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FINANÇAS PÚBLICAS

DRA. MATILDE LAVOURAS


Aulas práticas: Dra. Inês Serrano Matias

1ªTurma
Ema Roma
2019/2020
FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
Ema Roma

NOÇÃO E OBJETO DE FINANÇAS PÚBLICAS


Já há muito tempo, se discutia a questão da autonomização do objeto das finanças públicas face à economia
política. Desde logo se entendeu que para efeitos didáticos fazia sentido a separação, mas do ponto de vista concetual
a questão permanece por resolver. A economia do setor público, designação adotada por muitos autores, parece
indiciar que as matérias estudadas nas finanças públicas não são diferentes daquelas que se estudam na economia
política, ou seja, o que produzir, como produzir e para quem produzir. Contudo, ainda hoje, alguns entendem que o
Estado não é verdadeiramente um agente económico, diferenciando-se assim das famílias e das empresas. Mas numa
licenciatura em direito, importa sobretudo delimitar os objetos de estudo de 3 outras disciplinas: direito financeiro,
direito tributário e direito fiscal.
Utiliza-se habitualmente o esquema de três círculos concentrados, em que o direito
financeiro corresponde ao círculo maior (englobando um conjunto de normas que regulam a
compreensão, a gestão do dispêndio dos meios públicos), que contém o direito tributário (que
diz respeito às normas das receitas coativas), correspondente ao círculo intermédio, e o direito
fiscal (que se restringe às normas relativas aos impostos), que corresponde ao círculo menor.
Obviamente, não podemos ignorar que durante muitos séculos o Estado ou o Governo (em sentido amplo,
administrativo, tradução literal), representados por E/G, eram tidos não como agentes económicos, mas como
entidades improdutivas e meramente consumidoras. E é precisamente esta nova entidade e sobretudo os efeitos que a
sua atividade tem na economia que constitui o objeto de estudo das finanças públicas. Só muito dificilmente se pode
sustentar que atualmente o Estado não é um agente económico. Aliás, para além de ser um agente económico, possui
características que o distinguem do agente empresas e do agente famílias, uma vez que as famílias e as empresas são
agregadas, ou seja, correspondem ao somatório de todas as famílias e de todas as empresas (são agregados divisíveis,
microdecisores). E o Estado? Enquanto Estado nação, o Estado corresponde aos cidadãos que residem num território
geográfico, isto é, as pessoas jurídicas também fazem parte do Estado. O Estado atua através das pessoas físicas.
Assim, o Estado não é como estas entidades, não é divisível: é em si mesmo indivisível, e ao atuar, fá-lo sempre em
bloco, sendo tido, bem como o Governo, como macrodecisor irredutível.
Vamos também analisar a atividade do Estado com base no tratamento normativo e positivo, tendo por
referência as entidades que, nos termos do SEC (2010), integram o setor administrações públicas. Numa forma
sucinta, podemos definir como entidades de direito público e direito privado aquelas cujo financiamento da atividade é
maioritariamente garantido por receitas provenientes de transferências do orçamento do Estado.
Por tudo o que acabámos de referir podemos concluir que as finanças públicas se inserem nas ciências sociais,
afastando-se em larga medida das ciências exatas e no que diz respeito à diferenciação do objeto de estudo da
economia politica e das finanças públicas somos levados a concluir que nada impede que a atividade financeira do
Estado seja estudada dentro da economia política porque o Estado é um agente económico que partilha com os outros
agentes fluxos financeiros e fluxos reais. Contudo, tem relativamente aos outros agentes algumas diferenças, não só a
de ser um macrodecisor, como também de ter uma receita que é exclusivamente sua – receita tributária. É
precisamente porque existe esta diferenciação que se justifica a autonomização para efeitos didáticos do objeto de
estudo da economia política e das finanças públicas.
Assim, as FP têm como objeto de estudo a aquisição e utilização de meios financeiros pelas coletividades
públicas (determinação do uso de recursos escassos, produção de bens e melhor forma de produzir os bens e quem os
deverá financiar).
(A despesa pública representa cerca de 50% do PIB.)

EEE – economia, eficiência e eficácia

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O que produzir? Como produzir? Para quem produzir? – equivale a dizer que também aqui está em causa uma
afetação eficiente de recursos. No entanto, e de forma um pouco diferente ao que acontece na economia privada, a
orientação para a atividade política não é medida com base nos mesmos fatores, existindo um quadro muito complexo
de relação interdisciplinar na ciência das finanças públicas.
É também importante determinar quem é que deve financiar a produção dos bens, ou seja, se há bens cujo
financiamento deve ser feito apenas pelas receitas provenientes da venda ou se, pelo contrário, o custo de produção
dos mesmos deve ser suportado total ou parcialmente pela comunidade através das receitas provenientes dos impostos.
Aliás, podemos ter situações em que os beneficiários não suportam qualquer custo. Estas decisões são, em regra,
tomadas com base no processo político muito complexo e, não raras vezes, têm atrás de si razões políticas que não
fazem parte do nosso juízo. O que estudaremos são apenas as justificações de base económica, justificações essas que
são determinadas através de uma análise positiva e de uma análise normativa.
A análise positiva permite medir e avaliar quais são as consequências provocadas pela alteração de uma ou
mais variáveis, pretendendo explicar a situação atual de uma política pública e o que acontecerá se interferirmos numa
dessas variáveis.
A análise normativa tem por objeto a emissão de juízos de valor sobre a situação atual e quais as
consequências da adoção de uma política pública quer quanto aos meios quer quanto às consequências (exemplo:
imposto sobre o património).

Funções financeiras do Estado


Toda a discussão em torno da relevância e legitimidade da intervenção do Estado na economia tem por
referência as funções que este deve desempenhar, sendo normalmente elencadas 4 funções:

 Função de afetação de recursos: entende-se que o Estado na sua atuação deve contribuir para uma utilização
eficiente dos recursos disponíveis, quer estes sejam usados para financiar a produção de bens, quer para
realizar transferências para o setor privado. Não se reconhecendo ao Estado uma vocação de produtor, o
Estado deve restringir a sua atividade à provisão – financiamento da produção (diferente da produção) – aos
bens e serviços que: ou o mercado não tem condições para produzir; ou em que o mercado pode produzir mas
o preço que é cobrado não reflete o custo de total do bem, fazendo com que alguns bens sejam produzidos em
quantidade superior à desejável e noutros casos sejam produzidos em quantidade inferior à desejável (uma
dessas razões são as designadas externalidades (exemplo: imposto sobre tabaco é alto na tentativa de diminuir
o consumo de tabaco)). É nesta função que se encontram englobadas atuações puramente regulatórias
incluindo a regulação de acesso à faculdade ou proibição de consumos, limitação de consumos, concessão de
benefícios ou subsídios.

 Estabilização económica: trata-se de uma função através da qual o Estado vai tentar contribuir para um
crescimento sustentado da economia, garantindo níveis elevados de emprego, estabilidade dos preços e
equilíbrio nas balanças externas.

 Redistribuição de rendimentos: a função de redistribuição, enquanto função do Estado, aparece ligada ao


estado social e foi ganhando importância maior à medida que se foi percebendo que a distribuição de
rendimento gerada pelo mercado e que é feita através do pagamento da participação da atividade económica
(salários, juros, rendas e lucros) nem sempre é entendida pela sociedade como justa ou equitativa. Quando
isso acontece, o Estado pode intervir levando a cabo políticas que procedam a uma nova distribuição de
rendimento e riqueza de uma forma tida como mais adequada. Fá-lo através de políticas de segurança social,
compensações por doença, entre outros, mas pode fazê-lo também através da provisão de determinado tipo de
bens que permitam criar uma maior igualdade no acesso às várias oportunidades, reconduzindo-se um pouco
àquilo que John Rawls chamava de “bens primários” ou então pelo que atualmente designamos de bens de
mérito e cujo objetivo principal é contribuir para a diminuição das desigualdades.

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 Proteção do ambiente: trata-se de uma função ainda pouco estudada, mas que atualmente encontra reflexo
em muitas das outras políticas estaduais, sendo considerada imprescindível quer como política autónoma, quer
como política auxiliar no desenho das restantes políticas.

Eficiência, equidade e liberdade


Na sua atuação, o Estado tem de ter em consideração alguns princípios e sendo reconhecida a importância da
intervenção que o Estado tem no funcionamento das sociedades modernas, não deixa de ser necessário encontrar
princípios limitadores dessa mesma atividade. No entanto, na escolha dos bens de provisão publica, é necessário
determinar se essa escolha cumpre padrões de eficiência, equidade e liberdade. Em primeiro lugar, quanto à
eficiência, não se exige um 1ºótimo de pareto – melhorar a condição de alguns sem prejudicar a de outros - podendo
também ser uma situação de segundo ótimo – melhorar a situação de alguém, prejudicando a de outros. Por outro lado,
exige-se equidade: a medida tem que ser equitativa, aqui em sentido material, sendo necessário escolher de entre as
várias opções aquela que é menos prejudicial. Nas suas atuações, o Estado tem ainda de respeitar uma esfera de
liberdade mínima dos cidadãos. Para ajudar na escolha entre as várias opções, podemos recorrer a modelos: modelo
utilitarista, modelo do eleitor médio e a conceção de John Rawls.
Assim, temos que um 1º ótimo de pareto é quando todos ficam melhor, conseguindo-se aumentar o bem-estar de
alguns sem prejudicar o bem-estar de outros e que com um 2º ótimo de pareto o bem-estar aumenta, mas com o
prejuízo de alguns.
Temos 3 teorias:
1. Teoria utilitarista (Stuart Mill, finais do séc. 18): valoriza da mesma forma a perda de utilidade para uns e o
ganho de utilidade para outros, sendo que o que interessa é que a utilidade global aumente. Compara apenas
utilidades, não valores absolutos. Não interessa quem é o sacrificado, desde que a utilidade total aumente.
2. Teoria do eleitor médio: toma também em consideração o ganho e perda de utilidades, mas tem em conta
qual é o grupo que ganha mais e o grupo que ganha menos e só aceita uma medida se a perda de utilidade pelo
grupo que ganha menos for menor que o ganho pelo grupo que ganha mais (completa equivalência entre
ganhos e perdas).
3. John Rawls/Amartya Sen: exige uma proporção muito maior que a teoria do eleitor médio, tendo essa
proporção que ser pelo menos o dobro (o grupo com os rendimentos mais baixos deve perder
proporcionalmente o mesmo que o grupo com mais rendimento ganha).
A utilidade é subjetiva. Se tivermos em consideração que determinação da utilidade do rendimento é muito
subjetiva, facilmente compreendemos que estas teorias são muito criticadas, embora possam ser utilizadas no processo
de decisão para ajudar a fundamentar a adoção ou não adoção de determinadas políticas, políticas estas que ao longo
do tempo têm variado.
Na generalidade dos países ocidentais encontramos atualmente um sistema de economia mista em que temos o
setor público da economia, o setor privado e em muitas situações aquilo que é designado o 3º setor, que é o setor da
economia social. Estes três setores comunicam entre si a ordenação económica, sofrendo também influência da
atividade estadual. O Estado atualmente intervém não só na produção de bens ou do financiamento da sua produção,
mas também através da cobrança de impostos ou das políticas regulatórias. Para além disso, no exercício das suas
funções interfere na distribuição de rendimentos, influenciando a alocação de recursos.

Evolução da compreensão do papel do Estado


Escola clássica ou Estado mínimo: autores como Adam Smith e David Ricardo veem o Estado não como um
agente económico, mas apenas como uma entidade externa ao mercado. No circuito económico reconhecem apenas

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como entidades participantes no mercado e na economia as famílias e as empresas. O Estado, tal como os
proprietários, é um consumidor improdutivo e por isso a sua intervenção deve ser reduzida ao mínimo possível para
não interferir no funcionamento do mercado, mercado esse que era regido por uma espécie de mão invisível que
garante o seu funcionamento perfeito, sendo que qualquer interferência externa iria prejudicar este funcionamento. Por
isso, a intervenção do Estado devia ser mínima, resumindo-se às funções de justice, policy and arms, cabendo-lhe
então as funções de defesa do território, justiça e intervenções públicas que são do interesse de todos, mas que o
mercado não consegue levar a cabo. O financiamento desta intervenção pode ser feito com recurso a receitas da venda
de bens do Estado e impostos, sendo que nunca se pode recorrer a empréstimos e até mesmo o recurso a impostos
deve ser excecional porque os impostos são em si mesmo um problema para a economia, não só porque diminuem o
rendimento de quem os paga e impedem a sua utilização noutras funções, como também não trazem nenhum ganho à
economia, ou seja, o Estado é o imposto e o imposto é um triplo mal. O Estado deve ser o mais pequeno possível.

Finanças intervencionistas: a ideia de que a intervenção do Estado apenas influenciava a atividade económica de
forma negativa começou a ser posta em causa em 1929, altura da Grande Depressão, em que uma forte recessão
económica se encontra associada a níveis de desemprego muito elevados e que colocam desafios à sociedade e à
economia que o mercado não consegue resolver - torna-se numa situação duradoura, o que é bem visível nos
indicadores económicos. O PIB da generalidade dos países desce 25% e a fome e a miséria são condições dominantes
na sociedade. Não se estranha, por isso, que as políticas do New deal (anos 30) aprovadas tenham sido tão aplaudidas.
O pensamento económico não deixaria de refletir sobre esta problemática e em 1936 surge a obra de Keynes que
marcaria uma rutura com o pensamento económico dominante defendendo uma maior intervenção do Estado
sobretudo para garantir a estabilização da economia. Keynes defende que é possível atingir uma situação de equilíbrio
da economia sem que exista pleno emprego de fatores, sendo então essencial a implementação de políticas públicas ao
nível da despesa para reforçar a procura efetiva. Este autor passa então a defender que o crescimento económico é
possível mesmo em situações de crise se for estimulada a procura, cabendo ao Estado o papel de interventor para
garantir esses mesmo estímulos e, como para estimular a economia é preciso rendimento, a solução consiste em cobrar
impostos que são redistribuídos para quem os receba, os utilize e aumente por essa via a procura.
A 2ª GM veio colocar outros problemas, obrigando o aumento da despesa pública com as despesas da guerra, mas
também tornou evidente que no fim da guerra se verificou um forte crescimento económico do qual nem todos
beneficiaram. Uma parcela muito significativa da população continuava a viver em condições miseráveis, parecendo
condenada a manter-se nessa situação. Esta diferença de oportunidades proporcionou o reconhecimento da intervenção
do Estado para garantir aos mais carenciados rendimentos básicos, aceitando-se que o mercado não é autónomo nem
consegue distribuir os rendimentos de forma justa, isto porque o mercado tem falhas, falhas essas que não consegue
corrigir.
Em suma, reconhece-se ao Estado a função de redistribuição de rendimentos que pode ser levada a cabo quer por
via legislativa quer através de intervenção direta com a produção de bens. Esta nova forma de atuação implicou
alterações ao nível da despesa pública, mas é perfeitamente compatível com níveis de despesa pública moderados.
Contudo, uma análise empírica leva-nos a concluir que há um aumento da despesa pública a partir da segunda guerra
mundial. E dá-se não só este aumento como também se altera a forma de financiamento, passando a aceitar-se o
recurso a empréstimos.

Constitucionalismo financeiro: o crescimento da despesa pública nas últimas 3 décadas do séc. XX levou muitos
autores a começar-se a interrogar-se sobre a dimensão do Estado na economia, sobre a forma de financiamento da
despesa pública e sobre os efeitos que esta intervenção pode ter. Foi ganhando força a ideia de que é necessário limitar
a ação dos governos e das maiorias parlamentares no que diz respeito à despesa pública. E é neste contexto que surge
a introdução de limites constitucionais ao défice orçamental, até porque se reconhece que a principal função do Estado
na esfera económica deve ser a afetação de recursos e que as políticas de redistribuição devem ser feitas de um modo
generalista e não direcionadas a grupos específicos.

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Finanças modernas: em jeito conclusivo, podemos dizer que se reconhece uma tarefa imprescindível aos
Estados, sendo também bem patente a ideia de que a intervenção do Estado na economia é hoje essencial, até porque
há falhas de mercados que só o Estado consegue resolver, embora se reconheça também que o Estado é um decisor ou
um agente económico com interesses próprios, afastando-se do bom gigante de que falava Thomas Hobbes, variando a
sua atuação muito em função dos ciclos políticos.

PROVISÃO PÚBLICA DE BENS


Existe provisão pública de bens naqueles casos em que é o Estado (e não o mercado) a definir as
características dos bens e respetivas condições de acesso. Trata-se de bens financiados, total ou parcialmente, por
receitas públicas.
 Bens de produção pública em que a produção do bem ou a sua conservação é garantida por uma entidade
pública

 Bens de produção privada em que a produção do bem ou a sua conservação é garantida por uma entidade
privada

Os bens de provisão pública podem ser bens públicos, semipúblicos ou de mérito. A distinção entre eles é feita
através das características dos bens.

1. Bens públicos

A noção de bens públicos encontra-se ligada a duas notas caracterizadoras: Irrivalidade no uso e inexcluibilidade
no preço. A caracterização de um bem como bem público depende assim de se verificarem cumulativamente as
caraterísticas da não rivalidade e da não exclusão. Não tem que se tratar de um bem de provisão pública (embora tal
suceda na generalidade dos casos).
 Não rivais (no uso)/Irrivalidade: significa que a utilização de um bem por um indivíduo não impede a
utilização do bem por outro indivíduo. Uma quantidade de certo bem pode ser usada por enorme número de
consumidores (ex: wi-fi). Podemos ter irrivalidade absoluta ou parcial. Quanto à não rivalidade absoluta, existe, por
exemplo, no caso da defesa nacional em que a existência de uma força militarizada para proteção do território permite
que essa proteção abranja todos os cidadãos que nele se encontram e estes cidadãos nem sequer precisam de realizar
qualquer atividade para serem protegidos, ou seja, a sua necessidade de proteção é satisfeita de forma passiva e, para
além disso, os custos de produção do bem defesa nacional mantêm-se praticamente inalterados, mesmo nos casos em
que existem flutuações do número de cidadãos que se encontram no território. Se estivermos perante um bem de uso
não rival, a exclusão de utilizadores é ineficiente do ponto de vista social.

 Não excluíveis (pelo preço) /Inexcluibilidade: trata-se de situações em que existe uma impossibilidade de
cobrança do preço que decorre: ou de impossibilidade técnica; delimitação no acesso; ou de situações em que, embora
seja possível, não é praticável, porque a cobrança do preço diminuiria a utilidade de tal bem (ou seja, diz-se não
exclusão dado que os seus produtores não estão em condições de excluir o consumo a quem não pague, ficando deste
modo em situação de perda, daí que os privados prefiram não produzir este tipo de bens). De facto, é precisamente a
caraterística da não exclusão que torna menos apetecível a sua produção privada. Falar em não exclusão é falar de
bens cujo consumo não pode ou não deve ser controlado por sistema de preços. Trata-se de situações em que os
consumidores não têm incentivo a relevar a sua preferência, ou seja, não estão dispostos a pagar o preço por um bem

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que podem licitamente usar sem pagar. Neste caso, estamos perante uma situação em que os indivíduos têm incentivo
a comportar-se como free riders, beneficiando da utilização dos bens sem ter contribuído para o seu financiamento.
Existe impossibilidade técnica de cobrança de um preço, impossibilidade prática e impossibilidade absoluta.

As necessidades de satisfação ativa/individuais, que exigem para sua satisfação uma certa
atividade/comportamento do consumidor, são satisfeitas com bens cujo consumo é excluível, podendo ser rival ou
irrival. Já as necessidades de satisfação passiva/coletivas, que se satisfazem pela mera existência do bem/serviço sem
exigir qualquer comportamento do consumidor, são satisfeitas com bens cujo consumo é inexcluível e irrival.
São considerados bens públicos puros aqueles em que existem simultaneamente as duas características. Alguns
autores dizem também que os bens públicos são aqueles em que existe indivisibilidade da oferta e da procura e
externalidades. Dr. Teixeira Ribeiro diz que os bens públicos são aqueles em que existe passividade do consumo ou
bens que satisfaçam necessidades de forma passiva. No entanto, estas duas formas de caracterização são semelhantes.

2. Bens semipúblicos

Também designados bens privados de provisão pública, são bens de uso rival ou excluíveis pelo preço. Satisfazem
simultaneamente necessidades coletivas e individuais, sendo muitas vezes associados a externalidades positivas e
falhas de mercado. Podem ser tecnicamente semipúblicos ou técnica e financeiramente semipúblicos.
Os bens tecnicamente semipúblicos são bens de provisão pública que são fornecidos gratuitamente, havendo
transferência integral dos custos da produção do bem para a comunidade (ex: ensino básico). Os bens técnica e
financeiramente semipúblicos são de provisão pública, mas em que existe uma contraprestação pecuniária paga pelo
beneficiário/utilizador do bem: esse valor pode ser inferior ao custo do bem, igual ao custo do bem ou superior ao
custo mas inferior ao preço de mercado (ex: propinas).

3. Bens de mérito

São “bens cuja produção pelo Estado a política considera desejável por imposição da elite dominante ou por
adesão a interesses ou valores da comunidade”. Trata-se de situações em que os consumidores não são capazes de
avaliar corretamente os seus interesses e, devido a isso, subconsomem bens que, do ponto de vista social, seriam
desejáveis de ter um consumo mais elevado – bens de mérito. A provisão destes bens pode materializar-se em bens e
serviços, mas também ser feita através de medidas legislativas impositivas/proibitivas de condutas consoante o tipo de
externalidade que o seu consumo gera (ex: obrigatoriedade do uso de cinto de segurança)

 Bens de clube

Os bens de clube são bens cujo leque de potenciais consumidores pode ser determinado antecipadamente, isto
é, bens que são consumidos por um grupo restrito de pessoas e que, por essa razão, podemos pensar que estes podem
facilmente suportar o custo da sua produção. Conhecendo-se o grupo de consumidores e havendo interesse na
produção do bem – porque há interesse no seu consumo – parece haver incentivo à provisão privada do bem.

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Como se trata de bens cujo consumo é tendencialmente não rival (apenas apresentam custos de congestão a
partir de um ponto em que o número de consumidores é muito elevado), seja ou não a necessidade satisfeita de forma
passiva, pode existir um incentivo a comportamentos do tipo free rider (ou seja, pessoas que não contribuíram para o
financiamento do bem, usam-no na mesma). Contudo, uma vez que o benefício que cada um dos utilizadores retira é
elevado em relação aos custos da parcela do financiamento que lhe cabe, há um incentivo à sua produção (e
financiamento) pelos interessados (exemplo: os faróis que existem ao longo da costa, não sendo comum encontrar
bens deste tipo que sejam de provisão pública).

Falhas de mercado
A escolha do tipo de bens a prover pelo Estado (ou seja, a provisão), sobretudo naqueles casos em que os bens
não são classificados como bens públicos, está relacionada com uma ideia paternalista do Estado, mas também com as
designadas “falhas do mercado”.
Há casos em que o Estado garante a produção do bem mesmo nos casos em que a procura é manifestamente
baixa ou insuficiente, e fá-lo porque daí decorrem situações que considera serem essenciais para o bom funcionamento
do mercado, não só daquele bem, mas do mercado globalmente considerado. Diante dessas justificações, do ponto de
vista teórico dá-se uma especial importância àquelas que a via económica designa de falhas do mercado, destacando-
se desde logo as externalidades.
 Externalidades/exterioridades/externidades: Os agentes económicos fazem as suas escolhas, comparando as
vantagens dos custos decorrentes de uma determinada conduta, ponderando em cada situação vantagens e
desvantagens, mas há casos em que os agentes económicos não conseguem tomar em consideração a totalidade dos
efeitos que a sua conduta tem, porque desta conduta resultam efeitos positivos ou negativos para terceiros.
Estes efeitos sobre os terceiros chamam-se externalidades e a existência destas externalidades justificam a
intervenção do Estado para tentar corrigir as decisões do mercado, proibindo condutas, incentivando condutas ou
impondo tributação. Tratando-se de externalidades positivas justifica-se até a provisão pública do bem e o
fornecimento do mesmo de modo gratuito ou a um preço muito inferior ao preço do mercado (ex: transportes
públicos). O efeito externo é criador de utilidade apropriada por terceiros sem que estes paguem o seu preço (fruição
passiva). No caso das externalidades negativas justifica-se a penalização das condutas através da via fiscal, de modo
a diminuir a procura (ex: impostos no tabaco).

 Poder de mercado: O funcionamento do mercado eficiente depende da existência de condições


concorrenciais que permitem assegurar condições de acesso quer por parte dos produtores de bens e serviços quer por
parte dos utilizadores, mas esta atuação é estudada no direito de concorrência (que pretende garantir condições
concorrenciais de mercado). No entanto, o mecanismo de provisão pública de bens constitui também uma forma de
assegurar em certas condições o bom funcionamento do mercado e, enquanto que as políticas de concorrência se
destinam a garantir o mercado tendencialmente concorrencial constituindo a melhor forma de funcionamento do
mercado, deixam de fora o tratamento de situações em que a melhor forma de funcionamento é o monopólio.
Nas situações em que estejamos perante um monopólio natural (exemplo: carris das linhas de comboio em
Portugal pertencem à Refer; as redes de energia e as redes de distribuição de água) tende a existir apenas 1 empresa
para produzir e fornecer aquele bem, sendo essa a forma mais eficiente do funcionamento do mercado. Trata-se de
situações em que há elevados custos fixos e enormes economias de escala. Nestes serviços, a provisão pública tem
ainda a vantagem de assegurar um serviço tendencialmente universal sem discriminação de preços. Trata-se de
serviços essenciais e dos quais dependem outras atividades. Ora, um privado pode não ter interesse em facultar este
serviço universal, a não ser a preços bastante elevados em alguns casos. Em Portugal, estas atividades, quando ainda
são públicas, são desenvolvidas por entidades que pertencem ao setor empresarial do Estado. Nos últimos anos, deu-se
um movimento geral de privatização destas atividades (CTT, por exemplo), mas como permanece o incentivo para a
formação de monopólios e para a discriminação de preços, são impostos um conjunto de obrigações às empresas que
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operam esses setores, nomeadamente, em relação ao acesso tendencialmente universal do serviço, ao limite de preços
praticados e à homogeneidade dos mesmos. A sujeição de um setor de atividade a este tipo de regras especiais é o que
se designa por regulação.

 Assimetria de informação: Numa economia real, a decisão dos agentes económicos para a aquisição de um
determinado bem depende da informação que estes têm sobre as características que este tem. Nalguns casos a
aquisição é feita sem que o consumidor tenha toda a informação, correndo este os riscos inerentes a essa falta de
informação. Além disto, na generalidade dos casos a obtenção de informação tem custos associados, mas subsistem
situações em que as duas partes envolvidas na transação dispõem de informação diferente sobre o bem que está a ser
transacionado e esta diferença de informação justifica em alguns casos a intervenção pública, por forma a tentar
diminuir esses diversos níveis de informação (exemplo: rotulagem das embalagens). Em termos de intervenção de
mecanismos especificamente financeiros podemos destacar os casos em que a assimetria de informação leva a falha de
mercado por seleção adversa: este fenómeno existe quando não é possível distinguir os bons dos maus produtos, os
clientes cuidadosos dos não cuidadosos, etc. Exemplos clássicos de seleção adversa estão no mercado dos carros
usados, seguros de saúde, entre outros.

 Razões redistributivas: Há também situações em que o Estado substitui a vontade dos consumidores pela
sua própria vontade, agindo no pressuposto de que os indivíduos não são capazes de avaliar corretamente o seu
próprio interesse. Nestas situações, a intervenção pública não tem como objetivo principal melhorar o funcionamento
do mercado mas pode em muitos casos ajudar a diminuir aquilo que se chama do “risco moral”, ou seja, ao diminuir
aquelas situações em que o agente não suporta integralmente os riscos associados à sua conduta. Pode fazer com que
não seja previdente.
O Estado, porque entende que as pessoas não são suficientemente previdentes, por exemplo, para adquirir
seguros de saúde ou de se precaverem contra os riscos de envelhecimento, cria contribuições obrigatórias para as
pensões de reforma ou fornece cheques dentistas. Há, no entanto, situações em que a explicação económica não é tão
fácil, como por exemplo, o financiamento público ao teatro nacional, a uma companhia nacional de ballet, sendo a
justificação habitualmente avançada a de que estes bens são vistos como uma parte da herança cultural duma
comunidade e não como uma resposta a necessidades individuais. Estão também englobadas nestas situações aquelas
que a comunidade considera em que alguns indivíduos não são capazes de tomar uma decisão e em que nalguns casos
o próprio Estado se considera habilitado a substituir outros na tomada de decisão. Há situações em que o Estado
decide produzir um determinado bem porque este permite diminuir a desigualdade na distribuição dos rendimentos ou
diretamente/indiretamente promovendo a igualdade de oportunidades.

Além destas, importa apontar como falhas de mercado: custos de transação, falhas de coordenação,
paternalismo do Estado, monopólios naturais, etc.

A DESPESA PÚBLICA
Classificação da despesa pública com os efeitos económicos provocados
1. Despesas meramente produtivas – satisfazem necessidades públicas ou privadas criando utilidades, por
exemplo, os serviços de polícia ou segurança prestados pelo Estado.

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2. Despesas reprodutivas – além de criarem utilidades, também criam capacidade de produção. No fundo,
acabam por ser as despesas em investimento em bens de capital duradouro, por exemplo, a construção de edifícios
para serviços públicos ou construção de estradas e pontes.
Efeitos provados sobre o PIB:
a) Despesas-compra – são despesas feitas na aquisição de bens e serviços e que criam rendimento. Geram, portanto,
um aumento do PIB do período em que se inserem. São exemplos as despesas em vencimento de funcionários e em
material de consumo.
b) Despesas-transferência – limitam-se a transferir poderes de compra e, por isso, não criam rendimento. Os
beneficiários é que criarão rendimento ao despender o montante das transferências. No fundo, estas despesas de
transferências são todas as prestações do Estado sem contrapartida atual dos beneficiários. Assim, são transferências
não só as subvenções públicas (subsídios de desemprego, reforma por velhice), mas também, por exemplo, os
reembolsos de empréstimos. É que nestes casos, há tão somente uma mudança de mãos dos rendimentos já criados:
vão dos contribuintes para a mão dos beneficiários da subvenção, que ao comprarem bens estarão a criar rendimentos.

Teorias explicativas da evolução da despesa pública


O comportamento da despesa pública e as razões que a justificam tem sido largamente debatido pelos
economistas. Não há dúvidas de que o comportamento da despesa pública influencia de forma direta, mas também
indireta, o comportamento dos mercados e atuação dos demais setores económicos. Se olharmos para os dados
estatísticos podemos verificar que desde os finais do séc. 19 até à última década do séc. 20 se deu um aumento na
generalidade da despesa pública, quer a preços correntes, quer a preços constantes, quer em percentagem do PIB, quer
em valor do espetáculo, sendo possível afirmar que há uma tendência para o aumento da despesa pública.
Da análise desses mesmos dados decorre que a partir de finais do séc. 20 e até à atualidade, os gastos em
despesa pública sofrem variações menos acentuadas. Por exemplo, no caso português, a despesa pública em 2007 era
de 44,5% do PIB e em 2018 de 44%. Contudo, se virmos o período intermédio, em 2009,2010, 2011 e 2014, a despesa
pública ultrapassou os 50% do PIB. Comportamento este que também é encontrado nos restantes países da UE.
Verificamos que em Portugal em 1975, a despesa pública era apenas 23,75% de PIB. Emirados Árabes
Unidos, em 2017, apresentou uma despesa pública de 5% enquanto que noutros países como a França, os valores
ultrapassam e muito 50% do PIB.
Este comportamento da despesa pública tem sido, como já vimos, estudado e podemos dividir duas formas de
análise em doutrinas: ou que consideram que esta evolução decorre de fatores relacionados com a procura, sendo as
despesas determinadas pelas exigências dos cidadãos ; ou que decorre de fatores relacionados com a escolha pública,
isto é, a oferta. A generalidade de autores enquadra-se no primeiro grupo de teorizadores.

 Adolph Wagner: financista alemão que desenvolveu a sua teoria em finais de séc.19, tendo por base os
dados relativos à despesa pública, na Alemanha e na Áustria. Constatou, não só, que a despesa pública apresentava
uma tendência para o crescimento, mas ainda que a despesa pública crescia mais do que proporcionalmente que a
despesa privada e que o PIB. A cada aumento da despesa pública assistia-se ao aumento da carga fiscal.
Perante esta constatação, em 1885 e posteriormente em 1911, Wagner formulou a designada “Lei de Wagner”,
também conhecida como “A lei do aumento da despesa pública”- as despesas públicas nos países progressivos
apresentam uma tendência para o aumento crescente, quer em termos intensivos, quer em termos extensivos, ou seja,
verifica-se não só, um aumento da despesa pública, decorrente dos gastos, com despesas já existentes, mas são
também criadas novas despesas, o que exige, nas palavras de próprio Wagner, o aumento relativo da atividade
estadual. Ou seja, entre os povos progressivos (nações industrializadas) verifica-se um desenvolvimento regular da
atividade do Estado e das administrações locais, aumentando a importância dessa mesma atividade, não só a absoluta
9
FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
Ema Roma

como a relativa. Este autor justifica esta tendência pelo aumento da complexidade da atuação pública, decorrente da
atividade constante introdução de alterações legislativas, novas regulamentações, bem como da necessidade da
intervenção pública para minorar ou eliminar os efeitos recorrentes das externalidades negativas e do crime geradas
pela urbanização, mas também decorrentes da elevada elasticidade da despesa pública, na provisão pública de bens. O
fator externo que condicionaria estas alterações era a industrialização.
Wagner não conseguiu, contudo, transformar esta sua análise numa lei matemática de validade universal,
sendo por isso, habitualmente designado como uma lei empírica. Contudo, esta análise tem a vantagem de permitir
uma reflexão sobre o tratamento da despesa pública ao longo do tempo e de estabelecer uma correlação entre o
comportamento da despesa e as alterações ao nível da atividade estadual.

 Peacock e Wiseman: trabalhando dados relativos à Inglaterra, põem à prova as explicações dadas pelos
vários autores para o aumento da despesa pública. Também eles concluem que os dados do Reino Unido comprovam a
tendência avançada por Wagner. Contudo, constatam que a evolução da despesa pública não é regular, fazendo-se
antes aos solavancos.
A períodos de aumento acentuado da despesa pública seguem-se períodos de estagnação ou períodos de
diminuição. Isto sucede-se por causa de dois efeitos: o efeito deslocação (displacement effect) e o efeito apreciação
(inspection effect). Estes dois efeitos estão também relacionados com as perturbações sociais. Assim, sempre que
ocorra uma perturbação social (guerras, períodos inflacionistas, crises económicas) verifica-se um aumento da despesa
pública para fazer face aos gastos originados por aquela situação. Por isso, a despesa desloca-se para um patamar mais
elevado- efeito deslocação (displacement effect). Devido a este aumento da despesa pública, aumenta também a
carga fiscal. Finda a crise, era de esperar que a despesa retornasse para uma percentagem próxima daquela que tinha
antes da crise. Mas a verdade é que não é isso que acontece. Esta falta do retorno ao ponto de partida decorre do efeito
apreciação (inspection effect), ou seja, finda a crise, a despesa pública ou se mantém ou desce, mas não volta ao
valor inicial, ou porque os contribuintes reclamam o nível de despesa superior ou porque o Estado aproveita o nível
mais alto da despesa pública para realizar despesas que até aí não conseguia por falta de financiamento.
Concluem estes autores que a despesa pública não aumenta de forma constante, mas antes irregular e que o
motivo do aumento não seria a industrialização, mas antes as crises, sendo que as crises podem ter na sua base
situações muito diversas. Para além disso, Peacock e Wiseman detetaram ainda um outro efeito: efeito concentração,
efeito este que decorre do próprio aumento da despesa pública, que ao atingir valores elevados se concentra no
governo central, ao invés de se dispersar por outras entidades de governo descentralizadas em termos territoriais.

 Vito Tanzi e Ludger Schucknecht (VT e LS): à semelhança do que aconteceu com os demais autores,
também Tanzi e Ludger começam por analisar os dados estatísticos para depois tentarem avançar uma explicação para
o comportamento dos indicadores de despesa pública.
De uma forma sintética, podemos dizer desde já que para estes autores o comportamento da despesa pública
desde 1870 até à atualidade se fica a dever às variações nas funções estaduais e às perceções sobre o papel do Estado
na economia. Estes autores dividem a sua análise em vários períodos.
O primeiro é de 1870 até à 1ª Guerra Mundial: neste período é ainda bem visível a influência da Escola
Clássica no pensamento económico, reconhecendo-se ao Estado funções mínimas, o que originaria despesa pública
muito reduzida. Nas próprias palavras de Adam Smith, ao Estado caberia apenas criar e manter as instituições públicas
que apresentem uma enorme vantagem para a sociedade por contribuírem para o bom funcionamento do mercado,
como sejam os tribunais e a defesa, mas também a promoção da instrução dos cidadãos, mas mesmo nessas áreas a
intervenção tinha de ser mínima. Não era por isso estranho que, por volta de 1870, a despesa pública se situasse nos
10% do PIB, embora em alguns países, como a Austrália, Itália, Suíça e França, atingisse valores entre os 12 e os
18%, sendo estes países considerados como países esbanjadores. Nos finais do século XIX, começa a sentir-se a
influência da teoria marxista e é introduzida uma nova fórmula estadual: a distribuição do rendimento, justificando em
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FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
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certa medida alterações da despesa pública. Também na mesma altura, a despesa pública com a educação básica torna-
se predominante contribuindo também para o aumento da despesa pública. Apesar destas mudanças, continua a
prevalecer a ideia do Estado mínimo e mesmo na primeira década do século XX, a despesa pública não ultrapassava
muito os 10%. Nos anos que antecedem a Grande Guerra, assiste-se ao aumento da despesa pública sobretudo da
despesa pública relacionada com a Guerra, nomeadamente armamento e instalações. Durante a Guerra, a despesa
pública continua a subir e logo no final da guerra, verificam-se mudanças substanciais ao nível da despesa pública, o
que nos leva a entrar no segundo período.
O segundo período decorre entre a 1ªGuerra Mundial e a 2ªGuerra Mundial: no ano de 1920, a despesa pública
tinha subido para os 18,7% do PIB, mas em países como a Alemanha, Itália e Reino Unido esta representava 25% do
PIB. É também neste período entre guerras que se dá uma mudança drástica no pensamento económico: do estado
liberal mínimo passamos a um Estado keynesiano, que põe fim à política do “laissez-faire” (liberal). Esta alteração
não foi drástica nem se deu em todas as áreas da mesma forma. Também Keynes entendia que para determinar a
intervenção do Estado era importante saber se o setor privado conseguia ou não desempenhar uma determinada tarefa,
cabendo ao Estado desempenhar não só as tarefas que o mercado não consegue, como também aquelas que o Estado
pode desempenhar de forma mais eficiente. Por esta altura, tinham surgido já sistemas rudimentares de segurança
social e a Grande Depressão, cuja origem decorre de uma gigantesca falha de mercado, torna visível a necessidade de
intervenção pública. Assiste-se a um aumento das despesas públicas, sobretudo daquelas que são destinadas à
produção de emprego e à proteção dos mais necessitados.
A implementação na Europa de políticas inspiradas no New Deal permitem a criação ativa de empregos
públicos como forma de minimização dos efeitos das elevadas taxas de inatividade verificadas. A partir da década de
30 começamos a assistir, novamente, a um aumento da despesa de guerra para fazer face às ameaças que eram já bem
patentes. Em 1937, a despesa pública tinha atingido um valor médio de 22,8%. Por esta mesma altura, começa
também a perceber-se que se entrou num novo paradigma estadual. Durante a Guerra, a despesa com armamento
continua a aumentar, mas não há alterações significativas nas outras despesas.
O terceiro período vai do pós 2ª Guerra até aos anos 80: no período do pós-guerra, continua a assistir-se a um
crescimento da despesa pública e nas décadas de 60 a 80 assiste-se mesmo a um rápido crescimento das despesas
justificado pela crença no contributo da despesa pública para o crescimento económico. A par disto, em 1959, Richard
Musgrave define como funções estaduais a função de estabilização económica, a função de redistribuição e a função
de promoção do crescimento económico, funções estas que, aliadas à teoria Keynesiana, muito contribuíram para um
rápido crescimento da despesa pública. Do lado da despesa, passa a apostar-se na análise custo-benefício e do lado da
receita começa a ganhar força a teoria da tributação progressiva.
Ao mesmo tempo, assiste-se também a alterações legislativas que permitam compatibilizar este aumento da
despesa pública com as disposições legais. Como nota, há que referir que nesta época os dois fatores que mais
contribuíram para o aumento da despesa pública foram a concentração urbana e o envelhecimento populacional.
O quarto período corresponde à década de 80 a 90: neste período assiste-se a um abrandamento do
crescimento da despesa pública motivado pela crítica da teoria keynesiana, sobretudo da ideia de que o investimento
público quando substitui o investimento privado não tem efeitos negativos. Os efeitos decorrentes da cobrança de
impostos elevados não deixam também de se fazer sentir porque começam a pôr em causa o investimento privado. A
nível político começa a sentir-se uma forte contestação das políticas públicas que levam ao aumento da despesa. Além
disto, a subida ao poder de Margaret Tatcher e Ronald Reagan torna mais ou menos evidente que as economias
mundiais deviam reduzir a despesa pública. Contudo, o que se verifica na última década do século XX é uma despesa
pública bastante elevada, embora já apresente uma tendência para o decréscimo.
O quinto período abarca os últimos anos do século XX: iniciou-se uma tendência para alterações ao nível do
comportamento dos Estados refletindo as alterações que se faziam sentir nas escolas de pensamento económico. O
liberalismo surge agora numa veste um pouco diferente, mas de forma bastante intensa e, por isso, começamos a
assistir a uma limitação do crescimento da despesa pública, mas também a uma diminuição desses valores.

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FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
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A generalidade dos países atingem os seus níveis máximos de despesa na última década do século XX e nos
primeiros anos do século XXI, mas esta tendência sofre uma grande alteração com a crise iniciada em finais de 2007:
durante a crise assistimos a um novo crescimento da despesa pública para fazer face a uma nova conjuntura. A crise
de 2007 torna visíveis novos patamares de exigência de intervenção pública, precisamente para fazer face aos
problemas do mercado que o próprio mercado não consegue por si só solucionar. A forma como os Estados reagem a
esta situação é muito heterogénea, refletindo também os efeitos das alterações que tinham vindo a ser introduzidas
logo nos finais do século XX e encontrando aqui vários grupos de países.
Em primeiro lugar, países que implementaram reformas ambiciosas e que o fizeram com um período muito
precoce, caso da Irlanda, Nova Zelândia, Holanda e Bélgica, mas ao mesmo tempo, países como a Grécia, Japão e
Portugal ainda nem sequer tinham atingido o seu ponto máximo de despesa.
Em segundo, países como Áustria, Canada, Finlândia, Noruega, Espanha e Suécia constituem um grupo
designado por “Países tímidos, mas temporões” (de forma precoce).
Um outro grupo que pode ser apelidado de “reformador tardio e pouco ambicioso” é constituído pelo Reino
Unido, Austrália e Luxemburgo. No mesmo grupo, estão a Dinamarca, França, Alemanha ou a Suíça.
A distinção entre os tipos de reformas está relacionada com os cortes naquilo que são designadas “despesas-
transferências”, ou seja, despesas em salários, subsídios, ou outro tipo de subvenções públicas incluindo benefícios
fiscais. Na generalidade dos países mais ambiciosos verificam-se também cortes em despesas como a saúde e a
educação. Estas alterações ao nível da despesa pública refletiram-se numa melhoria das políticas orçamentais,
permitindo apresentar orçamentos equilibrados ou até orçamentos superavitários. Mas depois de um período inicial de
sucesso, em alguns casos, estas políticas reverteram o resultado inicial. Para isso, muito contribui o facto de muitas
destas políticas não serem sustentadas.
Nos últimos anos, temos vindo a assistir a uma tendência para o decréscimo da despesa pública em relação ao
PIB, mas é também necessário verificar se este decréscimo é real e também se é um decréscimo sustentado. Para estas
alterações, muito tem contribuído a discussão em torno das políticas económicas mais liberais ou intervencionistas,
mas independentemente do peso de uma área de pensamento ou outra, todos reconhecem que o Estado tem atualmente
um papel muito importante na correção das falhas de mercado.
Em jeito de síntese, podemos dizer que Tanzi e Schuknecht justificam a evolução da despesa pública com base
nas mutações existentes ao nível do entendimento sobre o papel do Estado na economia.

ORÇAMENTO DE ESTADO
A história do orçamento público está indissociavelmente ligada com a evolução da sociedade à compreensão
dos fenómenos sociológicos.
No período medieval, não existia uma diferenciação entre instituições públicas e instituições privadas. A
principal fonte de financiamento da despesa do rei eram as receitas patrimoniais e as receitas consuetudinárias. O
recurso a receitas extraordinárias, como sejam os impostos e a possibilidade de cercear moeda, careciam de
autorização das Cortes.
Em Portugal, em matéria orçamental, há que considerar as especificidades resultantes das Cortes de Coimbra
de 1261, em que pela primeira vez se reconhece expressamente que o imposto deve ser de tributo geral e resulta de
uma concessão do país. Esta inovação repete-se em 1467 nas Cortes de Montemor-o-Novo, no reinado de D. João II,
onde é aprovado um orçamento, em que se apura o défice (deficit) efetivo de 3 milhões de reais. As Cortes voltaram a
reunir em Évora anos mais tarde, mas depois só voltam a reunir em 1641, em Lisboa, já na época da Restauração.
Na transição para o absolutismo, assiste-se a uma perda da importância do papel das Cortes um pouco por
toda a Europa. Em Portugal, este movimento acontece a partir da Segunda Dinastia. Do ponto de vista orçamental, em
Portugal, nesta época há que realçar a importância dos rendimentos ultramarinos e a introdução, através do Alvará de
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FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
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5 de setembro de 1641, no reinado de D. João IV, do imposto à taxa de 10% sobre o valor “de qualquer fazenda de
que fosse senhor”, nomeadamente sobre o rendimento “de prédios, de capitais, de ofícios e rendas, não estando isento
o próprio rei”. Este imposto designado por “dízima militar”, inicialmente com uma taxa de 10%, aumentou
gradualmente até aos 30%, mas este aumento foi geralmente bem aceite, uma vez que se destinava a financiar
despesas militares, numa tentativa de expulsar definitivamente os Filipes do governo do país. Com o avançar dos anos,
a contestação começaria a fazer-se sentir e o imposto viria a ser reduzido e depois abandonado.
Com os movimentos liberais, dá-se uma rutura no pensamento anterior e os documentos começaram a ser
aprovados, primeiro na Europa (Bill of Rights – na década de 80 dos anos 1700) e depois no Estados Unidos com a
Constituição de 1787 e em França em 1789, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão: os impostos
viriam a ser vistos como uma contribuição para o bem comum, o que justificaria a necessidade de aprovação pela
Assembleia Legislativa.
Na história constitucional portuguesa verificamos a existência de traços comuns das constituições da
monarquia constitucional e da constituição republicana de 1911, destacando-se a apresentação anual da proposta do
orçamento pelo poder executivo à Assembleia Representativa, e o monopólio que esta tem na autorização de
realização da despesa pública, na cobrança de receitas públicas, bem como a consagração do princípio da
especificação. Com a Constituição de 1933 dá-se uma rutura no poder democrático, o que implica também alteração
dos poderes em termos orçamentais.
A noção atual de Orçamento Geral do Estado - documento onde são previstas e computadas as receitas e as
despesas anuais competentemente autorizadas - reflete as mudanças ocorridas a partir de 1974 com a aprovação da
Constituição de 1976, que consagrou a separação de competências entre o poder legislativo e o poder executivo e a
necessidade de aprovação do Orçamento pela Assembleia Representativa. Atualmente, esta matéria encontra-se
consagrada nos artigos 105º a 107º e alínea g) do artigo 161º da Constituição. O Orçamento do Estado é, assim, um
reflexo do princípio de direito democrático e subdivide-se em vários elementos: jurídico, económico e político. Da
conjugação destes elementos resulta a existência de uma relação de suprainfraordenação entre o Parlamento e o poder
executivo, relação esta que é muito visível ao longo de várias fases de elaboração, aprovação, alteração e execução do
Orçamento do Estado.
O Orçamento revela e delimita o quadro geral básico de toda a atividade do Estado, na medida em que permite
determinar quais as fontes de financiamento e o destino dado aos dinheiros públicos.
 Elemento Económico: o Orçamento do Estado é o conjunto de normas que estabelecem as fontes de
receita e de despesa estaduais para um determinado período. Trata-se de uma previsão com carácter de vinculatividade
do plano financeiro do Estado.
 Elemento Político: o Orçamento do Estado constitui uma autorização política do plano ou projeto de
gestão estadual revelando a específica relação existente entre o poder legislativo e o poder executivo. Em cada uma
das fases orçamentais, podemos verificar que um dos poderes se mostra prevalecente relativamente ao outro. Na fase
de elaboração da proposta do Orçamento existe uma subordinação do legislativo face ao executivo, uma vez que cabe
ao executivo elaborar a proposta de lei do Orçamento e apresentá-la para aprovação ao poder legislativo. Se o
Governo não elaborar a proposta de lei, não pode a Assembleia fazê-lo. Na fase que se segue - aprovação da proposta
de lei do Orçamento - verifica-se o oposto, estando o poder executivo (Governo) subordinado ao poder legislativo
(Assembleia). Depois da aprovação e publicação, entramos na fase de execução do Orçamento, fase esta em que o
poder executivo volta a ter um papel muito importante, cabendo-lhe executar a lei e, porque há esta mutação de
prevalências, dizemos que, no processo orçamental, encontramos uma relação de suprainfraordenação entre o
legislativo e o executivo.
 Elemento Jurídico: o Orçamento reveste a forma de lei, sendo um instrumento através do qual se
processa a limitação dos poderes dos órgãos do Estado no domínio financeiro, ficando também aqui subordinado ao
princípio da legalidade que assume uma especial importância na fase de execução.

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FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
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Podemos dizer que o Orçamento do Estado é um documento onde se preveem as receitas e as despesas
competentemente autorizadas para um determinado período financeiro – o designado período orçamental. Este
período orçamental inicia-se, em regra, a 1 de janeiro e termina a 31 de dezembro do mesmo ano civil e, por isso,
coincide com o ano civil – regra da anualidade, artigo 14 da Lei de Enquadramento Orçamental. Esta regra de
vigência do orçamento não impede a existência de uma programação orçamental plurianual, mas também necessita
que nalgumas situações exista o designado período complementar do ano económico: período que vai para além de
31 de dezembro em que é possível efetuar o pagamento de despesas cuja realização e autorização de pagamento
tenham sido dadas até ao fim do programa orçamental; é normalmente fixado num decreto-lei de execução
orçamental.

Orçamento de gerência e orçamento de exercício


Orçamento da gerência (atual OE, desde a reforma da contabilidade pública de 1930): é aquele em que se
preveem as receitas que o Estado irá cobrar e as despesas que irá pagar durante o período financeiro. As receitas e as
despesas são previstas na sua fase final de cobranças e pagamentos.
Orçamento de exercício: é aquele em que se preveem as receitas que o Estado irá cobrar e as despesas que irá
pagar em virtude dos créditos e das dívidas que irão surgir a seu favor e contra si durante o período financeiro. As
receitas e as despesas são previstas na sua fase inicial de créditos e débitos (dívidas).
Por exemplo, o governo prevê fazer uma ponte, ponte que demora 3 anos a ser construída e custa 30 milhões
de euros, tendo sido acordado com a construtora da ponte o pagamento faseado da obra em 3 anos. Num orçamento de
exercício de 2020, quanto é que fica registado a título de despesa? 30 milhões, despesa resultante da dívida a nascer
para o estado nesse ano. Num orçamento de gerência de 2020, quanto vai ser registado? 10 milhões, porque é o valor
que efetivamente se paga nesse ano. Assim, a diferença está entre o registo da despesa ou da receita que nasce nesse
ano (orçamento de exercício) e a despesa/receita que é efetivamente suportada/cobrada nesse ano (orçamento de
gerência). Os dois orçamentos, como diz Doutor Teixeira Ribeiro, nunca coincidem e esta diferença entre ambos tem
muita relevância sobretudo quanto às despesas e, em especial, as plurianuais (despesas cuja efetivação se prolonga por
período superior a 1 ano).
O orçamento do exercício permite-nos o confronto entre o montante das dívidas e créditos que surgirão contra
e a favor do Estado durante o período financeiro, isto é, permite-nos verificar o equilíbrio entre o que se irá pagar e
receber. Então tem a vantagem de elucidar sobre a situação financeira do Estado. O problema é que nem todos os
créditos e dividas são cobrados e pagos até ao fim do ano. O orçamento do exercício não nos diz qual será a situação
dos cofres do Estado, situação esta que depende de 3 aspetos: 1- entrada e saída de dinheiro; 2 – das entradas e saídas
em virtude da cobrança de créditos e pagamento de dívidas que nascem durante o ano; 3 - da cobrança de créditos e
pagamento de dividas que nasceram durante os anos anteriores e só naquele serão satisfeitos. São estes 3 tópicos que
constituem as vantagens do orçamento de gerência, pois sendo uma previsão das cobranças e dos pagamentos a fazer
no período, permite ao governo regular a tesouraria do Estado, ajuizando acerca da adequação entre entradas e saídas
de caixa.
Sendo então preferível o orçamento de gerência, inscrevem-se no orçamento apenas os encargos a satisfazer
no próprio ano, pelo que se tratando de despesas plurianuais, inscreve-se no orçamento apenas os encargos a satisfazer
apenas no próprio ano. Em cada ano prevê as receitas que vai obter efetivamente e as despesas que pagará
efetivamente. Contudo, tem como inconveniente o facto de que não permite a perfeita noção sobre quem foi o
verdadeiro responsável da despesa.
Exemplo: suponhamos que no OE para 2019 se encontra prevista a realização de uma despesa de
1.000.000.000€ destinada ao pagamento de despesas com obras públicas de melhoria de rede viária. O pagamento
dessa quantia será faseado da seguinte forma: 50% em 2019, 30% em 2020 e 20% em 2021.

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FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
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O orçamento é diferente da conta e é diferente do balanço. O orçamento, já vimos, permite-nos saber quanto
se gastará e receberá – é uma previsão. Por outro lado, a conta (Conta Geral do Estado) é um registo “ex post” da
atividade financeira do Estado: não espelha uma previsão, mas uma efetivação, ou seja, quanto se gastou e quanto se
recebeu (reflete o passado). Difere também do balanço, porque o balanço é um retrato de uma situação patrimonial
existente, ou seja, é um mapa contabilístico que permite o confronto entre o ativo (o valor do bens de dinheiro público
– o que se possui e o que se tem a receber) e o passivo (os empréstimos contraídos – o que se tem que pagar) de um
património num dado momento. As despesas e receitas do orçamento são diferentes do ativo e do passivo no balanço!
No balanço não se trata de uma previsão.

Funções do Orçamento Geral do Estado


1) Relacionação das receitas com as despesas – o Estado tem que enumerar/orçar as suas receitas e as suas
despesas, bem como estabelecer os valores previsíveis para cada uma delas por forma a garantir que existem
receitas suficientes para cobrir as despesas que pretende efetuar (conceção formal do equilíbrio orçamental:
encontra previsão constitucional no art.105/4 CRP e art.9/1 da velha LEO). No fundo, o Orçamento permite
saber se se prevê a existência de receitas suficientes para pagar as despesas, pois em caso algum o Estado
pode prever a realização das despesas sem que tenha receitas suficientes (incluem-se os empréstimos) para
proceder aos pagamentos. Nunca um orçamento pode ter receita total inferior à despesa total.

2) Exposição do plano financeiro – para além disso, o Orçamento do Estado cumpre também a função de
exposição do plano financeiro, ou seja, analisando o Orçamento do Estado, fica a saber-se quanto é que o
Estado pretende gastar e onde, quais as receitas que vai arrecadar e que montantes prevê arrecadar. O
orçamento é, na verdade, um programa financeiro do Governo do país, tal como decorre do artigo 105º/2 da
Constituição, sendo elaborado de acordo com as grandes opções do plano. Para além disso, do ponto de vista
económico, o Orçamento representa para o setor público, mas também para o setor privado, um elemento
fundamental do desenvolvimento da política económica.

3) Fixação das despesas – se as receitas têm q ser suficientes para cobrir as despesas, tem que se fixar as
despesas. O orçamento do Estado cumpre a função de fixação de despesa, isto é, fixa não só o tipo de despesa,
com o montante máximo para cada tipo de despesa. Esta exigência decorre precisamente da necessidade de
serem previstas receitas em montante suficiente e adequado para a cobertura/pagamento das despesas. O total
das despesas corresponde efetivamente ao somatório de todas as despesas e, por isso, se nós fixámos o
montante das verbas atribuído a cada tipo de despesas, estaremos também a limitar as despesas de cada
serviço e o montante global das despesas estaduais. Esta atribuição a cada tipo de despesa e a cada serviço de
limites à despesa, corresponde verdadeiramente à concessão aos serviços de uma autorização para gastar,
autorização esta que está limitada àquele montante.
Por isso, costuma dizer-se que o Orçamento da despesa consiste numa série de montantes designados por
créditos dados aos serviços, falando-se a este propósito em princípio da tipicidade qualitativa, que diz respeito
ao tipo de despesa e princípio da tipicidade quantitativa, que indica o montante da despesa a realizar.
Quanto ao Orçamento da receita, este tem uma natureza diferente, que decorre do facto de o montante da
receita a arrecadar ser incerto e, por isso, quanto às receitas vale apenas o princípio da tipicidade qualitativa,
ou seja, no Orçamento do Estado encontramos apenas limitado o tipo de receitas a cobrar, podendo o
montante arrecadado ser igual, superior ou inferior.

O Orçamento Geral do Estado obedece na sua elaboração e, depois, na sua execução, a regras e a princípios
básicos, regras estas que se encontram previstas na Lei de Enquadramento Orçamental, aprovada em anexo à Lei de
151/2015 e cujo período de vigência se encontra repartido por um espaço temporal faseado, prevendo-se que a Lei
esteja toda em vigor aquando da apresentação do Orçamento do Estado para o ano de 2021.
O Artigo 2º da LEO – em anexo à Lei n.º 151/2015 - dispõe:

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FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
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“1 — A presente lei aplica-se ao Orçamento do Estado, que abrange, dentro do setor público administrativo, os
orçamentos do subsetor da administração central, incluindo os serviços e organismos que não dispõem de autonomia
administrativa e financeira, os serviços e fundos autónomos e a segurança social, bem como às correspondentes
contas.”

“Regras clássicas” de elaboração do orçamento


Na organização orçamental há 2 leis que vigoram. A velha LEO é a Lei 91/2001 de 20 agosto, lei que foi re-
publicada em anexo à Lei 41/2014 de 10 junho. A nova LEO é aprovada em anexo à Lei 151/2015 de 11 setembro,
que já foi 2 vezes alterada: pela Lei 2/2018 de 29 janeiro e pela Lei 37/2018 de 7 agosto. Para saber qual das LEOs
aplicar, atendemos ao art. 7 e 8 da nova LEO.

 Regra da unidade (art.9º LEO): as receitas e as despesas das entidades que compõem o subsetor da
administração central e da segurança social estão obrigatoriamente inscritas na Lei do Orçamento do Estado. Assim,
as receitas e as despesas das entidades mencionadas no artigo 9º estão previstas num único documento, decorrendo
esta regra, desde logo, do artigo 105º/3 da Constituição. Este princípio tem como fundamento a transparência das
contas públicas e o seu cumprimento é essencial para que as funções do Orçamento sejam corretamente
desempenhadas e as demais regras sejam cumpridas. Se todas as receitas e todas as despesas do Estado constarem no
mesmo documento, então mais fácil analisar esse mesmo documento. Ou seja, permite verificar se o montante previsto
para as receitas é suficiente para cobrir as despesas e permite uma melhor análise/apreensão do plano financeiro do
Estado.
Contudo, o artigo 9º/2 da LEO permite excluir em certa medida do Orçamento Geral do Estado os Orçamentos
das regiões autónomas e das autarquias locais. Esta regra da unidade implica ainda que para cada período orçamental
exista apenas um Orçamento, pois só deste modo se consegue verificar se o montante previsto para as receitas é
suficiente para cobrir as despesas, facilitando ainda a análise do plano financeiro do Estado.
No entanto, a pluralidade orçamental pode ter várias justificações: a primeira consiste na elaboração de
Orçamentos de acordo com os vários tipos de classificação da receita e da despesa, mas isso não implica
necessariamente que haja mais do que um documento. Para além disso, alguns autores justificam a pluralidade
orçamental com a necessidade de prever as receitas dos serviços com autonomia administrativa e financeira, dando
cumprimento ao artigo 5º da LEO, mas também à Lei de Bases da Contabilidade Pública (LBCP) aprovada pela lei
nº8/90 de fevereiro. A autonomia financeira consiste precisamente no facto de o serviço em causa ter receitas próprias
que escrevem um orçamento próprio que ele próprio executa, possibilidade esta que apenas existe nos casos em que a
CRP ou a lei especificamente o preveja (artigo 6º lei nº8/90): este regime é compatível com a regra da unidade. Um
exemplo de autonomia financeira são as universidades.

 Regra da especificação (art.17º LEO): estabelece as regras e as formas que devem ser observadas na
previsão orçamental de receitas e despesas. Especificar receitas e despesas significa, antes de mais, estabelecer de
forma pormenorizada essa receita e essa despesa. Esta discriminação deve ser minuciosa, não podendo prever-se
apenas o montante global das receitas e despesas, mas também não deve ser levada ao extremo sob pena de
condicionar a liberdade de gestão dos serviços e a adaptação às circunstâncias da execução orçamental.
A despesa obedece a uma classificação orgânica, classificação económica, feita de acordo com o decreto lei
26/2002, classificação funcional, podendo ainda ser estrutura por programas e por fontes de financiamento. Na
classificação orgânica da despesa há uma estruturação por ministérios e secretarias de estado, bem como capítulos,
divisões e subdivisões orçamentais (artigo 5º do decreto lei nº26/2002). Já a classificação funcional é feita por
referência às funções do Estado de acordo com a nossa lei (funções de soberania, social, económica e outras funções).
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FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
Ema Roma

As receitas têm apenas uma classificação económica e uma classificação por fonte de financiamento.
No entanto, esta regra da especificação tem ainda uma espécie de exceção/válvula de segurança, designada
dotação provisional do ministério das finanças, prevista no artigo 45º/11 da nova LEO e esta dotação corresponde a
uma verba inscrita no orçamento da despesa do ministério das finanças destinada a fazer face a despesas imprevistas e
inadiáveis.

 Regra da não compensação (art.15º LEO): estabelece que todas as receitas e todas as despesas devem ser
previstas no orçamento do Estado no seu montante bruto sem deduções para encargos de cobrança do pagamento ou
de qualquer outra natureza. Só deste modo consegue verdadeiramente a função de fixação das despesas e a regra da
universalidade. A regra da não compensação tem atualmente as exceções previstas no nº3 do referido artigo e que na
sua generalidade dizem respeito a operações com ativos financeiros.

 Regra da não consignação (art.16º LEO): diz-nos que não se pode afetar o produto de uma determinada
receita à cobertura de uma determinada despesa, ou seja, as receitas devem destinar-se indiscriminadamente à
cobertura de todas as despesas, mas para que existe consignação da receita não basta que o tipo de receita tenha uma
qualquer ligação com a despesa (é necessário que efetivamente exista uma afetação).
Sempre que exista uma consignação de receitas, a despesa a que essa receita se encontra consignada apenas
pode ser realizada se se respeitar a lei e ainda um duplo cabimento, ou seja, a despesa a realizar não pode ultrapassar o
valor do crédito ou dotação orçamental (artigo 20º do decreto lei 155/92 e art. 42/5 da velha LEO) –
1ºcabimento/cabimento geral. Para além disso, o valor desta despesa tem ainda que caber no produto da receita que
lhe estavam afetadas (valor efetivamente cobrado) – 2ºcabimento.
Podemos então dizer que a realização de despesas que tenham receitas consignadas ficam não só limitadas
pelas mesmas regras das demais despesas, mas também pelo montante da receita consignada que lhe estava
especificamente destinado. A consignação de receitas pode, no ponto de vista teórico, ser justificada por razões de
limitação de despesas ou por razões relacionadas com a garantia de execução da própria despesa.
Exemplo prático:
Suponhamos que no O.E. para 2017 se encontra previsto o valor de 10.000.000,00 como despesa decorrente
da contrapartida nacional dos programas PDR 2020 e MAR 2020.
Hipótese 1: em sede de execução orçamental verifica-se que a receita proveniente da cobrança do ISP sobre
gasóleo colorido e marcado ascende a 15.000.000,00.
Hipótese 2: em sede de execução orçamental verifica-se que a receita proveniente da cobrança do ISP sobre
gasóleo colorido e marcado ascende a 8.000.000,00.
Qual o valor máximo da despesa decorrente da contrapartida nacional dos programas PDR 2020 e MAR 2020
que pode ser autorizada e paga?
Valor da dotação ou crédito orçamental para a despesa decorrente da contrapartida nacional dos programas
PDR 2020 e MAR 2020: 10.000.000,00
Na hipótese 1, o valor da receita efetivamente cobrada é 15.000.000,00. Na hipótese 2, o valor da receita
efetivamente cobrada é 8.000.000,00. Assim, quanto ao máximo que pode ser pago para a hipótese 1, só pode ser paga
despesa até 10.000.000,00, uma vez que o valor previsto no orçamento para as despesas é o valor máximo que se pode
gastar (primeiro cabimento). Na segunda hipótese, apenas se pode gastar 8.000.000,00, apesar de ser autorizado a
gastar mais (10.000.000,00), estando limitado na realização de despesa pelo valor da receita consignada efetivamente
cobrada (segundo cabimento).

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FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
Ema Roma

Outros princípios
- Princípio da estabilidade orçamental – artigo 10º LEO – impõe aos partidos do Estado que estejam abrangidos
com a aplicação de LEO a apresentarem orçamentos equilibrados ou excedentários, sendo que a existência de
equilíbrio ou excedente orçamental será determinada por referência às normas de direito interno, de direito da união
europeia e do TECG (tratado orçamental)
- Princípio da sustentabilidade das finanças públicas – artigo 11º LEO e artigo 9º TECG – de acordo com o qual
os serviços do Estado devem considerar não só a capacidade para cumprir as regras de equilíbrio orçamental do ano
em curso, mas também nos anos subsequentes, devendo também ter em consideração os compromissos anteriormente
assumidos.
- Princípio da solidariedade recíproca – artigo 12º LEO – do qual decorre a necessidade de todos os subsetores da
administração, seus serviços e entidades contribuírem proporcionalmente para o cumprimento das exigências em
matéria político-orçamental de finanças públicas.
- Princípio da equidade intergeracional – artigo 13º LEO – obriga a que a distribuição dos benefícios e custos das
políticas públicas seja feito de acordo com o princípio da equidade, por forma a permitir obter um equilíbrio entre
aquilo que cada geração suporta e o benefício que recebe.
- Princípio da anualidade e da plurianualidade – artigo 14º LEO – consagra como regra a coincidência entre o ano
económico e o ano civil e no seu número 4 prevê a possibilidade de existência de um período complementar de
execução orçamental também designado por período complementar do ano económico. No entanto, foi introduzida a
possibilidade de serem integrados programas orçamentais plurianuais, cuja execução deve ser compatibilizada com o
princípio da anualidade.
- Princípio da economia, eficiência e eficácia – artigo 18º LEO – estabelece que os compromissos a assumir e a
realização da despesa devem obedecer aos três E’s e este princípio impõe a utilização do mínimo de recursos para o
cumprimento de padrões adequados de qualidade do serviço público, o alcance dos mesmos resultados com menor
despesa e a utilização dos recursos mais adequados para atingir o resultado previsto. Para investimentos públicos de
montantes superiores a 5 milhões deve ainda incluir-se a estimativa de incidência orçamental e financeira líquida de
ano a ano e a termos globais.
- Princípio da transparência orçamental – artigo 19º LEO – apesar de impor um dever geral de informação em
matéria de aprovação e execução do orçamento, exige ainda que sejam divulgadas informações fiáveis, completas,
atualizadas, compreensivas e comparáveis internacionalmente.
Nota: a partir do artigo 20º da nova LEO, as normas não estão em vigor.

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FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
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EQUILÍBRIO ORÇAMENTAL
A receita do Estado é sempre igual à despesa total.
Quando falamos em equilíbrio orçamental, podemos estar a referir-nos a duas realidades diversas, realidades
estas que estão relacionadas entre si. Por um lado, temos um equilíbrio em sentido formal, por outro o equilíbrio em
sentido material.
Falamos em equilíbrio em sentido formal naquelas situações em que a receita total é suficiente para cobrir a
despesa total e só esta se encontra prevista no artigo 105º/4 da CRP. No entanto, quando falamos em défice
orçamental estamos a referir-nos não ao equilíbrio formal, mas ao equilíbrio em sentido material. Do ponto de vista do
equilíbrio material, existirá o equilíbrio quando o valor de certas receitas seja suficiente para cobrir certas despesas.
Existirá um défice/deficit naqueles casos em que o valor de certas receitas seja insuficiente para cobrir o valor de
certas despesas e teremos um superavit/superavit naqueles casos em que o valor de certas receitas seja superior ao
valor de certas despesas.
Que tipos de receitas, quanto ao equilíbrio material, estamos a comparar? Do ponto de vista teórico, temos
vários tipos.

 Equilíbrio do orçamento efetivo


Este foi o primeiro tipo de equilíbrio perspectivado, sendo que os clássicos acreditavam nos mecanismos de
equilíbrio automático (autorregulação). Para estes, o Estado era um puro consumidor.
De acordo com o critério do orçamento efetivo, o orçamento estará equilibrado sempre que o valor das receitas
efetivas seja igual ao valor das despesas efetivas e se receitas não efetivas forem iguais às despesas não efetivas.
Se o orçamento estiver equilibrado, o Estado chegará ao termo da execução orçamental com o mesmo património que
tinha no início.
As receitas efetivas são aquelas que aumentam o património financeiro do Estado e as despesas efetivas são
aquelas que diminuem o património financeiro do Estado – artigo 9º/2 da velha lei do enquadramento orçamental.
As receitas NÃO efetivas são aquelas que não aumentam o património financeiro do Estado e as despesas NÃO
efetivas são aquelas que não diminuem o património financeiro do Estado.
A compreensão da noção de receita/despesa efetiva e receita/despesa não efetiva deve ser feita sempre por
referência à noção de património financeiro e de ativos e passivos financeiros, mas também tendo em consideração o
pensamento económico dentro do qual esta concessão liberal surgiu.
Assim, entende-se que o Estado é um puro consumidor, sendo que qualquer despesa pública implicaria uma
intervenção na economia e uma diminuição do património do Estado. Aliás, a aquisição de bens duradouros, como,
por exemplo, os edifícios, não implicaria um aumento do património financeiro do Estado, uma vez que estes bens não

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FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
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têm valor de exploração e, portanto, não são capazes de gerar rendimento, o que implica que se o Estado adquirir o
edifício essa despesa será declarada como despesa efetiva porque implica o pagamento, pagamento esse que diminui o
património financeiro do Estado e que não é compensado pela entrada de um ativo financeiro. Situação diferente
aconteceria se o Estado comprasse ações de uma empresa. Pela mesma razão, são classificados como receita não
efetiva as receitas provenientes dos empréstimos contraídos pelo Estado, porque no momento em que são contraídos
provocam um aumento dos ativos financeiros, mas fazem nascer na esfera do Estado a obrigação do seu pagamento.
Pela mesma razão, mas em sentido inverso, também serão classificados como despesa não efetiva os reembolsos dos
empréstimos, pois, apesar de provocar uma diminuição dos ativos financeiros, provocam também uma diminuição dos
passivos financeiros porque reduzem o montante em dívida.
Ou seja:

 Compra edifício pelo Estado: despesa efetiva


 Compra ações empresa pelo Estado: despesa não efetiva
 Receitas empréstimos: receita não efetiva
 Reembolsos de empréstimos: despesa não efetiva

Os defensores deste tipo de equilíbrio partem do pressuposto de que o orçamento efetivo equilibrado
permitiria execução orçamental se não tivesse qualquer impacto no património financeiro dos Estados, isto é, o
património financeiro do Estado no início e fim do ano seria idêntico. Não se estranha assim que esta concessão fosse
defendida por autores que veem o Estado como um puro consumidor e que devia reduzir a sua atividade ao mínimo
possível.
Para além disso, convém ter presente que dentro das receitas efetivas aquelas que realmente contam são os
impostos e, por isso, é habitual dizer-se que este equilíbrio ocorrerá naquelas situações em que a despesa efetiva seja
igual aos impostos. Quando isso acontecer, não só o orçamento do Estado está equilibrado como teríamos o orçamento
tendencialmente neutro, o que seria verdade se optássemos por dizer que os impostos são sempre pagos com
rendimento que o setor privado destinaria a consumo. Mas como nem sempre isso acontece e, por isso, há impostos
que são pagos com rendimento que seria destinado a aforro e investimento, então, para que o orçamento seja neutro, o
montante dos impostos tem de ser o mais reduzido possível. E é por essa razão que se costuma dizer que o melhor
orçamento é um orçamento pequeno, ou seja, com o montante de receitas e despesas reduzidos e equilibrado
garantindo-se não só a neutralidade como o equilíbrio e a pouca intervenção do Estado na economia.
Existe défice do orçamento efetivo quando o valor das despesas efetivas é superior ao valor das receitas
efetivas. Havendo défice, o Estado tem de contrair empréstimos para cumprir a diferença entre a receitas efetivas e
receitas não efetivas. Teoricamente, esta contração de empréstimos pode ser feita através de emissão monetária ou
através do recurso a dívida pública.
Exemplo:
RE (100) < 50 DE (150)
RNE (200) e DNE (150)
Faltavam 50 na receita efetiva que tem de ser compensada na receita não efetivas (podiam ser outros valores)
para que a receita total seja igual à despesa total. Isto significa que, havendo défice, as despesas efetivas são superiores
às receitas efetivas: para compensar esta diferença, recorremos às receitas não efetivas (empréstimos).
Atualmente, em Portugal, o recurso à emissão monetária não é possível, uma vez que a política monetária
cabe ao Banco Central Europeu, sendo então necessário que o Estado Português recorra a crédito e vai ter de o fazer
no mercado em condições idênticas às dos privados. Ora, o recurso ao crédito é limitado e, portanto, quando o Estado
se junta aos privados na procura de financiamento, isso vai provocar um aumento da procura total do crédito, podendo
levar a duas situações distintas: ou o mercado responde e oferece mais crédito, ou, não havendo um aumento de
fundos disponíveis para empréstimo, há um aumento da taxa de juro e dá-se o efeito de crowding out (efeito

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FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
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substituição), em que o financiamento da despesa pública através de empréstimos vai impedir em parte o
financiamento de despesas privadas através de empréstimo.
Nota: entendia-se que todas as despesas (mesmo as efetuadas em bens duradouros), com exceção dos montantes
destinados a reembolso dos empréstimos, diminuíam o património estadual.
A este critério são feitas 2 críticas. O equilíbrio entre despesas totais e impostos não é neutro. É que os
impostos reduzem em menos do seu montante as despesas privadas, uma vez que a cobrança de impostos pode não
provir de rendimento que era destinado ao consumo, mas também ao aforro. Em segundo lugar, a cobertura de
despesas públicas com recurso a empréstimos nem sempre gera efeitos nocivos. A emissão de notas apenas será
inflacionista se houver pleno emprego e a contração de empréstimos pelo Estado apenas prejudicará o investimento se
for aplicada em consumo.

 Equilíbrio do orçamento corrente


Com as alterações ocorridas no pensamento económico, ganha força a ideia de que nem sempre a despesa
pública é despesa de consumo, mas também a ideia de que nem sempre o recurso a empréstimos por parte do Estado é
necessariamente negativo. Por isso, começa a defender-se a adoção de um critério de equilíbrio diferente – equilíbrio
do orçamento corrente.
Este orçamento estará equilibrado quando o valor das receitas correntes (receitas que o Estado arrecada e
que são pagas pelo setor privado com o rendimento obtido no próprio período financeiro, rendimento este que se não
fosse destinado ao Estado seria, em regra, utilizado em consumo, como é o caso das taxas, impostos sob consumo e
outros impostos que possam ser pagos com o rendimento do próprio período) for igual ao valor das despesas
correntes (despesas que o Estado faz em bens consumíveis durante o período financeiro ou que se vão traduzir na
compra de bens consumíveis, isto é, a generalidade da despesa do Estado incluindo salários, com exceção das
despesas de investimento e dos juros). Se o orçamento estiver equilibrado, a atividade financeira do Estado não afetará
os níveis globais de consumo e aforro.
Este critério de equilíbrio tem como lógica justificativa o facto de o orçamento equilibrado manter inalterados
os níveis globais de aforro e de investimento totais, uma vez que a atividade estadual compensará as alterações
ocorridas do lado dos privados. Como dissemos, as receitas correntes provêm do rendimento do próprio período e se
admitirmos que essas receitas eram destinadas ao consumo e que os impostos permitem ao Estado arrecadar receita
para pagar despesa de consumo, então a diminuição do consumo privado provocado pelos impostos vai ser
compensado pelo aumento da despesa pública em consumo.
Havendo equilíbrio do orçamento corrente, haverá também equilíbrio do orçamento de capital, ou seja, o
valor das receitas de capital (as receitas que provêm do rendimento aforrado dos particulares) é igual ao montante
das despesas de capital (as despesas públicas de investimento), o que permite manter inalterado o investimento total
(investimento total será 0). Este tipo de equilíbrio permite-nos então saber quais são os efeitos que as finanças
públicas têm sobre o consumo e sobre o aforro. Se estiver equilibrado permite garantir uma neutralidade da atividade
pública face a duas grandezas económicas muito importantes: o consumo e o investimento.
É claro que as despesas correntes ficam sempre limitadas pelo montante das receitas correntes que é possível
arrecadar. No caso de existir um défice do orçamento corrente, assistimos a um aumento do consumo total e a uma
diminuição do aforro total, situação esta que implica que sejam utilizadas receitas de capital para pagar parte das
despesas correntes, o que gera uma situação de desaforro público. Já numa situação de superavit assistimos a uma
diminuição do consumo total e a um aumento do aforro total.
Quanto à razão de ser deste critério, temos:

 Se as despesas correntes igualarem as receitas correntes, haverá um equilíbrio entre a redução do


consumo privado e o aumento do consumo público, resultado da atividade financeira, uma vez que as
receitas correntes são pagas com rendimento gerado no período financeiro e admitindo-se que este
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FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
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rendimento seria destinado pelos seus titulares ao consumo, teremos que a cobrança da receita
corrente diminui o consumo privado no mesmo montante e essa receita corrente será destinada a
cobrir despesa corrente no mesmo montante. Assim, o consumo público irá aumentar na medida da
diminuição do consumo privado, mantendo-se inalterado o consumo total.

 Como vimos, esta conceção permite avaliar com clareza a ação do Estado sobre duas grandes
variáveis macroeconomias: consumo e aforro. Então, se houver défice do orçamento corrente as
receitas correntes não serão suficientes para cobrir as despesas correntes e, por isso, as despesas
correntes serão financiadas com um superavit do orçamento de capital, ou seja, isto significa que há
receitas de capital que em princípio se destinariam a despesas de capital a financiar o consumo
público. Há, portanto, uma situação de desaforro público e aumento do consumo total, sendo esta uma
situação desvantajosa porque pagar-se-á despesas correntes com recurso a empréstimos, o que implica
o pagamento de juros a pagar no futuro sem que, no entanto, se formem novos bens capitais que são
importantes porque permitem a reprodução do capital. Pelo contrário, se houver superavit do
orçamento corrente, as receitas correntes excedem as despesas correntes e isso significa que há receita
que de outro modo seria destinada a consumo privado que está a ser afeta à poupança pública, de onde
se percebe que aumenta o aforro público e, por isso, aumenta o aforro total. Esta situação pode ser
aconselhável, por exemplo, para arrefecer a economia, nomeadamente numa situação de inflação.

 A classificação de uma despesa ou receita como corrente ou de capital é menos arbitrária do que a
classificação que distingue receitas e despesas ordinárias e extraordinárias.

 Esta conceção fornece uma justificação economicamente válida para a contração de empréstimos pelo
Estado, assim como uma empresa financia com empréstimos os seus gastos em capital fixo. Por ser
apto a gerar rendimento, também o Estado deverá ser autorizado a financiar com empréstimos os seus
investimentos.

Este critério também está sujeito a críticas: o pressuposto de que o montante com que se paga os impostos
seria destinado pelos contribuintes ao consumo nem sempre se revela correto. Pode tratar-se de um montante aforrado
ou que se destinaria a aforro. No entanto, é correto afirmar-se que a maioria do montante com que se paga os impostos
seria destinado a consumo. Este é o critério sufragado pelo Doutor Teixeira Ribeiro – o autor desconsidera o critério
de equilíbrio do orçamento ordinário por considerar que não tem racionalidade económica.
Então, considerando apenas o equilíbrio do orçamento efetivo e do equilíbrio do orçamento corrente, Doutor
Teixeira Ribeiro chama a atenção para alguns aspetos: a conceção do orçamento corrente favorece as despesas de
investimento, possibilitando a respetiva cobertura com empréstimos. Assim, o critério clássico prejudica grandemente
a realização de despesas de investimento pelo Estado. Por outro lado, o orçamento corrente desincentiva as despesas
em bens de consumo porque têm de ser financiadas com impostos e a cobrança de impostos está sujeita ao limite da
resistência dos contribuintes. O assegurar do equilíbrio do orçamento corrente evita que haja absorção do aforro
privado para ser gasto em consumo público. Esta situação prejudicaria o investimento privado sem correspondência
com um aumento do investimento público. Por sua vez, o equilíbrio do orçamento efetivo mais exigente é adequado
para controlar processos deflacionistas, uma vez que limita muito o recurso ao crédito. Dr. Teixeira Ribeiro considera
preferível a conceção de equilíbrio do orçamento corrente pois a do orçamento efetivo limita demasiado o
investimento público e o alcance da prossecução da agenda estadual cuja importância é mais duradoura, a importância
do desenvolvimento económico.
Como veremos, o artigo 126º/3 conjugado com o número 6 do TFUE parece abrir a porta para este critério de
equilíbrio.

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FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
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Conceitos a rever:
Rendimento (R) = Consumo (C) + Investimento (S)
Consumo Total = Consumo Privado (Cp) + Consumo Público (Cg)
Investimento Total = Investimento Privado (Sp) + Investimento Público (Sg)

Se as receitas correntes forem 1000€ (desincremento/diminuição da despesa privada em consumo) e as


despesas correntes forem 1000€ (incremento/aumento da despesa pública em consumo), temos que o consumo é igual
à soma do consumo privado e do público, ou seja, -1000 + 1000, sendo C=0.
Se as receitas de capital forem 500€ (diminuição despesa privada em investimento) e as despesas capital
forem 500€ (aumento despesa pública em investimento), temos que o investimento é igual à soma do investimento
privado e do público, ou seja, -500 + 500, sendo C=0.
Se as receitas correntes forem 1000€ e as despesas correntes forem 1500€, temos que o consumo é igual à
soma do consumo privado e do público, ou seja, -1000 + 1500, sendo C=500.
Se as receitas de capital forem 1000€ e as despesas capital forem 500€, temos que o investimento é igual à
soma do investimento privado e do público, ou seja, -1000 + 500, sendo C=-500.
Se as receitas correntes forem 1500€ e as despesas correntes forem 1000€, temos que o consumo é igual à
soma do consumo privado e do público, ou seja, -1500 + 1000, sendo C=-500.
Se as receitas de capital forem 500€ e as despesas capital forem 1000€, temos que o investimento é igual à
soma do investimento privado e do público, ou seja, -500 + 1000, sendo C=500.

 Equilíbrio do orçamento ordinário


O equilíbrio do orçamento ordinário é nos dados pela igualdade entre o valor das receitas ordinárias
(receitas que o Estado cobre num determinado período financeiro e que com grande regularidade continuará a cobrar
nos períodos financeiros seguintes) e das despesas ordinárias (despesas que o Estado faz num determinado período
financeiro e que muito provavelmente se repetirão nos períodos financeiros seguintes, constituindo uma espécie de
encargos permanentes do Estado). Como exemplo de despesas ordinárias temos as despesas com vencimentos de
funcionários públicos; como exemplo de receitas ordinárias temos as taxas e impostos permanentes.
Se estiver equilibrado haverá também uma igualdade entre receitas extraordinárias (aquelas que se cobram
num determinado período, mas em que não se sabe em que circunstâncias voltarão a ser cobradas) e despesas
extraordinárias (aquelas que se verifiquem num determinado período financeiro, mas que não voltarão a acontecer
nos períodos financeiros seguintes).Um exemplo de despesa extraordinária é a construção de uma estrada; um
exemplo de receita extraordinária são os empréstimos. Surge a questão de saber se, se o orçamento estiver equilibrado,
haverá um equilíbrio (repartição justa) entre os encargos que cada geração suporta e os benefícios que lhe são
dirigidos (princípio da equidade intergeracional).
Os defensores desta conceção partem do pressuposto de que as despesas ordinárias esgotam a sua utilidade no
período em que são feitas, uma vez que têm de ser repetidas em todos os períodos financeiros. As despesas
extraordinárias teriam então uma utilidade duradoura, e, por ser assim, as despesas ordinárias apenas beneficiariam a
geração presente, devendo ser essa mesma geração a suportar os seus encargos. Já as despesas extraordinárias
beneficiariam quer a geração presente quer a geração futura e, por isso, o seu custo deve ser financiado pela geração
presente e pelas gerações futuras, o que permite cumprir o princípio da equidade intergeracional.

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FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
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Não há dúvidas que as despesas ordinárias devem ser cobertas com receitas ordinárias, uma vez que
constituem encargos permanentes do Estado, sendo necessário garantir que em todos os períodos financeiros há receita
suficiente para efetuar o seu pagamento. Temos, no entanto, de ter em atenção que a classificação de uma receita ou de
uma despesa como ordinária ou como extraordinária depende da sua repetição nos vários períodos financeiros.
No entanto, há um tipo de despesa que não se repete nos períodos financeiros seguintes, mas cujo montante
aparece sempre em todos os orçamentos – são as despesas extraordinárias recorrentes, ou seja, são despesas que
não retornam em espécie, mas sim em género. Estamos a falar, por exemplo, na previsão de um montante de 1000€
em 2017 para construção de uma ponte, em 2018 utiliza-se o mesmo montante para a construção de uma estrada, em
2019 para a construção de uma escola e em 2020 prevê-se a construção de um parque natural. Estes tipos de despesas
constituem verdadeiramente um encargo permanente do Estado e, por isso, também elas devem ser pagas com o
recurso a receitas ordinárias.
Esta concessão de equilíbrio é de fácil formação e, apesar de ser fácil classificar a generalidade das receitas e
das despesas, há algumas situações em que é necessário fazer uma análise caso a caso para saber se são despesas
ordinárias ou despesas extraordinárias. Permite-nos assim que, em contextos diferentes, elas estejam classificadas de
forma diferente, sendo que esta classificação pode levar a que seja possível financiar uma despesa determinada com
recurso a empréstimos sem que isso ponha em causa o equilíbrio orçamental. Para além disso, fica também provado a
lógica subjacente a este critério de equilíbrio.
Há algumas razões que são invocadas para a defesa deste critério:

 Assegura o equilíbrio entre as despesas e as receitas que presumivelmente se realizam todos os anos.
Com a recuperação desta conceção passou a associar-se este argumento a uma ideia de “finanças sãs”
que se associa a uma tesouraria em equilíbrio dado o critério de previsibilidade. Na tesouraria do
Estado ingressavam anualmente recursos para satisfazer os encargos anuais provendo
permanentemente a tesouraria de meios para fazer face aos encargos permanentes.

 Este critério permite o equilíbrio entre a utilidade usufruída por cada geração e a utilidade custeada
por si mesma. Entende-se que as despesas ordinárias esgotam a sua utilidade no período em que são
realizadas. Assim, por exemplo, os vencimentos pagos anualmente aos funcionários apenas
renumeram o trabalho que eles prestam nesse ano. Por outro lado, as despesas que não se repetem em
todos os períodos financeiros oferecem uma utilidade duradoura. Ora, a construção de uma ponte
aproveita também aqueles que viverem em anos posteriores. Deste modo, as despesas com utilidade
passageira deveriam ser custeadas com receita ordinária e as despesas com utilidade duradoura
poderiam ser pagas com empréstimos (receitas extraordinárias), empréstimos esses que gerariam
encargos (juros), não só nesse período, mas também em períodos futuros e a este propósito leva ao
princípio da equidade intergeracional, previsto no artigo 13º da nova LEO. Este princípio é uma
questão de justiça entre as várias gerações. O ónus para as gerações futuras significa simplisticamente
que o que fizermos financeiramente neste momento tem implicações no futuro, isto é, uma decisão
financeira tem impacto no tempo. A geração paga as despesas cuja utilidade se limita a um ano. As
gerações futuras pagarão as duradouras.

Quanto a críticas, temos que este critério não se sustenta à luz da sua própria lógica. Teixeira Ribeiro chama a
atenção para um ponto específico: o que determina o caráter permanente ou esporádico das despesas não é o facto de
estas retornarem em espécie, mas em género ou montante. Ou seja, mesmo que a despesa orçada num ano para realizar
determinada obra ou parte dessa obra não volte a surgir em anos subsequentes será muitas vezes presumível que o
Estado tenha que prever de novo igual montante nos períodos subsequentes para custear outras obras públicas. Aí
descortinamos uma despesa permanente. Na verdade, o Estado anualmente prevê a realização de um determinado
montante de despesa de um determinado género. Estamos então em face de um montante ordinário de despesas
extraordinárias, isto é, de uma despesa extraordinária recorrente. Trata-se aqui de uma despesa que não retorna em
espécie, mas em género que deveria ser coberta com receita ordinária porque em rigor elas também constituem
receitas permanentes.

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FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
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Além disso, verifica-se a arbitrariedade da classificação: esta crítica significa o quão pouco isenta de dúvidas é
a classificação de uma despesa como ordinária ou extraordinária. Mas mais ainda, é altamente discutível concluir se
uma despesa retornará ou não em períodos ulteriores. Trata-se de um critério vago que gera arbitrariedade. No fundo,
é entregar à conveniência do Governo a classificação de despesas, sabendo que a respetiva classificação extraordinária
permitirá o seu financiamento mediante empréstimos. Então, o Governo coloca-se perante uma situação mais fácil ou
vantajosa do ponto de vista político ao pedir empréstimos do que ao aumentar os impostos. Então, a classificação de
uma despesa como extraordinária fica na dependência política, o que significa a possibilidade de manipulação de
classificação por motivos de interesse político. Por exemplo: a construção de uma obra pública de acordo com o
orçamento efetivo, é uma despesa efetiva e sendo uma despesa efetiva é paga com recurso a impostos que são uma
receita efetiva. À luz desta concessão, é uma despesa extraordinária e pode ser coberta com recurso a uma receita
extraordinária. Não é indiferente a concessão adotada para a avaliação ou não de equilíbrio.
Por último, refere-se a invalidade da razão prática da igualdade de sacrifícios das gerações presentes e futuras
– como diz Teixeira Ribeiro não se demonstra que as despesas extraordinárias tenham todas uma utilidade duradoura.
Por exemplo, é discutível que as despesas como a guerra colonial tenha gerado uma utilidade duradoura e não se
demonstra que as despesas que todos os anos se repetem tenham uma utilidade puramente passageira. Pense-se, por
exemplo, no salário pago anualmente a um professor primário e da duração da utilidade que a aprendizagem da leitura
e da escrita terá para a turma em causa. Estamos perante uma concessão facilitadora de empréstimos, contrariamente
ao que se sucedia do equilíbrio do orçamento efetivo.

 Equilíbrio do orçamento primário (art.9º/5 velha LEO)


Atualmente, não se reconhece um caráter de neutralidade às finanças públicas nem ao equilíbrio entre
despesas totais e impostos. Entende-se antes que os impostos reduzem em menos do seu montante as despesas
privadas e também é consensual que nem sempre o financiamento das despesas públicas com o recurso a empréstimos
é mau para a economia. Aliás, é consensual a ideia que a utilização de empréstimos para financiar a despesa pública só
é nociva quando estes sejam usados para pagar despesas pública de consumo. Para além disso, atualmente há situações
em que é necessário recorrer a determinados critérios de equilíbrio para permitir obter quaisquer dados que possam ser
utilizados como instrumentos de políticas públicas e, por isso, surgiu o critério do equilíbrio do orçamento ou do saldo
primário.
Este critério de equilíbrio usa os mesmos conceitos do equilíbrio efetivo – receita efetiva, despesa efetiva,
receita não efetiva e despesa não efetiva, mas depois usa o conceito de despesas primárias, sendo que o conceito de
despesa não efetiva sofre alterações. Podemos encontrá-lo na lei 91º/2001 da LEO. Assim, há equilíbrio se as
receitas efetivas forem iguais às despesas primárias (despesas efetivas - ou seja, as despesas que diminuem o
património financeiro do Estado - retirando os juros da dívida pública, excluindo os impostos). Há também equilíbrio
se as receitas não efetivas forem iguais às despesas não efetivas primárias (despesas que não diminuem o
património financeiro do Estado acrescidas dos juros da dívida pública)
A opção de equilíbrio do saldo primário assenta na ideia da não neutralidade das finanças públicas, mas
também na necessidade de se encontrar um critério de equilíbrio que seja rigoroso e que, ao mesmo tempo, permita
obter dados que possam facilmente ser utilizados como instrumentos político-orçamentais (determinar como foi feita a
gestão de dinheiros públicos naquele exercício orçamental, retirando do equilíbrio uma variável não discricionária –
juros dívida pública). Como já referimos, o critério do saldo primário ou do equilíbrio primário do Orçamento
parte do equilíbrio efetivo, baseando-se assim numa categorização rigorosa das receitas e das despesas públicas.
Apesar de manter intacta essa classificação, o equilíbrio do saldo primário permite que os juros da dívida pública,
embora sendo uma despesa efetiva, sejam contabilizados conjuntamente com as despesas não efetivas e, ao mesmo
tempo, manter o Orçamento equilibrado.
Por essa razão, alguns autores como Teixeira Ribeiro e Aníbal Almeida contestam estas conceção de
equilíbrio. Aníbal Almeida baseia a sua crítica em argumentos de base jurídica. Nas palavras deste autor (“Os juros da
dívida pública são tratados como uma despesa efetiva honorária, permitindo-se que sejam pagos com receitas
25
FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
Ema Roma

provenientes de empréstimos sem que isso ponha em causa o equilíbrio orçamental”), deve entender-se que, embora
os contratos devam ser cumpridos (artigo 702º CC), e, por isso, os juros da dívida pública resultante dos contratos
celebrados devam ser pagos, tal não implica que essa realidade tenha qualquer influência no critério de equilíbrio. É
que ao permitir que os juros sejam pagos com receitas não efetivas e, ao mesmo tempo, mantendo equilíbrio, estamos
a discriminar positivamente os juros da dívida pública, transformando-os numa espécie de despesas não efetivas
honorárias. Para além disso, há ainda que tomar em consideração os efeitos de um orçamento primário equilibrado. É
que mesmo naqueles casos em que o Orçamento esteja equilibrado do ponto de vista primário, isso implica sempre um
aumento da dívida pública no montante dos juros e, até nos casos em que há um superavit, pode haver aumento do
endividamento se o montante do superavit não for pelos menos igual ao montante dos juros da dívida pública.
Os defensores desta conceção de equilíbrio defendem, porém, que este não tem por base nenhum artifício nem
é justificado por razões políticas. A verdade é que, ao excluirmos os juros da dívida pública das despesas efetivas,
estamos a isolar uma componente da despesa pública que só muito dificilmente pode ser considerada como uma
variável discricionária. Os juros da dívida pública são, em rigor, os resultados da gestão feita em períodos orçamentais
anteriores e permitem-nos saber quanto é que o endividamento público aumentou no período anterior. O cálculo do
saldo primário permite-nos então determinar o aumento do endividamento público constituindo-se uma ferramenta de
auxílio na tomada de decisões.
Exemplo:
Caso em que o saldo primário passa de 2% em 2017 para 1.8% em 2018 = os juros aumentaram, pois aumentou a
dívida no ano imediatamente anterior.
Caso em que o saldo primário passa de -2% em 2017 para -1.8% em 2018 = saldo primário está melhor (a tendência é
para diminuir)

Saldo estrutural (art.12-C velha LEO e art.20 nova LEO)


O saldo orçamental estrutural (ou de pleno emprego) tem em consideração o nível da atividade económica do
país. Procura determinar o défice orçamental que se verificaria se a economia estivesse a funcionar em pleno emprego.
O art.12-C/3 define saldo estrutural como o saldo orçamental das AP corrigido dos efeitos cíclicos (efeitos do próprio
cíclico) e líquidos de medidas extraordinárias e temporárias. No período de recessão, os impostos recebidos/cobrados
tendem a diminuir, mas, por sua vez, os subsídios de desemprego tendem a aumentar. Estas medidas são medidas que
não podem ser utilizadas de forma decorrente.
Mais recentemente, tornou-se ainda mais evidente a necessidade de considerar no cálculo do saldo orçamental
variáveis que refletem as variações típicas e as alterações estruturais. O saldo estrutural parte também do equilíbrio
efetivo para depois fazer alguns ajustamentos, retirando os valores correspondestes da componente cíclica e da
componente estrutural ou, se preferirmos, para subtrair ou adicionar os valores relativos às medidas temporárias não
recorrentes e os efeitos do ciclo económico. Este saldo orçamental permite-nos então determinar qual seria o saldo
efetivo se a economia se encontrasse a funcionar em pleno emprego de fatores. Este saldo é calculado tendo por
referência três metodologias diferentes: a metodologia da OCDE, a metodologia do FMI e a metodologia da UE.

» Qual a diferença entre saldo global/efetivo, saldo primário e saldo estrutural?


No caso do saldo estrutural, este permite saber como teria sido o panorama daquele país se os efeitos
conjeturais e as medidas excecionais não tivessem ocorrido, ou seja, qual seria o cenário do país numa situação de
pleno emprego.
O saldo primário permite apurar a responsabilidade de cada um dos governos pela situação financeira do
Estado, isto é, permite apurar esta situação sem olhar para o passado, permitindo compreender como se comportou o
Governo nesse ano.
26
FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
Ema Roma

No caso do saldo global ou efetivo, avalia-se a situação do país porque não são retirados os juros como no
saldo primário nem os efeitos cíclicos e medidas temporárias como acontece no estrutural. O seu resultado permite-
nos um espelho do que realmente aconteceu naquele país naquele ano e com base nisso analisar a saúde (défice ou
superavit) do país.

EQUILÍBRIO ORÇAMENTAL EM PORTUGAL

Quanto ao equilíbrio do orçamento vigente atualmente em Portugal há que ter em atenção que na
atualidade é preciso fazer uma compatibilização entre as normas de direito interno, as normas de direito da União
Europeia e as normas de direito internacional. Para além disso e, na parte que ao direito interno diz respeito, é preciso
ter em consideração as normas da lei nº91/2001 (velha LEO) que ainda estejam em vigor e as novas leis da LEO
aprovada em anexo à lei nº151/2015. Para além disso, importa ainda ter consideração as normas relativas à execução
orçamental e que define os vários serviços, bem como o tipo de equilíbrio que lhes é imposto. Não podemos esquecer
as normas transitórias da lei nº151/2015, sobretudo o artigo 7º/2 e o artigo 8º na redação que lhe foi dada pela lei
nº37/2018.
Assim, resenha histórica:

 Equilíbrio do orçamento efetivo: vigente até 1978


 Equilíbrio do orçamento ordinário: CRP 1933
 Equilíbrio do orçamento corrente: CRP 1976, Lei 64/77 (1ªLEO) e Lei 40/83
 Equilíbrio primário do orçamento: Lei 6/91

Na atualidade, pergunta-se qual o critério de equilíbrio vigente. Para termos resposta a esta questão, temos que
atentar em normas de Direito interno e Direito da União, bem como normas de Direito internacional.

A. NORMAS DE DIREITO INTERNO


Da leitura das normas da lei nº151/2015 conclui-se que entram em vigor no dia 12 de setembro de 2015 os
artigos 1º e 2º e 4º a 19º da LEO aprovada em anexo, mantendo-se em vigor os artigos 12ºB e ss. da lei 91/2001, ou
seja, as matérias relativas aos princípios orçamentais são reguladas pela nova LEO, enquanto as matérias relativas ao
processo orçamental, conteúdo, estrutura, execução e alterações se gerem pela velha LEO. Em agosto de 2018, houve
a Lei 37/2018 (2ª alteração à Lei 151/2015) que veio recalendarizar a produção de efeitos desta lei, pois era suposto
que os novos artigos entrassem em vigor em 2018, mas agora apenas entrarão em vigor em 1 abril 2020 (art.8 Anexo à
Lei). Da velha LEO, continuam também em vigor os artigos 12º-C, 23º, 25º, 28º e 87º, bem como o artigo 9º - deste
conjunto de artigos resulta para o Estado português a obrigação do cumprimento dos objetivos de médio-prazo
(OMP), bem como da apresentação de orçamento com saldo estrutural primário corrigido, que não pode ser superior a
0.5% PIB a preço de mercado. De notar que o art.9, apesar de estar no título de artigos que não estão em vigor, diz
respeito à estabilidade orçamental, pelo que se encontra transitoriamente em vigor.
O art.9º/1, na sua primeira parte, refere-se ao equilíbrio em sentido formal; já na sua segunda parte, refere
critérios em sentido material (ao remeter para os art. 23, 25 e 28).
Para além do art.9º, há que atentar no art.12-C do qual resulta a obrigação de cumprir o objetivo orçamental a
médio prazo (OMP) das normas do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), bem como da apresentação de
orçamentos com um saldo estrutural primário corrigido que não pode ser superior a 0,5% do PIB a preços de mercado
(redação esta que corresponde também do parágrafo segundo da alínea C do número 1 do artigo 5º do regulamento CE
número 1466/97); [remeter do 12-C para o art.5 Reg.1466/97]. A verdade é que não há incompatibilidade entre o art.9
e o art.12-C: o art.9º tem disposições que se aplicam a cada um dos subsetores do Estado, mas o art.12-C aplica-se
27
FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
Ema Roma

depois ao orçamento globalmente considerado, do qual constam os orçamentos que ao art.9 diz respeito. Contudo, por
imposição do princípio da solidariedade recíproca, todos os orçamentos de serviço incluídos no perímetro de
consolidação orçamental têm que contribuir para o objetivo principal do 12-C (apresentação orçamentos equilibrados
ou excedentários e, se deficitários, com défice inferior ao limite estabelecido – o limite numérico é o que resulta do
PEC e não deve permitir a convergência a médio prazo para um défice de 0,5% PIB a preços de mercado, mas que
pode ser superior a esse valor desde que não ultrapasse o valor definido para o OMP, especificamente definido para
PT). Há quem defenda que o défice do saldo estrutural é o saldo estrutural primário, ao qual devem ser deduzidos o
valor das despesas relativas a programas da União Europeia inteiramente cobertas por receitas vindas dos Fundos da
União e o valor resultante da alterações não discricionárias nas despesas, com subsídio de desemprego (12-C/8).
Dentro das normas internas, no art 9/segunda parte há uma conceção material (art.23,25 e 28).
No art.23º, atende-se aos serviços integrados: serviços que não têm receita e orçamento próprios, mas os seus
dirigentes têm competências para praticar os atos necessários a autorizar despesa e o seu pagamento no âmbito da
gestão corrente (art.2º e ss do RAFE e art.2º LBCP). Estes serviços têm que apresentar plano de atividades, aprovado
pelo executivo, elaborando um orçamento que vai ser integrado no OE e que deve ter um saldo primário superavitário.
Logo, temos aqui o critério do equilíbrio do saldo primário [o art.9/5 define saldo primário].
O art.25º atende serviços de fundos autónomos, são aqueles que gozam de autonomia administrativa e
financeira, dispondo de receitas próprias e de orçamentos próprios, tendo também poderes plenos de execução
orçamental, nos termos do artigo 6 e ss. da LBCP e nos termos do artigo 43º e ss. da RAFE. Estes serviços têm de
apresentar um orçamento efetivo, também designado saldo global (art.9/4), equilibrado ou superavitário. Ou seja,
temos aqui presente o critério do equilíbrio do orçamento efetivo.
No art.28º, temos o orçamento da segurança social, que deve estar equilibrado com o critério de equilíbrio
efetivo.
Independentemente de haver critérios diferentes, dos art.12-C e ss da velha LEO resulta a necessidade de
observância de outras regras. O cálculo do equilíbrio do Orçamento Geral Estado (OGE) deve ser considerado na
globalidade, enquanto o orçamento do setor Administrações Públicas deve, tal como definido no SEC2010, ter saldo
estrutural primário, depois de deduzido o valor das despesas relativas a programas da União Europeia inteiramente
cobertas por receitas vindas dos Fundos da União e o valor resultante da alterações não discricionárias nas despesas,
com subsídio de desemprego, cujo valor seja inferior ao OMP estabelecido para o país. PT, Estado Membro da União
e integrante da União Económica e Monetária (UEM) fica obrigado a cumprir o 12-C da velha LEO, mas também
outros critérios.

B. NORMAS DE DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA


Convém ter em atenção que as normas de direito da União Europeia têm por base um conceito de
administrações públicas designado por setor S.13, que se encontra especificado no SEC 2010. No Direito da União
Europeia, nomeadamente no TFUE e do Protocolo adicional relativo aos défices excessivos (Protocolo 12), resultam
obrigações que os Estados-Membros devem cumprir. A estes dois normativos junta-se o Pacto de Estabilidade do
Orçamento. Convém ainda ter presente que Portugal é um país pertencente à zona euro e que nestas normas é
designado “Estado-Participante”.

O conceito de saldo orçamental no art.126º TFUE e Protocolo 12


O conceito de saldo orçamental decorre quer do artigo 126ºTFUE quer do protocolo 12 anexo ao tratado. De
acordo com o artigo 126º do tratado, os Estados devem evitar défices orçamentais excessivos, sendo necessário
recorrer ao protocolo 12 para percebermos o que significa “excessivo”, “orçamental” e “dívida pública”/”défice”. E o
protocolo 12 fá-lo de uma maneira muito completa.

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FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
Ema Roma

O Protocolo 12 diz-nos, no seu art.2, que o défice se trata de empréstimos líquidos contraídos e que a dívida é
dívida global bruta. Porém, não define o que é excessivo, sendo que os valores de referência são 3% para a relação
entre défice orçamental programado/verificado e PIB a preços de mercado e 60% para a relação entre dívida pública e
PIB preços de mercado (art.1 do Protocolo 12). Por isso, temos de tentar perceber, de entre os vários critérios que
estudámos, qual é aquele que nos permite saber os empréstimos líquidos contraídos. Ao falarmos nestes
empréstimos estamos a falar na capacidade ou necessidades líquidas de financiamento, que está previsto no artigo 1/3
do Regulamento 3605/93 - ou seja, é necessário procurar o critério que isole os empréstimos e as amortizações numa
categoria específica.
Assim, apesar de não se encontrar nenhuma referência ou um conceito especifico de equilíbrio, a expressão
endividamento líquido referida corresponde, nos termos do artigo 1º nº3 do regulamento CE nº3605/93 à capacidade
(+) /necessidade (-) líquida de financiamento, ou seja, se existir um défice, este é representado por uma necessidade
líquida de financiamento, mas se existir um superavit estamos perante uma capacidade líquida de financiamento.
Além disso, estes valores terão de ser apurados para o conjunto do setor administrações públicas (S.13), tal como
definido no SEC 2010. Da leitura destes elementos resulta que o endividamento líquido corresponde à diferença entre
receitas efetivas e despesas efetivas, o que nos permite afirmar que no artigo 126º do TFUE se encontra consagrado
expressamente o critério do défice efetivo do Orçamento.

Noção de défice no PEC na sua redação atual


Como sabemos, em 97, o PEC era composto por 1 resolução, 1 regulamento 1466 (vertente preventiva) e 1
regulamento 1467 (vertente corretiva). Atualmente, o PEC é composto por 10 documentos, desde resoluções,
regulamentos, diretivas e relatórios. Deste reformulado conjunto de normas, resulta o PEC reforçado, mais célere e
mais adequado aos objetivos traçados para a UE. Desde sempre, o PEC é composto por uma vertente preventiva e
corretiva (PDE – procedimento de défices excessivos):
 Vertente preventiva: os EM ficam obrigados a apresentar orçamentos equilibrados (critério de equilíbrio
efetivo – saldo global efetivo: 126º e protocolo 12). Assim sendo, os EM ficam obrigados a apresentar, para além do
saldo efetivo do artigo 126º do TFUE, o orçamento em que a dívida pública não pode ultrapassar os 60% de PIB e em
que o défice estrutural não pode ultrapassar 1% do PIB, sendo mais baixo se o objetivo a médio prazo para esse país
for, também ele, mais baixo. Contudo, sendo deficitário, têm que permitir rápida convergência para o valor de
referência e para o limite (3% para o défice e 60% (PIB a preço de mercado) para a dívida – artigo 126º TFUE e
parágrafo 1 do artigo 2A da secção 1A do regulamento CE 1466/97).
Como o objetivo principal é evitar défices excessivos, os EM entenderam que deveriam ser adotados medidas
para evitar que entrassem em situações de incumprimento, presentes na vertente preventiva do PEC. No conjunto
destas obrigações, destacam-se, para os EM da União Europeia, a elaboração de vários Programas de Estabilidade e
Crescimento, na qual prevejam medidas orçamentais que permitam cumprir o objetivo médio-prazo (não tem que
coincidir com o valor do saldo dos artigos 126º e protocolo 12, devendo antes permitir margem segura face a esta
exigência). Esse requisito estará cumprido se as medidas previstas forem adequadas, permitindo orçamentos cujo
OMP seja inferior ao défice estrutural de 1% do PIB a preços de mercado. Na avaliação feita pela Comissão e
Conselho (supervisão) é tido em conta o valor da referência para o défice estrutural primário, excluído das despesas
relativas a programas da UE totalmente financiados para receitas dos Fundos da União e das alterações não
discricionárias nas despesas com subsídio de desemprego (12ºC/8), valor este que tem de ser inferior a 0,5% do PIB a
preços de mercado (parágrafo 4 nº1 do regulamento CE 1466/97).
 Vertente corretiva: é necessário tomar como referência não só os limites do tratado, mas também a
possibilidade de serem aplicadas sanções em caso de incumprimento. A vertente corretiva do PEC entra em ação
quando o valor do défice ultrapassa os 3% do PIB ou quando o valor da dívida ultrapassa os 60% do PIB (valores de
referência). No entanto, trata-se de um procedimento - Procedimento em caso de Défice Excessivo (PDE) - faseado
sequencialmente, mas que não é de execução automática, mas sim de última ratio, que só é usado se houver os
requisitos do 126º e Regulamento União Europeia. Este procedimento culmina com a decisão de aplicação de sanções,
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FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
Ema Roma

situação esta que nunca sucedeu. Nos Estados em que sejam ultrapassados os valores de referência ou em que seja de
prever que esses valores estão em risco de ser ultrapassado é iniciado um processo por défice excessivo, seguindo-se
várias etapas previstas no artigo 126º do TFUE e que culminarão com a aplicação de sanções.
Podemos dizer que nas normas do DUE decorre a obrigação para o EM de apresentação, aprovação e
execução de um orçamento cujo saldo efetivo não ultrapasse os 3% do PIB a preços de mercado (protocolo 12) e que a
dívida pública não ultrapasse os 60%.
Contudo, há situações em que a ultrapassagem destes valores de referência não significa a aplicação imediata
de sanções. De acordo com o TFUE, um défice superior a 3% ou dívida superior a 60% PIB não são excessivos em
três casos - nº2 e 3 do artigo 126º:
o Nº2 alínea a (défice): “se essa relação tiver baixado de forma substancial e contínua (...)” ou “se o excesso em
relação ao valor de referência for meramente excecional e temporário [remeter para o regulamento 1467/97,
artigo 2º/1/2] e se aquela relação continuar perto do valor de referência”.

o Nº2 alínea b (dívida): “se essa relação se encontrar em diminuição significativa e se estiver a aproximar, de
forma satisfatória, do valor de referência “

O nº3 afirma que a comissão prepara relatório que “analisará (...) se o défice excede as despesas públicas de
investimento (...)” – artigo 2º, 3º parágrafo do protocolo 12

Enquanto que a definição de condições excecionais e temporárias é feita no Regulamento n.º 1467/97,
nomeadamente no art.º 2.º/1/2, a concretização da terceira condição resulta de uma interpretação do normativo do n.º 3
do art.º 126º do TFUE. A possibilidade de a Comissão poder afastar a aplicação do PDE nos casos em que um dos
valores de referência é ultrapassado, desde que o valor do défice exceda o valor das despesas públicas de
investimento, constitui o reconhecimento da importância que o investimento público pode ter, quer no crescimento
económico, quer na coesão entre os EM. Ainda que de modo indireto, encontramos aqui previsto o critério do
equilíbrio do orçamento corrente, ou seja, o PDE pode ser afastado pela Comissão quando o saldo global ou efetivo
seja superior a 3% do PIB, mas, ao mesmo tempo as despesas de investimento, ou seja, as despesas de capital, sejam
superiores a 3% do PIB.
Nos casos em que já não haja uma destas exceções e sejam ultrapassados os valores de referência ou se
preveja que vão ser ultrapassados (défice excessivo) inicia-se o PDE:
Em primeiro, a Comissão prepara um relatório (126/3 TFUE) e o Comité Económico e Financeiro emite um
parecer sobre este relatório (126/4) no prazo de 3 meses (art.3 Regulamento 1466/97). A Comissão analisa o parecer e
conclui se existe ou não um défice excessivo, envia um parecer ao EM em causa e informa o Conselho (126/5). O
Conselho, sob proposta da Comissão e depois de analisar as observações do EM e de ter avaliado globalmente a
situação decide, por maioria qualificada, se existe ou não um défice excessivo (126/6). A Comissão recomenda ao
Conselho a adoção de recomendações a fazer ao EM (126/7) e o Conselho adota, por maioria qualificada, as
recomendações e notifica o EM para que as mesmas sejam implementadas dentro de um prazo também pré-
determinado (126/7). Se o EM não implementa as recomendações, estas são tornadas públicas (126/8). A Comissão
recomenda que seja ordenada a realização de um depósito não remunerado no valor correspondente a 0,2% do PIB do
ano anterior, e Conselho adota a recomendação tal como ela foi feita por maioria qualificada inversa (n.º 2) ou altera a
recomendação e aprova-a como sua (n.º 3) (art.5 Regulamento 1173/2011). A Comissão recomenda a adoção de
medidas eficazes (126/8). Dá-se a adoção, por maioria qualificada, das medidas propostas (126/8). A Comissão
recomenda que seja aplicada uma multa equivalente a 0.2% PIB ano anterior (6/1 Reg.1173/2011) e o Conselho adota
a recomendação tal como ela foi feita por maioria qualificada inversa (nº2) ou altera a recomendação e aprova-a como
sua (nº3) (6/2 Reg.1173/2011). Se o EM insiste em não colocar em prática as recomendações/cumprir as decisões, o
Conselho notifica-o para que o faça, fixando um prazo (126/9). A Comissão propõe o reforço das sanções e o
Conselho aprova (126/11).
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FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
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C. NORMAS DE DIREITO INTERNACIONAL


Saldo orçamental no TECG
Em 2012, foi assinado o TECG pelos EM, exceto pela República Checa, Croácia e Reino Unido. Este contém
nos artigos 3º e ss. as disposições aplicáveis aos EM da zona euro, podendo os EM que não pertencem a este declarar
intenção de pelos artigos ser abrangidos. A importância das disposições do artigo 3º e ss. faz com que o tratado seja
chamado de Pacto Orçamental.
No capítulo III, dedicado ao Tratado Orçamental, há normas relativas à delimitação dos défices orçamentais e
metas a atingir por cada um dos EM a que estas disposições se aplicam e também normas relativas ao mecanismo de
correção a nível nacional, supervisionado por corpos independentes que devem monitorizar o cumprimento dos
objetivos orçamentais dos EM, mas que devem ser consistentes com os OMP previstos na vertente preventiva do PEC.
Estes objetivos são ainda mais austeros que o PEC, estando estabelecidos como limite máximo para o défice do saldo
estrutural ser igual a 0,5% PIB a preço de mercado, que pode ser ultrapassado temporariamente quando haja
circunstâncias excecionais e nos casos em que a relação entre dívida pública e PIB seja muito inferior a 60% e os
riscos para a sustentabilidade a longo prazo das FP forem reduzidos. Aí, o valor limite para o saldo estrutural passa
para 1% do PIB.
O Tratado Orçamental estabelece que, nos casos em que os limites estabelecidos forem ultrapassados, devem
ser implementados mecanismos nacionais para corrigir desvios e concomitantemente quando a dívida ultrapassa 60%
do PIB, a sua redução seja feita ao ritmo de 5% ao ano do valor da dívida pública. Estabelece ainda a necessidade de
ser implementado um programa de reformas estruturais económicas e orçamentais nos casos de défice excessivo
(artigo 126º). Não obstante a complexidade destes mecanismos e a dificuldade de articulação entre as disposições do
Tratado Intergovernamental (vincula só Estados contratantes) e as normas de DUE, este Tratado tem a vantagem de
estabelecer para os Estados contratantes e vinculados pelas disposições do artigo 3º, limites mais apertados quanto ao
desempenho orçamental.

Em suma,
A questão abordada (quais os critérios de equilíbrio orçamental vigentes em PT) tem uma resposta que
depende da perspetiva adotada. Apesar das divergências entre o conceito de equilíbrio orçamental corrente e algumas
normas de Direito Internacional, o que é relevante é o conceito do artigo 126º e protocolo 12. Contudo, como o
objetivo é evitar que o limite de défice aí previsto seja ultrapassado, estabelecem-se na vertente preventiva outros
critérios introduzidos na legislação interna por força do artigo 12º da Diretiva 2011/85/UE. Assim, a resposta à
questão da noção de equilíbrio em vigor em Portugal tem especificidades, mas tem como fio condutor a finalidade de
apurar o saldo orçamental.
Quanto às normas de Direito Interno, importa considerar as disposições da LEO, sobretudo as constantes
dos art.os 9.º, 23,º, 25.º e 28.º, mas também as constantes do art.º 12.º-C, todas da velha LEO e que ainda se encontram
atualmente em vigor por força do n.º 2 do art.º 7.º e do art.º 8.º da Lei n.º 151/2015. Assim, para o Orçamento Geral do
Estado, cujo âmbito de consolidação consta do art.º 2.º da nova LEO, exige-se que seja apresentado um orçamento
equilibrado de acordo com o equilíbrio do saldo global, também designado por saldo efetivo. Contudo, como o Estado
é composto por serviços e organismos muito diferenciados, permite-se que: os serviços integrados apresentem
orçamentos equilibrados de acordo com o critério do saldo primário, salvo se a conjuntura do ano económico em
causa o não permitir (art.23); tratando-se de serviços e fundos autónomos (art.25) ou da segurança social (art. 28)
estes ficam obrigados a apresentar orçamentos efetivos equilibrados ou excedentários/superavitários. Na velha LEO
encontramos ainda o art.12-C que contém disposições importantes em matéria de equilíbrio orçamental. Convém,
contudo, compreender que este artigo resulta da transposição de normas de Direito da União Europeia e do TECG

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FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
Ema Roma

assinado e ratificado por Portugal e por isso tem como referência as exigências e âmbito de relevância que lhe é
reconhecido naquele contexto. De notar que o tipo de equilíbrio orçamental a ter em consideração é o saldo estrutural
que, calculado de acordo com as normas do SEC2010 e do PEC, deve ser inferior ao OMP, permitindo alcançar o
objetivo de 0,5% do PIB a preços de mercado e, sempre que a relação entre a dívida pública e o PIB a preços de
mercado seja significativamente inferior a 60% do PIB e os riscos para a sustentabilidade das finanças públicas a
longo prazo sejam reduzidos, o limite para o OMP pode ser de 1% do PIB a preços de mercado.
Há que referir novamente que as normas do PEC, nomeadamente as constantes do art.º 5.º do Regulamento
CE n.º 1466/97 consideram como relevante, ao menos para apreciação dos Programas de Estabilidade e Crescimento,
o designado saldo estrutural primário corrigido nos termos do parágrafo 4.º do n.º 1 do referido artigo, texto este
reproduzido pelo n.º 8 do art.º 12-C da velha LEO.
Claro que a interpretação da norma do art.12-C não pode deixar de ter em consideração os vários elementos
interpretativos, nomeadamente o facto de a exigência de um saldo estrutural primário corrigido abaixo de um
determinado limite decorrer também do TECG.
Quanto às normas da União, do direito originário – art.º 126.º do TFUE e do Protocolo n.º 12 anexo ao
Tratado – resulta a necessidade de os Estados-Membros apresentarem orçamentos equilibrados ou excedentários e,
quando deficitários, o saldo global não pode ser superior a 3% do PIB a preços de mercado. Contudo, para garantir o
cumprimento desse objetivo, foram desenhadas normas constantes da designada vertente preventiva do PEC, segundo
a qual os Estados-Membros ficam obrigados a tomar medidas para evitar os designados défices excessivos. Essas
medidas constam dos Programas de Estabilidade e Crescimento e devem permitir obter um saldo estrutural inferior ao
OMP específico para cada EM e que não pode ser superior a 1% do PIB a preços de mercado (Regulamento (CE) n.º
1466/97).
Por último, quanto às normas de Direito Internacional, a aprovação do TECG pela generalidade dos EM e,
sobretudo, pelos EM cuja moeda é o Euro, trouxe novas limitações às políticas orçamentais, exigindo que o OMP seja
inferior a 0,5% do PIB a preços de mercado – limite de défice estrutural - (art.º 3.º TECG), ou seja, os Estados
signatários passariam a ter que cumprir, em matéria orçamental, obrigações ainda mais apertadas do que as
decorrentes do Direito da União Europeia. Esta obrigação não substitui, antes acresce, às já demais obrigações quer de
direito interno quer de direito da União. Note-se que, por imposição do n.º 2 do art.º 3.º do TECG as disposições do
Tratado teriam que ser transpostas para o direito interno através de disposições vinculativas e permanentes,
preferencialmente através de normas constitucionais. Não foi o que sucedeu com o caso de Portugal, que transpôs esta
exigência para a Lei de Enquadramento Orçamental, pela Lei n.º 37/2013, de 14 de junho, mas fê-lo de modo
imperfeito ao abrir, no n.º 8 do art.º 12.º-C da velha LEO uma brecha, densificando o conceito de saldo estrutural
como saldo estrutural primário corrigido, o que não sucede no TECG, optando antes por dar apenas cumprimento às
normas constates do Direito da União Europeia.

Contexto histórico
Apesar de ao longo da década de 60 do séc. XX terem sido criados mecanismos e instituições importantes na
criação da UEM, apenas em inícios da década de 90 foram adotadas medidas que permitissem avançar com a
introdução da moeda única na União. Em 92, foi aprovado o Tratado de Maastricht e com a sua entrada em vigor a 1
de novembro de 1993 foram dados os primeiros passos na construção da UEM, objetivo central para os EM. O
objetivo da UEM não foi conseguido de imediato, mas por fases, sendo a primeira fase até dezembro de 1993; a
segunda fase de 1/1/94 até 31/12/98; a terceira fase a partir de 1/1/99.
Relativamente à primeira fase (até dezembro de 1993), aponta-se que a inclusão ou exclusão dos EM no
UEM foi decidida com base em informações constantes de relatórios que foram apresentados pelos Estados e estes
relatórios deviam conter referências expressas e detalhadas que permitissem avaliar se as disposições da legislação
nacional de cada Estado transpuseram corretamente para o direito interno as proibições constantes dos artigo 130º e
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FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
Ema Roma

131º do TFUE, relativas à autonomia do BCE e à compatibilidade dos seus estatutos com os estatutos do BCE, bem
como deviam aludir ao cumprimento dos chamados critérios de convergência. Estes critérios de convergência
encontram-se previstos no artigo 140º do TFUE e estão densificados no protocolo 13 anexo aos tratados. Estes
critérios são 4:

 critério da taxa de inflação, sendo que a taxa de inflação durante o ano que antecede a avaliação não
pode ultrapassar em 1,5% a média das taxas de inflação verificados nos países com a menor subida
dos índices de preço
 critério da taxa de juro a longo prazo, o que significa que durante o ano que antecede a avaliação a
taxa de juro média de longo prazo não pode ser superior a 2% da média das taxas praticadas nos 3 EM
com menores taxas de inflação
 critério da taxa de câmbio
 critério da situação das finanças públicas

Estes 4 critérios eram critérios necessários para que um EM pudesse entrar na UEM. Sucede que já estando
Portugal na União, o quarto critério - critério da situação das finanças públicas - ainda é necessário para que se afigure
umas finanças publicas sãs. Este critério é de adesão e de manutenção, previsto no artigo 140º/1, 2º travessão. No
momento da avaliação, o Estado em causa não pode apresentar o défice excessivo, isto é, o défice deve ser inferior a
3% do PIB e a dívida pública não pode ser superior a 60% do PIB. Este critério divide-se em 2 subcritérios: o critério
do défice e da dívida.
Com o início da segunda fase (1/1/94 a 31/12/98) a Comissão vai começar a acompanhar a evolução da
situação orçamental dos EM, com base no procedimento estabelecido no artigo 126º do TFUE e nos protocolos anexos
ao tratado, protocolo 12 e 13, tendo sido adotadas medidas específicas relativas ao protocolo sobre o procedimento por
défice excessivo, com a aprovação do regulamento CE nº 3605/93 do Conselho de 13 de dezembro de 93. No
Conselho Europeu de Dublin, de 13 e 14 de dezembro de 96, foram aprovadas novas e importantíssimas medidas de
convergência das economias dos países e, sobretudo, da política orçamental, tendo sido pedida a preparação de um
Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), processo que viria a ser concretizado através da resolução do Conselho
Europeu sobre o Pacto de Estabilidade e Crescimento, resolução essa que foi adotada a 1 de julho de 97 em
Amesterdão e nos regulamentos CE, nº 1466/97 e 1467/97 (ambos os regulamentos são do Conselho de 7 de julho de
99). Este conjunto de diplomas permitiria densificar os critérios de convergência estabelecidos no Tratado e,
sobretudo, o designado critério das finanças públicas. Criou-se um sistema de alerta rápido para situações em que
possa estar em causa um risco de défice excessivo. Houve, portanto, um reforço da vertente preventiva do PEC.
A última fase (a partir de 1/1/99) de construção da UEM caracteriza-se pelo nascimento de uma nova moeda
– o euro – sendo que as moedas físicas só entrariam em circulação em 2002. Entretanto, deram-se várias alterações
aos três primeiros diplomas.
Em 2005, houve uma revisão do PEC, operada pelo regulamento CE nº1055/2005 do Conselho de 27 de julho
de 2005, regulamento este que alterou o regulamento CE 1466/97 ; o regulamento CE nº1056/2005 alterou o
regulamento CE 1467/97.
Mais tarde, em 2011, é feita uma reforma profunda da regulamentação do PEC e foi adotado um conjunto
composto por 5 Regulamentos e 1 Diretiva, daí que tenha ficado conhecido como pacote 6 ou Six Pack (Regulamentos
da União Europeia nº1173/2011, 1174/2011, 1175/2011, 1176/2011, 1177/2011 e ainda pela Diretiva nº2011/85/UE).
Este conjunto de diplomas introduziu alterações nos regulamentos originais do PEC e adota importantes medidas para
reforçar as vertentes preventivas e corretivas do PEC.
A par destas alterações, em 2012, foi aprovado um instrumento de direito internacional, o já referido Tratado
Orçamental, que vincula apenas os Estados signatários.
Já em novembro de 2013 foi aprovado um novo pacote legislativo, apresentado pela Comissão e que ficou
conhecido como pacote 2 ou Two Pack, e este novo pacote foi constituído por dois documentos: o regulamento UE
nº472/2013 e 473/2013. Estes regulamentos são aplicados aos países da zona euro e vem introduzir medidas de
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FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
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reforço da supervisão orçamental dos países cuja moeda seja o euro, prevendo ainda um regime especial de
acompanhamento para os países que se encontrem a beneficiar de assistência financeira ou que tenham saído de um
programa de ajustamento num quadro de auxílio financeiro. É justamente com este pacote que surge o designado
semestre europeu, que tem em vista coordenar ex ante as políticas económicas e orçamentais dos EM. Ressalva-se a
obrigatoriedade de apresentação de projetos de orçamento à Comissão para avaliação até 15 de outubro do ano
anterior ao que disser respeito o orçamento. São estes normativos que em conjunto contém o quadro a que deve
obedecer a elaboração, a aprovação e a execução dos Orçamentos dos EM’S da União Europeia.

Processo Orçamental
O processo orçamental encontra-se atualmente regulado na lei 91/2001, encontrando-se ainda em vigor as
disposições relativas a esta matéria. Contudo, há que ter em consideração também as normas de DUE. O processo
orçamental inicia-se antes do dia 15 de abril, com a necessidade de revisão do Programa de Estabilidade e
Crescimento (PEC, que também pode significar Pacto de Estabilidade e Crescimento – são coisas totalmente
diferentes), nos termos do artigo 12-B da velha LEO e do regulamente 1466/97, para além do regulamento 473/2013.
Neste documento devem constar não só os objetivos orçamentais e as políticas orçamentais, mas também a
definição do objetivo orçamental a médio prazo nos cálculos que determinaram a sua fixação, bem como as medidas
que o executivo se propôs adotar para cumprir os objetivos traçados no Pacto de Estabilidade e Crescimento. Neste
documento, devem ainda ser tidas em consideração eventuais recomendações que tenham sido emitidas na fase
preparatória e na primeira fase do semestre europeu, nomeadamente as relativas à política económica da zona euro. O
semestre europeu não são 6 meses. É um período de discussão da UE em que a Comissão, em conjunto com as demais
instituições da UE e os representantes dos EM, emite diretrizes de política económica e política orçamental.
Este Programa de Estabilidade e Crescimento, depois de ter sido enviado no contexto do semestre europeu e
depois ter sido apreciado pelas instâncias comunitárias, pode ser enviado ou alterado, sendo depois também enviado
para a Assembleia da República. Depois de enviado para o Conselho Europeu e Comissão, o Programa de
Estabilidade e Crescimento pode ser tornado público, iniciando-se no âmbito do semestre europeu uma fase que inclui
a avaliação de prazo máximo de 6 meses das medidas propostas no documento (artigo 5º do regulamento 1466/97).
Esta apreciação pela Comissão e pelo Comité Económico e Financeiro pretende verificar se os objetivos traçados e as
variáveis de natureza económica em que os mesmos se baseiam são corretas e adequadas, bem como se as medidas
propostas para que seja admitido o OMP estão também conformes com a trajetória de ajustamento. Depois de feita a
análise, são emitidas recomendações, que devem ser tidas em consideração pelo menos na proposta de lei a elaborar
por cada um dos EM.
Até ao dia 15 de outubro, o Governo elabora a Proposta de Lei do Orçamento do Estado (PLOE) que é
enviada para a Assembleia da República e para a União Europeia (Conselho). O Conselho, depois de receber a
proposta, em conjunto com a Comissão Europeia, e no quadro da supervisão multilateral, vai pronunciar-se sobre a
mesma. Ao mesmo tempo, internamente, ou seja, na AR, vai decorrer o processo de discussão da proposta de lei do
orçamento, votação e aprovação, procedimento este regulado pelo regimento da AR, devendo ser votado
preferencialmente no prazo de 45 dias após a sua submissão.
Dadas as especificidades das matérias constantes da PLOE, algumas delas estão sujeitas a um regime especial:
é o caso das matérias das alíneas a) a f), h), n) e o) do artigo 164º, bem como a alínea o) do artigo 165º, como decorre
do número 5 do artigo 12-F da velha LEO. Mas, em regra, a votação na especialidade é feita pela comissão
parlamentar competente.
A AR pode também realizar audiências, convocar comissões especializadas ou entidades que não estejam
submetidas à direção do governo para se pronunciarem sobre a proposta apresentada. O prazo do dia 15 de outubro
nem sempre tem de ser cumprido. É o que acontece nas situações previstas no número 2 do artigo 12º-E da velha
LEO: 1º - o governo está demitido no dia 15 de outubro; 2º - a tomada de posse do novo governo ocorreu entre 15 de
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FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
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julho e 14 de outubro; 3º - o termo da legislatura entre 15 de outubro e 30 de dezembro. Nesses casos, o governo tem
um prazo de 3 meses a contar da posse do governo para apresentar propostas de lei (nº3 do artigo 12-E).
Aprovada a proposta de lei do orçamento, esta é enviada ao PR, e caso seja promulgada segue para publicação
em Diário da República. Se o PR não ratificar, ele pode suscitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade total
ou parcial da lei que aprova o Orçamento Geral do Estado. Após a aprovação, o Orçamento é enviado para
cumprimento dos mecanismos de supervisão multilateral da União Europeia. Se a proposta for rejeitada ; se não for
promulgada ; se o governo tomar posse entre 1 de julho e 30 de setembro ; se não for apresentada proposta ; se não for
votada ; se o governo se demitir, então é prorrogada a vigência da lei do orçamento do ano em curso, respetivo de
articulados mapas orçamentais, seus desenvolvimentos e decreto-lei de execução orçamental (artigo 12-H da velha
LEO).
Na lei prorrogada, não é prorrogada a vigência das partes do orçamento referidas no nº3 do artigo 12-H da
velha LEO: autorização legislativas que devam caducar no fim do ano económico; autorização para cobrança de
receitas cujos regimes apenas se destinavam a vigorar nesse ano; autorizações para realização de despesa também com
vigência de 1 ano. Temos de ter ainda em consideração que esta prorrogação de vigência é feita de forma
condicionada, sendo o orçamento do Estado executado em regime de duodécimos (dividir a despesa em 12 partes,
uma para cada mês do ano). O limite da despesa fica condicionado à não ultrapassagem dos duodécimos vencidos
ainda não utilizados, excecionando-se apenas situações previstas na lei (artigo 12-H e alínea a do nº5 do artigo 43º da
velha LEO).
Logo que seja aprovada a nova lei do Orçamento, as despesas já efetuadas são imputadas ao novo Orçamento.

Execução do Orçamento
O princípio da execução orçamental está previsto no art.42 velha LEO (ainda em vigor) e art.52 nova LEO
(ainda não está em vigor). Distinguimos dois: execução do orçamento da receita e execução do orçamento da despesa
(título 3-A).

 A execução do orçamento da receita


- Princípio da tipicidade qualitativa (artigo 42, nº 3 e 4, da velha LEO): a execução do orçamento das receitas
obedece antes de mais ao princípio da legalidade, mas esta legalidade não se resume a uma conformidade legal,
assumindo antes uma dimensão do princípio da tipicidade qualitativa, limitando a cobrança das receitas por parte dos
organismos públicos. De acordo com este princípio, para que uma receita possa ser liquidada e cobrada é necessário
que tenha de ser cumprido todo o procedimento relativo à criação, mas ainda que essa receita esteja prevista no
Orçamento do Estado no ano em que se pretende efetuar a liquidação e cobrança. Para além de prevista, tem também
de estar adequadamente classificada.
Contudo, não há uma limitação quantitativa, o que significa que o valor inscrito no orçamento para uma
determinada receita é apenas uma previsão. Apesar disso, não é uma mera previsão, uma vez que a introdução de
valores para cada tipo de receita serve também de suporte à elaboração do orçamento da despesa. Esta natureza de
previsão, mas não de mera previsão, fica bem clara nas alterações da nova LEO, que veio introduzir o princípio da
especificação (por fonte do financiamento). Assim, este princípio deve ser articulado com a regra clássica do art.17
nova LEO (regra da especificação).
Só nas situações do art.42/3 se podem liquidar/cobrar as receitas que obedeçam à alínea a e b (receitas previstas
no orçamento). O orçamento de receita tem um elemento taxativo das receitas que nesse ano poderão ser cobradas, e
os montantes inscritos no orçamento revelam o valor que previsivelmente será obtido a partir das várias fontes da
receita. A norma do orçamento que consagra a possibilidade de cobrança de certa receita é condição necessária para a
operatividade da forma da liquidação e cobrança de imposto. Contudo, se o valor arrecadado for maior do que o
previsto, o excedente não vai ser devolvido aos contribuintes. O artigo 42º/4 é a expressão viva da não aplicação do
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FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
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princípio da tipicidade quantitativa quanto à receita, porque podem ser arrecadadas receitas com montante superior ao
previsto no orçamento.
- Princípio da unidade da tesouraria (artigo 54 nova LEO): a gestão da tesouraria do Estado tem como objetivo a
promoção da unidade de tesouraria para garantir a racionalização e a otimização na gestão dos dinheiros públicos.
Exige-se, assim, nos termos do número 2 do DL 191/99 que a gestão dos dinheiros públicos seja feita por uma única
identidade: o tesouro.
- Princípio da segregação de funções de liquidação e cobrança da receita (artigo 42 nº1, 1ªparte e nº2) : é um
princípio básico do sistema de controlo interno da execução orçamental e consiste precisamente na separação das
soluções de liquidação e de cobrança entre dois serviços distintos ou dois agentes diferentes para evitar erros ou
irregularidades, de modo a garantir transparência, fiscalização e rigor.

 A execução do orçamento da despesa


 Princípio da segregação das funções de autorização da despesa, de autorização do pagamento e pagamento
(artigo 42º, nº 1, 2ª parte e nº2 da antiga LEO ): a necessidade de separação das funções de autorização da despesa,
autorização de pagamento e pagamento cumpre, na execução do orçamento da despesa, uma função importantíssima,
não sendo possível que a entidade que autoriza a despesa e a entidade que autoriza o pagamento efetue o pagamento.
Pretende-se, antes de mais, que exista um controlo por parte dos serviços de todas as etapas.
 Princípio da unidade da tesouraria (Regime da Tesouraria do Estado – DL nº191/99): de acordo com este
princípio cabe ao tesouro a gestão integrada da receita e da despesa estadual.
 Princípio da tipicidade qualitativa e princípio da tipicidade quantitativa (artigo 42º, nº 5 e 6 alíneas a) e b) da
velha LEO): o princípio da tipicidade qualitativa vale quer para a execução do orçamento da receita quer para a
execução do orçamento da despesa. No que que à despesa diz respeito, ele está previsto no artigo 42º/6 da velha LEO.
A execução do orçamento da despesa está então duplamente limitada, sofrendo uma limitação qualitativa que se
reconduz à legalidade orçamental de inscrição orçamental e da legalidade da própria despesa, mas também
quantitativa, ou seja, como referem os nºs 5 e 6 al. b) do artigo 42º da velha LEO, a despesa tem de ter cabimento
orçamental, constituindo a dotação orçamental o montante máximo que pode ser utilizado pelos serviços - este
princípio relaciona-se com a regra da não consignação, que afirma que “a despesa tem que se limitar ao crédito
orçamental”, para qualquer despesa.
 Princípio da execução do orçamento por duodécimos (artigo 42º, nº 6, al. b) e artigo 43/5/a da antiga LEO e
artigo 8º da RAFE): impõe que a dotação orçamental não possa ser utilizada em regra de uma só vez, exigindo-se
antes que a execução seja feita de forma faseada, com distribuição uniforme pelos 12 meses. Pretende-se evitar que a
despesa estadual se concentre nos primeiros meses do ano, altura em que ainda não ingressaram nos postos do Estado
receitas suficientes para o pagamento das despesas. Em cada mês, vence-se a duodécima parte do crédito orçamental e
quando esse valor não for totalmente usado, acumula-se para os meses seguintes. Por exemplo, numa dotação
orçamental de 12000€, vence-se a cada mês, 1000€ ; se gastar 0 até março, nesse mês, posso gastar até 3000€.
Contudo, como este princípio pode ser um entrave à boa gestão, encontram-se também previstas situações em que o
mesmo é dispensado. Excecionalmente, pode ainda ser autorizada a utilização de duodécimos não vencidos.
 Princípio da boa gestão financeira - economia, eficiência e eficácia (artigo 42º, nº6/c e 18 da velha LEO) :
assume um relevo muito específico em sede de fiscalização de execução orçamental. É muitas vezes referido como
princípio dos 3 E – economia, eficiência e eficácia. Trata-se de um princípio que, em larga medida, se afasta da
juridicidade, embora existam critérios jurídicos para aferir o seu cumprimento. (Nota: voltaremos a falar nele a
propósito da fiscalização jurisdicional.)
Nos casos em que os serviços tenham receita consignada para cobrir certas despesas, é preciso, além dos 5
princípios, cumprir a regra do duplo cabimento: na 1ªlimitação, a despesa tem que se limitar ao crédito orçamental; na
2ªlimitação, tem que caber no produto das receitas consignadas (receitas afetas à cobertura de certas despesas).

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FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
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O artigo 43 da velha LEO


O artigo 43º da velha LEO respeita, em grande medida, ao decreto lei de execução orçamental. Acontece que
anualmente o Governo vai estabelecer por meio de um decreto lei de execução orçamental as disposições necessárias à
execução da lei do Orçamento, definindo as dotações orçamentais relativamente às quais não será aplicável o regime
de duodécimos, a indicação das cativações, a indicação das comissões para mobilização total ou parcial dessas
cativações, indicação das despesas cuja autorização depende da integração dos serviços centrais, os prazos para
autorização de despesa e demais normas necessárias à execução do orçamento. Falamos aqui de cativações – é como
se o Ministério das Finanças pegasse em parte do orçamento aprovado pela AR para um determinado serviço e
guardasse esse dinheiro ou parte dele numa gaveta, e só com autorização do Ministro das Finanças é que o dirigente
do serviço em causa pode gastar aquele dinheiro. Geralmente, para se obter essa autorização, o dirigente tem de
justificar o motivo da necessidade daquela verba e o objetivo será evitar derrapagens das despesas e, com isso, evitar
também necessidades de retificações posteriores ao orçamento (é como dizer que o orçamento permite a um
determinado serviço 50 mil, o ministério diz que desses 50 só pode gastar 30).
E para esse efeito, a nível de decreto de execução orçamental, temos o DecLei.84/2019 de 28 junho, que
estabelece as disposições necessárias à execução do orçamento para 2019, orçamento esse que foi aprovado pela lei
nº71/2018 de 31 de dezembro. Contém as regras necessárias a um rigoroso acompanhamento da execução orçamental,
como instrumento decisivo para o integral cumprimento dos princípios e linhas orientadoras fixadas pelo orçamento
para 2019. Quando há possibilidade de se organizem alterações orçamentais, encontram-se previstos nos artigos 49 e
ss. da velha LEO. Estas alterações ao orçamento podem decorrer da necessidade de realizar despesa não inscrita no
orçamento, da necessidade de aumentar o montante de uma despesa já prevista ou também da necessidade de suprir
falta de receitas.
A alteração do orçamento pode ser levada a cabo quer pela AR quer pelo Governo, definindo a LEO nos
artigos 49º e ss. as regras a que devem obedecer as alterações orçamentais, consagrando também a distribuição de
competências nessas matérias. Note-se que qualquer alteração que venha ser introduzida não deve implicar alteração
da igualdade entre receitas e despesas, ou seja, terá sempre de existir uma igualdade entre receitas totais e despesas
totais (aceção formal de equilíbrio orçamental) – artigo 50º/51º/52º da velha LEO diz respeito às leis de alteração do
orçamento. Nos termos do artigo 167º/2 da CRP há uma limitação dos poderes parlamentares em matéria do aumento
da despesa ou de diminuição de receita fora do debate do orçamento e a isto se chama “lei travão”. Designa-se lei
travão por funcionar justamente como um travão ao aumento das despesas e diminuição de receitas. O orçamento não
pode ser desautorizado por via legislativa. Pretende-se garantir a estabilidade da execução do orçamento e impedir
desequilíbrios orçamentais.

Fiscalização orçamental
Em Portugal, a execução orçamental está sujeita a uma tríplice fiscalização: uma fiscalização administrativa,
uma fiscalização jurisdicional e uma fiscalização política (58/2 e ss velha LEO).
O controlo administrativo (58/4) é feito por órgãos da AP e segue um procedimento estabelecido na lei. Este
procedimento é diferente consoante se trate de serviços com mera autonomia administrativa ou serviços com
autonomia administrativa e financeira.
O controlo jurisdicional é feito, não só pelo Tribunal de Contas, como também pelos demais tribunais, desde
que essa possibilidade se encontre dentro dos seus poderes de julgamento (artigo 58º/6 e 7 da velha LEO). [ver Lei
Org. e Processo do Tribunal de Contas, art.2]

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FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
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Já o controlo político (art.59) é feito pela Assembleia da República no exercício das suas funções. Este
último tipo de controlo acaba em Portugal por se reduzir à discussão pela Assembleia da República da Conta Geral do
Estado e do parecer enviado pelo Tribunal de Contas e é materializado na aprovação ou não da Conta Geral do Estado.

a) Controlo administrativo
O controlo administrativo de execução orçamental é da competência simultânea de várias entidades. Em primeiro
lugar, da própria entidade, serviço ou organismo que executa o orçamento. Em segundo lugar, pela entidade
responsável pela coordenação e acompanhamento da execução orçamental - no caso português, é a Direção Geral do
Orçamento do Ministério de Finanças (DGO) - e também pelas entidades de inspeção e controlo de cada ministério.
Este tipo de controlo está regulado atualmente na LEO, na Lei de Bases de Contabilidade Pública – LBCP (lei 8/90) -
e no regime da administração financeira do Estado (RAFE), aprovado pelo decreto-lei 155/92, não esquecendo
obviamente as normas constitucionais que auxiliam quer na interpretação, quer na determinação da relação hierárquica
existente entre as várias normas. Existem regimes diferenciados de controlo administrativo consoante o tipo de serviço
em causa:
1. Serviços com mera autonomia administrativa
São aqueles em que os dirigentes do serviço têm competência para, de forma definitiva, autorizarem a realização
de despesa apenas nos atos ou para os atos de gestão corrente, tal como refere o artigo 2º da Lei de Bases de
Contabilidade Pública e os artigos 2ºs e ss. do RAFE. Aplicam-se também a estes serviços os limites estabelecidos
pelo decreto-lei 197/99 (artigo 17º) com as despesas para aquisição e locação de bens e serviços.
Neste tipo de serviços, a ausência do orçamento próprio impõe que seja mensalmente requerida a libertação de
créditos, pedido esse que é feito à Direção Geral de Orçamento – DGO – artigo 3º da Lei de Bases de Contabilidade
Pública e artigo 17º do RAFE. Este pedido é acompanhado do balanço da execução do mês anterior e da descrição dos
pagamentos que venham a ocorrer no mês seguinte. Quando recebe estes pedidos, a DGO faz uma verificação da
legalidade de execução orçamental e, por isso, diz-se que há, quanto à despesa, um heterocontrolo interno prévio e
que se destina a verificar a correta inscrição orçamental em todas as suas dimensões, bem como o cabimento
orçamental (artigos 3º/3 da Lei de Bases de Contabilidade Pública e artigos 18º/2 a 4 e 19º do RAFE).
Se estivermos perante despesas com receitas consignadas, é necessário verificar ainda o cumprimento do duplo
cabimento – artigo 20º do RAFE. Os serviços de contabilidade do próprio serviço efetuam também, neste mesmo
momento, um controlo da despesa que é designado como autocontrolo interno prévio, que habitualmente se designa
por conferência (artigo 26ºdo RAFE). Este controlo não deve ser confundido com a autorização que é dada pelo
dirigente do serviço para a realização da despesa.
Por último, o controlo administrativo não se resume à fase anterior à despesa. Assim, não é só prévio, é também
sucessivo, uma vez que a DGO realiza nos termos dos artigos 10º da Lei de Bases de Contabilidade Pública e 22º do
RAFE um heterocontrolo interno sucessivo em que analisa todos os pressupostos da legalidade da prática do ato, ou
seja, cabimento de previsão orçamental, mas também a economia, eficiência e eficácia.

2. Serviços com autonomia administrativa e financeira


Há algumas especificidades no que ao controlo administrativo diz respeito e que decorrem maioritariamente do
próprio regime orçamental a que estas entidades estão sujeitas. Recorde-se que estamos perante entidades que
possuem receitas próprias e orçamento próprio, mas que se encontram subordinadas em termos de execução aos
princípios orçamentais. Convém ainda referir que nos termos da lei, em regra, o volume de receitas próprias é superior
ao das receitas que são transferidas do orçamento do Estado, daí resultante o regime jurídico constante dos artigos 6º e
ss. da Lei de Bases de Contabilidade Pública e 43º e ss. do RAFE, mas também em especial o artigo 53º do RAFE
reflete uma boa parte dessas especificidades.

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FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
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Em termos de controlo de execução orçamental, temos desde logo na alínea a) do nº1 do artigo 53º do RAFE a
previsão de existência de um autocontrolo interno prévio, que deve ser efetuado pelos órgãos do próprio serviço ou
organismo. Para além deste controlo, existe também um controlo interno sucessivo e sistemático, nos termos da
alínea b) do nº1 do artigo 53º do RAFE. Nos casos em que seja solicitada a transferência de verbas inscritas no
Orçamento do Estado, a DGO faz também um heterocontrolo interno prévio e heterocontrolo interno sucessivo
nos termos do artigo 11º da Lei de Bases de Contabilidade Pública e de uma forma muito semelhante ao que sucede
com os serviços com mera autonomia administrativa [ver art. 66º velha LEO].

b) Controlo jurisdicional
O controlo jurisdicional em Portugal segue o modelo continental de fiscalização da atividade financeira do
Estado e, por isso, logo na Constituição se previu a existência de um órgão jurisdicional encarregue de fazer a
auditoria das contas do setor administrações públicas. O nosso Tribunal de Contas é caracterizado pela Constituição
nos artigos 214º e 216º e pela Lei de Organização e Processo no Tribunal de Contas (LOPTC) aprovada pela Lei 98/97
como verdadeiro Tribunal, embora o Tribunal tenha poderes que vão para além dos tradicionais poderes jurisdicionais.
O Tribunal de Contas tem uma constituição muito específica, sendo composto por juízes conselheiros que não
são necessariamente magistrados ou sequer juristas, mas que são recrutados através de concurso público, à exceção do
seu presidente. Tem como poderes não só os tradicionais poderes jurisdicionais, mas funciona também como órgão de
auditoria, fiscalizando a execução do Orçamento das entidades referidas no artigo 2º da LOPTC. Para além do
Tribunal de Contas, cabe aos demais tribunais fiscalizar a execução orçamental desde que os atos a avaliar estejam
contidos no seu âmbito de cognição (ex: tribunais administrativos e fiscais, sobretudo quanto à receita).
A Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC) delimita os tipos de controlo a efetuar com
o tribunal: controlo prévio, controlo concomitante e controlo sucessivo.
O controlo prévio ou fiscalização prévia – art.44 ss LOPTC - é efetuado antes da realização da despesa e
tem como objetivo verificar a conformidade orçamental da despesa e a legalidade em geral e não apenas a legalidade
financeira do ato que autoriza a realização da despesa – artigos 44º e ss. e artigo 5º da LOPTC. Não estão sujeitos a
fiscalização por parte do tribunal os atos que nos termos do artigo 48º estejam dispensados ou que, nos termos do
artigo 47º, estejam isentos. Estas isenções podem decorrer do valor do ato ou contrato nos termos do artigo 47º/1 –
todos os atos de valor inferior a 5 milhões de euros – ou então aqueles que nos termos do artigo 48º estejam
dispensados em razão também desse valor, valor esse que é fixado anualmente pelo decreto-lei de execução
orçamental. Importa referir que o visto é sobretudo uma condição de eficácia financeira do ato, ou seja, até à emissão
do visto o ato produz todos os seus efeitos, exceto financeiros. Contudo, nos casos em que o valor exceda os 950 mil
euros o ato não produz quaisquer efeitos antes de conseguir o visto - artigo 45º/4 da LOPTC.
Excetuam-se as situações previstas no nº5 do artigo 45º, ou seja, quando esteja em causa um contrato
celebrado por ajuste direto, por motivos de urgência imperiosa resultando de acontecimentos imprevisíveis pela
entidade adjudicante e que não lhe sejam imputáveis, urgência essa que impede que sejam cumpridos os prazos
normais de contratação.
Assim sendo, entre o período que vai da prática do ato, do pedido do visto e recusa do visto, o ato pode, nos
casos em que não seja impedido, ser praticado. E mesmo que o visto seja recusado, se tiverem sido realizados
trabalhos ou adquiridos bens, pode ser efetuado o seu pagamento, desde que isso não implique encargos superiores aos
previstos para aquele período.
O controlo jurisdicional concomitante – art.49 LOPTC - não é, ao contrário do que se sucede com o
controlo sucessivo, sempre obrigatório. Trata-se, na verdade, de uma forma de controlo exercida nos termos do artigo
49º da LOPTC e incide apenas sobre os atos e contratos referidos no artigo 49º e que se materializa na realização de
auditorias, que podem ser levadas a cabo pela primeira secção do Tribunal de Contas ou pela segunda secção.

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FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
Ema Roma

No caso das auditorias realizadas pela primeira secção, estas apenas podem incidir sobre os procedimentos e
atos administrativos que impliquem despesas com pessoal ou contratos que não devam ser remetidos para fiscalização
prévia. Estas auditorias podem incidir ainda sobre a execução dos mencionados contratos. As auditorias da segunda
secção são um pouco diversas porque incidem sobre a totalidade dos atos e contratos de uma determinada entidade.
Estas auditorias são levadas a cabo por equipas especializadas, sendo que atualmente há 7 equipas diferentes,
correspondendo a cada uma delas uma determinada área ou áreas e sendo determinadas as áreas ou entidades a auditar
no programa de ação anual, aprovado até 15 de dezembro pelo plenário da segunda secção. Estas auditorias podem
também ser pedidas para um caso concreto se houver razões que o justifiquem.
Esta competência do Tribunal de Contas, embora se afaste, em grande medida, de uma competência
jurisdicional (porque o que está a fazer é uma auditoria), não deve ser apelidada de auditoria pura, uma vez que
também toma em consideração a legalidade que está para além da legalidade financeira dos atos-contratos, mas
também porque a partir desses relatórios pode ser apurada a responsabilidade financeira dos agentes da administração,
remetendo-se o processo para a terceira secção. Nos casos mais graves, em que se verifica a existência de crime ou
indícios de existência de crime, o processo é remetido para os tribunais comuns.
No controlo financeiro sucessivo (ou a posteriori) – art.50 a 56 LOPTC- é apreciada a legalidade da
despesa, os sistemas de controlo interno de cada serviço e ainda a economia, eficiência e eficácia da despesa pública.
Em rigor, averigua-se não só a legalidade dos atos praticados, mas também que o dinheiro foi bem gasto, encontramos
aqui, no artigo 50º da LOPTC, o mesmo princípio que já encontrávamos no artigo 18º da LEO, mas enquanto que o
artigo 18º/ 1 consagra este princípio logo na previsão da despesa (ou, nas palavras da lei, “assunção de
compromissos”) e, na parte final, na realização da despesa, o artigo 50º da LOPTC limita-o à fiscalização da execução
orçamental. Na prática, o que queremos saber é se foi possível garantir um elevado padrão de qualidade dos serviços
públicos com a realização de despesas menos avultadas ou aumento da qualidade com idênticos montantes de despesa.
Para além disso, exige-se, ainda, que sejam escolhidos os meios mais adequados para a realização da despesa.

c) Controlo político
A Assembleia da República é o órgão que em Portugal faz a apreciação política da execução orçamental. Este
procedimento encontra-se previsto e regulado nos art. 73.º e ss. da velha LEO, concretizando mais uma vez a ideia de
suprainfraordenação entre a Assembleia da República e o Governo. Para que tal função possa ser desempenhada, o
Governo deve remeter à Assembleia da República a Conta Geral do Estado (incluindo a da Segurança Social) até 30
de junho do ano seguinte àquele a que disser respeito– art.162/d e 107 CRP. A análise da Assembleia da República
recai sobre a Conta (e dos elementos que a devem acompanhar) (art. 74.º e ss. da velha LEO) e tem em consideração a
informação constante do Parecer emitido pelo Tribunal de Contas. Se for aprovada a Conta, segue-se a publicação em
Diário da República.

» Economia, eficácia e eficiência


A economia em sentido estrito impõe a utilização do menor número de recursos para o cumprimento de uma
tarefa, ou seja, na escolha entre as várias opções deve escolher-se a mais barata. Contudo, a eficiência e a eficácia
implicam que este princípio tenha que ser interpretado de uma forma um pouco diferente. Enquanto que a eficácia diz
respeito à forma de realização da tarefa, ou seja, a tarefa é desenvolvida para alcançar um determinado objetivo (a
eficácia mede a relação entre o efeito da ação e os objetivos pretendidos), a eficiência implica que essa forma de
realização seja otimizada, isto é, escolher a forma mais adequada, mais célere e mais barata para conseguir o mesmo
objetivo.
Na fiscalização sucessiva, o que se pretende então é a verificação da conformidade legal dos atos de realização
de despesa e, em caso de desconformidade, pode também iniciar-se o processo de verificação de irregularidades
financeiras e responsabilização. Convém ter presente que na fiscalização sucessiva se leva a cabo uma análise de
legalidade, mas, em certa medida, também uma análise de mérito da decisão, com base numa ideia de boa governação
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FINANÇAS PÚBLICAS (1ªT)
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pública. Note-se até que nos casos do artigo 18º/3 da LEO se exige que os investimentos públicos de valor superior a 5
milhões de euros contenham já índices para avaliação da economia, eficiência e eficácia.
Para além da competência de fiscalização de execução orçamental, o Tribunal de Contas tem também poderes
nos termos do artigo 57º e seguintes da LOPTC para apuramento da responsabilidade financeira, mas também para a
emissão do parecer sobre a Conta Geral do Estado, parecer esse que será enviado à AR, será depois utilizado aquando
da fiscalização política.

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