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1. Com dez, vinte, trinta anos de antecedência, os intelectuais esquerdistas de maior peso
discutem e elaboram os conceitos e a linguagem das novas idéias destinadas a revigorar e
ampliar o movimento revolucionário mundial.
5. Essas propostas são então espalhadas pelo mundo por meio de uma infinidade de livros,
artigos, conferências, filmes, espetáculos de teatro, sempre subsidiados pelas mesmas
fontes, mas apresentados como iniciativas independentes, de modo a dar a impressão de
que a mudança planejada provém de uma fatalidade histórica impessoal e não de uma ação
organizada. Ao mesmo tempo, desencadeia-se um conjunto de operações preventivas
destinadas a neutralizar, reprimir e, se necessário, criminalizar toda resistência.
7. Só então as propostas chegam aos países do Terceiro Mundo, por meio de ONGs e agentes
pagos que as inoculam primeiro nos círculos de intelectuais mais ativos, que as
retransmitem aos estudantes e à mídia, não raro apresentando-as como suas criações
pessoais e originalíssimas, de modo que a multidão dos aderentes não tenha a mais mínima
idéia da existência de um empreendimento internacional organizado por trás dos efeitos
políticos que se seguem inexoravelmente.
9. A última etapa é a produção desses efeitos, por meio dos agentes políticos – militância
organizada, agentes de influência, legisladores – que transformam as propostas em leis e
instituições.
Na última etapa, as origens intelectuais das propostas,
a formação de equipes de estudiosos qualificados para fazer esse rastreamento e expor aos olhos da
multidão o processo inteiro da “transformação social”, para que ela perca seu prestígio místico
de fatalidade histórica ou vontade divina e possa ser discutida às claras como qualquer outro
projeto de poder.
Infelizmente, as forças econômico-sociais cuja sobrevivência
tornou-se monopólio da elite esquerdista internacional. O mero fracasso econômico das propostas
socialistas não diminui em nada o poder hipnótico que exercem sobre a multidão nem o
controle hegemônico da esquerda sobre o processo histórico, porque esse fracasso é apenas
um fato, e os fatos não se transformam por si em elementos de persuasão quando não
integrados como símbolos num universo imaginário, isto é, quando não trabalhados dentro de
um plano cultural abrangente e de longo prazo, precisamente o que falta por completo às
forças liberal-conservadoras.
O próprio preconceito economicista que se apossou dessas forças,
nasce o profundo desinteresse que os liberais e conservadores têm pelo debate interno de idéias na
esquerda. Como o conteúdo desse debate lhes parece falso e alucinatório e por isso
supremamente tedioso, não percebem que por trás dessa falsidade e alucinação há um método
e uma estratégia. Nem muito menos que a falsidade louca de uma idéia jamais foi obstáculo ao
seu sucesso político. Enquanto os liberais e conservadores discutem economia, criando
esquemas saudáveis e racionais que jamais serão levados à prática, os esquerdistas, a salvo
de qualquer fiscalização crítica da parte de seus adversários, inventam as mentiras e
alucinações com que dominarão a consciência das multidões e conduzirão o processo histórico
para onde bem entendam, com a facilidade com que um menino-pastor puxa um búfalo de
uma tonelada pela argola do nariz.
Vou dar aqui um único exemplo de doutrina alucinatória
que jamais vi despertar o interesse dos liberais e conservadores brasileiros e que por isso mesmo
consegue praticamente dominar o ambiente universitário, cultural e midiático nacional,
influenciando o curso dos acontecimentos e impondo derrotas humilhantes à racionalidade
econômica liberal-conservadora.
Como em artigos vindouros pretendo abordar aqui vários fenômenos da política brasileira que jamais
teriam podido produzir-se exceto num ambiente intelectual dominado por essa escola, a
utilidade essencial de conhecê-la se tornará mais evidente nas próximas semanas.
Usei o termo “escola”, mas os próprios desconstrucionistas o rejeitam.
Também não aceitam que o desconstrucionismo seja definido como uma filosofia, um método de
interpretação, um projeto acadêmico ou qualquer outra coisa. Não aceitam definição nenhuma,
o que já coloca o recém-chegado na obrigação de escolher entre embarcar às cegas na
aventura sem nome ou, ficando de fora, não poder criticá-la sem ser acusado de
incompreensão leiga. À entrada do templo desconstrucionista, portanto, um cartaz em letras
de fogo já anuncia: “Ame-o ou deixe-o.” Mas deixá-lo significa excluir-se a si próprio da
comunidade acadêmica e ser considerado um ignorante ou reacionário, um escravo do
universo lingüístico pré-desconstrucionista e, portanto, um virtual objeto de desconstrução.
Não há terceira alternativa entre desconstruir e ser desconstruído – e esta última hipótese não
significa apenas ser objeto de análise corrosiva, mas de destruição social e profissional.
A desconstrução parte da premissa lingüística de Ferdinand de Saussure
de que a língua é um sistema no qual o sentido de cada palavra é a diferença entre ela e todas as
outras. O sacerdote supremo do desconstrucionismo, Jacques Derrida, joga essa premissa
contra as pretensões científicas da própria lingüística, ao concluir daí que, se a língua é um
sistema de diferenças entre signos, ela não tem qualquer referência a um “significado”
externo. Tudo o que o ser humano diz, escreve ou pensa é apenas a exploração das
possibilidades internas do sistema. Não tem nada a ver com “realidade”, “fatos” etc. O
universo inteiro ao alcance do pensamento humano é constituído de “textos” ou “discursos”,
mas, como não há nenhuma realidade externa pela qual esses discursos possam ser aferidos,
não tem sentido falar de discursos “verdadeiros” ou “falsos”. Não existe representação da
realidade. Todo discurso é livre invenção de significados.
Obtida essa conclusão, Derrida interpreta-a em sentido nietzscheano,
só o que existe é o ato de poder que cria uma ficção chamada “eu” e outra ficção chamada “objeto”.
O motivo que produz a necessidade de criar essa ficção é o desejo de escapar da morte, da
aniquilação. Mas a morte é inescapável, é a “realidade”. Portanto a função de todos os
discursos é negar a realidade e a sua tradução cognitiva, a verdade. Nisso consiste o poder, a
genuína liberdade. O Evangelho (João, VIII:32) dizia que a liberdade nasce do conhecimento
da verdade. Para Derrida e os desconstrucionistas em geral, a liberdade consiste em negar a
verdade, afirmando, com isso, o próprio poder.
No início alguns marxistas ficaram alarmados com a nova filosofia,
que, ao negar a realidade, punha em xeque toda pretensão de conhecer as leis objetivas do processo
histórico. Mas Derrida logo conseguiu acalmá-los, mostrando que, se o desconstrucionismo era
ruim para a teoria marxista, era bom para o movimento revolucionário, dando-lhe não só os
meios de corroer toda a cultura ocidental por meio da negação do significado em geral, mas
também de afirmar o seu próprio poder ilimitadamente: livre das coerções da realidade
objetiva, imune portanto a qualquer cobrança na esfera dos argumentos racionais, ele poderia
impor sua vontade por todos os meios ficcionais possíveis, enquanto seus adversários,
travados por escrúpulos de realidade e lógica, observariam inermes a sua ascensão irresistível.
Todo o empreendimento desconstrucionista é, de fato, uma
resposta prática
ao apelo formulado pelo marxista húngaro Georg Lukacs, ao perceber que o grande obstáculo ao
comunismo não era o poder econômico da burguesia, mas dois milênios de civilização judaico-
cristã. “Quem nos livrará da civilização ocidental?”, perguntava angustiado Lukacs. Quem logo
se apresentou como primeirão da fila foi o nazista Martin Heidegger. Destruição – Destruktion
– é a palavra-chave de tudo o que ele fez na vida: desde escrever e depois desescrever Ser e
Tempo até aplaudir a ascensão do Führer e recusar-se a esclarecer o assunto depois da II
Guerra, deixando seus fãs numa dúvida perturbadora que dava à sua filosofia ainda mais sex
appeal. A essência da filosofia de Martin Heidegger consiste em abolir o Logos, o verbo divino
que faz a ponte entre o pensamento humano e a realidade externa, e colocar em seu lugar a
“vontade de poder” do Führer. Heidegger foi o primeiro herói da guerra contra o
“logocentrismo”. A convergência entre seus esforços filosóficos e os objetivos de Georg Lukacs
foi o pacto Ribbentropp-Molotov da filosofia. Mas Heidegger, afinal, não criou como substitutivo
para a civilização judaico-cristã nada além da filosofia de Martin Heidegger, que só serve para
quem a entende. Derrida et caterva transmutaram essa filosofia num projeto acadêmico
indefinidamente subsidiável e num movimento político do qual milhões podem participar sem
entender coisa nenhuma do que estão fazendo. Tinha de ser mesmo um sucesso triunfal.
Ainda mais triunfal foi essa ascensão no Brasil,
onde o temor reverencial à moda acadêmica francesa, o prestígio sacral do discurso incompreensível
e a síntese de pedantismo e ignorância que constitui a forma mentis inconfundível da nossa
classe universitária erigiram o desconstrucionismo num culto fanático que não apenas repele
contestações mas nem mesmo admite a existência delas.
Um traço peculiar do desconstrucionismo, que no Brasil
foi acentuado até suas últimas conseqüências, é que, ao negar a existência da verdade, ele não
abdica de atacar a “mentira”. Quando ele o faz perante um público que desconhece a nuance
específica que o termo tem para um desconstrucionista, a platéia acredita que ele está
defendendo a “verdade”. Mas, no círculo interno, sabe-se que não existe verdade. “Mentira”,
pois, é apenas aquilo que se opõe à ficção preferida do grupo desconstrucionista, à sua
“vontade de poder”. Inversa e complementarmente, o termo “verdade”, ao ser usado pelo
desconstrucionista perante os leigos, significará para estes uma representação adequada da
realidade comprovável, mas, entre os iniciados, sabe-se que isto não existe e que o emprego
do termo se destina apenas a explorar as ilusões do público para induzi-lo a submeter-se às
ilusões e desejos do grupo ativista. Nesse sentido, pode-se e deve-se estigmatizar como
“mentira” os fatos mais amplamente comprovados e impor como “verdade” qualquer
mentirinha boba conscientemente inventada para vitaminar a “vontade de poder” do
movimento.
Objetivamente falando, o valor inteiro do projeto desconstrucionista
depende da premissa saussuriana de que o sentido de uma palavra é apenas a diferença entre ela e
todas as outras. Essa premissa é falsa. Suponham a frase: “Jacques Derrida morreu.” A
diferença entre Jacques Derrida e todos os outros seres dotados de nomes humanos é a
mesma quer ele esteja vivo ou morto. A diferença entre morrer e estar vivo, por sua vez, é a
mesma quer você esteja vivo ou morto. Mas, se Jacques Derrida morreu, a diferença entre ele
e todos os outros continua intacta, enquanto ele, o indivíduo Jacques Derrida, não será mais
visto por aí dando palestras e encantando milhões de idiotas. Ou a expressão “Jacques
Derrida” significa algo mais do que a diferença entre ela e todas as outras, ou tabnto faz
Jacques Derrida estar morto ou vivo. Do mesmo modo, uma frase como “Não há mais comida”
é a mesma – e suas diferenças em relação a todas as outras são as mesmas -- quer você a
diga como puro exemplo verbal ou como expressão de um estado de fato. A diferença neste
último caso está na presença ou ausência física de comida, que não é a mesma coisa que a
“ausência do objeto” na mera formulação saussuriana do significado como diferença entre uma
frase e todas as demais. Esta diferença é a mesma com comida ou sem comida. A falta de
comida não é bem isso.
Reparando em detalhes como esse, o próprio Jacques Derrida
Antecipadamente agradeço à sua atenção e tolerância, pois sem você, nada disso,
faz sentido. obrigado.
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