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FILOSOFIA

CONTEMPORÂNEA

Fernanda Franklin Seixas


Marcuse e Walter Benjamin
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Avaliar a perspectiva de Marcuse sobre a propaganda e a libido.


 Explicar os conceitos de aura e reprodutibilidade técnica de Benjamin.
 Descrever a crítica da história de Benjamin à possibilidade de Revolução.

Introdução
As teorias de Marcuse e Benjamin são muito importantes para a filosofia
contemporânea. Esses filósofos analisam crítica e reflexivamente a teoria
marxista, pontuando conceitos e categorias sobre a origem, a implemen-
tação e as consequências de sua aplicação prática.
Neste capítulo, você vai estudar a perspectiva de Marcuse sobre a
propaganda e a libido. Também vai conhecer os conceitos de aura e
reprodutibilidade técnica de Benjamin e a crítica desse filósofo à ideia de
progresso. Esse estudo vai contribuir para que você compreenda cada
vez melhor a filosofia contemporânea.

A propaganda e a libido na perspectiva


de Marcuse
Herbert Marcuse (1898–1978) foi um representante da escola de Frankfurt.
Ele atuou ao lado de Walter Benjamin, Max Horkheimer, Theodor W. Adorno,
Jürgen Habermas e Erich Fromm na Universidade de Frankfurt, fundada em
1924 na Alemanha.
Marcuse desenvolveu seu pensamento influenciado pela psicanálise de
Freud e pelos ideais do marxismo crítico. Segundo Freud, o mundo real ne-
cessita da repressão dos instintos para o desenvolvimento da civilização, uma
vez que o mundo natural do homem não se harmoniza com a organização
política do Estado. Nesse sentido, Freud sustenta que a civilização só acontece
com o ato repressivo.
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Marcuse, apesar de concordar com Freud sobre o diagnóstico dessas


possibilidades repressivas, por ter uma visão marxista, não coaduna com a
repressão como algo permanente na sociedade. Para ele, as repressões são
uma necessidade específica de determinado tempo. Quando esse tempo se
encerra, as exigências de liberdade passam a ser outras.
Segundo Marcuse, é essencial a criação de condições de libertação para
o homem, o que é obtido pela “dessublimação repressiva”. Isso permite com-
preender a dinâmica da sociedade contemporânea, que, ao mesmo tempo em
que possibilita maior “liberdade” e satisfação das necessidades, é aprisionada
por essa mesma liberdade, uma vez que o sistema a utiliza como um pode-
roso instrumento de dominação. Assim, a liberdade passa a ter uma função
manipuladora e controladora dos indivíduos, de suas consciências, de seus
desejos e necessidades.

Segundo Freud, a sublimação é o processo psíquico segundo o qual as pulsões sexuais


(parciais) perdem sua meta sexual imediata e se satisfazem em objetos não diretamente
sexuais (LAPLANCHE; PONTALIS, 2001).

Dessa forma, é possível afirmar que essa sublimação leva a uma “dessexu-
alização”, que é necessária, segundo esses autores, para a vida em sociedade.
Do contrário, não seriam viáveis as relações interpessoais, a família, a amizade,
o trabalho social, o progresso, a investigação intelectual e a criação artística.
Para Marcuse, existe na arte uma sobrevivência da imagem de um mundo
diferente, existe a denúncia e a necessidade de libertação. Ou seja, a arte “[...]
conserva a consciência infeliz do mundo dividido, as possibilidades derrotadas,
as esperanças não concretizadas e as promessas traídas” (MARCUSE, 1969,
p. 73). Segundo o filósofo, a diferença entre a arte e a propaganda e outros
produtos culturais é que, se “Comparada com o otimismo da propaganda, a
arte está impregnada de pessimismo. O riso libertador lembra o perigo e a
calamidade”. Nesse sentido, o “[...] pessimismo não é contrarrevolucionário,
mas serve para advertir sobre a consciência feliz” (MARCUSE, 1999, p. 25).
Ou seja, a arte é desgarrada até mesmo das pessoas às quais ela se destina.
Assim, segundo Marcuse, o reforço do controle sobre as consciências
possibilita o afrouxamento dos tabus sexuais. Na verdade, a libertação da
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sexualidade não contraria a sociedade, posto que esta controla o indivíduo.


Acontece a chamada “dessublimação da sexualidade”, e sua libertação re-
presenta um elemento de coesão social. Ocorre que essa libertação continua
sendo uma libertação de uma sociedade repressiva sofrendo um processo de
dessublimação repressiva. Isso atua como mais uma força de manutenção do
sistema social.
Nesse sentido, para Marcuse, há a libertação repressiva da sexualidade,
pois essa não é contrária ao “princípio de realidade”. Pelo contrário, mantém
tal princípio, uma vez que não reestabelece a libido polimórfica nem a energia
erótica de Eros (presentes na sexualidade não sublimada). Na verdade, ocorre
uma energização da sexualidade genital repressiva.
Assim, a sexualidade atual é diferente da sexualidade descrita por Freud.
Com essa “libertação”, a sexualidade foi integrada ao processo de trabalho, à
propaganda e aos meios de comunicação de massa. Então, é considerada uma
mercadoria, possuindo valor de troca e não de uso:

Sem deixar de ser um instrumento de trabalho, o corpo tem permissão para


exibir suas características sexuais no mundo do trabalho [...]. Esta é uma
das realizações originais da sociedade industrial — tornada possível com a
redução da sujeira e do trabalho pesado; pela disponibilidade de roupas ba-
ratas e atraentes, cultivo da beleza e higiene física, [...] etc. As escriturárias e
balconistas sensuais, o chefe de seção e as superintendentes atraentes e viris
são mercadorias altamente comercializáveis [...] (MARCUSE, 1969, p. 84).

Assim, segundo Marcuse, nessa realidade, a teoria crítica tem o objetivo


de desfazer a falsa “consciência feliz”, desmascarando a realidade repressora.
Nesse sentido, a oposição entre a sexualidade e a labuta, a realidade da repres-
são e a possibilidade da repressão demonstram esse papel da crítica. Afinal,
a satisfação e a felicidade só são possíveis quando realmente interiorizadas,
eliminando a função social da sexualidade.

Para Marcuse (1963, p. 212), “Em uma sociedade repressiva, a felicidade individual e
o autodesenvolvimento produtivo estão em contradição com a sociedade: se eles
são definidos como valores a se realizar no interior desta sociedade, tornam-se eles
mesmos repressivos”.
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Conceitos de aura e reprodutibilidade


técnica de Benjamin
Walter Benedix Schönflies Benjamin (1892–1940), assim como Marcuse, foi
ligado à escola de Frankfurt e à teoria crítica. Além de filósofo e sociólogo,
foi também ensaísta, crítico literário e tradutor. Ele foi fortemente inspirado
pelo marxismo e pelo judaísmo.
Benjamin ficou conhecido pelos conceitos de aura e reprodutibilidade
técnica, que se inserem no âmbito da obra de arte. Por meio desses concei-
tos, o filósofo aplica os fundamentos da teoria marxista à obra de arte. Esse
assunto envolvia uma altercação à época na Europa. Discutia-se se o artista
tinha de criar ou inovar e qual seria a sua função diante das novas tecnologias
de produção e reprodução de arte (fotografia e cinema) na esfera cultural.
Walter Benjamin definiu a aura como “[...] uma figura singular, composta
de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante,
por mais perto que ela esteja” (BENJAMIN, 1994, p. 170). A aura possui como
características a autenticidade e a unicidade. Como autenticidade, Benjamin
designa a qualidade que permite verificar que a obra é um objeto único.
Segundo ele, a autenticidade é constituída pela própria substância da obra,
localizada no espaço e no tempo, a partir da qual sua tradição é formada. Ela
é o que define o “aqui e agora” da obra de arte (BENJAMIN, 1994). Assim, a
obra não é constituída apenas por elementos físicos, mas por todo um contexto
histórico, em que ficam registradas as alterações físicas sofridas pela obra e
suas relações de propriedade.
A outra característica da aura é a unicidade, ou seja, é o caráter único e
tradicional da obra de arte. Essa característica está vinculada ao valor do culto, à
sua sacralização, já que a arte surgiu para servir a rituais e a cultos. Não obstante,
Benjamin afirma que a obra de arte, pelo menos na sua essência, é reprodutível,
já que tudo que é criado por um ser humano pode ser reproduzido por outro.
As técnicas, contudo, são condicionadas pela época, assim como a qualidade
e o volume em que são realizadas influenciam as reproduções. De qualquer
modo, as reproduções, mesmo as que utilizam as tecnologias mais avançadas,
não seriam capazes de reproduzir as características da aura. Ou seja, para
Benjamin, tanto a autenticidade quanto a unicidade de uma obra de arte aurática
são irreproduzíveis. Em suas palavras, “[...] com a reprodutibilidade técnica,
a obra de arte se emancipa, pela primeira vez na história, de sua existência
parasitária, destacando-se do ritual” (BENJAMIN, 1994, p. 171).
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Nesse sentido, para Benjamin, na era da reprodutibilidade técnica


(1935), muitas transformações afetaram a obra de arte, o que influenciou
diretamente a autenticidade e a unicidade, que foram superadas, acarre-
tando uma atrofia da aura. Com a existência serial, encerra-se o caráter
unitário da obra, que deixa de possuir um caráter fixo no tempo e no
espaço (BENJAMIN, 1994).

A crítica de Benjamin à ideia de progresso


A crítica dialética de Benjamin à história está ligada ao conceito de progresso.
Assim, o filósofo desenvolve uma versão própria do materialismo histórico,
dispersa do conceito de progresso, propondo em seu lugar o conceito de “atu-
alização”. Para tanto, Benjamin elabora um método oposto ao formalismo da
metodologia tradicional, desligado da construção do objeto que está sendo
analisado. Tal método seria capaz de possibilitar o desvendamento da des-
continuidade na continuidade dos processos históricos e suas rupturas. Esse
método é chamado de método literário.
Com ele, Benjamin decifrou a expressão da cultura, influenciada pela
vida material do capitalismo da época e por suas formas de produção de
mercadorias. Tais formas de produção foram capazes de transformar a cultura
também em mercadoria. Benjamim, por meio da montagem literária, propõe
pensar a história como uma mera projeção linear no tempo, reconstruindo
os períodos, sendo essa a base de sua crítica à ideia de progresso.
É na quebra desse paradigma de progresso que está a única possibilidade
de resgate do passado e da tradição que saia dos vencedores (burgueses). Nesse
sentido, a história deve ser vista como um objeto de reconstrução, libertando
o passado da eterna repetição da vitória da burguesia e constituindo um en-
contro do passado com o presente. Para Benjamin, esse encontro propõe uma
revolução no modo como o pensamento se constrói. Fica de lado o pensamento
conceitual e entra em cena um pensamento feito por imagens, ganhando o
status de conhecimento imediato e constituindo uma verdadeira revolução na
maneira de se pensar o tempo.
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BENJAMIN, W. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Obras escolhidas:


Magia e técnica, arte e política. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. B. Vocabulário de psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
MARCUSE, H. A dimensão estética. Portugal: Ed. 70., 1999.
MARCUSE, H. A ideologia da sociedade industrial. Rio de Janeiro: Zahar, 1969.
MARCUSE, H. Eros et civilization. Paris: Editions Minuit, 1963.
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