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Númenos com Presas

30 – Uma Piada Suja

Uma Piada Suja

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Roubei o nome Vauung porque não estava sendo usado, com base em um direito qabalístico
exato.

Ainda assim, pelo menos aqui ’em cima’, Vauung ainda se confunde comigo, com ruínas e trapos.

Isso poderia mudar. Nomes têm poderes e destinos.

Eu decidi deixar Vauung herdar toda a desgraça do meu passado (uma perversa generosidade, na
melhor das hipóteses). Sua estória poderia nunca emergir de outra forma.

Existem linhas podres que mesmo eu consigo seguir de volta por décadas, mas elas logo deixam
de ser interessantes.

Melhor começar mais recentemente (‘melhor’ no sentido de Vauung, logo sem diferença com
‘pior’).

Havia se jurado sem reservas ao mal e à insanidade. Sua ferramenta de escolha, naquela época, a
sagrada substância da anfetamina, sobre a qual muito pode ser dito, mas, em sua maior parte,
em outro lugar.

Depois de talvez um ano de abuso fanático, era, por qualquer padrão razoável, profundamente
insana.

Alguns exemplos podem bastar, em nenhuma ordem particular.

Em uma ocasião – indicativa até para si mesma – estava em um carro sendo levada pela irmã da
sua coisa (a ruína). Era noite, em uma autoestrada. A viagem levou várias horas.
Durante a noite anterior, Véspera de Natal, havia seguido seu curso usual até uma insônia
artificial fanaticamente prolongada. Gastara o tempo devotada às fúteis práticas ‘de escrita’ –
ainda fingia estar ‘chegando a algum lugar’ e flutuava com propósito ardente, mas essa é uma
outra estória (uma que é intoleravelmente intricada e sem sentido). Foi acompanhada até as
primeiras horas por um refrão repetitiva ‘do vizinho’ – uma canção de rock medíocre, mas
plausível, cuja letra insistente circulava as palavras: “Indo pro inferno”.
Sabia que essas palavras eram para si e ria de maneira idiota. “Eles realmente devem amar o
novo CD que ganharam de Natal”, pensou, de maneira igualmente idiota.

No carro, ouviu o rádio durante toda a viagem. Cada canção era diferente, os gêneros variavam,
a qualidade aparentemente acima da média, os temas tendendo ao mórbido.

“Essa é uma estação de rádio legal”, disse para sua irmã.

“O rádio não está ligado”, sua irmã respondeu, preocupada.

Vauung descobriu que o inconsciente da ruína continha toda uma indústria pop.
A ruína descobriu que havia chegado, em algum lugar da autoestrada.

Nada mais foi dito sobre isso. Por que perturbar sua família?

A ruína sempre abusara das mulheres, no sentido kantiano. Usava-as como meios para um fim, e
o fim era a ruína da alma.

Em uma ocasião, eles estavam chapados de LSD em um parque de diversões, em algum tipo de
máquina de girar. O operador bradou: “Vocês vão todos morrer”. Mais tarde, de volta em casa,
eles mergulhares mais fundo no abuso de polidrogas. Tomado por uma obscura inspiração
xamânica, a ruína disse: “Abracemos a morte, a Mãe Sombria”. Sentados no sofá juntos,
submeteu-se a uma autoridade ritual alienígena. Era tudo muito implícito. Um dedo sustentado
em um lado de sua cara-a-caras. “Primeiro você colapsa tudo sobre a tela.” O dedo atravessa o
campo visual. “Então você faz a tela desaparecer”. Funcionou, de verdade. O mundo se retirou e
deixou a paisagem da morte, ou do inferno, ou do ciberespaço. Corações cambaleando em pânico
mamífero – animais não gostam de estar mortos, não importa o quão doentes suas mentes
possam estar. Ela não poderia negar o que acontecera, mas odiava. Esse foi o começo do fim,
embora ela tenha acompanhado muito, muito mais.

Viciada na morte, a ruína buscava novas vítimas. Sim, vampiros são reais, por mais lamentáveis
que sejam.

Peneirando a ruína, Vauung encontra um padrão de mulheres e LSD ligado com coisas que
realmente aconteceram.

A ruína encontrou os loa com uma mulher, alimentando-se de seu medo. Talvez o diferencial de
terror a tivesse encorajado. Talvez seu sadismo e sua compaixão hipócrita tenham esmagado seu
instinto de fuga. Em todo caso, ela revelou o poder dos nomes, como ‘chamados’, e entidades do
Exterior do ‘tamanho’ de blocos de concreto se aproximando, vindas do outro lado do espaço. A
morte era o lugar da ruína nesse momento, inequivocamente desejável, e ela queria também –
embora a aterrorizasse. Ainda assim, a ruína fodeu tudo de alguma forma (nenhuma surpresa
para Vauung).

Em uma outra ocasião, presa fresca, disse “vamos explorar a morte juntos”, ou algo igualmente
repugnante.

Ela disse: “Por que você não consegue fazer isso sozinho?”

Perguntou-se sobre isso.


Ela foi tratada pior do que todas (ou talvez ‘melhor’).

Muito mais tarde, depois de um éon de velocidade e revelação no carro de sua irmã, a ruína está
presa em uma trajetória solitária. ‘Trabalha’ a noite toda em seu escritório, emaranhada em
pesquisas qabalísticas bizantinas. Pensa que sua trilobita de computador (uma máquina de
processamento de textos dedicada) é uma revelação semiótica do abismo. Chamando um ser
denominado Can Sah, é recompensada com uma voz alienígena. O tom é absurdamente alto
(demonistas antigos descreviam este tom como ‘prateado’). A ruína estivera buscando um
monstro (Vauung), mas a voz meramente a castiga por sua esqualidez moral – “você é tão
horrível” pode ter sido a primeira mensagem (as fitas estão corroídas). Toda a feiura no universo
já estava impactada nesse novo regime. Feiura real: Deus, culpa, o Homem e a lei da aceitação.

Levou um longo tempo – muitos meses, pelo menos – para que a paixão definidora da ruína se
reduzisse a um ódio ardente.

Eventualmente as vozes – que pareciam ter se multiplicado – a estupraram. Elas o fizeram de


maneira física, através de truques, ao longo do curso de uma noite insuportavelmente
prolongada de imundice e miséria (os detalhes são revoltantes demais para relatar). A ruína
podia falar consigo mesma agora, audivelmente, mas em sua própria cabeça. Renunciou a tudo
que jamais quisera, rebatizou as vozes como ‘Smurfs’ e se desintegrou em niilismo depressivo.
Ser estuprado por um monstro? Quem sabe. Ser estuprado por moralistas celestiais… (Vauung ri).

A ruína rasteja adiante, indo a lugar nenhum. Vivera através de algum múltiplo extraordinário
de toda inteligência que jamais conhecerá, naquela interzona abjeta, virada em algum espeto
infernal, incendiada por auto-desgosto, mas ainda assim abençoada por luxos paródicos da gnose
(códigos, padrões numéricos, mensagens do Exterior, cronogramas neocalêndricos,
mapeamentos Amxna, construções qwernômicas…). Implorou para que chamas eternas
incinerassem seus pecados. Não havia profundidade de auto-humilhação repugnante que não
tenha sondado. Isso era náusea espiritual dilatada às dimensões de uma religião. Se romantizas a
vileza, prometo, mentes. Tantas abundâncias inimaginadas de sigilo cósmico e tanta merda.

Enquanto Vauung investiga forensicamente as relíquias, imagino que ele estremece. Ele o faz, em
verdade? – muito repousa sobre isso.

Isso já foi por tempo demais, mas isso – é fato.

Vauung parece pensar que existem lições a serem aprendidas dessa bagunça desprezível. Ele
descreve um labirinto que não é nada além de um corredor intricado de espelhos, lhe perdendo
em um ‘inconsciente’ que é magnífico para além da compreensão e, ainda assim, indistinguível
de uma armadilha elaborada. Se isso é o Carma, não é apenas dor (quem teme isso?), mas uma
constrição ruinosa e uma futilidade pré-programada. Queimar é uma coisa. Rastejar e implorar
para ser queimado é outra bem diferente. A religião aqui é meramente a oportunidade de se
odiar indefinidamente.

Em algum lugar ao longo da linha, a ruína perdeu a força moral para o abuso sexual. Para
continuar com isso, teria que ser uma lésbica, pelo menos.

Visto deste lado, Vauung é a aposta de que a ruína carecia de astúcia. Deixa uma questão de
método. Não exatamente urgente, mas obscuramente premente.
cyborg_nomade

reaching out to embrace the random

 October 13, 2017


Capítulos

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