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Introdrução..........................................................05
Notas preliminares sobre a história.............................08
Fundamentos da fé..................................................................18
Fundação...................................................................61
A razão do homem medieval.......................................86
Quem tem medo da Idade Média................................107
Cruzadas..................................................................159
A mulher medieval e suas circunstâncias...................186
INTRODUÇÃO
2. Maria e os santos
“Queres saber a verdadeira interpretação da Bíblia?
Estude a vida dos Santos” SJPII
Cedo ou tarde em nossa caminhada na Fé paramos e
nos perguntamos. Seja por um complexo de inferiorida-
de protestante ou por uma dúvida sincera. Por que de-
vemos estudar a vida dos santos? A começar temos a
nossa própria vida. Nela não temos a noção e a idéia de
linearidade (um Início, um meio e um fim). Não temos
um início porque pouco nos lembramos da nossa Infân-
cia, nem de como fomos gerados. Não temos um meio
porque somos desfragmentados: num dia somos como
São Francisco e em outro somos como um stálin. Não
temos um fim porque ainda estamos vivos e a trama da
nossa vida só acaba na nossa morte. Porém, queremos
ser santos. Desejamos alcançar esse grande ideal da hu-
manidade e imitarmos a Jesus cada vez melhor. Mas
como? Se nossos atos perdem a referência justamente
por não conseguirmos ter um bom ideal comparativo?
De início meio e fim? Aí vem a vida dos santos.
O santo é aquele sujeito que conseguiu integrar
nessa confusão não linear da vida a integridade da per-
sonalidade de Jesus nos evangelhos. Nesse sentido São
João Paulo II diz: Quer saber a verdadeira interpretação
da Bíblia? Veja a vida dos santos! É com a vida deles
que conseguimos enxergar um início, um meio e um
fim para toda a trama cristã numa alma devota. Mas há
ainda um certo problema: os períodos históricos que
os santos se inserem são diferentes dos nossos e o de
Jesus mais ainda. E como em cada época as heresias
mudam, os estilos e os pecados tendem a ser outros,
faz-se necessário que cada época possua seu santo. "O
santo é um remédio porque ele é um antídoto. De fato,
é por isso que o santo frequentemente é um mártir;
ele é confundido com um veneno porque ele é um antí-
doto. Em geral, ele será encontrado restaurando a sa-
nidade do mundo ao exagerar o que o mundo negli-
gencia, o que não é, de forma alguma, a mesma coisa
em cada era. Porém, cada geração busca seu santo por
instinto; e ele não é o que as pessoas querem, mas o
que as pessoas precisam" - G.K. Chesterton - 'Santo
Tomás de Aquino'.
Aí vem a segunda importância que é captar na vida de
cada um deles o princípio inicial e guardar cada situa-
ção vivida por eles: quanto mais, melhor. Ver um santo
casado me dará a idéia de ser um bom esposo, um inte-
lectual, a medida de ser um bom estudioso/mestre;
uma esposa, uma boa mãe, uma boa religiosa. Um
santo orando, ensina-me a olhar para a oração dele e a
minha e perceber o quanto eu posso ainda mudar na
minha vida com Deus. Em resumo: eles são modelos
que nos ajudam a inserir Deus em nossa vida e dar a
todos nós uma medida real e proporcional daquilo que
realmente vale para a vida humana e de como devo me
apresentar diante de Deus em cada situação da vida.
Um santo é uma personalidade que integrou na sua
consciência a vida de Cristo de forma perfeita, trocando
em miúdos é como diz São Paulo “Vivo, mas não eu! É
Cristo que vive em mim” Gl 2, 20; se assim é formado o
santo, portanto, o que podemos pensar de Nossa Se-
nhora? A mãe do próprio Cristo que o gerou não espiri-
tualmente mas na própria carne e no sangue? Óbvio que
a mãe de Deus possui um patamar superior a todos os
demais santos e a nossa honra com ela deverá ser
maior.
Para compreendermos melhor a visão da Virgem San-
tíssima precisamos compreender os seus 4 dogmas:
Theotokos (mãe de Deus), virgindade perpétua, imacu-
lada conceição e assunção de Nossa Senhora.
Theotokos
Virgindade de Maria
A concepção da virgindade de Maria está inscrita na
própria escritura quando o profeta Isaías já anunciava
essa verdade de que o Messias nasceria por meio de
uma virgem “Portanto o mesmo Senhor vos dará um
sinal: Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho,
e chamará o seu nome Emanuel.” Isaías 7,14; isso é
aceitável por muitos protestantes e até pessoas que não
são cristãs mas possuem um bom coração, entretanto,
a Igreja afirma que Maria é sempre virgem, ou seja,
mesmo após o parto ela se manteve íntegra na sua vir-
gindade. Muitos pensam que tal afirmação e sustenta-
ção dogmática é besteira, que não haveria nenhum pro-
blema em assumir que após Jesus ela teve outros filhos,
pois a escritura trata que Jesus possuía irmãos e
também tido como “primogênito como dentre muitos
irmãos” (Mt 13,55/Rm 8,29).
Entretanto, ao observarmos tudo o que foi designado
para o redentor podemos ver que este foi especial, in-
digno de ser usado por qualquer um. O burrinho que
Ele entra em Jerusalém ( Mt 21, 2), o perfume que O
ungiu (Mt 26,7) ou o sepulcro em que foi sepultado (Mt
27,60), todos foram objetos oferecidos ao Cristo sendo
novos, não utilizados por ninguém e cuja finalidade era
única: servir ao Cristo. Portanto, a virgindade de Maria
sendo perpetua é sinal da Virgem que possuía a fé dire-
cionada unicamente ao Cristo, para O servir. Novamen-
te, recorro a uma citação de Santo Irineu para atestar
que desde as primícias do cristianismo essa verdade era
algo digno de fé:
“Consequentemente a este plano, Maria Virgem nos
aparece obediente, ao dizer: Eis a escrava do Senhor,
faça-se em mim segundo a tua palavra. Eva, porém, foi
desobediente, embora ainda fosse virgem. Do mesmo
modo que Eva, tendo Adão por esposo, desobedeceu e
tornou-se causa de morte para si e para todo o gênero
humano, assim também Maria, tendo um varão predes-
tinado e, contudo, permanecendo virgem, obedeceu e
tornou-se para todo o mundo causa de salvação.” (EN-
CHIRIDION PATRISTICUM, N° 224).
Além disso, Maria possuindo outros filhos carnais tira-
ria todo o protagonismo de Jesus, tornando-o um
homem comum onde sua linhagem é perpetuada de
forma sanguínea e não pela fé que possuímos nEle,
aliás, é este o sentido de Jesus ser primogênito entre
muitos irmãos: Maria é o molde pelo qual os homens de
carne e osso podem receber a Natureza divina assim
como Cristo. O catecismo nos esclarece, ao final, o
motivo de Maria receber o status de Mãe e também de
virgem:
507. Maria é, ao mesmo tempo, virgem e mãe, porque
é a figura e a mais perfeita realização da Igreja: «Por sua
vez, a Igreja, que contempla a sua santidade misteriosa
e imita a sua caridade, cumprindo fielmente a vontade
do Pai, torna-se também, ela própria, mãe, pela fiel re-
cepção da Palavra de Deus: efectivamente, pela prega-
ção e pelo Baptismo, gera, para uma vida nova e imor-
tal, os filhos concebidos por acção do Espírito Santo e
nascidos de Deus. E também ela é virgem, pois guarda
fidelidade total e pura ao seu esposo».
Imaculada conceição
São Tarcísio
São Tarcísio é um menino santo. Tarcísio por volta do
ano 260. Ele é o padroeiro dos coroinhas, acólitos e ce-
rimoniários. Isso pelo fato de ele ter sido acólito (coroi-
nha), aquela pessoa que ajuda o sacerdote nas missas e
prestava seus serviços na Igreja de Roma. Com ele po-
demos aprender que desde os primórdios da fé cristã
podemos encontrar no meio de suas almas fiéis o amor
profundo e arrebatador pelo sacramento da Eucaristia.
Durante a perseguição de Valeriano, imperador de
Roma (253-260), muitos cristãos foram presos e marti-
rizados. Enquanto estavam na prisão esperando a
morte, esses cristãos desejavam receber a Santa Euca-
ristia para se fortalecerem com o Corpo de Cristo. Mas
era muito difícil entrar nas cadeias com a Santa Comu-
nhão.
O Papa Sisto II queria, mas não podia levar a Eucaristia
aos presos antes de serem mortos. Então, com apenas
12 anos de idade, Tarcísio se ofereceu para fazer este
serviço. Ele dizia estar disposto a até mesmo dar a sua
vida para que as hóstias sagradas não caíssem nas
mãos dos pagãos. Mas o papa, olhando para ele, disse:
"És jovem ainda, Tarcísio, e não sabes desempenhar
esta santa missão". Tarcísio retrucou: "Tanto melhor,
porque de mim ninguém desconfiará, podendo de tal
maneira me aproximar de nossos irmãos encarcerados.
E também sei guardar as Santas Hóstias e nunca as en-
tregarei aos pagãos." Diante de tal atitude o papa não
teve dúvida e entregou a ele uma caixa de prata com as
Hóstias.
E Tarcísio foi cumprir sua missão. Caminhava firme
pelas ruas, quando outros meninos o chamaram para
brincar, pois faltava um para completar a brincadeira.
Tarcísio se desculpou, dizendo estar com pressa. Um
rapaz pegou-o pelo braço e quis forçá-lo. Tarcísio resis-
tiu. Então, perceberam que ele segurava algo. Curiosos
perguntaram o que era. Não atendendo às suas exigên-
cias, tentaram arrancar o segredo de suas mãos. Uma
pessoa que passava pelo local, vendo a confusão, disse:
"Ele leva o Deus dos cristãos!" Então, os rapazes caíram
sobre o pobre menino para lhe arrancar à força as
Santas Hóstias.
Isso custou-lhe a vida. Pois quando guardas chegaram
ao local para impedir as agressões ele já agonizava. Um
dos guardas o viu e perguntou o porquê daquilo. Ele lhe
disse: sou cristão. O guarda respondeu: também sou. E
o levou para um sacerdote
São Domingos de Gusmão
Saindo da Igreja primitiva e entrando a idade média
encontramos São Domingos de Gusmão. O surgimento
de sua santidade e também do seu apostolado foi es-
sencial para a Igreja num momento em que ela precisa-
va enfrentar muitos opositores que visavam deslegiti-
mar a fé católica e arregimentar pessoas comuns, era
uma época de muita pobreza intelectual em que muitas
vezes até o próprio clero tinha uma formação ruim. São
Domingos usou a arma do ensino, dos votos evangéli-
cos e da devoção a Maria para auxiliar a Igreja nesse pe-
ríodo difícil da história.
São Domingos de Gusmão, um homem de fé e oração
nasceu na Espanha, em Caleruega na Castela Velha no
ano de 1170, em berço nobre, pertencendo à linhagem
dos Gusmão. O pai de São Domingos de Gusmão era
Félix de Gusmão, que tentou fazer com que o jovem fi-
casse entusiasmado pelas armas e pelo combate,
porém sua mãe Joana de Aza, o tornou mais próximo
dos clérigos e monges, despertando a vocação no
garoto.
Porém mesmo antes do nascimento de São Domingos,
sua mãe Joana havia sonhado com um cão que trazia
em sua boca uma tocha que irradiava uma luz sobre o
mundo. Porém não era apenas um sonho, mas uma pro-
fecia, pois o São Domingo de Gusmão era conhecido
por iluminar todo o seu tempo e a igreja com a luz do
Evangelho, despegando de si mesmo chegando ao
ponto de vender suas posses para comprar comida aos
mais necessitados. São Domingos de Gusmão era um
homem de penitência e amor à Palavra de Deus, acolheu
o chamado ao sacerdócio em 1203, sendo nomeado
cônego, e logo no ano seguinte foi para Roma, para
obter a licença do Papa para evangelizar os bárbaros
pagãos da Germânia. Entretanto, o Papa Inocêncio III o
orientou para trabalhar na conversão dos Albigenses
que se espalhavam por todo o Sul da França com inúme-
ras heresias. Sendo assim, São Domingos fez do sul da
França, o seu principal campo de ação.
Durante um exorcismo, São Domingos de Gusmão in-
vocou a Santíssima Virgem. Ela veio. E o Demônio decla-
rou, dizendo: “Ó, vós, que sois nossa inimiga, nossa
ruína e nossa destruição, por que descestes do Céu
para nos torturar tão cruelmente? Ó, advogada dos pe-
cadores, vós que os tirais das presas do inferno, vós
que sois o caminho certeiro para os céus, devemos nós,
para nosso próprio pesar, dizer toda a verdade e con-
fessar diante de todos quem é a causa de nossa vergo-
nha e de nossa ruína? Ó, pobre de nós, príncipes da es-
curidão! Ouvi bem, pois, vós, cristãos: a Mãe de Jesus
Cristo é todo-poderosa junto de Deus e capaz de salvar
seus servos do inferno. Ela é o sol que destrói a escuri-
dão de nossa astúcia e sutileza. É ela que descobre
nossos planos ocultos, quebra nossas armadilhas e
torna nossas tentações inúteis e sem efeito. Mesmo re-
lutando, confessamos que nem sequer uma alma que
realmente perseverou no seu serviço foi condenada co-
nosco; um simples suspiro que ela oferece à Santíssima
Trindade é mais precioso que todas as orações, desejos
e aspirações de todos os santos. Nós a tememos mais
que todos os santos nos céus juntos e não temos
nenhum sucesso com seus servos fiéis. Muitos cristãos
que a invocam na hora da morte e que seriam condena-
dos, de acordo com nossos padrões ordinários, são
salvos por sua intercessão. Ó, se pelo menos essa Maria
(era assim que eles a chamavam na sua fúria) não tives-
se se oposto aos nossos desígnios e esforços, teríamos
conquistado a Igreja e a teríamos destruído há muito
tempo atrás; teríamos feito todas as Ordens da Igreja
caírem no erro e na desordem. Agora, que somos obri-
gados a falar, também vos diremos isto: ninguém que
persevera na oração do Rosário será condenado,
porque a Mãe de Jesus Cristo obtém para seus servos a
graça da verdadeira contrição de seus pecados e, por
meio desse instrumento, eles obtêm o perdão e a mise-
ricórdia de Deus.”
Quando os hereges se depararam com a luz de São
Domingos de Gusmão, muitos aderiram à Verdade, pois
nesta altura já nascia, no ano de 1215 em Tolosa, a pri-
meira casa dos Irmãos Pregadores, também conhecidos
como Dominicanos (cães do Senhor) que na mendicân-
cia, amor e propagação do Rosário da Virgem Maria,
rígida formação teológica e apologética, levavam em
comunidade a Véritas, ou seja, a verdade libertadora.
São Domingos de Gusmão faleceu com 51 anos e foi ca-
nonizado pelo Papa Gregório IX, em 1234.
Santa Teresa de Ávila
Indo mais à frente na história encontramos o período
conturbado da revolta protestante na cristandade.
Depois de muito tempo com hegemonia espiritual e in-
telectual a Igreja via sua unidade ruir, sua fé esmorecer
e mais uma vez o mundo se tornava hostil aos que bus-
cavam a santidade. Entretanto, surge novamente um
movimento de recolhimento interior dessa vez por meio
de uma monja espanhola: Santa Teresa de Ávila. Com
sua reforma no carmelo possibilitou que a Igreja reen-
contrasse novamente o caminho da santidade num
mundo que começava a questionar a possibilidade do
homem em ter comunhão com Deus.
Teresa nasceu em Ávila, na Espanha, em 1515 e foi
educada de modo sólido e cristão, tanto assim que,
quando criança, se encantou tanto com a leitura da vida
dos santos mártires a ponto de ter combinado fugir
com o irmão para uma região onde muitos cristãos
eram martirizados; mas nada disso aconteceu graças à
vigilância dos pais. Aos vinte anos, ingressou no Carme-
lo de Ávila, onde viveu um período no relaxamento,
pois muito se apegou às criaturas, parentes e conversas
destrutivas, assim como conta em seu livro biográfico.
Certo dia, foi tocada pelo olhar da imagem de um Cristo
sofredor, assumiu a partir dessa experiência a sua con-
versão e voltou ao fervor da espiritualidade carmelita, a
ponto de criar uma espiritualidade modelo.
Foi grande amiga do seu conselheiro espiritual São
João da Cruz, também Doutor da Igreja, místico e refor-
mador da parte masculina da Ordem Carmelita. Por
meio de contatos místicos e com a orientação desse
grande amigo, iniciou aos 40 anos de idade, com saúde
abalada, a reforma do Carmelo feminino. Começou pela
fundação do Carmelo de São José, fora dos muros de
Ávila. Daí partiu para todas as direções da Espanha,
criando novos Carmelos e reformando os antigos. Pro-
vocou com isso muitos ressentimentos por parte da-
queles que não aceitavam a vida austera que propunha
para o Carmelo reformado. Chegou a ter temporaria-
mente revogada a licença para reformar outros conven-
tos ou fundar novas casas.
Santa Teresa deixou-nos várias obras grandiosas e
profundas, principalmente escritas para as suas filhas
do Carmelo: “O Caminho da Perfeição”, “Pensamentos
sobre o Amor de Deus”, “Castelo Interior”, “A Vida”.
Morreu em Alba de Tormes na noite de 15 de outubro
de 1582 aos 67 anos, e em 1622 foi proclamada santa.
O seu segredo foi o amor. Conseguiu fundar mais de
trinta e dois mosteiros, além de recuperar o fervor pri-
mitivo de muitas carmelitas, juntamente com São João
da Cruz. Teve sofrimentos físicos e morais antes de
morrer, até que em 1582 disse uma das últimas pala-
vras: “Senhor, sou filha de vossa Igreja. Como filha da
Igreja Católica quero morrer”.
Um zênite estranho
Como sabemos, o zênite solar é o ponto que o sol está
perfeitamente acima de um observador ao ponto de não
projetar uma sombra. É assim que o século XIII, espe-
cialmente, ficou eternizado na memória de muitos cató-
São Bonifácio cortando o carvalho sagrado, de Bernhard Rode
A vida continua
Em todo este capítulo estivemos a demonstrar que a
razão é uma bela faculdade humana, mas que ainda
mais luminoso e racional é a sabedoria como capacida-
de de saber o que é adequado nesta ou naquela situa-
ção. Sem esta sabedoria, a razão se corrompe, sucumbe
perante uma multiplicidade de informações que ela não
pode hierarquizar por si. Notamos que ao longo da his-
tória da Igreja, a razão foi mais do que um triunfo, uma
vaidade, mas sim um instrumento para resolver um pro-
blema específico: as heresias, a conversão dos gentios
e o caos político, continuar e explicar a multidão de co-
nhecimentos recebidos da tradição. Tudo isto nos
aponta para um critério mais adequado para julgar a ca-
pacidade racional de um povo, mas resta uma última
confrontação, uma prova de que a vida racional cristã
pôde contribuir ainda que numa época fragmentada
pela atividade solitária da razão.
A prova é uma quantidade inabarcável de cientistas
que foram homens de fé e até mesmo sacerdotes e
papas. Não citaremos os homens ilustres medievais
como São Silvestre II, Santo Alberto Magno, Jean Buri-
dan, Roger Bacon ou Nicolau Oresme, que contribuíram
para diversas áreas como ótica, mecânica, economia,
matemática, física, astronomia, etc., pois assim pode-
mos focar nas contribuições mais propriamente moder-
nas.
Jurista, líder militar, diplomata, economista e pai da
teoria heliocêntrica e sacerdote, Nicolau Copérnico
(1475-1543) escreveu suas teses sem encontrar qual-
quer resistência por parte da Igreja. Também o agosti-
niano Gregor Mendel, um nome muito mais conhecido,
se tornou pai da genética ao escrever sobre a transmis-
são de carácteres hereditários, um fato muito mais
comprovado do que a teoria da evolução. Entre os mais
notáveis também está o grande George Lemaître (1894
– 1966), pai da teoria do “Big Bang”, hoje utilizada como
uma explicação que dispensa o criacionismo. Johann
Dzierzon (1811 – 1906), polaco e sacerdote católico,
descobriu a partenogênese em abelhas além de outros
estudos na área, é reconhecido como o pai da apicultu-
ra moderna; o padre Andrew Gordon criou o primeiro
motor elétrico. O jesuíta Francesco Maria Grimaldi des-
cobriu a refração da luz; René Just Haüy é conhecido
como pai da cristalografia; São Roberto Bellarmino,
doutor da Igreja, um gênio que participou do debate a
no caso inquisitorial de Galileu Galilei (que, não pode-
mos esquecer, também foi católico e nunca deixou de
ser). Por fim, conhecido como pai da Aeronáutica e
grande contribuidor para um alfabeto da escrita cega, o
sacerdote jesuíta Francesco Lana de Terzi é mais um
exemplo das grandes contribuições católicas dentro da
ciência moderna.
São centenas e centenas de nomes cuja exposição
seria exaustiva. As contribuições contemplam todas as
diversas áreas das ciências naturais e humanas, com
contribuições mais profissionais ou feitas por amantes
interessados como o São Maximiliano Kolbe. Outra
forma de contribuição à ciência moderna é o próprio
Observatório do Vaticano, um dos institutos científicos
mais antigos do mundo (fundado em 1572) e a Pontifí-
cia Academia de Ciências (fundada em 1603) que
possui diversos membros não católicos. Vale notar que
dentre os membros da Pontifícia Academia vários rece-
beram prêmios Nobel, como Ernest Rutherford, Max
Planck, Niels Bohr, Werner Heisenberg e Erwin Schrödin-
ger.
Bibliografia Indicada
O MUNDO DA INQUISIÇÃO
***
Ainda que já tenha sido explicado que a Inquisição era
uma instituição interna e não se aplicava a outras religi-
ões, é conveniente mencionar brevemente a relação com
os judeus por parte da hierarquia da Igreja e por parte dos
leigos. Estes, muitas vezes mereceram condenação por
suas atitudes, culpando em massa a judeus injustamente –
ainda que histórias escritas posteriormente por judeus
mostrassem que eles chegavam a extremos de blasfêmias
a Cristo e à Virgem –, mas essa perseguição nunca ou rara-
mente foi apoiada pela Igreja. Pelo contrário, nas crises
que explodiam onde a massa de leigos cristãos perseguia
judeus, estes buscavam justamente o asilo na Igreja. O
clero representava segurança para os judeus. Tal posição
por diversas vezes foi declarada oficial, mas algumas bulas
especificas são representativas de como a Igreja buscou
preservar a integridade destes irmãos. São elas: a bula
Orat mater ecclesia, em 1291, que protegia os judeus de
opressões; a bula Quamvis Perfidiam, em 1348, contra o
rumor que Judeus contaminavam as águas (durante a
peste negra); e as duas bulas de Eugênio IV contra os su-
persticiosos libelos de sangue contra judeus.
***
OS HERÓIS
Os filósofos escolásticos definiram o “argumento de au-
toridade” como a forma mais fraca de refutação, mas não
deixa de ser propício para nosso estudo estudarmos ao
menos mais um caso e mencionarmos verdadeiros heróis
que participaram do processo inquisitorial. Caso não forta-
leça a convicção de alguns acerca da retidão da Igreja
neste período, ainda valerá como belos exemplos para en-
riquecer nosso conhecimento da vida dos santos e admi-
rarmos as maravilhas que Nosso Senhor realiza na história
através de seus instrumentos.
Em primeiro lugar, devemos saber que houveram santos
inquisidores e inquisidores mártires, como São João Capis-
trano, S. Pio V, Pedro de Arbués, São Roberto Belarmino e
São Pedro Mártir (São Pedro de Verona). Etienne de Saint-
-Thierry e Guilherme Arnaud são exemplos de francisca-
nos enviados para converter hereges e que foram massa-
crados no processo. Não sendo possível expor cada caso,
escolhemos o santo que, sem dúvida, melhor simboliza o
período.
São Domingos
Sem dúvidas um dos maiores pregadores combatentes
das heresias foi São Domingos, já mencionado anterior-
mente. São Domingos, pela sua poderosa palavra, chegou
a ser chamado de “exterminador de Albigenses”. Por pelo
menos 7 anos, ele dedicou-se a salvar as ovelhas disper-
sas, sendo um oponente ferrenho, incansável e altamente
preocupado com a formação intelectual daqueles que po-
deriam sucedê-lo em tais atividades.
Seu esforço santo foi confirmado por Deus em milagres.
Entre os vários milagres, citaremos apenas um pelo poder
de simbolizar o combate às heresias. Depois de uma con-
ferência em Montreal, São Domingos escreveu alguns
textos numa folha e deu aos hereges para que eles exami-
nassem à vontade suas refutações.
No dia seguinte, os albigenses estavam sentados à beira
do fogo, debatendo o conteúdo. Não encontrando como
defender-se das refutações do papel, foi proposto que jo-
gassem a fogueira e, se o papel queimasse, seria a “prova”
de que eles, afinal, estavam certos. Uma bela forma de
testar a Deus é cair no erro e depois pedir uma prova a Ele
que estavam realmente errados. Concordaram com a
fraude e jogaram o papel no fogo, mas este permaneceu
intacto. Um albigense indignado sugeriu que jogassem no-
vamente o papel ao fogo, mas o resultado repetiu-se. E o
mesmo novamente. Absolutamente indignados e não po-
dendo, como os fariseus, planejar a morte do “milagreiro”,
decidiram-se por manter o ocorrido em segredo. No entan-
to, o evento havia sido testemunhado por um soldado que,
por providência divina, estava inclinando-se a fé católica e
ele quebrou o silêncio, contando a muitas pessoas.
Em outra ocasião, o mesmo milagre repetiu-se, mas
agora de forma muito mais justa. São Domingos propôs a
um herege que ambos os lados deveriam escrever suas
profissões de fé, com seus principais argumentos, e jogá-
-las ao fogo, para que Deus julgasse. O papel do santo no-
vamente permaneceu intacto, mas agora Deus teve oca-
sião de mandar um sinal ainda mais evidente para os here-
ges: seu papel, contendo apenas uma doutrina construída
por mãos humanas, virou cinzas em instantes. O experi-
mento também se repetiu três vezes, com igual resultado.
São Domingos, porém, não salvou apenas papéis do
fogo. Certo dia, em Toulouse, alguns hereges seriam quei-
mados na fogueira quando o santo separou um deles e im-
pediu os carrascos de executar a sentença. Ao homem se-
parado, ele profetizou uma conversão sincera que ocorreu
vinte anos depois. Raimundo, este herege salvo, tornou-se
um frade pregador exemplar em sua Ordem.
LEIGOS
A postura de dois santos leigos, contemporâneos, pode
também ser suscitada como exemplo magnífico de ponde-
ração e prudência, justamente por serem “contraditórias”.
Trata-se dos primos São Fernando III (1201 - † 1252) e São
Luís IX (1214 - † 1270), o primeiro recusaria a implantação
da inquisição em seus territórios pois, apesar de ser o con-
solidador da reconquista espanhola contra os mouros, ele
se considerava igualmente rei de católicos, judeus e mu-
çulmanos. São Luís, por sua vez, sempre apoiou a Inquisi-
ção em seus domínios. Explicação? A inquisição sempre foi
uma resposta a um problema histórico, não uma necessi-
dade dogmática da Igreja que poderia ressuscitar em qual-
quer época como alertam histericamente seus detratores.
A doutrina
Apenas após todo o aprofundamento histórico, podemos
contemplar as bases doutrinais para a Inquisição, mas
com salutar cuidado. Revoltado contra as acusações infa-
mes, alguns fiéis adotam uma postura francamente irra-
cional, crendo por inverter uma mentira torna-la verdade.
Esta é uma postura fundamentalista ou “inveterada”. Estes
inveterados utilizam-se de exposições doutrinárias de 800
anos atrás para justificar uma posição política atual sob o
pretexto da doutrina da Igreja ser eterna. Fazendo tal ma-
labarismo, eles ignoram que a moral eterna defendida pela
Igreja não dizia respeito às punições conhecidas na época
e, mesmo as atribuições aos poderes civis, possuíam um
contexto muito diferente. O erro do fundamentalista é
acreditar na palavra pela palavra, como se esta não subsis-
tisse num contexto específico. A autoridade da instituição
medieval da Inquisição foi formulada tendo em mente o
tipo de estado existente na época, e a história legou ensi-
namentos acerca dos erros e acertos estratégicos. É im-
prescindível que o leitor leia a exposição a seguir com im-
parcialidade e um “interesse distante”, à luz de tudo o que
foi exposto anteriormente. Tendo dito isto, podemos
aprender com os mestres dos mestres e, em primeiríssimo
lugar, com o Doutor Angélico.
O sentido
Fazendo, enfim, uma anamnese de nosso estudo até
aqui, poderemos tirar diversas lições, mas a mais valiosa é
a simples abertura de nossos olhos para as verdades
óbvias que já nos cercavam: tribunais modernos ainda
desviam suas funções por interesses políticos e até
mesmo legislam perfidamente, distribuem sentenças gra-
tuitas contra inimigos em franca perseguição jurídica, etc.
Os detratores da Igreja raramente, ou nunca, atacam estes
mesmos tribunais, por que? Trata-se do problema funda-
mental da separação entre Igreja e Estado: se esta aliança
se deu naturalmente pela conversão de povos inteiros du-
rante a Europa moderna, e não sem prejuízo para a primei-
ra, atualmente algumas ideologias querem confundir pro-
positadamente pautas do Partido com as demandas dos
Poderes. Os mesmos defensores da liberdade de consciên-
cia são os defensores destes verdadeiros “tribunais da ver-
dade” que condenam inocentes por soltarem verdades in-
convenientes e, diferente da Igreja, nunca há chance de di-
álogo para que o acusado possa demonstrar ou não a vali-
dade suas afirmações. Mesmo nos casos dos templários
ou no caso de Santa Joana D’Arc não havia tamanho desvio
das funções dos tribunais instituídos.
As autoridades que acusam a Igreja já demonstraram, re-
petidas vezes, que não caíram em um simples erro ocasio-
nal, mas são, sinceramente ou não, partes interessadas
num reino de maior injustiça do que a que criticam. Não
deve restar dúvidas para qualquer cristão informado que
os “formadores de opinião” e a vasta maioria dos professo-
res são mentirosos e não merecem hesitação para serem
desmascarados. Graças a eles, as pessoas realmente acre-
ditavam que ser judeu era crime na Idade Média, que as
mulheres eram perseguidas por fazerem chá de camomila,
que o herege era, enfim, merecedor apenas de persegui-
ção e execução sumária. Tudo isto foi cabalmente de-
monstrado como falso.
É preciso esclarecer que a Inquisição foi uma verdadeira
resposta imunológica da Igreja para aquele tempo, funda-
da nos ensinamentos bíblicos e na caridade em sua estru-
tura. Paciente, prudente, até paternal, nenhum castigo era
aplicado por “intolerância religiosa”. Tal sistema imunoló-
gico falhou por excessos – que buscou corrigir -, por des-
vios (por influência do laicato), ou por relaxamentos, como
nos tempos atuais. No entanto, a instituição representou,
mesmo objetivamente, um avanço que ainda traz consigo
ensinamentos para os nossos dias. Como o próprio Doutro
Angélico nos ensina, é natural que no processo de busca
da verdade (ou da Justiça) ocorram erros que não implicam
em uma má vontade de seus agentes, prova disto é a sin-
cera piedade em muitos envolvidos na Cruzada Albigense,
muito mais fácil de criticar atualmente do que no meio do
caos da época e do sentido de que era urgente tomar uma
ação.
Enfim, é urgente que nenhum católico se sinta intimida-
do em defender-se de acusações levianas, mas seja uma
imagem de escudo para proteger contra mentiras escanda-
losas todos aqueles menos capacitados para notarem a
farsa, tão disseminada em todos os círculos.
Notas complementares:
• A caça às bruxas foi um fenômeno protestante como
no massacre do condado de Vaduz, não havendo fenôme-
no de proporção notável no medievo. Só na Alemanha pro-
testante mais de 25 mil mulheres foram processadas ofi-
cialmente, enquanto a própria crença em bruxaria foi com-
batida por diversos pregadores católicos.
• A “terrível” Inquisição Espanhola, que é apresentada
como a mais violenta e brutal, condenou menos de 3,5%
das pessoas julgadas à morte, sendo que quase metade
destes não foram realmente executados (queimaram ou
enforcaram bonecos no lugar). Na boca de muitos difama-
dores, o total de mortes será de centenas de milhares, mas
a realidade é que sequer o total de processos chegou a
tanto: foram cerca de 45 mil processos. Isso dá 900 pesso-
as executadas entre 1540 e 1700, cerca de 5 pessoas con-
denadas por ano numa Espanha que continha diversos
países além do pequeno território atual. Suas celas
também eram mais confortáveis e o tratamento era tão
melhor que bandidos preferiam ser julgados pelos inquisi-
dores do que pela justiça civil.
• Escutem um pouco as memórias e a impressão das
coisas que lhe disseram sobre o caso de Galileu. Por um
momento não quase parece que ele sofreu da inquisição
medieval? Essa é a capacidade da massiva propaganda di-
famatória: o processo de Galileu aconteceu enquanto An-
tônio Vieira estudava para ser padre; São Thomas More e
Santo Antônio de Lisboa já haviam subido aos céus; e São
Francisco Xavier e Santo Inácio de Loyola já haviam chega-
do aos altares. Além disso, Galileu nunca foi torturado, sua
prisão foi um dos mais belos palácios de Roma, e sua con-
denação foi rezar algumas orações.
• Nenhum dos aparelhos de tortura como (toma fôlego)
a Dama de Ferro, Pêra da Angústia, Cardeira das Bruxas,
Esmaga-Joelhos, Serrote, Berço de Judas, Asno Espanhol
ou a Gaiola suspensa, sim, nenhum desses (usados como
exemplos de tortura medieval) possuem qualquer indício
de terem sido usados na Inquisição, nem a medieval e nem
a espanhola.
• Por fim, a Inquisição não foi uma instituição puramente
negativa, em alguns casos como na avaliação das obras de
Santa Tereza D’Avila e do filósofo brasileiro Matias Aires,
suas obras foram recomendadas. Em ambos os casos,
como em muitos outros, os autores tinham interesse que
suas obras fossem revisadas para que, havendo erros, elas
fossem purificadas. Posteriormente, a Inquisição mudou
seu nome para Congregação para a Doutrina da Fé que,
pelo bom Deus, continua até os nossos dias.
Obras de Pedro Berruguete sobre o martírio pelos hereges de Pedro, o Venerável.
Notas
1.https://super.abril.com.br/mundo-estranho/o-que-foi-a-inqui-
sicao/. É óbvia a tentativa assemelhar a história da Inquisição ao na-
zismo.
2. Fontes primarias são todos os documentos ou objetos da época
que atestam ou testemunham a informação mencionada.
3.https://mundoestranho.abril.com.br/materia/quem-eram-as-
-bruxas
4. O século XX foi marcado justamente pelo assassinato em massa
(cerca de 100 milhões) e por um desenvolvimento absurdo das téc-
nicas de manipulação de massa. Ler: O Jardim das Aflições.
5. COSTA, Ricardo da. Visões da Idade Média. Santo André, São
Paulo: Editora Armada, 2019, p. 20-53.
6. https://www.hipercultura.com/inquisicao-fogueira/
7. Eric Voegelin demonstra perfeitamente o anacronismo de afir-
mações como estas em A história da idéia de raça. Simplesmente
não existia uma doutrina racial neste período, só inventada muito
posteriormente no ocidente graças às teses darwinianas.
8. O autor não sabe sequer o que significa “heresia”, termo técnico
que desde o medievo é diferenciado de ateísmo, infidelidade, apos-
tasia ou cismático. Veja, por exemplo, Suma Teológica IIa IIae, Ques-
tão 10 e 11. Retornaremos a ela no curso deste capítulo.
9. O leitor pode ficar calmo, estas difamações serão retomadas ao
longo do capítulo.
10. Aparentemente, os santos inquisidores possuíam o dom do te-
letransporte.
11. Graças a Deus, depois do advento da razão as pessoas estão
livres para dar três pulinhos no mar e torcer para não ter uma vida
tão vazia, com um pouco mais de dinheiro na carteira ou marcas de
batom na cueca.
12. Todas as citações foram retiradas do endereço: ht-
tps://www.hipercultura.com/inquisicao-fogueira/
13. Para não dispersar do assunto, faremos uma apresentação pa-
norâmica sobre a sociedade da época, para maiores detalhes com as
contradições intricadas do período medieval, seguir a bibliografia ao
final do livro.
14. Nada disto implica que não deve haver uma determinada “tole-
rância” para com outras religiões, muito pelo contrário. Não sequer
necessário citar a Parábola do Bom Samaritano, se um cristão é ver-
dadeiro cristão, então ele sabe que deve haver um fervor apaixona-
do para compartilhar do seu tesouro com todos. Ide e pregai o Evan-
gelho. Da mesma forma, o cristão apaixonado não verá nenhuma re-
ligião, no mínimo, como do mesmo valor que a sua própria.
15. Por exemplo: houveram aqueles que defendiam o direito a ca-
samento dentro dos 4 graus proibidos pela igreja: incesto.
16. Que renascia na época através das universidades.
17. É preciso esclarecer que não era claro, para eles, a separação
da Igreja. Os albigenses, então, muitas vezes comungavam de cren-
ças inversas enquanto parasitavam a Igreja.
18. A ‘endura”, abstenção de comida e bebida justamente para
morrer sem contaminar-se do mundo material.
19. Havia ainda o consolamentum, espécie de sacramento em que
a pessoa era purificada.
20. Ainda assim, muitas “crianças” acreditam que eles foram exter-
minados na Idade Média. Uma rápida busca no Google daria conta
para ver que ainda hoje há Igrejas que se reconhecem como valden-
ses e possuem raízes na seita original.
21. Problema semelhante assola a nossa sociedade e dedicaremos
atenção a isto nas páginas finais deste capítulo.
22. Cabe lembrar o século de ferro onde o império renomeou di-
versos papas a seu bel prazer, crise encerrada pela renovação espiri-
tual do mosteiro de Cluny e a força do papa São Gregório VII.
23. Não podemos, porém, esquecer que isto não algo tão fácil.
Pernoud nos lembra que “a nomeação de bispos e abadies por inte-
resse e favoritismo existia, mas eram abusos irregulares.” (PER-
NOUD)
24. O leitor do Guia para Católicos certamente lembrará das indi-
cações sobre usar a fé como porrete ou do alerta contra a exaltação
imaginativa.
25. Ainda que não seja o assunto deste livro, vale comentar que,
diferentemente da Inquisição, os crimes socialistas não estavam em
desacordo com os princípios marxistas: “Não temos compaixão e
não lhe pedimos compaixão alguma. Quando chegar nossa vez, não
inventaremos pretextos para o terror” (Karl Marx, Neue Rheinische
Zeitung, 19 de maio de 1849). E há muitas citações como esta.
26. Curiosamente, o Papa Gregório IX promulgou a bula Parens
scientiarum, em 1231, que daria independência a Universidade de
Paris, significando um avanço na liberdade científica.
27. NICOLAU EYMERICH. Directorium Inquisitorum: Manual dos In-
quisidores (revisto e ampliado por Francisco de La Peña em 1578)
(trad. de Maria José Lopes da Silva). Brasília: UNB, 1993
28. https://www.ricardocosta.com/artigo/pedro-berruguete-goya-
-banti#footnoteref18_dcqqujx
29. O sistema penitenciário moderno, afinal, recebe o nome desta
instituição medieval.
30. Lembremos, ainda, que açoites eram até práticas comuns
entre pais e filhos e entre professores e alunos.
31. Por ser um caso mais famoso, este relato foi abreviado consi-
deravelmente. Remetemos o leitor interessado ao artigo de Ricardo
da Costa, que pode ser encontrado no endereço: “https://www.ricar-
docosta.com/artigo/ha-algo-mais-contra-razao-
-que-tentar-transcender-razao-so-com-forcas-da-razao-disputa-entr
e”
32. Sic.
33. Aliás, a Inquisição é completamente embasada no ensinamen-
to bíblico, confiram: Tg. 5: 19-20; 2 Tl, 3:6, 14-15; Rm 16:17-18; At.
5: 1-11. Para citar apenas alguns exemplos.
Bibliografia:
Século VIII
711: Hispânia é atacada. O reino visigodo colapsa.
717: Os muçulmanos atacam Constantinopla de novo
e são repelidos pelo Imperador Leão III.
720: Narbona cai.
721: Saragoça cai. Avistamentos de muçulmanos na
França.
732: Bordeus é atacada e as suas igrejas são queima-
das. Carlos Martel e o seu exército detêm os muçulma-
nos. Os ataques na França continuam.
734: Avinhão capturada por uma expedição muçulma-
na.
743: Lyon é saqueada.
759: Os árabes são expulsos de Narbona.
Século IX
800: Começam as incursões muçulmanas na penínsu-
la itálica. As ilhas de Ponza e Isquia são saqueadas.
813: Civitavecchia, o porto de Roma, é saqueado.
826: Creta cai perante as forças muçulmanas.
827: Os muçulmanos começam a atacar a Sicilia (sul
da península itálica).
837: Nápoles repele um ataque muçulmano.
838: Marselha saqueada e conquistada.
840: Bari cai.
842: Mesina capturada e o estreito de Mesina contro-
lado pelos muçulmanos.
846: Os esquadrões muçulmanos chegam a Ostia, na
foz do Tiber, e saqueiam Roma e a Basílica de São
Pedro. Tarento, em Apulia, é conquistado pelas forças
muçulmanas.
849: O exército do Papa repele uma frota muçulmana
na foz do Tiber.
853-871: A costa italiana desde Bari até Reggio Cala-
bria é controlada pelos sarracenos. Os muçulmanos se-
meiam o terror no Sul de Itália.
859: Os muçulmanos tomam controlo de toda a
Mesina.
870: Malta capturada pelos muçulmanos. Bari recon-
quistada aos muçulmanos pelo Imperador Luis II.
872: O Imperador Luis II derrota uma frota sarracena
em Capua. As forças muçulmanas devastam Calabria.
878: Siracusa cai após um cerco de 9 meses.
879: O Papa João VII é obrigado a pagar aos muçulma-
nos um tributo anual de 25.000 mancusos (cerca de
625.000 dólares americanos modernos).
880: Os comandantes bizantinos conseguem uma vi-
tória em Nápoles.
881-921: Os muçulmanos capturam uma fortaleza em
Anzio e saqueiam as terras circundantes sem retalia-
ções durante 40 anos.
887: Os exércitos muçulmanos tomam Hysela e
Amasia, na Asia Menor.
889 Toulon capturado.
Século X
902: As frotas muçulmanas saqueiam e destroem De-
metrias, na Tesalia, Grécia central.
904: Tesalónica cai perante as forças muçulmanos.
915: Após 3 meses de bloqueio, as forças cristãs saem
victoriosas contra os sarracenos entrincheirados na sua
fortaleza no norte de Nápoles.
921: Peregrinos ingleses a caminho a Roma são esma-
gados por uma derrocada de rochas causada pelos sar-
racenos nos Alpes.
934: Génova atacada pelos muçulmanos.
935: Génova conquistada.
972: Os sarracenos são finalmente expulsos de Faxi-
neto.
976: O Califa do Egipto envia novas expedições muçul-
manas ao sul de Itália. O Imperador Oto II, que tinha o
seu quartel general em Roma, consegue derrotar os sar-
racenos.
977: Sérgio, arcebispo de Damasco, é expulsado da
sua sede por los muçulmanos.
982: As forças do Imperador Oto II são emboscadas e
derrotadas.
Século XI
1003: Os muçulmanos de Espanha saqueiam Antibes,
na França.
1003-1009: Hordas de saqueadores sarracenos prove-
nientes de bases na Sardenha saqueiam a costa italiana
desde Pisa até Roma.
1005: Os muçulmanos da Espanha saqueiam Pisa.
1009: O Califa do Egipto ordena a destruição do Santo
Sepulcro em Jerusalém, a tumba de Jesus.
1010: Os sarracenos apoderam-se da Cosenza, no Sul
da Itália.
1015: A Sardenha cai completamente em poder mu-
çulmano.
1016: Os muçulmanos de Espanha saqueiam de novo
Pisa.
1017: Frotas de Pisa e Génova dirigem-se à Sardenha e
encontram os muçulmanos a crucificar cristãos e expul-
sam o líder muçulmano. Os sarracenos tentaram reto-
mar a Sardenha até 1050.
1020: Os muçulmanos de Espanha saqueiam Narbona.
1095: O Imperador bizantino Aleixo I Comneno pede
ao papa Urbano II ajuda contra os turcos.
1096: É proclamada a Primeira Cruzada.
Acredito que aqui seja suficiente para compreender-
mos os reais motivos da cristandade em entrar em
guerra: motivos religiosos, choques de civilizações e es-
tratégia militar, seja como for, houve uma razão para
esses acontecimentos e ela paira muito longe da mera
aleatoriedade ou sede pelo poder. Ao leitor que chegou
até aqui pode se perguntar: e como acabou a tradição
guerreira das ordens templárias? Bem, ela acaba e não
acaba. Formalmente se encerra com a dissolução da
ordem templária, porém ela foi sucedida e recebeu uma
nova roupagem com uma finalidade igual mas em
meios diferentes: os homens que antes desbravam o
deserto em busca da terra santa agora desbravariam o
Oceano em busca do mundo novo e de novos povos
para evangelizar.
Em geral, a maçonaria tenta se apropriar dos símbolos
da ordem templária como forma de legitimar sua comu-
nhão com a Igreja Católica. Entretanto, a história nos
mostra que os verdadeiros herdeiros dos templários
foram os homens que aqui embarcaram com suas cara-
velas e deram nome a esta querida terra de Santa Cruz,
No site do professor Orlando Fedeli (Montfort) temos
um breve histórico do destino da ordem e de sua heran-
ça:
"Os Templários foram perseguidos pelo Rei Felipe IV,
o Belo. O processo foi iníquo. Aproveitando-se de erros
doutrinários e escândalos que realmente haviam se in-
filtrado na Ordem, o Rei Felipe o Belo, pressionou o
Papa Clemente V, a que fechasse a Ordem. No processo,
houve muitos abusos, e, até hoje, não se conhece o
quanto, de fato, havia de heresias e escândalos na
Ordem do Templo, e qual foi a real extensão do mal lá
praticado, às ocultas. Pena foi que o papa Clemente V --
dominado pelo rei francês -- tivesse fechado a Ordem,
em vez de apenas reformá-la, eliminando os erros e
abusos existentes. Dessa injustiça do Papa Clemente V,
aproveitaram-se certas seitas secretas para se dizerem
descendentes dos Templários. E nisso há muito de
fábula e de astúcia."
Como podemos ver, os templários foi uma ordem
criada para combater nas cruzadas e de caráter monás-
tico, com uma regra assinada e criada por São Bernardo.
Foi extinta de forma definitiva pelo papa Clemente V.
Porém, a história não acaba aí... Essa mesma ordem foi
ressurgida em Portugal a pedidos do Rei de Portugal, D.
Dinis, que desejava que os bens da ordem ficassem
guardados em terras lusitanas sob a tutela do rei. Dela
ouvimos falar quando se trata da ESCOLA DE SAGRES,
criadores das caravelas, evangelizando o novo mundo e
revivendo a ordem templária agora com o nome de
Ordem de Cristo. Se observarmos os símbolos das cara-
velas são os mesmos que estavam estampados nos es-
tandartes da ordem templária.
Que os maçons digam hoje que são herdeiros vinga-
dores da ordem templária não faz o menor sentido his-
tórico. Pois eles não possuem: os bens da ordem, a
regra, nem mesmo um propósito semelhante. A idéia
deles é apenas arrebanhar um significado simbólico na
tentativa de afirmar que o joio é o trigo.
A importância de conhecermos a história dos cruza-
dos e de todos que lutaram pela nossa fé é a de nos per-
mitir a coragem para lutarmos contra as imposições de
um mundo que cada vez mais busca se desfazer de
seus valores cristãos. Entretanto, com uma imagem
destruída os cristãos sentem-se cada vez mais tentados
a abandonarem essa luta, pois a luta, o conflito, se
tornou sinônimo de hipocrisia ou anti-cristianismo. O
pacifismo reina nas nossas almas e com ele a tolerân-
cia, única virtude permitida aos cristãos, que destrói e
corrói qualquer apreço ou vontade de vivermos os
nossos valores. Quando perdemos a vontade de lutar e
cremos que a luta será longa ou infrutífera é sinal de
que já perdemos, não há mais o que combater apenas
fingimos estar vivos enquanto já deitamos na cova es-
perando apenas alguém que coloque a terra em cima.
Como imagem perfeita para estes tempos tão difíceis
e de árdua luta duradoura temos a representação da
rendição dos muçulmanos na ibéria diante dos reinos
cristãos: Navarra, Castela, Leão, Aragão, Condado Por-
tucalense (posteriormente o Reino de Portugal). Passa-
ram anos dominados pelos muçulmanos e jamais desis-
tiram de reconquistar suas terras e reimplantar sua cul-
tura. Para quem não imagina, quando há um choque de
culturas uma tenta sobrepor costumes de outras, então,
por exemplo, nessa época havia o "imposto das vir-
gens"; tributo de cem jovens virgens para o emirado de
córdoba. O Reino das astúrias se revoltou (844 d.C.)
diante de tamanho disparate e a partir daí houve uma
sucessão de batalhas até a rendição completa em 1492
d.C. Repare no tempo e vejam quão trabalhoso foi lutar
para que a moral comum e ocidental juntamente com a
salvaguarda da fé cristã pudesse estar livre de abusos e
perseguições... Hoje em dia os mesmos europeus, her-
deiros dessa cultura e desse legado fazem-se de fingi-
dos e deixam tudo ser destruído. Quando eles mesmos
não destroem tudo como existem grupos LGBT’s fazen-
do zombarias de imagens de Cristo ou transformando
igrejas em museus
Prosperidade e Beleza:
Ao contrário dos que muitos possam pensar, o cami-
nho da prosperidade não é impossibilitado pelo voto de
pobreza, pois a produção de riquezas não implica, ne-
cessariamente, a posse delas. Por isso, muitos monges
e padre paroquiais podem ter o legítimo desejo de fazer
sua paróquia crescer materialmente, construir uma
Igreja maior e mais bela, criar as condições materiais
para que suas pastorais tenham uma ação ainda mais
benéfica ou que seu mosteiro tenha uma horta mais
produtiva. Assim, na Idade Média, também muitas aba-
dessas tiveram condições invejáveis de administrar
grandes terrenos de terra, territórios com diversas cida-
des, etc.
São os registros de impostos e litígios jurídicos, no en-
tanto, que revelam que mesmo as leigas da época exer-
ciam diversas funções: professora, médica, boticária,
estucadora, tintureira, copista, miniaturista, encaderna-
dora, cabelereira, etc5. Desenvolver uma técnica ou
uma arte, coloca-la à prova e ser reconhecido por sua
utilidade dentro da sociedade, chegando até a se tornar
referência... Mais do que profissões, estes são meios de
gerar valor e desenvolver a própria personalidade. Com
a renda destas atividades, a mulher podia contribuir nas
finanças domésticas ou usar para seus próprios interes-
ses, não dependendo exclusivamente de doações do
marido.
Algumas destas profissões eram exclusivamente femi-
ninas e, aliás, tratavam-se de produção de artigos de
luxo no ramo da tecelagem e vestuário: era preciso
muita habilidade e delicadeza. O desenvolvimento
dessa habilidade significa, em suma, uma posição de
destaque no maior ramo medieval, o mesmo que conce-
deu ao pai de São Francisco uma situação bastante con-
fortável financeiramente6.
De algumas profissões as mulheres eram, geralmente,
afastadas por exigirem um esforço demasiado, é o caso
da tapeçaria. Mas elas fizeram-se presentes até mesmo
na metalurgia, fabricando de brincos a armaduras. O
ramo em que as mulheres eram mais numerosas é na
produção e comercialização de alimentos: salsicheiras,
queijeiras, vendedoras de galinhas, padaria, carnicei-
ras, leiteiras, etc, etc.
Responsáveis por tantos papéis sociais, as mulheres
eram igualmente responsáveis por eles juridicamente:
outra conquista da Igreja foi a soberania jurídica femini-
na, que agora podia mover processos e defender-se
sem estar subordinada ao marido. Já sabe-se que as
mulheres exerciam até mesmo o direito a voto em di-
versas comunas. De fato, por sua importância para a so-
ciedade e por produzir com o marido os bens do lar,
este não poderia dispor das propriedades da família so-
zinho, como apontam alguns documentos de transa-
ções econômicas que atestavam o consentimento da
mulher em uma doação ou venda.
Ainda, as oficinas de trabalho eram, em sua maioria,
partes do próprio lar e uma atividade que facilmente
podia ser feita com o marido, assim como os trabalhos
nos campos. Assim, não havia divisão radical entre os
cuidados com filhos, esposo e serviços. Além disto,
muitas famílias possuíam membros adultos que não
eram descendentes e podiam cuidar das crianças em
casa, como tias solteiras ou primos solteiros.
Finalmente, a própria decoração da casa e o capricho
nos trabalhos realizados, nos bens produzidos, era uma
forma da mulher tornar o ambiente ao redor mais belo.
Esta singela preocupação, que comporta até mesmo o
cuidar de jardins, possui uma capacidade de realização
diária, pois entrega um conforto a todos que convivem
e relacionam-se com ela. A capacidade de encontrar
sentido na administração do lar não pode ser menos-
prezada.
E a capacidade de criar formas belas não era restrita
ao lar ou produtos: a abadessa de Gandersheim e poeti-
sa Hrotsvitha (ou Rosvita), escreveu 6 comédias inspira-
das por Terrêncio, no século X. Santa Hildegarda de
Bingen, doutora da Igreja, compôs diversos hinos e
poemas que atravessaram os séculos. Temos ainda
muitos outros exemplos de poetisas medievais, como
Clara d’Anduza, Marguerite d’Oingt, Maria da França e
Cristina de Pisano. E não se pode deixar de aludir aos
próprios hinos cantados nas igrejas, uma beleza criada
para louvar a Deus e elevar a alma de toda a comunida-
de.
Por fim, podemos mencionar a vida de duas beatas
que darão o tom de como estas realizações foram pos-
síveis.
Beata Ida de Bolonha (1040 – † 1113) teve um casa-
mento piedoso, gerou dois reis de Jerusalém e cavalei-
ros cristãos honrados (Godofredo de Bouillon e Balduí-
no). Filha de um duque e casada com um conde, esta
mulher piedosa usou suas riquezas para fundar diver-
sos mosteiros, além de promover a reforma iniciada em
Cluny. Assim, Ida tornou-se modelo de como usar a
prosperidade para a maior glória de Deus.
Mas não é apenas através de grandes riquezas que é
possível fazer o caminho da prosperidade servir aos de-
sígnios de Deus, quem nos ensinará isto é Beata Maria
da Cabeça, ou Toríbia. Maria casou-se com Isidoro, co-
nhecido por ‘o Lavrador’, que por sua vida piedosa foi
canonizado pela Igreja. Esse casal de santos campone-
ses não apenas trabalhava arduamente, o que lhes per-
mitia a distribuição de esmolas apesar de serem
pobres, como também tinham uma piedade louvável:
assistiam a Santa Missa diariamente. A vida simples
deste casal é uma vela que prova a capacidade de reali-
zar a narrativa da prosperidade mesmo em condições
precárias, trabalhando para prover o possível aos que
mais precisam. É a santificação nas pequenas coisas.
Estes exemplos devem deixar claro um aspecto do ca-
minho da prosperidade: ele é uma base social para
outros caminhos, ele cria as condições materiais para o
cavaleiro, para o médico, para o monge estudar Santo
Agostinho e Aristóteles. Portanto, tal busca por prospe-
ridade não pode ser confundida com ganância e nem a
busca pela criação de coisas belas como vãs preocupa-
ções, pois também esta concede alívio ao herói cansado
e nutre a inteligência e vontade dos sábios e toda a co-
munidade desejar o Bem.
Alívio do Sofrimento:
A atividade política da mulher já foi mencionada por
sua capacidade de voto nas comunas, mas elas também
marcaram presenças na alta política como administra-
doras ou em união com a vocação de seus maridos. A
atividade de administração da nobreza era um dos ca-
minhos para aliviar o sofrimento, de assegurar a justiça
em seus territórios através do poder e da riqueza herda-
das e recebidas por impostos. A personalidade que
mais se destaca neste aspecto é Eleonor da Aquitânia
(1137 – † 1204), uma das mulheres mais poderosas de
toda a Idade Média, assumiu posição de liderança na Se-
gunda Cruzada e liderou exércitos em muitas ocasiões.
Antes de sua morte, a mulher mais poderosa da época
tomou um véu na abadia de Westminster. Sua neta, a
rainha Branca de Castela (1188 - † 1252), mãe de São
Luís IX, também foi reconhecida por sua excelência
como estadista, e seu filho reconheceu o quanto devia
a ela pela administração do reino, confiando-o quando
da Sétima Cruzada. Outras rainhas também foram im-
portantes em sua época, auxiliando os maridos nas
questões de Estado, como Adelaide de Saboia (1092 - †
1154), Adélia de Champanhe (1140 – 1206), ou a culta
Isabel de Hainaut, Joana I de Auvérnia, etc.
No campo militar, as mulheres também marcaram pre-
sença. Santa Joana D’Arc é, com certeza, o exemplo
mais notável, mas não o único. Pelo contrário, Santa
Joana ficou famosa conciliar uma piedade luminosa
com o caminho militar, mesmo sendo mulher. No en-
tanto, temos muitas histórias notáveis de mulheres que
mostraram seu valor em batalhas, como Jeanne Hachet-
te, “Joana Machadinha”, no século XV, que defendeu sua
cidade bravamente numa atitude decisiva, ganhando
sua alcunha de ‘Hachette’. Seu feito foi reconhecido
pelo rei Luís XI que lhe concedeu alguns privilégios.
Joana de Flandres (1295 - † 1374) também foi reconhe-
cida por sua liderança militar, convocando mesmo as
mulheres para defender a cidade, e Isabel de Conches,
no século XI, também ficou famosa por lutar de armadu-
ra completa num conflito no norte da França.
Temos ainda Etelfleda (870 – † 918) que foi reconheci-
da por seus feitos militares, Sikelgaita (1040 – † 1090)
por batalhar bravamente de armadura completa, A
Grande Condessa, Matilda de Canossa (1046 - † 1115)
e numerosas outras mulheres como Emma de Gauder,
Gwenllian (1100 - † 1136) e Margaret of Beverly, para
citar as mais notáveis. Por fim, temos a Orden del Hacha
(Ordem do Machado), criada pelo conde de Barcelona,
Ramón Berenguer IV, em 1150, para honrar as mulheres
que combateram no cerco de Tortosa contra os muçul-
manos, e a Ordo Militiae Mariae Gloriosae, fundada em
1261, que admitia mulheres guerreiras, as militissa.
Mas o papel nas mulheres na guerra não pode ser re-
sumido apenas a participação militar direta, tendo sido
essencial sua participação em locais mais reservados,
cuidando de doentes e feridos, provendo alimentação
às tropas ou elevando a moral. Aquelas se tornaram he-
roínas ou personalidades admiráveis, estas são em
grande parte anônimas com nobre espírito de entrega
pela sociedade que apenas queriam seguir seu impulso
piedoso, nas cruzadas, ou conjugal, acompanhando e
auxiliando o marido mesmo próximo ao campo de bata-
lha. Sabe-se ainda, que mulheres desempenharam fun-
ções de espiãs e agentes secretos.
O tratamento dos doentes e auxílio aos pobres será
um dos caminhos mais belos para a mulher medieval,
como o é ainda hoje. Ainda que algumas profissões
possam ser naturalmente vias deste caminho de auxílio
do sofrimento pela medicina como as curandeiras da
aldeia, parteiras (exclusiva para mulheres) e até médi-
cas ou enfermeiras, muitas mulheres adotaram esta
missão gratuitamente imitando os modelos de rainhas,
santas e outras mulheres piedosas. Diga-se, aliás, que
os hospitais foram invenção da cristandade e mosteiros
e conventos costumavam atender doentes e cuidar do
enterro dos defuntos piedosamente. Tal atividade é
ainda mais digna pois o modelo do médico medieval era
o Cristo e cada paciente era um Cristo, pois o Cristo
vivia neles.
Elizabete da Hungria não apenas fundou um hospital,
mas cuidava ela mesma dos doentes, especialmente aos
mais repulsivos. Sua irmã, Santa Edwiges, duquesa da
Silésia e da Polônia, tornou-se uma verdadeira mãe para
seu povo. Ela e seu marido, Henrique I, doaram para as
ordens religiosas do país, cuidaram dos pobres, dos
órfãos, das viúvas e fundaram diversos hospitais. Sobri-
nha de Santa Isabel da Hungria foi Santa Cunegunda,
que seguiu o carisma de sua família real no cuidado aos
doentes. Beata Maria D'Oignes cuidou de leprosos (na
época, achavam que era muito mais contagiosa e não
tinha cura) e transformou sua casa em abrigo para desa-
brigados. Outro exemplo é Santa Margarida da Escócia
visitava hospitais e prisões, cuidando e doando alimen-
tos e bebidas, ou ainda Beata Aliete, mãe de São Bernar-
do de Claraval, cuidava e servia dos pobres e enfermos
com humildade. Para não tornar os exemplos ainda
mais exaustivos, Santa Brígida da Suécia nos mostra
como cada uma destas vidas eram, elas próprias, se-
mentes de virtudes: desejosa de fazer seus filhos serem
verdadeiramente cristãos, sempre os levou para cuidar
dos doentes. Assim, podemos ver que a aristocracia
medieval, diferente do que imaginam, não era uma
classe ociosa: mesmo quando havia ocasião de ócio, os
homens e mulheres de valor da nobreza buscavam ocu-
pações piedosas para sacrificar-se pelo próximo. Ah, se
um por cento de seus críticos tivessem tamanha dispo-
sição!
Santa Isabel de Portugal é um verdadeiro modelo e
motivo de orgulho para o povo brasileiro e lusitano:
depois de muito sofrer pelo seu marido, a morte deste
finalmente a libertou. Tomou o hábito de Santa Clara
sem tomar os votos para poder usar toda sua riqueza
para a caridade. Cuidou de órfãos pobres, noivas sem
dote, distribuía esmola aos presos, lavava os pés dos
mendigos e beijava os pés dos leprosos. Tanto quanto
as ações de caridade, o sofrimento que ela passou pelo
marido, aguentando seu temperamento difícil e infideli-
dade, até mesmo adotando os filhos ilegítimos, tudo foi
convertido e aceito por ela para o bem e a paz de sua
nação.
O cuidado aos doentes como vocação, no entanto, não
parou aí. A faculdade médica de Salerno admitia estu-
dantes e professoras mulheres. Trotula de Salerno, por
exemplo, foi a primeira ginecologista do mundo, cujos
tratados de anatomia e fisiologia feminina foram
usados por séculos. Mas Salerno também produziu um
grupo notável de mulheres médicas, como Constânce
Calenda, Rebecca Guarna, Abella (especializada em em-
briologia) e Mercuriade foram as mais influentes.
Estes foram apenas alguns exemplos que revelam
como este Caminho poderia ser trilhado por campone-
sas, rainhas, monjas e estudiosas. A Igreja Católica,
cabe lembrar, foi a instituição que mais prestou servi-
ços de caridade nos últimos milênios e ainda o é hoje.
Sabedoria:
Já pudemos demonstrar que as mulheres da cristanda-
de não eram proibidas de estudar, como sugerem algu-
mas feministas. Pelo contrário, houveram muitas mu-
lheres cultas especialmente no convento e secundaria-
mente na aristocracia. No campo havia uma dificuldade
material que impossibilitava uma educação em larga
escala, tanto para as mulheres quanto para os homens.
Assim, por muito tempo o convento foi o melhor meio
de alcançar a sabedoria, pois além da contemplação das
Sagradas Escrituras, também era um local de erudição,
onde mesmo os clássicos da sabedoria pagã estavam
conservados. Apenas como exemplo de abertura pode-
mos citar Heloísa, ex-amante do herege Pedro Aberla-
do, que ensinou grego e hebraico às monjas no seu
convento.
A falta de instrução para a população em geral era em
parte compensada por pregações e pelas próprias ima-
gens das Igrejas que serviam como pequenos catecis-
mos, representando a vida dos santos, passagens do
Antigo Testamento e a Vida de Cristo. Era o que era pos-
sível, tentava-se garantir que a população teria o essen-
cial para bem conduzir suas vidas e sua falta foi um
grande fator para o crescimento de heresias, assim
como a educação hoje é o grande fator para a submis-
são a ideologias. A presença ou falta de educação oficial
certamente não é um fator para se julgar uma socieda-
de.
As mulheres medievais tiveram até mesmo uma vanta-
gem em relação aos homens: nos conventos não havia
o mesmo clima de disputa lógica que nas universidades
e nas escolas catedrais. Se a disputa pode ser um ótimo
meio de pôr o entendimento à prova, ela também é um
meio para submeter todo conhecimento ao ego vaido-
so. Foi este, em parte, o erro que muitos hereges
caíram, incluindo o próprio Pedro Abelardo, antes de
sua conversão. Nas disputas em que a razão ou o amor-
-próprio do estudioso quer o papel principal, é a sabe-
doria que sempre sai perdendo. Os conventos estavam
preservados deste vício, as monjas possuíam um inimi-
go a menos para buscar a sabedoria sem pervertê-la,
apenas conforme a necessidade, a ocasião e o amor. Tal
experiência é mais difícil de conceber atualmente do
que pode parecer à primeira vista, pois nossa experiên-
cia está manchada pelo nosso próprio sistema educa-
cional onde centenas de assuntos são despejados na
mente dos jovens sem que estes tenham capacidade
mínima de reconhecer seus conceitos na experiência
real. O adolescente moderno fala “evolução” com a
mesma naturalidade da criança que ainda acha que o
leite de caixinha “vêm do mercado”. Tal digressão é de
extrema importância para que se entenda de que ema-
ranhado de confusões estavam livres as monjas.
Assim, algumas figuras se destacam neste tempo.
Santa Hildegarda, para além de seu currículo imbatí-
vel7, foi universalmente reconhecida em seu tempo,
tendo seus escritos lidos e elogiados pelo próprio Papa
em um concílio, sem contar os homens de todas as
partes que lhe escreviam pedindo conselhos, incluindo
São Bernardo. Se havia algum preconceito contra o inte-
lecto feminino na cristandade, esqueceram de informar
aos papas, bispos, monges e às personalidades políti-
cas mais importantes da época. Mesmo tendo sido a
maior de seu tempo, foram abadessas como Hildegarda
que formavam as monjas, mas tratava-se de uma forma-
ção integral, pois a monja não seria uma “erudita” sus-
tentada pelo trabalho dos outros: aprender a orar; pro-
duzir algo para sustentar o mosteiro, como remédios,
tecidos ou alimentos8 ; além de estudar as Sagradas Es-
crituras e as letras clássicas; e, por fim, colocar a humil-
dade e a caridade em prática servindo às irmãos na lim-
peza do mosteiro ou à comunidade no cuidado dos en-
fermos ou defuntos. Além de tudo isso, a própria admi-
nistração de um ou vários conventos requeria uma téc-
nica elaboradíssima, para ser passada para as futuras
abadessas. Menosprezar tal rotina é fruto de uma falta
de imaginação doentia e soberba.
Além de Hildegarda, muitas outras mulheres foram
respeitadíssimas pela sua inteligência, mesmo quando
eram analfabetas. É o caso de Santa Catarina de Sena,
por quem os teólogos da época viajavam centenas de
quilômetros para a ouvir e influenciou enormemente o
cenário político da época. Temos também as irmãs
Santa Matilde de Hackeborn e Gertrude de Hackeborn, a
primeira fez seu monastério ser reconhecido pela pros-
peridade cultural e espiritual, sendo reconhecida pela
sua bela voz e por seu conhecimento místico. O conhe-
cimento místico, devemos lembrar, é o mais respeitado
na Idade Média, pois é uma espécie de sabedoria que
provêm da própria relação com a Sabedoria, o Cristo, e
nos conduz a ela. Sua irmã, Gertrude, era zelosa para
que suas freiras no convento de Helfta aprendessem as
Artes Liberais e as Sagradas Escrituras, além de pedir
que copiassem tantos bons livros quanto fosse possí-
vel. Sob a tutela de Gertrude temos outras duas místicas
importantes: Matilda de Magdeburg, que escreveu di-
versos livros, inclusive em alemão, e Santa Gertrudes de
Helfta, importantíssima na dilatação da devoção ao Sa-
grado Coração. De fato, em uma de suas visões, o pró-
prio São João Evangelista conta que escutou as batidas
do Coração de Cristo na Última Ceia, mas que esta reve-
lação estaria guardada para reavivar o amor e a fé
quando o mundo já estivesse esfriado. Bento XVI men-
ciona este luminoso mosteiro em sua catequese sobre
Santa Matilda de Hackeborn:
“Em 1261, chega ao convento uma menina de cinco
anos, de nome Gertrude: é confiada aos cuidados de
Matilde, com apenas vinte anos, que a educa e guia na
vida espiritual até fazê-la não somente excelentes discí-
pulas, mas a sua confidente. Em 1271 ou 1272, entra
no mosteiro também Matilde de Magdeburgo. O lugar
acolhe, assim, quatro grandes mulheres – duas Gertru-
de e duas Matilde –, glória do monaquismo germânico.
Na longa vida transcorrida no mosteiro, Matilde é afligi-
da por contínuos e intensos sofrimentos, aos quais se
juntam duríssimas penitências escolhidas para a con-
versão dos pecadores. Desse modo, participa da paixão
do Senhor até o fim da vida. A oração e a contemplação
são o húmus vital da sua existência: as revelações, os
seus ensinamentos, o seu serviço ao próximo, o seu ca-
minho na fé e no amor têm aqui as suas raízes e o seu
contexto. No primeiro livro da obra Liber specialis gra-
tiae, as redatoras recolhem as confidências de Matilde
explicadas nas festas do Senhor, dos Santos e, de modo
especial, da Beata Virgem. É impressionante a capacida-
de que essa Santa tem de viver a Liturgia nos seus
vários componentes, também aqueles mais simples, le-
vando-os à vida cotidiana monástica. Algumas imagens,
expressões e aplicações às vezes estão distantes da
nossa sensibilidade, mas, se se considera a vida monás-
tica e a sua missão de mestra e diretora do coro, colhe-
-se a sua singular capacidade de educadora e formado-
ra, que ajuda as coirmãs a viver intensamente, partindo
da Liturgia, todos os momentos da vida monástica.”9
Entre as leigas, Branca de Castela destaca-se por con-
seguir educar pessoalmente seus oito filhos enquanto
assumia as funções do reino em plena cruzada contra
os albigenses e Christopher Dawson menciona como a
própria Leonor da Aquitânia e suas filhas tornaram suas
cortes em difusores de cultura e literatura de corte, mo-
vimento que tomou toda a Europa. A atuação das leigas
seguirá este padrão, algumas serão instruídas, mas não
serão famosas pela própria sabedoria senão que gera-
rão a cultura e sabedoria em sua prole ou em sua corte.
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Bibliografia: