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Pelo Fim do Imperativo Genital: tirem seus saberes/poderes dos nossos corpos!
Fátima Lima.
Bom, bom dia a todas e todas. É um imenso prazer participar da construção dessa mesa,
alguns motivos que colocarei logo mais. Antes agradeço imensamente a Maria
Aparecida Moysés, carinhosamente Cida pelo convite, pelo acolhimento, pela aposta.
estes que têm uma relação direta com as implicações políticas e éticas na construção de
comum, de mundos possíveis, não pautado pela igualdade como nos fez crer os
chamados Direitos Humanos ( porque não somos todos/as iguais), mas um comum onde
crítica e mais do que isso, evocar a urgência política da despatologização das vidas. A
existir em e nos mundo s- precisam reivindicar o próprio estatuto de vida e de uma vida
que minimize ou destrua alguns marcadores de poderes que os e nos assujeitam. Isso
me ressoa como um sinalizador que conversa com Antonin Artaud esse francês louco e
tão mal compreendido nos seus delírios produtivos quando nos dizia “ o homem está
doente porque ele é mal construído”. Tem que ser muito mal construído para em pleno
exercício da vida ter que reinvidicar, evocar, clamar por vidas despatologizadas, as
Assim, aqui coloco a primeira provocação para o debate: Por que chegamos ao ponto de
inquieta..que pode nos inquietar: o que aconteceu que fez/fizeram da(s) vida(s) espaços
social, econômica e política. Ao mesmo tempo em que o corpo social foi o alvo das
ideias do que deveria ser corpos saudáveis, normais, belos, atléticos, patrióticos, enfim
chorar, tomar um drink, exercer um luto, fazer sexo, rir, comprar e, inclusive se permitir
na ideia de “doenças”.
marcadores de saber e poder que agem a todo instante sobre as vidas e um desses
saber/poder, considero esta mesa uma interferência; não porque mistura uma acadêmica
e não acadêmicas/os.. Estou para além desses dualismos (prefiro pensar como o Deleuze
e o Guattari muito mais pelo e, e, e, do que pelo ou, ou), mesmo considerando que, por
vezes, ele necessita ser assinalado, mas considero esta mesa uma interferência na
lugares de fala, sem precisar questionar, como pergunta como questiona Spivak, quando
nos provoca numa obra cujo título contém a seguinte indagação: „ pode o/a subalterno/a
falar?”
Responderia: não só pode, como fala a todo instante, subverte, não se deixa assujeitar,
controlar por completo. Subalterno/a (termo o qual não aprecio muito) aqui não é
entendido como inferior, mas percebido/a como aqueles/as que estão marcados/as por
desejos e subjetividades. Por isso, considero essa mesa uma interferência em mim e em
Somos todos e todas, em algum grau, patologizados, mas não tenho dúvidas que certos
modos de vidas são mais patologizados do que outros, principalmente aqueles e aquelas
Outro ponto que quero ressaltar e que me parece importante é o fato da construção dessa
mesa em torno das questões que tocam a construção social dos corpos, gêneros,
que toca, em primeiro e último plano esses processos, são os corpos e subjetividades, as
subjetividades e corpos. Entendendo aqui que o corpo não é apenas individual. O corpo
sobre determinados grupos sociais, sobre coletividades, sobre a vida social. O Direito e
a Medicina que regula meu útero, não regula só o meu útero, o meu corpo, mas um
conjunto de sujeitos onde a partir de uma certa anatomia que nos designou como fêmeas
cuja norma e sua força rasgam nossos corpos de maneira muito violenta. Precisamos
trazer as multiplicidades das vidas e dos corpos lembrando o velho Espinoza na “Ética
III - Da origem e da natureza das afecções quando nos alertava “(...) ninguém, na
verdade, até o presente, determinou o que pode o corpo, isto é, a experiência não
ensinou a ninguém, até o presente, o que, considerado apenas como corporal pelas leis
Feito este preâmbulo necessário, o título de minha fala é: Pelo fim do imperativo
genital: tirem seus saberes e poderes dos nossos corpos. Decidi desta vez e, nesta mesa,
nos provocar sobre um espaço, um território ficcional que constituem um dos grandes
com a força desses „signos‟ construiu todo um sistema de explicação e significação que,
contemporaneidade para que a possibilidade tão convidativa que dar o título a este
imperativo genital recaem inúmeras violências que tocam radicalmente os corpos das
crianças, das mulheres, das travestis, dos e das transexuais, os corpos também dos
designados homens e tantos outros corpos que reinvidicam outros nomes, outras auto
vontade de saber” - questionando justamente essa vontade louca que temos de saber
sobre os/as outro/as, seus corpos, e sexualidades - Foucault nos traz, entre tantas
dependente da caridade de uns e de outros. Este jovem supostamente pego nas cercanias
este o apresenta a polícia que aciona o juiz que aciona uma junta médica que o examina,
o inquire, o vasculha para encerrá-lo até o final de sua vida no hospital de Maréville,
Anatomia do Doutor Tulp” de 1632. Este quadro me intriga muito..por várias razões,
mas principalmente pelos olhares curiosos sobre o corpo, olhares que são expressões de
Este quadro é um dos ícones da anatomia moderna que se consolidou com muita força a
partir dos séculos XVI e XVII. E o corpo deitado, olhado, invadido, dissecado, alguém
Adriaans, também conhecido por Aris Kint, acusado por roubo e que tinha sido
enforcado.
Alguns séculos nos separam deste quadro, nos separam também da história de Jouy,
prostitutas na antiga Vila Mimosa já denunciado tantas vezes por Gabriela Leite; quais
as continuidades e diferenças entre esses dois exemplos que trago como disparadores e
ambulatórios, pelos serviços que atendem transexuais, sujeitos e corpos que são alvos
nome da saúde. Não muito distante, em agosto desse ano a Faculdade de Medicina da
USP fora alvo novamente de intensos debates e críticas onde alguns/as estudantes se
corpos com um braço, uma perna, uma mama, sem mamas, sem útero, corpos
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multiplicidade das vidas e dos viveres, apagam a condição constitutiva da vida que dois
pensadores, que tenho como intercessores - que é o Gilles Deleuze e o Félix Guattari -
infinitas. E ainda nos dizem mais esses autores; nos dizem: é preciso parar de gritar
„viva ao múltiplo” ..É preciso fazer valer a multiplicidade, em ato, ações, que são mais
que meros discursos apenas; são antes de tudo práticas, posturas éticas que construímos
frente ao outro e a nós mesmos. A vida pede ética. A ética das singularidades, a ética da
fascismos que há em todos e todas nós aqui. Inclusive fascismos que em nome da
Voltemos ao tema das genitálias, ou melhor, a questão do imperativo genital que tenta
ligar o sexo, aos gêneros, as sexualidades e aos desejos que tão bem uma filósofa
americana chamada Judith Butler denunciou como uma falsa estabilidade de uma matriz
que confere aos corpos inteligibilidades. Porque o título de minha fala trás uma
inquietação, ou melhor, faz uma provocação quando pede, evoca o fim ao imperativo
genital? Com certeza, o debate promovido por Espinoza na Ética nos convida a pensar
muitas coisas, principalmente a radical dualidade entre corpo e alma (mente) e a forma
como certa biologia, herdada dos séculos XVIII e XIX, tomou os corpos como algo
os sujeitos seus corpos e subjetividades têm sido tomados por correntes mais
corpos para além dos limites instituídos a partir de certa anatomia e da ideia da natureza
como algo intrínseco e imutável, tomando sujeitos e corpos como uma complexidade
vivido em suas múltiplas dimensões. Através dos corpos os sujeitos instauram o mundo,
a nossa relação com o outro, com o mundo (corpo social), a dimensão de alteridade nas
existências.
ideia de que até o final do século XVIII as explicações sobre as diferenças entre homens
do sexo feminino era explicada em oposição ao sexo masculino, modelo que prevalecia
O que é possível fazer diante dos processos de patologização que produzem e controlam
traz uma provocação para dizer que o corpo pode; pode porque o corpo é potência, é
no biológico.
mundos; não um mundos no sentido de uma única e grande comunidade igual - coisa
que não acredito e partilho - nem um mundo idílico, livre de poderes e saberes, livre dos
determinismos de certa biologia que amarram o sexo aos desejos, as prazeres, as vidas.
heterocentrado. Isso é muito mais do que o uso da barra entre os artigos o/a, muito mais
que a invenção de um novo pronome ou a criação de outras categorias que acabam por
se engessar na política das identidades. Nos diz Preciado: “ o que tem que sacudir são as
Assim, que as parcas inquietações que trago contribuam para diferentes exercícios aqui
sujeitos e corpos pela não determinação dos órgãos e pelos padrões estabelecidos e
estigmatizantes, mas tome-os como espaço das produções desejantes aberto para
potência da vida, a vida como dizia o velho Foucault “como obra de arte”..É
possível..Senão não estaríamos aqui. O que nos une todas/os aqui.. acadêmicas, não
pensar que temos que gente é para brilhar em pequenos glamours ou em grandes, mas
quando nos dizia “antes da vida , a política”..eu completo: antes da vida e da política, a