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Janeiro 1996 Revista Adusp

LDB, UMA QUESTÃO EMBLEMÁTICA


NA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA
Romualdo Portela de Oliveira

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Revista Adusp Janeiro 1996

tramitação da Lei de Diretrizes e Bases restan Fernandes aprovado na Câmara dos Depu-

A
da Educação Nacional (LDB-EN) tem tados, sobre bolsas de estudo para o ensino supe-
se constituído no principal palco de dis- rior, o Senador Darcy Ribeiro reapresentou seu
putas em torno da definição, no âmbito projeto de LDB, como emenda. Com a mudança
do Poder Legislativo, dos rumos da de legislatura e de governo, o projeto Darcy pas-
educação brasileira. Explicitar os riscos sou a ser claramente apoiado pelo Ministério da
que a escola pública de qualidade para todos corre Educação, tendo inclusive o Ministro Paulo Rena-
nesse processo é o objetivo deste pequeno artigo. to declarado em diversas ocasiões que tal projeto
A LDB é uma lei complementar que regulamen- contava com tal apoio.
ta a Constituição Federal na área de educação. Após Assim, os dois projetos passaram a tramitar para-
a promulgação da Constituição Federal em outubro lelamente. Em agosto deste ano, uma das versões do
de 1989, iniciou-se o processo de sua discussão. A projeto Darcy foi aprovada na Comissão de Educa-
Câmara dos Deputados utilizou, para sua elabora- ção e Cultura do Senado, ganhando, assim, o direito
ção, o mesmo processo da Constituinte, recorrendo à primazia de apresentação em Plenário. Apesar dos
à convocação de representantes das diferentes enti- protestos dos setores articulados em torno do Fó-
dades da sociedade civil, ligadas à área da educação, rum em Defesa da Escola Pública, tal projeto, que
para, em audiências públicas, apresentar suas posi- desconsidera o amplo processo de consultas à socie-
ções e reivindicações. Participaram destas audiên- dade civil organizada, é o que está sendo apreciado
cias, nos mesmos moldes da Constituinte, muitas en- pelo Senado. A tática adotada pelos Senadores que
tidades da sociedade civil, entre as quais a própria se alinham com as posições do Fórum em Defesa da
representação do Fórum em Defesa da Escola Públi- Escola Pública, com posição contrária apenas da
ca. Este processo, bastante democrático para a tradi- Andes, que optou por não apresentar emendas para
ção brasileira, conformou um projeto de lei que pro- não legitimar o processo, foi a de apresentar o maior
curava sintetizar o acúmulo de discussão sobre edu- número possível de emendas para atrasar o proces-
cação na sociedade brasileira contemporânea. O so. Desta maneira, o projeto não foi votado ainda
principal organismo a intervir nesse processo foi o este ano, devendo sê-lo apenas no próximo ano.
Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, que Após a eventual aprovação de um projeto no Se-
reúne mais de 15 entidades nacionais, desde entida- nado, este será encaminhado para a Câmara, que
des sindicais e científicas da área educacional até poderá apenas suprimir partes ou retomar seu proje-
Centrais Sindicais. Seu ponto de aglutinação é a de- to original, mas não alterá-lo substancialmente.
fesa de uma escola pública de qualidade para todos. Quando finalmente for aprovado na Câmara, o pro-
Após longo processo de discussão, o projeto de jeto irá à sanção presidencial, que poderá vetar par-
LDB foi aprovado na Câmara dos Deputados e en- tes que para serem derrubadas pela Câmara terão
caminhado ao Senado Federal para a respectiva dis- de obter maioria qualificada.
cussão em meados de 1993. Apenas depois de todo este processo, que não se
Ao mesmo tempo em que o projeto de LDB tra- imagina terminará em breve, é que teremos uma no-
mitava na Câmara dos Deputados, o Senador Darcy va LDB. A demora na tramitação de projetos de
Ribeiro (PDT-RJ), juntamente com os Senadores LDB entre nós, a julgar pelo que tivemos anterior-
Marco Maciel (PFL-PE) e Maurício Corrêa (PDT- mente, o da Lei nº 4.024/61, ainda teremos muito
DF), apresentou um projeto no Senado que descon- chão pela frente. O Projeto que originou a Lei
siderava o processo da Câmara. Além disso, o proje- nº 4.024 foi originalmente encaminhado para apre-
to Darcy, como se tornou conhecido, apresentava di- ciação do Poder Legislativo em 1948, tendo sido
versos pontos que contrariavam o acúmulo do deba- aprovado apenas em 1961, treze anos depois.
te no âmbito da sociedade civil. Como mecanismo de burlar este processo, a op-
O projeto aprovado na Câmara foi encaminhado ção que o Poder Executivo tem adotado é a de “pin-
ao Senado, tendo ganho a preferência para votação çar” alguns temas da LDB e procurar implementá-
em relação ao projeto Darcy. No Senado, o projeto los, segundo seus interesses, através de medidas pro-
da Câmara adquiriu o número 45/93 tendo sido en- visórias. A mais notória destas medidas foi a que ex-
caminhado para apreciação na Comissão de Educa- tinguiu o antigo Conselho Federal de Educação e
ção e Cultura. O relator designado para apreciá-lo instituiu o Conselho Nacional de Educação, com
foi o Senador Cid Saboia (PMDB-CE). O substituti- uma composição original muito próxima da compo-
vo Cid Saboia absorvia os principais aspectos do sição prevista pelo projeto de LDB da Câmara. Esta
projeto da Câmara, contando com o apoio do Fó- medida provisória vem sendo sucessivamente reedi-
rum Nacional em Defesa da Escola Pública, tendo tada com alterações, de tal modo que a composição
recebido o número 101/93. atual, prevista na última versão da MP, já é bastante
Ao apagar das luzes da legislatura passada, em diferente da original.
1993, ao se discutir um projeto do deputado Flo- O Ministério da Educação tem anunciado que a
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partir de agora irá implementar, de fato, a organiza- zação, e que apesar de não ser cumprida em termos
ção do CNE. Assim, acaba se institucionalizando a práticos, permanece como responsabilidade do Esta-
prática de o Executivo legislar antecipadamente em do, e cuja efetivação pode ser exigida judicialmente,
relação ao Legislativo, induzindo temas e procedi- como relato em trabalho recente (1995), e uma ou-
mentos, o que não configura um procedimento iné- tra situação em que o Poder Público se “conforma”
dito na nossa prática política. com uma situação perversa de exclusão social.
Ante a reação de educadores e estudantes, as
O período de escolarização gratuita e obrigatória sucessivas versões do projeto Darcy foram ameni-
zando esta posição. Num primeiro momento acei-
Dados os limites desse texto, vou comentar aque- tando a tese da manutenção da escolarização gra-
la que considero a principal diferença entre os dois tuita e obrigatória em oito anos, mas com a emis-
projetos, e que tem se tornado um dos principais são de um diploma ao final do quinto ano e, poste-
pontos de polêmica na riormente, com a aceita-
educação brasileira ção da possibilidade de
atual, por se constituir O que tem gerado polêmica desde a divisão do ensino gratuito
em uma questão de alto e obrigatório em dois ci-
sentido emblemático, a apresentação da primeira versão do clos, como consta deste
que se refere à forma de último projeto.
organização do ensino projeto Darcy Ribeiro é que ao se É sintomático que a
fundamental. idéia de se aceitar a divi-
Desde a LDB de mencionar a obrigatoriedade e são do ensino fundamen-
1971, o período de esco- tal em dois ciclos seja
larização gratuita e obri- gratuidade para “o ensino aceita, em nível legal, ao
gatória no Brasil foi es- mesmo tempo em que a
tendido de 4 para 8 Secretaria Estadual de
anos. A Constituição de
fundamental”, não se mencionou a Educação de São Paulo
1988 formulou esta de- está implementando, de
claração de direito, no duração deste ensino fundamental. O cima para baixo e utilizan-
artigo 208, nos seguintes do um método extrema-
termos: projeto Darcy defendia a redução do mente autoritário, incom-
“O dever do Estado patível com a vigência de
com a educação será período de escolarização obrigatória uma democracia, um pro-
efetivado mediante a ga- jeto de segmentação da
rantia de: de oito para cinco anos. escola fundamental pau-
I - ensino fundamen- lista, a mais significativa
tal, obrigatório e gratui- em termos nacionais.
to, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na O que se busca aqui, para além do mérito da
idade própria;” questão em si, é atingir a idéia de que a legislação
O que tem gerado polêmica desde a apresenta- possa ser um espaço garantidor de direitos, pelo me-
ção da primeira versão do projeto Darcy Ribeiro é nos em termos potenciais. Pela primeira vez em nos-
que ao se mencionar a obrigatoriedade e gratuidade sa história educacional teríamos um projeto reduzin-
para “o ensino fundamental”, não se mencionou a do direitos. Suas implicações do ponto de vista do
duração deste ensino fundamental. O projeto Darcy imaginário político são significativas.
defendia a redução do período de escolarização
obrigatória de oito para cinco anos.
Tal proposta, ao afirmar que é aproximadamente Romualdo Portela de Oliveira é Professor da Faculdade
este o período de escolarização realmente cursado de Educação e autor, juntamente com Afrânio M.
pela população brasileira, se rende a esta situação, e Catani, do livro “Constituições Estaduais Brasileiras
defende a tese de que é este o período de escolariza- e Educação”.
ção gratuito e obrigatório que deveria ser consigna-
Bibliografia:
do na legislação. Apesar de todo o apelo de “reali-
BRITO, Vera Lúcia Alves. (1991). Propostas para a LDB: a questão
dade” de que se reveste, tem um claro sentido de ex- da escola pública/ privada. Belo Horizonte, Dissertação de Mes-
clusão social, bastante compatível com o ideário trado - FAE-UFMG.
neoliberal de redução da presença do Estado na vida MINTO, Cesar Augusto & MURANAKA, Maria Aparecida Segat-
social e econômica. to. (1995). Educação: à margem das prerrogativas legais. In.
É evidente a diferença existente entre uma pro- Oliveira, Romualdo Portela de. Política Educacional: impasses e
posta de legislação que amplie o período de escolari- alternativas. São Paulo, Cortez.

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