, que sempre está na pasta, deixamos um
rastro de ferrugem e de graxa seca pelo centro da
sala. A Monica, para minha surpresa, nem ligou para
toda aquela lambança.
Ao final da operação, os engenheiros
brasileiros concluíram: Este equipamento não tem
jeito mesmo. Retiramos uma lâmpada de sinalização
e o botão liga-desliga, que fiquei com pena de jogar
fora, mas o resto, foi para o lixo mesmo. Acompanhei
toda a operação que meu Irmão fez com orgulho e
com prazer. Ao jogar o forninho no lixo, meu Irmão
ainda comentou: Veja como evoluímos, estou
jogando uma preciosidade destas no lixo, e ainda com
prazer.
Bem mais tarde pensei, entre tantas coisas
para levar para o Brasil, esta era uma coisa a menos
para ser incluída entre os pertences do casal, ou nas
bagagens de meu Irmão.

129
As Bagagens de Meu Irmão

Enfim, concluído meu estágio na cidade de Rennes,


acertei alguns detalhes sobre o retorno do Nego para
o Brasil, que mandaria a mudança de navio até o Rio
e de lá eu remeteria para Florianópolis. Desta vez não
tive nada de compras de última hora, somente
procurei um estabilizador para minha filha, a
Mariana, mas não encontrei nada satisfatório, e já
era hora de retornar.
Apanhei novamente o TGV de Rennes até a estação
Montparnasse, em Paris. Desta vez saí a tarde, no
trem 8738, das 15:13 horas, que chegou a Paris as
17:21 horas, com um minuto de atraso, não sei as
razões, pois ninguém deu explicações.
Para retornar ao Rio agora era fácil, bastava chegar
novamente à Gare du Nord ou outra estação da
RER, e tomar o trem para o aeroporto Charles de
Gaulle. Para isto, já estando na Gare Montparnasse,
que constitui o ponto final do TGV da SNCF que
parte de Rennes, basta pegar o Metrô na direção
Nation, linha 6, marrom, e saltar na estação Denfert

130
M. A. Sens

Rochereau e toma-se o trem da RER na direção


Roissy ou Charles de Gaulle, linha B3, azul, no
mapa. O ponto final é no próprio aeroporto, de modo
que não tem erro. Depois é só saber se seu avião
parte de Charles de Gaulle I ou Charles de Gaulle
II, que não ficam muito perto não. A ligação entre
eles se faz de ônibus, onde há indicações das
companhias aéreas.
Ao chegar ao balcão da VARIG, apresentei a
passagem e preparei cem dólares, para o pagamento
da multa. Entretanto, o fiz de modo discreto e, para
minha surpresa, a moça não me pediu por pagamento
algum, e ela falava o português. Claro que eu não ia
lembrá-la que eu adiara o meu retorno e que deveria
pagar US$ 70,00 de multa.

131
As Bagagens de Meu Irmão

15 O REEMBOLSO DA PASSAGEM

Aocomchegaro pagamento
ao Rio, minha primeira preocupação foi
da passagem, que já tinha
ocorrido, pois como adiei o retorno, a data do
pagamento do Credicard já tinha passado, mas a
Lígia tinha pago.
Preparei logo o dossiê com os comprovantes de
despesas, juntei com o original da passagem e
encaminhei ao CNPq, de Brasília, para a obtenção do
reembolso, conforme prometido por ocasião da greve
dos funcionários. Aguardei um ou dois meses e nada
do retorno. Minha secretária Rosali iniciou as buscas
e confirmou que a passagem chegara ao CNPq, e até
tomou nota do número do protocolo. De nada

132
M. A. Sens

adiantou inúmeras cobranças, alegaram que a


passagem não chegara lá. Mandei uma cópia de tudo,
na esperança, mas foi puro engano, alguém deve ter
ficado com a grana, que não era pouca, mas US$
2000,00, e o pesquisador brasileiro, mais uma vez,
pagou para representar o país no exterior. Não havia
outro brasileiro na conferência, além de Márcio A.
Sens.
Nestas alturas já estávamos no final do ano de 1991, meu
Irmão já tinha concluído o trabalho de publicação e
defendido a tese, recebendo nota A, com louvores, e a
comprovação dos franceses de que um SENS tem
elevado índice de viração própria, como já tinha
constatado nosso professor Hamilton Savi. Agora era
descansar e preparar o retorno.

133
As Bagagens de Meu Irmão

16 A MUDANÇA DE MAURÍCIO e
MÔNICA

Para a mudança de Rennes a Florianópolis, meu


Irmão adquiriu cinco malas de aço, com cadeados.
Foram denominadas malas, entretanto, tratavam-
se de caixas com tampas providas de dobradiças,
onde todos os pertences do casal foram
cuidadosamente ajeitados e relacionados.
O micro computador foi planejado e realmente veio
na bagagem de mão. O carro meu Irmão vendeu para
um brasileiro, que morava em Rennes, ou por perto,
e que parece que nunca pagou, ou demorou muito.
Alguns livros foram encaminhados pelo
correio, diretamente para Florianópolis, mas o grosso

134
M. A. Sens

mesmo veio nas cinco malas, para desembarque no


Rio de Janeiro.
A coleção completa dos bens teve que ser
relacionada, para efeitos legais, denominada relação
consular, conforme lista em anexo.

135
As Bagagens de Meu Irmão

17 A MUDANÇA VEIO DE NAVIO

Conforme eu tinha combinado com meu Irmão na


França, caso não houvesse um navio até Itajaí,
em Santa Catarina, então ele iria despachar a
mudança até o Rio de Janeiro, por vias marítimas.
Assim foi feito e, em 16 de dezembro de 1991 meu
Irmão, o Nego, já tinha colocado cinco caixas de aço,
lacradas e trancadas com cadeados, numa
transportadora Internacional, a “LE CALVEZ” com
sede em Brest, na França, mas com uma filial em
Rennes, que despachou tudo do porto marítimo de
LE HAVRE, em 04 de janeiro de 1992.
Entretanto, antes mesmo da bagagem deixar a
França, com destino ao Brasil, o casal de brasileiros

136
M. A. Sens

já se despedia da Europa, para passar o Natal de 1991


com os irmãos. Neste Natal, a Monica tinha mil
novidades para contar a tantos, e o Maurício uma
única preocupação: sua bagagem iria chegar ao porto
do Rio de Janeiro, onde tudo acontece, mas o sumiço
das muambas, nem pensar. Por isso me deu todas as
instruções para apanhá-las o mais rápido possível,
talvez mesmo até de dentro do próprio navio.

137
As Bagagens de Meu Irmão

18 AS CHAVES DOS CADEADOS

Como estávamos todos em Florianópolis, para o


Natal, eu e o fomos até a Casa do Cano, na
Nego
trindade, e pedimos para fazer cinco cópias fiéis
das chaves de cada um dos cadeados das malas de
aço, que deveriam chegar de navio com a mudança
do casal.
Na Casa do Cano, fomos logo atendidos por
um garoto, que parecia bastante esperto, que iniciou a
cópia de uma das chaves. Entretanto, apareceu um
outro cliente, que queria a cópia de apenas uma
chave. Ai, para meu espanto, o jovem operador
simplesmente retirou a cópia já iniciada de uma de
nossas cinco chaves da máquina e ia colocando a

138
M. A. Sens

matriz do outro cliente. Logo reclamei, incisivo, que


nós chegamos primeiro, e que também estávamos
com pressa. O garoto concordou, recolocou
novamente a cópia já iniciada na máquina e,
rapidamente, confeccionou as cinco cópias, uma de
cada uma das originais.
De posse das cópias, o Nego me entregou as
originais, num envelope, para serem utilizadas na
abertura das malas de aço por ocasião da conferência
da muamba, junto a Receita Federal, no Rio de
Janeiro.

139
As Bagagens de Meu Irmão

19 O NOME DO NAVIO COM O


CARREGAMENTO ESPECIAL

Além das chaves dos cadeados, era evidente que


eu devia receber mais algumas informações para
poder operacionalizar a retirada da carga no
porto do Rio de Janeiro. Entretanto, como
marinheiros de primeira viagem, nem eu nem meu
Irmão, dono da dita bagagem, sabíamos do que seria
realmente necessário. Segundo meu Irmão, e
conforme instrução recebida por ocasião do
embarque da carga lá na França, seria necessário o
nome do navio. Este nome, felizmente, o Nego tinha
com toda a certeza: O navio era o “FLAMENGO”, que
por sinal é meu time e que seria, portanto, facílimo de
lembrar. Outro ponto que nos parecia importante era

140
M. A. Sens

a data provável para a chegada: 14 de janeiro de


1992, segundo o Nego.

141
As Bagagens de Meu Irmão

20 NAVIO À VISTA

omo passo diariamente pela ponte ,


Rio - Niterói
Cfiquei de olhos bem abertos em relação aos
navios ali ancorados. Era uma manhã de 13 de
janeiro de 1992, dia de sol e boa visibilidade do
ambiente, quando, de súbito, deparei-me com um
nome muito grande que me fez lembrar de algo: as
bagagens de meu Irmão. Era o navio FLAMENGO,
ancorado na Companhia Docas de Rio de Janeiro.
Ao chegar ao trabalho, nesse mesmo dia 13 de
janeiro, logo procurei o telefone da Companhia
Docas do Rio de Janeiro, que pelo tamanho, pode se
imaginar que tem mil números diferentes: E tinha
mesmo. Arrisquei um número qualquer e, de galho

142
M. A. Sens

em galho cheguei ao número certo, após dezenas de


tentativas. Como se sabe, a menos das novelas e
filmes, os telefones não atendem e tampouco
funcionam logo na primeira discagem.
Esta operação foi lenta, e o tempo correu.
Após tantas tentativas de chamadas telefônicas para
encontrar o primeiro degrau, nem percebi que quando
encontrei o número do telefone certo, provavelmente
certo, já passavam das 17:00 horas, e nas Docas, não
atendiam mais.

143
As Bagagens de Meu Irmão

21 TELEFONES QUEBRADOS

Noparaoutroa chegada
dia, que seria o dia realmente marcado
da mercadoria, dia 14 de janeiro,
que acho que é dia do aniversário de uma de
minhas sete irmãs, mas nunca sei de qual delas,
iniciei bem cedo, as 8:00 horas, a busca de
informações junto as Docas do Rio de Janeiro. Por
alguma razão, entre 8:00 e as 11:17 horas em
nenhuma das tentativas de chamadas telefônicas para
as Docas obtive êxito. Liguei então para outros
números, aleatórios, para testar o telefone: Deu certo,
funcionava. Tentei então números com o mesmo
prefixo dos números telefônicos das Docas, ou sejam,
os números que iniciavam pelo 2462. Estava aí o
problema.

144
M. A. Sens

Desta forma, detectado o problema, consultei


a companhia telefônica local, sobre as minhas
dificuldades para contactar com as Docas, para não
repetir toda hora “do Rio de Janeiro”, e verifiquei que
realmente aquele tronco telefônico estava pifado.
Nenhuma ligação para aqueles números telefônicos
seria completada, pois estavam com as conexões
elétricas interrompidas. Que falta de sorte, logo
quando eu precisava, pensei.

145
As Bagagens de Meu Irmão

22 A EMPRESA DE TRANSPORTES
MARÍTIMOS

problema dos telefones foi solucionado logo


Oapós o almoço, daquele dia 14 de janeiro mesmo
e, junto às Docas do RJ, obtive o nome da
empresa de transportes marítimos, que seria
obviamente necessário, para o início da busca às
bagagens de meu Irmão. A empresa indicada foi a
CARAVELLE, que era responsável pelas cargas do
navio Flamengo.
Contactado por telefone com a empresa
CARAVELLE, com o Sr. Luiz, obtive a informação e
a confirmação de que realmente trabalham com o
navio Flamengo. Entretanto, nada tinham, desta vez,

146
M. A. Sens

de procedência da França. Desta forma, o Sr. Luiz


me informou outro nome e outra companhia
marítima: A UNIMARE, que eu deveria contactar
com o Sr. Adalto, pelo telefone 223 - 24 54. Esta
empresa, segundo pude apurar, opera com transportes
e seguros de cargas por vias marítimas.
Contactando o Sr. Adalto, da UNIMARE, fui
informado que não tinham nada da França. Perguntei
então se conheciam uma empresa chamada “Le
Calvez”, pois eu dispunha de um documento com
este nome, em cuja empresa meu Irmão entregara a
carga lá na França. Fui então informado, pelo Sr.
Adalto, da UNIMARE, que esta Le Calvez não fazia
transportes marítimos, para minha surpresa.
Para início, me informou ainda o Sr. Adalto, eu
deveria obter o conhecimento original da companhia
de transportes marítimos que realmente apanhou a
bagagem. Obter o número do “BL”, o número do
container e o nome do armador. Com isto, de início,

147
As Bagagens de Meu Irmão

seria possível resgatar a bagagem, de outro modo,


não.
Desta forma, com o conhecimento prévio do mínimo
de informações requeridas para o início do
empreendimento, liguei imediatamente para
Florianópolis, para o do Nego. Lá atendeu uma
garota que me respondeu: "aqui não tem nenhum
Maurício não". Perguntei então pela Monica, a
esposa do Prof. Maurício, e a resposta foi a mesma,
não havia nenhuma Monica. Depois de muita
investigação consegui descobrir que se tratava de
uma empregada recém-contratada do proprietário do
apartamento, Dr. Osmar de Oliveira, meu cunhado,
que, como de costume, veio passar as férias de
janeiro na capital.
Concluí, então, que para localizar o Nego seria
necessário, primeiro, localizar a sua sogra, Dona
Cacilda. O número do telefone eu não tinha, mas
felizmente lembrei do nome completo da querida mãe
de minha cunhada: Cacilda Justino. Com o nome, o

148
M. A. Sens

serviço de informações telefônicas de Florianópolis


me arranjou o número correto da sogra de meu Irmão.
Liguei de imediato para o tal número e quem atendeu
foi a Monica, que por pouco não a perco, pois estava
de saída para fazer algumas compras. Passei assim as
informações à Monica, de que necessitávamos do
nome da companhia marítima de transportes, pois a
Le Calvez não fazia transportes por este meio.
Ficou, então, combinado, de que a Monica mesma
faria o contato telefônico com a Le Calvez, na
França, para obter as informações de que
necessitávamos, conforme informações da
UNIMARE.
Antes, porém, como boa esposa, a Monica repassou
todas as informações para o marido Maurício, que
me telefonou em seguida. Este em seguida, significa
que na brincadeira já se tinha passado todo o dia, e de
que eu estava falando com meu Irmão, sobre o
mesmo caso iniciado pela manhã bem cedo, as 15:35
horas.

149
As Bagagens de Meu Irmão

Finalmente, ficou combinado que eu aguardaria a


comunicação sobre o porto de partida da muamba, ou
da chegada de qualquer correspondência da França,
a exemplo de remessas postais, que na chegada se
recebe um aviso.
Em resumo, concluímos que de fato o navio não
devia ser o Flamengo, ou, possivelmente, o mesmo faria
outra viagem, para a busca das bagagens de meu Irmão.
Como lição, aprendemos que para iniciar um
empreendimento de tal envergadura, necessário seriam
informações concretas, desde o início, pois o navio indicado
por meu Irmão eu tinha encontrado, no porto e na data
previstos, entretanto, sem a carga esperada. Algo estava
conflitante.
Mas, quem sabe, se na próxima viagem de ida e
volta à França, o carregamento do navio Flamengo também
conterá as preciosas e esperadas bagagens de meu querido
Irmão caçula.
Comecei a desconfiar que a tarefa que recebera do
maninho seria deveras interessante, já que estava começando

150
M. A. Sens

a se complicar. Passei, então, a me interessar mais ainda pelo


empreendimento, anotando as etapas cumpridas e os nomes
completos das pessoas contactadas.

151
As Bagagens de Meu Irmão

23 O DÉCIMO DIA DA MARATONA

Conforme o combinado, aguardei o recebimento de


qualquer confirmação da chegada da bagagem
antes de tomar novas providências para o dito
resgate. Assim, aos vinte e três de janeiro do ano de
mil novecentos e noventa e dois, numa quinta-feira,
as 17:38 horas, recebi dois envelopes registrados, de
números RB 22339418-7FR e RB 22339419-8FR, do
LA POSTE, France, encaminhados pela Le Calvez
Transportes Internacionais, despachados de Brest, na
França, em 19/01/1992, ou seja, há quatro dias.
Assinei o livro de registros da portaria do
edifício San Siro, onde moro, e entrei em casa, pois
estava voltando do trabalho. Abri os envelopes

152
M. A. Sens

rapidamente, vi que se tratava das ditas encomendas


de meu Irmão e, como ainda faltavam alguns minutos
para as 18:00 horas, resolvi agir rápido. Telefonei
logo para a companhia ALIANÇA de Navegação,
falei com a senhorita Sônia, que me indicou que o
caso seria com a senhorita Simone ou com a
senhorita Carla, da Companhia UNIMARE. Ainda
achei a senhorita Carla lá na UNIMARE, que me
informou que o tal navio Flamengo tinha chegado no
dia 13 de janeiro e saído no dia seguinte, pela manhã.
A senhorita Carla, que me atendeu muito bem,
perguntou-me pelo número do “BL”. Só ai que fui
descobrir o que significava esta sigla: "Bill of
Landing". O tal “BL” estava nos documentos que eu
tinha em mão, e o número era 55010. Esta era a senha
chave para se iniciar o processo de desembaraço ou
de busca às referidas bagagens.
Da mesma forma, fui indagado pela senhorita Carla,
sobre o nome do porto de embarque, pois este
também era de suma importância. Verificando a

153
As Bagagens de Meu Irmão

documentação, respondi que devia ser “Le Havre” na


França. Assim, ela deve ter coçado a cabeça, e me
informou que lamentavelmente não tinha nada deste
porto, e que o caso era bem mais complicado.
Indagou ainda se era mesmo o navio Flamengo.
Nestas alturas eu já hesitei na resposta e consultei a
documentação mais minuciosamente. Encontrei o
nome “COPACABANA”, sem informações
complementares de que se tratava de nome de navio,
mas como de porto é que não era, arrisquei e informei
à Carla.
Meu caro Irmão deve ter confundido os nomes dos
navios. Praia por praia, Flamengo é uma, Copacabana
é outra. Navios com nomes de praias, sei lá. O Nego
chutou uma delas, pensei comigo enquanto
consultava os documentos, com a Carla me
aguardando, atenciosa, do outro lado da linha.
A coisa parece que fluía bem. Com a
informação de que o navio poderia ser o Copacabana,
a senhorita Carla logo exclamou que aí a coisa era

154
M. A. Sens

diferente. Deste modo, haveria alguma chance. Se o


navio era o Copacabana, consultando os
computadores da UNIMARE, a senhorita Carla me
informou que a data do atracamento provável deste
navio, no porto do Rio de Janeiro, estava previsto
para dia 25 de janeiro de 1992.
Assim, nada de pressa. Agora eu deveria
aguardar, pelo menos, a data da chegada do novo
navio, se é que esta era a embarcação contendo as
bagagens de meu Irmão.
Neste tempo de espera pelo tal navio, por
várias vezes em que passei pela ponte RIO-NITERÓI
tive a intenção de verificar se o tal COPACABANA
estaria por ali atracado. Entretanto, devido ao calor
de janeiro no Rio, se dorme pouco a noite e se
continua com sono pela manhã, e deste modo, quase
sempre que eu passava pelo cais do porto, ou estava
dormindo, ou muito distraído, e não vi foi navio
algum, mesmo após a data prevista.

155
As Bagagens de Meu Irmão

24 A CHEGADA DAS BAGAGENS AO


RIO

dia marcado para a chegada do navio já tinha se


Opassado. Já estávamos em 27 de janeiro, uma
segunda-feira, e a data prevista era 25 de janeiro.
Desta forma, telefonei pela manhã, novamente, para a
UNIMARE. Contactei com a senhorita Carla, sempre
muito simpática, que me confirmou a chegada do
navio Copacabana. Se a carga esperada tinha vindo,
era outra estória. Aguardei um pouco e, consultando
os computadores, a Carla me informou que o navio já
tinha partido, no mesmo dia da chegada, ou seja, no
dia 25 de janeiro e, para a alegria geral, informou,
também, que a dita carga tinha chegado com o navio
Copacabana.

156
M. A. Sens

Finalmente as bagagens de meu Irmão estavam no


porto do Rio de Janeiro. Indaguei então com a Carla,
(vou suprimir agora o “senhorita”, pois já somos
velhos conhecidos), quais seriam os próximos passos.
A Carla então me informou que eu deveria, de início,
desembaraçar na Alfândega, no Armazém de
Bagagens, que fica no Cais do Porto, que fica na
Avenida Rodrigues Alves, que fica próximo da Praça
Mauá, que eu, por acaso, conhecia.
Após esta etapa, me adiantou a Carla, eu deveria ir
até a UNIMARE, na Avenida Venezuela, número 3,
quarto andar, onde eu deveria pagar a “capatazia”,
no valor de Cr$14.924,49.
Logo após a conversa telefônica com a Carla, a
primeira coisa que fiz foi descobrir o que era
“capatazia”. Ela significa, nada mais nada menos
que taxa alfandegária, segundo o dicionário
Aurélio. Tendo tomado conhecimento do quê eu
deveria pagar, e do valor, tratei logo de efetuar o
pagamento.

157
As Bagagens de Meu Irmão

O tempo neste dia 27 de janeiro já tinha corrido


muito. Marquei logo uma vaga em uma das Kombis
do CEPEL, que iam para o centro da cidade as 14:00
horas, almocei e parti para a Praça Mauá.
Nesse dia, normalmente, minhas atividades no trabalho não
me permitiriam a ausência no horário comercial, mas pude
sair porque aproveitei que o CEPEL tinha acabado de
passar por uma reforma administrativa, imposta na
forma esquelética, sem detalhamentos, e a desordem
e o desânimo imperavam entre as mais variadas
equipes. Tanto era minha indignação que saí no
horário normal, para tratar de um assunto pessoal, em
plena segunda-feira, que me parecia mais divertido.
Apanhei a Kombi das 14 horas, que só saiu as
14:15 horas e saltei na descida da perimetral para a
Praça Mauá. Na pressa de apanhar a Kombi, que
acabou se atrasando, saí da sala as 13:59 horas, e
acabei me esquecendo do endereço da Alfândega.
Mas, mesmo assim, me lembrava do suficiente para
chegar ao edifício principal daquela repartição

158
M. A. Sens

federal, pois me lembrei que a Carla tinha citado um


Banco, o BANERJ - Banco do Estado do Rio de
Janeiro, nas proximidades do Cais do Porto.
E agora eu já me achava no Cais do Porto, e
deparei-me com dezenas de Armazéns, enormes
como estádios de esportes, todos numerados, com
letras e números, como 3-A, 3B, etc., sendo o último
o número 33.
Mas o Armazém que eu procurava parece que
se chamava de Armazém de Bagagem. Na dúvida, fui
andando na direção decrescente, para onde deveria
ficar o escritório. No caminho, percebi que um
quilômetro de armazéns já tinha se passado e que,
tanto na direita como na esquerda da avenida, tudo
era da marinha, da alfândega ou de outras instituições
federais.
Após longa caminhada, parei para pegar
informações diante de um militar, que estava postado
diante de um magnífico edifício, com uma magnífica
entrada. Indaguei sobre o tal Armazém de Bagagens,

159
As Bagagens de Meu Irmão

ou sobre o tal Posto do BANERJ. O militar


simplesmente permaneceu imóvel. Inicialmente achei
que estava hesitando na resposta, mas como ela
estava demorando muito, concluí que no posto do
distinto, não poderia prestar qualquer informação ou
sequer conversar com estranhos.
Percebi que dali eu não arranjaria qualquer
informação, pois realmente eu não deveria é ter
dirigido a palavra ao militar. No tempo em que
aguardei a resposta à minha pergunta, observei que o
defensor público estava numa pinta danada. Sua farda
era elegantíssima, onde se podia ler com clareza
“WAGNER”, e sua postura impecável. Que seu nome
era Wagner eu pude descobrir, mas a qual forças
armadas pertencia não, pois não consigo distinguir
entre as insígnias, e muito menos na graduação do
militar.
Não tendo conseguido qualquer progresso
com o militar, voltei a indagar num Bar, e o caixa
nem falou, ou melhor, somente apontou para a

160
M. A. Sens

direção que eu já vinha seguindo. Encontrei o Banco,


mas não o Armazém de Bagagens. Na dúvida se
entrava pelo armazém 1 ou 2, entrei pelo zero, ou
seja, pela estação de passageiros.
Andei até um enorme portão na direção do
mar, onde se lia “Companhia Docas do Rio de
Janeiro Portão Pier”, com uma seta indicando:
“Estação de Passageiros”. Foi bem para esta que me
dirigi. Esta estação tem uma pequena torre, que
ostenta um relógio, que no momento marcava 14:55
horas. A estação fica realmente na Praça Mauá, na
Avenida Rodrigues Alves. Bem na entrada lê-se:
“Estação Marítima de Passageiros”, e também “H.
STERN”.
Já no interior do edifício, me espantei. Eram
incríveis a limpeza e a organização desta instituição
pública. Informações por todos os lados, em três
línguas, português, inglês e francês. Numa enorme
placa podia-se ler claramente: “CAIS DO PORTO -
100 ANOS”. Entretanto, não encontrei uma viva

161
As Bagagens de Meu Irmão

alma no enorme saguão, acho que o horário não era


próprio, ou não haviam navios de passageiros
chegando ou saindo naquele horário.
Na entrada da estação de passageiros, não
encontrando uma viva alma, somente grandes lojas
fechadas, como a H. Stern, entre tantas luxuosas,
andei mais para o fundo, por pura curiosidade sobre o
imponente e majestoso lugar, por mim nunca visto
dantes, pois não esperava encontrar alguém. Mas,
bem mais para diante, encontrei dois senhores que me
atenderam prontamente e me informaram que as
bagagens são retiradas na alfândega, pelo lado de
fora, numa entrada ao lado do BANERJ. Perguntei
então se era pelo lado direito ou esquerdo, pois eu
avistara um edifício escrito “ALFÂNDEGA”, bem na
fachada.
Não era no edifício escrito “ALFÂNDEGA” que
ficava de fato a alfândega, mas sim numa pequena
entrada, do lado do pequeno posto do BANERJ.
Saindo do terminal de passageiros, fiz o caminho

162
M. A. Sens

inverso e procurei um banheiro, mas estavam todos


trancados, inclusive o das senhoras.
Encontrei logo o tal posto do banco, que pela
segurança confirmava que ali devia conter grandes
valores. Entrei num corredor com uma porta de vidro
recuada. Entrei meio inseguro, pois na entrada lia-se
claramente: “Armazém 1-1A Setor de Exportação - 1ª
IRF”. Logo em minha primeira visita à Alfândega,
quase deixei a estampa de meu sapato, para sempre,
pois um conserto de cimento fresco no chão, bem de
fronte à portaria, não se fazia notar facilmente.
Mas felizmente desviei a tempo da placa
fresca de cimento e, por sorte, a alfândega era ali
mesmo. Fui logo atendido por um gordinho,
baixinho, que logo me perguntou se a bagagem era
minha mesma. Confirmei que em parte era. Quis
saber se eu tinha viajado. Confirmei. Quis saber
quando eu tinha voltado. Respondi que retornei ao
Brasil em agosto, mas que a bagagem só veio agora,
com meu Irmão, que despachou tudo. Não respondi

163
As Bagagens de Meu Irmão

propriamente a pergunta, mas informei que meu


Irmão tinha despachado para mim da França, com
meu endereço para a recepção.
A longa torcida de nariz do funcionário
alfandegário me fez logo crer que a coisa não seria
assim tão fácil. Após o longo interrogatório, o
pequeno e roliço sujeito quis saber até onde eu
morava. Por sorte tínhamos algo em comum. Ele
também morava em Niterói.
Em resumo, fui logo informado, na alfândega,
que somente o proprietário poderia retirar a bagagem,
ou seja, somente o Nego. Ou, ... que ele deveria dar o
endosso para mim. Assim parecia que haveria alguma
chance, e mostrei então toda a documentação. A lista
de bens: solicitou o agente federal. Está aqui, mostrei
rapidamente. Não, eu preciso da original, ressaltou o
gordinho.
Nesta altura entrou na conversa um senhor
mais idoso, parecia o chefe da repartição. Qual é o
caso? Perguntou o suposto chefe. A bagagem é do

164
M. A. Sens

Irmão e ele veio retirar, mas só o próprio pode fazer


isto, respondeu o gordinho.
Bem, disse o chefe (agora já tirei o suposto,
pois pela firmeza parecia mesmo o chefe), se ele tiver
uma procuração! Afirmou. Aqui está, e mostrei a
procuração. Não, esta não serve. A procuração deve
ser como esta. E o chefe da referida repartição
pública me entregou uma cópia de uma procuração
como modelo. O baixinho então replicou: é... nós
aqui procuramos facilitar...na medida do possível.
Pede para seu Irmão mandar também o passaporte,
junto com a procuração, completou o atendente.
O chefe ainda estava do nosso lado e me
perguntou: Seu Irmão veio de avião? Respondi que
sim. Então a lista original deve estar aqui, afirmou o
chefe que, se dirigindo ao baixinho, certamente seu
subordinado, e lhe ordenou: Verifique se há algo em
nome de SENS. Num piscar de olhos o baixinho
olhou a mesa e, em menos de um minuto, concluiu:
Não, nada em nome de SENS.

165
As Bagagens de Meu Irmão

O chefe parece que percebeu que eu estava


mesmo disposto a enfrentar tudo sozinho, sem
qualquer despachante, e me convidou para entrar. Fui
até a sua mesa, sentei-me, e ele então me disse,
calmamente: Você deve obter a lista original dos
bens. Se não estiver com o seu Irmão, deve estar com
o aeroporto, pois a cópia você tem. Continuando, em
tom de conselho, o chefe também me recomendou
que eu obtivesse com meu Irmão a procuração,
exatamente conforme o modelo, que já estava
comigo. Não esqueça da cópia autenticada do
passaporte, de todas as páginas, inclusive daquelas
em branco, completou o chefe.
O senhor Mouzinho, assim se chamava o
chefe da agência alfandegária, para concluir nossa
conversa, me entregou um bilhete, contendo um
nome e dois números telefônico de um funcionário do
Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, com o
qual eu deveria procurar a lista original dos bens, ou
seja, das bagagens de meu Irmão.

166
M. A. Sens

Neste ponto eu já estava sendo liberado,


entretanto, dei antes uma olhada ao redor da sala
onde nos encontrávamos, percebendo que das oito
mesas, somente duas estavam ocupadas: uma com o
chefe e outra com alguém que dormia. O gordinho
não mais se avistava.
Percebendo a intenção de minha busca, o
senhor Mouzinho logo lembrou, pausadamente: Você
deve utilizar outro telefone, pois estes aqui estão
todos quebrados.
Saindo da Alfândega, ou melhor, da
Inspetoria da Receita Federal, e não da Inspetoria
Regional da Fazenda, como inicialmente pensei que
fosse o significado da sigla “IRF”, colocada bem na
entrada, voltei a encontrar o baixinho que, juntamente
com sua colega, liam o Jornal do Brasil na saleta de
recepção. Comuniquei-lhe, satisfeito, que não seria
necessário o passaporte original, mas uma cópia
autenticada era suficiente. Estendi a mão para me
despedir a agradeci a todos. O baixinho lembrou

167
As Bagagens de Meu Irmão

então mais uma vez: Muito bem, ... nós aqui...


procuramos facilitar!
Ao sair da alfândega, como era óbvio, dei
novamente com a Praça Mauá, e logo a frente, com
um imponente edifício de uns 35 andares, todo
forrado de granitos vermelhos, polidos. Na sua base,
o Banco Francês e Brasileiro, com pomposa entrada,
aparentemente aberta até o hall de atendimento ao
público e dos elevadores, onde recepcionistas
elegantes operavam terminais de computadores da
IBM. Notei que em seu interior havia ar refrigerado
central, e que embora não houvessem portas, o
isolamento térmico era feito com uma cortina
invisível de jatos de ar em alta velocidade, na
vertical, de cima para baixo. Aproveitei e dei uma
olhada, apenas para me refrescar.
Meu próximo passo agora seria encaminhar
uma carta ao Nego, com as novas informações, de
maneiras que me dirigi diretamente para a Agência

168
M. A. Sens

Central do Correio, antigo Correio Central do Brasil,


bem no centro do Rio.
A caminho do Correio, passei por várias
bancas de revistas, ainda próximas da Praça Mauá,
onde todas ostentavam revistas muito coloridas com
belas mulheres nuas. Algumas das espécies de fêmeas
portadoras de pares de seios nas dimensões de bolas
de futebol. As revistas eram de várias procedências,
tinham alemãs, americanas, suecas, francesas e outras
mais. Que maravilhas da mãe Natureza, pensei...e eu,
andando ao sol, outra maravilha da mãe Natureza,
mas que aquecia o ambiente aos 42 graus.
Parei então em uma papelaria, na Rua do
Rosário, para comprar envelopes para a carta que eu
teria que encaminhar ao Nego. Aproveitando, também
adquiri uma caneta corretiva, do tipo que se pode
manter na vertical, pois a que tenho no escritório, é
do tipo a óleo, e deve permanecer na horizontal. A
canetinha é mesmo mágica, pois pinta de branco

169
As Bagagens de Meu Irmão

traços de qualquer cor, seca muito rápido, e permite


que sejam efetuadas as correções de imediato.
Parti então na direção do Correio, mas não foi
muito fácil atravessar a Rua Primeiro de Março, pois
não há sinais próximo ao Correio, e tive que aguardar
bem uns 20 minutos até que surgiu uma
oportunidade. Nunca vi tantos ônibus, a maioria para
Marechal Hermes, que não tenho a menor idéia onde
fica, para Bancários e para a E. de Ferro. Quando os
ônibus paravam, ficavam tão próximos que os
espaços entre eles eram mínimos, e eu não iria me
arriscar passar e ser esmagado entre eles, pois não
estava lá assim com tanta pressa. Pensando bem, já
ouvi o nome deste tal Marechal Hermes, mas
confesso que não tenho idéia de quem foi o sujeito.
Agora já era fim da tarde da segunda-feira do
dia 27 de janeiro de 1992, e eram 16:04 horas quando
entrei na Agência Central dos Correios, na Rua
Primeiro de Março. Novamente me deparo com um
colossal edifício de quatro andares, sendo o térreo da

170
M. A. Sens

altura de quase três andares normais. Também


haviam colunas de granito na fachada, provavelmente
do século passado, ou até construído por dom João
VI, ou outro número próximo deste. Na agência,
procurei um balcão livre e, abrindo minha pasta,
retirei o caderno de notas para escrever a carta para o
meu Irmão, proprietário das ditas bagagens,
explicando os detalhes para o andamento do
processo.
Concluída a carta, retirei o bisturi da pasta,
cortei a folha do bloco de anotações e dobrei a carta.
Retirei igualmente da pasta uma página contendo
dezenas de nomes e endereços do Nego e, com uma
pequena tesoura, que também tinha na pasta, recortei
na forma de etiqueta. Joguei rapidamente a tesoura na
pasta e, no embalo, peguei a cola para colar a etiqueta
com o endereço e também fechar a carta.
Bem, com a carta pronta, me dirigi ao guichê
de selos. Procurei pelo de menor fila, como de
costume. Embora o processamento fosse totalmente

171
As Bagagens de Meu Irmão

manual, entretanto, o atendimento parecia normal.


Cada carta era pesada separadamente, e os selos
colados pelo próprio interessado. O andamento era
normal, até que um baixinho à minha frente deixou à
mostra o conteúdo de suas mãos: uma pilha de umas
150 cartas, brancas, das pequenas. Bem, mas como eu
já era o próximo, não mudei de lugar, aguardei, pois
as demais filas já se estendiam por muito mais, como
acontece normalmente nos fins de tardes.
A jovem atendente, que já não era lá assim
tão jovem, suava ao calor dos 30 graus do interior da
agência, mesmo com aquele velho ventilador em sua
direção. Tratava-se de um Westinghouse preto,
modelo importado, mas que ainda operava
razoavelmente, apesar de todo o ruído que emanava.
Ou melhor, do barulho, que escutei calmamente, pois
o baixinho com a pilha de cartas ainda estava sendo
atendido, coitado, pensei, teria que lamber alguns
selos. Cabe lembrar que quando me refiro a baixinho,

172
M. A. Sens

quero dizer de estatura inferior à minha, ou seja,


inferior aos 1,66 metros.
Minha vez para o encaminhamento da
correspondência enfim chegou. Hesitei um pouco,
pois o endereço colado, que foi preparado pelo
próprio destinatário, parecia não estar conforme as
normas atuais dos Correios, mas saiu tudo bem, a
moça não reclamou. Recebi um selo com a bandeira
do Brasil e ali mesmo o colei, com o tubo de cola que
mantive no bolso da camisa. Ai foi só colocar na
fenda apropriada, em outra seção, bem lá atrás,
referente às correspondências para outros estados, e
fim de mais uma etapa.
Saí suando da dita agência e, por curiosidade,
procurei alguma placa com indicação de informações
sobre a idade ou a inauguração da imponente
construção. Procurei por dentro e também por fora,
mas nada. Não havia indicações de quem mandou
construir aquele império de granito esculpido.
Entretanto, no saguão notava-se um busto com os

173
As Bagagens de Meu Irmão

dizeres “Ao Carteiro - 1960”, mas certamente a


arquitetura do local e os granitos revelavam épocas
bem mais remotas para a sua construção. Pura
curiosidade.
Agora, em rumo às barcas, para a travessia da
Baia da Guanabara, na direção para Niterói, parei
num bar, para um refresco, denominado “Casa de
Lanches”, ainda na própria Rua Primeiro de Março.
O calor era muito e me fez beber dois chopes,
enquanto colocava em dia minhas anotações. Ainda
no bar, aproveitei para ir ao banheiro, que há muito
estava precisando, e saí, pois o calor do local não era
menos do que aquele da agência de Correio. Notei
que dos seis ventiladores de parede, parecidos com
aqueles de igrejas evangélicas, somente um estava
ligado.
Nas barcas, aguardei apenas 23 minutos para
entrar, pois ainda faltavam alguns minutos para as
seis horas da tarde, quando cresce violentamente o
movimento naquele terminal de passageiros. Embora

174
M. A. Sens

andasse bem rápido não obtive lugar para sentar


durante a travessia da Baía da Guanabara, o que
lamentei, pois pretendia continuar com minhas
anotações.
A lancha Itapuca deu o sinal e partimos. Do
pavimento superior da embarcação, onde me alojei,
podia ver e ouvir os inúmeros jatos que chegavam e
saíam do Aeroporto Santos Dumont e, bem mais ao
longe, avistava o bondinho ainda levando e trazendo
turistas que certamente se encantavam com a cidade
maravilhosa, lá do alto do Pão de Açúcar.
Já em Niterói, comprei dois chocolates
prestígio de uma garotinha vendedora, tomei o ônibus
53, por sorte sentado, e já eram quase sete horas da
noite quando entrei finalmente em casa, feliz, pois o
processo do desembaraço das bagagens de meu Irmão
estava fluindo, digamos ... relativamente bem.

175
As Bagagens de Meu Irmão

25 EM BUSCA DA RELAÇÃO
CONSULAR

Com o bilhetinho que eu recebera do Sr.


Mouzinho, chefe da Alfândega, procurei o senhor
Almeida, do Aeroporto Internacional do Rio de
Janeiro. Contactei-o por telefone, na quarta-feira do
dia 29 de janeiro, que também me lembra a data de
aniversário de alguma de minhas irmãs. O Sr.
Almeida é funcionário do Ministério da Fazenda, da
Inspetoria da Receita Federal, e nada tem a ver, de
fato, com o Aeroporto, como eu inicialmente
pensava.
Indagado pelo telefone, o Sr. Almeida me
confirmou que poderia trocar a lista de bens original,

176
M. A. Sens

se estivesse em seu poder, pela cópia da lista de bens


que meu Irmão estava trazendo da França. Isto
poderia ser efetuado, evidentemente, mediante
procuração legal, dentro dos conformes da Receita
Federal, etc., etc., tendo em vista que de fato as
bagagens não eram propriamente minhas.
Combinei então que eu iria até sua repartição
para tratarmos do assunto e efetuarmos a referida
troca de documentos, mas, antes de desligar, apanhei
em detalhes o endereço, que não era propriamente no
Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, mas sim
na Estrada do Galeão, número 5335, logo após uma
peixaria. Trata-se de um prédio baixo, à direita, com
muros brancos, após a Peixaria, completou o Sr.
Almeida.
Pelo tamanho do número do endereço, conclui-se que
a Estrada do Galeão não deve ser lá uma ruazinha
qualquer e, para prevenir, levei comigo um guia, o Sr.
Geraldo Reinicke, meu colega de trabalho, que mora
na Ilha do Governador, e que também cedeu o seu

177
As Bagagens de Meu Irmão

próprio carro para o referido empreendimento.


Encontramos facilmente a Inspetoria e fui logo
conduzido para a biblioteca da repartição, onde o Sr.
Almeida me aguardava.
Em menos de um minuto, fui despachado pelo Sr.
Almeida, que parecia muito ocupado, e fui
encaminhado para uma funcionária, a Ana Lúcia,
que, parando de assinalar tópicos no Diário Oficial da
União, passou a me atender. Trata-se de Relação
Consular, explicou o Sr. Almeida, passando o caso
para Ana Lúcia. A funcionária, muito simpática e
prestativa, me perguntou o nome e a data da entrada
no país, e rapidamente apanhou uma caixa de arquivo
escrito “1991 - letra M”. Ana Lúcia passou então a
procurar pelo nome “Maurício”, que também ajudei
a conferir, mas ela tinha muito mais agilidade no
manuseio da papelada.
Como não fora encontrado nada, perguntei se podia dar uma
olhada, para ajudar. Claro, respondeu Ana. Passei então a
folhear mais calmamente as várias Relações Consulares e, de

178
M. A. Sens

relance, pude perceber como tem entrado aparelhos caros no


país, como bens de uso pessoal. Haviam dezenas de fogões
eletrônicos, microcomputadores Macintosh e Lap Tops
Toshiba. Mas nada da relação em nome de Maurício L.
Sens.
Não encontrando nada no ano de 1991, a funcionária
Ana Lúcia apanhou também a caixa de 1992, já que o
Nego tinha chegado em 24 de dezembro de 1991, e
que, possivelmente, por engano, poderia ter sido
arquivada a Relação Consular na pasta do ano
seguinte. Mas nada também foi encontrado em nome
de Maurício. Procuramos então na pasta dos “S”,
pois poderia ter sido arquivado pelo SENS e não pelo
Maurício, o que não seria comum, segundo me
garantiu a funcionária aduaneira. Como também não
encontramos a dita Relação Consular dos bens de
meu Irmão, a Ana Lúcia passou o caso de volta para
o senhor Almeida, que aventou a possibilidade da
lista estar realmente com o passageiro.

179
As Bagagens de Meu Irmão

Mostrei, assim, a cópia da lista que estava em meu


poder, e afirmei ao agente da Receita Federal que a
única via que o passageiro Maurício tinha recebido
era aquela cópia. A diferença entre a cópia e a
original era na cor do timbre, me explicou o senhor
Almeida. Mesmo assim, o agente leu e releu todas as
anotações efetuadas na Relação Consular pela
Receita Federal, por ocasião da chegada do
passageiro, e concluiu: Para ai, qual foi o inspetor
que inspecionou as bagagens? Verificando bem de
perto o carimbo. Já com uma lupa em punho, o Sr.
Almeida, veterano experiente no assunto, exclamou:
Aqui consta “Hiroko Kimura”, que não conheço,
afirmou. Verificando mais atentamente as minúsculas
letras do carimbo, ainda com a lupa, o agente matou a
charada.
Na estampa do carimbo da cópia da Relação
Consular de bens constava: IRF/AI-SP. Logo,
concluiu o agente, não pode estar aqui mesmo esta

180
M. A. Sens

Relação. O documento está em São Paulo, pois foi lá


que seu Irmão desembarcou, ou deu entrada no país.
A operação estava ficando cada vez mais
interessante. O Sr Almeida me descobrira uma
importante tarefa, não prevista pelo Sr. Mouzinho, e
muito menos por mim, despachante iniciante. Pronto,
fui liberado de mais esta etapa. Agora era só ir para
São Paulo e apanhar o documento no Aeroporto de
Guarulhos, onde, possivelmente, estaria arquivado.
Era só encontrar o japonês Hiroko Kimura.
Retornando ao CEPEL, na Cidade
Universitária, onde trabalho, com meu colega
Geraldo, que a estas alturas dormia no carro,
enquanto me aguardava, iniciei logo as buscas ao dito
japonês. Primeiramente, contactei com o serviço de
auxílio à lista telefônica de São Paulo. Lá me
arranjaram o número telefônico 011 - 211 18 08, que
confirmei e era mesmo da Receita Federal do
Aeroporto Internacional de São Paulo.

181
As Bagagens de Meu Irmão

Na primeira tentativa já consegui contato,


com o Sr. Fernando, da Receita Federal de Pinheiros,
em São Paulo, que me informou que o documento
que eu procurava deveria estar com a Divisão
Aduaneira da Receita Federal do Centro de São
Paulo. Perguntei se tinha o telefone. Ele não dispunha
do número, ou não quis ter o trabalho de procurar,
mas me informou que ficava na Av. Prestes Maia,
733. Este endereço me era familiar, dos tempos que
girava por São Paulo como estagiário, e achei que
daria para ir até lá. Antes, porém, de desligar,
indaguei se não deveria estar no Aeroporto, como eu
já fora informado. O Sr. Fernando achou possível,
mas neste caso, eu deveria procurar pela Inspetoria de
Guarulhos.
Contactei novamente com o auxílio à lista
telefônica de São Paulo, que me forneceu o número
011 - 912 61 49. Liguei três vezes e não atendia.
Devia estar fechada, pois já estávamos na hora do
almoço. Bem lembrado, pensei. Parei um pouco com

182
M. A. Sens

minhas investigações e fui almoçar. Retornei às


13:20 horas, entretanto, as 13:30 horas tive que
participar de uma reunião, que me tomou toda a
tarde.
Já no final do expediente, às 16:10, tentei
novamente contato com a Receita Federal de
Guarulhos, em São Paulo, mas não obtive êxito.
Tentei ainda retornar o contato com o Sr. Fernando,
da Divisão de Pinheiros, mas também não deu
resultado. Acabou-se a quarta-feira.
Com todos os envolvimentos, e mais um
pequeno problema que eu estava resolvendo em meu
microcomputador da Casio, acabei esquecendo de
telefonar para a minha Irmã, que estava de
aniversário, que nestas alturas eu já tinha
conhecimento de quem seria: A Nice, minha Irmã da
Flórida, USA, é que aniversaria em 29 de janeiro.
De retorno ao lar, de meu escritório continuei
as buscas. Agora com auxílio de um telefone mais
moderno e automático, meu Panasonic eletrônico,

183
As Bagagens de Meu Irmão

obtive a confirmação para os números anteriormente


obtidos, entretanto, embora minha intenção de
telefonar de imediato para o Aeroporto de São Paulo,
não pude fazê-lo.
Parei com minhas ligações telefônicas, porque fui
interceptado pelo meu filho Leonardo, de oito anos,
que me fez uma cobrança: Papai, se eu não posso
utilizar aquelas bombinhas que nós compramos no
Campo de São Bento, aqui em casa, nem no
playground, só junto com você, e você só pode nos
domingos, então, como num domingo nós soltamos
umas três ou quatro bombinhas, no outro domingo
mais umas três bombinhas, assim eu não vou acabar
nunca com aquela caixinha, afirmou
conclusivamente.
Diante dos argumentos de meu filho, parei de
imediato com minhas investigações sobre como
encontrar um japonês em São Paulo, e me ofereci
para ir com meu filho ao Campo de São Bento, para
fazermos uso de tais explosivos. Coloquei minha

184
M. A. Sens

bermuda bege, tradicional, e partimos para a


aventura, levando meia dúzia de bombas, sendo que
três delas foram grampeadas na cauda de aviões de
papel. Como platéia, levamos minha filha
Mariana(10 anos).
No Campo de São Bento, que é o maior
parque verde de Icaraí, em Niterói, nós, os
aventureiros, de fato, só obtivemos três explosões,
pois duas das amostras falharam, e uma terceira foi
perdida no caminho de casa até o Campo de São
Bento. Acabamos brincando mais foi com os aviões
de papel, já meio danificados nas caudas pelos
explosivos.
Quando todos os aviõezinhos tinham se
perdido no alto das árvores, voltamos para casa, já
bem escuro, iniciando a noite.

185
As Bagagens de Meu Irmão

26 A RELAÇÃO CONSULAR EM
ORIGINAL - SELADA

o dia seguinte, 30 de janeiro de 1991, bem pela


N manhã, voltei a telefonar para São Paulo, para os
números da Receita Federal, mas novamente não tive
êxito. Ao meio dia, 12:35 horas, o Nego me telefona
de Florianópolis, confirmando o recebimento de
minha carta, e solicitando o número de meu
CPF(CIC) para preparar a procuração que eu lhe
pedira.
Meu Irmão me disse que estava indo para Ituporanga,
e que faria todas as procurações por lá mesmo. Ele
estava indo para uma reunião com a maioria dos
membros da Fundação Vitório Sens, por ocasião do

186
M. A. Sens

casamento da filha do nosso tio, o TIO NELO, um


dos doze irmãos de nosso pai, Vitório Sens.
Na mesma ligação telefônica, o Nego me disse que a
Relação Consular original que eu procurava poderia
ser esta que estava comigo mesmo, pois o lacre da
correspondência, referido pelos agentes federais,
havia se quebrado em dezenas de fragmentos, e
estava no interior do envelope, me preveniu.
Verificando a suposta cópia do documento
com um microscópio de 30 e 100 vezes, constatei que
realmente meu Irmão tinha razão. Aquela não era
uma cópia, mas um documento original, incluindo o
texto, os carimbos e as assinaturas. Não haviam
indícios de toner de xerox no papel, mesmo com a
ampliação de 100 vezes. Entretanto, não encontrei
traços de onde poderiam estar afixados os lacres de
cera. O certo, concluí, é que o documento que eu
tinha em mãos não se tratava de uma cópia
xerográfica.

187
As Bagagens de Meu Irmão

O que eu deveria fazer, agora, como próxima


etapa, seria convencer os agentes alfandegários sobre
originalidade do documento, denominado de
“Relação Consular”.

188
M. A. Sens

27 LACRE NÃO É SELO

Eraquando
um domingo, no dia 2 de fevereiro de 1992,
voltei a examinar atentamente a
autenticidade da Relação Consular em meu poder,
com auxílio de uma lupa e de um microscópio.
Concluí que não haviam dúvidas, até as assinaturas
eram autênticas e da mesma forma as anotações dos
agentes alfandegários.
Dois dias mais tarde, no dia quatro de
fevereiro, data do aniversário de meu Irmão Mário
César, já falecido, recebi um envelope bem cheio,
vindo de Ituporanga, Santa Catarina, contendo a
cópia autenticada do passaporte do Nego e a
procuração com firma reconhecida no Cartório Maria

189
As Bagagens de Meu Irmão

Júlia Duarte. Em anexo, também tinha um recorte de


jornal classificados de Florianópolis, para meu amigo
Aldo Dutra, que solicitou informações para um primo
dele, que pretendia morar na Capital Catarinense.
De posse de toda a documentação solicitada
na Inspetoria da Receita Federal, retornei lá no dia
seguinte ao recebimento da correspondência, ou seja,
no dia cinco de fevereiro de 1992, numa quarta-feira.
Ao entrar na Alfândega, as 14:33 horas, agora
pela segunda vez, reparei que o reparo de cimento,
efetuado na calçada, bem na entrada, estava
concluído e já bem seco. Reparei, também, que
tinham lavado a repartição, pois estava ainda
molhado todo o chão. Mas, entrando, reparei melhor,
e percebi que a água não era de lavação, e sim de
esgoto entupido.
Já no interior da repartição, encontrei com o
tal gordinho, baixinho e de bigode, que eu havia
conversado anteriormente, e que estava em conversa
animada e bem à vontade com outros três

190
M. A. Sens

funcionários. Interrompendo sua conversa, perguntei


se podia falar com o senhor Mouzinho. Claro, foi a
resposta do pequeno sujeito,...se o freguês assim
pede...E, fazendo sinal pela vitrine que separava a
sala do chefe, recebi o consentimento para entrar.
Qual é o caso? Perguntou o senhor Mouzinho.
Prontamente lhe relembrei, pois devem ter muitos
casos e ele já não se lembrava dos detalhes.
Relembrado, o agente chefe solicitou que eu me
dirigisse ao balcão de atendimento. No Balcão, falei
com uma moça, pois dos homens, nenhum se virava
para mim, dando chance de ser chamado.
Mal a moça começou a me atender, o
baixinho veio dar palpites e interpelar, e logo em
seguida veio o senhor Mouzinho, chefe da repartição.
Mostrando a Relação Consular para a equipe de
inquisição, expliquei que se tratava do mais autêntico
original, e que o lacre tinha se quebrado. A prova era
os fragmentos, que mostrei como prova incontestável,
em um saquinho plástico. Os fragmentos do lacre

191
As Bagagens de Meu Irmão

estavam no fundo do envelope e eu não tinha


percebido. Agora coletei tudo neste saquinho,
expliquei.
Diante de meus incontestáveis argumentos, o
Sr. Mouzinho entrou na conversa, apanhou de minha
mão o documento e me informou categoricamente: Já
lhe falei que esta não é a lista Consular original, pois
aquela está selada. E concluiu ainda mais o senhor
Mouzinho: “Cera” não é “selo”, é “lacre”. Como você
me disse que seu Irmão entrou por São Paulo, você
deve contactar com o Aeroporto de São Paulo.
Dizendo isto, me mostrou uma lista consular original,
com o tal selo, meio de cor marrom.
Para minimizar a situação, perguntei se
sabiam do número do telefone da Receita Federal no
Aeroporto Internacional de São Paulo, pois eu já
tinha tentado sem êxito. Não, ninguém sabia nada
sobre os números de São Paulo. Comecei a
compreender que não estavam ali, realmente, para

192
M. A. Sens

facilitar, como me diziam. Parece que eu teria mesmo


que ir a São Paulo.
Antes de sair, o senhor Mouzinho me
perguntou se eu tinha falado com o senhor Almeida,
da Receita Federal. Confirmei, e comentei que ele
tinha sugerido o encaminhamento de um fax
diretamente entre agentes alfandegários, e indaguei
sobre tal possibilidade. O chefe da Alfândega sorriu e
retrucou: Ora fax, se há meses estou com este
entupimento de esgoto bem em frente a nossa porta, e
por falta de recursos não resolvemos, iríamos ter
recursos para uma máquina de fax? Reclamou meio
indignado o senhor Mouzinho.
Saindo de minha segunda visita à Alfândega,
me dirigi direto para a rodoviária. A temperatura era
alta e não agüentei o repuxo, parei lá pelo Armazém
3-A, que já era bastante bem longe do 1-A, de onde
eu tinha saído, e aguardei um ônibus que fosse na
direção da Rodoviária. Parou o ônibus para Zumbi,
que sei lá onde fica, mas fui informado que passava

193
As Bagagens de Meu Irmão

na Rodoviária. Ai percebi que minha caminhada teria


que ser muito longa, pois a Rodoviária fica na altura
do Armazém número 21-C, muito longe do primeiro
Armazém, onde eu me encontrava.
Pelo visto, o jeito era ir a São Paulo, mas
onde procurar o tal japonês que tinha a tal lista de
bens. Hesitei um pouco diante da Rodoviária e acabei
indo para Niterói. De lá, já as 17:35 horas, continuei
minhas buscas pelo telefone. Mas por várias vezes
fiquei pendurado aguardando as informações e a
linha caía. Quase decorei aquela musiquinha que a
TELESP me fazia ouvir por tanto tempo, por tantas
vezes. Mas, na insistência, consegui o contato.
Entretanto, a única informação concreta que obtive
foi que o tal japonês, Hiroko Kimura, tinha telefone
mas que não estavam autorizados a fornecer o
número.
Até aqui nada feito. Contactar diretamente
com o Sr. Kimura, em sua residência, não foi
possível. O jeito era encontrá-lo no trabalho. De fato

194
M. A. Sens

eu já tinha o número do telefone da Receita Federal


de Guarulhos, só não atendiam ao telefone, por
alguma razão. Estando em casa, apanhei minha lista
de classificados comerciais da TELESP - Empresa.
Logo nas primeiras páginas consta: Órgãos Públicos.
Procurei em Receita Federal. Tinha mais de cem
números. Tentei um qualquer, que atendeu, mas não
era mais da Receita Federal e, para surpresa, me
informaram o número atual, o 011 - 991-2211.
Liguei para tal número, atendeu, mas não era
lá o caso que eu me referia, e informaram o de
Guarulhos: O mesmo que eu já dispunha. Liguei mais
uma vez. Não atendeu. Procurei na lista outro
número, o da Divisão Aduaneira, que fica na Av.
Prestes Maia, 733 - SP. Escolhi este por me ser
familiar, entre as centenas deles, pois foi o endereço
que o Sr. Fernando, da Receita Federal da Divisão de
Pinheiros, tinha me informado, com o mesmo
endereço.

195
As Bagagens de Meu Irmão

Liguei, atendeu. A moça, senhorita Glória,


disse que não era lá o caso de Relações Consulares,
mas informou que os números telefônicos que eu
poderia procurar em Guarulhos seriam aqueles da
Divisão Internacional. Anotei três números. Liguei,
um deles atendeu, em Guarulhos. Lá, falei com Dona
Maria Ascensão, só que, me informaram, que a
divisão fecha as 17 horas, e já eram seis e meia da
tarde, anoitecendo.
A propósito, o caro leitor entende quando me refiro à
aduaneira? Você sabe o que significa aduaneiro?
Aduaneiro é um adjetivo, relativo à aduana. E aduana
é um substantivo feminino, que significa, nada mais,
nada menos, “ALFÂNDEGA”, o caro leitor... sabia?
Enquanto eu ficava longos períodos com meu
telefone ocupado, tentando obter informações sobre a
documentação perdida das bagagens de meu Irmão,
que possivelmente estava junto a divisão aduaneira
do Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São
Paulo, a Dona Mariana, sogra de meu primo Ademir

196
M. A. Sens

Luís de Sá, tentava contactar comigo. Em um dos


poucos intervalos, ela conseguiu.
A Dona Mariana queria me informar sobre a
descoberta de uma nova fonte para remédios para o
tratamento de vitiligo. Ela sabia que eu estava
procurando, em vários países, por remédios desta
natureza, para o tratamento de meu tio, o tio Aldo,
que é o Irmão mais velho de minha Mãe, e que mora
em Rio do Sul - SC, ao Sul do Brasil.

197
As Bagagens de Meu Irmão

28 NA PROCURA DE UM AGENTE
ALFANDEGÁRIO DE ORIGEM
JAPONESA

Eram sete e quinze da manhã quando cheguei ao


trabalho, na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro, e
logo reiniciei as buscas telefônicas para contactar
com a Receita Federal do Aeroporto de Guarulhos,
em São Paulo. Negativo, os telefones não
funcionavam para ligações externas. Era muito cedo,
e as telefonistas ainda não haviam chegado. Mas às
7:55 já estavam funcionando e lá pelas 8:15 eu já
tinha obtido contacto com a Alfândega de Guarulhos.
Encontrei o Sr. Hiroko, ou melhor, a senhora Hiroko,

198
M. A. Sens

pois só então descobrira que tal nome se referia a


uma agente da Alfândega, e não a um senhor.
Consegui contato com a Srª Hiroko, que havia
vistoriado as bagagens de meu Irmão, por ocasião de
sua entrada no país, na véspera de Natal de 1991 e,
após os devidos esclarecimentos sobre as
dificuldades em contactá-la, e sobre a necessidade da
tal lista ou Relação Consular, na versão realmente
original, para o desembaraço do restante da bagagem
no Terminal Alfandegário Marítimo, entramos
propriamente no assunto.
Após muita conversa, a agente alfandegária
admitiu a hipótese de que a Relação Consular poderia
ter ficado no Aeroporto por engano. Desta forma,
passou o caso para sua superiora, a Tenente Tânia,
que me pediu que eu ligasse mais tarde, para o
número 011 - 945 28 89. Aguardei algum tempo e, as
11:15 horas da manhã voltei a ligar para a Receita
Federal.

199
As Bagagens de Meu Irmão

Mesmo com o número agora correto, levei


pouco mais de uma hora para efetivamente contactar
com a repartição federal. Desta vez falei diretamente
com a Tenente Tânia e também com sua assistente,
senhorita Heliane. Elas me informaram que
procuraram muito, mas que não encontraram a lista
de bens.
Em meus contatos, sempre falei com as
agentes como se fosse realmente o dono das
bagagens, ou seja, me apresentei como Maurício. Na
conversa telefônica, me perguntaram se eu havia
mesmo entregue o documento para a Hiroko, e em
quantas vias. Afirmei com toda a certeza que havia
entregado o original e uma cópia, sendo esta última
devolvida com os devidos carimbos e assinaturas dos
agentes fiscais.
Como não haviam mesmo encontrado e,
diante de minha certeza absoluta de que eu havia
entregado o documento original para a agente
Hiroko, ficou combinado que fariam mais uma busca,

200
M. A. Sens

e que eu deveria contactar com elas novamente, lá


pelas 16:00 horas. Também ficaram com o meu
telefone, para o caso de encontrarem antes do horário
previsto para nossa próxima conversa.
Neste tempo, as 12:20 horas, telefonei para o Nego,
em Florianópolis, e não o encontrei em casa. Assim,
telefonei para a sogra dele, Dona Cacilda, que
atendeu e me informou que a Monica estava vindo
para almoçar em sua casa e que, possivelmente, o
Nego também viria, para se encontrar com a Monica.
Como ninguém é de ferro, parei um pouco para
almoçar.
Na próxima tentativa encontrei o Nego almoçando lá
na Dona Cacilda, a uma e meia da tarde. Relatei as
ocorrências e, em confirmação com a Monica,
concluímos que uma lista, aquela que tinha o selo,
ficou mesmo com a Hiroko, no Aeroporto de São
Paulo. Só faltava encontrar o documento.
A hora de novamente contactar com as agentes do Aeroporto
de Guarulhos já tinha passado, eram 16:40 horas quando

201
As Bagagens de Meu Irmão

contactei com a Tenente Tânia. Desta vez foi fácil, mas ela
me informou que a Relação Consular não estava lá, pois não
tinham encontrado, mas, em último caso, pediram para
aguardar mais um pouco, pois iriam dar mais uma busca em
pastas de arquivo de outras letras, já que nos arquivos de
letras “M” de Maurício e na “S” de Sens, não estava
mesmo.
Aguardei qualquer contato até as 17:13 horas,
ainda no trabalho, quando liguei novamente e
conversei diretamente com a senhora Hiroko. Nada,
não haviam encontrado. A conclusão era que a lista
não estava mesmo em São Paulo. Bem...agora a
situação estava mais complicada. A senhora Hiroko
parecia nervosa, e me pediu que também fizesse uma
busca entre os meus documentos, pensando estar
falando com o proprietário das bagagens bloqueadas.
Tendo em vista que eu estava afirmando
categoricamente que havia entregado nas mãos dela o
referido original, a senhora Hiroko ainda prometeu
dar mais uma olhada entre os papéis fora dos

202
M. A. Sens

arquivos comuns e, caso encontrasse, me


comunicaria. Nesta etapa dos acontecimentos, fiquei
deveras preocupado, pois o senhor Mouzinho não
aceitaria a lista que não tivesse o tal selo original.
Ainda no trabalho, na Ilha do Fundão, fui ao
Laboratório para me distrair e mudar de preocupação.
O laboratório tinha passado por uma reestruturação e
estava sob nova direção. Eu agora não encontrava
nada no lugar de costume.
Como era uma quinta-feira, já estava na hora
de eu sair com destino ao Maracanã, para a
tradicional aula no Centro Federal de Educação
Tecnológica, no Curso de Pós-Graduação em
Segurança do Trabalho. Saí as 18:40 horas, para
chegar as 17:00, e cheguei. O dia não tinha sido
muito proveitoso, mas por incrível que possa parecer,
encontrei vaga para estacionar no pátio interno da
Escola, o CEFET. Como estava na minha hora, fui
rapidamente ao elevador. Estavam parados, todos.

203
As Bagagens de Meu Irmão

Voltei e tomei as escadarias, longas, até o quinto


andar.
Já na ala de Pós-Graduação da escola, na sala
da coordenação do Curso de Segurança, encontrei
com o Prof. Victor, coordenador do Curso. Ele, muito
à vontade, se refrescava com dois pequenos
ventiladores Arno, novos, de cores azuis,
direcionados de duas mesas para ele. O Prof. Victor,
pela primeira vez eu não o via contente.
Cumprimentei-o, e também a secretária Marlene,
como de costume, e dei meia volta para me dirigir à
sala de aulas, pois já eram 19:02 minutos e, quando
posso, sou extremamente pontual. Mas,
surpreendentemente, o coordenador me interceptou
dizendo: “calma, ainda é cedo, tome um cafezinho”.
Diante do ilustre convite, parei e conversamos
um pouco sobre as mudanças no CEPEL, o Centro de
Pesquisas onde trabalho e também sobre as mudanças
da própria escola. Segundo me disse o professor, ele
não podia mais tomar decisões, tinham lhe cortado as

204
M. A. Sens

autonomias etc. Compreendi a razão de seu nítido


descontentamento. Falamos então do governo, como
em qualquer país se fala, em qualquer época, só para
mudar para um assunto cujos problemas fugissem à
nossa responsabilidade direta.
Como meu dia já não tinha sido lá muito bom,
e me martelava na cabeça a possibilidade de um
extravio completo do principal e indispensável
documento para a retirada das bagagens de meu
Irmão do Armazém do Cais do Porto, cortei logo a
conversa com meu ilustre amigo, também em um
momento lá não muito próprio, e segui para minha
aula. Era a primeira aula com a turma de quarenta
alunos, que variavam em idades de 30 a 60 anos,
todos engenheiros experientes. Como de costume,
iniciei brincando um pouco com os alunos, para a
descontração de ambos os lados.
Logo no início da aula me dirigi a um aluno,
um dos mais velhos, na aparência, e perguntei se era
aposentado. Não fui muito feliz nesta interpelação de

205
As Bagagens de Meu Irmão

primeira investida. O aluno respondeu que estava


quase se aposentando, e que era engenheiro
mecânico. Mas, com minha pergunta, logo os colegas
começaram a brincar com o aluno em referência e, ao
final da aula, o mesmo veio falar comigo, em
particular. Ele não gostou de minha interpelação e da
brincadeira, e disse que era de Marinha, que ele era
chato, etc. Pedi desculpas por minha falta de tática e
lhe expliquei que eu não estava lá num dos melhores
dias e que para variar, esta eram mais uma coisa
errada que me acontecia no dia. Não cheguei a tocar
diretamente no extravio da Relação Consular de meu
Irmão, pois isto era deveras muito particular.
Mas aquela quinta-feira ainda não tinha acabado,
retornei a Niterói, saindo do bairro do Maracanã um
pouco após as nove horas da noite, e ao chegar em
casa, as 21:47 horas, sobre minha mesa do escritório
estava um bilhete com o nome e o telefone da
Hiroko, agente da Alfândega do Aeroporto
Internacional de Guarulhos. Perguntei de imediato

206
M. A. Sens

para minha esposa, a Lígia, sobre o assunto. Ela me


esclareceu que fora a Marta, nossa assistente de casa,
quem recebera uma ligação telefônica da Receita
Federal, a respeito da bagagem do Maurício.
Diante do contato telefônico, enquanto eu ministrava
minha aula, a Lígia já tinha ligado para o Nego, em
Florianópolis e, não o encontrando, passou o recado
para a nossa Irmã Eliete, que contactou com o Nego,
mais tarde, repassando o recado.
Aos ouvidos de meu Irmão, no entanto, a mensagem
encaminhada pela Hiroko e recebida por minha assistente,
passada para a Lígia, depois repassada para a Eliete,
chegara da seguinte forma: “A bagagem, que estava
perdida, foi encontrada, e estava em São Paulo, e que
o Sr. Maurício deveria telefonar para a Receita
Federal”. Bem, é claro que meu Irmão não entendeu,
pois de fato não havia bagagem alguma perdida, e
sim uma lista dos bens que constavam na bagagem.
Parece que meu dia fechara com êxito, se entendi a
senha, a Hiroko teria achado a tal lista.

207
As Bagagens de Meu Irmão

De imediato voltei a telefonar para a senhora


Hiroko e a encontrei, mesmo sendo dez horas da
noite. Ela me explicou que tinha encontrado logo
após nosso último contato telefônico, mas que não
tinha me encontrado mais no telefone do trabalho.
Após as devidas explicações sobre o desencontro, ela
me sugeriu que eu apanhasse o documento
pessoalmente, com ela, lá no próprio Aeroporto, pois
ela estaria lá durante toda a noite, até as 8:00 horas
do dia seguinte, quando passaria o documento para
sua colega Heliane. Expliquei que eu estava a 420 km
dela, e que até o amanhecer do dia seguinte eu não
teria condições de estar no Aeroporto de São Paulo,
pois já eram quase onze horas da noite.
A ponte aérea para São Paulo encerra-se as
10:30 horas da noite, logo este meio de locomoção
estava descartado.
Outro modo de estar em São Paulo, seria de
ônibus, que leva seis horas de viagem. Mas, como eu
estava em Niterói, teria que adicionar mais uma hora.

208
M. A. Sens

E, como o ônibus não chega até o aeroporto, pode se


adicionar ai mais uma hora e meia. Como eu ainda
não tinha passagem. Bem, me era difícil estar em
Guarulhos pela manhã seguinte, até as oito horas,
expliquei para a senhora Hiroko.
Como ninguém é de ferro, dei por encerrada a
quinta-feira do dia 6 de fevereiro de 1992, de fato lá
pelas duas da manhã, e fui dormir.

209
As Bagagens de Meu Irmão

29 A RELAÇÃO CONSULAR FOI


ENCONTRADA

NaGuarulhos,
receita Federal do Aeroporto Internacional de
em São Paulo, na manhã de sete de
fevereiro de 1992, ninguém atendia ao telefone.
Eram 8:15 horas, portanto dentro do horário normal
de expediente em qualquer empresa, mas na Receita
Federal parece que ainda não tinha começado o dia.
Desta forma, aproveitei para telefonar para meu
compadre, o César Sobral, da TEQMEL, em
Campinas, para lhe dar os parabéns pelo aniversário.
Mesmo no dia de seu aniversário o empresário
paulista estava no trabalho as 8:30 horas da manhã.

210
M. A. Sens

Após minha conversa com o César, aguardei por


algum tempo e voltei a insistir nos telefonemas para a
Receita Federal do Aeroporto de São Paulo, até que
as 9:55 horas eu consegui falar com a Tenente Tânia,
que me confirmou que tinham achado a Relação
Consular original referentes às bagagens de meu
Irmão. Combinei com a Tenente que ela mandaria o
documento pelo correio, via Sedex a cobrar, para
meu endereço de Niterói. Ficou combinado, também,
que em caso de qualquer mudança nos planos, ela me
comunicaria através de telefonemas a cobrar. Anotei
por medida de segurança, mais uma vez os números
dos telefones das agentes federais: 011 - 945 27 87
ou finais 28 89, ou 28 33, ou 29 03, para contato com
Tânia, com Heliane ou com a Hiroko.
Neste dia as coisas estavam seguindo um
rumo deveras motivante para o andamento do
empreendimento a que eu estava engajado. Passavam
quatro minutos das dez horas da manhã quando
recebi um telefonema a cobrar, em meu trabalho, na

211
As Bagagens de Meu Irmão

Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro, vindo da Receita


Federal. Era a Tenente Tânia, informando que
mudara os planos originais de encaminhamento do
documento original, pois tinha encontrado um
portador de confiança: Um colega Fiscal da Receita
Federal que morava na Tijuca, no Rio, e que
trabalhava com ela, no Aeroporto de São Paulo.
O fiscal escolhido como portador se chamava
Antônio Jorge e viria de carro para o Rio, naquele
fim-de-semana. O endereço correto do fiscal a
própria tenente disse que não conhecia, mas que ele
entraria em contato comigo, ainda naquele dia.
Estava tudo resolvido, era só aguardar a chegada do
tal portador chamado Antônio Jorge e, desta forma
seria bem mais fácil do que ir buscar o documento
pessoalmente, como havia sugerido inicialmente a
senhora Hiroko.
Aguardei durante todo o dia, porém não
recebi qualquer ligação do agente federal Antônio
Jorge. O dia foi longo e interminável, talvez pela

212
M. A. Sens

longa espera do contato telefônico que não ocorreu.


Faltavam apenas vinte para as cinco horas da tarde
quando saí do trabalho, com destino à Universidade
Federal onde leciono, em Niterói.
Como de costume, antes de ir à Universidade
dei uma rápida passada em casa, para apanhar o
material e, desta vez, para minha surpresa, não
haviam recados, nem da Receita Federal. O Fiscal
Antônio Jorge tentou contactar comigo as cinco
horas, pelo telefone do trabalho, sem êxito, e então
ligou para minha casa. Eu não estava em nenhum dos
lugares, pois neste horário eu estava sobre a famosa
ponte Rio-Niterói, em trânsito. Desta forma, o fiscal
deixou novamente o recado com a Marta, nossa
assistente de casa, que havia saído para apanhar as
crianças na escola, justo durante o curto intervalo em
que entrei e saí de casa.
A sexta-feira do dia sete de fevereiro de 1992
ainda não havia terminado. Eram nove e meia da
noite quando entrei em casa novamente, retornando

213
As Bagagens de Meu Irmão

da Universidade. Indaguei logo sobre algum recado.


Sim, haviam recados.
A Marta, nossa assistente doméstica, tinha
passado para a Lígia um recado do senhor Antônio
Jorge, informando que ele havia chegado de São
Paulo, de carro, e que aguardava meu telefonema.
Liguei então para o agente alfandegário,
Antônio Jorge, logo após meu banho, pois eu estava
ensopado de suor, devido ao calor ambiente do mês
de fevereiro, e também pela hora, quando meu
desodorante já perdera a eficiência. Nem eu
agüentava meu próprio cheiro, ou fedor, ao espelho.
De minha conversa com o Antônio Jorge,
portador do documento, ficou combinado que eu
apanharia o envelope com ele no dia seguinte, ou seja
no sábado, mais ou menos as duas horas da tarde, em
seu endereço do Grajaú, no Rio de Janeiro, na Rua
Barão de Bom Retiro, 2307, casa 5.

214
M. A. Sens

A coisa estava caminhando. Ansioso pelos


novos encaminhamentos do processo, e também pela
responsabilidade do empreendimento, não sosseguei.
Continuei noite a dentro.
O sábado estava quase chegando e me vi
debruçado sobre o mapa da cidade do Rio de Janeiro,
no piso de meu escritório, com uma lupa, procurando
um bairro chamado Grajaú. Nos mapas que eu tinha
em casa não havia o tal Grajaú, mesmo nos três, de
edições diferentes, de datas diferentes. Ou então
minha lupa não tinha aumento suficiente para a
visualização do referido lugar.
Procurando em outras fontes, verifiquei que
nos catálogos de guia de Ruas para ônibus, da cidade
do Rio de Janeiro, também não contava a tal Rua
Bom Retiro, porém havia o bairro do Grajaú, que
ficava próximo ao bairro Vila Isabel e também
próximo ao Handaraí.
Já era uma boa indicação, pois pelo menos um
dos três bairros identificados eu tinha uma idéia de

215
As Bagagens de Meu Irmão

onde ficava, e sabia até qual o ônibus que deveria


tomar para chegar lá. Com esta preciosa descoberta,
fui dormir, pois a madrugada de sábado em muito se
adiantava.

216
M. A. Sens

30 MARATONA - MISSÃO: APANHAR


DOCUMENTOS NO GRAJAÚ

Neste sábado, era dia oito de fevereiro, tínhamos


uma missão: Apanhar a Relação Consular dos
bens constantes na bagagem de meu Irmão, que
ainda aguardavam no Cais do Porto para a liberação,
em uma casa do Grajaú, por volta das duas horas da
tarde. Em sendo um sábado, a Lígia resolveu que iria
comigo, dai o tínhamos. Aproveitando a
oportunidade do empreendimento, resolvemos que
poderíamos estender a viagem de carro até o
Supermercado Carrefour, que fica na Barra da Tijuca,
longe, bem longe de Niterói.

217
As Bagagens de Meu Irmão

Tudo pronto, as dez horas partimos para o Rio, com


meu carro branco, Monza, que eu havia comprado de
meu Irmão por ocasião de sua ida para a França. O
meu filho menor, Rodrigo(quatro anos), resolveu que
iria junto. Entretanto, o pedido não recebeu a
aprovação de sua mãe, e logo então veio o choro, que
foi logo contornado.
Saímos e paramos num posto de gasolina,
para o reabastecimento rotineiro, e as devidas
verificações no veículo, que somente se movimenta
em ocasiões muito especiais. Para tudo, gastamos 40
minutos e 50 dólares no posto de gasolina, incluindo
os serviços, para as verificações das condições de
operação, que incluiu o complemento do nível do
óleo, gasolina, água, ar nos pneus, e limpeza dos
pára-brisas.
Enquanto aguardávamos no carro, pacientemente,
todas as verificações dos mecânicos, a Lígia, minha
esposa, que neste dia me acompanhou nesta etapa,
examinou as cópias dos documentos que levamos.

218
M. A. Sens

Entre os documentos havia, além da cópia da Relação


Consular, também a procuração me autorizando ao
andamento do desembaraço alfandegário, somente
como garantia, para o caso de haver a necessidade de
uma troca de documentos.
Da mesma forma que examinou a documentação, a
Lígia também deu uma folheada, com espanto
estarrecedor, em meu caderno de anotações, escrito
de trás para frente e em muitos cantos na vertical.
Quando já estávamos sobre a ponte Rio-Niterói, em
direção ao Rio, a Lígia, ainda com meu caderno de
notas nas mãos, me perguntou se eu estava
escrevendo um livro. Respondi que não, de forma
alguma, e que estas eram apenas as minhas anotações
para poder relatar ao Nego o desenrolar do processo
de resgate de suas bagagens.
Tendo em vista o atraso no posto de gasolina e também o
provável movimento intenso de automóveis na região da
Barra, onde nos fins-de-semana todo carioca resolve ir à
praia, a Lígia sugeriu que procurássemos outra opção

219
As Bagagens de Meu Irmão

para o supermercado. Assim, lembrei que tinha


aberto um novo grande supermercado na Ilha do
Governador. Era o Bon Marchè, e foi para lá que
resolvemos ir. No caminho, aproveitei para mostrar à
Lígia as obras da famosa “linha vermelha”, a rodovia
polêmica construída no governo Brizola, para atender
com orgulho a ECO-92, que ocorreria em junho de
92.
Encontramos fácil o supermercado Bon
Marchè, e lá compramos de tudo. O ambiente era
limpo, espaçoso, com ar condicionado central, e
parecia ser Europa, só que bem maior. O número de
caixas registradoras chegava a casa dos sessenta.
Quando se aproximava das duas horas da
tarde comecei a apressar o passo nas compras de
supermercado, pois havia combinado com o Sr.
Antônio Jorge que ligaria para ele, para confirmar a
minha ida a sua casa. Mas..., lembrei, o carioca não
costuma ser muito pontual. Uma tolerância de mais

220
M. A. Sens

uma ou duas horas geralmente é aceitável para


encontros marcados e festas.
Concluída as compras no Bon Marchè, saímos
pela caixa registradora número 28, gastamos, não
lembro em que moeda, o equivalente a US$ 523,00,
que dava para comprar uma geladeira do tipo Biplex.
Ainda no interior do Shopping, por volta das três
horas da tarde liguei para o Sr. Antônio Jorge, que
confirmou que estava me aguardando.
Antes de sairmos do Shopping, entretanto,
ainda paramos para um rápido almoço. Comemos
uma pizza com refrigerante, e partimos para o Grajaú.
A Lígia foi de co-piloto, se orientando e me dando
dicas que encontrava com dificuldades no mapa. Não
foi tão difícil como esperávamos e nem tão longe.
Encontramos facilmente a casa 5 da Rua Bom Retiro,
2307, ou melhor, sem muita dificuldade. Para isto,
perguntamos apenas três vezes, por insistência da
Lígia, que normalmente fica muito ansiosa e com
receios de estar perdida na grande cidade da perdição,

221
As Bagagens de Meu Irmão

como se referia o padre, por ocasião de nosso


casamento.
Ao encontrarmos o portão de ferro,
esverdeado e de aparência antiga, da casa número
cinco, nos comunicamos pelo interfone e entramos na
pequena vila. Já passava cinco minutos das quatro
horas da tarde quando paramos de frente à casa
procurada, onde uma moça morena lavava a calçada
com mangueira. A esposa do Antônio Jorge nos
atendeu e explicou que a demora para o atendimento
fora pela necessidade de prender o cachorro.
Entramos na residência e, a bronzeada
senhora, de aparência de uns quarenta anos, nos fez
sentar e nos serviu água em canecas de cristal. Mais
alguns minutos de ansiedade e apareceu descendo as
escadas um senhor de barbas e cabelos bem grisalhos,
cabelo curto, tipo militar, de barriga bastante saliente
e de um metro e oitenta de altura. O senhor,
aparentando uns cinqüenta anos, em seu bermudão

222
M. A. Sens

colorido, era o procurado Antônio Jorge, fiscal da


Receita Federal em Guarulhos - SP.
Após os cumprimentos o barrigudo de
bermudão me entregou o que eu mais procurava, um
envelope bege, do Ministério da Fazenda, lacrado
com três grampos, dois na abertura do envelope e
mais um pelo meio, junto com o conteúdo. Abri
imediatamente, retirando os grampos com cuidado,
com auxílio de meu canivete, para conferir. Estava
correto. O conteúdo do envelope continha a Relação
Consular na via original, referente às bagagens de
meu Irmão. Conferi os selos que o Sr. Mouzinho
tinha me exigido, na cor marrom. Estava correto,
corretíssimo, concluí após uma rápida conferência.
O envelope que recebi estava com uma etiqueta
branca em meu nome e com o nome do Maurício,
pois ambos estavam autorizados a recebê-lo.
Conversamos mais um pouco sentados na pequena
saleta, bebendo água em canecas de cristal, onde o
fiscal da Receita Federal me contou que viajava todas

223
As Bagagens de Meu Irmão

as semanas para São Paulo, indo na segunda e


retornando na sexta para o Rio. Ele me disse que
estava aguardando uma possível transferência para o
Rio, pois os perigos das rodovias o preocupavam em
demasia. Contamos ao casal carioca sobre a confusão
com a documentação, e que aquele envelope era o
fim de uma grande busca.
Ao nos despedirmos do casal, a Lígia perguntou
como se chegava em Niterói, saindo dali. O casal,
muito atencioso, típico dos bons cariocas, nos
acompanhou até o carro, que ficara estacionado a
uma quadra mais para frente, próximo de uma
padaria, e nos mostrou em detalhes o caminho de
volta.
Concluída a missão, concluímos, também, que
o Grajaú não era tão longe como previmos
inicialmente, e nem tão difícil de ser encontrado.
Várias placas indicavam a direção deste bairro
localizado entre Vila Isabel e o Handaraí, quase na
Tijuca. Neste ponto, retornando para Niterói, lembrei

224
M. A. Sens

que eu deixei de ir a uma festa na semana anterior,


neste mesmo bairro, porque fiquei com receios de
não encontrar o Grajaú. Também pudera, nem no
mapa do Rio constava tal nome.
Mais uma missão cumprida. Era pouco mais
de cinco e meia da tarde daquele sábado, já
estávamos de retorno a Niterói, em casa, onde lá
pelas oito e meia já tínhamos todas as compras nos
devidos lugares.
Após meu banho, exatamente as nove da noite, recebi
uma ligação telefônica do Nego, meu Irmão. Pronto,
pensei, ele está preocupado com o documento e quer
saber se encontrei. Que nada, nem perguntou pelo
caso. O assunto era outro, era sobre a reunião dos
membros da Fundação Vitório Sens, que estava
ocorrendo naquele momento na capital catarinense,
para a eleição da primeira diretoria. O Nego indagou
sobre sugestões para os estatutos e sobre indicações
para a chapa. Meu Irmão pediu que eu pensasse no
caso e que telefonasse mais tarde, dando minhas

225
As Bagagens de Meu Irmão

sugestões, pois ele ainda teria que ligar para os


demais membros da Fundação, que também não
puderam estar presentes à reunião.
Ainda no sábado de oito de fevereiro de 1992, por
volta das dez horas da noite, telefonei para a casa de
minha Mãe, em Florianópolis. Atendeu minha Irmã, a
Zete, com a frase: ”Fundação Vitório Sens, Boa
Noite”. Bem, mas esta também é outra história, que
bem poderia ser tratada num relatório específico.
Portanto não tratarei da mesma, para não desviar do
assunto em pauta, caso contrário, em muito se
estenderia o relato do andamento do empreendimento
de resgate das bagagens de meu Irmão.
Em relação aos relatos, como os caros leitores
podem perfeitamente perceber, gosto de ser objetivo,
evito detalhes desnecessários e irrelevantes, e jamais
trato de estórias em paralelo. Comigo, peixe é peixe,
e gato é gato. Se sei, digo logo, se não sei, enrolo por
longo tempo.

226
M. A. Sens

31 DE VOLTA AO Sr. MOUZINHO

Agora munido realmente do documento original da


Relação Consular, saí do meu trabalho as duas da
tarde do dia dez de fevereiro de 1992, com
destino a Praça Mauá, no Centro do Rio. Mais
especificamente, me dirigi à Receita Federal no Cais
do Porto, onde já era velho conhecido. No balcão de
atendimento, o funcionário baixinho, que eu também
já conhecia, novamente estava lendo o jornal. Desta
vez fui atendido por Dona Heriette, enquanto o
baixinho se levantava e, parando de ler o jornal, saiu
da repartição.
Só agora o processo estava dando início, pois
somente agora eu estava de posse do primeiro

227
As Bagagens de Meu Irmão

documento solicitado por aquela repartição pública.


Dona Heriette Verônica Siqueira carimbou e rubricou
no verso do documento chamado “Bill of Landing”,
onde se lia: “Refere-se o presente conhecimento aos
objetos descritos na Relação de Bens Visados pelo
Consulado Geral do Brasil em Paris em 16/12/92”.
Após o ato de carimbagem e de rubricas, a
funcionária me deu novas instruções, para que eu me
dirigisse à Sunamam, na Avenida Rio Branco,
número 103, sétimo andar, levando cópias de todos
os documentos arranjados até aquele momento.
Depois, eu deveria ir à Companhia Marítima, onde os
documentos receberiam novos carimbos e, após o
preenchimento de um formulário do IR/Porto, eu
deveria retornar com o “DABD”, ou seja:
”Desembaraço Aduaneiro de Bagagem Desacompanhada”.
Minha próxima tarefa será tirar cópias de tudo
que tinha na mão. No caminho da Avenida Rio
Branco, a uns três ou quatro quilômetros da Praça
Mauá, calculei que eu encontraria vários lugares com

228
M. A. Sens

máquinas copiadoras xérox. Engano. Perguntei numa


ótica e indicaram que havia uma copiadora na Rua do
Rosário, 140, no sobrado. Achei, esperei na fila, e
solicitei duas cópias de cada, frente e verso.
Agora era só ir ao próximo passo: A Sunamam. Lá,
uma plaquinha indicava: ”Liberação de BL’s com
isenção e suspensão do pagamento”. Agora eu já
estava craque nestas siglas e a reconheci como de
interesse imediato. Entreguei para a moça funcionária
o pedido de liberação, mas ela me disse que não
poderia liberar sem a data da operação do Navio.
Como eu lá ia saber que isto seria necessário,
indaguei, ainda meio calmo. Bem, mas para eu não
ter que voltar, a moça me disse que talvez eu pudesse
obter esta data da operação do Navio se falasse com o
Sr. Mário, ou com o Sr. Flávio, que ficavam na porta
ao lado.
Dirigi-me de imediato para conversar com os
supostos chefes daquela repartição. Fui atendido pela
secretária Adriana, que me indicou o Sr. Flávio para a

229
As Bagagens de Meu Irmão

solução do caso. De fato, falando com ele, obtive a


data da operação do Navio, após consulta a uma
montanha de papéis. Assim, a própria Adriana
Cambos da Silva continuou com o atendimento,
carimbando os documentos: “Ministério da Infra-
Estrutura Delegacia do Rio de Janeiro, Mercadoria
isenta de AFRMM”. Esta última sigla ainda não sei o
significado.
Meu próximo passo seria a UNIMARE,
companhia marítima. Foi para lá que fui, na Avenida
Venezuela número 3, quarto andar, para pagar a
Capatazia, com a senhorita Carla, com quem eu tinha
iniciado todo o processo, por telefone. Achei fácil a
UNIMARE. Esta companhia fica bem em frente ao
prédio da Polícia Federal, onde tirei meu passaporte.
Na UNIMARE, Agência Marítima Ltda., com
nove funcionários em uma pequena sala, e onde os
telefones não paravam de tocar, encontrei uma
pequena fila, apenas três na minha frente. Entretanto,
demorou em chegar a minha vez, pois os raios dos

230
M. A. Sens

telefones, por fazerem muito barulho, sempre tinham


preferência.
Na minha vez, procurei pela Carla. Ela estava
de férias e atendeu a Simone, que conferiu algumas
anotações e, virando-se para mim perguntou: “Pagar a
Capatazia?” Confirmei. Mas não pode ser hoje, disse a
Simone, porque o caixa já fechou. E sem o
pagamento da taxa, frisou a funcionária, não se pode
liberar o processo. Se não dá para pagar, por que
então me perguntou? Retruquei quase sem calma.
Bem, foi só para lembrar, me devolveu a Simone.
Aqui é como em banco, as três e meia fecha o caixa,
completou.
Enquanto aguardava a minha vez na
UNIMARE, observei que um mapa Mundial preso na
parede estava crivado de alfinetes coloridos,
indicando os diversos lugares de operação da
companhia. Como já eram quase quatro e meia da
tarde, só me restava voltar para casa e retornar no dia
seguinte. Como a Alfândega fecha só as cinco, eu não

231
As Bagagens de Meu Irmão

poderia prever que não se poderia pagar a tal


capatazia após as três e meia da tarde.
Assim, me dirigi às Barcas, a pé, depois de
uma longa caminhada. Minha sola do pé já se fazia
sentir e lembrei que este meu sapato, de sola fina, não
servia para empreendimentos de tamanha
envergadura. Passando pela Praça Mauá, pensei em
tomar um chope bem gelado, mas onde parar? Os
locais não eram muito seguros, as garotas de pernas
de fora, bronzeadas e lisas, pareciam que a qualquer
momento iriam me abordar. Na pasta, os documentos
originais. Eu não podia arriscar. Decidi tomar o
refrescaste líquido mais para adiante, e me dirigi na
direção das Barcas.
Embora fosse minha intenção ir para Niterói
de Barcas, não deu realmente para realizá-la, pois na
travessia da Avenida Presidente Vargas, próximo da
Candelária, avistei um ônibus onde se lia:
”CHARITAS”. O veículo estava parado e de porta
aberta. Aproximei-me e perguntei se ia para Niterói.

232
M. A. Sens

Na confirmação do motorista logo pulei para dentro,


todo satisfeito. Fui sentado, e bem na frente. Mais a
diante, ainda na Av. Presidente Vargas, entrou uma
garota conhecida. Era a Carmen Deise, uma ex-aluna
e ex-estagiária do CEPEL, e que estava estagiando na
IBM.
Como a garota queria conversa, e só havia
lugar para dois nos fundos do ônibus, fui para a
traseira. A garota me contava, na viagem, que estava
satisfeita na IBM e que estava participando da
implantação de um sistema “NO-BREAKER” para
comunicações na IBM, além de estar faturando uns
US$ 500,00 mensais. Chegamos em Niterói as cinco
e meia da tarde, onde procurei logo um bar para o
meu chope. Parei no Bar Orquídeas e pensei, a
capatazia pode esperar mais um dia.

233
As Bagagens de Meu Irmão

32 PAGANDO A CAPATAZIA

EraComo
uma terça-feira, dia onze de fevereiro de 1992.
era o dia do aniversário de meu casamento,
decidi ficar um pouco mais na cama. Assim eu
descansaria um pouco mais da caminhada do dia
anterior e ainda fazia uma média com minha esposa.
Mas nem tanto, as oito horas já estávamos tomando
café juntos. Tal acontecimento seria marcante, em
plena terça-feira, dia útil e não se tratando de férias,
dificilmente isto ocorreria. Mas no fundo, o
aniversário não era minha única razão de estar em
casa naquele dia.
Ao acordar, planejei resolver três assuntos
importantes pela manhã. A primeira questão era uma

234
M. A. Sens

atenção especial para a Lígia. A segunda também era


para ela, e referia-se à compra de flores, cuja loja só
abria as oito da manhã. E a terceira, era o pagamento
da capatazia no Centro do Rio.
Eram nove e vinte da manhã quanto tomei um
Aerobarco para o Rio de Janeiro. Os termômetros de
rua já indicavam 31 graus. Na Praça 15, do lado do
Rio, tomei um ônibus para a Praça Mauá, o C-10. Foi
rápido. As 9:45 horas eu já estava de frente a Polícia
Federal, onde uma fila interminável se formava na
calçada. Eram aqueles interessados em passaporte,
que aguardavam a abertura da repartição pública
federal, as dez da manhã.
Novamente no edifício da UNIMARE, que
fica no quarto andar, não pude subir diretamente, pois
um dos elevadores estava parado. No outro elevador,
o ascensorista informou que aquele só parava do
quinto para cima. Tudo bem, salto no quinto e desço
um de escada, comentei satisfeito com o detalhe
funcional. Deu certo, nenhum impedimento para

235
As Bagagens de Meu Irmão

chegar a UNIMARE. Lá procurei diretamente pela


Simone, pois meu contato, a Carla, como eu já sabia,
estava de férias. A Simone estava ocupada e me
atendeu outro funcionário, crioulo, que nem me
interessei pelo nome. O moreno logo me perguntou
se eu sabia o valor da taxa a ser paga. Respondi que
devia ser por volta de quatorze ou quatorze e pouco.
Tentei pagar a capatazia em dinheiro, mas lá
não tinha troco. O dia estava começando e ainda não
tinha ocorrido muito movimento. Paguei com cheque
e perguntei sobre o preenchimento do formulário. O
funcionário me respondeu que isto não era com ele, e
que, normalmente, tal incumbência é trabalho para os
despachantes. Preenchi a ficha por minha conta.
Com a capatazia paga, e com a ficha de requerimento
em mãos, me dirigi pela quarta vez à repartição
alfandegária no Cais do Porto do Rio de Janeiro.
Como a ficha não estava lá muito bem preenchida, na
minha opinião, eu esperava que na destinação final
alguém me ajudasse nos complementos que ainda

236
M. A. Sens

faltavam. Mas, para minha surpresa, não houve


qualquer necessidade de completar a ficha. Estava
tudo em dia e completo com o documento. Desta vez
fui atendido pela senhorita Beth, que eu ainda não
tinha visto naquela repartição pública, das três vezes
anteriores em que estive por lá. Mediante solicitação,
fui entregando um a um os documentos, que foram
grampeados juntos.
Novamente todos os documentos foram carimbados
no verso, já que pelo lado principal não mais haviam
espaços para carimbos, e da mesma forma foram
rubricados, folha por folha. Ao final, a senhorita Beth
me entregou um bilhetinho, contendo um número de
telefone e com um outro número código, o 0118.
Como ela só me entregou, sem dizer nada, fiquei
aguardando. Ai a Beth completou meio espantada:
“Tudo Bem”. Ainda fiquei imóvel e perguntei meio
encabulado, "tudo bem? e as bagagens?" pois eu
estava ali para apanhar as bagagens de meu Irmão,
relembrei.

237
As Bagagens de Meu Irmão

A coisa não é assim tão simples, me explicou Dona


Beth. Agora eu deveria aguardar uns dois ou três
dias, e telefonar para o número do bilhete,
perguntando pelo andamento do processo, cujo
número também estava no bilhetinho. Os documentos
deveriam seguir a tramitação e retornar ao mesmo
ponto. Caso, nesta ligação, eu obtivesse a resposta de
que o processo já estava de volta, então seria marcada
uma data com um dos fiscais da Receita Federal, para
a conferência da bagagem. Dai, disse-me a Beth,
mais alguns dias, e logo-logo você terá suas
bagagens.
Neste atendimento na Alfândega, percebi que a
funcionária Beth não gostava de muitas perguntas,
pois nem respondeu quando perguntei, preocupado,
se o formulário estava adequadamente preenchido, e
se estava completo, pois eu havia deixado em branco
vários campos.
Desta vez permaneci por mais tempo no
balcão de atendimento da Alfândega e, enquanto

238
M. A. Sens

aguardava a carimbagem da documentação, como me


sobrou tempo, li um papel todo rabiscado colado
sobre o balcão, onde das vezes anteriores eu
descansara sempre a minha pasta. Parecia uma lista
de atividades. Sim, aquela era uma lista dos
procedimentos e etapas para o resgate de bagagens
desacompanhadas. Verifiquei, surpreso, que
conforme a lista, eu já estava quase no fim da
maratona. As etapas para tal empreendimento eram
num total de dezoito, e quinze das mesmas eu já
havia cumprido.
Saindo da repartição, satisfeito e menos
afoito, percebi, apenas desta vez, que no vidro da
porta de entrada constava: ”Departamento da Receita
Federal - Customs Aduana” e este último nome,
agora, me era familiar e conhecido.
Como ainda não era meio dia, neste dia de
sapatos apropriados para longas caminhadas, fui
andando até a Praça Mauá, para tomar um ônibus
para a Cidade Universitária. Demorou um pouco mas

239
As Bagagens de Meu Irmão

veio. Tomei a linha Zumbi, que muito já vi em


ônibus, mas não sei onde fica tal lugar. Na frente do
veículo, no pára-brisa, meio atravessado, lia-se: “Via
Cid. Universitária”. Era do que eu precisava.
Saltando, andei um pouco mais e ao meio dia eu
estava almoçando no meu trabalho.
Agora as etapas já estavam quase todas
cumpridas, era só aguardar alguns dias e telefonar
para o número 516 - 17 15 e perguntar pelo processo
0118. A resposta esperada seria de que o processo já
estava de volta ao ponto de partida.

240
M. A. Sens

33 DOCUMENTOS EM TRAMITAÇÃO
NO MANIFESTO

Naacordei
quinta-feira do dia 13 de fevereiro de 1992,
meio zonzo, com ressaca de uma festa de
aniversário da noite anterior. Na festa, no próprio
prédio, tomei um pouco demais de cerveja e acabei
levantando mais tarde. Aproveitando, resolvi que
antes de ir ao trabalho, poderia verificar como estava
o andamento do processo no Setor de Bagagens
desacompanhadas da Alfândega, pois afinal já tinham
passados os dois dias que me deram de prazo.
Liguei logo cedo, as oito e dez, e atenderam.
Perguntei logo pelo processo, informando o número.
Não, ainda não tinha chegado de volta. O processo

241
As Bagagens de Meu Irmão

estava em tramitação pelo Setor do Manifesto.


Reconheci pela voz que meu atendente era o baixinho
de bigode, que sempre estava lendo os jornais.
Certamente, desta vez, eu o tinha interrompido em
sua leitura. Contive-me para não pedir desculpas por
interrompê-lo. Por outro lado, o mesmo funcionário
me recomendou que eu voltasse a telefoná-lo no dia
seguinte.
Nesta tarde do dia treze nada de ocorrências a relatar
sobre o andamento do processo. Mas as seis horas da
tarde, ainda no trabalho, recebi uma ligação
telefônica do Nego. Meu Irmão estava em
Florianópolis e queria saber de suas cuecas velhas.
Ele estava preocupado com a possibilidade de seus
sapatos velhos, já amaciados na França, sumirem.
Pensei que ele, desta vez, me relatasse algo sobre a
reunião da Fundação Vitório Sens do dia oito, mas,
embora ele tenha sido eleito presidente, nada
comentou. Parece que meu Irmão não gosta de
misturar assuntos em uma mesma ligação telefônica.

242
M. A. Sens

Para informar meu Irmão, sem deixá-lo preocupado,


relatei que o processo estava tramitando
normalmente, e que agora o caso estava em
andamento no Setor do Manifesto. Para completar, e
tranqüilizar meu Irmão, que já manifestava certa
saudade em relação aos seus pertences, afirmei que
em mais um dia ou dois eu teria notícias mais
concretas sobre o caso.
Passei tal informação ao maninho com muita firmeza,
digna de especialistas, como se, de fato, eu tivesse
alguma noção sobre as atividades de um setor
denominado “Manifesto”.
Cabe ressaltar, ainda, ao caro leitor, que em
momento algum deixei meu Irmão perceber, ou desconfiar,
que o desembaraço de suas tralhas estava representando um
trabalhão danado. Pelo contrário, sempre me mostrei calmo,
tranqüilo, como se automaticamente o processo estivesse
fluindo. Eu não poderia correr o risco de ser retirado da
gerência do referido empreendimento, que, afinal, estava
divertido.

243
As Bagagens de Meu Irmão

Na agência alfandegária, devo ter sido


confundido com maluco, pois como que alguém,
forçado a efetuar uma maratona de dezoito passos
complicados, no verão de 42 graus, tendo que
retornar à mesma repartição tantas vezes, lá entrava
sempre sorridente e cumprimentando a todos, além de
fazer mil anotações enquanto aguardava, no carro, no
ônibus, em pé, e nas barcas? Só mesmo um maluco,
deveriam pensar os “agitados” funcionários.

244
M. A. Sens

34 DESIGNADO O FISCAL PARA AS


BAGAGENS

Nesta sexta-feira, outra Irmã fazia aniversário. Era


quatorze de fevereiro, dia da caçula Eliete. As
oito e cinco da manhã liguei para a Receita
Federal. Atendeu um senhor cuja voz não reconheci e
não identifiquei a pessoa. Provavelmente se tratava
de um senhor magro, alto, que por vezes o flagrei
dormindo na escrivaninha, sentado, quando estive por
lá. Solicitei informações sobre o processo 0118 e, ele,
verificando, informou que o processo estava com a
supervisora, para a designação do fiscal. O
informante sugeriu, entretanto, que eu voltasse a
telefonar próximo ao meio dia, pois provavelmente o

245
As Bagagens de Meu Irmão

processo já estaria de volta a esta hora, e o fiscal já


designado.
Como era também dia de aniversário de Irmã,
aproveitei o intervalo para telefonar para a Eliete.
Tentei acordá-la pelo telefone, mas por vinte minutos
não obtive êxito. Não que ela não acordasse, mas a
linha é que não completava a ligação. Um pouco mais
tarde, tive mais sorte e completei a ligação.
Entretanto, desta vez a Eliete não estava, tinha ido ao
dentista. Assim, falei com minha Mãe, a vovó
Carmem. Conversamos as coisas de sempre, assuntos
entre mãe e filho que mora longe. Como parte dos
assuntos, a vovó comentou sobre umas roupas que eu
havia esquecido por lá por ocasião das festas de
Natal, e que a Eliete estava para remeter pelo correio,
mas estava adiando constantemente esta operação.
Em relação às minhas roupas, que ficaram em
Florianópolis, recomendei a minha Mãe que
emprestasse ao meu Irmão Nego. Ela ficou muito
contente com esta decisão, pois sabia que o Nego

246
M. A. Sens

estava mesmo precisando, pois suas principais roupas


ainda estavam na bagagem presa no cais do porto e,
além disso, bermudas e camisetas eram roupas mais
típicas de serem usadas no Brasil. Este fato, expliquei
para a vovó, devia-se aos atrasos na liberação de
documentos nas repartições públicas.
Encerrada a conversa com minha Mãe, telefonei para
o dentista da Eliete, que por acaso é também meu
Irmão e sei muito bem o número do telefone. Achei a
Eliete e dei logo os parabéns de costume. Se
conversamos algo mais não vem ao caso, e de
qualquer forma, não me lembro. E, se lembrasse,
mesmo assim ainda não vinha ao caso, sem fazer
pouco caso.
O dia parece que rolou rápido e, quando percebi, já eram três
horas da tarde, quando contactei novamente com a
Alfândega, pelo telefone. Desta vez, me informaram que o
processo estava de volta, passara pelo Protocolo e pelo
Manifesto, e que o fiscal designado era a senhora Ana
Beatriz.

247
As Bagagens de Meu Irmão

Conversando diretamente com a Fiscal Ana


Beatriz, combinamos de conferir a bagagem na
próxima segunda-feira, a uma e meia da tarde. Para
facilitar, a Fiscal pediu que eu fosse de carro, pois ela
não tinha meios de locomoção para ir até o Armazém,
que fica no Caju, próximo do Cemitério, bem longe
do Armazém número 1.
Perguntei para a Ana Beatriz, fiscal designada
para a conferência das bagagens, se podia ser as duas
e meia, em vez de uma e meia, ela disse que não, pois
o Armazém fechava as cinco e, desta forma, podia
não dar tempo para a conferência de todos os itens
dos 450 kg das bagagens de meu Irmão. Também
perguntei se poderia levar um ajudante para a
recolocação do material nas cinco caixas. A resposta
também foi negativa, pois disse que havia pessoal
treinado nos Armazéns, e que eles dariam conta do
recado. A Fiscal ainda completou que o pessoal era
treinado e que, afinal, eram apenas 450 kg, e não
toneladas de pratos e talheres.

248
M. A. Sens

Neste mesmo dia, as cinco horas da tarde, alguém


com voz de mulher me telefonou, para minha casa.
Atendeu a Marta, nossa assistente de casa, pois eu
ainda estava no trânsito. A mulher perguntou quando
que poderia me encontrar pela manhã em casa. A
resposta foi que apenas nos finais de semana ela
poderia me encontrar em casa pela manhã. A senhora
não quis deixar o nome e tampouco recados. Em se
tratando de mulher, logo que cheguei fui informado, e
imaginei que poderia ser alguma alteração nos planos
da Alfândega para a conferência da bagagem no
Porto. Liguei de imediato para a divisão Alfandegária
da Receita Federal, mas lá, a esta hora, já ninguém
atendia. Dormi meio preocupado com o evento
curioso, e assim fiquei durante todo o fim-de-semana.
Acabei não descobrindo quem me telefonou para
saber sobre quando me acharia pela manhã em casa.
Provavelmente, nada relacionado ao
“empreendimento maratônico”.

249
As Bagagens de Meu Irmão

35 A CONFERÊNCIA DAS
BAGAGENS

Nessa segunda-feira, dia 17 de fevereiro de 1992,


bem cedo, precisamente as oito e dez da manhã,
liguei para a Alfândega. Eu tinha duas razões,
que me preocupavam, para esta ligação telefônica. A
primeira, para saber se a Fiscal Ana Beatriz teria me
procurado para alterar o dia ou a hora anteriormente
marcada para a conferência das bagagens. E o
segundo motivo, era para me informar, junto ao
pessoal da Alfândega, se eu poderia levar o caminhão
da Transportadora.
Na agência Alfandegária, me atendeu desta
vez o senhor André, que não sabia de qualquer

250
M. A. Sens

tentativa de me contactar, e me informou que o


caminhão não deveria ir junto durante a conferência,
pois o processo era demorado.
Para completar, o senhor André me disse que
se tudo desse absolutamente certo, ou seja, se não
houvesse qualquer pendência no processo,
provavelmente em dois ou três dias eu poderia
apanhar as bagagens de meu Irmão, com o caminhão
da Transportadora.
Naquele mesmo dia, a tarde, como nada
parecia contrário ao plano previamente estabelecido,
me dirigi pela quinta vez ao Cais do Porto do Rio de
Janeiro, na Praça Mauá, e cheguei bem na hora
marcada, conforme combinado com a Ana Beatriz
pelo telefone. Ao chegar em frente a Alfândega,
estacionei o carro bem em frente a entrada de
passageiros da Companhia Docas do Rio de Janeiro.
Veio logo um militar, muito bem fardado, saber do
que se tratava, e lhe explicando, me recomendou
estacionar em outro lugar, pois a vaga era privativa.

251
As Bagagens de Meu Irmão

Mesmo estranhei que naquela sombra tinha uma vaga


para estacionar.
Retirei o carro da vaga anterior e estacionei
bem em frente a entrada da Alfândega, no Portão 1.
Mas eu ainda não tinha experiência mesmo na
tramitação federal de automóvel e parei novamente
onde não podia: Em frente ao Banco BANERJ. Mas
mesmo assim, saí do carro e fui rapidamente na
Agência Alfandegária, onde fui informado que a Ana
Beatriz tinha acabado de sair. Que azar, mas eu tinha
combinado com ela...comentei.
Um senhor soube onde eu tinha estacionado e
me recomendou fortemente que eu retirasse o carro
daquele lugar, pois podia ser objeto suspeito. Saí com
o carro e encontrei logo mais a frente uma vaga, ao
sol. Voltei para a Alfândega, para indagar sobre a
fiscal Ana Beatriz, que tinha marcado comigo a uma
e meia, e que não poderia ser as duas e meia, como eu
tinha pedido. Como que agora ela não estava a minha
espera?

252
M. A. Sens

Mas logo veio ao meu encontro a tal fiscal, que foi


logo perguntando pelo nome completo do
proprietário das bagagens desacompanhadas, e
também se eu sabia o local onde estava armazenado,
ou seja, se eu sabia o número do Armazém. O
número eu não sabia, respondi, mas tinha ouvido o
nome “Multitermiais”, comentei. A Ana Beatriz
insistiu na pergunta e se eu tinha certeza, pois este
local era bem longe, e caso não fosse realmente lá,
perderíamos muito tempo, e não poderíamos correr
este risco.
Afirmar eu não afirmei, mas continuei informando
que na UNIMARE foi o nome que surgiu, que eu
bem lembrava, mas realmente não sabia onde ficava
nem do que se tratava este Multiterminal. Bem, não
se podia arriscar, mas não havia outra alternativa. A
Ana Beatriz entrou em meu carro, o Monza que já foi
do Nego, ainda com placa de Florianópolis, e foi me
guiando até o Armazém referenciado. Passamos pelo

253
As Bagagens de Meu Irmão

cemitério do Caju, pelo Arsenal de Guerra do Rio de


Janeiro e, após o Bombeiro, à direita, chegamos.
Na entrada, mediante um sinal conhecido
entre o guarda portuário e a agente federal, numa
espécie de senha de mímicas, obtivemos a permissão
para o ingresso naquele mundo de cargas.
Não faltavam lugares para estacionar, e
encontramos uma sombra. Entramos logo em um
escritório de luxo, cheio de terminais de
computadores e com ar condicionado e cafezinho
grátis para visitantes. Como eu não estava, até então,
acostumado com aquele padrão, indaguei logo se
aquele escritório pertencia também à Alfândega. A
Ana Beatriz sorriu, e rapidamente retrucou que não,
não era da Alfândega aquele belo escritório, mas sim
da companhia que operava com a Docas o Cais: A
FINK, completou a Ana, que rapidamente apresentou
o cartão de identificação do processo a um atendente
de balcão.

254
M. A. Sens

Com o cartão do processo, o atendente,


consultando os computadores, nos informou
rapidamente os códigos para a localização da carga
procurada: Armazém número 1, seção 10, lote
615/92. Pronto, já estávamos com o mapa da mina.
Com os dados em mãos, saímos daquele
ambiente fresquinho e fomos ao Armazém número 1
do Cais do Porto. A temperatura ambiente, do lado de
fora, era de 42 graus, como mostrava o termômetro
digital sob a enorme propaganda dos cigarros
Malboro.
O Armazém número um do complexo
Multiterminais tem, de fato, o número seis na
entrada. Achei bastante estranho e logo questionei
com a fiscal que me acompanhava, a passos mais
curtos, porém me guiando pelo labirinto de cofres de
carga. É aqui mesmo, respondeu com forte certeza a
fiscal Ana Beatriz, não sei o que este seis está
fazendo ali, completou a agente alfandegária.

255
As Bagagens de Meu Irmão

Entramos no Armazém e o operador de cargas


“FIU” nos acompanhou. Percebi logo a razão do
apelido do crioulo. Não havia qualquer semelhança
com o famoso jogador de futebol, exceto que lhe
faltava, igualmente, algum dente, e seu sorriso
mostrava um enorme espaço central entre os dentes
da arcada superior.
Com o bilhete contendo os códigos, o FIU nos
guiou pelo interior do Armazém, que era classificado
por seções e lotes, muito bem organizado, com
divisões em faixas amarelas, que também serviam de
pistas para as empilhadeiras movidas a gás. No alto
percebia-se, à grande distância, os números das
seções, em placas penduradas na transversal, e no
chão, as indicações dos lotes. Fomos direto para o
local e, de longe já avistei as caixas metálicas
coloridas.
Senhor Márcio, o senhor tem as chaves para a
abertura das malas? Perguntou Ana Beatriz, surpresa
ao deparar-se com as caixas trancadas por cadeados.

256
M. A. Sens

Sim, respondi. Puxa, pensei que tínhamos perdido a


viagem, completou a agente, que suava muito.
Realmente, naquela tarde de verão, o interior
do Armazém mais parecia uma sauna. Não haviam
termômetros em seu interior, mas calculei que devia
estar por volta de 45 graus. Eu já havia sentido antes
tal temperatura, no teto de nossa casa em Ituporanga,
sob as telhas, em dias de sol. De imediato o suor
começou a escorrer de meu rosto, e até pingava pelo
nariz. O FIU brilhava à meia luz do ambiente, mas
parecia bastante acostumado àquela sauna.
Acho que ainda suei mais quando lembrei que
eu teria que ficar ali a tarde inteira, conferindo cueca
por cueca de meu Irmão, que eu não tinha certeza se
estavam limpas, afinal de contas, os franceses não
são lá assim de muito banho e, sei lá, meu Irmão
poderia ter aprendido com eles.
Apanhei de um envelope que estava em
minha pasta as chaves originais dos cadeados que
trancavam as malas. Eram cinco chaves, para cinco

257
As Bagagens de Meu Irmão

enormes malas de aço, umas espécies de baús.


Escolhi uma das chaves e abri o cadeado de uma das
malas. O FIU, atento a tudo, logo perguntou: são
todas iguais? Não, respondi. Foi coincidência, ou
pura sorte, completei.
Apanhei a segunda chave, também ao acaso, e
abri a segunda mala. Outra vez por pura sorte, pois eu
sabia que as chaves não eram iguais, pois eu mesmo
tinha mandado fazer as cópias em Florianópolis e
havia conferido uma por uma. As chaves eram, pelo
contrário, bem diferentes uma das outras.
O operador de bagagens se espantou quando,
pela terceira vez, também o cadeado tinha se aberto
com a chave escolhida ao acaso. Mas na quarta
hesitei e troquei no último instante pela outra chave
que restava das cinco e, desta vez não abriu. A chave
era a outra. Somente agora o FIU acreditara que
realmente não eram todas as chaves dos cadeados,
iguais.

258
M. A. Sens

A quinta mala, é claro que só poderia abrir


com a última chave, mas concluí que neste ponto eu
tive sorte, a menos do suor, que de tanto, nem de
óculos pude ficar, pois a lente perdeu completamente
a transparência, ficou embaçada. O Armazém era
mesmo uma sauna. Eu pingava por todos os cantos.
Para a conferência dos itens, apanhei a lista
classificada por caixa e pela cor, que tinha sido
preparada em manuscrito pela Monica, a eficiente
esposa de meu Irmão. Para minha surpresa, a fiscal
confiou na lista que eu tinha na mão, que não era a
oficial, e iniciamos o desmanche de toda aquela bela
arrumação.
Sapatos, copos, livros, porta-retratos aos
montes, um deles quebrado, e pratos. Mais sapatos
velhos, botas seminovas e discos. Quem tirava tudo
era o experiente FIU, que ia colocando tudo sobre as
outras caixas do Armazém, que estavam bastante
empoeiradas. O FIU era cuidadoso e, após a

259
As Bagagens de Meu Irmão

conferência, recolocava quase tudo em seu lugar


original.
A fiscal conferia tudo, tudinho, com agilidade, até
que um vidro, muito bem embalado, chamou sua
atenção. FIU, abra esta embalagem, recomendou Ana
Beatriz, apontando aquele vidro. Você tem uma faca?
Complementou a fiscal. Não, respondeu o crioulo.
Retirei rapidamente de meu bolso meu canivete
suíço, tipo “Magaiver” e, segurando o vidro,
autopsiei a embalagem da mini garrafa. Tratava-se de
uma legítima cachaça chinesa, concluiu a experiente
fiscal alfandegária. Pode reembalar. Ou seja, jogar de
volta no baú.
Do baú verde, menor que os demais, o FIU retirou
atônito uma espécie de viola, e tentou tocar. Mas,
após a tentativa, concluiu que era muito difícil, disse-
me, pois o instrumento estranho só tinha três cordas.
A operação de verificação da muamba e
confronto com a lista de pertences foi bem rápida,
pois ninguém agüentava muito tempo naquele

260
M. A. Sens

condicionamento térmico. Após uma hora e meia de


conferência, em alta velocidade, dos variados itens da
bagagem de meu Irmão, já estávamos fechando os
cadeados.
Com as malas fechadas, agora a fiscal Ana
Beatriz preparava mais um ritual: Lacrar as malas,
para a garantia da inviolabilidade até a chegada das
mesmas nas mãos do destinatário final. FIU, solicitou
gentilmente a fiscal, você tem algo que corte arames?
Esqueci-me do alicate, completou. Não, respondeu o
prestativo auxiliar.
E agora? Percebi o ar de preocupação na
fronte de Ana, mas rapidamente respondi. Eu tenho
um alicate, e me dirigi para a minha pasta. O senhor
tem um alicate senhor Márcio? Não acredito!
Comentou sorridente a fiscal alfandegária, que
continuava a suar e estava doida para se livrar
daquela estufa. Tenho, respondi. Mas para cortar esta
cordinha de aço, acho melhor utilizar esta tesoura,
completei, enquanto entregava meu tesourão

261
As Bagagens de Meu Irmão

argentino, de cabos amarelos. Este corta até pregos


Dona Ana, completei afirmativamente.
Após cortar cinco segmentos de um cabinho
de aço para constituição dos cinco lacres, Dona Ana
comentou: Puxa, como corta esta tesoura, que ótima
ferramenta. Senhor Márcio, o senhor é mesmo
prevenido, completou! Acho que era uma indireta
para eu lhe dar de presente, mas, em se tratando de
uma de minhas ferramentas, coletadas uma-a-uma ao
redor do planeta, eu não poderia me desfazer. Para
completar, modestamente, como é meu costume,
comentei que ela poderia pedir o que precisasse.
Após minha afirmação sobre as necessidades
naquele local, hesitei, preocupado, pois eu certamente
não tinha um ventilador e tampouco um aparelho de
refrigeração para o ar ambiente, caso a funcionária
me solicitasse.
Preparados os cinco cabinhos de aço, foram
lacradas as malas com um lacrador especial, tipo
alicate para por grampos em focinho de porcos.

262
M. A. Sens

Rapidamente anotei os números dos lacres, pois, sei


lá, alguém poderia abrir as malas e recolocar outros
lacres, pensei. Os números dos lacres eram: 0579288;
sendo os demais com o mesmo prefixo, porém com
os finais 860; 864; 309 e 710. Muito interessante. Os
números não eram seqüenciais.
Saímos do Armazém, enquanto anotei,
também, o local para retornar posteriormente com o
caminhão de carga. O Armazém era o número um,
porém com o número seis na frente, a seção era a
décima, e o lote o 615/92.
O caminho de retorno, na saída do
Multiterminais Alfandegários - Entreposto
Aduaneiro, não foi o mesmo da entrada. Para a saída,
fizemos um turismo, de carro, pelo Cais do Porto até
a rodoviária, passando por sobre dezenas de trilhos de
trens e entre os enormes guindastes.
A rodoviária fica na altura dos Armazéns 20 e
22 do Cais do Porto do Rio de Janeiro e, desta forma,
pelas vias normais, tivemos que retornar até o

263
As Bagagens de Meu Irmão

Armazém número um, para o retorno da fiscal à


repartição Alfandegária. Assim, eu estava
completando minha sexta visita àquele escritório, e já
me sentia velho conhecido de todo o pessoal.
Apoiado sobre o balcão, bocejando muito,
pois a sauna tinha me dado sono, perguntei para a
Dona Ana: E agora? Já conferimos a bagagem,
quando posso vir com o caminhão? Bem, respondeu
Dona Ana, calmamente, com ares de cansada, você
me liga amanhã para saber do andamento do
processo. Mas ainda não terminou? Perguntei
espantado. Dona Ana me explicou, então, que agora o
processo seria encaminhado, por ela, para a
aprovação da chefia, para a preparação da guia, mas
que aquilo era uma mera formalidade.
Se uma “Guia” ainda seria preparada, calculei que
poderia haver algo mais a pagar. Mais alguma taxa
para pagar? Perguntei. Dona Ana Beatriz me
respondeu que na Alfândega não havia qualquer taxa,
porém, no Armazém, provavelmente haveria uma

264
M. A. Sens

pequena taxa pelo tempo de armazenagem da


bagagem.
O meu dia estava acabando e retornei ao trabalho,
chegando as quatro da tarde. Até que cheguei cedo, a
julgar pelas previsões iniciais. A minha primeira
providência ao chegar na Ilha do Fundão foi procurar
por água, mas acabei tomando dois copos de guaraná
na cantina do CEPEL, que me custou US$ 0,50.
Acho que esta foi minha segunda vez que estive
naquela cantina. A primeira foi quando tive que tirar
sangue para exames. Espero que da próxima eu não
esteja com tanta sede.

265
As Bagagens de Meu Irmão

36 O TRIGÉSIMO SEXTO DIA DA


MARATONA - OPERAÇÃO
TRANSPORTADORA

Agora, enquanto
liberação da
o processo seguia, para a
“Guia”, minha missão era contratar
uma transportadora para apanhar a carga no Cais
do Porto e levar para Florianópolis. Isto, para mim,
seria bastante fácil, pensei, pois tenho experiência na
área, já que costumo despachar materiais para todo o
país, que costumo receber para ensaios nos
laboratórios de eletrotécnica do CEPEL, onde
trabalho. Assim, contactei, de início, com a
Transportadora Itapemerim, falando com a Denise e
com a Rose. Elas me recomendaram falar diretamente

266
M. A. Sens

com o senhor Francisco, da Itapemerim da


rodoviária.
Como não obtive êxito nas ligações
telefônicas com a Rodoviária Novo Rio, voltei a
telefonar para a Transportadora Itapemerim. Desta
vez falei com a Rosângela. Neste caso o atendimento
já foi diferente e ela já até me estimou o custo do
transporte, ao saber das dimensões e do peso total,
que lhe informei. O valor estimado foi de US$
230,00. Entretanto, quando a Rosângela soube que se
tratava de carga particular, informou que a
Itapemerim não coleta a carga e o frete não pode ser
pago no destino.
Diante do impasse, a funcionária da
Itapemerim cargas, simpática, passou o caso para o
seu colega, Márcio Bruno, meu xará, que reforçou a
mesma informação. Realmente, segundo o Márcio
Bruno, o jeito ser-me-ia apanhar a carga e levar até a
Rodoviária, com as devidas documentações,
incluindo uma Nota Fiscal Avulsa, da Receita

267
As Bagagens de Meu Irmão

Federal, etc. Ainda mais, disse-me o representante da


transportadora, em se tratando de carga para retirar
do Cais do Porto do Rio de Janeiro, o caso é
extremamente complicado.
Mas que diabos, agora que parecia tudo certo
e acabado, me aparece mais uma complicação?
Resmunguei. Para retirar cargas no Cais do Porto, me
explicou o Márcio Bruno, necessita-se informar com
antecedência a numeração do veículo, bem como os
nomes e números das carteiras de identidades de
todos os funcionários envolvidos na operação com o
caminhão. O caso é realmente complicado, me
alertou o funcionário.
Para completar, o senhor Márcio Bruno me
recomendou, no entanto, que falasse com uma
empresa que fazia este tipo de serviço, como a
Transduque, fone 260-66 47, me indicando para falar
com o senhor Mário César.
Diante das dificuldades para obter uma
transportadora que operasse no Cais do Porto, voltei a

268
M. A. Sens

contactar com a Expresso Catarinense, que não tinha


achado tão complicado assim, quando os contactei há
pouco mais de um mês, para me prevenir.
Falei com a Solange, da Expresso
Catarinense, que aceitou a tarefa, a um custo inicial
de US$ 260,00 e, custo final, após negociações e
reclamações, de US$ 185,00.
Para acertos finais, falei com o Sr. Paulo
César, que marcou de vir me apanhar as dez horas do
dia seguinte, de Kombi.
Eu estava com sorte, tinha dado tudo certo e,
para adiantar, contactei com o Sr. Mouzinho, da
Receita Federal, para saber sobre a tal Nota Fiscal,
que todos os transportadores solicitavam. O agente
federal me informou, então, que o documento emitido
pela Receita Federal e a guia de Recolhimento, que
têm fé pública, servem perfeitamente para a
finalidade de transporte, dispensando a Nota Fiscal.

269
As Bagagens de Meu Irmão

Conforme combinado com a Fiscal, naquela


terça-feira, dia 18 de fevereiro de 1992, eu deveria
telefonar para ela, para saber do andamento do
processo. Assim, procurei por Dona Ana Beatriz as
onze horas e novamente as duas e meia da tarde, mas
não a encontrei na repartição. Segundo me
informaram, ela estava em desembaraço. Agora já
conheço esta terminologia.
O desembaraço alfandegário já estava nos
finalmente, mas tive que retornar mais uma vez à
Receita Federal. Esta era minha sétima aparição
naquela repartição pública. Fui de carro e eram
exatamente três horas da tarde de um dia destes
qualquer, que nem me lembro qual da semana, mas
também não vem ao caso e pouco importa, quando
encontrei com a Inspetora Dona Ana Beatriz Pontes
dos Santos. Ela me atendeu com muita gentileza e
atenção e, apanhando o processo, iniciou a
carimbagem, mais uma vez, de tudo e qualquer folha
do agora volumoso processo de desembaraço

270
M. A. Sens

alfandegário. Rubricando rapidamente todas as folhas


carimbadas, a funcionária solicitou que eu sentasse.
Sentei. Aguardei. Levantei após o sinal de Dona Ana,
para assinar o recibo.
Mas que recibo? Como que eu já estava
assinando o recebimento de cinco volumes se ainda
não os tinha de fato recebido? Embora sem receber
nada, pelo menos até aquele momento, hesitei, mas
tive que confiar. Em várias partes do processo
constava: ”Recebi cinco Volumes” etc., e em todas
eu tive que atestar o recebimento das bagagens de
meu Irmão.
Na Guia de Recolhimento, único papel que,
nestas alturas, eu ainda precisava para a entrada no
Armazém e para a retirada efetiva das cinco malas,
constava em manuscrito: ”Cinco volumes, lote
615/92, pesando bruto 400 kg, marca letreiro (que
não sei do que se trata), contendo:1ª Bagagem
discriminada na Relação de Bens de fls 04/05”.

271
As Bagagens de Meu Irmão

Constava ainda, na mesma Guia, em letras


azuis: ”Autorizado o desembaraço pela Senhora Inspetora
da IRF no Porto do Rio de Janeiro, por despacho exarado às
fls 01 verso. Extraída a presente Guia, conforme proposto
pela AFTN Ana Beatriz Pontes dos Santos, no campo 09 do
processo número 10711-000932/92-45”.
Ao final de toda esta ladainha, constava a
assinatura do senhor Mouzinho, que mesmo eu
sempre desconfiei que tivesse jeito de chefe, pinta de
chefe, cara e idade para ser um chefe.
Saí da Alfândega cumprimentando a todos,
eufórico, e agradecendo muito pela colaboração. De
um dos funcionários, que parecia contente de me ver
contente, ouvi: “Você conseguiu”. É mesmo, respondi.
Passei neste vestibular, concluí ao sair rapidamente
para Avenida.
De carro, parti então para uma nova operação:
O pagamento da Guia de Recolhimento. Para isto, eu
precisava me dirigir novamente ao Multiterminais
Alfandegados - Entreposto Aduaneiro -DAP - TRA-

272
M. A. Sens

RIO, ou seja, bem debaixo da Ponte Rio-Niterói, só


que passando pelo cemitério do Caju e pelo Arsenal
de Marinha. Eu logo achei o caminho, porque já
estivera por ali antes, com uma guia, a Dona Ana, e
anotei direitinho.
A tarefa de pagar a Guia de recolhimento me
foi relativamente fácil. Foi só parar o carro bem de
fronte ao Multiterminais, sem problemas de vagas,
identificar-se na portaria, deixar uma identidade,
apanhar um crachá e, seguindo por um labirinto de
containeres, ir ao escritório de luxo, com ar
refrigerado e pagar a tal taxa referente ao
armazenamento da muamba.
Tomei logo um cafezinho, disponível para
visitantes, retirando de uma garrafa térmica cor-de-
rosa, que estava sobre o balcão, em uma bandeja
inox. Paguei a referida taxa, na época, Cr$
313,41(trezentos e treze cruzeiros e quarenta e um
centavos) que, convertendo para o dólar...bem, se
fosse converter para o dólar, se poderia ter uma idéia

273
As Bagagens de Meu Irmão

do real valor desta quantidade monetária, mas isto,


realmente, daria uma trabalheira danada e, ainda
mais, essa quantia não deve valer nada mesmo, nem o
trabalho de corrigi-la para qualquer que seja a moeda
atual.
Com a taxa paga, me informaram que agora
era só retornar no dia seguinte, entrar primeiramente
sozinho com a documentação da Transportadora e
dos funcionários envolvidos no empreendimento,
para obter a autorização para a entrada com o
caminhão que irá apanhar a bagagem. Estava dando
tudo certo, e nem me parecia nada complicado, como
tinham me advertido os funcionários da Itapemerim
Cargas.
Saí do Multiterminais lá pelas cinco e meia da
tarde e, somente agora, percebi que no local onde eu
estacionara havia uma plaqueta, até nada discreta,
informando: “Privativo da Diretoria - FINK”. Ou seja,
foi por este motivo que achei tão fácil estacionar
naquele local, onde os guardas ainda me

274
M. A. Sens

cumprimentaram, tanto na entrada, como na saída do


pátio privativo. Acho que fui confundido com um
diretor.
Não me lembro bem qual foi o motivo
especial, mas estou certo de que neste dia eu estava
de carro branco, limpo. Estou certo deste detalhe,
porque realmente constitui uma raridade e me
espantei quando avistei silhueta de uma enorme
empilhadeira refletida no brilhante capô.
Este particular, possivelmente, me ajudou a
encontrar a vaga para estacionar, sem que ninguém
viesse reclamar.

275
As Bagagens de Meu Irmão

37 A COLETA DA BAGAGEM NO
CAIS DO PORTO

Eubagagens,
aguardava ansioso a oportunidade de apanhar as
quando recebi um contato telefônico da
Transportadora Catarinense. Eram dez horas da
manhã de 19 de fevereiro de 1992. Esta data também
me lembrava alguma festa. Era o aniversário de
casamento de meu compadre, César Sobral, que
agora mora em Campinas, no estado de São Paulo.
Mas de fato, somente o dezenove é que coincidia,
pois o mês era janeiro, e não fevereiro.
A Transportadora, através de um telefonema,
me informava que uma Kombi estava a caminho, e

276
M. A. Sens

que iriam me apanhar na Ilha do Fundão, no Rio de


Janeiro, para a coleta das bagagens no Cais do Porto.
Enquanto aguardava a chegada do veículo da
Transportadora Catarinense, verifiquei minha agenda
para confirmar aquela data que não me saía da
cabeça. Realmente o mês não era aquele, mas apenas
o dia e, portanto, não havia motivos para ligar para
meu compadre. De qualquer forma, não teria muito
tempo mesmo, pois a Kombi já estava chegando. As
dez e meia eu, um auxiliar da transportadora e o
motorista, estávamos saindo da Ilha do Fundão.
Felizmente o trânsito estava ótimo, naquela hora da
manhã, e quando faltavam quinze para as onze horas
já estávamos na entrada do Multiterminais, próximo
ao cemitério do Caju, para a identificação do pessoal.
Após a constatação da validade dos
documentos e da liberação, entramos de Kombi. O
senhor Severino Ferreira dos Santos conduzia o
veículo, enquanto seu auxiliar, senhor Cláudio sei lá
do que, tocava um sambinha em sua caixa de

277
As Bagagens de Meu Irmão

fósforos. A Kombi, de placa Blumenau - JL 8282,


seguia lenta por entre os enormes containeres e, após
aguardar a passagem de uma enorme empilhadeira
com um daqueles containeres que se vê pelas estradas
sobre as carretas dos caminhões, estacionou de frente
ao Armazém número um, que tinha o seis na fachada.
Mais uma vez me surpreendi com aquelas
empilhadeiras, pois uma máquina daquelas levava,
cambaleando, uma carga completa de uma carreta. A
Kombi não podia entrar no Armazém, deveria
aguardar lá fora, onde uma empilhadeira trouxe toda
a bagagem sobre um estrado de madeira, retirado do
lote 615/92.
O destino agora era a sede da Transportadora,
onde a carga seria repassada para um caminhão de
carga, junto com dezenas de outras encomendas, para
seguir para o Sul do Brasil, em Santa Catarina. Como
eu acompanhava a carga, solicitei ao motorista,
senhor Severino, que passasse pela Ilha do Fundão,
embora fora de sua rota normal, para me deixar lá.

278
M. A. Sens

Ele aceitou, após minha proposta de lhe pagar o


almoço.
Chegamos rápido à Ilha, passava pouco do
meio dia, e neste dia eu estava comemorando minha
vitória no grande empreendimento. Tanto era minha
alegria que paguei o almoço não apenas para o
motorista, mas também para seu auxiliar Cláudio, o
que me custou por volta de US$ 10,00 no restaurante
do CEPEL, onde trabalho.
A dupla da Transportadora parecia satisfeita
com minha oferta, comeram muito e acharam a
comida uma beleza. Cada um tomou também dois
copos de mate, que podia ser servido à vontade,
enquanto eu lhes pedia muito cuidado com as malas,
e que fossem colocadas não muito espremidas entre
as demais cargas do caminhão.
Pode deixar doutor, disse o senhor Severino,
as bagagens de seu Irmão terão um tratamento
especial, nós mesmo vamos cuidar da arrumação
dentro do caminhão. Pelo brilho dos olhos da dupla,

279
As Bagagens de Meu Irmão

achei que podia confiar. A carga estava em boas


mãos. Pela promessa que me fizeram, em no máximo
dois dias a muamba estaria na capital Catarinense.
Despedindo-me dos dois caminhoneiros,
confirmei se estavam com toda a documentação
relativas à carga e, principalmente, se estavam com
uma das cópias das chaves dos cadeados, pois no
transporte poderia haver alguma fiscalização policial
e poderia haver a necessidade da abertura das caixas.
Após o almoço, e o despacho da Kombi de
Blumenau, telefonei de imediato para o senhor Paulo
César, da Catarinense Transportes, e comuniquei que
a carga já estava a caminho. O senhor Paulo César
me pediu, então, que lhe telefonasse no dia seguinte,
dia 20 de fevereiro, para saber do número do
conhecimento, documentos este que identifica a carga
encaminhada entre as demais do mesmo caminhão.
Achei, então, que estava no momento adequado de
informar meu querido Irmão sobre o desenrolar da
novela. Passava pouco da uma e meia da tarde

280
M. A. Sens

quando telefonei para Florianópolis, para a casa do


Nego, mas não o encontrei. Liguei então para a
minha Irmã, a Elizete, que ainda estava almoçando,
para depois retornar a sua farmácia. A Zete, como
todos a chamam, foi eleita entre muitas crianças da
cidade a “boneca viva”, e quando falo com ela
sempre me lembro disso, e acho que estou falando
com a menina. Mas de fato, ela nunca cresceu muito.
Explicando bem em detalhes, como para uma
menina, passei para a Zete todas as informações mais
recentes sobre o caso, que, segundo ela, já estava
virando novela. Informei que a carga estava toda
certa, que foi conferida item por item, que o litro de
cachaça peruana estava inteiro e que a única peça que
foi encontrada quebrada tinha acabado com o
casamento do Nego com a Monica. Minha Irmã se
espantou: ”Meu Deus”, exclamou minha maninha, “o
quê de tão grave assim aconteceu?” Me perguntou.
Mas antes que entrasse em pânicos, eu fui logo

281
As Bagagens de Meu Irmão

explicando que o que quebrara foi o porta-retratos,


com a foto do casamento de meu Irmão.
Agora eu já me achava bem mais tranqüilo,
porém nem tanto, pois as bagagens de meu Irmão
ainda não estavam nas mãos dele. Inquieto, ao chegar
em casa, as cinco e meia da tarde, ainda do dia
dezenove de fevereiro, telefonei novamente para o
senhor Paulo César, da Catarinense, e perguntei sobre
as previsões para a chegada da carga e também sobre
o número do conhecimento, que eu deveria, segundo
já tinha me informado, apanhar no dia seguinte.
Quanto ao número do conhecimento, o
funcionário me passou para outro ramal telefônico
interno, que estava ocupado, e tive que aguardar por
uns cinco minutos. Como a linha não ficou liberada,
fiquei de lhe telefonar mais tarde.
Desta forma, quinze minutos mais tarde voltei
a contactar com o senhor Paulo César, que já estava
de posse do referido número: 34-051. A previsão de

282
M. A. Sens

chegada era para sexta-feira, e a carga sairia naquele


dia, que era uma quarta-feira.
Ainda naquele mesmo dia, ou melhor, na
noite daquele dia dezenove de fevereiro, pois já eram
nove horas da noite, telefonei novamente para meu
Irmão em Florianópolis. Desta vez o achei em casa, e
lhe informei que a bagagem fora despachada, em
ordem, para a capital catarinense, pela transportadora
do mesmo nome, e que deveria chegar até sábado. Ou
seja, já dei mais um dia de folga, por minha conta,
pois sabia como estavam andando as coisas.
Em minha conversa com o Nego, preparei bem
seu espírito, para que reservasse o dia de sábado e,
também o de domingo, para a recepção da sua
mudança e das devidas arrumações. Em apenas trinta
minutos concluímos a conversa via satélite.

283
As Bagagens de Meu Irmão

38 A REMESSA DAS CHAVES DOS


CADEADOS

bagagem já estava a caminho, entretanto, minha


Amissão ainda não estava cumprida, me restava
encaminhar as chaves originais dos cadeados que
trancavam cada uma das cinco malas de aço contendo
as bagagens de meu Irmão. As chaves originais
deveriam ser encaminhadas pelo correio, enquanto
uma das cópias seguia com o caminhoneiro e outra
estava com o Nego, mas, por garantia total, as
originais poderiam ser úteis e, de qualquer forma,
particularmente, eu não teria mais qualquer utilidade
para aquelas chaves.

284
M. A. Sens

Para finalizar o dia anterior, antes de dormir,


organizei toda a documentação relativa ao processo
do desembaraço alfandegário e arquivei em um
envelope. Junto com a papelada, verifiquei que havia
mais uma cópia original das chaves, que eu tinha
recebido pelo correio, vindo diretamente da França.
Assim, quatro eram as cópias das chaves: Uma estava
com meu Irmão em Florianópolis, outra com o
caminhoneiro. A terceira cópia, em original, eu
manteria como extrema garantia, junto com o
processo, e a quarta cópia seria encaminhada para o
Nego, pelo correio.
Na quinta-feira do dia vinte de fevereiro, pela
manhã, antes de sair de casa, confirmei se estava com
as chaves dos cadeados na pasta. Tudo certo. Ao
chegar no trabalho, preparei logo um envelope
comum, usado, com recheio de isopor e colei as
chaves distribuídas sobre a pequena plaquinha,
cortada a canivete. Fechei e colei o envelope.

285
As Bagagens de Meu Irmão

Eu tinha pressa nesta tarefa, pois queria ver se


as chaves estariam nas mãos de meu Irmão no
momento da abertura das caixas. Assim procurei por
um envelope especial, de SEDEX, que pode chegar
ao destino em apenas um dia. Mas não achei em meu
escritório, como eu esperava. Desta forma, telefonei
para o setor de expedição do CEPEL e descobri que o
malote para o correio sairia as onze horas. O tempo
estava correndo rápido nesta quinta-feira, já eram
quinze para as dez e eu ainda não tinha o tal
envelope.
Com a pressa que eu estava, para complicar,
me chamaram com urgência para uma reunião, que
durou até onze e quinze. Tempo este, suficiente para
eu perder o horário de encaminhamento da
correspondência com o malote para o correio.
Bem, como eu havia perdido a hora da saída
para o correio, agora só me restava encaminhar as
chaves no dia seguinte, ou seja na sexta, quando seria
tarde, para os meus planos, pois neste tempo a

286
M. A. Sens

bagagem já deveria estar no destino final. Eu havia


falhado em meus planos. Primeiro as dificuldades
para achar o envelope SEDEX. Depois, na hora de
colocar o endereço, percebi que esquecera dos
endereços pré-fabricados que o Nego me entregara em
Florianópolis. Eram umas duas páginas, todas com o
endereço do maninho, feitos no microcomputador,
em letras grandes. E, por último, ainda aquela reunião
inesperada. Drogas, resmunguei.

287
As Bagagens de Meu Irmão

39 A RECEPÇÃO DA BAGAGEM

Chegou enfim o grande dia. Era a sexta-feira


esperada, do dia vinte e um de fevereiro. Ao meio
dia telefonei para meu Irmão, o Nego, para saber
se havia chegado alguma coisa. Nada. Não houve
tempo ou não acharam o Nego em casa, pois ficou
longo período ausente.
Informei ao Nego, na mesma conversa via satélite,
que as chaves ainda estavam comigo e lhe contei
sobre os imprevistos que me impediram de
encaminhá-las a tempo. Meu Irmão achou realmente
desnecessária a remessa, pois afirmou que estava com
uma das cópias originais. Engano, ele tinha ficado
com o jogo de cópias, de má qualidade.

288
M. A. Sens

Naquela sexta-feira, a noite, por volta das 20:45


horas, o Nego telefonou para a minha casa. Eu não
estava, pois era dia de aula na Universidade Federal
Fluminense, onde leciono no curso de Engenharia
Elétrica. Neste dia era dia de prova, particularmente
sobre os materiais magnéticos, e os alunos costumam
esticar ao máximo o tempo. Assim, cheguei quando
eram nove e meia da noite, e recebi o recado através
da Lígia, a minha querida esposa, linda, de olhos
azuis como o céu límpido. E a notícia era boa, ótima.
A carga tinha chegado ao destino. Entretanto,
completou a Lígia, ”mas as chaves não abriram os
cadeados. Nenhuma funcionou”.
Ainda suado, mal deixei minha pasta no escritório, as
21:32 horas, e telefonei para o Nego. Estava curioso
para saber da situação. Tentei por dez minutos mas
não havia resposta na casa do Nego. Algo estava
errado lá. As malas chegaram e eles já saíram? Que
diabos, pensei. Tomei meu banho e trinta minutos
depois eu tentei novamente contactar com meu Irmão

289
As Bagagens de Meu Irmão

na capital Catarinense, mas não havia resposta. Não


tinha ninguém em casa naquela sexta-feira a noite, na
noite em que chegaram as esperadas bagagens.
Fiquei intrigado com a falta de notícias mais
concretas e com a ausência de meu Irmão em casa.
Provavelmente ele teria ido a alguma festa, ou estaria
a procura de ferramentas para abrir aqueles cadeados.
Enquanto eu jantava, relembrei que realmente
aquelas cópias de chaves não tinham ficado muito
boas. As cópias das chaves dos cadeados foram
efetuadas na época de Natal, em Florianópolis, na
Casa do Cano, na Trindade. O movimento naquela
casa comercial era intenso quando aparecemos para
efetuar, com urgência, cinco cópias de chaves. O
garoto que nos atendeu logo iniciou o trabalho, mas
de repente, apareceu outro freguês, ainda mais
apressado que nós, e o funcionário que operava a
máquina copiadora nos perguntou se podia passar o
novo freguês na nossa frente.

290
M. A. Sens

Nos perguntando, o garoto já foi retirando da


máquina a nossa chave, já iniciada. Fiquei altamente
irritado com a tal pergunta, e não autorizei, pois,
afinal, estávamos igualmente com pressa e, ainda,
chegamos na frente. Além disso, nosso trabalho já
tinha sido iniciado, comentei na ocasião. Foi nosso
erro. O operador retornou a chave à máquina, efetuou
as manobras da copiadora com tanta rapidez, que os
dentes agudos das chaves originais ficaram
arredondados e bem mais curtos nas respectivas
cópias.
Na época, relembrei, meu Irmão verificou, de
imediato, que a presteza do serviço não fora ao
contento, mas como era só mais uma garantia e, com
o movimento da loja, não reclamamos do serviço.
Outro erro.
Como resultado destes nossos erros de
comportamento, como a maioria dos brasileiros, que
não reclamam de seus direitos de serem bem
atendidos pelos serviços pagos, agora surgiu o efeito.

291
As Bagagens de Meu Irmão

Já entendi porque as chaves não abriam nenhum dos


cinco cadeados, que trancavam as malas de aço,
comentei com a Lígia, enquanto jantava.

292
M. A. Sens

40 O QUADRAGÉSIMO DIA DA
MARATONA - A ABERTURA DAS
MALAS

Agora já estávamos no sábado, dia vinte dois de


fevereiro de 1992. Meu Irmão, residente na
capital catarinense, tem em sua sala de visitas
cinco enormes volumes metálicos, com tudo que a
Monica precisa para o estabelecimento de uma
residência, porém trancados pelos cadeados, cujas
chaves, que realmente os abririam, estavam no Rio de
Janeiro.
Com muita curiosidade, liguei logo pela manhã, as
nove horas, para a Monica, já que foi ela quem
atendeu. Eu queria saber da operação “Abertura das

293
As Bagagens de Meu Irmão

Malas”. Bem, desta vez encontrei todos em casa. Não


apenas o casal, mas também o garoto da Casa do
Cano, aquele que tinha feito as péssimas cópias das
chaves. O funcionário estava de joelhos, tentando
abrir os cadeados com finos arames em forma de
grampos.
Naquele momento meu Irmão fez valer o
direito do consumidor, que agora contava com o novo
código, e foi reclamar com o fornecedor direto.
Reclamou que as chaves não estavam funcionando,
pois nenhuma das cópias abriam qualquer dos cinco
cadeados. O pior, demonstrando a péssima qualidade
do produto, é que nenhuma das chaves sequer
entravam nos devidos orifícios dos mecanismos de
abertura dos respectivos dispositivos.
Ainda durante minha ligação telefônica, pude escutar
o suspiro aliviado de meu Irmão: “Abriu a última
caixa”. Pelo que me disse, o Nego não iria pagar por
esta complicada operação de abertura dos cadeados,

294
M. A. Sens

pois afinal a responsabilidade era do fornecedor das


cópias das chaves.
Que alívio. Agora as malas já estavam abertas e a
Monica e o Maurício, o Nego, já tinham um belo
programa para o fim-de-semana. Teriam que
desmontar a bagagem e arranjar lugar para cada peça.
Como eu ainda estava de posse dos dois jogos de
chaves originais, ficou combinado que eu remeteria
os jogos de chaves pelo correio, mas somente um de
cada vez, me recomendou por garantia meu Irmão.
Indaguei sobre o atendimento da Transportadora e,
neste momento, a Monica passou para o aparelho
telefônico, enquanto o Nego conferia a muamba e
despachava o garoto da Casa do Cano. Segundo a
Monica, coitados dos transportadores, sofreram para
subir os três andares pela escada, sem elevadores,
com aquelas arcas metálicas, principalmente com a
de cor azul, completou minha cunhada, pois era a
maior e mais pesada.

295
As Bagagens de Meu Irmão

Após a recepção, me dizia a Monica, os carregadores


aceitaram de imediato a oferta de uma cerveja e, para
surpresa, estava tudo pago, nada restava a pagar pelo
transporte. Mas eu também nada pagara, afirmei para
minha cunhada. Então vamos aguardar, lhe disse,
pois logo vou receber a cobrança.

296
M. A. Sens

41 CONCLUINDO O
EMPREENDIMENTO

Minha missão estava enfim concluída. As


bagagens de meu Irmão estavam com ele,
disponíveis e a cachaça peruana estava intacta.
Não havia pressa para a remessa das chaves originais
que, num destes dias de folga as encaminhei pelo
correio. Nem lembro qual foi o dia ou o momento.
Mas, em quinze de março de 1992 recebi a
confirmação do recebimento das referidas chaves,
que nem teriam lá muita utilidade.
Durante a confirmação do recebimento das chaves,
por telefone, comentei com meu Irmão que até o
momento eu não tinha recebido qualquer cobrança

297
As Bagagens de Meu Irmão

por parte da transportadora, e nenhum de nós tinha


efetuado qualquer pagamento pelo transporte das
bagagens do Rio de Janeiro até Florianópolis.
Combinamos que aguardaríamos, possivelmente,
comentei com meu Irmão, os funcionários da
Transportadora Catarinense carimbaram “PAGO”
sobre a documentação, porque ficaram muito
satisfeitos com o atendimento que lhes dei, pagando-
lhes o almoço.
Duas semanas após, as malas já estavam quase
vazias, e agora, onde por tais malas? Malas metálicas
não dobram. Elas eram de mesma largura e, portanto,
não cabiam umas dentro das outras. Uma serviu de
mesa na área de serviços do pequeno apartamento e
outra, foi para o “amplo” quarto de empregadas. Mas
uma outra mala, a azul, maior de todas as cinco,
conforme vi um ano mais tarde, em janeiro de 1993,
foi muito bem alojada na casa da vovó Carmem, no
Jardim Santa Mônica.

298
M. A. Sens

A grande mala foi realmente para a edícula da casa da vovó,


para onde todos os irmãos arrumam algo para guardar. Junto
com a mala de aço do Nego, vazia, podiam ser notados
montanhas de azulejos de meu Irmão Mauri, uma
máquina registradora importada da Zete, que passei
uma trabalheira danada para comprar em Miami, e
até pagar imposto alfandegário durante a entrada no
Brasil. Sobre todas as demais coisas da edícula,
também sobressaía uma pilha de caixas de papelão do
Bonetto, marido da Zete, meu cunhado, além de uma
pia da Evanir, entre outras bagagens imprestáveis da
própria casa.
Aos meus irmãos e aos demais que,
porventura virem a tomar conhecimento deste breve
relato, espero, sinceramente, que tenham
compreendido as dificuldades e as facilidades do
trâmite burocrático para o desembaraço de algumas
malas desacompanhadas, encaminhadas por vias
marítimas, de qualquer parte do planeta, para o Rio
de Janeiro.

299
As Bagagens de Meu Irmão

Felizmente as bagagens de meu Irmão só


continham utilidades e inutilidades domésticas, bem
conhecidas dos fiscais aduaneiros, não requerendo,
portanto, nenhuma abertura de equipamentos para a
verificação de possíveis contrabandos.
Por comodidade, de antemão, me ofereço à
qualquer Irmão ou Irmã, para buscar, pessoalmente,
de qualquer lugar do planeta, qualquer bagagem que
se destine ao Rio de Janeiro, e que se intencione
encaminhá-la desacompanhada por vias marítimas.
Entretanto, caso isto não me seja possível, em caso de
necessidade, devido a minha experiência bem-
sucedida em tais empreendimentos, estarei, de
qualquer forma, pronto para repeti-lo, não somente
pela presteza, mas, sobretudo, pelo gosto de
aventuras.
Caso encerrado.

300
M. A. Sens

301
As Bagagens de Meu Irmão

Composição: M. A. Sens, com editor do Word Star, versão 7.0, no micro Lap
Top Panasonic Business Partner 250, e posterior conversão para o Word for
Windows, versão 6.0, utilizando sistema conversor desenvolvido especialmente
para esta finalidade pelo autor.

Niterói, Icaraí, Brasil.

M.A.Sens - 29/06/95
baga003.wf6

302
M. A. Sens

ANEXO

RELAÇÃO CONSULAR
DE BAGAGEM
DESACOMPANHADA

303
M. A. Sens

LISTA DE BAGAGEM POR NAVIO LISTE DE BAGAGE PAR BATEAU


PORTO DE CHEGADA: RIO DE JANEIRO PORT D’ARRIVEE: RIO DE JANEIRO
NOME COMPLETO/ NOM COMPLET: MAURÍCIO LUÍS SENS
PASSAPORTE/ PASSPORT Nº. CC207504
Quantidade/ Descrição dos bens em francês/ Descrição dos bens em português/ Valor estimativo/
Quantité
Description des biens en français. Description des biens en portugais. Valeur estimative
FF
I - Objets à usage personnel I - Objetos de uso pessoal
Service à diner et thé anglais, 30 pièces Jogo de jantar e chá inglês, 30 peças
1
360,00
1 Jeu de dessous de verres hollandais Jogo de porta copos holandês 50,00
Ensemble de verres à champagne, Jogo de copos para champanhe,
1
6 pièces 6 peças 120,00
1 Soupière en porcelaine Sopeira em porcelana 100,00
1 Couvert (l’ensemble 24 pièces) Faqueiro (jogo de 24 peças) 360,00
Ensemble d’utensiles de cuisine Conjunto de utensílios de cozinha
1
(7 pièces en inox) (7 peças em inox) 320,00
Autres utinsiles de cusine: Outros utensílios de cozinha:
Verres à biscuit, saladier, assietes, Potes de vidro, saladeira, pratos
bombonière, platas à four, une cocotteà bombonière, pratos para forno, uma
SEB. panela de pressão SEB. 600,00
Linge de table et de maison, vêtements, Roupas de cama e mesa, roupas,
chaussures. incluindo dois roupões e sapatos. 4500,00
Anexo - 01/10

304
As Bagagens de Meu Irmão

LISTA DE BAGAGEM POR NAVIO LISTE DE BAGAGE PAR BATEAU


PORTO DE CHEGADA: RIO DE JANEIRO PORT D’ARRIVEE: RIO DE JANEIRO
NOME COMPLETO/ NOM COMPLET: MAURÍCIO LUÍS SENS
PASSAPORTE/ PASSPORT Nº. CC207504
Quantidade/ Descrição dos bens em francês/ Descrição dos bens em português/ Valor estimativo/
Quantité Description des biens em français. Description ês biens em portugais. Valeur estimative
FF
II – Objets d’art et de II – Objetos de arte e de decoração
décoration
4 Sous verres grands Quadros grandes 150,00
4 Sous verres petits Quadros pequenos 50,00
10 Gravures et affiches Posters e gravuras 350,00
77 Bibelots/ souvenirs Bibelôs/ lembranças 500,00
2 Tapis grands Tapetes grandes 500,00
2 Tapis petits Tapetes pequenos 300,00
Balalaïka Instrumento Musical de três cordas, tipo
1
viola. 277,00
Anexo – 02/10

305
M. A. Sens

LISTA DE BAGAGEM POR NAVIO LISTE DE BAGAGE PAR BATEAU


PORTO DE CHEGADA: RIO DE JANEIRO PORT D’ARRIVEE: RIO DE JANEIRO
NOME COMPLETO/ NOM COMPLET: MAURÍCIO LUÍS SENS
PASSAPORTE/ PASSPORT Nº. CC207504
Quantidade/ Descrição dos bens em francês/ Descrição dos bens em português/ Valor estimativo/
Quantité Description des biens en français. Description des biens en portugais. Valeur estimative
FF
III - Divers III - Diversos
15 Outillage Ferramentas, incluindo uma morça. 500,00
177 Livres, revues Livros, revistas 6500,00
61 Affaires scolaires Materiais escolares 500,00
84 Disques compactes Discos compactos Laseres 7000,00
51 Cassettes Cassetes 300,00
104 Disquetes Disquetes para computadores 700,00
1 Tente Camping (3 personnes) Barraca de Camping( 3 pessoas) 400,00
1 Jeu de Jetons Jogo de Fichas 150,00
1 Glacière Caixa Térmica 150,00
Logue vue, modèle: “Turista”03 Russe Luneta, Modelo “Turista” 03
1
Fabricação Soviética 300,00
Pied, Tripé para máquina Fotográfica, Marca
1
Marque: Cokin Cokin 200,00
Anexo - 03/10

306
As Bagagens de Meu Irmão

LISTA DE BAGAGEM POR NAVIO LISTE DE BAGAGE PAR BATEAU


PORTO DE CHEGADA: RIO DE JANEIRO PORT D’ARRIVEE: RIO DE JANEIRO
NOME COMPLETO/ NOM COMPLET: MAURÍCIO LUÍS SENS
PASSAPORTE/ PASSPORT Nº. CC207504
Quantidade/ Descrição dos bens em francês/ Descrição dos bens em português/ Valor estimativo/
Quantité
Description des biens em français. Description ês biens em portugais. Valeur estimative
FF
VI – Appareils Electroniques et VI – Aparelhos Eletrônicos e
Eletctriques Elétricos
Robot multifonctions Mixer Multifunção
1
Marque: Mulinex Marca: Mulinex
Modèle: MasterChef MC 750 Modelo: MasterChef MC 750 1000,00
Grille pain Tostadeira
1
Marque: Rowenta Marca: Rowenta
Modèle TP 10 Modelo TP 10 160,00
Mini four Mini forno
1
Marque: Moulinex Marca: Moulinex
Modèle: Top gril 287 Modelo: Top gril 287 400,00
Cafitière Cafeteira
1
Marque: Moulinex Marca: Moulinex
Modèle: 9300 Modelo: 9300 450,00
Anexo – 04/10

307
M. A. Sens

LISTA DE BAGAGEM POR NAVIO LISTE DE BAGAGE PAR BATEAU


PORTO DE CHEGADA: RIO DE JANEIRO PORT D’ARRIVEE: RIO DE JANEIRO
NOME COMPLETO/ NOM COMPLET: MAURÍCIO LUÍS SENS
PASSAPORTE/ PASSPORT Nº. CC207504
Quantidade/ Descrição dos bens em francês/ Descrição dos bens em português/ Valor estimativo/
Quantité
Description des biens en français. Description des biens en portugais. Valeur estimative
FF
VI - Appareils Electroniques et VI - Aparelhos Eletrônicos e
Eletctriques Elétricos
Fer à repasser Ferro elétrico à vapor
1
Marque:Calor Marca: Calor
Modèle:Pressing Compact 10 Modelo: Pressing Compact 10 180,00
Ouvre boîte eléctrique Abridor de latas elétrico
1
Marque:Philips Marca: Philips
Modèle: 007 Modelo: 007 150,00
Mini Batteur Mini batedeira
1
Marque: Philips Marca: Philips
Modèle:HR 7672 Modelo: HR 7672 290,00
Aspirateur Aspirador de pó
1
Marque:Philips Marca: Philips
Modèle:T 300 Modelo: T 300 550,00
Anexo - 05/10

308
As Bagagens de Meu Irmão

LISTA DE BAGAGEM POR NAVIO LISTE DE BAGAGE PAR BATEAU


PORTO DE CHEGADA: RIO DE JANEIRO PORT D’ARRIVEE: RIO DE JANEIRO
NOME COMPLETO/ NOM COMPLET: MAURÍCIO LUÍS SENS
PASSAPORTE/ PASSPORT Nº. CC207504
Quantidade/ Descrição dos bens em francês/ Descrição dos bens em português/ Valor estimativo/
Quantité
Description des biens en français. Description des biens en portugais. Valeur estimative
FF
VI - Appareils Electroniques et VI - Aparelhos Eletrônicos e
Eletctriques Elétricos
Friteuse Fritadeira
1
Marque:Philips Marca: Philips
Modèle:HD 4254 Modelo: HD 4254 550,00
Appareil à raclette Aparelho para raclette
1
Marque:Vivalp Marca: Vivalp
Modèle:Sey Lé Modelo:Sei Lá 250,00
Sèche cheveux Secador de Cabelos
1
Marque: Philips Marca: Philips
Modèle:HP 4315 Modelo: HP. 4315 150,00
Amplificateur Amplificador para som
1
Marque:Nikko Marca: Nikko
Modèle:TRM 500 Modelo: TRM 500 600,00
Anexo - 06/10

309
M. A. Sens

LISTA DE BAGAGEM POR NAVIO LISTE DE BAGAGE PAR BATEAU


PORTO DE CHEGADA: RIO DE JANEIRO PORT D’ARRIVEE: RIO DE JANEIRO
NOME COMPLETO/ NOM COMPLET: MAURÍCIO LUÍS SENS
PASSAPORTE/ PASSPORT Nº. CC207504
Quantidade/ Descrição dos bens em francês/ Descrição dos bens em português/ Valor estimativo/
Quantité
Description des biens en français. Description des biens en portugais. Valeur estimative
FF
VI - Appareils Electroniques et VI - Aparelhos Eletrônicos e
Eletctriques Elétricos
Pair d’enceintes - 90W Par de Caixas de Som - 90W
1
Marque:Pioneer Marca: Pioneer
Modèle:S 500 x Modelo: S 500 x 800,00
Pair de mini enceintes Par de Mini caixas de Som
1
MarqueSony Marca: Sony
Modèle: Mini Modelo: Mini 180,00
1 Ralonge eléctrique Qualquer coisa elétrica 50,00
Anexo - 07/10

Declaro para os devidos fins, que os bens constantes da presente relação são de minha propriedade e destinam-se
exclusivamente a meu uso pessoal.

Je déclare, à toutes fins, que les biens énumérés dans cette liste sont de ma propriété et destinés exclusive à man
usage personnel.
Maurício Luíz Sens

310
As Bagagens de Meu Irmão

LISTA DE BAGAGEM POR AVIÃO LISTE DE BAGAGE PAR AVION


NOME COMPLETO/ NOM COMPLET: MAURÍCIO LUÍS SENS
PASSAPORTE/ PASSPORT Nº. CC207504
Quantidade/ Descrição dos bens em francês/ Descrição dos bens em português/ Valor estimativo/
Quantité Valeur estimative
Description des biens en français. Description des biens en portugais.
FF
I - Appareil Electroniques et I - Aparelhos eletrônicos e
Eléctriques elétricos
Réveil de Bureau Despertador
1
Marque: Micronta Marca: Micronta
Modèle: Sey Lé Modelo: Sei Lá 100,00
Auto Radio Rádio de automóvel
1
Marque: Roadstar Marca: Roadstar
Modèle: RC 613 LB Modelo: RC 613 LB 700,00
Platine Laser Disco Laser
1
Marque: Sony Marca: Sony
Modèle: CDP 310 Modelo: CDP 310 2200,00
Ordinateur Computador
1
Marque: Macintosh Marca: Macintosh
Modèle: SE - F 10252RCB03 Modelo: SE - F 10252RCB03 11800,00
Anexo - 08/10

311
M. A. Sens

LISTA DE BAGAGEM POR AVIÃO LISTE DE BAGAGE PAR AVION


NOME COMPLETO/ NOM COMPLET: MAURÍCIO LUÍS SENS
PASSAPORTE/ PASSPORT Nº. CC207504
Quantidade/ Descrição dos bens em francês/ Descrição dos bens em português/ Valor estimativo/
Quantité Valeur estimative
Description des biens en français. Description des biens en portugais.
FF
I - Appareil Electroniques et I - Aparelhos eletrônicos e
Eléctriques elétricos
Table de cuisson vitroceramique Fogão Eletrônico em Vitrocerâmica
1
Marque: Siemens - Germany Marca: Siemens - Alemanha
Modèle: ET 9504/01 - Modelo: ET 9504/01 4200,00
Imprimante Impressora Matricial
1
Marque: Macintosh Marca: Macintosh
Modèle: Image Write LQ-A9M0340Z Modelo: Image Write LQ-A9M0340Z 7000,00
Clavier d’ordinateur Teclado de Computador
1
Marque: Key Tronic Marca: Key Tronic
Modèle: MacPro - 4077777 Modelo: MacPro - 4077777 1200,00
Mini enregistreur Mini gravador Portátil
1
Marque: Sony Marca: Sony
Modèle: M - 750v Modelo: M - 750v 650,00
Clavier Portable Órgão Eletrônico Portátil
1
Marque: Yamaha Marca: Yamaha
Modèle: PSS - 50 Modelo: PSS - 50 300,00
Anexo - 09/10

312
As Bagagens de Meu Irmão

LISTA DE BAGAGEM POR AVIÃO LISTE DE BAGAGE PAR AVION


NOME COMPLETO/ NOM COMPLET: MAURÍCIO LUÍS SENS
PASSAPORTE/ PASSPORT Nº. CC207504
Quantidade/ Descrição dos bens em francês/ Descrição dos bens em português/ Valor estimativo/
Quantité Valeur estimative
Description des biens en français. Description des biens en portugais.
FF
I - Appareil Electroniques et I - Aparelhos eletrônicos e
Eléctriques elétricos
Platine Disque Laser Disco Laser Player
1
Marque: Sony Marca: Sony
Modèle: Sey Lé Modelo: Sei Lá 900,00
Anexo - 10/10

Declaro para os devidos fins, que os bens constantes da presente relação são de minha propriedade e destinam-se
exclusivamente a meu uso pessoal.
Je déclare, à toutes fins, que les biens énumérés dans cette liste sont de ma propriété et destinés exclusive à man
usage personnel.
Maurício Luíz Sens.

Conferi e desembaracei todos os itens desta folha (bagagem por avião), numerei e rubriquei as fls. de nº. 01 a 03.

IRF/AISP 24/12/91
HIROKO KIMURA
AFTN - Matr. 2.418 004-1

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