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ENGORDECER

AFETOS
DANÇADOS

GAIA COLZANI

1ª Edição
Recife & Florianópis,
Dezembro de 2022
SUMÁRIO

PREFÁCIO 13 M.O.P.P – MANUSEIO OPERACIONAL


Aline Dias dos Santos (TOLEGÍ) DE PRODUTOS PERIGOSOS
DE BRU PUNTEL 57
O QUE ATRAVESSA MINHAS
GORDURAS 23 CORPOREIDADES DE PESO 66

QUERO PODER SER FRÁGIL 33 RACIALIZAR A LUTA


ANTIGORDOFOBIA É URGENTE:
QUERO QUE VOCÊ OLHE 38 PARA GORDAS BRANCAS LEREM 77

ENGORDECENDO SABERES POSFÁCIO 123


E AFETOS 45 por Jussara Belchior

POTENCIALIZAR GORDURAS SOBRE A AUTORA 139


EM COLETIVO E CAMADAS 47

SOB MEDIDA 50
COMO LIMITAÇÕES PODEM SE TORNARO QUE QUISER E COMO QUISEREM DO CORPO
POSSIBILIDADES? QUAIS A S MANEIR A SGORDO? ATÉ QUE PONTO VOCÊ ACHA QUE A S
ESTR ATÉGICA S QUE PODERÍAMOS PENSARPESSOA S CONSIDER AM O CORPO GORDO COMO
PAR A FA Z ER COM QUE O CORPO GORDOUM CORPO PÚBLICO? COMO TR A Z ER UM CORPO
TENHA MAIS ESPAÇO NA S ARTES DE PALCO?DIFERENTE PAR A DENTRO DE UM AMBIENTE
VOCÊ CONHECE MUITOS ARTISTA S GORDOS ,SEGURO, ONDE ELE SE SINTA À VONTADE PAR A
GORDES? VOCÊ CONHECE COMICIDADE NEGR A?SER O QUE É E FA Z ER O QUE QUER? VOCÊ
COMO CRIAR UMA METODOLOGIA GORDA EAPRECIA A SUA GORDUR A? O QUE O ATRITO
INCLUSIVA? COMO ACOLHER UM CORPO DEDOS NOSSOS CORPOS PODE CAUSAR? VOCÊ JÁ
UMA CRIANÇA GORDA? VOCÊ APOIA O QUESE VIU TENDO UM CORPO DOENTE? QUANTOS
SUA AMIGA GORDA FA Z ? VOCÊ JÁ QUIS ,PROCEDIMENTOS E COISA S VOCÊ JÁ CONSUMIU
JÁ TEVE VONTADE DE FA Z ER BARIÁTRICA?PAR A QUE SEU CORPO SE APROXIMA SSE DO
MOVIMENTAR-SE É SINÔNIMO DE SAÚDE?PADR ÃO? VOCÊ TEM CONVÊNIO MÉDICO? SER Á
A DANÇA , EL A TEM QUE SE ADAPTAR OU OQUE A S PESSOA S RIEM DA NOSSA POTÊNCIA
CORPO TEM QUE SE ADAPTAR? É PRECISO SECÔMICA OU DO NOSSO CORPO? SER Á QUE
ADAPTAR OU A GENTE PODE CRIAR UMA COISASE FOSSE UMA PESSOA MAGR A FA Z ENDO O
TOTALMENTE NOVA?QUE A GENTE FA Z , TERIA A MESMA POTÊNCIA
QUANTA S VEZ ES DUVIDAR AM DA S SUA SCÔMICA? VOCÊ SE IMAGINA COLOCANDO O
HABILIDADES PROFISSIONAIS? O QUE É PODESEU CORPO EXPOSTO PAR A O RISO? O QUE
UM CORPO GORDO? QUANTA S VEZ ES VOCÊ JÁQUE VOCÊ SENTE QUANDO VOCÊ VAI PA SSAR
SE QUESTIONOU SOBRE O TERRITÓRIO EM QUENA CATR ACA DO ÔNIBUS? COMO LIMITAÇÕES
HABITA? EXISTE A DANÇA DOS GORDOS E APODEM SE TORNAR POSSIBILIDADES? QUAIS A S
DANÇA DOS MAGROS? QUANTA S VEZ ES VOCÊMANEIR A S ESTR ATÉGICA S QUE PODERÍAMOS
SOFREU A SSÉDIO SEXUAL , COISIFICAÇÃO EPENSAR PAR A FA Z ER COM QUE O CORPO
HIPERSEXUALIZ AÇÃO DO SEU CORPO? ONDEGORDO TENHA MAIS ESPAÇO NA S ARTES DE
EU POSSO DANÇAR COM SEGUR ANÇA? PORPALCO? VOCÊ CONHECE MUITOS ARTISTA S
QUE A S PESSOA S ACHAM QUE PODEM FAL ARGORDOS , GORDES? O QUE É PODE UM CORPO
Esse livro discutirá sobre gordoativismo, gordofobia, branqui-
tude e suas relações com nas artes da cena. A escrita preten-
de deixar nítida as diferenças dentre gordofobia e pressão
estética, body positive e gordoativismo, tendo em vista que,
no geral, esses são conceitos que geram confusões na socie-
dade interessada. Para além desse momento, debaterá a pro-
blemática da dominância da branquitude dentro de espaços
de debate sobre questões estruturantes que envolvem corpes
gordes, que foi responsável pelo apagamento de pessoas ne-
gras gordas no movimento. É urgente que o movimento se
repense para que possamos avançar contra um sistema que
impõe a magreza a todes e que, portanto, é responsável pela
morte, doenças físicas e psicológicas de pessoas gordas, se-
jam crianças, jovens ou adultas. Um caminho possível en-
contrado, para apresentar o debate e instigar reflexões, foi
o das artes da cena. A comunicação através da arte se mos-
tra potente, e é importante registrar que pensar na luta anti-
gordofobia só foi possível na convivência com outras pessoas
gordas nos ambientes cênicos, como o teatro, dança e perfor-
mance. As artes da cena são responsáveis por transmutar
pensamentos, ações, relações, rachando estruturas e escre-
vendo novas narrativas.
PREFÁCIO
Aline Dias dos Santos
(Tolegí)

Diversos grupos, sobretudo indígenas e negros, vêm sinalizando


a necessidade de gestar um mundo novo que esteja conectado
com diversas visões de mundos e que reconheça suas contri-
buições para a construção do bem-viver, um conceito filosófi-
co que une diferentes experiências comunitárias. O bem viver
é sobre ser, não ter.
Movimentar-se em direção a esse modelo de sociedade signifi-
ca movimentar estruturas históricas geradoras de violências,
buscando romper com bases pedagógicas fundadas pela vio-
lência patriarcal, racista e capitalista, sustentadas pelo que
hoje intelectuais descrevem como colonialidade. Independen-
te de qual seja o projeto, as reflexões em torno de mudanças
no mundo se materializam quando territorializadas no corpo,
que é sujeito e objeto histórico no qual estão inscritas as mar-
cas da cultura – e essas marcas produzem lutas.
O enfrentamento da gordofobia – modelo pedagógico preconcei-
tuoso e fortemente arraigado em estruturas complexas como
o capitalismo, o patriarcado e a branquitude – é necessário Fruto de uma pesquisa acadêmica autoetnográfica, Gaia insere
para que se supere um sistema que nega direitos básicos a uma série de espetáculos de imagens gordas na ordem do dis-
pessoas gordas, que as inferioriza e as desumaniza. Se por um curso que tenta interditar a gordura, e estas imagens falam,
lado esse contexto nos permite olhar para a história e enten- gritam, sussurram pedagogias de resistência sobre formas
der que cada sociedade em seu tempo histórico elege, através gordas de existir – independente dos padrões regulatórios que
das relações de poder, determinadas características do corpo historicamente vêm decidindo quais corpos podem existir,
a serem valorizadas, por outro, exige de todos nós uma refle- quais serão apenas ignorados, e quais corpos serão punidos
xão mais apurada, responsável e por que não, acadêmica sobre por sua existência insurgente, insubmissa, esparramada, en-
as exigências do presente. gordurada e espaçosa.
Brancura em excesso, magreza em excesso como modelos obri- A autora nos faz olhar para as banhas e falar sobre elas, evidencian-
gatórios de existência são exigências contemporâneas em do a estreita relação entre a pesquisa e a vida – a sua vida, a minha
Santa Catarina, berçário da branquitude nacional. É nesse ce- vida, a vida de uma multidão que é desvalorizada, sobretudo as
nário que se desenha a emergência em desenvolver reflexões experiências vividas por mulheres gordas – evidenciando for-
a partir de corpos gordos para burlar, desencaixar, romper, mas que reconhecem a potência de corpos gordos. Com isso, nos
destoar, dobrar e amassar os parâmetros contemporâneos de presenteia com práticas que ampliam os conceitos de corpos que
normalidade. dançam, inserindo novas medidas nos meios artísticos. Uma prá-
A dança, como uma expressão que está e é do mundo, não pode ser tica ancorada na liberdade em dizer SIM ao corpo grande e com
tão diferente de nada que exista no mesmo, é território perfeito dobras. Uma prática que busca construir estratégias de fuga e de
para ser o útero responsável por gestar as reflexões e parir as guerra para criar, dançar e atuar. Uma prática em que o afeto é
práticas necessárias, afirmando outros olhares e possibilidades reconhecido como tecnologia de fortalecimento.
de viver esses corpos gordos. E é justamente essa vivência que É nesse contexto que se insere esse livro. Um contexto de travessia
Taynara Colzani, Gaia, nos revela, com maestria, nos presente- epistemológica, no qual as ideias caminham muito além de re-
ando com “Engordecer afetos dançados”. Uma escrita pensada flexões sobre o corpo gordo e denúncias de gordofobia. As linhas
a partir de experiências cênicas geradas num espaço coletivo de que vão se formando no livro desenham, a partir da experiência
pensamento, e que vem trazendo uma estrutura argumentativa questionadora das atrizes, metodologias importantes para
que atua muito bem na ordem prática da vida. atingir o bem viver.
A linguagem utilizada por Gaia não narra apenas acontecimen- possam sair do reflexo colonial e fazer de seu desejo de ser, o
tos e sujeitos, ela os constitui nas relações entre saber-poder e reflexo real no mundo.
verdade, possibilitando a divulgação do corpo gordo como re- O livro nasce em excelente hora: é o momento de sair da inércia
sistência à exclusão: num momento em que corpos gordos cul- e preparar o caminho, unindo afetividade aos processos inte-
turalmente não representam mais um excesso, mas sim uma lectuais numa narrativa gordo-futurista. É admirável discu-
desordem. As reflexões fluem trazendo conflitos gerados pela tirmos cada vez mais o futuro, não somente porque estaremos
gordofobia, e também pelos movimentos de combate a essa nele, mas porque somos responsáveis pelas transformações
violência. Reivindicando a importância das discussões raciais que desejamos e pelos encantamentos que realizamos em so-
no interior desses grupos, pois sendo uma das lutas que emer- ciedade. Não faço ideia de como você está quando chegou ao en-
ge a partir das marcas culturais do corpo território, a luta con- contro deste livro, quais são suas aflições e anseios. Mas sei que
tra a gordofobia deve ser gerada através de bases antirracistas. muitas pessoas encontrarão nestas páginas tanto voz, quanto
Isso porque, apesar de sermos um país considerado muito escuta. Outras terão, agora, uma oportunidade transforma-
heterogêneo e diverso, carregamos o arquétipo europeu, que dora, quer pela empatia, quer pela representatividade, de em-
violentamente molda nossos costumes e atitudes. Sobretudo preender esta jornada pela epistemologia gorda, e que se revela
em se tratando da arte, temos padrões como artistas – em sua potente e presente na interpretação histórica das narrativas de
maioria – brancas e magras. O meu encontro com as produ- seu tempo.
ções gordo referenciadas do SOB Medida e M.O.P.P - Manu- Eu desejo um futuro construído a partir de uma educação com
seio Operacional de Produtos Perigosos está cercado de afeti- base antirracista, onde pessoas de todos os tamanhos contribu-
vidades, gestadas nos entrelaçamentos feitos durante alguns am filosoficamente, esteticamente e afetivamente nesta feitura.
ensaios em que fui convidada a assistir, e nas apresentações, A alegria em prefaciar esta obra se dá pela reunião de pessoas
onde tomava corpo as diversas partes engorduradas das atri- que aqui estão se auto inscrevendo na história, demonstrando
zes e dos públicos. a urgência de caminharmos rumo ao bem-viver, estudando in-
Nessa rede, eu reconstruí parte da minha imagem quebrada pelo gredientes para encantar a sociedade, causando pequenas revo-
espelho da colonialidade, devolvendo a potência do meu corpo luções e reafirmando as artes como espaços de luta.
negro, gordo, disforme na construção de imaginários que me A mesa está farta de saberes compartilhados, por isso, saboreie
permitam ser e estar inteira, e querendo que outres também o processo de leitura, permita que o afeto que emana do texto
te atinja, deixe fluir as emoções e converse com elas. Entendo
os textos a seguir como uma oportunidade, pois contribuem
de maneira rizomática em diferentes áreas de estudos, colo-
cando os corpos gordos como metodologia de ensino para um
novo sistema-mundo, que anarquicamente contraria os mo-
delos que cedem a uma única vontade.
ENGORDECER

Palavra criada por mim, Taynara ou Gaia.


Tanto faz
Ação
Ato de engordecer;
Significa: tornar gorde tudo aquilo que não é
Engordecer debates;
Engordecer a dança;
Engordecer espaços;
Engordecer pensamentos;
Engordecer a arte;
Engordecer.
O QUE ATRAVESSA MINHAS
GORDURAS

Tive um sonho há poucos dias e nesse sonho o Coletivo MANA-


DA estava em cena. Eu queria falar sobre ser gorda em coleti-
vo e, como eu sinto que só posso ser gorda em coletivo gorde1,
queria falar como ainda sou frágil para poder ser e simples-
mente ser, sozinha. A cena começava com Jussara Belchior2
sozinha no palco. Ela se movia lentamente, como se procuras-
se por algo e as luzes ao redor não a deixassem enxergar. Em
seguida, ela ia para o escuro e movimentava o corpo um pouco
mais rápido, como se só pudesse se movimentar com rapidez,
1 Gorde, gorda, gordo. Corpe, corpa, corpo. Não adotaremos um úni-
co termo, ou uma linguagem padrão neste livro, utilizaremos todos
esses, buscando uma linguagem plural e diversa.
2 Jussara Belchior é bailarina com Bacharel em Comunicação das
Artes do Corpo - Habilitação Dança - pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (2007), mestra em Teatro e doutora em Artes
Cênicas pelo programa PPGAC-UDESC com pesquisa sobre Poética
Gorda e Gordo Ativismo.

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escondida de todes. A luz, no sonho, ia oscilando. Aumentava e Em outro momento do sonho, eu sou a Jussara e ela não está mais
diminuía, aumentava e diminuía e isso mudava o ritmo do cor- ali. Estou sozinha. Grito no silêncio e imagino minhas falas
po de Jussara. O rosto dela, para mim, parecia uma mistura de enquanto o sonho continua acontecendo. Me sinto sozinha e
vergonha e prazer. não quero, embora sinta ser importante para mim estar, mas
ainda não quero. Essa parte do sonho é agoniante e fico agi-
SONHOS GORDUROSOS tada, querendo acordar, mas ainda não é a hora e eu preciso
entender o que quero com esse sonho.
No meio do palco, uma luz forte
que cega os olhos da atriz
GAIA
A luz tem formato redondo e é amarelada
Apagando um pouco a cor do próprio corpo
Não quero estar sozinha aqui
O corpo ali presente é grande, gordo
Não quero ser só eu aqui agora
visível a olhos nus
O corpo que senta no chão
Jussara se movimenta com delicadeza
é o mesmo que pede para não ser acordado
Experimentando cada parte do seu corpo
o corpo permanece parado por minutos
Mas sem fazer muitos movimentos longos
olhando a luz que ainda cega e machuca o olho
Movimentos que não chamam atenção
sentada no chão, com os joelhos em 90º
Conforme a luz vai diminuindo
e os cotovelos apoiados no joelho
O movimento aumenta e ela pode
a barriga que é grande
Se experimentar mais, se sentir mais
cria um formato no meio do corpo
Cada parte do corpo pode ser sentida
Pode ser apalpada, pode ser questionada Pensando sobre o sonho, lembro de uma vídeo-performance que
O corpo é grande e tem dobras recebemos na XØKE3: Mostra de Arte de Guerra Independen-
Cada parte é importante de sentir
3 A XØKE é uma mostra de performance que aconteceu do ano
de 2015 a 2019 em Florianópolis. Estive presente no evento em três de
suas edições, como produtora cultural. Site Instagram disponível em:

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te (2018), em que um homem preto e gordo, fica sentado nessa Por estar deitado
Por estar parado
mesma posição que descrevo ao final do texto acima, com a câ-
mera ligada no site Chatroullete. Para quem não sabe, esse é Barulhos de movimentos acontecem no escuro
um site de relacionamento, seja ele relacionamento romântico No canto da sala, onde nada se enxerga
ou só amizade, para conhecer, trocar uma ideia. São duas jane- Apenas se escuta
las, uma com a sua imagem e outra com a imagem do desconhe- Em segundos, corpes gordes
cido. Caso a pessoa chegue na conversa e ela não se interesse, Começam a correr pela sala
Todes estão nus e percebo
ela pode sair e partir para outra conversa. Sem compromisso. Que ali estão as irmãs do MANADA
O que acontece nessa conversa específica é que as pessoas que
chegam para trocar com o autor da vídeo-performance se O impulso é de levantar e correr junto
sentem no direito de humilhar aquele corpe que está ali, sim- correr juntas por minutos
plesmente parado. Alguns falam que não querem ofender, mas es corpes param e se olham com carinho
ofendem sem dó. Riem, machucam com palavras, demons- Carinho esse que há meses não recebem
Carinho esse que há meses não sentem
tram nojo e mais. A imagem é nítida:
A luz aumenta em sua total potência
um homem gordo e preto E agora todes são
sentado na frente da câmera Agora querem ser
com os joelhos em 90º Ou agora sentem querer ser
cotovelos apoiados em cima dos joelhos Sentem querer estar
barriga amassada Pensam em só poder ser gorda em coletivo
criando um formato mais arredondado. Onde está a coragem em ser sozinha?
É um desejo? É um querer? É uma possibilidade?
Você consegue imaginar o que estou falando? O corpo trava mais uma vez
O sonho continua, E deita.
As luzes acendem com agressividade
O corpo ali deitado se sente culpado
https://www.instagram.com/xokeartedeguerra/. Acesso em fevereiro
de 2021.

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Acordo do sonho angustiada, pois ele é um retrato de como me Nesse sentido, reconheço a importância dessa metodologia na
sinto, e antes de começar a falar sobre qualquer coisa, preciso pesquisa que apresento aqui, porque não estou falando sobre
falar sobre isso. Queria não falar, mas alguém me disse, en- corpas desconhecidas. Falo, também, sobre e a partir da mi-
quanto me escutava, que todes que têm interesse em mudar a nha corpa, para que a narrativa ditada pela norma, seja cada
sociedade em que vivemos, terão também interesse em escu- vez mais dissipada. Corpes marginalizados não serão mais
tar. O início dessa escrita pode parecer com um diário, já que considerados como “o outro”, porque a partir de agora, somos
se apresenta a partir de uma metodologia autoetnográfica – e nós quem vamos contar nossas narrativas. Ampliar a visão, a
que embora algumas pessoas considerem “selfie-acadêmica”4, pesquisa e a ciência. A experiência da dissidência é política, en-
considero uma estratégia para quebra de contrato (nunca as- tão, que possamos cada vez mais falar a partir de nós mesmas.
sinado) com os discursos hegemônicos vendidos por mídias. A Se a norma fala sobre “os outros”, por que nós, “os outros”, não
metodologia autoetnográfica se apresenta como: podemos falar?
Nossas histórias precisam ser contadas e precisam ser conta-
Uma estratégia para ampliar as possibilidades de justiça so-
cial, de democratização e de pluralismos nas/das práticas de das por nós. São nossas narrativas, experiências, vidas. Para
pesquisa. Orientada pela episteme pós-colonial, que explo- debater a importância da experiência, da opinião própria, da
ra abordagens descolonizadoras que provocam e criam con- narrativa da subjetividade, utilizarei Grada Kilomba (2019) e
dições para a transformação do próprio olhar acadêmico e Geni Papos (2021), para me auxiliar nesta pauta política. Geni
do conhecimento que privilegia certas representações do Papos, em um texto de Facebook, ao refletir sobre Joan Scott,
“outro”, a autoetnografia performática problematiza prin- nos diz que,
cipalmente como as histórias subalternizadas e marginali-
zadas se relacionam com os sistemas considerados hegemô- A historiadora Joan Scott nos ensina que experiência é
nicos. (BARROS, BRILHANTE, MOREIRA, RAIMONDI. uma categoria política. No senso comum, pode parecer
2020, s/p)5 que experiência é apenas algo que as pessoas “têm” e
que simplesmente relatam, mas não é assim. O relato da
experiência já é uma interpretação, então ela não é algo
4 Disponível em <https://www.bbc.com/portuguese/geral-40006132>. neutro, universal. Scott nos explica que experiência não
Acesso em fevereiro de 2021. é algo que “temos”, mas sim algo que nos constitui. Não
5 Disponível em <http://cadernos.ensp.fiocruz.br/csp/pages/iframe_ se trata de mentiras ou de verdades, mas de entender
print.php?aid=1264>. Acesso em fevereiro de 2021.

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como a narrativa de determinada experiência se cons- Elas/eles têm fatos/nós temos opiniões;
truiu historicamente. (PAPOS, Geni, 2021)6.
Elas/eles têm conhecimento/ nós temos experiências.
Essas não são simples categorizações semânticas; elas pos-
Por entender que experiências, embora individuais, são políti-
suem uma dimensão de poder que mantém posições hie-
cas e coletivas, complemento com Grada Kilomba (2019) em rárquicas e preservam a supremacia branca. Não estamos
Memórias de uma plantação: Episódio de racismo cotidiano, lidando aqui com uma “coexistência pacífica de palavras”,
onde Kilomba fala sobre as armadilhas criadas pela branqui- como Jacques Derrida (1981, p. 41) enfatiza, mas sim com
tude para definir o que é conhecimento válido e o que não é. uma hierarquia violenta que determina quem pode falar.
(KILOMBA, 2019, p. 51-52)
É comum dizerem que meu trabalho acerca do racismo co-
tidiano é muito interessante, porém não muito científico.
Tal observação ilustra a ordem colonial na qual intelectuais Kilomba fala explicitamente sobre pessoas negras que são
negras/os residem: “Você tem uma perspectiva demasia- silenciadas por pessoas brancas e que através da fala colo-
do subjetiva”; “muito pessoal”; “muito emocional”; “muito nizadora, categorizam subjetividades e experiências como
específica”; “Esses são fatos objetivos?”. Tais comentários não científicas. No caso dessa escrita, trago a fala de Geni
funcionam como uma máscara que silencia nossas vozes as- Papos e Grada Kilomba para deixar explícito que existem
sim que falamos. Quando elas/eles falam é científico, quan-
do nós falamos é acientífico. razões para que narrativas não sejam consideradas interes-
santes para a academia.
universal/específico; Para isso, friso a importância de sermos resistências e con-
objetivo/subjetivo; tinuarmos contando nossas histórias, que também são
partes importantes para pesquisas. É preciso que pessoas
neutro/pessoal; magras saibam o poder que elas têm sobre nossos corpes.
racional/emocional; É preciso que elas saibam que nós, pessoas gordas, não te-
mos ambientes seguros e isso é algo que precisa ser falado
imparcial/parcial; urgentemente. Só estamos seguras quando estamos com
outras pessoas gordas e, às vezes, nem isso, mas a partir de
6 Disponível em: <https://www.facebook.com/geni.nunezlonghini/
posts/4128249143860721>. Acesso em fevereiro de 2021. hoje, exigiremos espaços seguros. Exigiremos respeito aos

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nossos corpes. Não vamos mais aturar comentários gordo- QUERO PODER SER FRÁGIL
fóbicos, depreciativos e humilhantes. Esse é nosso espaço e
nosso corpo.

Eu ainda estou aprendendo a fazer uma língua


da minha dor,
a escrever tudo o que dói.
Eu ainda estou ensinando ao meu lado frágil
e ao meu lado forte
que eles podem coexistir.
- Upile Chisala.

Em 2016 foi quando comecei a pensar com mais carinho e afe-


tividade sobre o meu corpo. Na época conheci o movimento
Body Positive,7 que me ajudou com o meu processo de com-
preensão sobre estar tudo bem ser uma pessoa gorda. Fui me
aproximando do debate, querendo falar mais sobre, querendo
viver mais o debate na prática e, por isso, decidi pensar uma
peça sobre ser gorda na vida, nas artes, no teatro e esse foi o
7 Movimento fortalecido no Brasil em 2015, através das redes sociais,
que debate a necessidade de se olhar positivamente para todes os
corpes

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movimento de maior carinho, não só para minha existência, Quero poder ser frágil. Quero poder gritar quando estiver no es-
mas também para existência de cada gorda que vivenciou a tado em que me encontro enquanto escrevo isso. Não quero
gordura através do trabalho cênico SOB Medida8. ser humilhada, não quero ser assunto da mesa de jantar, não
Pensar SOB Medida em meio ao campo artístico, serviu para quero, sequer, ser olhada por pessoas que não sintam afeto por
abordar muitos debates até aqui que foram de extrema impor- quem sou. Quero poder ir e vir com tranquilidade. Quero ter
tância para todas as pessoas gordas e magras que presencia- os privilégios de uma pessoa magra.
ram, seja como público ou como artistas do trabalho. No caso Dói falar, mas é necessário. Tenho crises sérias com meu corpo,
das artistas, Bru Puntel9, Jussara Belchior e Uila Roldan10, crises em que me maltrato, em que penso coisas não agradáveis
mulheres corpulentas que engordecem a arte, trazendo po- sobre mim, e quero poder falar sobre isso. Não aceito um mo-
tência, peso e força para o palco. vimento em que tenhamos que ser fortes e militantes o tempo
Contudo, mesmo com essas experiências, faz algum tempo que todo. Não aceito fazer parte de um movimento em que pesso-
tenho sentido urgência em me desvincular desse corpo. A ur- as que precisam ser ouvidas sejam julgadas ou encaminhadas
gência em falar sobre os traumas que trago e a urgência em fa- direto para um espaço negativo. Quero que as pessoas gordas
lar o incômodo que o movimento body positive me causa, com saibam que está tudo bem não gostar do seu corpo às vezes,
essa obrigação de estar bem, de se aceitar, como se isso fosse porque isso nos foi ensinado por anos. Quero que as pessoas
resolver a vida de qualquer pessoa gorda. gordas saibam que nós podemos seguir esse trajeto juntas.
8 Trabalho cênico dirigido por Gaia Colzani (eu), com participação Quero muitas coisas. Você vê? Se não falarmos abertamente,
das atrizes Bru Puntel, Jussara Belchior e Uila Roldan no ano de não poderemos avançar e romper barreiras estruturais.
2017. Desenvolvido na disciplina Direção Teatral I e II, ministrada Existem dias que odeio meu corpo e adquiri vergonha de falar
por José Ronaldo Faleiro no curso de Licenciatura em Teatro, na sobre isso, mas descobri que é urgente falarmos sobre nossas
Universidade Estadual de Santa Catarina – UDESC. dores, para podermos elaborar elas em conjunto, em coletivo,
9 Bru Puntel é artiste gorde, não binaria, com formação em Licen- para que aí sim, possamos chegar em algum lugar efetivo. Não
ciatura em Teatro pela UDESC e atualmente é mestra em Teatro podemos deixar que tentem nos impor novos padrões, como o
pelo programa PPGAC-UDESC, com pesquisa em corpe gorde, arte padrão de ser uma militante perfeita, forte, que não tem ques-
e saúde. tão nenhuma com seu corpo, que já conseguiu elaborar tudo.
10 Uila Roldan é artista percussionista. Precisamos romper padrões. Precisamos falar muito sobre o

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porquê de nós, pessoas gordas, nos sentirmos assim às vezes.
Precisamos sempre jogar o questionamento. Precisamos de
muitas coisas. Você vê?
Nesse momento, quero ser uma pessoa magra e preciso me ques-
tionar o porquê: é porque acho bonito ser ou porque quero ter
os privilégios e os mesmos direitos que uma pessoa magra
tem? Minhas questões são muitas e eu não posso ser hipócri-
ta com quem for ler o resto do trabalho. Preciso deixar nítido
para todas elas que ser gorda nem sempre é fácil ou bom, como
algumas pessoas pretendem mostrar na internet. É preciso
dizer que às vezes dói. Porém também é necessário dizer que
estamos caminhando para que não doa mais.
Todas nós temos muitas dores, traumas e processos que sequer
conseguimos enxergar e, para mudarmos essa realidade, é
preciso ir com o coletivo, em parceria, uma levando a outra,
porque ser gorda em coletivo é poder demonstrar fragilidades,
é poder sorrir com verdade, é poder ser e deixar ser.
“Vocês não são frágeis, vocês são fortes.” Eu quero poder ser
frágil. Quero poder falar a partir da minha fragilidade. Quem
mostra força o tempo todo apanha com mais força. Querer po-
der ser frágil não diminui nenhuma a força existente, individu-
al, poética, artística. Ser frágil não significa que não há força,
pelo contrário. Demonstrar possibilidades de força e fragili-
dade, luta e cansaço, demonstram coragem e não fraqueza.

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QUERO QUE VOCÊ OLHE
Essa violência é estrutural e por assim ser, não é algo que vamos
conseguir desconstruir de uma hora para outra. É uma violência
antiga e que pretendo mostrar aqui. Quero que saibam de onde
vem, quero que saibam a origem, ou pelo menos uma delas. Você
pode voltar nas imagens, olhar e falar em voz alta o que realmen-
te pensa sobre esse corpe? Sem fantasias, sem tentativas de mas-
carar um sentimento engessado que foi imposto em todes nós.
Falou em voz alta? Eu ouvi.
Feche os olhos
Quanto tempo você ficou olhando para esta foto? Quis ter certeza de Esvazie a mente (ou tente)
que você, que está lendo isso agora, não poderia escapar de olhar. Imagine uma mulher dançando
Muitas pessoas não sabem como é uma pessoa dentro de suas Essa mulher está no meio de um grande palco
roupas e é preciso que todo mundo saiba, é preciso mostrar para
que outras narrativas e imagens de corpes sejam construídas. Sem enrolar muito, para não dar chance de ficar criando men-
Certa vez, apresentando SOB Medida (2018), um amigo que fora tiras e julgamentos dentro da própria cabeça, responda por si
assistir, compartilhou no momento da roda de conversa, o quão mesma ou, caso tenha coragem, escreva em um papel as res-
impressionado tinha ficado com a cena daquelas três mulheres postas das seguintes perguntas: qual a cor dessa mulher? Qual
gordas correndo de um lado para o outro. Ele disse que nunca ti- a altura dessa mulher? Qual o tamanho da barriga dessa mu-
nha visto o movimento de um corpo gordo enquanto corre. lher? Escreveu em um papel? Agora queime ele.
Você já viu? Quanto tempo você ficou olhando para essa imagem Daqui para frente, queime todas as revistas, sites de notícia, fo-
e agradecendo por não ter uma corpa gorda? Muito prova- tos, qualquer coisa que deprecie, humilhe, agrida uma pessoa
velmente, se você está lendo esse compartilhamento agora, é gorda, seja ela branca, preta, indígena, cisgênero (quem se re-
porque você se interessa pela luta antigordofobia e isso é lindo, conhece com o órgão genital de nascença), transsexuais (quem
mas até que ponto você está disposto a desconstruir a gordo- não se reconhece com o órgão genital de nascença), PCD (pes-
fobia? Você voltaria algumas páginas para ver novamente? Ou soas com deficiência) ou não, tanto faz. Só queime. O fogo
passou correndo? transmuta. Vamos criar outras narrativas, outras imagens e

40 41
para isso é importante dar nome a esses corpes. Racializar, GORDURA
engordecer11 e travestilizar os debates. Trazer corpes abjetos
que sofrem violências e opressões, a partir de suas peles, para Tantas outras pessoas que gostaria de colocar aqui, mas colo-
o centro do debate. carei as que me ensinaram sobre o afeto gorduroso. Não é uma
ficção romântica. Só não quero escrever duro. Cada uma aqui
AFETO é uma pessoa intelectual que produz conhecimentos, epis-
Pessoas que cruzaram meu caminho com o Coletivo MANA- temologias, das mais diversas formas, seja a partir do corpo
DA e auxiliaram minha reconexão com minha gordura. O ou a partir da fala, independentemente de como corpo fala e
que quero falar parece romântico e talvez seja, mas o teatro, a de como fala corpo. Faz sentido? Não precisa fazer. Só quero
dança e as artes no geral, ganharam outro significado quando agradecer por me deixarem ser junto com vocês.
pude dançar as banhas em coletivo. Foi com essas pessoas que
construí parte do meu intelecto gordo artístico, seja lá o que MOTIM
isso significa. Posso dizer que é positivo. Só isso. Eu que me reconheci gorda no teatro e aprendi a lutar com essa
ferramenta, aprendi também que o teatro não se cria sem his-
LUTA tória, sem conhecimento teórico. Eu que nunca tive paciência
Em outros momentos com outras pessoas gordas que conheci, para teorias, aprendi a ouvir e falar. Não poderia se não tivesse
há não tanto tempo, ouvi sobre “apreciação da gordura”. Zona ouvido as que vieram antes de mim e isso é um presente.
AGBARA me reconstruiu de dentro para fora. E eu lá sabia que MOTIM12
era possível apreciar a gordura antes de conhecer essas mu-
lheres de Àgbára? Não é um ensinamento tão marcado quanto Revolta;
as marcas patriarcais, mas vou falando e ouvindo todos os dias toda ação que, contra quaisquer autoridades
para ver se substitui a marca. Tumulto;
11 Gosto de brincar e criar palavras. Quando crio a palavra “Engorde- revolta ou agitação popular.
cer” é pensando sobre colocar a gordura em pauta, tornar o debate
grande e gordo, incluindo pessoas grandes e gordas. Engordecer o 12 Definição disponível em: < https://www.dicio.com.br/mo-
debate, os dias, a vida. Engordecer. tim/>. Acesso em fevereiro de 2021.

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Motim compreende uso de armas e violências e, para isso, é im- ENGORDECENDO
portante frisar que quem violenta, quem tem armas de fogo, SABERES E AFETOS
é o Estado. Nós utilizaremos nossas próprias armas, que são
nossos conhecimentos, afetos, corpes, nossas danças e esse é
o medo que causamos. Medo de nos sentirmos pertencentes e
achamos que podemos entrar. Não vamos entrar. Vamos inva-
dir. Vamos dançar.

Para minhas irmandades,


desejo fogo Depois de registrar a existência de algumas pessoas que fazem
desobediência
parte de um processo de revolução para mim, irei falar sobre
guerra
organização consciente do ódio alguns encontros gordes em que pude compartilhar espaços,
sabedoria vivências, reflexões e estratégias com algumas delas. São pou-
força cos os espaços com pessoas gordas que tem o interesse de tro-
gordura car e de compartilhar experiências e sabedorias, então todos
banha, que existem são absolutamente importantes. Para nomear
desejo Amor.
esses momentos, utilizarei Saberes Gordes, cujo conceito fora
Que nossas referências vivas
possam ser referências pensado e compartilhado por Jussara Belchior13. Ela explica
ainda com vida que Saberes Gordes é tudo isso que estamos produzindo en-
quanto pessoas gordas. Esses encontros onde falamos sobre
13 Jussara Belchior aprofunda debates sobre gordoativismo através das artes
da cena e é responsável por criar o conceito Saberes gordes na sua tese “IN-
VESTIGAÇÕES PESADAS: mais de 100 quilos de experiências, contradições
e criações de saberes gordo na dança” defendida na Universidade Estadual
de Santa Catarina – UDESC, no Programa de Pós-graduação em Artes Cê-
nicas – PPGAC. Orientada pela Dra. Fátima Costa de Lima.

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nossos corpos, nossas questões e individualidades, que ao se- POTENCIALIZAR GORDURAS
rem compartilhadas percebemos que não são algo individual, EM COLETIVO E CAMADAS
e sim, fruto de uma opressão que todas as pessoas gordas vi-
vem. Saberes Gordes, para mim, somos todas nós que estamos
implicadas na luta, seja na rua, na cena, na intelectualidade e
em qualquer lugar-espaço. São alguns os momentos que dese-
jo compartilhar, para deixar registrado, tudo aquilo que me
ensina e me atravessa todos os dias.

O Coletivo MANADA é formado, atualmente, por mim, Bru


Puntel, Jussara Belchior, Thais Putti14 e Uila Roldan. Surgiu
em 2017, quando ainda não se reconhecia como coletivo. Foi a
junção de três mulheres gordas inquietas que deram formato
para a peça SOB Medida (2017), dirigido por mim e vivenciado
através dos palcos, inicialmente, por Bru Puntel e Uila Roldan,
e desde 2019 também por Jussara Belchior.
Bru Puntel é aquariane. Aquarianes discordam só para poder ge-
rar um bom debate e me encanta estar perto de pessoas assim.
Responsável por comidas deliciosas, de um intelecto admirá-
vel, não à toa aprendo tanto. Bru quem me cria e me apresenta
14 Thais Putti é arte educadora, pesquisadora e Mestra em Te-
atro pelo Programa de Pós-graduação em Artes Cenicas – PPGAC/
UDESC, com sua pesquisa voltada para o riso político, defendeu a
dissertação “Tem mais de mim aqui dentro: narrativas de uma atriz
gorda sobre o riso na f(r)icção entre o cotidiano e a cena” (2021).
Disponível em: <https://sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vincu-
los/00008e/00008e89.pdf>.

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a “ditadura dos banquinhos15”. É de uma presença que mexe tocuidado com seu corpe, saber quais seus próprios limites,
com as estruturas dos lugares. Ser rompante com elu, faz com é quase que um presente. E um presente para mim é poder
que me sinta segura. vivenciar essa potência de perto, é poder aprender sobre res-
Uila Roldan é silêncio. É olhar atento e falante. Mas é silêncio. peitar minha corpa, e tudo isso em companhia.
Se me perguntarem o que ela faz, eu direi “tudo”. Talvez não A luta tem sua parte gostosa quando ela é dividida.
seja todo mundo que enxergue ela assim, como alguém que
faz tudo, mas eu enxergo. Mulher incrível, que sou apaixo-
nada. Tenho tanto para aprender com ela. A força dela é algo
que explodiria o mundo. Posso jurar para vocês. Só sei ficar
muito grata pela existência e possibilidade de troca e afeto.
Jussara Belchior é uma referência para mim. Diretora de Peso
Bruto. Das peças sobre banhas, a dela é uma das mais bonitas
para mim. A primeira vez que assisti ela nos palcos, cheia de
técnica, corpo preciso, senti que poderia fazer também. Ter
ela no mesmo coletivo que faço parte me move, me enche de
gratidão. Talvez a palavra não seja bem essa, mas é o que pos-
so usar agora.
Thais Putti é a atriz que eu desejo ser. É escorpiana doce, cuida-
dosa, amorosa. Foi a primeira pessoa que convidei para fazer
parte de SOB Medida, peça que dirijo. Na época, ela não se
sentiu confortável em estar e, ao dizer “não” para o convite,
me deixou nítido a potência que essa mulher carrega. O au-
15 Termo criado e aprofundado por Bru Puntel, na sua disserta-
ção ainda não defendida na Universidade Estadual de Santa Catarina –
UDESC, no Programa de Pós-graduação em Teatro – PPGT. Orientada
pela Dra. Tereza Mara Franzoni.

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SOB MEDIDA

SOB Medida foi uma provocação não só para as pessoas que esta-
vam assistindo, mas para mim também. Já contei, em outros
lugares, que a dramaturgia do trabalho surgiu de um insight
no meio de uma sala de aula em que o momento era justo de
compartilhamento de processo e esse processo que, até en-
tão não tinha chegado até mim, chegou de forma fogosa, de-
senfreada, nitidamente com muita urgência de sair e tomar o
mundo. As apresentações são sempre acontecimentos únicos,
porque não existe uma dramaturgia fixa e o fato de não ser
algo que prende, é o que nos proporciona experiencias estra-
nhas e bonitas. Como a fala do amigo que nunca viu mulhe-
res gordas correndo, a fala de muitas mulheres gordas que se
identificam tanto com o trabalho e que agradecem chorando.
Lagrimas que afetam. SOB Medida, por ser tão simples, por ter
surgido de um uivo ardido de dentro do peito, nos traz muitos
presentes.

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Na foto acima, temos Uila Roldan com uma câmera na mão, en-
quanto dança contato improvisação com Bru Puntel e Jus-
sara Belchior. Decidimos colocar a câmera no meio da cena,
na mão dela, para que ela registrasse de dentro as feições das
pessoas enquanto assistem os movimentos, alguns bem in-
timistas que não deixam escolha para o público. Queremos
que olhe, então vai olhar. A cena do CI (Contato Improvisa-
ção), é uma provocação para os corpos da dança. Quem pode
dançar? Quem pode mover? Como podemos mover? Por que
reprimem a gordura dançante? Dançar qualquer dança, sen-
do uma pessoa gorda, já é algo desafiador, mas quando es-
colhemos essa cena na qual uma passa rolando em cima da
outra, se deitando uma em cima da outra, se empurrando, se
segurando, se sustentando. Ela fora escolhida justo por tra-
balhar diretamente com o peso. Algumas pessoas do público
já demonstraram incomodo com três pessoas tão pesadas ro-
lando por cima, outras demonstram muita satisfação ao ver a
cena. Não importa a sensação que surge, sempre gera debate SOB Medida surge a partir da ausência de representatividade po-
e reflexão. sitiva de corpes gordes nas artes da cena, sendo retratados, na
Essa próxima foto, em que Uila Roldan ainda não tinha a câ- maioria das vezes, como asquerosos, comilões, solitários, figu-
mera em suas mãos, é sobre um momento de se reconhecer ras predominantemente engraçadas, indignas de amor e afeto,
na outra. Depois de caminharem pelo espaço, passando ao burros e preguiçosos. Inicialmente, é possível questionar qual
lado das pessoas, fazendo com que o público que só observa- o problema de serem retratados dessa forma, e a resposta está
va passivamente, participe efetivamente através do olhar e posicionada no início desse parágrafo: “na maioria das vezes”.
de escritas (frases, palavras) na corpa delas, até que chega o Repetições geram crenças e padrões. Quando um corpe gor-
momento em que elas se encontram e se reconhecem. de é repetidamente representado de forma não positiva, logo

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teremos uma sociedade acreditando que para pessoas gordas,
existe uma única possibilidade, a negativa. De acordo com Sa-
brina Strings, é assim que nossa sociedade está estruturada.
Por esse motivo SOB Medida surge para romper com lógicas
hegemônicas e mostrar, através da imagem, no caso, nas artes
da cena, que outras narrativas são possíveis.

Sinopse de SOB Medida

No início, três corpas.


Duas corpas gordas num círculo de luz, seminuas
No canto, outra corpa que usa a câmera como seus olhos.
Imóveis, as mulheres no centro, fitando uma à outra,
fincando suas pernas fortes na borda do disco de luz.
Corpas fortes, corpas gordas.
A pele exposta quase que integralmente.
Estrias na bunda, quadril e coxas.
As fibras não resistiram a elasticidade da pele.
SOB Medida é uma performance-manifesto
que reivindica
através da beleza do ser gorda,
os espaços negados dentro do teatro e da dança.
SOB Medida não é sobre aceitação,
é sobre refletir como são agressivos
os padrões impostos por aqueles que ditam formas e
formatos.
Aqui o corpo gordo dança,
Toca

55
e remexe os pensamentos quadrados, M.O.P.P – MANUSEIO OPERACIONAL DE
expande as medidas junto com as banhas que batem daqui
para lá PRODUTOS PERIGOSOS
de forma sutil DE BRU PUNTEL
gerando impacto.

Depois da peça de SOB Medida, Bru Puntel que, como dito acima,
também fez parte, dirigiu a peça M.O.P.P – Manuseio Opera-
cional de Produtos Perigosos16 (2018) e, dessa vez, ao invés de
contar apenas com mulheres gordas, Puntel ampliou o convi-
te para homens trans e homens cis gays, todes gordes. A peça,
que hoje não está mais ativa, foi dirigira por Puntel e vivida
através dos palcos por mim, Alisson Feuser, Everton Lampe,
Geruza Bandeira, Jussara Belchior, Noam Scapin, Thais Putti
e Uila Roldan.
M.O.P.P foi um acontecimento. Nunca tinha visto tantas pessoas
gordas de diversos tamanhos ocupando um palco, um mesmo
espaço, levando conteúdo político, socialmente comprometi-
do e responsável.

16 A peça foi criada na disciplina obrigatória “Direção Teatral”,


ministrada pelo Prof. Dr. José Ronaldo Faleiro, no Centro de Artes –
CEART, na Universidade Estadual de Santa Catarina – UDESC.

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Na foto abaixo, cinco pessoas gordas carregam uma outra pessoa
gorda. É sobre enaltecer todes os corpes ali presentes. O olhar
das pessoas do público me confirma o que falta para a socie-
dade: outras narrativas desenhadas e expostas como possibi-
lidades. Ver um corpo gordo sendo levantado e carregado, gera
uma sensação de rede. Uma Rede Engordurada. Para mim,
essa foto é sobre não deixar ninguém cair.

Sinopse de M.O.P.P. – Manuseio Operacional de Produtos


Perigosos

Teus olhos atravessam minhas banhas, eu sou todo


saliente
Tua mão fecha minha boca e ai de mim
Se engulo, entalo. Me desmontam. Rosto lindo.
Teu papo é bom, mas tua papada me desconcentra.
Teu papo é bom, mas tua papada me desconcentra.
Teu papo é bom, mas tua papada me desconcentra.
O que eu tô engolindo é que tá entalado.
- Thaís Putti
A foto acima é da última apresentação de M.O.P.P. A cena era si-
lenciosa, a única coisa que se escutava era o barulho dos corpes

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batendo um no outro, no chão, na parede. O som que banhas tencendo a esse mundo? A arte pode e deve ser uma ferramen-
geram é quase parecido com o som de um pedaço de amoeba ta útil para transformar a realidade de ambientes escolares.
quando jogada na mesa. Dentro de uma caixa preta, o barulho Não é bullying o que crianças e adolescentes gordas sofrem
se amplia, tornando a gordura muito grandiosa. em ambientes escolares, é gordofobia. O propósito do Coletivo
Corpes gordes correndo de um lado para o outro, mostrando MANADA é desenhar e mostrar a partir da arte, outras possi-
toda a potência de uma pessoa engordurada. Em cena, luzes bilidades, realidades, narrativas.
coloridas que embelezam e não escondem qualquer estria ou O Coletivo é um encontro de gorduras, que desde seu início e até
celulite. Com jogo de glitter, uma cena de apreciação, em que antes dele, através de peças que foram criadas anteriormente,
todes em cena se juntam para bailar, festejar e acariciar uns vem trazendo muito aprendizado e reflexões sobre urgências
aos outros. Chamamos essa cena de Sense8, em referência a de pessoas gordas.
uma série da Netflix com esse título. Era uma cena de muito
prazer. Como traz Rosangela Alves, uma cena de verdadeira Essa foto é sobre rede. Sobre segurar. Apoiar. Estar.
apreciação à gordura.
É bonito poder vivenciar esse encontro onde pessoas que não se
sentiam representadas, podem, finalmente, enxergar beleza e
experimentar afetos. Estar junto na cena, na vida, no palco, na
dança, no teatro, torna as artes da cena um espaço de força e
de desejo. Trabalhar com questões sérias, de forma responsá-
vel, faz com que nossos corpes queiram permanecer em for-
mato de arte. É de extrema importância que entendamos que
ações como essas são impactantes não só para a arte, mas para
a sociedade no geral.
Quantas crianças gordas não se enxergam de forma positiva?
Quantas adolescentes não se sentiriam insatisfeitas com a for-
ma dos seus próprios corpos se tivessem referências gordas
positivas? Como seria se, para variar, elas se sentissem per-

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Essa foto é sobre rede. É sobre correr junto. Se atentar. Estar. Na primeira fotografia acima, Uila Roldan sendo segurada por
Evertom Lampe enquanto olha para a Thais Putti, que tam-
bém segura ela. Uila veste um top preto e uma calça branca,
com os dreads amarrados em um coque no alto da cabeça.
Evertom e Putti usam tops brancos e shorts pretos. Ambos de
cabelos lisos e soltos.
Na segunda fotografia estão Jussara Belchior, Thais Putti, Noam
Scapin e Geruza Bandeira. Os quatro estão correndo em di-
reção à câmera e a foto registra o movimento ainda em ação.
Todos de blusas brancas e shorts pretos. Putti e Jussara com
cabelos soltos lisos, Geruza com cabelo crespo solto e Noam,
careca. Rede é, então, sobre segurar, apoiar e ser apoio, carre-
gar, estar juntes.

Posso dizer que


Estar, ser e viver rodeada de gordura
Me tirou da solidão
E me fez abortar a ideia
De abortar o corpo que habito

Posso dizer que


Dançar nossas banhas
Fez querer dançar e desbravar
O mundo

Posso dizer que


As impossibilidades do mundo real
Se tornam menos impossíveis

62 63
Mais possíveis com aquelas mulheres gordas dançando suas banhas. Muitas
Posso dizer que deixaram explícito em suas feições que não estavam enten-
As lágrimas de um rosto gordo dendo o porquê da ação. Muitas dessas eram pessoas magras
Que enxerga com seus olhos que, provavelmente, são as que praticam gordofobia com jo-
A gordura do mundo vens gordos em ambientes que compartilham. Enquanto, ao
De forma carinhosa e amistosa mesmo tempo, jovens gordas saíram emocionadas, se sentin-
Desenha outras narrativas do representadas. Algumas compartilharam que ao ver senti-
Posso dizer que ram que também podiam dançar com suas gorduras. Mas com
Nessas narrativas tenho vontade quem queremos falar?
De nadar Em nenhuma dessas três peças existiu pessoas gordas que não
De mergulhar saíram tocadas. Embora esse seja o nosso público e, portanto,
De afundar com quem queremos falar sobre a emancipação do corpo en-
gordurado, é necessário também falar com aquelas que prati-
Posso dizer.
cam a gordofobia diariamente.
Acredito que nós, pessoas que temos informações, temos a obri-
Com o afeto e a força proporcionado por esse encontro nas artes gação de falar com a sociedade sobre gordofobia. Afinal, nós do
da cena, emergiu a necessidade e urgência de falar explicita- Coletivo MANADA, estamos saindo de um ensino público e,
mente sobre questões de pessoas gordas. Embora a arte fale portanto, temos que tornar o conhecimento igualmente públi-
por si, ainda é importante que se fale abertamente. Todas as co. Pensando na falta de conhecimento sobre o tema, instau-
peças que compõem o Coletivo são sem falas ou com poucas rado de forma proposital pelo sistema, o Coletivo MANADA
falas e isso faz com que nem todos tenham a noção real da criou a Mesa Redonda, Gorda e Pesada (2019) em que falamos
grandeza que é o assunto. e tentamos, ao máximo, deixar explícito o que é a gordofobia e
Em uma experiência com SOB Medida no colégio público Ins- como ela age de forma tão cruel e dominadora.
tituto Estadual de Educação de Florianópolis (2018), onde
apresentamos para adolescentes, ficou perceptível a falta de
compreensão e até o constrangimento de algumas pessoas

64 65
CORPOREIDADES DE PESO Vanessa Joda, Rosangela Alves, Leticia Munhoz, Noam Sca-
pim, Jussara Belchior, Bru Puntel e Thais Putti – essas duas
últimas, como já colocado, pertencem ao Coletivo MANADA.
Por ter sido um encontro com diversas corporeidades de peso,
esse foi um momento crucial para esta pesquisa, pois foi quan-
do percebi que estar em manada com pessoas de outros can-
tos desse país é o que torna o trajeto ainda mais potente. Em
um momento do encontro, Gal Martins, que é negra e gorda,
fundadora do Coletivo Zona AGBARA (2016), nos disse que é
Corporeidades de Peso foi planejado para ser um encontro pre- importante que entendamos que, embora sejamos todas gor-
sencial com todas as pessoas convidadas, para que juntas, das, a gordura dela e das meninas que estavam presentes e
através da convivência, do olhar e da arte, encontrássemos que também são do Zona AGBARA, é uma gordura preta e que
estratégias para nossa luta, não só dentro da cena, mas tam- isso reflete de diferentes formas na realidade delas. Dina Maia
bém no dia a dia. Infelizmente, com a COVID-1917 que desde complementou a fala de Martins,
março de 2020 vem matando cada vez mais gente ao redor do
Há um processo de apreciação da gordura, pelo meu traçado
mundo e, principalmente no Brasil, foi necessário adaptar o nela. É muito difícil você ter um corpo gordo que é um corpo
encontro para o mundo virtual. preto. O povo preto já é animalizado o tempo todo. Ser preto
O encontro surgiu da urgência em reunir pessoas gordas que já faz com que existam determinadas vulnerabilidades que
trabalham o corpo a partir de uma perspectiva da gordura, estão estagnadas nesse sistema e que o nosso corpo acessa
ou seja, sem fugir dele, pensando na banha como movimento. involuntariamente. Meu processo de reconhecimento é de
Com muito compartilhamento e generosidade, participaram apreciação da minha gordura, pois ela perpassa por todos os
lugares. Comecei a olhar para minha gordura, flacidez, es-
do encontro as presenças bonitas de: Gal Martins, Dina Maia, trias e celulites, de outra forma. Cada canto do meu corpo,
17 A COVID-19, doença infecciosa causada pelo vírus SARS-CoV-2, foi faz parte do meu documento histórico. Juntamente com o
responsável até este presente momento (09/09/2022) por 6.511.909 coletivo eu consegui entender que os nossos corpos são po-
tentes. Ele dialoga com a ancestralidade das minhas mais
de mortes, segundo “Johns Hopkins University & Medicine”. Dispo-
velhas. (MAIA, Dina, 2020)
nível em: <https://coronavirus.jhu.edu/map.html>.

66 67
Para além dessa fala de Dina Maia, que relata sobre ser e viver Construção do encontro, pensado e proporcionado pelo Coletivo
gorda e preta, Noam Scapim, única pessoa transexual, homem MANADA.
trans, esteve presente no momento. Scapim, que faz parte da Primeiro dia:
Cia. Fundo Mundo (2018), um coletivo formado só por pessoas Dinâmica.
trans, nos relata suas inquietações: Pensar em uma dinâmica para apresentação pessoal e profis-
sional. Começar com a câmera fechada e depois de um tempo
Ando pensando bastante sobre não acreditar que a gordo-
fobia é um problema isolado. Corpos gordos são múltiplos. abrir as câmeras e se mover como e se quiser; essa dinâmica é
O padrão estético que existe aqui no Brasil hoje, é fruto da uma reprodução da dinâmica que a Jota Mombaça fez em uma
colonização. Os corpos pretos que podem estar no palco, live. Todos de câmeras desligadas e microfones abertos. O ob-
nunca estão desassociados do racismo. Corpos trans, nunca jetivo é falar tudo que vem à mente, todos os presentes ao mes-
estão desassociados da transfobia, o gordo, da gordofobia. E mo tempo. A sensação é de estar no meio do metrô de São Pau-
um corpo que ocupa esses três espaços? Como ele é recebi- lo, horário de pico, onde ninguém se escuta, mas todos falam.
do? A cultura do que é o corpo certo, o que é o corpo saudá-
vel, um corpo inteiro, um corpo perfeito. Sabemos de onde Após cada um finalizar a fala, quando quiser, vamos abrindo
isso vem. A sociedade quer dividir a gente em pedaço, para as câmeras e continuamos o encontro.
ser mais fácil de manipular. (SCAPIM, Noam, 2020)18 Apresentação crua de cada pessoa, nome e o que achar
importante;
Maia e Scapim colocaram reflexões importantes, antigas e que Jogo de pergunta19. Exemplo: Eu pergunto para Puntel e Puntel
acabaram sendo abafadas pelo movimento antigordofobia responde com outra pergunta para outra pessoa, por exemplo,
branco e cisgênero. Então, que façamos o movimento de ra- para Putti. Usar essas perguntas para finalizar. Rodada teste.
char com a branquitude e cisgeneridade, pois com tantos no- Dar um tempo para as pessoas pensarem em perguntas relacio-
mes de pessoas gordas pretas, pessoas gordas trans, pessoas nadas com o interesse em estar presente no encontro.
gordas pretas trans, que se alimentam e vivem a interseccio- Dinâmica das perguntas: tempo para cada pessoa pensar em uma
nalidade, é obrigação mapear, buscar e se informar, para que pergunta (ou perguntas). Alguém começa com uma pergunta
outras imagens e narrativas sejam construídas. 19 Esse jogo a Jussara Belchior propõe a partir de seu contato com o
trabalho do artista curitibano Gabriel Machado
18 Fala de Noam Scapim, transcrita por mim, durante o encontro.

68 69
para o grupo: responder/continuar com perguntas. Anotar as Quais as dificuldades desses corpes nos trabalhos e especificida-
perguntas. des delas?
Registrar em papel ou tela o que ficou do exercício;
Intervalo - 15min; Perguntas que surgiram no encontro:
Debater sobre o dia.
Segundo dia: Bru: Como limitações podem se tornar possibilidades?
Tempo para as pessoas que estão no encontro pela primeira vez Noam: Quais as maneiras estratégicas que poderíamos
pensar para fazer com que o corpo gordo tenha mais espa-
se apresentarem/apresentação do MANADA;
ço nas artes de palco?
Desenho do próprio corpo: como você está hoje? Jussara: Você conhece muitos artistas gordos, gordes?
Aquecimento: cada pessoa propõe uma atividade/exercício/coisa Dina: Você conhece comicidade negra?
para a gente se aquecer em coletivo. Gaia: Como criar uma metodologia gorda e inclusiva?
MANADA traz uma pergunta para ser respondida pelo corpo/ Putti: Como acolher um corpo de uma criança gorda?
movimento. Julia: Você apoia o que sua amiga gorda faz?
Rosângela: Você já quis, já teve vontade de fazer bariátrica?
rodada teste: como esse grupo compra leite?
Jussara: Movimentar-se é sinônimo de saúde?
Desenho do próprio corpo: como você está agora? Ariane: A dança, ela tem que se adaptar ou o corpo tem que
Intervalo. se adaptar?
Debate final. Putti: É preciso se adaptar ou a gente pode criar uma coisa
totalmente nova?
Questões: Gal: Quantas vezes duvidaram das suas habilidades
profissionais?
O que nas metodologias tradicionais não contemplam nossos
Bru: O que pode um corpo gordo?
corpes? Dina: Quantas vezes você já se questionou sobre o territó-
Entender o que nossos corpos precisam. rio em que habita?
Quais ajustes? Quais proposições específicas? Jussara: Existe a dança dos gordos e a dança dos magros?
Como chegar nisso? Gal: Quantas vezes você sofreu assédio sexual, coisificação
Consciência corporal. Quais os limites de cada corpo? e hipersexualização do seu corpo?
Gaia: Onde eu posso dançar com segurança?
Metodologia é cuidado com os nossos corpes.

70 71
Julia: Por que as pessoas acham que podem falar o que Putti: Quando foi que você percebeu que você pode ser
quiser e como quiserem do corpo gordo? amada? Ou, quando foi que você se sentiu amada?
Noam: Até que ponto você acha que as pessoas consideram Dina: Quando você se sentiu atravessado pelas suas ques-
o corpo gordo como um corpo público? tões de gênero e sexualidade?
Ariane: Como trazer um corpo diferente para dentro de um Noam: Até que ponto você acha que todas as questões que
ambiente seguro, onde ele se sinta à vontade para ser o que atravessam a sua gordura, além, que atravessam seu corpo
é e fazer o que quer? além da gordura, somam para uma gordofobia?
Dina: Você aprecia a sua gordura? Rosângela: Você acha que a sociedade se preocupa com a
Bru: O que o atrito dos nossos corpos pode causar? nossa acessibilidade?
Rosângela: Você já se viu tendo um corpo doente? Jussara: Como a gente pode ensinar sobre acessibilidade?
Julia: Quantos procedimentos e coisas você já consumiu Julia: É possível um corpo gordo ter leveza?
para que seu corpo se aproximasse do padrão? Putti: Quantas vezes te impediram de ser ou fazer algo?
Gal: Você tem convênio médico? Gaia: Você acha que o movimento body positive é
Putti: Será que as pessoas riem da nossa potência cômica suficiente?
ou do nosso corpo? Será que se fosse uma pessoa magra Bru: Como conversar com um médico quando ele propõe
fazendo o que a gente faz, teria a mesma potência cômica? o emagrecimento, qualquer coisa relacionada a isso para o
Noam: Você se imagina colocando o seu corpo exposto seu tratamento e você discorda disso?
para o riso? Ariane: O que é beleza para você? O que é bonito na sua
Gaia: O que que você sente quando você vai passar na ca- concepção?
traca do ônibus? Dina: O que te faz querer dançar?20
Dina: Qual violência você sente primeiro, sobre sua gordu-
ra? Ou sobre a cor da sua pele? Junto com todas as perguntas e colocações que surgiram duran-
Gal: Quais estratégias você encontra para organizar todos
os seus ódios? te e no fim do último dia do encontro, observamos um padrão
Ariane: Você consegue ver a sensualidade num corpo di- entre os trabalhos cênicos criados por pessoas gordas. Per-
ferente? Ele é sensual para você? Você se sente atraído por cebemos a proposição de ações parecidas, como: usar caneta
um corpo diferente? para que o público escreva por todas as banhas o que deseja es-
Bru: O que já teve que morrer dentro de você para que você crever; ações cênicas e performáticas em silêncio, apenas com
pudesse viver o amor?
20 Perguntas durante o encontro transcritas por Jussara
Belchior.

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pouca roupa para deixar cada parte mais exposta possível. E e envolvem uma questão séria de confiança que muitas vezes
por que o silêncio? Trabalhos como O Que Eu Costumo Engo- não temos por nós mesmos? Como confiar que dez crianças,
lir (2019); Reclusa (2019); Engasgadas, Um Ensaio Para Regur- jovens e adultos vão segurar um corpo gordo grande em um
gitar o Mundo (2020), de Zona AGBARA; Peso Bruto (2017); exercício onde jogar o corpo no chão é regra? Como confiar de
SOB Medida (2017) e M.O.P.P. (2018), do Coletivo MANADA, olhos fechados em uma prática qualquer que ignora o históri-
optam pelo silêncio em cena, deixando apenas o corpo falar. co de violência de um corpo gordo e que, muitas vezes, acaba
Escritas, silêncio, pele à mostra. Ações propostas por pessoas di- soando como prática agressiva e traumatizante, fazendo com
ferentes que se encontram em lugares diferentes. O que move que pessoas se afastem das artes da cena por sentirem seus
essa coincidência? Um cansaço que se constrói a partir de ex- corpos desrespeitados?
cessos de gritos que exigem que o mundo pare e escute? Tantas questões importantes que a cada palavra escrita gera
mais e mais inquietações. Uma pesquisa prevê encontrar e dar
Acredito que essas respostas? Pois tenho mais questões para colocar, deixar as
e tantas outras questões
perguntas pipocando para que sejam respondidas de diversas
não serão respondidas
por aqui ou por agora formas, inclusive por você que as lê, ao invés encerrar em uma
elas estão e são única forma ou resposta.
como armadilhas que esmiúçam Pensando assim, antes de seguir para o próximo capítulo, é im-
o fim portante colocar que muitas questões, debates e inquietações
do minhas e do Coletivo MANADA, surgiram e surgem com o
mundo
encontro com outros corpes negres. Por exemplo, quando des-
Por que silêncio?
cobri que Zona AGBARA existe, me perguntei o porquê de o
É importante pensar e observar ações em que gorduras caibam já Coletivo MANADA ser tão branco. Veja, essas questões não
que o teatro, a dança, a performance e as artes da cena no geral diminuem a força do trabalho, pelo contrário, potencializam.
foram pensadas inicialmente por pessoas magras e essa for- O debate sobre a importância de racializar a gordofobia vem
ma se propaga até hoje. Dito isso, é urgente que pessoas gordas da (quase) ausência de corpes negres. Coloco “quase” porque,
sejam inseridas no nosso imaginário de exercícios e práticas atualmente, apenas uma integrante é negra. O debate surgiu
cênicas. Quantos jogos de aquecimento são constrangedores para gente com a narrativa de mulheres negras gordas que

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não se sentem encaixadas nem dentro da luta antigordofobia e RACIALIZAR A LUTA
nem da luta antiracista. Isso acontece porque a pessoa negra e ANTIGORDOFOBIA
gorda, independentemente de onde ela for, de qual coletivo ela É URGENTE:
opte ir, ela será cobrada por ser gorda ou por ser negra. E o que PARA GORDAS
a arte tem a ver com isso? Tem tudo a ver. A arte nem sempre BRANCAS LEREM
dará conta de pensar sobre todas as questões.
O Coletivo MANADA tem ganhado grandes proporções pelos
trabalhos artísticos, mas também pelo posicionamento polí-
tico do coletivo. Sabemos que a branquitude é responsável por
fazer com que pessoas negras não se sintam confortáveis em Sabemos que mulheres brancas gordas têm dificuldade de arran-
estar junto, então qual o nosso papel? jar emprego, não têm uma vida social de fácil acesso, não têm
um bom poder aquisitivo. Mas é não só reducionista como pe-
rigoso pautar a luta nas vivências desse grupo. Para racializar
mais um debate que, assim como tantos, foi também embran-
quecido, utilizarei uma pesquisa de 2019 feita por Sabrina
Strings: Fearingthe Black Body The Racial Origins of Fat Pho-
bia, em que a autora pesquisa a origem racista da gordofobia.
Quem se interessa por manter este debate branco?
Para aprofundamento da relação de gênero e gordofobia, além
do livro de Strings, utilizo leituras, como Meu Corpo, Minhas
Medidas, de Virgie Tovar (2018), cuja pesquisa apresenta com-
partilhamento sensível de relatos pessoais e experiências
em coletividades gordas. Tovar é uma mulher mexicana, ne-
gra, gorda e que vive há anos nos Estados Unidos. Tovar usa e
abusa da sua fala para criar sua própria narrativa, um pouco
diferente de Strings que, embora preta, é magra. Coloco essa

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informação só para marcar quem são fisicamente, por enten- Importante percebermos que o mito da beleza22 muda confor-
der que esses são, também, seus marcadores sociais. Para con- me classe, cor e gênero. E que certas expressões de liberdade,
cluir, embora Sabrina Strings seja magra, é importante frisar soam ainda como privilégio e não como direito, como deveria
que sua pesquisa é de extrema importância para a história da de fato ser. Minha companheira, por ser magra e branca, tem
gordofobia. ainda mais liberdade para essa escolha, reforçando que ainda
Em contraponto a essas leituras, coloco reflexões críticas a ques- não é tranquilo para nenhuma mulher, independente da corpa
tões que têm importância para o debate de pressão estética, que habita. Coloco apenas com o intuito de comparar para se
mas que não aprofunda no engordecimento21 e racialização do fazer enxergar que existem diferenças nas obrigações em re-
debate, já que existe um embranquecimento na conduta. É im- lação a beleza para cada uma de nós. E mulheres negras? Cer-
portante que entendamos que belezas são cobradas de formas ta vez escutei de uma amiga que é preta e magra, que ela não
diferenciadas a partir do tipo físico de cada mulher, ou seja, a consegue deixar um pelinho sequer aparecer, porque quando
beleza que é cobrada para mim, que sou branca, não é a mesma tentou se aproximar desse movimento de “libertação”, fora
beleza que será cobrada para uma mulher preta. absurdamente humilhada. Ou mulheres trans que ao tentar
Para ajudar na nitidez do que busco falar sobre padrão de beleza, se desvincular da imagem de homem diante da sociedade, não
utilizo um exemplo corriqueiro e um pouco mais normatiza- tem a mesma liberdade que mulheres cis de deixarem seus pe-
do, embora ainda não tanto, que é a relação de mulheres diver- los crescerem, seja nas axilas, pernas e buço.
sas com seus pelos. Existe uma relação de pelos de mulheres Em um encontro com Drica Santos, professora e doutora em tea-
brancas que ainda não é fácil, ainda é muito cansativo e abusi- tro, atriz e arte-educadora, ela falou sobre a urgência de racia-
vo na maioria das vezes. Podemos perceber – e aí utilizo vivên- lizar todos os debates. Drica é preta, magra e uma arte-educa-
cias próprias e da minha companheira que é branca e magra dora que tem muito a contribuir em vários aspectos da vida,
– que por mais exaustivo que seja, ainda assim, podemos ter a incluindo o aspecto racial do debate. Drica Santos coloca em
escolha de deixar nossos pelos e não sermos humilhadas por aula o início da história do Brasil23, onde corpes negres foram
consequência. 22 Referência ao livro de Naomi Wolf, O mito da beleza: Como as
imagens de beleza são usadas contra as mulheres (2018)
23 Utilizarei letra minúscula para explicitar minha ausência de
21 Engordecimento segue a lógica da palavra engordecer. respeito para com o patriotismo fajuto e assassino.

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roubados de suas terras e trazidos à força para cá para serem Strings mostra, mas porque é urgente que racializemos todos
explorados, fazendo com que perdessem completamente o os debates possíveis, sem exceção. É responsabilidade de pes-
direito por seus próprios corpes, desde o que comer, como e soas brancas nomear a norma, conceito tão bem elaborado por
quando se movimentar, como se vestir, como rezar ou não re- Jota Mombaça24( 2016) em “Rumo a uma redistribuição deso-
zar, ou seja, infinitas regras colocadas por pessoas brancas em bediente de gênero e anticolonial da violência!”25, quando diz,
cima de seus corpes de forma violenta e criminosa.
Nomear a norma é o primeiro passo rumo a uma redistri-
Todes nós fazemos parte da estrutura da sociedade, mas quan- buição de gênero e anticolonial da violência, porque a nor-
tos de nós, brancas, estamos trabalhando para desestruturar ma é o que não se nomeia, e nisso consiste seu privilégio. A
a branquitude? É preciso que pessoas brancas parem de racia- não-marcação é que garante às posições privilegiadas (nor-
lizar as não brancas e comecem a se racializar. O branco nun- mativas) seu princípio de não questionamento, isso é: seu
ca se chamou de branco. “Branco é o ser humano universal e conforto ontológico, sua habilidade de perceber a si como
quando desumaniza outros, eu falo ‘negro’, ‘indígena’” (SAN- norma e ao mundo como espelho. Em oposição a isso, “o ou-
tro” -diagrama de imagens de alteridade que conformam as
TOS, 2020). Isso cabe não só para questões raciais, mas tam- margens dos projetos identitários dos “sujeitos normais” – é
bém estruturantes no geral, como: trans, gordo, gay, lésbica e hiper-marcado, incessantemente traduzido pelas analíticas
por aí vai. Marcar a dissidência como outro faz parte do meca- do poder e da racialidade, simultaneamente invisível como
nismo de manter uma estrutura dominante. Se marcar como sujeito e exposto enquanto objeto. Nomear a norma é obri-
branco, como norma, faz com que pensemos sobre isso, sobre gar o normal a confrontar-se consigo próprio, expor os regi-
essa estrutura que somos responsáveis enquanto opressores, mes que o sustentam, bagunçar a lógica de seu privilégio, in-
tensificar suas crises e desmontar sua ontologia dominante
por construir e fazer a manutenção até hoje. Falamos “sou e controladora. (MOMBAÇA, 2016, p. 11)
gorda”, mas não falamos com a urgência que a situação em si
merece que “sou gorda e branca”. Se nomear a norma, segundo Mombaça, bagunça a lógica do-
A imagem já está construída para nós. Se sugiro que fechem os minante, então façamos esse movimento. Quem é a norma?
olhos e visualizem uma mulher gorda, qual a chance de imagi- 24 Jota Mombaça é artista e pesquisadora, não binária, gorda e
narmos uma gorda preta? Por essa ausência de narrativa ima- racializada.
25 Disponível em: <https://issuu.com/amilcarpacker/docs/ru-
gética, é essencial racializarmos o debate da gordofobia, não
mo_a_uma_redistribuic__a__o_da_vi>. Acesso em novembro de 2020.
só porque a gordofobia tem a origem racista, como Sabrina

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Mulheres gordas brancas não fazem parte da norma que dita presente e onisciente, assim como a imagem do seu grande
a magreza, porém mulheres gordas brancas, permanecem deus cristão. Como se soubesse, sentisse e vivesse o que pes-
sendo brancas e é a partir daqui que falo, a partir dessa corpa soas pretas vivem, já que tem sabedoria plena, pertencimento
que habito, para falar que nós, pessoas gordas brancas, preci- pleno e pode habitar com tranquilidade todos os espaços. Para
samos, a partir de hoje, parar de comparar a gordofobia com o explicar melhor,
racismo.
Numa sociedade Brasileira, de herança escravocrata, pesso-
Para explicar o que quero dizer com “é a partir daqui que eu falo”, as negras vão experienciar racismo do lugar de quem é ob-
apresento o conceito de “Lugar de fala”, amplamente conheci- jeto dessa opressão, do lugar que restringe oportunidades
do através de Djamila Ribeiro (2017), por conta desse sistema de opressão. Pessoas brancas vão
experienciar do lugar de quem se beneficia dessa mesma
Acredito que muitas pessoas ligadas a movimentos sociais, opressão. Logo, ambos os grupos podem e devem discutir
em discussões nas redes sociais, já devem ter ouvido a se- essas questões, mas falarão de lugares distintos. (RIBEIRO,
guinte frase “fique quieto, esse não é seu lugar de fala”, ou 2017, p. 86)
já deve ter lido textos criticando a teoria sem base alguma
com o único intuito de criar polêmica vazia. (RIBEIRO,
2017, p. 56) A questão é que brancos não querem falar sobre serem brancos,
já que tal narrativa é uma narrativa de assassinato, genocídio,
Lugar de fala não é sobre não poder falar, porque todas nós temos estupro, violências físicas e psicológicas.
um lugar. Lugar de fala seria, portanto, falar a partir do espaço Nossos antepassados chegaram nessa terra, que hoje chama-
que se ocupa na sociedade. Muitas de nós já escutamos uma mos de Brasil e escravizaram também povos originários que
fala equivocada sobre termos que permanecer em silêncio so- já habitavam esse espaço. As ideias são: esquecer nossa dívida
bre tais assuntos dos quais não nos pertencem. Como a ques- e deixar que marginalizados se resolvam em sua totalidade?
tão racial que, supostamente, não pertence ao branco, a gor- Esquecer da escravização e ignorar o que ela reflete, até hoje,
dofobia que não pertence ao magro. As falas como “esse não é na nossa sociedade? Ignorar, para que possamos continuar
seu lugar de fala” não vêm em vão. Isso porque a branquitude, fazendo a manutenção do racismo que muitas vezes é feita de
ao invés de se colocar no debate como pertencente à branqui- forma velada?
tude, se coloca como provedora de empatia, onipotente, oni-

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Essa questão me lembra do que Cida Bento26 (2002) chama de tar focalizar o branco é evitar discutir as dimensões do privi-
pacto narcísico da branquitude. Esse silêncio e essa tentativa légio” (BENTO, 2002, p. 28).
de apagamento da nossa narrativa branca e da violência ma- Para tentar exemplificar, vamos imaginar uma cena com pessoas
nuseada por nossos bisavôs, avós e nossa geração, constroem heteronormativas:
outras questões igualmente racistas. Em uma entrevista27 No meio de um bar, uma mulher sentada sozinha em sua mesa,
Cida Bento explica que, o conceito vem de seu estranhamen- entra em conflito com um homem que está acompanhado de
to. Ao se aproximar das questões raciais, percebe que todos seus amigos. Ele se aproxima dela, tenta um beijo, ela diz não
os problemas – exclusão, genocídio, negro que não se vê como e ele insiste, ela segue dizendo não, dessa vez com a voz mais
negro – estavam todos relacionados diretamente à figura pre- firme, demora até ela conseguir sair dessa situação até que ela
ta, enquanto brancos estavam completamente ausentes da reage empurrando o corpo dele, ele a agride verbalmente e sai
conversa. andando, ainda ofendendo. A mulher fica furiosa, grita e olha
Tal conversa não é sobre buscar uma culpabilização, pois a cul- ao redor para ver se tem alguém com ela, mas ela está sozinha.
pa vem de uma religião que não me representa, que é a mesma O homem se retirou da história e todos os outros que estavam
que dita normas sobre todes os corpes. É sim, sobre chamar junto, ficaram em silêncio. Viram a cena, mas não se manifes-
atenção para uma tentativa igualmente racista e agressora, de taram. As pessoas ao redor começam a julgar que a mulher
tirar o agressor do foco e construir uma nova narrativa que ba- está louca, que nada aconteceu. E essa vira a narrativa da noi-
sicamente diz que “a escravização já passou há tanto tempo, te, quando todos começam a comentar “viram a louca que co-
porque negros e indígenas ainda reclamam?”. Pois bem, “Evi- meçou a gritar no meio do bar?”. O agressor sumiu, os outros
que compactuam com a agressão com o silêncio, permanece-
26 Maria Aparecida Silva Bento, foi uma das fundadoras do Cen-
tro de Estudos das Relações do Trabalho e da Desigualdade (Ceert), ram calados e a história se perdeu.
que tem por objetivo conjugar pesquisa e produção de conhecimento Se em uma história de uma telenovela, uma pessoa aparece cho-
para a implementação de programas institucionais de promoção da rando porque alguém puxou o cabelo dela, mas não mostra a
igualdade racial e de gênero. Disponível em: <https://www.geledes.org. pessoa puxando o cabelo, não dá essa narrativa para o público,
br/10-mulheres-negras-ativistas-de-destaque-brasil/>. Acesso em fe- só o diretor de cena e o dramaturgo sabem que antes do choro
vereiro de 2021.
veio um puxão de cabelo, nitidamente, para o público, ela está
27 Disponível em: <https://globoplay.globo.com/v/9081632/pro-
grama/?s=01m26s>. Acesso em fevereiro de 2021. chorando sozinha, sem motivo, pois o agressor não está pre-

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sente. Ou seja, caso a gente exclua da história que o racismo Um dos equívocos mais recorrentes que vemos acontecer
é a confusão entre lugar de fala e representatividade. Uma
foi e ainda é manuseado e alimentado pela branquitude, o que travesti negra pode não se sentir representada por um ho-
sobra? Pessoas pretas revoltadas. Revoltadas com o que? Nin- mem branco cis, mas esse homem branco cis pode teorizar
guém sabe, pois a história perdeu o sujeito agressor. sobre a realidade das pessoas trans e travestis a partir do
Mas porque estou falando sobre isso? O que o movimento anti- lugar de fala que ele ocupa. (RIBEIRO, 2017, p. 84)
gordofobia tem a ver com isso? Tudo. A partir do momento que
mulheres gordas brancas começam a comparar o racismo com Nessa parte, é importante frisar quando Djamila Ribeiro escre-
a gordofobia, estamos mais uma vez silenciando uma parte da ve que homem branco cis pode teorizar sobre pessoas trans
narrativa que é o fato de que mulheres gordas brancas continu- e travestis a partir do lugar de fala dele, a partir do espaço e
am sendo brancas e que, portanto, ainda provém de privilégio corpo que ele habita. Contudo, é importante colocar uma re-
em relação a mulheres gordas pretas. Ao fazer comparações flexão, que acredito que é onde gerou incômodo de pessoas que
de uma luta com a outra, como se sofrêssemos o mesmo que estão às margens, que é: por que um homem branco cis teori-
pessoas negras sofrem, automaticamente se entende, pelo me- zaria sobre vidas de pessoas trans ao invés de teorizar sobre
nos para mim, que já não estamos mais munidas de atitudes sua própria cisgeneridade?
racistas. E será que não estamos? Cida Bento, ao falar sobre a
Acreditamos que não pode haver essa desresponsabilização
ausência do debate racial dentro do debate da luta de classes, do sujeito do poder. A travesti negra fala a partir de sua loca-
diz: “mesmo em situação de pobreza, o branco tem privilégio lização social, assim como o homem branco cis. Se existem
simbólico da brancura, o que não é pouca coisa” (2002, p. 28). poucas travestis negras em espaços de privilégio, é legitimo
Com isso em mente trago uma questão: mulheres gordas bran- que exista uma luta para que elas, de fato, possam ter esco-
cas estão à margem? Sim, mas ainda têm privilégios por serem lhas numa sociedade que as confinam num determinado
brancas. lugar, logo é justa a luta por representação, apesar dos seus
limites. Porém, falar a partir de lugares é também romper
Com a distorção feita pela própria branquitude de “Lugar de com essa lógica de que somente os subalternos falem de suas
Fala”, onde Djamila Ribeiro fala nitidamente sobre a impor- localizações, fazendo com que aqueles inseridos na norma
tância de que todes falem, mas que falem a partir de seus lu- hegemônica sequer se pensem. (RIBEIRO, 2017, p. 84)
gares de fala, fez com que brancos se retirassem da luta e do
debate como se não fossem responsáveis por isso.

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Ou seja, todos nós temos lugares de fala, como é muito bem fosse padrão? Existiria racismo se a brancura fosse padrão?
pontuado pela autora. Precisamos, agora, direcionar nossas Quem alimenta esses padrões?
falas para os espaços que elas de fato pertencem. Mulheres Na escrita da minha monografia28, eu ainda romantizava a luta
gordas brancas falando sobre realidade de gordas pretas, não antigordofobia e tudo bem porque, de fato, naquele momen-
é utilizar de espaço de fala, é se apropriar. Mas, e se pessoas to, a luta havia me resgatado e através do teatro, pude ter e
pretas gordas não estiverem presentes nos espaços? Vamos continuo tendo, outras narrativas sobre corpes gordes, e
nos retirar do debate? Falamos apenas de gordas brancas? A funciona assim até hoje. O teatro, a arte engordurada, me
branquitude não deveria, a partir desse cenário, questionar apresenta a luta antigordofobia de forma mais profunda e po-
sobre a ausência desses corpes? Pensar quais contribuições ética. Hoje percebo que algumas questões não foram ainda
deveriam ser feitas por nossa parte para que essas pessoas abordadas suficientemente por nós, mulheres gordas bran-
pretas pudessem efetivamente se aproximar? Falar sobre a cas e que, como diz Cida Bento, ainda que sejamos margina-
branquitude, é também falar sobre a ausência de corpes pre- lizadas, carregamos a simbologia da brancura.
tes nos espaços. Qual a efetividade de falar sobre corpes au- Um fato grave dentro do movimento é o fato de ele ser domina-
sentes sem a intenção de romper com a hegemonia que nos do por pessoas gordas brancas. Isso não quer dizer que tenha
beneficia? somente pessoas brancas nele, mas por ser maioria, faz com
A branquitude precisa se desconstruir. Precisamos aprender que a narrativa do corpo gordo e branco se sobreponha, já que
a falar de racismo a partir da perspectiva da branquitude, a pessoas brancas carregam narrativas brancas, mesmo sendo
qual nos pertence em sua totalidade, assim como o racismo gordas brancas, LGBTQIA+ brancas, enfim, ainda assim são
também nos pertence, já que nós, enquanto pessoas brancas, corpos brancos e que tendem a carregar problemáticas não
somos responsáveis pela existência e manutenção dessa vio- racializadas, visto que a grande maioria das pessoas brancas
lência. É preciso que a magreza fale sobre gordofobia a partir não se racializa como brancas no debate, nem para falar da sua
da perspectiva da magreza. Isso seria nomear a norma. É im- própria branquitude.
portante que a hegemonia entenda seu lugar e entender seu
lugar está para além de estender a mão e dizer que sente mui- 28 RESSIGNIFICANDO AS BANHAS: Reflexões sobre a corpa
to, é mais sobre ela entender que ela é quem perpetua as vio- gorda a partir da experiência cênica SOB Medida (2019). Disponível em
lências que a beneficiam. Existiria gordofobia se a magreza <https://pergamumweb.udesc.br/biblioteca>.

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Não racializar a gordofobia faz com que histórias únicas apa- gares do mundo, a fim de ampliar o debate e tornar ele mais
reçam, como se todas as pessoas gordas fossem sofrer exata- responsável, menos branco e, portanto, mais inclusivo.
mente o mesmo tipo de opressão, e a intenção dessa escrita é, Vivemos em um país onde, em 2011, a estatística era se que a cada
junto com outras autoras, problematizar o racismo e o apaga- dez empresários, sete não contratavam pessoas gordas30. Ou
mento da racialização dentro da luta antigordofobia. seja, pessoas gordas maiores, brancas ou pretas não estavam
As autoras que citei aqui falam muito bem sobre racismo e gor- inseridas dentro do mercado de trabalho. Por outro lado, te-
dofobia, mas importante situar que elas estão inseridas em mos uma narrativa forte da militância antigordofobia com
outro contexto, outra terra, outra cultura. Tanto Sabrina pautas completamente elitistas que priorizam a discussão so-
Strings, estadunidense, quanto Virgie Tovar, mexicana, falam bre o comprimento do cinto da poltrona do avião. Veja, não que
a partir da realidade de suas vivências dos Estados Unidos29. a segurança não seja importante, mas o que deveria estar no
Mesmo Strings, que faz um apanhado histórico mais amplo foco da pauta? O comprimento do cinto do avião ou as pessoas
sobre a origem racista da gordofobia, ainda assim não chega gordas que não têm oportunidades de trabalho? Quem tem di-
no contexto brasileiro. nheiro para andar de avião já é uma pessoa em um patamar de
Nosso país é colonizado e, embora tenha conquistado sua in- privilégio. E as tantas mulheres gordas que trancam na catra-
dependência, ainda age como uma colônia, ainda é extrema- ca31 de um ônibus e, ao invés de serem ajudadas, são filmadas
mente subalternizado e se comporta como um grande vira-la- e zombadas por todos os presentes naquele ônibus? As gordas
tas, que abomina os países vizinhos da América Latina, suas brancas que hoje são muito conhecidas por fazer vídeo na in-
culturas e línguas e idolatra a cultura do colonizador. Os Es- ternet, carregam pautas elitistas e embora a falta de acessibi-
tados Unidos, embora tenha sido colonizado também, hoje é lidade dentro de transportes designados a pessoas com mais
considerado uma das grandes potências do mundo e é um dos
grandes ditadores de cultura, consciência, moda, corpo e ten- 30 Disponível em: < http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noti-
cia/2011/01/sete-em-cada-dez-empresarios-no-brasil-nao-querem
dências no geral e isso, por si só, já torna o torna um país com
-empregar-gordos.html>. Acesso em fevereiro de 2021.
uma realidade diferente. Assim, esta escrita se faz a partir do 31 Disponível em: <https://www.metropoles.com/brasil/apos-
Brasil, com a ajuda dessas mulheres que falam de outros lu- ficar-presa-em-catraca-de-onibus-mulher-diz-me-senti-um-lixo>.
Acesso em março de 2021.
29 Lógica já apresentada.

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dinheiro seja também importante pensarmos, ainda assim, prego indigno, mas por saber que as condições de trabalho
o movimento falha imensamente quando as pautas princi- de um professor universitário, de um secretário, de um em-
pais sejam sobrecarregadas de questões da branquitude. presário, são muito melhores do que as condições de empre-
Quantas mulheres gordas, pretas e faxineiras conhecemos? go de garis, faxineiras, cozinheiras. Qual a cor de corpo que
Quantas mulheres gordas brancas que são professoras co- ocupa cada cargo citado acima? Qual o tamanho das pesso-
nhecemos? E quantas mulheres gordas pretas professoras as que ocupam cada cargo acima? Agora juntemos esses dois
conhecemos? Façamos juntas o exercício de olhar ao nosso marcadores e repensemos essas perguntas mais uma vez.
redor, o exercício de olhar para a realidade latente aí pre- Com essas questões, vale retomar ao debate um aspecto sobre
sente. O problema não é levantar pautas como acessibilida- o lugar de fala. Lugar de fala tem dois espaços: o de quem
de em avião, poltrona de cinema ou Uber, o problema é que oprime e o de quem é oprimido. Como o movimento anti-
essas pautas abafam pautas como trabalho, classe e raça. gordofobia é majoritariamente branco, se usa a desculpa
Abafam a narrativa de pessoas que só tem acesso à ônibus. do lugar de fala, para não falar sobre racismo, porque se
Ônibus esses que só tem uma poltrona para pessoas gordas acredita que como não é o oprimido, não tem por que falar.
e que, muitas vezes, são ocupadas por qualquer outro corpo Falar do lugar de opressor não é confortável para ninguém,
que não se levanta para que uma pessoa gorda se sente. O mas existe o espaço do opressor, e pensando na relação en-
problema das pautas abordadas aqui, são elas serem coloca- tre pessoas gordas brancas e pretas, pessoas gordas bran-
das como narrativas únicas e, se pensarmos bem, não tem cas são socialmente e estruturalmente, opressoras. É muito
como isso não acontecer, já que quem domina a comunica- confortável não falar sobre a questão em si, porque isso não
ção desse assunto, somos nós, pessoas gordas brancas. gera disputa de narrativa, isso não constrange o branco, mas
É urgente racializarmos o debate da gordofobia, principal- a verdade é que nós pessoas brancas somos responsáveis di-
mente por estarmos em um país onde 56% da população é retas pelo racismo e pela manutenção da branquitude. En-
negra, ou seja, todas as nossas questões sociais são atraves- tão, é obrigação nossa falar sobre branquitude. É obrigação
sadas por raça. Por qual motivo então ignoramos a necessi- nossa resolver esse sistema que mata pessoas pretas todos
dade de racializar a gordofobia? Raça no Brasil define quem os dias. Ser branca e racializar o debate não significa falar
vive e quem morre, quem tem emprego digno e quem não sobre a violência que não vivemos, mas sim sobre a violência
tem. e uso o termo “digno”, não por considerar algum em- que produzimos.

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E esse é outro ponto, violência. Por sermos gordas brancas e sen- pretos, faz com que elas sejam o outro do outro. No caso de
tirmos através da nossa pele grande e gordurosa a dor de car- mulheres gordas pretas que o movimento antigordofobia can-
regar esse corpo, faz com que pensemos que por sermos, tam- sa de silenciar e como Luana coloca que não é diferente dentro
bém, oprimidas não podemos reproduzir outras opressões. do movimento antirracista. Eu me pergunto, onde estão essas
Um equívoco mau-caráter, mas muito reproduzido. Já ouvi de mulheres? Ou avançamos juntas ou uma parte importante
muitas mulheres brancas e magras que elas não são gordofó- sempre ficará para trás, já que ninguém é uma coisa só. Como
bicas, pois elas sabem o que é sofrer pressão estética e mesmo diria minha querida amiga Aline Dias: “nós somos uma pizza
que façamos o trabalho de explicar exatamente a diferença inteira, não um pedaço só”. Importante pensar: quem se inte-
entre pressão estética e gordofobia, ainda assim o discurso se ressa por manter nossos diversos pedaços, separados? Pensar
mantém, pois quem se interessa em se repensar? Qual o cus- gordofobia e não pensar nos diversos recortes, pensar que ela
to de entender que todos nós temos algum tipo de privilégio e tem o mesmo impacto em todos os corpes é apagamento histó-
que isso faz com que carreguemos em cima das nossas costas rico, portanto, um silenciamento.
opressões estruturais contra outros corpos? Seja cis, branco, São vários os problemas racistas dentro do movimento antigor-
hétero, homem, pessoa sem deficiência, qualquer uma dessas dofobia decorrente desse apagamento. Um deles é a constan-
características já é suficiente para que você possa sim oprimir te comparação do corpo gordo branco, com o corpo negro no
qualquer oposto da norma, porque significa que você tem es- plural. Como são dois corpos que sofrem violência a partir da
paço na sociedade. pele, ou seja, a pele é a primeira coisa que se vê, é comum ouvir
Luana Carvalho em uma live32 do Instagram junto com Hello as comparações entre uma opressão e outra, Embora Sabri-
Bielo (2020), diz: “eu sofro racismo dentro do movimento an- na Strings nos mostre que a gordofobia tem a origem racista,
tigordofobia e sofro gordofobia dentro do movimento antirra- é importante entendermos que a trajetória de corpes negres
cista”. Eu diria, facilmente, que mulheres como Luana, pretas gordes e branques gordes é nitidamente diferenciada.
gordas, são o outro do outro do outro, parafraseando Djamila Strings analisa através de seu livro Fearing The Black Body The
Ribeiro no livro Lugar de Fala, onde ela coloca que mulheres Racial Origins Of Fat Phobia (2019), como corpes gordes eram
negras, por estarem abaixo de mulheres brancas e de homens analisados por intelectuais dos séculos XV, XVI até o século
XVIII e demonstra através de registros históricos como um
32 Disponível em: <https://www.instagram.com/p/CDxENoAh-
vV/>. Acesso em agosto de 2020. corpo que era considerado bonito e saudável, como era o corpo

94 95
gordo no século XV, foi se transformando em algo abominável De forma muito sutil, Strings desvenda algo que há anos venho
para a sociedade conforme os países europeus iam se inserin- pensando. Se todas as opressões que nos cercam têm uma ori-
do na rota do tráfico transatlântico de escravos. Strings relata, gem, logo a gordofobia deve ter a sua também. Qual a origem?
Sua pesquisa é precisa em dizer que,
Como observou Simon Gikandi, o tráfico de escravos foi
fundamental para o desenvolvimento da florescente “cul- A gordofobia e a preferência por magreza não tem sido, prin-
tura do gosto”. Dentro dessa cultura, a objetificação dos cipal e historicamente, sobre saúde. É o contrário: elas têm
corpos negros e do trabalho através do tráfico de escravos sido uma das maneiras através das quais os corpos foram
transformou os próprios negros nas figuras sombrias da utilizados para construir e legitimar hierarquias de raça,
modernidade [...] os negros tornaram-se, em outras pala- sexo e classe. (STRING, 2019. p. 10)35
vras, contrapontos estéticos dentro da nova cultura do gos-
to. Isso teve um impacto visível nas representações das mu-
lheres negras [...] mulheres negras eram progressivamente E para complementar sua colocação, diz:
representadas como pequenas, baixas e sujas. As mulheres De acordo com Bourdieu, as elites estão constantemente
brancas dominavam a paisagem de belezas esculturais. 33 trabalhando para se diferenciar das classes inferiores. No
(STRING, 2019. p.34)34 ato de se diferenciar, comumente fazem isto cultivando gos-
tos, dietas e aparências físicas que se encontram no oposto
dos grupos considerados subordinados. Estas “distinções
sociais” servem para naturalizar e normalizar hierarquias
33 O livro de Sabrina Strings não recebeu uma tradução no Brasil sociais. (STRING, 2019. p. 10)36
e, portanto, irei colocarei a versão em português, traduzida por mim, 35 “In this way, the phobia about fatness and the preference for
34 “As Simon Gikandi has noted, the slave trade was fundamental thinness have not, principally or historically, been about health. Instead,
to the development of the bourgeoning ‘culture of taste.’ Within this cul- They have been one way the body has been used to craft and legitimate
ture, the objectification of black bodies and labor through the slave tra- race, sex, and class hierarchies.” Tradução minha.
de turned black people themselves into the shadow figures of modernity 36 “According to Bourdieu, elites are constantly working to diffe-
[...] Black people became, in other words, aesthetic counterpoints within rentiate themselves from the lower classes. In so doing, they often distin-
the budding culture of taste. This had a visible impact on the representa- guish themselves by cultivating tastes, diets, and physical appearances
tions of black women [...] black women were progressively represented as that are in opposition to those of thesubordinated groups. These “social
small, low, and foul. White women dominated the landscape of statues- distinctions” serve to naturalize and normalize social hierarchies.” Tra-
que beauties.” Tradução minhas. dução minha.

96 97
Através de um apanhado histórico sobre a relação da magreza, É necessário entendermos que esses relatos não são sobre mu-
da gordura e da beleza, demonstrando a relação de filósofos, lheres gordas maiores, nem mesmo gordas brancas maiores. A
cientistas e artistas com as corpas das mulheres – desde o pri- história é marcada por preferências que, como dito acima, po-
meiro relato histórico que ela traz - no século XV. É possível demos chamar de beleza mediana, tendo, inclusive, um nome
percebermos que nesse momento da história, homens bran- para isso hoje: o movimento midsize, basicamente constituído
cos e europeus, já eram os responsáveis por ditar padrões nas por mulheres que não são nem gordas e nem magras.
corpas femininas, não sendo diferente dos dias atuais. Para Embora mulheres gordas maiores não tenham sido marcadas
exemplificar, colocarei referências do texto que deixam explí- como interessantes ao longo da história, ainda assim, quando
citas as preferências elaboradas por esses homens a partir de se fala que o bom é médio, mas que caso penda para um lado da
diários e estudos dos próprios. balança, que seja para o lado da gordura e não da magreza, aí
temos um exemplo de preferência pela gordura, o que se mos-
Físicos proporcionais e equilibrados eram reverenciados
pois acreditavam que estes revelavam algo sobre a beleza e tra muito diferente dos dias em que vivemos hoje, em que se
o mistério do divino. Uma mulher pode ver-se considerada for para pender para um lado, que seja o lado da magreza.
“muito magra” ou “muito gorda”, considerando a preferên- Conforme a pesquisa histórica de Strings, o crescimento da po-
cia prevalecente por físicos proporcionais - frequentemente pulação negra na Europa38, devido ao tráfico de africanos es-
implicando físicos “médios”. Mas se a mulher pendesse para cravizados, afetou a representação de beleza feminina no sé-
um lado da balança, geralmente seria melhor ser mais gorda culo XV. Como apresentado por ela, mulheres robustas que
do que ser ridicularizada por ser enquadrada como “magra”
e “ossuda”. (STRINGS, 2019. p. 15)37 apresentavam proporção “correta” e equilíbrio entre seus
membros, eram mulheres bonitas. Com a chegada de mulhe-
res negras na Europa, foi possível perceber que o corpo delas,
37 “Proportionate and well-rounded physiques were revered, as era o corpo que estava sendo desenhado como perfeito, afinal,
they were believed to reveal something of the beauty and mystery of di-
as mulheres negras que estavam chegando no continente eu-
vinity. A woman might find herself being considered ‘too thin’ or ‘too fat,’
given the prevailing preference for proportionate—often implying ‘me- ropeu, eram mulheres fortes, arredondadas.
dium’ — physiques. But if a lady had to err on one side of the scale, a fat
woman was generally preferred to one who might be derisively labeled
‘lean’ or ‘bony.’.” Tradução minha.
38 Lógica já apresentada.

98 99
Mulheres africanas eram vistas como proporcionais e ro- feito em Antuérpia. Katharina foi uma mulher escravizada e
bustas, consequentemente sendo fisicamente atraentes.
Ainda assim se dizia que suas características faciais dis- que viveu em Antuérpia – Bélgica, e Dürer cruzou seu cami-
tintas as tornavam facialmente não atraentes. As mulheres nho no exato momento em que ele estudava a forma humana.
negras foram ainda mais diminuídas devido ao seu status Seu retrato ficou muito conhecido por ser uma exemplificação
servil. Portanto, apesar da reputação das mulheres negras do que a Europa buscava desenhar como padrão de corpo, mas
por suas belezas bem estruturadas, sua suposta fisionomia não facial.
africana e status de escravos se tornaram a base inicial das Dürer não foi o único a pensar sobre a beleza do robusto, Jacopo
“distinções sociais” entre mulheres africanas de baixo sta-
tus e suas contrapartes européias de alto status. (STRINGS, de’Barbari (1440), Giuliano de Médici (1453), Alessandro Bot-
2019. p. 15)39 ticelli (1445), Agnolo Firenzuola (1493), inúmeros homens ci-
tados por Springs ao longo do livro, que se colocaram no papel
Essa análise de Strings se deu através de pinturas da época Re- de estudar a forma humana perfeita, obviamente fazendo um
trato de uma Mulher Africana, Katharina (1521), de Albrecht estudo mais focado e aprofundado na mulher. Todos eles fa-
Dürer (1471), que foi a primeira pintura de uma pessoa negra lavam abertamente sobre suas preferências em mulheres ro-
bustas, nem gordas e nem magras. “Firenzuola [...] afirma que
39 “The burgeoning population of African women as slaves and a mulher ideal está ‘em algum lugar entre magra e gorda, gorda
domestic servants in Northern and western Europe between 1490 and
e suculenta, nas proporções certas’” (STRINGS, p. 23)40, e para
1590 frequently led to the incorporation of black women into the lexicon
of what was defined as “perfect female beauty.” The inclusion of black outros “Gosta-se de um corpo robusto, com membros ágeis e
women as beautiful in both high art and aesthetic discourse was neither capazes, bem colocados e bem proporcionados. Mas eu não
simple nor without problems. African women were described as well-pro- gostaria que minha beleza ideal fosse muito grande ou muito
portioned and plump, and consequently viewed as physically appealing. gorda” (STRINGS, p.23)41.
Yet the burgeoning discourse about Africans suggested that their pur-
ported distinctive facial features made them facially unattractive. Bla-
40 “Firenzuola [...] who states that the ideal woman is ‘somewhe-
ck women were further denigrated due to their servile status. Therefore,
re between lean and fat, plump and juicy, of the right proportions.’”.
despite black women’s reputation as well-formed beauties, their purpor-
Tradução minha.
ted African physiognomy and status as slaves became the early basis of
41 “One likes a robust body, with nimble, capable limbs, well pla-
“social distinctions” between low-status African women and their high
ced and well proportioned. But, I would not want my ideal beauty to be
-status European counterparts.” Tradução minha.
too big or very fat.” Tradução minha.

100 101
Essas preferências e informações sobre o corpo robusto ainda Com essas comparações entre a beleza de mulheres brancas e
não levavam em consideração a presença e beleza de mulheres negras, não demorou para que mulheres negras que, até então
negras roubadas do Continente Africano. Com a ascensão do tinham sua beleza assegurada por pinturas, começassem a ser
tráfico de escravizados, que já se espalhava de forma conside- ilustradas como “pequenas, baixas e sujas. A estética rechon-
rável pela Europa, com exceção de alguns países, como Fran- chuda tornou-se cada vez mais associada às mulheres bran-
ça42, por exemplo, o movimento de incluir corpas de mulhe- cas” (STRINGS, p. 28)44.
res negras nas pinturas foi aumentando de forma perceptível, Durante a pesquisa percebemos mais explicitamente a diferen-
mas, dessa vez, ao invés de serem ilustradas como Katharina ça da gordura no corpo masculino para o corpo feminino. As
foi, elas começaram a ser ilustradas como serventes. Mesmo transformações de paradigmas vão surgindo não só a partir de
que seus corpos fossem considerados bonitos, como coloca observações de pesquisadores da forma humana, mas também
Strings, por cartas escritas de europeus que viviam junto de negros
africanos em certas regiões da África. A partir desse conjun-
A Vênus Africana representa uma peça curiosa sobre a ico-
nografia de Vênus. Por um lado, a escultura se encaixa no to de análises de brancos europeus sobre os corpos de negros
idioma predominante da beleza, representando os “gostos africanos, foi ficando perceptível, através da linha histórica
refinados da elite dominante da Europa” que circulam du- que Strings traz, que a questão negativa em relação a gordura
rante o Renascimento. Seus membros redondos e alongados é porque ela está cada vez mais associada às pessoas negras.
falam da influência do período maneirista, que se estendeu Muitas contestações feitas por homens brancos que visitaram
aproximadamente dos anos 1520 aos anos 1580. Mas como países africanos estavam relacionadas diretamente ao corpo
ela é negra, o escultor também usou alguns marcadores
para indicar seu baixo status social. A Vênus Africana car- físico de pessoas africanas. Na perspectiva europeia, o conti-
rega um pano e veste um cocar que pode significar que ela é nente vivia situações de miséria, e eram poucas as pessoas que
uma empregada doméstica. (STRINGS, 2019. p. 28)43 approximately from the 1520s to the 1580s. But because she is black,
42 Letra minúscula pela mesma lógica já apresentada. the sculptor also used some markers to indicate her low social status.
43 “The African Venus represents a curious play on the Venus The African Venus carries a cloth rag and wears a headdress that may
iconography. On the one hand, the sculpture fits within the prevailing signify that she is a domestic servant.” Tradução minha.
idiom of beauty, representing the “refined tastes of the ruling elite of 44 “Black women were increasingly deemed little, low, and foul.
Europe” circulating during the Renaissance. Her rounded, elongated The plump aesthetic became more and more frequently associated
limbs speak to the influence of the Mannerist period, which extended with white women.” Tradução minha.

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tinham acesso à alimentação digna todos os dias, enquanto no “torna os habitantes geralmente preguiçosos e inativos”.
(STRINGS, 2019. p.47)45
continente Africano, a maioria das pessoas tinham acesso fá-
cil à alimentação, isso por conta das terras abastardas, cheias
de árvores e de frutos. Como um continente tão pouco evolu- É a partir daí que a magreza e a brancura começaram a ser cada
ído vivia melhor que o continente branco europeu, suposta- vez mais associadas à inteligência, enquanto pessoas negras e
mente mais evoluído? gordas foram sendo relacionadas às cabeças ocas, preguiçosas,
As especulações ao redor da ideia de gordura, não surgem à toa. incapazes de pensar, já que a energia estava o tempo todo con-
Enquanto brancos viviam a partir de uma lógica de explora- centrada na digestão e não no intelecto.
ção, trabalho e roubo, pessoas africanas tinham outra relação Essa informação ainda não afetava tão explicitamente o corpo de
preestabelecida com a vida. Uma relação de contemplação e mulheres gordas brancas, mas de homens gordos brancos sim.
respeito com o que a terra tinha para proporcionar. A partir Intelectuais passaram a jejuar constantemente ao longo da
dessas, as especulações em torno do formato da vida de pesso- semana e, quando podiam comer em dias específicos, comiam
as africanas foram crescendo entre os europeus da alta socie- apenas uma vez por dia, e pouco. Com medo de comer, de en-
dade. Principalmente sobre excesso de gordura, sobre excesso gordar e de serem considerados menos intelectuais, assim
de prazeres carnais. Dr. Alexander Stuart, em 1733, segundo como as pessoas negras o eram. A magreza no homem passou
Sabrina Strings, fala a respeito da preguiça proporcionada a ser relacionada diretamente com masculinidade e a mascu-
pela gula e pela gordura: linidade estava ligada diretamente à branquitude, pois eram
os homens brancos e magros que exerciam o poder e o espaço
Essa situação foi causada por excessos e uma falta geral de
autogestão fundamentada, uma vez que eram geralmente da sabedoria. Mulheres brancas apenas coabitavam espaços,
“alimentadores grosseiros, bêbados, corpulentos, de pesco- 45 “This predicament was caused by overeating and a general
ço curto pela constituição” que se sentiam lentos após uma lack of reasoned self-management, since it was usually ‘gross feeders,
refeição. Essa sonolência preguiçosa, argumentou ele, que drunkards, corpulent, short neck’d by constitution’ who felt sluggish
rotineiramente acomoda os robustos e indulgentes, “nun- after a meal. This lazy sleepiness, he argued, which routinely besets the
ca ocorre” àqueles com força mental para serem “pessoas robust and overindulgent, ‘never attends’ those with the force of mind to
temperadas”. Stuart acrescentou ainda que o problema da be “temperate persons.”46 Stuart further added that the problem of post-
letargia pós-refeição era endêmico em climas quentes, o que meal lethargy was endemic in hot climates, which “makes the inhabitants
generally lazy and inactive” Tradução minha.

104 105
tendo que ser apenas bonitas, atraentes e com um corpo niti- Homens gordos podem ter seios maiores e corpos mais ma-
cios. O tratamento cultural aos corpos de homens gordos
damente preparado para parir, como se fossem apenas fornos. centra-se fortemente na retórica sexista. Homens gordos
A voluptuosidade nas mulheres era muito boa; as mulheres geralmente são considerados femininos. Notei que muitos
eram apenas os objetos das fantasias dos homens. A gordura exemplos de gordofobia direcionados aos homens (embora
nos homens indicava falta de autocontrole ou obscuridade. certamente não todos) têm a ver com a ansiedade de que ho-
Para os homens de elite, a esbelteza tornou-se uma prova mens gordos são percebidos como femininos. Então acredi-
corporal de racionalidade e inteligência. (STRINGS, 2019. to que é o ódio cultural do feminino que levam a alguns dos
p.28)46 casos de gordofobia que homens vivenciam. (TOVAR, 2018,
p. 87)

Virgie Tovar em Meu Corpo, Minhas Medidas (2018) aponta re- Para além da questão sexista, precisamos levar em conta o que
flexão de extrema importância sobre a relação da masculini- Strings (2019) traz em seu livro que homens brancos europeus,
dade com a gordofobia, que acredito ser necessária para am- ao analisarem a realidade de homens negros africanos, consi-
pliarmos o debate. Antes de entrarmos na questão específica deraram seus hábitos desinteressantes a partir de uma lógica
de mulheres negras e gordas, há séculos apagadas da narra- que se aproxima do que chamamos de capitalismo hoje. No ca-
tiva, “é importante reconhecer que a misoginia e os homens pitalismo patriarcal quem tem a obrigação estrutural de sus-
têm um papel enorme na manutenção da gordofobia” (TO- tentar a casa são os homens, logo são eles quem devem exercer
VAR, 2018, p. 68), e assim, entendermos como se diferencia a o papel intelectual e provedor, e quando não atingem a meta
gordofobia na questão de gênero, que não corre sozinha e está preestabelecida pela sociedade, eles falham com sua mascu-
sempre acompanhada de raça também. Tovar analisa que, linidade. Ou seja, ser um homem gordo, além de ser associado
a feminilidade – que é uma grande ofensa para homens hete-
ronormativos – não têm os mesmos acessos a empregos que
homens magros tem, isso porque consideram, desde os relatos
46 “In English high society, philosophers had started to rethink the que Strings traz que,
meaning of the fat male body. Voluptuousness in women was all well and
good; women were but the objects of men’s fancies. Fatness in men signa- A “melhor inteligência”, escreveu Charleton, não era “a cus-
led a lack of self-control, or dimness. For elite men, slenderness became tódia de corpos grosseiros e robustos; mas na maioria das
bodily proof of rationality and intelligence” Tradução minha. vezes (são apresentados) em constituições delicadas e ter-

106 107
nas”. Como médico, Charleton provavelmente estava ciente a beleza de mulheres brancas gordas comparadas à beleza de
da crescente preocupação médica em relação à portabilida-
de entre os homens ingleses. Mas, de acordo com muitos in- mulheres gordas negras. Embora mulheres negras estivessem
telectuais da época, a preocupação de Charleton parece ter sendo cada vez mais ilustradas como figuras pequenas, servas
sido menos sobre os efeitos do excesso de gordura no corpo de mulheres brancas, Strings acredita que o que foi determi-
do que sobre o que a corpulência indicava na mente. Quan- nante para que mulheres brancas fossem alertadas sobre gor-
do escreveu sobre os efeitos nocivos da gordura, estava pre- dura, foi a fama de Saartjie Baartman, conhecida como Sara
ocupado com o que a obesidade revelava sobre o caráter e a Baartmane/ou Vênus Hotentote.
capacidade mental do homem que poderia exibir tão aber-
tamente seu corpo rotundo. (STRINGS, 2019, p. 38)47 O medo da imagem concebida da “mulher negra gorda” foi
criado por ideologias raciais e religiosas que foram usa-
Com essa relação entre gordura e masculinidade que Strings nos das para degradar mulheres negras e disciplinar mulheres
apresenta, a beleza em mulheres gordas brancas começou a ser brancas. [...] Este livro mostra a raça como agente duplo. Ele
questionada, pois se a gordura estava relacionada diretamente conecta a repressão sincronizada da “selvageria” negra e a
às pessoas negras e a branquitude precisava afirmar sua hie- geração da branquitude disciplinada. O discurso da gordu-
rarquia racial através de diversas estratégias, obviamente mu- ra sendo “vulgar”, “imoral” e “negra” funcionou para dimi-
nuir mulheres negras, e simultaneamente virou o ímpeto
lheres brancas precisavam se diferenciar também a partir do para a promulgação de figuras esguias como a forma apro-
desenho de corpo. Não era cabível olhar para quadros e pintu- priada para o corpo das mulheres da elite branca e cristã.
ras de pessoas que estudavam formatos de corpo humano e ter (STRING, 2019. p. 10)48

47 “The ‘finest wits’, Charleton wrote, were not ‘the custody of


gross and robust bodies; but for the most part [are lodged] in delicate and 48 “The fear of the imagined ‘fat black woman’ was created by ra-
tender constitutions.’ 80 As a physician, Charleton was likely aware of cial and religious ideologies that have been used to both degrade black
the growing medical concern regarding portliness among English men. women and discipline white women. This is critical, since most analy-
But, in keeping with many intellectuals at the time, Charleton’s own con- ses of race and aesthetics describe the experiences of either black people
cern seems to have been less about the effects of excess fat on the body (and other people of color) or White people. This book reveals race to be a
than about what corpulence indicated about the mind. When he wrote double agent. It entails the synchronized repression of ‘savage’ blackness
about the ill effects of fatness, he was concerned with what obesity reve- and the generation of disciplined whiteness. The discourse of fatness as
aled about the character and mental capacity of the man who might so ‘coarse’, ‘immoral’, and ‘black’ worked to denigrate black women, and it
openly flaunt his rotund body.” Tradução minha. concomitantly became the impetus for the promulgation of slender figu-

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Nesse trecho, Strings já entrega algo essencial para repensar- vê-la e tocá-la. Baartman foi, desde então, até os últimos mo-
mos enquanto luta antigordofobia. A vida de Sara Baartman mentos de sua vida, exibida dentro de um show de horrores, em
determinou consideravelmente o controle sobre o corpo de circos e feiras, como “uma curiosidade erótica e cientifica, um
mulheres brancas e essa parte ficou escondida nos escombros verdadeiro ‘show de horrores etnográficos’” (p. 52). Sua bunda
da história. grande, fruto de um corpo grande e gordo, se tornou motivo de
pesquisa e curiosidade para a branquitude europeia. Segundo
Quem é Sara Baartman? Nascida na Província Oriental do
Cabo da África do Sul em 1789, Baartman foi escraviza- pesquisas da época,
da por pelo menos três homens diferentes ao longo de sua Baartman, também conhecida como Sara ou Saartjie, ti-
vida, mas quem viajou com ela, para exibir seu corpo, ini- nha esteatopigia, uma condição genética que faz com que a
cialmente, foi Hendrik. Hendrik estava com muitas dívidas, pessoa tenha nádegas protuberantes devido à acumulação
vendeu, pelo menos, quatrocentos escravos que tinha para de gordura. Essa condição é mais frequente em mulheres
quitar elas e ficou com Baartman, pois acreditava que exi- e principalmente entre aquelas de origem africana. (BBC,
bir seu corpo lhe geraria lucro. Ele passou a fazer shows de 2016, s/p)50
Sara para os soldados que estavam entre a vida e a morte em
macas de hospitais. Apenas os que tinham como pagar po-
deriam vê-la e “por uma taxa [...] podem ter sido capazes de Com essas informações, é importante frisar que, até aquele mo-
tocá-la ou até fazer sexo com ela” (STRINGS, 2019, p. 52)49. mento, formatos arredondados como o de Sara Baartman,
eram considerados bonitos e saudáveis, afinal, era exatamente
Pouco tempo depois, com a fama de Baartman, Alexander Dun- esse formato que cientistas e pesquisadores da forma huma-
lop enganou Hendrik fazendo com que assinasse papéis, se na, atribuíam à uma boa beleza. No entanto, “a controvérsia
tornando então, o novo escravocrata dela. Com Dunlop, Sara em torno do status de escrava de Sara” (STRINGS, 2019, p.
viajou por diversos países, sendo obrigada a exibir seu corpo 52), mais a ideia de que bunda grande era sinônimo de doença,
nu, contra sua vontade, para todos que pudessem pagar para como esteatopigia, fez com que a classe intelectual repensasse

res as the proper form of embodiment for elite white Christian women.”
Tradução minha. 50 Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/noti-
49 “And for a fee, the dying men may have been able to touch her or cias/2016/01/160110_mulher_circo_africa_lab>. Acesso em fevereiro
even have sex with her” Tradução minha. de 2021.

110 111
sobre beleza e saúde, e Sara, que até então era famosa, passou a do ser, portanto, algo dissociado de características brancas e
ser ignorada por soldados, casas de show, circos e feiras. intelectuais e, por esse motivo, completamente inadequada
Mesmo que com sua fama neste momento não tão elevada, Sara para qualquer pessoa branca. “A gordura estava relacionada à
recebeu e aceitou convites de homens que pretendiam estudar escuridão. Assim, foi tratado como evidência de barbárie, de
sua forma. Foi com Georges Cuvier, com quem ela passou três uma afetação não-branca” (STRINGS, 2019, p. 56)53.
dias para que ele pudesse estudar profundamente seu corpo, Com a mudança de paradigma, a partir disso, “As teorias raciais
querendo, inclusive, estudar sua genitália, algo que fora ime- vincularam a gordura à escuridão na imaginação europeia. E
diatamente recusado por ela, mas que logo após sua morte eles também vincularam a magreza à branquitude” (STRIN-
muito jovem, com apenas vinte e nove anos, Cuvier se aprovei- GS, 2019, p. 57)54, o século XVIII foi marcado pela fome e, ao
ta e abusa de seu corpo, mesmo depois de morta. invés de ser fome resultante da miséria, era a fome resultante
Com o pretexto de estudar a causa de sua morte, Cuvier teve aces- do preconceito da gordura. Tudo sobre comer virou questão.
so ao corpo de Sara, decidindo “cavar a cavidade do corpo dela Quanto, o que, como e onde comer. A velocidade em se alimen-
para escavar a verdadeira natureza de Sara” (STRINGS, 2019, tar, a quantidade de comida que estava presente no prato e
p. 55)51. Com os estudos, Cuvier “considerava a rotundidade como se comportavam perante uma alimentação, pois todas
defeituosa e não sedutora. ‘A forma dela’, escreveu ele sobre essas informações falavam sobre quem era você na sociedade.
Sara, ‘é ainda mais chocante por causa da enormidade de seus Pessoas muito ricas deveriam mostrar as restrições alimenta-
quadris’” (STRINGS, 2019, p. 56)52. Segundo Strings, ele esta- res. Comer pouco ou nada durante o dia.
va de fato com ódio do tamanho do corpo dela. Naquele mo- Com a magreza sendo associada à branquitude e a gordura as-
mento, a gordura já não era considerada bonita ou desejável, sociada às pessoas negras africanas, escravizadas na época,
por todos os argumentos já apresentados, nem para o homem não demorou muito para que cada vez mais pessoas acre-
branco e, a partir de então, nem para a mulher branca, passan- ditassem que ser magro era algo que aproximava da divin-
dade, visto que a gula era considerada pecado. Com isso,
51 “He determined to dig into her body cavity to excavate the true 53 “That fatness was related to blackness. Thus, it was treated as
nature of Sara.” Tradução minha. evidence of barbarism, of a nonwhite affectation” Tradução minha.
52 “Cuvier found rotundity to be defective as opposed to alluring. 54 “Racial theories had linked fatness to blackness in the Euro-
‘Her shape’, he wrote of Sara, ‘is all the more shocking because of the pean imagination. And they had also linked thinness to whiteness.”
enormity of her hips’.” Tradução minha. Tradução minhas.

112 113
mulheres brancas estruturalmente gordas ou maiores que tasse seu raciocínio lógico, mulheres brancas buscavam por
magras passaram a se sujeitar a vômitos, receitas laxantes magreza apenas para não serem comparadas com mulheres
e dietas receitadas por Deus, como relata Thomas Muffet, negras e dessa forma, serem consideradas bonitas.
segundo Strings, A gordofobia nos chega no século XXI com outra roupagem. Re-
vestida ainda de uma história contada há cinco séculos e que
A invenção da dieta veio de um professor mais digno, sim, o
mais digno de todos, o próprio Deus. Pois podemos imaginar nos afeta hoje de forma pouco diferente. Tovar analisa,
que ele ensinou nossos antepassados (tendo pecado), como Há uma advertência a todos [...] como se o sobrepeso fosse
vestir seus corpos, e não como, e quando e com que alimen- contagioso. Esse estilo de publicidade alarmista sutilmen-
tá-los? Aquele que ensinou Abel a fazer dieta com ovelhas o te evoca a ansiedade de que a gordura é transmissível pela
deixaria inábil (sic) a fazer dieta sozinho? (STRINGS, 2019, proximidade com pessoas gordas. Esse medo ilógico de con-
p.61)55 tágio é parte do motivo pelo qual pessoas gordas são social-
mente marginalizadas. (TOVAR, 2018, p. 81)
Com essas dietas divinas que o novo padrão de beleza foi se dese-
nhando. Um padrão branco e magro. Ao longo dos anos, essas Essa advertência desenhada nos nossos corpos gordos até hoje
dietas e ideias de beleza ficaram cada vez mais impregnadas tem suas origens e precisam ser bem explicitadas para que não
na cabeça e no corpo de mulheres. O machismo rompeu com ocorra erro na nossa história. Com o corpo de Sara Baartman
a naturalidade e passou a impor padrões de belezas não da sendo exposto como corpo incorreto e aberrante, jornais e ar-
mesma forma que impõe para homens. Homens brancos e ma- tigos da época começaram a apelar para que mulheres brancas
gros também são considerados como norma, como imagem a cuidassem com a alimentação e começassem a fazer dietas,
ser seguida, porém por motivos diferentes. Enquanto homens já que a magreza pertencia a branquitude europeia e a gordu-
brancos buscavam por magreza para que a comida não afe- ra pertencia, principalmente, às mulheres negras africanas.
55 “The Invention of Diet [came] from a more worthy Teacher, Com a primeira onda do feminismo – branco –, mulheres co-
yea, the worthiest of all, God himself. For can we imagine that he tau- meçaram a advertir que esses apelos eram controles contra o
ght our Forefathers (having sinned), how to clothe their Bodies, and corpo feminino – cis e branco –, e sim, era e é até hoje. Mas o
not how, and when, and wherewith to feed them? He that taught Abel
que não foram capazes de pontuar é que dietas foram impos-
how to diet Sheep, would leave him unskilful [sic] how to diet himself?”
Tradução minha. tas às mulheres brancas para que elas, em medida alguma, fi-

114 115
cassem parecidas com mulheres negras africanas. Existiu um A partir dessa análise de Virgie Tovar junto de Sirius Bonner,
início nesta questão que hoje é sabido e precisa ser lembrado. chamo mais uma vez a responsabilidade para mulheres gor-
A magreza, por ser sinônimo da branquitude, era e é, também, das brancas. A origem da gordofobia pode sim ser racista,
responsável pela manutenção da mesma. mas é necessário e urgente que entendamos que a origem do
Ao analisar uma campanha de combate à obesidade infantil, corpo branco para o corpo preto, é explicitamente diferen-
nos Estados Unidos, Tovar observa três imagens. A primeira te. Enquanto mulheres negras eram gordas e desenhadas de
imagem é de um jovem branco gordo, a segunda de uma jovem forma racista, mulheres brancas tiveram a atenção chama-
branca gorda e a terceira de uma jovem negra e gorda. Tovar da para seus corpos, não porque não podiam ser gordas, mas
questiona o teor das mensagens que as imagens carregam. A sim porque não podiam ser comparadas as mulheres negras.
primeira imagem diz: “A prevenção ao sobrepeso começa em É necessário que entendamos a diferença para que raciali-
casa e na fila do bufê”, a segunda: “Às vezes é bem difícil ser zemos o debate a partir da nossa branquitude silenciadora e
uma garotinha” e a terceira: “O sobrepeso pode ser engraça- opressora.
do para você, mas está me matando”. Ao perceber o tom pejo- Racializar o debate da luta não significa comparar a gordofo-
rativo de classe e gênero nas duas primeiras imagens, Tovar bia com o racismo. Significa implicar mulheres gordas pretas
analisa o racismo da terceira e última imagem. Por que as duas no debate. Descentralizar a branquitude que existe no mo-
primeiras frases estão na terceira pessoa e a última frase está vimento. Como fazemos isso? Talvez um bom começo seja
na primeira pessoa? Sirius Bonner analisa junto com Tovar: parar de colocar o corpo gordo branco como o contador uni-
versal de fatos, como Tovar anuncia na citação acima. Quan-
Mulheres negras e gordas têm um lugar muito particular
na consciência pública. [...] A mudança da terceira pessoa do a luta antigordofobia, alimentada com força por maioria
para a primeira leva a conversa para fora do plano universal, branca e feminina, coloca as que mulheres gordas (brancas)
lembrando o observador da relação binária entre branco e no centro da mesa e não interseccionalizam o debate, colo-
preto. Corpos brancos podem ser vistos como representa- cando mais uma vez a figura branca como universal, estamos
tivos de todas as pessoas, mas em nossa cultura, a mesma sendo responsáveis por apagar histórias de mulheres negras
versatilidade não é concedida aos corpos negros. (TOVAR, gordas e, portanto, sendo racistas. Mais uma vez, racializar o
2017, p. 89)
debate da gordofobia não significa comparar a luta de mulhe-
res gordas brancas com a luta de mulheres gordas pretas.

116 117
Um exemplo racista colocado por mulheres gordas brancas que só porque a pessoa é magra, ele ainda está ali e esse tipo de
desejo expor para me fazer entender melhor, pude ler escar- fala apaga parte da história.
rado no livro A Gorda, de Isabela Figueiredo (2018). Isabela é Os problemas da gordofobia são enormes. É falta de acesso,
uma menina gorda de Portugal56 que tem uma melhor amiga falta de pertencimento, não poder estar, não poder ser,
chamada Tony. Tony é uma menina preta africana de Moçam- não poder viver. Tudo dói e eu também sinto a dor, porém,
bique. No livro, Isabela relata a constante sensação de inferio- essa dor não me tira da estrutura e sociedade que vivemos.
ridade em relação à amiga, Tony. Estamos completamente aptos para reproduzir opressões
e é urgente que a gente fale sobre tudo isso.
Acompanhar a Tony era uma fonte de stress, porque ela
atraía os olhares dos rapazes e isso piorava minha situação. O debate antigordofobia ou qualquer outro debate não pode
Estando ao seu lado, facilmente veriam a bela e, dois passos e não deve estar única e exclusivamente nas mãos de pes-
atrás, o monstro. Ela chamava-me. “Esta é a minha amiga”, soas gordas brancas, porque enquanto essa for a narrativa
apresentava, sentindo-se necessitada de companhia que única, continuaremos ignorando histórias como a de pes-
não a ameaçasse. (FIGUERIREDO, 2018, p. 30) soas gordas racializadas pobres que correm de médico em
médico para poderem ter seus filhos tranquilas sem que
Essa fala da menina gorda branca de Portugal que se coloca o médico afirme que ela vai morrer. Ignoramos histórias
inferior à amiga magra preta de Moçambique, não leva em de mulheres gordas maiores, pobres, não necessariamente
consideração em momento nenhum a hipersexualização negras, mas pobres, que não tem dinheiro para comprar
de mulheres negras. É uma análise rasa e irresponsável e, roupa do seu tamanho, porque todas as roupas +60 custam
inclusive, já tive o desprazer de ouvir de mulheres gordas sempre mais que o dobro do que roupas para pessoas ma-
brancas do movimento, que achavam que mulheres pre- gras e isso faz com que ela fique presa dentro de casa an-
tas magras eram mais privilegiadas, porque caso ela “fos- dando enrolada em um lençol. Ignoramos mulheres pretas
se em uma festa com as amigas pretas magras, a chance gordas que ao pegar ônibus, reclamam seu direito de sen-
de elas saírem acompanhadas, era maior”. Eu sei que ter tar-se na única poltrona disponível para pessoas gordas,
o afeto negado é algo que dói, mas colocado dessa forma, enquanto uma pessoa magra está sentada e ainda ter que
invisibiliza questões profundas. O racismo não é apagado ouvir humilhações, levar tapas no rosto enquanto escuta
56 Lógica já apresentada. que é uma “vaca gorda”.

118 119
As histórias precisam ser contadas e elas não estão no Insta- Pois bem, com todas essas informações agora postas, qual nos-
gram, nas redes sociais ou no próprio Google. Essas histórias sa função social enquanto mulheres gordas e brancas? Pode-
são repassadas internamente, porque ninguém quer falar so- ria escrever uma resposta conclusiva, dando uma lista do que
bre corpos gordos marginalizados, as pessoas querem ouvir acho que se deve fazer ou não, mas não é algo que tenhamos
discurso bonito, ver pessoas gordas vestidas de forma bonita, respostas prontas e não coletivas. É importante que todas
enquanto afirmam que se amar é tudo. Que poder é esse de se nós nos repensemos. Repensemos nossos hábitos, nossa luta
amar? Quando foi que se amar e ter autoestima botou comida e nossas referências. Onde estão as mulheres negras gordas no
na mesa de alguém? Direitos básicos, acessibilidades básicas ciclo de amigues de cada pessoa que parou para ler esse traba-
são negadas para corpos gordos brancos, mas principalmente lho cheio de dúvidas e questões não resolvíveis? Onde estão?
para corpos gordos pretos, porque o racismo está presente em Quem são as pessoas gordas que estão ocupando o centro do
todos os lugares. Ele sim é onipresente. E enquanto acessibili- debate? Quem são as pessoas gordas que estamos vendo falar
dade e direitos básicos forem privilégio, significa que estamos sobre gordofobia na internet? É nossa obrigação rachar com os
muito longe e, se continuarmos fechando os olhos para a his- padrões e assim o faremos.
tória, demoraremos mais ainda.
A gordofobia surgiu a partir de uma perspectiva colonial, de pro-
cessos de racialização, de medo do corpo negro, como Sabri-
na Strings explica detalhadamente e fala de diferentes casos,
perspectivas que falam sobre como a escravização e a coloni-
zação tiveram um papel principal na narrativa de corpo que
temos hoje. O apagamento dessa narrativa é resultado de um
movimento antigordofóbico, dominado por mulheres brancas
gordas e que consideram que existe um controle contra seus
corpos, o que é fato, mas ignora que o controle surge de um
fato racista. Lutamos para que possamos ser livres, mas não
mencionamos que o início disso tudo, é para que nós, não seja-
mos comparadas com mulheres negras.

120 121
POSFÁCIO
por Jussara Belchior

O que fazer depois de tantas perguntas?


Gaia Colzani está o tempo todo nos questionando. Suas per-
guntas são como um convite para estarmos juntes na luta.
Convite para quem? Para todas as pessoas que compreen-
dem que a norma precisa ser destruída, que a exclusão so-
cial é uma lógica violenta e que toda forma de opressão deve
ser erradicada. Você captou o convite? Sentiu um incômodo
amargando a garganta? Uma vontade de se mexer?
As perguntas de Gaia não demandam respostas, necessaria-
mente, mas sim ações. São provocações, cutucadas daque-
las que nos fazem dar um pulinho, desviando o corpo do lu-
gar de conforto e da inércia. Como uma chamada de atenção
para coisas que pareciam estar resolvidas, coisas que se re-
petem tanto que até parecem consenso, coisas que aparen-
tam ser pacíficas, mas que escondem camadas de violência
e opressão. Você consegue perceber? Consegue reparar o
quanto ainda precisamos avançar nas lutas sociais? É capaz

123
de nomear seus privilégios mesmo quando fala das opres- tividade. Você se atenta para perceber as possíveis intersec-
sões que sofre? cionalidades nas lutas de pessoas ao seu redor? Quer aprender
Gaia nos pede por posicionamento, principalmente a suas com- com pessoas que têm, simultaneamente, similaridade e dispa-
panheiras gordas e brancas – como eu –, para que pensemos ridade nas experiências de vida que você tem?
no modo como lutamos. Ela conversa conosco em busca da co- A escrita acadêmica também costuma ser um processo muito so-
letividade defende. Mas, como agir em coletivo? Gaia aponta litário, talvez por isso Gaia opte por uma escrita que chama
um trajeto possível: partilhando nossas histórias, conhecen- para o diálogo. Um diálogo mesmo, daqueles que todas as par-
do histórias de outras pessoas e fazendo dessa troca um mo- tes participantes estão dispostas a saírem transformadas. Por
vimento antiapagamento histórico. Qual vai ser seu próximo isso ela não nos dá respostas, ela não está falando sozinha, ela
passo? quer nos ouvir. Assim, ela consegue ultrapassar os muros da
Descobri, ao ler esse livro, que Gaia me chama de irmã. Senti meu academia, fazendo o conhecimento circular onde interessa, e,
peito se aquecer ao lembrar dos momentos da nossa MANA- principalmente, formar redes, já que aposta na comunicação.
DA, nas salas de ensaio ou nas videochamadas online. A força Transformar sua dissertação em livro é prova dessa investida
do coletivo é algo que se sente. Ela reverbera em nosso corpo e um passo na direção de uma realidade outra. Como podemos
como calor, como vontade de se mover, como segurança de ter reverberar ainda mais essa discussão?
um lugar para ser você mesma, com todas suas dores, bravura Sua escrita-desabafo, como ela mesma chama, é manifestação da
e contradições. Quais coletivos você habita? Como você acolhe urgência em se repensar como vamos lutar para desmantelar
as pessoas que estão ao seu lado? as estruturas excludentes em que vivemos. Ao contarmos nos-
A gordofobia costuma nos colocar em isolamento, tanto por nos sas histórias acabamos nos aproximando de pessoas como nós
fazer sentir culpa por sermos pessoas gordas e por ocuparmos ou de pessoas aliadas, que buscam por mudanças como nós.
muito espaço, como pela falta de acesso a espaços onde caiba- Quer partilhar um pouco de você? Lembre-se, você escolhe
mos (cadeiras, catracas, macas etc.) ou pela falta de opções de como e com quem.
vestimenta. Essa solidão nos adoece e pode até matar. Nós pre- Os questionamentos de Gaia nos fazem rever nossas escolhas e
cisamos estar em coletivo, buscar forças umas nas outras. Mas agir em prol do coletivo. Nós podemos confiar que nosso corpo
essa união não é planificadora, ela é plural. Reconhecer que a gordo acumula experiências de forma sábia, zelando por nossa
opressão nos afeta de jeitos diferentes é um passo dessa cole- sobrevivência e galgando por uma existência digna. Também

124 125
aprendemos com as vivências de outras pessoas. Escutamos
para poder modelar nossas verdades e certezas. Esse movi-
mento é nossa arma. Nosso saber gordo constrói no entendi-
mento das relações entre o pessoal e o político. Você vem com
a gente? Vamos engordecer o mundo juntes?
O que fazer depois de tantas perguntas? Seguir perguntando.
Persistir na coletividade: na troca, na escuta e no questiona-
mento. Gaia nos mostra que refletir sobre o modo como as
coisas acontecem ou sobre como nós produzimos e reproduzi-
mos no mundo é uma maneira de manter uma postura crítica.
A pergunta que pode nos acompanhar nessa jornada é: quais
perguntas devemos fazer para mudar o que precisa ser trans-
formado agora?

126
LISTA DE IMAGENS

1: “Apresentação de SOB Medida no III Colóquio Internacional


Pensar a Cena Contemporânea” (2017). Fotografia de Uila Rol-
dan. Fonte: Acervo da pesquisadora. Capa e p. 9
2: “Apresentação de SOB Medida no III Colóquio Internacional
Pensar a Cena Contemporânea” (2017). Fotografia de Uila Rol-
dan. Fonte: Acervo da pesquisadora. p. 39
3. “Apresentação de SOB Medida na I Mostra Dissidente de Tea-
tro Político – SESC Prainha (2019). Fotografia de Mhirley Lo-
pes. Fonte: Acervo da pesquisadora. p. 59
4. “Apresentação de SOB Medida na I Mostra Dissidente de Tea-
tro Político – SESC Prainha (2019). Fotografia de Mhirley Lo-
pes. Fonte: Acervo da pesquisadora. p. 53
5. “Apresentação de SOB Medida II Seminário Internacional
Corpo Performativo: Dissidentes e Abjetos. (2018),. Fotografia
de Castello. Fonte: Acervo da pesquisadora. p. 54
6. “Apresentação de M.O.P.P – Manuseio Operacional de Produ-
tos Perigosos na Universidade do Estado de Santa Catarina –
UDESC, na mostra da disciplina de Direção Teatral I (2018). Fo- REFERÊNCIAS
tografia de Jerusa Mary. Fonte: Acervo da pesquisadora. p. 58
7. “Apresentação de M.O.P.P – Manuseio Operacional de Pro-
dutos Perigosos na Universidade do Estado de Santa Cata-
rina – UDESC, na mostra da disciplina de Direção Teatral I
(2018). Fotografia de Jerusa Mary. Fonte: Acervo da pesqui-
sadora . p. 59
8. “Apresentação de M.O.P.P – Manuseio Operacional de Produ-
tos Perigosos na Universidade do Estado de Santa Catarina –
UDESC, na mostra da disciplina de Direção Teatral I (2018). AFP-RELAXNEWS. O IMC não é o jeito mais eficaz de medir a
Fotografia de Jerusa Mary. Fonte: Acervo da pesquisadora. p. 61 massa corporal. Gazeta do Povo. Disponível em:
9. “Apresentação de M.O.P.P – Manuseio Operacional de Pro- <https://www.gazetadopovo.com.br/viver-bem/saude-e-bem
dutos Perigosos na Universidade do Estado de Santa Catarina -estar/saude/o-imc-nao-e-o-jeito-mais-eficaz-de-medir-a
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a Lei no 11.346, de 15 de setembro de 2006, que cria o Sistema
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - SISAN com
vistas a assegurar o direito humano à alimentação adequada,
institui a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutri-
cional - PNSAN, estabelece os parâmetros para a elaboração
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Sete em cada dez empresários no Brasil não querem empregar
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presarios-no-Brasil-nao-querem-empregar-gordos.html>.
Acesso em abril de 2021.
XØKE (@xokeartedeguerra) • Fotos e vídeos do Instagram. Ins-
tagram. Disponível em: <https://www.instagram.com/xoke-
artedeguerra/>. Acesso em abril de 2021.
SOBRE A AUTORA

Taynara Colzani da Rocha (1995), conhecida como Gaia Colzani é uma


artista e pesquisadora da arte, nascida em Santa Catarina na cida-
de de São José, Grande Florianópolis, no bairro periférico Jardim
Zanellato. Filha de professora e policial, funcionários públicos, Gaia
Colzani estudante de escola pública, ingressa na Universidade do
Estado de Santa Catarina aos dezenove anos no curso de Licenciatu-
ra em Teatro, utilizando o espaço da academia para pesquisar meto-
dologias e estratégias para a inclusão segura e responsável de corpes
gordes. Finaliza sua graduação aos vinte e quatro e em seguida já en-
tra para o mestrado em Teatro, também na Universidade do Estado
de Santa Catarina, onde seguiu dedicando-se aos estudos de práticas
corporais como forma de autoconhecimento e resistência. É criado-
ra, dramaturga, produtora e diretora de – SOB Medida (2017-2020).
Desenvolve suas pesquisas preferencialmente em coletivo por acre-
ditar na potência que corpes em junção podem ter. Participou do
Coletivo MANADA (2017), primeiro coletivo de pessoas gordas das
artes da cena do sul do Brasil. Este livro é fruto de sua dissertação,
de seus encontros, de seus afetos, que nascem lá na escola pública e
agora tem o objetivo de voltar para lá, para instigar debates e trans-
formações dentro deste espaço de disputa, que é a escola.
Gaia Colzani
©

texto original
Gaia Colzani

prefácio
Aline Dias dos Santos (Tolegí)

posfácio
por Jussara Belchior

foto
Uila Roldan, Mhirley Lopes, Castello,
Jerusa Mary

revisão & assitência editorial


Ines Saber de Mello

Edição, Capa, Projeto Gráfico &


Diagramação
Rodrigo Acioli

titivilluseditora@gmail.com
www.titivilluseditora.com
ENGORDECER
AFETOS
DANÇADOS

GAIA COLZANI

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