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Leitura complementar: "Acidentes Aéreos”

Como verá abaixo, existem vários casos que ilustram a falha de


segurança operacional intimamente ligada a questões tecnológicas,
dentre os quais nós destacamos os acidentes que aconteceram em 1954
com as aeronaves Comet.

Saiba um pouco mais....


Os acidentes de 1954 do COMET

O HAVILAND DH 106 COMET foi o primeiro avião a jato comercial do mundo. O tipo
foi projetado e construído na Grã-Bretanha, e obteve mais de 50 encomendas.

Figura 1 - Aeronave DH-106 COMET G-ALYP, no primeiro plano


(Fonte: https://www.thisdayinaviation.com/10-january-1954/)

Em 10 de janeiro de 1954, o COMET G-ALYP, que fazia o voo 781 da BOAC (British
Overseas Airways Corporation), sofreu um evento catastrófico na última etapa do
voo entre Singapura e Londres. O acidente aconteceu aproximadamente vinte
minutos após a aeronave decolar de Roma com destino a Londres, enquanto estava
subindo para a altitude de cruzeiro. Quando o comandante do voo 781 realizava
comunicações com outra aeronave, a transmissão foi interrompida abruptamente.
O COMET se desintegrou em voo e todos os 35 ocupantes da aeronave morreram.
Os destroços da aeronave caíram no mar, perto da ilha de Elba. A BOAC decidiu
voluntariamente manter a sua frota de COMETS no chão até obter os resultados da
investigação do acidente.

A Marinha Real Britânica trabalhou para recuperar os destroços do G-ALYP,


conseguindo recolher uma fração significativa da aeronave (70% do airframe, 80%
do sistema de propulsão e 50% dos demais sistemas da aeronave). Ao mesmo
tempo em que a força naval trabalhava para recuperar os destroços e a
reconstrução da aeronave estava sendo feita para fins de investigação, o comitê de
investigação do acidente já entregava a sua análise, sem chegar a conclusões
definitivas. Devido a pressões ligadas ao caráter inovador da aeronave e ao
prestígio da indústria aeronáutica britânica, foi decidido que as aeronaves COMET
retornariam ao serviço.
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Alguns meses depois do acidente com o G-ALYP, em 8 de abril de 1954, um novo


acidente aconteceu com um voo realizado por outro avião do mesmo tipo. A
aeronave G-ALYY estava fazendo uma etapa de Roma até Cairo quando caiu no Mar
Mediterrâneo, perto de Nápoles. Todos os 21 ocupantes faleceram. A frota de
COMETS foi novamente colocada fora de serviço, inclusive com a revogação do
Certificado de Tipo e paralisação da produção, e uma investigação de âmbito maior
foi iniciada.

A comissão de investigação partiu da ideia de que a fadiga do alumínio da


fuselagem poderia estar relacionada com os dois acidentes. Após uma minuciosa
investigação, incluindo testes com uma aeronave em um tanque hidráulico de
pressurização, foram descobertos problemas de concentrações de tensões nos
cantos vivos das janelas retangulares da aeronave, e também problemas com a
técnica de rebitagem que favorecia os problemas de fadiga, contribuindo para o
surgimento de trincas. A aeronave ensaiada no tanque hidráulico falhou
catastroficamente, com cortes do revestimento da fuselagem se originando nas
janelas, portas e outros pontos de concentração de tensão. As análises mostraram
que os acidentes foram causados por falhas da fuselagem resultantes de trincas por
fadiga do material, que levaram a descompressão explosiva da fuselagem e
desintegração das aeronaves em voo.

Os acidentes com os COMETS trouxeram uma lição importante em termos de


projeto de aeronaves. A concentração de tensões é um fenômeno que surge em
cantos vivos das estruturas e que favorece a fadiga. As lições aprendidas com estes
acidentes trouxeram ganhos em segurança que foram observados na família Comet
e também nas aeronaves concorrentes contemporâneas.

Mais detalhes sobre o assunto estão disponíveis em:

http://jimcofer.com/2007/06/22/how-a-comet-destroyed-an-entire-industry/

https://en.wikipedia.org/wiki/De_Havilland_Comet

https://www.baaa-acro.com/sites/default/files/import/uploads/2017/04/G-
ALYP.pdf
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Um dos acidentes mais notáveis da aviação teve grande


participação dos aspectos humanos nos fatores contribuintes. Trata-se
da catástrofe de Tenerife, na qual 561 vidas foram ceifadas, e que iremos
ler a respeito a seguir.

Saiba um pouco mais...


O desastre aéreo de Tenerife

Este é o maior desastre aéreo até os dias de hoje, onde 583 pessoas perderam a
vida. No dia 27 de março de 1977, dois Boeings 747 colidiram entre si na pista do
aeroporto de Los Rodeos, na ilha de Tenerife, no Arquipélago das Canárias.

O acidente aconteceu em condições muito complexas. No dia do acidente, o voo


1736 da Pan Am decolou de Nova Iorque com destino a Las Palmas, no Arquipélago
das Canárias. O voo 4805 da KLM decolou de Amsterdam também para Las Palmas.
Enquanto os dois aviões estavam voando em direção ao aeroporto de Las Palmas,
um atentado terrorista aconteceu no terminal de passageiros deste aeroporto, com
a explosão de uma bomba. Havia a suspeita de outra bomba no local, e o aeroporto
foi fechado.

Com isso, vários voos que tinham como destino o aeroporto de Las Palmas foram
desviados para o aeroporto de Los Rodeos. Dentre eles, estavam os voos Pan Am
1736 e KLM 4805. Los Rodeos não tinha capacidade para receber adequadamente
tantos voos, ainda mais de aeronaves do porte do Boeing 747. Com o pátio do
aeroporto congestionado, os Boeings 747 foram estacionados na área de espera da
pista 12, próximos à entrada da pista, mas em lado oposto à cabeceira para início
da corrida de decolagem. Outras aeronaves ficaram estacionadas nas pistas de taxi.

Quando o aeroporto de Las Palmas foi reaberto, as aeronaves desviadas para Los
Rodeos começaram a se preparar para partir em direção a seu destino programado.
O KLM 4805 recebeu a liberação para deslocar-se em direção à cabeceira da pista
antes do avião da Pan Am. Ele deveria taxiar ao longo de toda a pista de pouso e
decolagem do aeroporto (pista 30) até a cabeceira oposta, fazer meia-volta e
preparar-se para a decolagem.

Enquanto o KLM 4805 estava se deslocando em direção à cabeceira oposta, a torre


autorizou o Pan Am 1736 a deslocar-se também na mesma direção, porém ele
deveria deixar a pista de decolagem na terceira pista de táxi e continuar seu
deslocamento na pista de táxi paralela. Com isso, a pista ficaria liberada para a
decolagem do KLM. Porém, o comandante da Pan Am 1736 não entendeu
claramente o que a torre informou, ficando em dúvida se deveria entrar na primeira
ou na terceira pista de táxi.

Durante estes deslocamentos, o clima no aeroporto sofreu uma deterioração e a


visibilidade ficou bastante comprometida. Enquanto o Pan Am 1736 ainda taxiava
na pista de pouso e decolagem, o KLM 7805 entendeu que estava autorizado a
decolar. O avião iniciou a sua corrida de decolagem. Quando a tripulação do Pan
Am 1736 viu as luzes do KLM vindo em sua direção, aplicaram potência máxima nos
motores e tentaram um desvio à esquerda. O KLM 7805, ao avistar na pista a
aeronave da Pan Am, iniciou a rotação prematuramente, tentando decolar ao ver
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que não tinha espaço para frenagem. Mesmo tendo conseguido alguma altura, a
colisão foi inevitável e as aeronaves foram destruídas e consumidas pelo fogo.

Figura 2 - Acidente de Tenerife


(Fonte: https://www.telegraph.co.uk/travel/comment/tenerife-airport-disaster/)

As investigações do acidente constataram que fatores humanos foram os fatores


contribuintes preponderantes para o desastre. Foi apontado que houve falha de
comunicação entre os pilotos e a torre, problemas de relacionamento entre os
pilotos do KLM 7805, problemas na pronúncia de palavras em inglês por parte dos
controladores e cansaço dos pilotos. Como consequências da investigação e das
lições aprendidas, destaca-se atualmente a padronização da fraseologia utilizada
nas comunicações e uma ênfase no uso da Língua Inglesa como língua de trabalho
na aviação. Ainda, a mudança dos procedimentos de cabine, em que o fator
hierarquia se tornou menos relevante nas tomadas de decisão.

Mais detalhes sobre o assunto estão disponíveis em:

https://en.wikipedia.org/wiki/Tenerife_airport_disaster

https://www.telegraph.co.uk/travel/comment/tenerife-airport-disaster/

https://www.linkedin.com/pulse/brief-history-human-factors-aviation-rahul-
monga
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Porém, falhas de segurança operacional não deixaram de ocorrer,


mesmo dentro desta nova visão da segurança operacional. Um acidente
em que os fatores organizacionais foram destacados como fatores
contribuintes é o do AF-447, que veremos a seguir.

Saiba um pouco mais... O acidente do AF 447

A aeronave A330-200, com matrícula francesa F-GZCP, decolou do Aeroporto


Internacional do Galeão (Rio de Janeiro - Brasil) em 31 de maio de 2009, às
22h29min (GMT), com destino ao Aeroporto Charles de Gaulle (Paris - França),
levando 216 passageiros e 12 tripulantes, dos quais dois copilotos e um
comandante.

Para chegar a Paris, o voo AF-447 deveria atravessar a Zona de Convergência


Intertropical, que se caracteriza por fenômenos meteorológicos tempestuosos
como turbulências e precipitações, e que se situa além da costa brasileira, ao norte.

Ao voar em condições de tempestade, os três tubos de Pitot experimentaram um


congelamento que causou problemas de indicação de velocidade. A inconsistência
entre as velocidades medidas pelas sondas Pitot resultou na desconexão do piloto
automático da aeronave, e os eventos que se seguiram resultaram em uma
ocorrência catastrófica. Às 2h14min (GMT), a aeronave colidiu com o oceano
Atlântico, resultando na morte dos seus 228 ocupantes.

Figura 3 - Recuperação dos destroços do AF 447 no oceano Atlântico


(Fonte: https://www.nytimes.com/2011/05/28/world/europe/28flight.html)

A investigação do acidente determinou a sequência de eventos após o


congelamento presumível das sondas Pitot: (1) houve atuação inapropriada sobre
os controles da aeronave, desestabilizando a trajetória de voo; (2) foi detectado
que a tripulação não conseguiu estabelecer uma ligação entre a perda das
informações de velocidade indicada e o procedimento previsto; (3) o PNF (Pilot
Flying) identificou tardiamente o desvio da trajetória de voo e a correção
insuficiente comandada pelo PF (Pilot Flying); e (4) a tripulação falhou em
identificar a situação de estol e, consequentemente, não tentar comandar uma
recuperação da aeronave.
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O acidente do voo AF-447 envolveu fatores técnicos, como as limitações


tecnológicas das sondas Pitot, e fatores humanos, como o desempenho dos pilotos
no âmbito da automação da aeronave e a comunicação deficiente entre os
membros da tripulação técnica. Porém, os fatores organizacionais também tiveram
sua importância. Assim, no ponto de vista dos fatores organizacionais, o BEA
(Bureau d’Enquêtes et d’Analyses pour la securité de l’aviation civil, da França)
identificou alguns pontos de aprimoramento relativos à formação e ao treinamento
das tripulações técnicas.

O BEA detectou que o treinamento não estava dando aos pilotos a capacidade
necessária à identificação do modo de controle de voo da aeronave, o que tem
impactos sobre o nível de proteção que o sistema de controle da aeronave está
oferecendo, e também sobre o nível de supervisão que a tripulação técnica precisa
manter sobre os parâmetros de voo e a trajetória da aeronave.

O BEA também identificou que o desempenho da tripulação técnica foi deficiente


após a desconexão do piloto automático. Com indicações não confiáveis de
velocidade, uma compreensão maior da mecânica do voo e do desempenho da
aeronave em altas altitudes poderia ter auxiliado os pilotos a compreender a
situação na qual a aeronave se encontrava.

Outro aspecto que o BEA apontou que poderia ser mitigado em treinamento é o
desenvolvimento das capacidades de reação a situações de imprevistos e de
surpresa, no âmbito do gerenciamento dos recursos da tripulação (CRM). Tais
situações podem resultar em aumento significativo e rápido da carga de trabalho
da tripulação técnica, com decorrente degradação da qualidade das comunicações
e da coordenação entre os pilotos.

Os treinamentos em simuladores também foram objeto de recomendação do BEA.


Além de aprimoramentos técnicos, visando uma melhor representação da
realidade, recomendou-se a introdução de cenários com situações de surpresa e
com alta carga emocional para dar à tripulação técnica uma capacidade mais
adequada para a recuperação da aeronave em tais situações.

Acesse os links abaixo e conheça mais detalhes sobre o assunto:

https://www.bea.aero/enquetes/vol.af.447/note05juillet2012.br.pdf

https://www.bea.aero/fileadmin/documents/docspa/2009/f-cp090601/pdf/f-
cp090601.pdf

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