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democracia

e educação
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ATUALIDADES PEDAGOGICAS
Volume 21

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INTRODUÇÃO 'À'FILOSOFIA
DA EDUCAÇÃQ ..- . .. -. ._-,*. ;

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Traduqão de - '-

GODOFREDORANGEL,
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.isniac ANíS1oTEIXEIRA C 6 ti! .
L.p.,. . . , 'tis/
~ s t u d opreliminar de'
LEONARDO VAN ACKER

4P edição
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370 D513d 4
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t j m ~ d u ç ~à ofilosofia da

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A rela~ãoiompleto dos livros publicados em


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ATUALIDADESPEDAG~GICAS
está nofim derte volume. COMPANHIA EDITORA NACIONAL .
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Ciência, ou 5aber racionalizado .... ..... . ............
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3. A educacão como reconstrucão . ....... .....
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Rcn~mo .. . ........ . . .... .......... .... . ... 4. A matéria do estudo, em sua natureza social
. .
liesinilo . . .. . . ... . .... . ... . .... .
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Cap. 7 - A concepção democrática da educação
Cap. 15 - O brinquedo ou o jogo e o trabalho n o c u r r í c ~ l o
. 1. O que subentende a associação humana .... .. ... .. .....
. , 2. O ideal democrático ....... ... .. .... .......... . ... 1. O papel das ocupações ativas na educação ......
. .......
", 3. A filosofia educacional platiinica ....i.. .. ........
.... ... .. ...
2. Ocupa~ócs proveitosas .... . ......... .....
.. ....... . ...
4. O ideal "individualista" do século XVIII 3. Trabalho e jogos ... . .. . ......... .....
..... ..........
. . .. ..
Restisro ... . ... .... . . .... .. ....... ... .. . . . ... ..

Cap. 8 -
Objetivos d a educação
Cap. 16 - A signiíicação da geografia e da história
1. Extensão da significacão das atividades primárias ..
..
1. A natureza de u m objetivo .. . . . . . .. . ...... . !.. ... ... 2. A natureza coinplemontar da História e da Geografia
2. O critério para n conhecimento dos bons objetivos .. : 3. A História e a presente vida social ...
. ..... .... .. ...
3. Aplicaqão à educação .... ... . . .......... .. ...... .... . . .. .
Rcsiinio . .. . . . .. . . .. . .. ... ... . .. . . ....... . ... .. ..
. .
Resumo . ..... .. . . .. .. . ...... .. . .... .. .. ..... . .. . ...
Cap. 17 - As .ciências no currículo
Cap. 9 -O desenvolvimento natural e a eficiência social
1. O lógico e o psicológico ... . . . .... .... .... ..... . ......
como objetivos
2. A ciência e o progresso social .. ... .. .. .... . ........
3. O naturalismo e o humanisn~ona educacão ., . .. .. ...
. .
Restieio . .. . . .. . .. . ........... . .... .. ... . . . . . . .. .. . .
Cap. 18 -
Valores educacionais .
1. A natureza 60 senso do real ou da apreciacão direta
.
2. Os valores dos estudos . . ... .;. .. . .. ... .... . .. ........
3. A segregação e a organização dos valores .... . ... . . . ..
.
Rentnto ... . . . . . .. .. . . ... .. ... ... . .
... ..... ... .... .
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Cap. 19 -
Trabalho e lazer
r 1. A origem do antagonismo . . ...... . .. . .. . . .... .. ..... . '
. ..
2. A situação atual . ... ..... . .... . . . . . . .. .. . ..,. , ...
. . .
Kcs~irno . . . .. . .. .. . .. . .. . ... .. . .
.... .... . .. , ....
Cap. 20 -Estudos intelectuais e estùdos práticos
1. O antagonisnio entre a experiência e o verdadeiro
1. A essçncia do método ..
....... ...... .... .:........... .. . ..
conhecimento . . . . .. . . ... .... . .. .. . . . .. . . . .. .......
.
Resumo ......... ..... . . ... . ........ . ... ..... . ... . .. . 2 . A teoria moderiia sobre a experiência e o conheci-
mento ................................................
Cap. 13 - A natureza do método 3. A experiência como experimentação . . . .. .. . ..... .. ...
. . .
Rcsi~mo . .. . . . .. . . . ... .....
.... .. . . .. . .. .... . , ..
..
Cap. 21 - Estudos físicos e estudos sociais. Naturalismo e
-r Resumo ......,. ... .......... ... .. ..... ........ ....... humanismo
1. Os antecedentes Mstbricõs do estudo de humanidades
2. Moderno interesse científico pela natureza . ..... . .....
3. O atual probloma educacional .... . .... . .... ... .. . .. ...
.
Restimo .. . .. ... ... .. . .. . ... .... . .. .
...... ..........
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Cao. 22 - O indivíduo e o mundo
I Remmo ..............................................
i Cap. 23 - Aspectos vocaeionais da educação
! 1 A ~imifica'cãoda vocacão ............................ , APRESENTAÇAO DA 4: EDIÇAO

Cap. 24 -Fioeofia da educação Dois dos livros de John Dewey, dados à estampa nesta
1. Revisão crítica ....................................... coleção de "Atualidades Pedagógicas", Como pensamos (vol.
2 . A natureza da filosòfia ............................... 2) e Democracia e educação (vol. 21), um e outro clássicos
Rcsusiio .............................................. do pensamento filosófico e pedagógico de nossos dias, e es-
Cap. 25 - ~ e o r i a sdo conhecimento
gotados, um e outro, há já algum tempo, voltam agora, com
1. Continuidade versris dualismo ........................ esta reedição, às estantes de livrarias e bibliotecas. E voltam
2. Escolas de método : ................................... enriquecidos do excelente estudo preliminar "Dewey e dois
Resunto ............................................. de seus livros", de autoria do Professor Leonardo Van Acker.
...
Cap. 26 - Teorias de moral
O Professor-Van Acker é belga de nascimento, e já em
1922 começou a lecionar na Faculaade de Filosofia, Ciências
1. O interior e o exterior .........:. ...................
Z.
e- Letras de São Bento, em São Paulo. E, aliás; cidadão bra-
, 2. O antagonismo entre o dever e o interesse ............
>;

..................................
. 3 r Inteligéncia e caráter ................................... sileiro desde 1940. Doutor em filosofia e letras pela Univer-
..
t: 4. O social e p moral
Resumo ..............................................
sidade Católica de Lovaina, também se doutorou em filosofia
tomista, no Instituto Superior de Filosofia damesma univer-
fndice Analítico ........................................... -
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. sidade. Entre nós, a larga influência -que seus aturados estudos
filosóficos e seu eminente professorado exerceram foi consa-
.:< ,c> grada com o prêmio "Moinho Santista" em filosofia, a ele
conferido em 1963,E membro do Instituto Brasileiro de Fi-
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losofia (São Paulo); e da Société Phiiosophique (Lovaina) .


.:S. k. Do muito que tem escrito, destacam-se penetrante estudo sobre
as idéias de Bergson, A filosofia beksoniana: gênese, evolução
e estrutura gnosiológica do bergsonismo (1959) e numerosos
. trabalhos referentes h lógica clássica, assim fomal como ma-
.-
> terial; a respeito de Dewey, pensador que sempre ihe mereceu
f$,.< particular atenção, um estudo sobre "A religião na evolução
do pensamento de Dewey", composto ,em sua língua n a 1
(1938) e, publicados em português, "Ciência e democracia em
1 John Dewey" (1943), "O naturalismo de John Dewey" (1957),
"Os valores na filosofia de John Dewey" (1961).

Os Editores
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1. : ~ a s c e uJohn Dewey aos 20 de outubro de 1859 em
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~ . . ,. . : ~. Burlington e faleceu a 1 de junho de 1952 em Nova York.
, . . . . : , , .i, -7 :,. . .. .' Depois de cursar os três graus do. ensino na cidade natal, fez-
.- .. . .. . ,~ o doutorado em filosofia na Universidade Johns Hopkins, em
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.. .... : ,. '< Baltimore. Em 1884 começou a carreira de professor unia
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.. . dade de Chicago, onde fundou uma escola primiia experi-
. . , ,, , . - :..; *. , mental, e acabando-a no Teachers College da Universidade
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. . .f :?n< & I . . ,> ,. Columbia, em Nova York (1905r1930). Viagens prolonga-


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,,*,-.i?,:,.: Em filosofia, Dewey a princípio adotou o hegelianismo. do
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W i a m James levaram-no a elaborar uma filosofia pragma-
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;: :,+?.?<.i., 31 , ,,: . . :.. 2': i!.''> tista, que fez escola na América do Norte - a chamada "Es-
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, : . . . , cola de Chicago" - além de ganhar no Brasil um fervoroso
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. ..> discípulo na pessoa de Anísio Teixeira, aluno de Dewey no
.. . -. .. .. . , , , . . ' .r ano letivo de 1928-29 e um dos grandes pioneiros da reforma
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- . , ; i , ; . .,:i:.*. ' ? .. :,r: i:. .. ' ' ! pedagógica nacional no espírito do pragmatismo experimen-
..,. i . . . ' S l ; " . " . talista e democrático-socialista.
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2 . Embora locutor de grande efeito boporífero (cf. John
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Dewey, por Sidney Hook, N. Y., 1939, p. 21), Dewey foi es-
critor de extraordinária fecundidade, chegando a produzir, de
1898 a 1940, na razão de quase um livro por ano, como prova
esta lista, aliás, incompleta, das obras publicadas: My peda-
. .
gogic creed (1898) ; The school and society (1899) ; The child
I. and the curriculm (1902) ; Studies in logical theory (com ou-
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1.81. - ,,.;"?L -, .. .. .'I< ' . .

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trai. 1903); The school and tke &Id (1%7); hthics (Som . O princípio de continuida
J. H. TI$@, 1908, 1932); M o ~ dprín&des ,Zn e&casrcasrm rimentalismo impljcam a "continuidade" ou
(1900); The infEuewe a f D m i n p h U g s ~ & and !MkiW sem e esseBsial entre a natureza cósmica e a experiência.
~ S , S(1910); n d ~ w f ~ n k(1910, 193%);~lpfi*fe.~t.airc? mana, entre pcssaa e sociedade, entre os vários grup
efjorf in e&cafioR (1913) ; G e m philosopky . pnd poE~cs sseia, entre o moral e o. social, entre a atividade
(a913); Deinorracy and edtrcnrfm (1916); Essq~'.i=eJrperi- corp.&ea, e a atividade espiritual, inteleCtua1. ou
mental logic (1916) ; Creattve WttetIigence (com bubrodl, 1917); estasúltimas não passam das funções mais
Recomnr(6#anan:in pdri?wvpriy !(1920;),+ &&& and con- e efi.ctentes d a atividade. material, control
dun (1922); Le dhteloppment da pmgmat&mk &ain mente :a matéria. dsmica para a progressiva. r
(1922); Expdence and d u r e (1925); The publfe a,& jfa convivência humana plenamente participada
socialista.
IV. Ver&+ como
nificados intele*ais
bateriais e ~pra;senslveis, mas
blemas e, por@?o, instnimentw
para resbivê-10s (inamn
id-a. nãq passa da sua efioiência
em iíitima málise, da sua provada
V. Escola nova: donde resulta; e&, a necessidade de r d ' -
formar a fundo .a escola tradicimai, predontinadtemente pas-
siva, dogmática, conservadora e elitista, em escola nova, radi-,
calmente ativa ou crítico-experimental, progressiva e social-$
3. Nãa cabe api@mda?mo~nos na an&iie@da fk- democrática.
sofia g d @eDmeyI.mas, ates, -deibem-&e a da& ?na
?-a
i e e&c@o (11916) e-~@m~.,gmm&wiGL9:i333, 4 . ~emocraciae edu~acão
sem preterk, natumimente, os pnnsdpostos ,filoSófic~ - -pretende fornecer as idéias De-'. .
dagógicas e filosóficas adequadas a uma sociedade t é c n i c o ~ i ~
esses prew.~p&os, ern..mst~~~~~,
os @g1dnte8! dustrial que queira ser democrática de verdade, e não apenas! -' .d
de nome. Parte do pressuposto de a sociedade só ser deveras
democrática se todos os membros ihe participam do bem co~,
mnm em termos de igualdade, de modo a permitir a flexibiilii
dade no reajuste das instituições e proporcionar uma educação,i
tomando os indivíduos pessoalmente interessados na participa-
ção e no reajustamento da vida social, e mentalmente habilitados
a reaiizar mudanças sociais, sem provocar confusão e desordem
(cap. W, resumo). Assim sendo, na autêntica educação de-
. , O ' e x p e r i r n ~ a h oa: tal .&amismo reativo u n i v 6 d
"ExpcriW' no Sentido genérico, do q d a8
mocrática, as atitudes e disposições necessárias 3. continuação
sempre renovada c progressiva da vida social não devem re-
@&&Se
e ~ e ~ e r i ê ' i c i a s " ~/como
~ a s ,a viv&ncia ,consdentd e a ,''e*- sultar de mera transmissão direta de conhecimentos e emoçõei,
&#iin'e&&gW' c h W i a , Wca, od sociológica, náo passam dci dos educadores aos educandos; mas hão de ser o fruto impii-
&$p&@ p&&&*& l. cito ou indireto da participação de educadores e educandos
. .. - .-.-r- .. -. ~

. ~.
~. . ....
I, XVII
~ ~

nas experiências do mesmo ambiente social. Quer dizer que Entre matérias e métodos de estudo e ensino deve haver
a escola não deve. ser isolada da vida comum, mas tem de correlação tão natural e profunda como entre a-inteligência e
simplificá-la, .purificá-la e melhorá-la. Nela, a dizqHo dada' o mundo real. Há, por certo, necessidade lógica e pedagógica
pelos educadores não deve ser baseada no prestígio ou na :as- de dividir as várias disciplinas; mas não devem ser aprendidas
cendência pessoal ou subjetiva destes, mas, sip, nos resultados ou ensinadas em isolamento da sua base social comum -que é a
objetivos ou universalmente válidos .da experiência wmum::fí- experiência da humanidade. Tampouco deve haver separação
sica, ou sociológica. Destarte, a educação será vida o u ores- completa entre o trabalho do estudo e o divertimento do jogo,
cimento confinuo, e não apenas preparação para a vidaladùlta; porque, aplicado ao jogo, o trabalho se toma interessante e
nem mera desenvolvimento ou formação mental subjetiva; nem artistico; ao passb que, absolutamente isolado do jogo, o tra-
simples exercitação ou treino de famldades ou capacidades es- balho t&a-se tarefa imposta, prejudicada pela tendência h.
peciais e isoladas e já adrede preparadas. Como processoC@n~ tural à ,livre atividade lúdica, que não é mera excitação física,
tínuo de crescimento ou reconstyção da experiência socialm&te mas atividade ou ocupação inteligente, visando a fins junta-
paítifipada, a educação terá o seu fim em si mesma; não s&do mente técnicos, estéticos e sociais. Donde a necessidade peda-
meio paka fins diferentes e ulteriores., Será progressiva como gógica de combinar o trabalho com o jogo e vice-versa. En-
a própria vida e não regressão mental ao papado, nem 3ca- fim, o princípio geral de não-isd das matérias ou dis-
ciplinas da sua base social comum-kpériência humana é
pitiiPação das fases culturais-histórl'cas do mesmo. Se*& de@o- válido especialmente para a geografia e a história, que resumem
crática, enfim, não reservada a classes privilegadas;. mas -iiem
a experiência da humanidade no espaço e no tempo; bem co-
por . f s y estreitamente @dividualista, e sim comunit&ia,i no mo para as ciências físicas ou naturais, que são o resultado
senfido da participação edquanto põssív'el extensa dos 'interesses lógico e cognitivo da luta dos hoqoens para controlar o am-
do p p o por todos os respectivos membros e , da interaçãp biente cósmico e assim fazer progredu a sociedade (caps.
tre-.os.Vá~os-ggpos -(iaps, VIII-XW) .
Ii
-1.
6 . Com respeito ao valor educativo das várias matérias de
5. Quais, agora, os objetivos (h) concretos e peculiar- ensino ou disciplinas, existe também a distinção pedagógica em
mente acentuados em que, se traduz esse fim (end) glob&l de valores estéticos e utilitários, intelectuais e prdticos, naturalisti-
educação social-democrática? Em primeiro lugar, tais ebjeti- cos e humani'sticos, culturais e profissionais. Entretanto, como
vos devem ser projete inteligentemente concebidos e exemita- as disciplinas são correlativas, assim também não podem ser
dos; portanto, não rigidamente impostos de fora, de. modo a mutuamente exclusivos os sobreditos valores pedagógicos. As
tomar impossível .a livre escolha e experimentação de meios belas letras e artes, por exemplo, têm incontestável valor esté
e resultados adequados e desejáveis Além disso, não devem tico; mas este não lhes é exclusivamente próprio. Para quem
ser objetivos unilaterais. e confjitantes, mas organicamente co- a estuda ou ensina com admiração e aprwo, qualquer matéria
desenvolvimento das apti- pode revestir-se de valor estético. Do mesmo modo, não há
al devem .ser objetivos co- conhecimentos teóricos ou "intelectuais" sem nenhum valor prá-
e, reciprocamente, esta tico, nem disciplinas científico-naturais sem valor humanista
a se. não implica cultura ou social, nem matérias culturais sem valor profissional, e re-
dóes naturais. Do mes- ciprocamente. A distinção dos valores educativos, segundo
mo modo, a experiência, ou experimentação, deve ser. meto- Dewey, não é de modo nenhum absoluta ou intrínseca, mas
diamente, guiada pelo pensamento lógico; do contrário, é feita relativa e extrínseca, devida a situações e fatores históricos e
H t o a , - sem reflexão inteligente, sem coerência, nem validade sociais (cap. XIX, resumo).
~bgnitiva~ fiem utilidade -social. (Pmisso -Dewey escreveu o O primeiro de tais fatores é a organização da antiga so-
!i% :Como @ <
pensamos.) ciedade helênica, em que havia a classe dos senhores, donos

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exclusivos do lazer, além da classe dos escravos, adstritos uni- problemasda oposição :entre espírito e matiia, conhechmo
camente aos.trabalhos corporais. Por certo, aos senhores.h- e .realidade, experiência consciente e natureza. física, liberdade
cumbiam as ati.vidades políticas e militares, que em : vez . de individual.e obrigação.:somal, etc. .Q quersforçou, em ,pedi-
laier Ihes davam muito que fazer no serviço da pátria. Mas gogia, a oposição entre os valores educativos. Esse falso iadi-
essas ocupações ou-profissões eram consideradas "liberais", ou vidu-smo, com' as suas. péssima$ .~onseqiiênciaspecbgógicaa,
pr6prias de cidadãos ou.homens livres; por oposição às ocupa- dexe ser superado pelo verdadeiro :individualismo,, que. sabe
ções ou profissões chamadas "servis", por serem geralmente conciliar mat.6ria e espírito, :homem .e- natureza, lib,erdade h-
relegadas aos escravos. Donde já se vê que entre o. valor es- dividuai e progmesso social. Mas isso exige uma filosofia, ade-
tético e o utilitário, entreo cultural e o profissional, não há. quada, que seja, ao mesmo tempo,.-teoria. geral da . gemina
qualquer distinção absoluta ou intrínseca, mas só relativa a kducação social democ&tica . (caps: XW-XXIII) .' .. '..c.
circunstâncias históricas extrínsecas. Em sociedade genuina- .. . . . ..~- .
mente democrática, aliás, todas as. profissões são consideradas .. 7. Como todo pensamento,. a Ilosofia viSa a resolv~rsi-
igualmente valiosas ou dignas, por serem todas serviços sociais tu'kqões perplqxas 'bferecidas pela experiência, por definição do
competentes, necessários e úteis h comunidade humana. N e pioblema, formação, di&ussão e experimeitação das hip6teses
& u n a profissão dispensa por completo o trabalho corpóreo, e d e solução. 'Objeto próprio .do pensamento filosófi. s@oas
todas merecem a recompensa estética do lazer. Daí ser aceitá- situações 'perplexas e problemáticas.da experiência social,' como
vel a chamada profissionalização do ensino, contanto que não sejam as oposições ou conflitos entre interesses e a s p i r a e s de
seja puramente tecniçista, mecanizadora, desumanizante ou dis- giligas. E, como o único meio de rewlver' tais oposiç&&:é a
socializadora (cap. .XXIII, resumo). modiiicação-das disposições emocionais e intelectuais poz-meio
Outro fator histórico, explicativo da separação entre o .de educação apropriada, segue-se quea filosofia é, a teoria pien-
valor naturalístico e o humanistico, é devido, em parte, a6 con- t a d ~ r ada
. prgti~a.educativa ~&!ibe~ada .em yista da re&a,ç.ão
ceito de "experiência" na antiga Grécia, onde a experiência sig- de. %a. sociedade.Ideveras democrática
~
, . . . . . .

nificava "empeiria" rotineirã e desprovida de ciência técnica; Como &noi, a sociedade democrática^ genuIna é carade-
e, em parte, ao humanismo esteticista do Renascimento, consi- iizada pela maior participação posslvel dos indivíduos na'ex-
derando qs letras e artes antigas mais refinadas e humanas do
que as letras e artes medievais e modernas. Donde resultou a
discriminação axiológica entre os estudos científico-naturais e
- periência do g ~ e opela maior interação possível entre a s
v4rios grupos. Por defhição, tal sociedade rejeita todas as
divisõesou oposigões tendentes a solar pessoas ou grupos, de
os estudos humanisticos, literários, filosóficos e histórico-so- modo a tornar-lhes o conhecimento unilateral, e a conduta
ciais. Mas essa discriminação axklógica foi superada pelo mòral disctiminatória e injusta. Daí vem que a sociedade in-
conceito moderno e contempor8nw de "experiência" como ex- tegralmente.democráticadeve abandonar todas as filosofias que,
perimentação científica, levando a conhecimentos metodicamen- . inspirddas 'em divisões socíais isolantes, propõem teorias @o-
te comprovados. Nesses terimos, a manipulação. do mundo fí-
sico já não permite simples rotina empírica, mas adquire a
.. siológicas e éticas tecnicamente chamadas "dualistas", por cau-
. .
.. sa-das dicotomias sepâratistas que estabelecem entre matéria e
dignidade de ciência voltada para o controle da natureza, não espírito, espírito e mundo exterior, experiência consciente e .
para servir interesses de classe, mas para promover o prog'res-
~ ~
natureza física, indivíduo e sociedade,. etc. A filosofia deveras
sivo bem-egar de toda a-comunidade humana. , democrática deve ser a da continuidade intrínseca ou absoluta
O último fator histórico da discriminação dos valores edu- entre esses vários elementos separados ou isolados pelo dualis-
cativos é a própria filosofia, mormente a moderna, marcada mo fiiosófico. P u a ela, tanto o conhecimenta como a conduta
pelo individualismo estreito, isolando o espírito do sujeito hu- mord são intrinsecamente experimentais, pois .é pela experi-
mano, não s ó do próprio corpo, mas até da natureza física, Jiientaçãq,.. como atividade participada,. que a . sociedade pro-
bem como da convivência humana. Donde surgiram os pseudo- &d.ela-saaquisição de conhecimentos objetivamente válidos e
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que os indivlduos se vão soCializando ou tomando universal- i. . claro, ,em Fr. De Hovre, -Ensaio d e filosofia pedagógica, tradw
mente humanos. Tal é, em resumo, a doutrina exRosta em @O de ,=h e.2 J. B. Damasco Penna (Ed. Naciona1,São Paulo,
Democracia e educação (cf. caps. XXN-XXVI). . . . . -. . * vól. 95 tiesta~.!f~rt~alidades .Pedag6gicasnj 1969).
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. 8. Enquanto esse livro é uma sociologia fiosófica da D,e .D.emo~~:w'a e~e&c?ção, existe. um,qmentário ~ p g ~ b
.; ' . ,'
. educaç-, Como pensamos oferece uma 16gie'ti pedag6gica: 'As- C ..-. do, e4.p~sitiv~ie.crftico,,,de .?&toda do WÓwfp:nox@.+c,ano,
sunto básico desta última é a análise do ptowsso real, -e não : idealista. e hegefiano,.Hem-an p a w l Home, .com ,otítulo de
puramente formal, do pensamento "reflexivo" -ou correto, l e .:
. . A filpfichdP e$wc$ç&:~ob~.Q p q t o d e ~ v k t@-4ti~,
~: tra-
vándo a wnhec@enfos metódica e criticamente VedficadoS, pàr
. ~ %
du4do. por ;Adplphp.B&er (Ed, S d y p , . S,&i.?aiJo, 1938).
oposição ao pensamento irrefletido e incorreto, levando a posi- Em Q poderide &ucaçao,: de 'Uwdore B~qeLd,,traduzido, por
. ções precipitadas, dogmáticas, acríticas. Desy Fé& $qnseoa, egc?pt~a-se.4aqb&n+giq çgtica aa ? p p .
gressismo antifmalbta e antropocêntrico de Dewey (Zahar .H.,
No processo. do pensamento reflexivo,. Dewey distingue Rio, 1967, p. 95-96), De;toga a losofia, p ~ ~ ~ ,dey.eya7
~ g i ~ .
cinco fases, nija seqüência,. por sinal, 'iião é ríAda: 1)' ?ib%$Go . . na, inclyindo-lhe a s raizes biogáfico-e$stinfiait:. e os' postula-
dos filosóficos gerais, apresenta exppição-e; . ~ c ~ c ~ m ~ v c i o s a ,
predsa e..ccincis.a, o livro de Isabel Mo~.c&+omhp, Cor
nhecimento, valores e educação em John Dewey. (Ed. pioneira,
SãorPaulo, 1974). Da 16gica e gnosiologia emphjpta,de:Dewey,
...
lêem-se crítica e apreciação interessantes em Miguel Reale, Ex-
a única coerente; 5) verificação ex- i" periência e cultura (Ed. Grijalbo-Edusp, 1977, cap. iIi, 8 2).
ão exterior) da única hipótese com- Da idéia. de verdade, pragmatista e experimentalista, h6 expasi-
al que deyeciàmsegdt as aulas $16 e6rltica'~suCintae cerrada em Ruy Afonso da Costa Nunes,
alunos e do 'professor, este 61- A idéia de verdade e a educação (Ed. Convívio, São Paulo,
sim&s aprendiz, mas como ..,
.'i
. . ] 1978, cap. VI). Finalmente, há 'uma crítica interessante e i m -
a pd'ilhada por todo o gm- plícita ao indutivismo empinsta na lógica e na, teoria da apren-
a não seria completamente diiagem deweyanas, bem como ao antidogmatismo radical e
ecer ao8 *os as %for-
eles por. si mesmos não
8.- .
.i progrissista de Oewey, em Karl Popper, Lógica dn pesquisa
. científica (Ed. Cultrix-Edusp, 1975) e Autobiografia intelectual
as hsuge8tã.o das idéias - (Ed. Cultrix-Edusp, 1977, $ 5 10-20), ambas traduções de Le6-
i deveriam 'ser logica- %idasHegenberg e Octanny Silveira da Motta.
erimentadas em co-
10. Por Último, de salientar a oportunidade
da -edição destas duas obras de John Dewey, sempre muito
influente nos meios pedagógicos. Por certo, atualmente, já não
.. 9. Até aqui, a exposição da doutrina de Dewéy nas duas
tem o eminente pensador norte-americano o cartaz que tinha
obras sobreditas. R o que nos cabia nesta sucinta introduça* no Brasil, nas décadas de 1930 a 1950. Para os madstas mi-
sem entrarmos na crítica do pensamento deweyano. Entretan-
litantes, o socialismo dele não passa de pragmatismo burguês,
to, ag leitor desejoso de estudar essas obres com ponderação cientificista, individualista e utilitário Para os cristãos, mor-
,gItioa, achamos conveniente indicar as seguintes fontes, todas mente os católicos, a sociedade democrática por ele concebida
elas publicadas em português. não é integralmente humana, porque repudia no homem a ten-
Sobre.Dewey como filósofo e pedagogista reformador, há dência natural para o Ser, o Viver e o Valor Infinito, sem p
qual a contfnua reconstrução da experiência humana fica de&

..
nitivamente sem sentido adequado às aspirações do homem.
Apesar de todas essas censuras, é inegável em Dewey o intuito
de promover entre os homens a grande comunidade fraternal,
para além do individualismo egoísta e lihertário, bem como do
comunismo coativo e totalitário. Foi esse intuito sincero que
Ihe inspirou muitasidéias e recomendações intrinsecamente va- . . .
. .
liosas e duradouramente atuais, como sejam estas duas: 1) não Reputo a versão em língha portt6gi6esa deste ' grande
há democracia autêntica sem indivíduos mentalmente capazes livro de JOHNDEWEY- o seu nwlhor livro sobre educação,
de colaborar para o bem comum e de mudar as estruturas so- na opinfãodo próprio autor - co& urna inesfimásel contri-
ciais, 'não introduzindo confusão ou desordem; 2) nem há d e .~ . . .
buicão à cultura ~oP:$ar brasil~&.'
mocracia genuína sem educação do pensamento reflexivo, capaz .N a justificidii e'e.i$licá*el confusão de p&sant.ento, enz
.
de discussão objetiva' e prova experimental, avesso ao debate '
que se encontra o pais,confusão que é. azcmentnda Pela arregi-
emocional, à precipitação confusionista e 3. mania de improvisa- wcntação que se vé~'c~Ltinra&nterealizalido de quanto dognw-
ção. São essas duas idéias que encarecidamente propomos à tisnro serôdzo 'se incoitra,para lt~tar,pov&se meio Inoperante,
benevolente reflexão de todos os patriotas brasileiros,.mormen- contraa própna perplexidade ambiente - não sei de li&o
te os jovens, sinceramente empenhados em instaurar neste. Brasil ntais sal11tar e ninis prmiiissor. Com efetto, o leitor encontrará
uma comunidade realmente democrática, fraternal e integral-
mente humana.
nas suas páginas a rarelagõo - e nada menos é preciso para
. .. '. . o Brasil, hoje - do que é a delnocraci& e dos nteios de rea-
. . '
~-

lizá-la. A teoria, sidnplista e tão largamente utilixada e explo-


.: São .Paulo, maio de 1979. ,
rada pelos s&s inimigos, de que a democracia é %era forma
Leon de, gowerno e for& de governo que falhou ou vem falhando,
fica i~~teiramente destruida com a compreensão ampla e pro-
. . .~
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funda qce nos transmite DEWEYda verdadeira denwcracia.
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Mds, não t só. A obra de DEWEYé a miF sólida e a
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~lzaisconHncente das reivindicações do pensanzento moderno,
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., !' ~."... . no sentido de demonstrar a sua inalterável continuidade com
todo o pensantento da humanidade e a stta vigorosa rapacidade
.
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de restaurar e revitalizar todos os valores morais e espirituais


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iitdispensáveis à vida do homem.
Tanto vale dizer que a sua obra k obra de conciliação
e de-síntese e não de d i h ã o ou combafe. A confusão de
: ,". . . ....,
..-
. .r, . . . pensamento a que aludimos é sobretudo originária de unla
.~ . inacr~editái.el fragntentação da cnl0ura. Essa' fragmentação
. >... é, por sua vez, proveniente da penetração, cada vez mais
impetuosa, de fórmulas novas de pensamento nas .vell~as
. . fórmulas herdadas de outras idades. Enquanto foi possivel
. .. conservaremse isoladas e limitadas essas novas contribuições
e, por esse meio, guardar e acautelar os moldes amados e
adn&'ados da velha cz~lturamoral e espiritual, o equilibrio foi
. 9nantido. T e r n p ~chegoih, porém, enc que. &o era mois fios-
dveE persistir tal rcgimc de transigência e pus condicional.
Sobrareio, então, a confusão moderna e, para curá-la, os

. ~
-7

remédios violentos e antagônicos. .Restauração do velho pen- cessidade de clareza e coerência, tão aumentada f k a a res-
samento, harmonioso e adequado nas idades a que s e m ' ~ ,ma$ ponsabilidade da educação nesses periodos de crise intekctual.
ineficaz, insrrficisnte e , contraditório nos dias de hoje; ou Da4 provém a mair importãncia deste livro fira OS educodores
imposição imediata de uma nova ordem, totalmente novB) com -nacionais. Muitas das idéiac aí expostas são familiares ao
valoies novos e novasinstifhições. O diagnóstito do erro de meio pedagógico brasileiro, mas creio poder dizer que'nenhum
ambas as soluções é fácil. de fazer: só a golpes de espada outro livro em .bortrrgwês, Presentemente, poderá, como este,
pode qualpuer delasser, não digo cumprida,
. . mas simplesmente contribuir para explicar a origem e o alcance dessas idéias, os
tentada. seus corolórios e consegiiências, bem como o seu lugar no
A o i»yés .disso, o que urge é um estudo d v condtções contexto geral do pensamento humano.
atuais e dos. desajustamentos atucis, pqa',traçar o programa E um iratodo de educação que, sob dbersos aspectos;
da reconstrução i@isp.ensável ò integraçilo do presente estado representa uma suma moderna dos conhèOmentos pedagó-
de coisas. Nem restauração da passado nem imposição de
um futuro ainda ine~istente. Mas, rwigoração de tudo - do
gicos. Nem outra é mesmo a ma Itenção profunda, com-
preendendo como compreende DEWEYa filosofia como a inves-
tigação e a descoberta das soluções dos conflitos, antiteses,
-
passado que ainda for citil e operante e readaptacão d e tudo
que for novo e eficaz, em uma contextura que não será inte- antagonismos e perplexidades que atormentam o espírito em ,
gralmente nova senáo porque será integralmente viva e cada momento da história.
orptnica. . DEWEYé, hoje, considerado no mundo como o filósofo
E essa obra de anhlise, de balanço e de equillbrio que do democracia. Coube a ele desenvolver em todas as suas
DEWEYrealiza magistralmente. N a superfície acidentada do possibilidades e conseqiiências o ideal democrbtico, e m face ,
pensamento contemporâneo, ele é um restaurador de unidade. das condições modernas da c i h a e do mundo. Não se trata
de uma expo5ção acidental e pr&Ória, mos da anólise das
O vigor e a frescura de seu pensa?ngn,tp jêtn a atrarüo suas prermisas definitivas e da descoberfo do método ade-
e o ímpeto qzce. caracterieak as reais contnbuiçóes da lnteli- quado de lidar com os seus problemas e as suis dificuldadi?~.
gêncio; N e m especiosidade, nem simplifiqções excessivas. 3 O Capítulo de Educação, qw não faltou o nenhuma
Nada dessa aparência miraculosa de certas mistificações, dou- grandes filosofias operantes que já teve a humanidade, e
trinárias contemporâneas. Poucos pensamentos estão alicer- que também não faltou d fitosofia de JQHN DE^, é o que
gados em u.vt tão sólido bom senso e tão ina(teráve1equilibrio. é dado hoje, ao público brasiIeiro, neste l h o fundamental.
DEWEY se filia, por esse modo, à grande linhagem de pensadores Resta, tão-sonrente, flcentlcor que, nascido no solo ame-
que não vêm acrescentar aos conflitos e dr divisões entre os ricano, fi[iBdo hF mais legitimas fontes de seu pensamento c
homens, mas revelar a possível conciliqfio de suas querelas, odstrito ds condições de vida do continente, temos o dirkto
desde que desejem elevar-se u m pouco mais adiante dos seus de considerar nossa essa vigorosa e sadia fwmubção dos novos
interrsses iniediotos. Não é demais insistir no caráter conci- ideais humanos. O legitimo e largo hnmanismo que se plantou
liante e reintegrndor do pensamento dezzeyano, sobretudo em nas terras novas e no novo clima social deste continente nEo
momento, como o nosso, em que a maior necessidade nacional tem maior iniérpreie nem maior professor do grcc o autor
é a de uma nova síntese para pacificar e dirigir os espiritos deste limo.
em perturbação. Possa o trabalho+aqui traduzido contn'h~irpara dar sen-
S e assim é em relação 6 cultura geral, o que não dizer iido e direcão dr nossas próprias perplexidades, como está
em relação à ncltura pedagógica, e m particular? contribuindo e tem contrihído, nos demais pakes americanos
Se, por um lado, a educação nada mais é que u m campo e em quase todo o mundo ocidental, para orientar o pensamento
de aplicação dos princípios e fórmulas da cultura geral, por e a acüo dos seus educadores.
outro lado nóo é menos verdade que se essa cultura geral A ~ f s r oTEIXEIU
se. faz confusa, perplexa e contraditória, em nenhum outro
lagar se torna mais indispensáveJ, por isso mesmo, a ne- São Paulo, 15 de janeiro de 1936.
PREFACIO DA 1 ." EDIÇAO

Este livro é um esforço para penetrar e definir as idéias


implícitas em uma sociedade democrática e para aplicá-las aos
problemas da educação. A exposição inclui a indicação dos
fins e métodos construtivos da educação pública, encarados
desse ponto de vista, e ainda uma crítica das teorias 'do conhe-
cimento e da moral, formuladas em condi~õessociais primiti-
vas e que continuam a atuar nas sociedades nominalmente
democráticas, obstando a realização adequada do. ideal de-
mocrático.
Como se verá, a filosofia exposta nas páginas deste
livro mostra o desenvolvimento democrático em suas rela-
ções com o desenvolvimento do método experimental nas
ciências, das idéias de evolução nas ciências biológicas e com
a reorganizaqão industrial - e analisa as mudanças de matéria
e método na educação que esses dkienvolvimentos determinam.
Testemunho o meu profundo reconhecimento ao DR.
GOODSELL do Teachers College pelas criticas que fez ao li-
vro, ainda em original; ao Professor KILPATRICK,do mesmo
instituto, por.criticas e sugestões em relação à ordem dos tó-
picos, de que largamente me utilizei; e a Miss ELSIE RIPLEY
, CLAPPpor muitãs críticas e sugestões. Aos dois primeiros
mdicados, também pelo trabalho de revisão das provas. Além
desses, sinto-me grandemente em dívida para com uma série
extensa de estudantes, cujas sucessivas turmas se distribuíram
por mais anos do que os que desejo enumerar.
, .
J. D.

Universidade de Colúmbia, Nova Iorque


CAPITULO 1

A rducaçno como necessidade da vida

1. A renovação da vida pela transmissão. - A mais


notável distinção entre seres vivos e inanimados é que os
primeiros se conservam pela renovação. Ao receber uma
pancada, a pedra opõe resistência. Se a resistência for maior
do que a força da pancada, ela exteriormente não apresentará
mudança; no caso contrário se partirá em fragmentos menores
que ela. A pedra nunca procura reagir de modo a defender-se
contra a pancada e muito menos a tornar a dita pancada um
fator que contribua para a própria continuidade de sua ação.
Quanto à coisa viva, pode ser facilmente esmagada por uma
força superior, mas jamais deixa de tentar converter as
energias, que sobre ela atuam, em elementos favoráveis a sua
existência ulterior. Se não o consegue, não se fragmenta em
pedaços menores (pelo menos nas mais elevadas formas da
vida), mas perde sua identidade como coisa viva.
Durante toda a sua duração, ela esforça-se por tirar
proveito das energias que a cercam. Utiliza-se da luz, do ar,
da umidade e das matérias do solo. Dizer que as utiliza,
importa em reconhecer que as transforma em meios para sua
própria conservação. Enquanto se acha a crescer, a energia
que despende para tirar vantagens do ambiente é mais que
compensada pelo que obtém: ela cresce. Poderemos dizer
que um ser vivo é aquele que domina e regula em beneficio
de sua atividade incessante as energias que de outro modo o
destruiriam. A vida é um processo que se renova a si mesmo
por intermédio da ação sobre o meio ambiente.
E m todas as formas elevadas de vida este processo não
pode continuar-se indefinidamente. Após algum tempo elas
sucumbem: morrem. A criatura não é apta para o trabalho
de uma indefinida auto-renovação. Mas a continuidade do
processo da vida não depende da promulgação da existência
de nenhum indivíduo. Prossegue, em incessante sequència,
Democracia e educwáo A cdauacão cofizo necessidade da vida
Náo é por viverem em proximidade material que as pes-
seguida no estado selvagem. De fato, os seres humanos novos soas constituem uma sociedade' - e, semelhantemente, ho-
são tão incapazes que, abandonados a si mesmos, sem a direçgo mem algum deixa de ser socialmente influenciado por estar
e o amparo dos mais velhos, nem mesmo adquiririam as habi- muitos palmos o u . quilômetros distanciado dos outros. Um
lidades rudimentares. necessárias ?I existência material., .Com: ,
livro ou uma carta podem estabelecer, entre seres humanos
parados com os filhos de muitos animais inferiores, 0,s seres afastados milhares de quilômetros um do outro, um elo mais
humanos têm tão minguadas aptidões, que a própria .habi- estreito do que o existente entre pessoas sob o mesmo teto.
lidade requerida para a alimentação física precisa ser adquirida 0 s indivíduos, também, não constituem, por outro lado, um
por meio de ensino. Quanto mais no que diz respeito .à aqui- agrupamento social por trabalharem todos para um fim co-
sição das capacidades técnica, artística, científica e moral da mum. As partes de uma máquina funcionam em conjunto
humanidade ! para a obtenção de um resultado comum, mas não formam
por isso uma comunidade. Se, entretanto, todas essas par-
2 . Educação e comunicação. - É em verdade tão fes tivessem conhecimento do fim comum e se interessassem
óbvia a necessidade de ensinar a aprender para a continua- na sua consecugão, regulando, cada qual, com esse fito, sua
ção da existência social, que há de parecer estarmos a repisar atividade especial, constituiriam então uma comunidade. Isto,
. desnecessariamente um lugar-comum. Justificamo-nos, p- porém, envolveria comunicação. Cada qual precisaria saber
rém; com a .circunstância de que, com essa insistência, nos o . que as outras tinham em vista; e precisaria também ter
libertaremos de uma n q ã o imprópria escolástica e formal da meios de conservá-las informadas de seu próprio intento e do
edueago. As: escolas sãoi com efeito, um meio importante andamento de seus trabalhos. Para tal consenso se requer
de transmissão para formar a mentalidade dos imaturos; comunicação.
mas não passam de um ,meio - e, comparadas a outros Somos assim forçados a recoiihecer que, mesmo dentro
agentes, são um meio relativamente superficial. Somente
do grupo humano mais social, existem relações que não são
quando nos capacitamos da necessidade de modos de énsinar ainda. sociais. Grande número de relações em todos os gni-
mais. fundamentais e eficazes é que podemos ficar cePtos de pos sociais ainda se encontram no plano das peças das má-
dár ao ensino-:esclolar seu verdadeiro lugar. quinas. Os indivíduos utilizam-se uns dos outros para obter
3 A sociedade .não 56 continua a existir pela transmissão, resultados desejados, sem atender às disposições emocionais
.%ela lomnqiifidQão, 3b%o também se pode ,perfeitamente dizer e intelectuais e ao consentimeuto'daqueles de quem se ser-
que ela é transmissáo r .é comutiieação. Há mais do que vem. Este uso subentende a superioridade física, ou de po-
um nexo verbal etifte os .termos-comum, comunidade e co- sição, habilidade, aptidão técnica e o domínio mecânico ou
municação. O s homenB V ~ Y &e m , cbmunidide em 'virtude financeiro da apareibagem ou dos instrumentos de trabalho.
das coisas quetêm em comúm; e a eomunicâçãa é .d:meiv por Enquanto estiverem neste pé as relações entre pais e filhos,
que chegam a possuir coisas. comuns. 0 - q u e eles -4eYern professores e alunos, patròes e empregados, governantes e
ter em comúm para formar urfla.' comunidade ou 'sodedade governados, não' formarão eles verdadeiro grupo social, por
.%&o os objetivos, as crenças, a* ,aspirações, os conhecimentos mais estreitamente que se toquem suas respectivas atividades.
. %- um modo: comum de conipreendéí - mentalidade similar,
'
Dar e receber ordens modifica a atividade e seus efeitos, mas
+conforme dizem os sociólogo^. Não &podem transmitir fi- por si mesmo não constitui uma co-participação de escopos e
tfsicarilente tais coisas de uma a.out.faapessoa, do modo como s e comuni~caçãode interesses.
4~gãssaintijolos de mão em mão; tifio's& podem dividir, como Não só a vida social se identifica com a comunicação de
. $-e,pfie um bolo em pedaços materiais. Para a comunicação interesses, como também toda a comunicação (e, por con-
assegurar a partkipação e.m uma compreensão comum, neces- seguinte, 'toda a genuína vida social) é educativa. Receber
~tsitaráassegurar análogas. disposições emotivas e intelectuais a comunicação é adquirir experiência mais ampla e mais
.-
T isto é, modos análogos de reagir em face de uma atividade
~

variada. Participa-se assim do que outrem pensou ou sentiu


,.$emperspectiva e dos meios de realizá-la.
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. -
.? .>*~,...'::.'. ,.; -- .: ..
:
a'
' i . .: , . ..., _. . , ~
D s m o ~ a c i a e educagão A educação como necessidade da vida

e, como resultado, se modificará uin pouco ou muito a própria . mas não é o motivo expresso da associação. Pode-se, s-
atitude. E deste efeito não fica também imune aquele que tretanto, dizer, sem exagero, que a medida do valor de q ~ l -
comunica. Tentai comunicar plena e cuidadosamente a outra quer instituiqáo social, econdmica, .domé.ca, politica, legal e
pessoa vossa experiência pessoal, prh~ipalmente em se tra- religiosa está em sua capacidade ,de aamplificat e.:aperfei-
tando de algo complicado, que notareis mudar-se vossa pró- çoar a experiência, embora essa capacidade não.faia. $irte
pria atitude para com a referida experiência: a não ser que d e seu motivo originário, que eta mais' restrito e'mais ,+e-
tenhais recortida a mera verbiagem bombástica. É mister, diatamente prático. As associações reiiiiosas começaram,
com efeito, que se formule a experiência para que seja comu- por exemplo, pelo desejo de garantir-se ú favor das potes-
nicada. Esta formulação requer colocarmo-nos fora da mesma,
vê-la como outra pessoa a veria, obseryarem-se os pontas de
tades supiriores e de preservar-se dos maus influxos; a +&
familiar, pelo desejo de saciar apetites-e assegurar a p r -
eontacto que ela tenha com a expeiiib& pessoal da pessoa a petuidade da famíiia: o trabalho sistemStico, em sua maior
'

quem vai ser comunicada, + f im de ser apresentada em tal parte, pela escravlzação a .outras pessoas; etc. Só lentamente
forma, que a di@. pessoa lhe apreenda significação. A não fòi notado o subproduto da institui~áo, seu efeito sobre a
sef que se trate de lugares-comuns, precisamos conhecer, ima- qua1ídad.e e a extexisão da vida consciente e maislentamente
ginando-a, a experiência de outras pesgoas, para compreensi- ainda este efeito foi considerado como elemento orientador
velmente lhe falarmos sobre nossa própfla experiência. Toda do funcionamento da instituição. Mesmo hoje, em nossa-vida
a comunicação é semelhante A arte. Por conseqüência, pode-se industrial, exceto quanto a algum metecimenta na formação
perfeitamente dizer que, para aqgeles que dela participam, de hábitos de diligência e de econonlia, pouca atenção é dada
toda a prática social que seja vitalmente social ou vitalmente em todo o mundo às reações inteieduais e emocionais provo-
compartilhada é por sua natureza educativa. Só quando lan- çadas pelas formas de associaqãopor que se conduz o trabalho
cada em um molde e tomada rotineira é que perde seu valor moderno, comparadas c0m.a at'enqão merecida pela pradução
educativo. material. . .
Em resumo - não somente a vida social exige o ensino Mas, lidando-se com os mais novos, o fafoassociativo
e o aprendizado para sua própria continuação. coma tamhém aumenta de importáncia como fato humano. Se é fácil igno-
por si mesma é ela educativa. Amplia e -ilumina a expercnncia; rarmos, em nosso contacto com eles, o efeito de nossos atos
estimula e enriquece a imaginação; gera o senfimento da res- $obre seu espírito, ou subordinar esse efeito educativo0 a
ponsahilidade. obrigando-nos a falar e a pensar com cuidado 'xlgum resultado externo e tangível, já não o é tanto quanto
e exatidão. Um homem que realmente vivesse só (mental ou ao se tratar com os adultos. evidente a necessidade. de
fisicamente) poucas ou nenhumas ocasifies teria vaia refletir educar; demasiado urgente a necessidade de efetuar uma mu-
sohre siia experiêncil passada ou pat'a extrair-lhe a clara dança em sua atitude e seus hábitos para que se possa deixar
sipificacáo. A designaldade de eficiência dos adultos e dos de levar em conta as conseqüências. Desde que, em relação
novos nBo só exige que se ensine a estes, como também a a eles, nosso fim primacial é habilitá-los a participar da vida
necessidade deste ensino é um poderoso estímulo par6 dar à em comum, não podemos deixar de examinar se estamos ou
experiêtícia ordem e fonna que a tome mais £&mente não criando as apti65es que garantirão esse resultado. Se a
transmissível e, conseguintemente, mais utilizável. humanidade progrediu alguma coisa compreendendo que o ver-
. dadeiro valor de toda a instituição é seu efeito caracterbtica-
3. O papel da educacão formal. - Existe. por- mente humano - seu efeito sobre a experiência mnsciente - .
tanto. diferença bem acentuada entre a educação que se podemos acreditar que esta lição foi, em grande parte, apren-
granieia a conviver com outras pessoas -
enquanto verdadei-
ramente se convive, em vez de continuar-se apenas a viver
dida ao contacto com os jovens.
Somos assim levados a distinguir, dentro do vasto pro-
juntos - e a educação intencional dos mais novos. No cesso educacional que vimos considerando, uma espécie mais
primeiro oaso a educação 6 casual; é natural e importante, formal de educação - a do ensino dueto ou escolar. Nos
A slducagüo como flecessidode da vida

grupos sociais não evoluídos encontramos muito pouco ensiao formal, ao contrário*se toma facilmente coisa distante e morta
e adestramento formais. Para incutir nos mais novos as dis- - abstrata e livresca, para empregarmos as palavras pejm-
posições neces&ia$ os póvos selvagens contam principalmente tivae habituais. Os conhecimentos anunulados das socieda-
cum os mesmos tipos de associação capazes de manter os des inferiores são, pelo menos, postos em prática; tornaram-
adultos fiéis ii sua agremiação. Não usam artificios especiais, se-lhes feiçóes características; eaistem com a profundidade de
ou materiais, ou institutos de ensino, a não ser os que se significação que se prende a seu emprego nas urgentes n+
prendem às cerimônias de iniciação por meio das quais os cessidades de mda dia.
jovens se tornam plenamente mernbros da comunidade. Em Mas, em uma cultura adiankida, muito do que se tem
quase tudo eles contam com que os pequenos aprendam os de aprender se encontra armazenado em simboles. Achamo-
costumes dos adultos, adquirindo seu potencial de emcqóea nos longe, entso, de sua aplicação a atos e objetos. Bsse
e seu lastro de idéias, participando .daquilo que os mais velhos material é relativamente téallco e superficial. Tomando como
fazem. Esta participação $ em parte, direta, qssociando-se iis craveira o tipo ordinário da realidade, è artificial também.
ocupações dos adultos, o que Ihes serye de aprendiado, e 6, Pois a verdadeira craveua de valor é a conexão com os inte-
em parte, indireta, ,poí meio dos brinquedos - dramatizaçóes resses práticos. Existem em um mundo à parte, não @si-
em que os meninos imitam os atos das mais velhos, apren- d a d o aos modos ordinários de reflexão e realização. O
dendo assim a saber o que signifieam. Pareceria absurdo aos perigo permanente, portanto, é que o cabedal da instrução
selvagens resewarem algum lugar onde se cuidasse unicamente formal se torne exdusivamente a matéria do ensino nas esco-
de ensinar e aprender. las, isolado das coisas de nossa experiência, na vida prática.
. Mas, ii medi& que a civilização progride, aumenta a Podem, assim, perder-se de vista os interesses permanentes
diferenqa entre a capacidade dos mais novos e os interesses da sociehde. A preemin&nciaé dada, nas escolas, exatamente
dos adultos. Toma-se cada vez mais difícil aprender toman- a conhecimentos que não & aplicados à estmtura da vida
do parte $reta na atividade dos mais velhos, salvo M caso social e ficam em grande parte como matéria de informação
de ocupacões muito elementares. Muito daquilo que os adulros têcnica expressa em simbolos. Por esta forma chegamos h
fazem toma-se-lhes tão renmto em significação, que os b&- no@o ordinária de educação: a no&o que ignora sua neces-
quedos-dramatizagóes se mostram cada vez mais inadequados sidade social e sua identificação com toda a associação humana
para reproduzir-ihes o sentido. A aptidão para participar que influa na vida consciente e que a identifica, ao contrário,
cfi~lmienteda atividade dos adultos dependerá, por isso, de som a aqnisiçãa de conhecimentos sobre matérias de interesse
uma preparação anterior, na qual se tenha em vista esse fim. remoto e com a transmissão do saber por meio de sinais ver-
Surgem então 06 fatores especiais - as escolas - e a matdria bais: a aquisição de letras.
determinada - os estudos. A tarefa de ensinar certas coisas Por essa razáo, um dos mais ponderosos problemas
é cometida a um nhnero especial de pessoas. com que a filosofia & educação tem de arcar é o modo de
Sem essa educação formal é impossível a transmissão de conservar conveniente equilíbrio entre os métodos de educa-
todos os recursos e conquistas de uma sociedade complexa. ção não formais e os formais, e entre os casuais e os inten-
Ela abre, além disso, caminho a uma espécie de experiênja cionais. Quando a aquisição de conhecimentos e a aptidão
que não seria acessível aos mais novos, se estes tivessem de intelectual técnica não influem para criar uma atitude mental
apgqpder associando-se livremente com outras pessoas, desde social, a experiência vital ordinária deixa de ganhar maior
GeJivros e símbolos do conhecimenro têm que ser aprendidos. significação, ao passo que, na mesma proporção, o ensino
Mas há grandes perigos nesta transição da educação in- escolar cria homens meramente "eruditos", isto é, especialistas
direta à f o r d Tomar parte em atos reais, quer direta- egoístas. Evitar uma separação entre aquilo que os homens
mente, quer simuladamente nos jogos, é coisa, pelo menos, sabem conscientemente par tê-lo aprendido por meio de uma
peo,wal e interessante. Estas qualidades compensam, até certo educação especial, e aquilo que inconscientemente sabem por
ptitO, a escassez de oportunidades aprweitáveis. A eduia$ão tê-lo absonldo na formação de seu cadter mediante suas re-
Democr&a e educação

laçóes com outros homens, torna-se tarefa cada vez mais melin-
drosa B proporção que se desenvolve, especializadamente, o
ensino.

Resumo. - B da própria essência da vida a luta para


se continuar a viver. Uma vez que esta continuação só pode
ser assegurada por meio de constante renovação, é a vida
um processo de auto-renovação. A educação é para a vida
social aquilo que a nutrição e a reprodução são para a vida
fisiológica. A educação consiste primariamente na transmis-
são por meio da comunicação. A comunicação é Q processo
da participaqão da experiência para que se torne patrimôuio
comum. Ela modifica a disposição mental das duas partes
associadas. Fato que mais facilmente se reconhece em se tra-
tando com os imaturos, é que a importância de todos os modos
de agremiaçáo humana está na proporção com que ela con-
tribii para a melhoria da qualidade da experiência. Fi o
mesmo que dizer-se que, embora toda a organização social
produza efeito educativo, esse efeito começa a tornar-se parte
importante dos fins sociais, quando se tem em vista a associa-
ção dos elementos mais velhos com os mais novos. A pro-
porção que a sociedade se torna mais complexa em estrutura
e recursos, aumenta a necessidade do ensino e aprendizado
formais ou intencionais. E quando progridem o ensino e
aprendizado formais, surge o perigo de criar-se indesejável se-
paração entre a experiéncia adquirida em associações mais di-
retas e a adquirida nas escolas. Este perigo nunca foi maior
do que nos tempos atuais, em vista do rápido desenvolvimento,
nos últimos poucos séculos, dos conhecimentos e espécies de
aptidões técnicas.
10 Dew~ocracia e educaçáo

lações com outros homens, torna-se tarefa cada vez mais melin-
drosa à proporção que se desenvolve, especializadamente, o
ensino.

Resumo. - É da própria essência da vida a Inta para


se continuar a viver. Uma vez que esta continuação só pode CAPÍTULO 2
ser assegurada por meio de constante renovação. é a vida
um processo de auto-renovação. A educação é para a vida A edzccação conzo fzl~zção social
social aquilo que a nutrição e a reprodução são para a vida
fisiológica. A educação consiste primariamente na transmis-
são por meio da comunicação. A comunicação é o processo 1 . Natureza e significação do meio. - Já vimos que
da participação da experiência para que se torne patrimônio uma comunidade ou grupo social se mantém por unia con-
comum. Ela modifica a disposição mental das duas partes tinua auto-renovação e que esta renovação se efetua por meio
associadas. Fato que mais facilmente se reconhece em se tra- do crescimento educativo dos componentes imaturos do grupo.
tando com os imaturos, é que a importância de todos os modos Mediante vários fatores não intencionais ou voluntários, uma
de agremia~ãohumana está na proporfão com que ela con- sociedade transforma seus elementos não iniciados e aparen-
tribii para a melhoria da qualidade da experiência. É o temente estranhos em ativos depositários de seus recursos e
mesmo que dizer-se que, embora toda a organização social ideais. A educação é, portanto, uma incentivaçáo, um ali-
produza efeito educativo, esse efeito começa a tornar-se parte mento, um cultivo. Todas essas palavras subentendem ateu-
importante dos fins sociais, quando se tem em vista a asshiia- ção a condições de crescimento. Como sin0nimas de educar,
ção dos elementos mais velhos com os mais novos. A pro- costumamos empregar em inglês palavras que significam elevar,
porção que a sociedade se torna mais complexa em estrutura exprimindo-se assim a diferença de nível a que a educafão visa
e recursos, aumenta a necessidade do ensino e aprendizado suorimir. Etimologicamente, a palavra educação significa
formais ou intencionais. E quando progridem o ensino e exatamente processo de dirigir, de conduzir ou de elevar. Se
aprendizado formais, surge o perigo de criar-se indesejável se- tivermos em mente o resultado desse processo, diremos que a
paração entre a experiência adquirida em associações mais di- educação é uma atividade formadora ou modeladora - isto é,
retas e a adqnirida nas escolas. Este perigo nunca foi maior modela os seres na forma desejada de atividade social. Neste
do que nos tempos atuais, em vista do rápido desenvolvimento, capítulo trataremos em linhas gerais do modo pelo qual um
nos últimos poucos séculos, dos conhecimeiitos e espécies de grupo social conduz os imaturos à sua própria forma social.
aptidões técnicas.
Uma vez que o que se requer para isso é a transformação
da qualidade da experiência, para que nesta entrem os interes-
ses, intuitos e idéias correntes no grupo social, o problema não
é,evidentemente, o da mera formação física. As coisas podem
ser materialmente transportadas no espaço; podem ser mate-
rialmente carregadas. Mas as crenças e as aspirações não
podem ser fisicamente extraídas e, depois, inseridas. De que
modo, então, se comunicam? Dada a impossibilidade do con-
tágio direto ou da inserção material, nosso problema está em
descobrir o método pelo qual os seres humanos mais jovens
assimilam os pontos de vista dos mais velhos, ou pelo qual os
mais velhos tornam os jovens mentalmente semelhantes a eles.
12 Democracia e educcção A educação como função social 13

E m termos gerais o método consiste em provocar, pela 2 . O ambiente social. - U m ser cuja atividade s e
açáo do meio, que as impõe, determinadas reações ou res- acha associada à de outros tem um ambiente social. O que
postas. As crenças necessárias não podem sei. embutidas a ele faz e pode fazer depende dos desejos, exigências, apro-
força e as atitudes requeridas náo podem ser plasmadas mate- vação e reprova~ãodos outros. Um ser ligado a outros seres
rialmente. Mas o meio, o ambiente particular em que o in- não pode desenvolver a própria atividade sem tomar em linha
dividuo vive, leva-o a ver e a sentir mais uma coisa do que de conta a atividade dos outros. Esta constitui a condi550
outra; leva-o a seguir certos planos com o fito de ter bom indispensável para a realização de suas tendências. Quando
êxito em suas relações com os outros; reforça-lhe algumas se move, ele movimenta essa atividade alheia e vice-versa.
convicções e enfraquece-lhe outras, como condição para obter Conceber a possibilidade da atividade de um indivíduo como
a aprovação de outras pessoas. Deste modo, põe-se a adotar consistindo em atos isolados seria o mesmo que tentar fazer
gradativaniente certo modo de proceder, certas disposições - idéia de um comerciante a comprar e a vender, isolado dos
mentais para a ação. As palavras "ambiente" e "meio" deno- demais homens. É tão social o procedimento do industrial
tam alguma coisa mais do que o lugar em que o indivíduo se quando se encontra só, em seu escritório, a traçar planos de
encontra. Indicam a particular continuidade entre o meio e ação, como quando compra matérias-primas ou vende seus
as próprias tendências ativas do individuo. Um ser inanimado artigos fabricados. Pensar e sentir desde que tenham qualquer
acha-se naturalmente em estado de continuidade com o seu coisa a ver com açãr, associada à ação de outros é modo de
meio; mas as coisas que o cercam, a náo ser metaforicamente, proceder tão social quanto a cooperação mais manifesta ou o
não lhe constituem um ambiente, por isso que aos seres inor- ato mais hostil.
gânicos lião inzportam as influências que os afetam. Ao con- O que precisamos mais detidamente patentear é o modo
trário, certas coisas afastadas, no espaço e no tempo, de uma pelo qual o iiieio social deseiivolve seus iiienibros imaturos.
criatura viva, especialmente de uma criatura humana, podem Não há grande dificuldade em ver-se coiiio ele modela os
constituir-lhe com mais verdade o meio, do que as que estão hábitos exteriores de açáo. Até os cães e os cavalos têm
contíguas. As coisas pelas quais um homem varia é que seus atos modificados pelo contacto com os seres hun:anos;
constituem seu verdadeiro ambiente. A atividade de um astrô- eles adquirem hábitos diferentes porque aos seres humanos in-
nomo varia em relação com as estrelas que ohserva ou a cujo teressa a referida mudança. O s seres humanos regulam os
respeito faz cálculos. De tudo aquilo que o cerca, pois, é o atos dos animais, regulando os estímulos naturais que os
seu telescópio o seu meio mais chegado. O ambiente de um influenciam; por outras palavras - criando-lhes detertrinado
antiquário, em sua qualidade de antiquário, consiste nas remotas meio. Usani-se o alimento, o freio e as rédeas. os sons e os
épocas da vida humana que o interessam e nos vestigios, ins- veículos, para regular o modo por que se manifestam as rea-
criqões, etc., por meio dos quais ele estabelece conexões com ções naturais ou instintivas dos caval~s. Agindo-se com fir-
aquela época. meza para se provocarem certos atos, geram-se háhitos que se
E m suma - o meio ambiente consiste naquelas condi- manifestam com nniforniidade igual à dos estimulas que os
ções que desenvolvem ou embaraçam, estimulam ou inibem, a originam. Se pusermos um rato em um labirinto, de sorte a
atividade caracterlstica de um ser vivo. A água é o ambiente só encontrar alimento se der certo número de voltas em deter-
do peixe, por ser necessária à sua atividade - à sua vida. minado sentido, seus atos se modificam gradualmente até que,
O pólo norte é um elemento importante do meio de um explo- pelo hábito, em se achando com fome, procede daquela forma,
rador ártico, quer consiga ou não consiga atingi-lo, porque de preferência a qualquer outra.
determina seus atos, torna-os aquilo que distintamente são. A atividade humana modifica-se de análoga maneira. Uma
Exatamente porque vida não significa mera existência passiva criança que se queimou teme o fogo; se uni pai preparasse as
(a supor-se possível tal coisa) e sim um modo de proceder e coisas de modo que a crianqa se queimasse cada vez que to-
agir, - o ambiente ou o meio significa aquilo que influi nessa casse em determinado brinquedo, Pssa criança aprenderia a
atividade como condisão para que se realize ou se iniba. evitar esse brinqriedo tão autoniaticamente como evitaiia o
-y'
fogo. Estamos, todavia, a tratar do que se pode chamar realizações a que dá maior importância, são os que se relacionam
adestramento, treino, para se distinguir do ensino educativo. com a luta e com a vitória. A existência neste meio incentiva
As mudanças consideradas o são mais de atos exteriores do as manifestações belicosas do menino, a princípio nos jogos e,
que de disposição mental ou emocional. A distinção náo é, mais tarde, sendo bastante forte, em façanhas verdadeiras.
contudo, muito grande. No espírito da criança pode gerar-se Quando luta, recebe aplausos e sobe no conceito geral; caso se
violenta aversão não só por aquele brinquedo, senão também abstenha, é detestado, ridicularizado, cai no desfavor de todos.
pelas espécies de brinquedos que se lhe assemelhem. A aver- Não admira, portanto, que suas originárias tendências e emo-
são poderá persistir mesmo depois de esquecidas as primitivas ções belicosas se fortifiquem a custa das outras e que suas
queimaduras; ulteriormente poderá chegar mesmo a inventar idéias se voltem para coisas relacionadas com a guerra. Só
alguma razão para expli,car essa aversão aparentemente des- assim ele é perfeitamente reconhecido como um membro de
razoável., E m alguns casos, pois, a modificação dos hábitos seu grupo. Desta maneira seus hábitos mentais se tornaram
exteriores do proceder, por meio de mudansa do ambiente, gradativamente semelhantes aos de seu grupo.
que altere. os estímulos da ação, também modifica a atitude Se formularmos o principio envolvido neste exemplo,
mental correspondente a essa ação. Isto, entretanto, não notaremos que o meio social não implanta diretamente certos
acontece sempre; uma pessoa exercitada a desviar-se de um desejos e idéias, nem se limita a estabelecer meros hábitos
golpe, desvia-se automaticamente sem qualquer correspondente musculares de a ~ ã o ,como o ato "instintivo" de desviar-se de
pensamento ou emoção. Precisamos, por isso, descobrir algu- um golpe. O primeiro passo consiste em estabelecer con-
ma diierensa essencial entre o adestramento e a educação. dições que estimulem certos modos patentes e tangíveis de
Poden~osencontrar um fio condutor na circunstância de proceder; e o passo complementar é tornar de tal modo o
que o cavalo não participa verdadeiramente da utilidade social indivíduo participante ou companheiro na atividade comum
a que a sua atividade é destinada. Algumas pessoas podem que ele sinta, como seus próprios, os triunfos e os maus êxitos
habituar o cavalo a praticar atos que são vantajosos a elas, da mesma. Desde que esteja possuído da atitude emocionail do
tornando vantajosa, também para o cavalo, a prática dos refe- grupo, terá sempre o cuidado de procurar conhecer os fins
ridos atos fazendo-o ganhar o alimento, etc. Mas para o especiais a que o referido grupo aspira e os meios necessários
cavalo, presumivelmente, não há outro interesse além deste.
Aquilo que o interessa é apenas o alimento e não o s e r v i ~ oque
para garantir o triunfo. Por outras palavras - suas crenças
e ideais assumirão natureza análoga à dos demais de sua agre-
está prestando. Não é,um companheiro em, uma atividade miaçáo. E ele assimilará o cabedal de conhecimentos desta,
associada. Se o fòsse, ele se empenharia na asão comum com uma vez que mnhecê-10s contribui para o exercício da sua
os mesmos interesses dos homens. Compartiria, também, das atividade habitual.
suas idéias e emoções.
A importância da linguagem para a aquisição de co-
Ora, em muitos casos - muitíssimos - a atividade do
nhecimentos é, sem dúvida alguma, a causa principal da no-
ser humano imaturo é simplesmente provocada para a aqui-
sição de hábitos Úteis. B mais adestrado como um animal ção comum de que o conhecimento se pode transmitir di-
do que educado como um ser humano. Seus instintos fi- retamente de uma a outra pessoa. Figura-se-nos quase que,
introduzir uma idéia no espírito de alguém, seja como fazer
cam presos aos objetos que lhe originaram a dor ou o prazer.
um som ferir os seus ouvidos. Desta maneira, a comunicaçáo
Mas, para ser feliz ou evitar o desgosto do malogro, ele deve do pensamento se assen~elharia a um processo puramente fí-
proceder de modo agradável aos outros. E m outros casos,
porém, participa realmente da atividade comum. Modifica-se sico. Mas se analisarmos o modo de aprender a linguagem,
veremos que ele confirma o principio já estabelecido. Pro-
então seu impulso originário. Não somente procede de um
vavelmente se admitiria, com pouca hesitasão, que uma criança
modo que se harmoniza com a ação dos companheiros, como aprende, por exemplo, a idéia de chapéu, usando-o da forma
também, procedendo assim. se despertam nele as mesmas idéias por que as outras pcssoas o fazem: cobrindo com ele a cabeça,
e emoçóes que animam aqueles. Suponhamos que seja guer-
dando-o a outras pessoas para o porem, vendo que, quando vai
reira uma tribo. Os fins a que ela visa com seus esforços, as
A educação como funçáo social 17

sair, outros o põem na sua própria cabeça, etc. Todavia, direito" e para o que o ouvisse: "Fique do lado esquerdo",
poder-se-á perguntar de que maneira esse principio da ati- é claro que não Ihes seria possível a caçada em comum.
vidade partilhada se pode aplicar à apreensão, por exemplo, Compreenderem-se duas pessoas significa que as coisas, inclu-
por meio da palavra falada ou escrita, da idéia de um capacete sive os sons, têm para ambas o mesmo valor, ao se dedicarem
grego, caso em que não se verifica nenhum uso direto. Que a uma empresa comum.
atividade compartida existirá no aprender-se em livros a his- Depois que os sons adquiriram significação pela sua
tória da descoberta da América? conexão com outras coisas empregadas em uma atividade co-
Uma vez que a linguagem tende a tornar-se o princi- mum, podem ser utilizados em combinação com outros sons
pal meio de aprenderem-se muitas coisas, vejamos o modo similares para produzirem novas significações, exatamente
por que ela atinge este resultado. A criança, naturalmente, como se associam as coisas que eles representam. Desta for-
começa ouvindo simples sons, ruídos e modulações sem qual- ma, por exemplo, as palavras que fizeram a criança saber o
quer significaqão, isto é, sem exprimir para ela idéia alguma. que é um capacete grego adquiriram originariamente uma
0 s sons são precisamente uma espécie de estímulo para pro- significação (ou foram compreendidas) pelo uso em um ato
duzir-se reação imediata; alguns tem efeito tranquilizador, I de interesse e finalidade comuns. Elas agora assumem novo
outros tendem a fazer ficar alerta, e assim por diante. Os sentido incitando, àqueles que as ouvem ou !Cem, a evocar
sons da palavra chapéu ficariam completamente sem sentido, mentalmente a espécie de atividade em que se usa o capacete.
pareceriam ruídos inarticulados, se não fossem proferidos Quem compreende as palavras "capacete grego" torna-se, nesse
quando associados a uin ato de que se participa com alguma I momento, em imaginação, partícipe da ação daqueles que usa-
outra pessoa. Quando a mãe vai levar a criança a passeio, ram o capacete. Mentalmente se associa a uma ação comum.
fala "chapéu" enquanto põe alguma coisa na cabeça do pe- Não é fácil, por isso mesino, .apreender a plena signi-
queno. Ser levado a passeio torna-se um interesse para este; ficagão das palavras. A maioria das pessoas provavelmente
não só a mãe e o filho saem materialmente a passeio, como se satisfaz com a idéia de que "capacete" indica uma espé-
se interessam ambos por esta saída, deleitam-se juntamente com cie esquisita de ornato que os gregos usavam na cabeça. Po-
ela. Por essa associação com outros fatores em ação, os sons de-se, pois, concluir pelo exposto que o uso da linguagem
de "chapéu" tomam logo para a criança a mesma significação para transmitir e adquirir idéias é uma extensão e aperfeiçoa-
que têm para os pais ; tornam-se um símbolo da atividade em que mento do principio de que as coisas adquirem significação
ela toma parte. O simples fato de,que a linguagem consiste quando usadas em uma experiência partilhada ou em uma
em sons mtltuamente inteligizpeis basta para mostrar que sua ação conjunta; de modo algum a aplicação da lingua,Oem con-
significação exige que haja uma experiência compartilhada. travém àquele princípio. Quando as palavras não rnt:~iri
E m suma - os sons do vocábulo "chapéu" adquirem como fatores em uma ação compartilhada - quer real, quer
imaginariamente - elas obram como puros estímulos físicos,
sentido do mesmo modo que o adquire o objeto "chapéu",
por serem usados em determinadas situações. E tomam a não tendo significação ou valor intelectuais. Fazem a atividade
mesma significação para a criança e para o adulto por serem correr em um dado leito, mas desacoinpanhada de intenção ou
usados por ambos em um ato comum. A garantia para significação consciente. Por exemplo, o sinal aritmético
"mais" pode ser um estimulo para o ato de escrever um número
a igualdade de uso está na circunstância de que a coisa
debaixo de outro e de somá-los, mas a pessoa que pratica
e os sons foram primeiro empregados em uma atividade con-
este ato procederá como um aut0niato se n5o perceber o sen-
juxta, como um meio de estabelecer conexão operante entre a
tido daquilo que se acha a fazer.
criança e o adulto. As idéias ou significações se tornam
semelhantes por se acharem os dois associados em uma ação
na qual o que um faz depende do que o outro faz e influi 3 . O meio social como fator educativo. - O que
na ação deste. Se dois selvagens estivessem a caçar juntos e resulta, em suma, de tudo isto, 6 que o meio social cria as
certo aviso significasse para o qiie o fizesse: "Fiqne do lado atitudes mental e emocional do procedimento dos indivíduos,
18 Democracia e educação

fazendo-os entregar-se a atividades que despertam e vigo- i nossa disposição de espírito é formada, independentemente
rizam determinados impulsos, que têm determinados 6bje- dos cursos escolares, pelas referidas influências. O que o
tivos e acarretam determinadas conseqüências. Uma criança ensino consciente e deliberado pode fazer é, no máximo, li-
vivendo no seio de uma família de músicos terá inevitavel- bertar as aptidões assim formadas para um mais amplo desen-
mente estimuladas, por menores que elas sejam, as suas volvimento, purgá-las de algumas de suas rudezas e fornecer
aptidões musicais, e as terá mais estin~uladas, relativamente, objetos que tornem sua atividade mais rica de significação.
do que outros impulsos que poderiam despertar em diverso Uma vez que este "inconsciente influxo do ambiente" é
ambiente. Com efeito, se não tomar interesse pela música e tão sutil e penetrante que impregna todas as fibras do cará-
não adquirir nessa arte alguma competência, será como um ter e do espírito, pode valer a pena especificar algumas direções
elemento estranho, inábil para participar da vida do grupo a em que mais se lhe acentua o efeito. Primeiramente, os há-
que pertence. É, realmente, inevitável alguma participação na bitos da linguagem. Os modos essenciais de falar, a abun-
vida daqueles com quem o individuo se acha em contacto; por dáncia do vocabulário, formam-se nas relações ordinárias da
essa participação o ambiente social exerce um influxo educativo vida e se desenvolvem - não como um meio de instrução
ou formativo, independentemente de qualquer propósito in- mas como uma necessidade social. O infante aprende, como
tencional. bem o dizemos, a língua nzaterna. O s hábitos de linguagem
Nas sociedades selvagens e bárbaras essa participaqão assim contraídos podem ser corrigjdos, ou mesmo suprimidos
direta (que constitui a educação indireta ou casual a que pelo ensino consciente; mesmo assim, em momentos de exalta-
nos referimos) é, quase que só ela, a influência que inicia $50 desaparecem muita vez os modos de falar intencionalmente
os pequenos nos costumes e nas crenças de seu grupo. E aprendidos e as pessoas retomam sua verdadeira linguagem
mesmo nas sociedades atuais é ela que fornece o alimento primitiva. E m segundo lugar, as maneiras. Os exemplos va-
fundamental ainda aos jovens que mais longamente rece- lem evidentemente mais que as regras. Adquirimos boas ma-
bem educação escolar. De acordo com os interesses e as neiras, segundo dizemos, com a boa criação, ou antes, são elas
ocupações do grupo, algumas coisas tornam-se objeto de grande a boa criação; e esta é adquirida pelos atos habituais, como
estima; outras, de aversão. A associação não cria os impulsos reações a estimulos habituais, e não como conliecimentos trans-
de predileção e desagrado mas proporciona os objetos a que mitidos. Apesar do processo indefinido da correção e instru-
eles se aplicam. O modo por que nosso grupo ou classe faz ção conscientes, o meio e a mentalidade ambientes são, afinal
as coisas tende a determinar quais os objetos que necessitam de contas, o principal agente para a aquisição d e boas ma-
de atenção e a traçar assim as direções e limites da observação neiras. E as maneiras não passam de uma moral de menor
e da memória. Aquilo que é estranho ou exótico (isto é, importância. E mesmo na verdadeira moral, a instrução
alheio a atividade do grupo) propende a ser moralmente proi- consciente s ó terá possibilidade de eficácia na medida em
bido e intelectualmente suspeito. Parece-nos, por exemplo, qua- que se harmonizar com o procedimento daqueles que consti-
se incrível que as coisas que hoje conhecemos perfeitamente te- tuem o ambiente social da criança. E m terceiro lugar, o
nham sido ignoradas nos séculos passados. Inclinamo-nos a bom gosto e a apreciação estética. Se o olhar f o r constan-
explicar isto atribuindo estupidez inata a nossos precursores e temente alegrado por objetos harmoniosos, graciosos de forma
presumindo, quanto a nós, termos inteligência inata superior. !I e cor, desenvolve-se naturalmente o sentimento do bom gosto.
Mas a explicação real é que seu modo de vida não lhes O efeito de um meio tosco, de quinquilharias, desordenado e
reclamava a atenção para tais fatos, conservando-lhes os espí- I
superenfeitado, produz a depravação do gosto, bem como o
ritos acorrentados a outras coisas. Exatamente como os sen- viver-se em meios pobres e estéreis aniquila o amor ao belo.
tidos requerem objetos sensíveis para estimulá-los, nossas fa- I Nessas circunstâncias desfavoráveis o ensino consciente mal
culdades de observar, recordar e imaginar não funcionam pode fazer qualquer coisa além de ministrar conhecimentos
espontaneamente, mas são movidas pelas exigèncias in~postas ,' por assim dizer de segunda mão, que constituem o modo de
pelas ocupações sociais habituais. A urdidura essencial de ! pensar de outras pessoas. O bom gosto não se gera espontâ-
A educaçcío como função social 21
20 Denlocracia e educqão
ordinária. Conservam-se assim as realizaçbes conseguidas
neo como um predicado pessoal, mas é uma lembrança elaborada
das coisas que ensinamos alguém a ter em mais apreço. Dizer pelas gerações aateriores, mesmo que algumas delas estejam
que as mais fundamentais craveiras da apreciação dos valores desde algum tempo em desuso. Por conseguinte, uma vez que
são forjadas pelas situações em que uma pessoa habitualmente uma comunidade depende em considerável extensão de coisas
se encontra, será menos um quarto ponto a mencionar do que jacentes além de seu próprio território e de süa geração atual,
a fusão dos três anteriormente referidos. Raras vezes reco- precisa contar com a ação definida das escolas para assegurar
nhecemos em que extensão as idéias conscientes que temos do uma conveniente transmissão de todos os seus recursos. Num
valor de algumas coisas e do desvalor de outras são devidas a claro exemplo: A vida dos antigos gregos e ròmanos influen-
padrões mentais de cuja existência absolutamente não temos cia profundamente a nossa e, apesar disso, o modo por que
consciência. Mas pode-se generalizar dizendo-se que as coisas nos influencia não se patenteia na superfície de nossos atos
que aceitamos como certas sem exame ou reflexão são preci- habituais. Analogamente, povos ainda existentes, mas afas-
samente as que determinam nosso pensamento consciente e tados no espaço, os ingleses, os alemães, os italianos, interes-
nossas conclusóes. E estes hábitos que assim jazem abaixo sam diretamente nossa atividade social, mas a natureza do
do plano da reflexão são justamente os que se formaram no mútuo influxo não pode ser compreendida sem exposição e
incessante dar e receber de nossas relações com outras pessoas. atenção particulares. Semelhantemente, não podemos confiar
em nosso trato diário para patentear aos mais novos o papel
4 . A escola como ambiente especial. - A principal desempenhado em nossas espécies de atividade pelas remotas
iniportincia da exposição precedente sobre o processo edu- energias físicas e pelas subestruturas invisíveis. Dai o fato
cativo que prossegue involuntariamente, é levar-nos a notar de instituir-se um modo particular de intercâmbio social - a
aue o único processo de influirem os adultos sobre a espé- escola -para tratar dessas matérias.
&e de educação que o imaturo recebe é o de influírem sobre Comparada com as associações ordinárias da vida, no-
o meio em que eles agem e, portanto, pensam e sentem. Jamais tam-se nesta espécie de associação três funções suficiente-
educamos diretamente e, sim, indiretamente, por intermédio
do ambiente. Grande diferença existirá em permitirmos a
mente especiais. Primeira - uma civilização complexa não
pode ser assimilada in toto. Cumpre, por assim dizer,
ação casual do meio e em escolhermos intencionalmente o meio fragmentá-la em vários pedaços e fazê-la assimilar aos poucos,
para o mesmo fim. E será casual a influência educativa de de modo gradativo. Tão numerosas e entrelaçadas são as fun-
qualquer meio, a menos que de caso pensado não o regulemos ções de nossa presente vida social, que uma criança, colo-
para a obtenção de um efeito educativo. A diferença entre
cada na posição mais favorável, não poderia prontamente
um lar inteligente e outro ininteligente está principalmente em
que os hábitos de vida e a convivência daquele são escolhidos, participar de muitas das mais importantes dentre elas. Não
co-participando das mesmas, não Ihes apreenderia a significação
ou, pelo menos, impregnados da idéia de seu influxo sobre o
desenvolvimento das crianças. As escolas, todavia, continuam e elas não se tornariam parte de sua estrutura mental. Não
sendo o exemplo tipico do meio especialn~entepreparado para se veriam as árvores por causa da floresta. Os negócios, a
influir na direção mental e moral dos que as frequentam. política, a arte, a ciência, a religião lhe reclamariam, a um
tempo, a atenção em alarida tal, que, como resultado, só se
De modo geral, elas começam a existir quando as tra- teria a confusão. A primeira função do Órgão social que
dições sociais são tão complexas que parte considerável do
denominamos escola é proporcionar uni ambiente simplificado.
acervo social é confiada à escrita e transmitida por meio de
sin~bolosescritos. Ora, os simbolos escritos são ainda mais Selecionando os aspectos mais fundamentais, e que sejam capa-
artificiais ou convencionais do que os falados; não podem zes de despertar reações da parte dos jovens, estabelece a es-
ser aprendidos nas relações casuais com outras pessoas. De- cola, em seguida, uma progressão, utilizando-se dos elementos
mais disto, a linguagem escrita tende a selecionar e registrar adquiridos em primeiro lugar como meio de conduzi-los ao sen-
matérias qiie são relativamente estranhas à nossa esistPncia tido e compreensão real das coisas mais complexas.
22 Democracia e educação A educoção como fimçio social 23

E m segundo lugar, é tarefa do iiieio escolar eliminar o igreja, de uma cooperativa de trabalhadores, de uma sode-
mais possível os aspectos desvantajosos do ambiente comum, dade industrial ou comercial, ou de um partido político.
que exercem influência sobre os hábitos mentais. Cria iim Cada um deles é tão verdadeiramente uma espécie de vida
ambiente purificado para a ação. A seleção, aqui, não só associada ou em comum como uma familia, u m a , cidade ou
aspira a simplificá-lo, como também a depurá-lo dos fatores um país. Existem também comunhões cujos membros têm
indesejáveis. Toda a sociedade vive atravancada, comumente, pouco ou nenhum contacto uns com'os outros, como o mundo
com a galharia seca do passado e com outras coisas verdadei- dos' artistas, a república das letras, os membros de uma
ramente perniciosas. I3 dever da escola omitir tais coisas no douta classe profissional espalhados pelo mundo inteiro. Mas
ambiente que proporciona, e deste modo fazer com que se eles têm objetivos comuns, e a atividade de cada um dos
neutralize sua influência no âmbito social comum. Escolhendo membros é diretamente modificada pelo conhecimento daquilo
o melhor para usá-lo, exclusivamente, ela se empenha em re- que os outros fazem.
forçar o poder deste melhor. A proporção que uma sociedade Nos antigos tempos a diversidade de grupos era ques-
se torna mais esclarecida, ela compreende que importa não tão principalmeíite geográfica. Existiam muitas sociedades
transnzitir e conservar todas as suas realizações, e sim unica- mas, cada qual, em seu próprio território, era relativamente
mente as que importam para uma sociedade futura mais per- homogênea. Mas com, o incremento do comércio, dos meios
feita. A escola é seu principal fator para a consecução de transporte, da intercomunicaçáo e d a emigração, países
deste fim. como os Estados Unidos são cempostos de uma combinação
E m terceiro lugar, compete ao meio escolar contraba- de diferentes grupos com diferentes costumes tradicionais.
lançar os vários elementos do ambiente social e ter em vista Foi esta situação, talvez, mais do que qualquer outra cansa,
dar a cada indivíduo oportunidade para fugir às limitações que acarretou a exigência de institutos educativos que forne-
do grupo social em que nasceu, entrando em contacto vital cessem uma coisa semelhante a um ambiente homogêneo e bem
com um ambiente mais amplo. Palavras como "sociedade" equilibrado para as pessoas mais jovens. Só por este meio
e "comunidade" são próprias a falsear-nos os juízos, pois poderiam ser contrabalançadas as forças centrífugas geradas
tendem a fazer-nos pensar que existe uma coisa única, cor- pela justaposiçáo de diferentes grupos dentro de uma mesma
respondente a uma palavra única. O "fato é que a socieda- unidade politica. A convivência, na escola, de jovens de
de moderna se compõe de muitas sociedades mais ou menos diversas raças e religiões, e d e costumes dessemelhantes, pro-
frouxamente entrosadas entre si. Cada lar com seus amigos porciona a todos um meio novo e mais vasto. O s estudos
mais íntimos constitui uma sociedade; a aldeia ou o grupo de comuns acostumam a todos, por igual, a um descortino de
meninos que joga, em comum, numa rua é uina comunidade; horizontes mais amplos do que os visíveis aos m m b r o s de
cada grupo do mundo dos negócios e cada clube são outras. qualquer grupo, quando este se encontra isolado. A força
Além destes grupos de natureza mais privada, h á em um país assiiniladora das escolas públicas americanas é eloqüente
como o nosso várias raças, seitas religiosas e divisões econô- testemunho da eficácia de um interesse comum e bem dosado.
micas. No interior de uma cidade moderna, malgrado sua A escola tem igualmente a função de coordenar, na vida
nominal unidade política, existem provavelmente mais comu- mental de cada individuo, as diversas influências dos vários
nidades e diversidades de costumes, tradições, aspirações e es- meios sociais em que ele vive. Um código prevalece na fa-
pécies de governo ou de influência do que existiram em todo mília; outro, nas ruas; um terceiro, nas oficinas ou nas lojas;
um continente em uma era remota. um quarto, nos meios religiosos. Quando uma pessoa passa
Cada um desses grupos exerce influxo formador nas de um desses ambientes para outro, fica sujeita a impulsos
disposições ativas de seus componentes. Um corrilho, um contraditórios e acha-se em risco de desdobrar-se em perso-
clube, uma quadrilha de ladrões, os presos de um cárcere, nalidades com diversos padrões de julgare sentir, conforme as
fornecem meios educativos para aqueles que participam de várias ocasiões. Este risco impúe à escola uma função for-
sua atividade coletiva ou conjunta, com força igual à de uma talecedora e integradora. 1
24 Democracia e edzrcação

Resumo. - Não se pode efetuar pela transmissãc


direta de convicções, emoções e conhecimentos, o desenvol-
vimento, nos seres mais novos, das atitudes e estados men-
tais necessários i contínua e progressiva vida de uma socie-
dade. Ela efetua-se por intermédio do meio. O meio con-
siste na soma total das condições necessárias para a reali-
zação das atividades características de um ser vivo. O meio
social consiste em todas as atividades de seres semelhantes
intimamente associados para a realização de seus fins co- A edzccnção como direção
muns. Ele é verdadeiramente educativo em seus efeitos, na
medida em que o individuo participa de alguma atividade 1 . O meio como fator de direção. - Passaremos
conjunta. Contribuindo com sua parte na atividade associada, agora a tratar de uma das formas especiais assumidas pela
o indivíduo adota os fins que a estimulam, familiariza-se com função da educação: isto é, de servir de direqão, controle ou
seus métodos e materiais, adquire a necessária habilidade e
impregna-se de seu modo de sentir.
guia. A última destas três palavras - direção, controle
e guia - é a que melhor exprime a idéia de auxiliar, pfr
A formação espiritual mais profunda e mais sólida se meio da cooperação, as aptidões naturais dos individuos guia-
origina, sem intuito consciente, da co-participação, por parte
dos; controle lembra, antes, a noção de uma energia a atuar
dos elementos sociais mais novos, da atividade dos vários
exte_riormente e a encontrar alguma resistência por parte do
grupos a que possa pertencer. Todavia, ao tornar-se a so-
ciedade mais complexa, cumpre proporcionar um ambiente objeto dominado; direção é um termo de significação mais
social especial que se dedique especialmente a desenvolver a% neutra e sugere o fato de que as tendências cativas dos diri-
aptidões dos imaturos. Três das mais importantes funções gidos são orientadas uniformemente para certo sentido, em
vez de se dispersarem sem objetivo. Direção exprime a fun-
deste meio especial são as seguintes: simplificar^ e coordenar
os fatores da mentalidade que se pretenda desenvolver; puri- ção fundamental que, em um dos extremos, tende a tornar-se
ficar e idealizar os costumes sociais existentes; criar um meio em um auxilio condutor e, no outro, em regulação ou regra.
mais vasto e melhor equilibrado do que aquele pelo qual os Mas em todos os casos deveremos cuidadosamente evitar lima
imaturos, abandonados a si iiiesmos, seriam provavelmente significação às vezes implícita no vocábulo contrule ou governo.
inflitenciados. Já se presumiu, muitas vezes, explícita ou inconscientemente,
que as tendências do indivíduo são, por seu natural, pura-
mente individualistas ou egoístas, e, portanto, anti-sociais.
Regulação ou controle denota então o processo pelo qual ele
é levado a subordinar seus impulsos naturais aos fins públicos
ou comuns. Desde que por esta concepção sua natureza é
completamente alheia a este processo e mais se lhe opõe do
que o auxilia, a função educativa tem neste ponto de vista um
cunho de coação ou compulsão sobre o individuo. De acordo
com esta noção que seriamente influiu nas idéias e na prática
educacionais têm sido arquitetados sistemas de governo e teo-
rias políticas. Mas tal opinião não tem fundamento algum.
Não há dúvida de que, às vezes, aos individuos é vantajoso
cuidar de seus próprios interesses e que estes podem achar-st*
em conflito com os interesses dos demais. Mas para eles I
há igualmente vantagem, em conjunto maior do que qualquer
24 Democracia e educação

Resumo. - Não se pode efetuar pela transmissão


direta de convicções, emoções e conhecimentos, o desenvol-
vimento, nos seres mais novos, das atitudes e estados men-
tais necessários à contínua e progressiva vida de uma socie-
dade. Ela efetua-se por intermédio do meio. O meio con-
siste na soma total das condições necessárias para a reali- CAPITULO 3
zação das atividades características de um ser vivo. O meio
social consiste em todas as atividades de seres semelhantes
intimamente associados para a realização de seus fins co- A educação como direção
muns. Hle é verdadeiramente educativa em seus efeitos, na
medida em que o individuo participa de alguma atividade 1. O meio como fator de direção. - Passaremos
conjunta. Contribuindo com sua parte na atividade associada, agora a tratar de uma das formas especiais assumidas pela
o indivíduo adota os fins que a estimulam, familiariza-se com função da educasão: isto é, de servir de direqão, controle ou
seus métodos e materiais, adquire a necessária habilidade e guia. A última destas três palavras - direção, controle
impregna-se de seu modo de sentir.
e guia - é a que melhor exprime a idéia de auxiliar, p?r
A formação espiritual mais profunda e mais sólida se
meio da cooperação, as aptidões naturais dos individuos guia-
origina, sem intuito consciente, da co-participação, por parte
dos; controle lembra, antes, a noção de uma energia a atuar
dos elementos sociais mais novos, da atividade dos vários
exteziormente e a encontrar alguma resistência por parte do
grupos a que possa pertencer. Todavia, ao tornar-se a so-
ciedade mais complexa, cumpre proporcionar um ambiente objeto dominado; direção é um termo de significação mais
social especial que se dedique especialmente a desenvolver as. neutra e sugere o fato de que as tendências cativas dos diri-
aptidões dos imaturos. Três das mais importantes funções gidos são orientadas uniformemente para certo sentido, em
vez de se dispersarem sem objetivo. Direção exprime a fun-
deste meio especial são as seguintes: simplificar, e coordenar
os fatores da mentalidade que se pretenda desenvolver; puri- ção fundamental que, em um dos extremos, tende a tornar-se
ficar e idealizar os costumes sociais existentes; criar um meio em um auxílio condutor e, no outro, em regulação ou regra.
mais vasto e melhor equilibrado do que aquele pelo qual os Mas em todos os casos deveremos cuidadosamente evitar tima
imaturos, abandonados a si inesmos, seriam provavelmente significação às vezes implicita no vocábulo controle ou governo.
infliienciados. Já se presumiu, muitas vezes, explícita ou inconscientemente,
que as tendências do individuo são, por seu natural, pura-
mente individualistas ou egoístas, e, portanto, anti-sociais.
Regulação ou controle denota então o processo pelo qual ele
é levado a subordinar seus impulsos naturais aos fins públicos
ou comuns. Desde que por esta concepção sua natureza é
completamente alheia a este processo e mais se lhe opõe do
que o auxilia, a função educativa tem neste ponto de vista uiii
cunho de coação ou compulsão sobre o individuo. De acordo
com esta noção que seriamente influiu nas idéias e na prática
educacionais têm sido arquitetados sistemas de governo e teo-
rias políticas. Mas tal opinião não tem fundamento algum.
Não há duvida de que, às vezes, aos individuos 6 vantajoso
cuidar de seus próprios interesses e que estes podem achar-se
em conflito com os interesses dos demais. Mas para eles
há igualmente rantahein, em ~ o n j u n t omaior do que qualquer
A edtico~io conto direção 27

outra, em participar da atividade dos demais, em agir con- necessários e desordenados. E m segundo lugar, embora não
juntamente, cooperando nas realizações comuns. De outra se produza atividade alguma sem que, em certa extensão, a
forma, impossível seria a existência da coisa a que chamamos pessoa coopere, pode a resposta ser de espécie inadequada A
comunidade. E nem teria qualquer sentido a própria policia seqüência e continuidade da açáo. U m pugilista pode evitar
que conservaria apenas uma aparência de ordem, a menos que receber certo golpe, mas de tal forma, que no instante ime-
achasse alguém que por esse meio poderia conseguir pessoal- diato se exponha a um golpe mais violento. U m controle e
mente qualquer vantagem. Controle, em verdade, significa domínio adequados significam a prática dos atos sucessivos em
apenas um encarecimento da direção de forças ou capacidades uma ordem contínua. Cada ato não só corresponde a seu
e compreende não só a regulação e domínio conseguidos por imediato estimulo, como também prepara or atos que se
algum indivíduo por meio de seus próprios esforços como seguem.
também a que se produz quando outros assumem a direção. E m suma, a direção tanto é simultânea como sucessiva.
E m geral, todo o estímulo dirige a atividade. Não so- E m dado momento ela requer que, de todas as tendências
mente a suscita ou excita, como também a dirige para um cuja manifestação parcialmente se provoca, sejam escolhidas
objeto. as que encentrarem a energia no ponto necessário. Suces-
A "resposta" ao estimulo, por sua vez, não é precisa- sivamente, ela requer que cada ato se relacione devidamente
mente uma reaçáo, um protesto, por assim dizer, motivado com o que precedeu e com o que o seguirá, de modo a conse-
por uma perturbação; é, como a palavra o indica, uma cor- guir-se a ordem da atividade. Focalizar e coordenar são, por-
respondência. Ela vai ao encontro do estimulo e entra em tanto, os dois aspectos da direção - um, espacial e o outro
correspondência com ele. Há uma reciproca adaptação do tenzporal. O primeiro assegura o atingir-se o alvo; o segundo
estiniulo e da resposta. A luz é o estimulo para os olhos mantém o equilibrio para a ação ultrrior. É óbvio que não se
verem alguma coisa e o trabalho dos olhos é ver. Estando podem separar na prática como se distinguem idealmente. A
os olhos abertos e havendo luz, ocorre o ato da visão; o es- atividade deve ser focalizada em dado momento de tal modo,
timulo é unicamente uma condição para o exercício conveniente que esteja preparada para o que vem depois. O problema da
da função do órgão e, não, uma perturbação exterior. Por reação imediata complica-se com o de ter-se de atender às
isso, toda a direção ou regulaçáo ou controle é, em certa ocorrências futuras.
medida, o próprio ato de guiar a atividade para o seu próprio Duas conclusóes ressaltam desta exposição geral. Por
fim; é um auxilio para efetuar-se plenamente aquilo que algum um lado, é impossível uma direção puramente exterior. O
órgão já tende a fazer. ambiente, no máximo, pode fornecer estímulos para provoca-
Esta exposição geral necessita, poiém, ser examinada car respostas. Estas respostas procedem das tendências já
sob dois pontos de vista. E m primeiro lugar, tirante o ca- possuídas pelo indivíduo. Mesmo quando se intimida uma
so de um número pequeno de instintos, os estímulos a que pessoa com ameaças para fazer alguma coisa, essas ameaças
um ser humano imaturo está sujeito não são suficientemente produzem efeito unicamente porcue a dita pessoa já tem o
definidos para provocarem, de começo, respostas especificas. instinto do medo. Se não o tiver, ou se, caso o tenha,
A energia é despertada sempre em profusão. Pode ela per- souber dominá-lo, a ameaça não produzirá maior efeito do
der-se, sem atingir o ponto em mira; como pode, também, ser que a luz para fazer que uma pessoa sem olhos veja alguma
contrária ao bom êxito completo do ato. Prejudica por atra- coisa. Ao mesmo tempo em que os costumes e as normas
vancar o caminho. Compare-se o procedimento de um novato dos adultos proporcionam estímulos que tanto dirigem como
em ciclismo com um ciclista experiente. Pouco elemento de provocam a atividade dos mais novos, estes, afinal de contas,
direção existe nas energias despendidas; são elas grandemente contribuem para a direção que os seus atos tomam. Pode-se
dispersivas e centrífugas. Direção subentende, com efeito, o estritamente dizer que intimamente eles não podem ser coagidos
focalizar e fixar a açáo, de modo a ser ela verdadeiramente em coisa alguma. Desprezar esta circunstância equivale a de-
uma resposta e isto requer a elimitiaçáo dos movimentos des- formar e perverter a natureza humana. Tomar em conside-
28 De?izocraciu e educação r1 educaçâo conro direçâo 29

ração a contribuição dos instintos e hábitos dos dirigidos cavalo at6 a água, não poderemos obrigá-lo a beber e que
importa em dirigi-los econômica e sabiamente. Para falar mais poderemos trancar um homem em uma pehitenciária, mas
precisamente - toda a direçáo é apenas redireção; ela modifica não torná-lo arrependido. Nesses casos de ação direta sobre
o rumo da atividade que já fluía, por outra álveo. A não ser os outros, p,recisamos distinguir os resultados físicos dos re-
que se conheçam as energias que já se acham a operar, toda sultados espirituais. Pode uma pessoa achar-se em tal situa-
a tentativa para dirigir se tornará quase infalivelmente inútil. ção que convenha, em seu próprio benefício, forçá-la a ali-
Por outro lado, a regulatão ou controle' proporci'onado mentar-se ou conservá-la presa. Podemos afastar rudemente
pelos costumes e normas dos outros indivíduos pode care- do fogo uma criança, para que não se queime - maç não
cer de visão, ser estreita e parcial. Pode efetuar um efeito se seguirá com isto um aperfeiçoamento mental ou efeito
imediato, mas i custa de desordenar os subseqüentes atos da educativo. Um tom de voz áspero e autoritário pode ser
pessoa. Uma ameaça, por exemplo, pode impedir que um eficaz para mantê-la arredada do fogo, produzindo-se o mesmo
indivíduo faça alguma coisa a que é naturalmente inclinado, desejável efeito material de um empuxão violento. Mas no
despertando-lhe, caso persista em $eu procedimento, o temor segundo caso não há mais obediência mental do que no pri-
de desagradáveis conseqüências. Mas pode fazer que ele meiro. Poderemos tolher que um larápio penetre em casas
fique em condições que o exporão mais tarde a influências alheias, conservando-o preso; nias com isto não modificamos
que o levarão a praticar até atos piores. Podem despertar sua iiicliiiaçáo para a prática de roiibos. Quando confundimos
seus instintos de astúcia e dissimulação, de modo que, de resultado físico com resultado educativo, perdeiiios sempre as
então por diante, na prática de seus atos, propenderá a usar probabilidades de fazer a própria pessoa contribuir, com sua
estratagemas e a recorrer a embustes, mais do que isso sucederia participação, para o efeito visado e de, por esse meio, desen-
se outras tivessem sido as condições de influência. volver-lhe no espirito uma direção' intrínseca e perseverante
As pessoas encarregadas de dirigir as ações alheias cor- no sentido conveniente.
rem sempre o perigo de esquecer o desenvolvimento ulterior A ocasião da prática de atos mais conscientes para se
dos seus dirigidos. influir em outrem deveria limitar-se, em geral, aos atos tão
instintivos ou impulsivos, que o agente não tenha nieios de
2 . Modalidades de direção social. - O s adultos prever os resultados. Se uma pessoa não pode prever as
têm naturalmente mais consciência de seu influxo na con- conseqüências de um seu ato, e é incapaz de compreender o
duta dos outros quando deliberadamente visam a essa influên- que dizem as mais experientes sobre o resultado do mesmo,
cia. Em regra, têm conscientemente tal objetivo quando en- é-lhe impossível guiá-lo inteligentemente. Nessas condições,
contram resistência, quando outros estão a fazer coisas que todos os atos lhe teriam significação igual. Aquilo que a faz
eles, adultos, não desejam. O s modos, entretanto, mais per- mover-se limita-se a fazê-la mover-se, e eis tudo. E m alguns
manentes e influenciadores de direção são aqueles que atuam casos conviria que lhe permitissem fazer experiências para
continuamente, a cada instante, sem propjsito intencional de descobrir as consequências que os atos terão para si própria,
nossa parte. Senão, vejamos. de modo que no seguinte ensejo, em similitude de condições,
1 - Quando outras pessoas não fazem o que deseja- possa proceder com inteligência. Mas certas espécies de atos
ríamos que fizessem ou ameaçam desobedecer-nos, sobre- são muito incômodos ou prejudiciais aos outros para que se
vém-nos maior consciência da necessidade de influir em seu consinta nessas experiências. Recorre-se então à reprovação
procedimento e dos meios por que elas podem ser influen- direta. Usa-se o vexame, o ridículo, o desfavor, a censura e
ciadas. E m tais casos, nosso influxo é mais direto e h á a punição. O u se apela para as tendências contrárias do
mais probabilidades de incidirinos nos equívocos que acaba- educando a fim de afastá-lo de seu impróprio modo de pro-
mos de mencionar. É mesmo verossímil que acreditemos ceder. Utilizam-se sua sensibilidade ao elogio, sua esperança
ter influência reguladora ou controladora a ação de uma de cair nas boas graças de algu&ni por algum ato agradável,
força superior, esquecidos de que, embora possamos levar um para fazer-se a sua atividade niiidar oe direçáo.
A edzicnção como direção 31

2 - Estes meios de influir no educando são tão pa- e entregá-la, se a encontrou, como o seria, em outras cir-
tentes (porque assim os empregamos intencionalmente) que cunstâncias, o recebê-la. Multiplique-se este exemplo de
mal seriam dignos de menção, se não fosse o podermos agora acordo com os mil pequenos incidentes do trato quotidiano e
tratar, pelo contraste, do outro método de influir, bem mais ter-se-á o quadro do meio mais constante e duradouro de
importante e permanente. Este outro método reside no modo dirigir a atividade dos mais novos.
por que utilizam as coisas as pessoas com quem o imaturo con- Dizendo isto, estamos somente a repetir o já exposto
vive; nos instrumentos e nos modos por que realizam seus sobre a participação em atividade conjunta como o meio prin-
próprios fins. O meio social ein que o indivíduo vive, move-se cipal da formação do espírito. Entretanto, acrescentamos a
e manifesta sua atividade, esse é o agente constante e eficaz isso o reconhecimento do papel desempenhado na atividade
para orientar-lhe a atividade. conjunta pelo uso das coisas. A filosofia do ensino tem sido
Esta circunstáncia nos força a um exame mais parti- indevidamente dominada por uma falsa psicologia. Declara-se
cularizado daquilo que se entende por ambiente social. So- com freqüência que uma pessoa aprende simplesmente porque
mos avezados a separar um do outro os ambientes fisico e as qualidades das coisas se lhe gravam no espirito, entrando
social em que vivemos. A esta separação, por um lado, se pelas portas dos sentidos. Tendo recebido certo número de
deve o exagero da importância moral dos modos mais diretos impressões sensoriais, supõe-se que a associaçáo ou alguma
ou pessoais de direção de que estivemos falando; e por faculdade de formar sínteses mentais as combina em idéias -
outra parte, o exagero, na psicologia e filosofia correntes, em coisas com uma significação. Supõe-se que um objeto,
das fiossibilidades intelectuais do contacto com um meio pu- uma pedra, uma laranja; uma árvore, uma cadeira, produzam
ramente físico. O fato é que não existe a influência direta de diferentes impressões de cor, forma, tamanho, dureza, cheiro,
um ser humano sobre outro, independentemente do uso do gosto, etc., as quais, reunindo-se, constituem a significação ca-
ambiente fisico como intermediário. U m sorriso, uma car- racterística de cada coisa. Mas o fato é que o uso característico
ranca, uma censura, uma palavra de advertência ou de enco- que damos as coisas, devido a suas qualidades particulares, é
rajamento, tudo isço envolve alguma mudança física. S e assim que fornece a significação com que ela é identificada. Uma
não fosse, a atitude de uma pessoa não modificaria a atitude cadeira é coisa para certo uso; uma mesa, 6 para outro uso;
de outra. De um modo relativo esses meios de influir podem uma laranja é coisa que custa certa quantia, só dá nos climas
ser considerados pessoais. O meio fisico reduz-se a um sim- quentes, serve para comer-se, e, quando comida, tem cheiro e
ples instrumento de contacto pessoal. Contrastando com estes sabor agradáveis, etc.
modos diretos de mútua influência, encontram-se as associa- A diferença entre a adaptação a um estimulo fisico e
ções para objetivos comuns que implicam o uso das coisas um ato mental corresponde a que o Último importa na resposta
como meios e como medidas dos resultados. Mesmo que a a uma coisa em sua significação - o que não se dá no pri-
mãe nunca dissesse à filha que a ajudasse, nem a repreendesse meiro caso. Um ruído pode fazer-me dar um pulo, sem que
pelo fato de não a ajudar, a fi!ha seria dirigida em sua atividade o espírito participe desse ato. Se um ruído me faz correr
pela simples circunstância de estar empenhada na vida em e procurar água e apagar um fogo, estou a reagir inteligente-
comum do lar. A imitação, a emulaçáo, a necessidade de mente; os sons significavam fogo, e fogo significava a neces-
trabalhar juntos, reforçam a regulação ou o controle educativos. sidade de ser apagado. Tropeso em uma pedra, e com um
Se a mãe precisa dar à filha alguma coisa, a última pontapé a faço ir parar a um lado - procedo de modo mera-
deve estender as mãos para recebê-la. Onde h á o dar, deve mente físico. Se a arredo para um lado do caminho, de
haver o tomar. O modo por que a filha se comporta com receio de que alguém nela tropece - procedo inteligentemente;
o objeto depois de recebê-lo, a inaneira pela qual o utiliza, reajo a uma significação que a coisa tem. Assusto-me cotn
são certamente influenciados pelo fato de ter observado os
atos de sua mãe. Quando a criança vè a mãe procurar
um tiuváo, sabendo ou não qabendo que é um trovão - mais
provavelmente não o sabendo. Mas se disser, alto ou comigo
alguma coisa, é tão natural para ela o procurá-la igualmente mesino, que é um trováo, reajo ao fato perturbador em sua
A educaç~io como direç6o 33
32 Democracia e educaçâe
rante seu fabrico, pode um alfinete passar peias mãos de
significaçáo. Meu procedimento tem um valor mental. muitos operários. Mas cada um destes pode fazer sua parte
Quando as coisas possuem para nós uma significação, temos do trabalho, inconsciente do que os outros fazem, ou sem
consciencia do que fazemos; se não a possuem, procedemos qualquer relação com a parte feita por estes; cada qual tra-
cega, inconsciente, ininteligentemente. balha tendo apenas em vista dado resultado - sua própria
Nessas duas espécies de adaptação pela reação, nossa paga. Neste exemplo não há uma consequència comum a que
atividade está dirigida ou regulada. Mas na resposta pu- se refiram os vários atos e, portanto, inexiste verdadeira
ramente cega, a direçáo é também cega. Pode ser ades- cooperação ou associação, malgrado a justaposição de pes-
tramento, mas não educação. As respostas repetidas a es- soas e a circunstância de que seus respectivos atos contribuem
timulo~ também repetidos, podem de certo modo fixar um para um único resultado. Mas se cada um vir as conseqüên-
hábito de açáo. Todos nós temos muitos hábitos de cuja cias de seus atos em relação aos atos dos outros e tomar em
importáncia não temos absolutamente consciència, porquanto linha de conta as conseqüências dos .atos dos outros sobre 03
se formaram sem sabermos que isso estava a suceder. E m seus próprios, haverá então uma mentalidade comum, uma
consequència, eles nos possuem mais do que nós os possuimos. intenção comum no procedimento de todos. Há mútuo enten-
Eles nos movem e dominam. E se não tivermos consciência de dimento entre os vários cooperadores e este entendimento co-
sua ação e não pudermos formar juizos sobre o valor dos mum dirige e controla a ação de cada um.
resultados, não os dominaremos. Uma criança pode inclinar-se Suponhamos que se disponham as condiq6es de forma
cada vez que encontra certa pessoa, por lhe fazer pressão que uma pessoa automaticamente pegue uma bola, e a atire
nos músculos do pescoço, e essas inclinações nos referidos em direçáo a outra pessoa que a apanha e automaticamente
encontros podem tornar-se, afinal, automáticas; não serão, a devolve; cada uma assim procedeu ig~~oraiidode onde a
contudo, sinal de reconhecimetito ou de deferência, enquanto bola vinha e para onde ia. É claro que esses atos seriam
não o fizer com algum fim em vista - como tendo certa sem objetivo ou significaçáo. Poderiam ser fisicamente re-
significação. E enquanto a criança não souber do que se trata gulados ou controlados, mas não seriam socialmente dirigi-
e não praticar'o ato por sua significação, não se poderá dizer dos. Mas admitamos que cada um tenha acordo daquilo
que a ensinaram a proceder de tal modo. Ter uma idéia da que o outro faz e se interesse pelos atos dessa outra pes-
coisa não é, portanto, ter determinadas sensações com a sua soa e, desta maneira, por aquilo que ele próprio faz, como
presença. É ser capaz de reagir à coisa tendo em vista seu
lugar em um plano de açáo, em que ela é incluída; é prever
as flutuações e a provável conseqüência da açáo da coisa sobre
relacionado com os atos dessa pessoa. O procedimento dos
dois seria então inteligente, e inteligente e orientado social-
!
mente. Vejamos mais um exemplo de natureza menos ficti-
nós e de nossa açáo sobre ela. cia. Uma criança sente fome e chora enquanto lhe preparam
Ter sobre as coisas as mesmas idéias que os outros, o alimento em sua presença. Se ela não relacionar seu
assemelhar-se espiritualmente a eles e ser, assim, ~erdadei- próprio estado com aquilo que os outros estão a fazer, nem
ramente, membro de um grupo social, consiste, .por conse- o que os outros fazem com a satisfação de sua fome, reagirá
guinte, em dar às coisas e aos atos as mesmas significações simplesmente com crescente impaciência ao seu próprio cres-
que os outros dão. De outro modo não haveria compreensão cente mal-estar. Sente-se fisicamente dominada pelo seu pró-
comum nem vida social. Mas, de fato, em uma atividade prio estado orgânico. Mas se estabelecer referências com atos
partilhada cada pessoa relaciona o que está fazendo com anteriores e ulteriores, muda completamente de atitude.
aquilo que as outras fazem e vice-versa. Isto é, a atividade de Adquire um interesse, conforme dizeinos; nota e observa o
cada um está incluída em uina mesma situação. P u x a r uma que os outros fazem. Já não reage mais tendo em vista a
corda que outros estejam também a puxar não é atividade própria fome, e sim procede tendo eiil vista o que os outros
partilhada ou conjunta, a menos que quem puxa o faça com estão a fazer para sua futura satisfacão. Desse modo a
o conhecimento de que outros também estzo puxando e com criança já não reage à fome sem a conhecer, mas nota, ou I
iim intuito de auxiliar o11 embaracar o que eles faze111. Du-
34 Democracia e educapio A cducaçáo como d i r e ~ ã o 35

reconhece, ou identifica seu próprio estado. Este se torna uni ele no meio físico que nos indica o modo por que deveremos
objeto de atenção para ela. Sua atitude para com o mesmo é proceder. Nossos atos são orientados socialnzente porque nos
em certo grau inteligente. E observando, assim, a signifi- esforqamos a relacionar o que estamos a fazer com a mesma
cação dos atos alheios e de seu próprio estado, acha-se social- situação em que ele está a agir.
mente orientada e dirigida. É a linguagem, segundo já vimos, um caso desta rela-
Lembraremos agora que nossa proposição principal tem ção de nossos atos com os de outras pessoas tendo em vista
dois aspectos. De um deles já tratamos, isto é - de que as uma situação comum. Daí a sua inigualável significação
coisas materiais não influenciam o espirito (ou formam idéias como meio de direção social. Mas a linguagem não seria
e convicções) exceto quando se associam i ação tendo em esse instrumento eficaz se não se sobrelevasse a usos mais
mira consequências previstas. O outro polito é que uma pes- grosseiros e tangíveis de meios materiais para a consecução
soa só modifica o estado de espírito de outras por meio do de resultados que constituem as suas bases. Uma criança vê as
emprego especial das condições físicas. Considere-se pri- pessoas com quem mora usar de determinados modos cadeiras,
meiro o caso dos chanlados "movimentos expressivos" a que chapéus, mesas, pás, serras, arados, cavalos e dinheiro. Se
os outros são sensíveis: o corar, o sorrir, o franzir o cenho, tomar alguma parte no que elas estão fazendo, será levada por
o cerrar os piinhos, e outros gestos naturais de toda as espé- esse meio a usar aquelas coisas do mesmo modo ou usar
cies. Em si mesmos eles não são expressivos. São elemen- outras de modo que se harmonizem com elas. Se levam
tos orgânicos da atitude de uma pessoa. Ninguém enrubesce uma cadeira para perto da mesa, é sinal de que se deverá
para mostrar iiiodéstia oii acanhamento aos outros, e sim sentar na mesma; se alguém lhe estende a mão direita, a
porque a cirçiilação capilar se modifica reagindo a estíniiilos. criança também estende a sua - e assim por diante, em um
Mas os outros vêeiii no corar, ou na ligeiramente perceptível nunca acabar de pequeninas coisas. Os hábitos dominanteâ de
contração dos iuúsciilos da pessoa com quem estão tratando, a utilizarem-se os produtos da arte humana e as coisas da natu-
indicação do estado iiiental em que aquela pessoa se encontra reza têm todas as probabilidades de constituir o mais pro-
e da linha de ação que deverá seguir. O cerrar o cenho fundo e penetrante modo de regulafão ou controle social.
significa iminente repreensão para a qual devemos estar de Quando as crianças vão para a escol^ já possuem juízo - têm
sobreaviso, ou incerteza e hesitação que alguém deverá, se conhecimentos e aptidões para julgar, aos quais se pode recorrer
possível, dissipar dizendo ou fazendo algo que restabeleça a por meio do uso da linguagem. Mas estes juizos nada mais
confiança. são que os hábitos coordenados dc reações inteligentes que
anteriormente foram necessárias pnra o uso das coisas em re-
A certa distância está um homem a brandir desespera-
damente os braços. Se nos conservarmos indiferentes, esses lação com o modo por que as outras pessoas as usavam. Essa
influência é inevitável; dela se impregnam as atitudes mentais.
movimentos equivalem a uma remota mudança física que
casualmente notamos. Se não nos despertar interesse, aquele O nítido resultado dessas considerações é que o ins-
brandir de braços nos será tão sem significação como os giros trumento fundamental de direção não é pessoal e, sim, in-
das asas de um moinho. Mas se nos despertar o interesse, telectual. Náo é "moral" no sentido de que uma pessoa
começaremos a participar da ação. Atribuímos esta a alguma procede por apelo pessoal e diret,) de outra pessoa, por mais
coisa que estamos fazendo ou deveríamos fazer. Procuramos importante que seja esse método em conjunturas críticas. A
julgar a significação daquele procedimento tendo em vista direção social consiste, realmente, nos hábitos de compreensão
resolvermos o que deveremos fazer. Com a sua gesticulaçáo que se estabelecem usando-se os objetos em correlação com
estará aquele homem a pedir socorro? Estará a avisar-nos outras pessoas, quer pela cooperação e auxílio, quer pela
de uma explosão, contra a qual nos deveremos precaver com a rivalidade e concorrência. O espirito ou a mente como coisa
fuga? No primeiro caso, seu ato significaria correr para o concreta, é precisamente a faculdade de compreender as coisas
lado dele; e, no segundo, afastarmo-nos do lugar onde esti- tendo em vista o uso feito das mesmas; um espírito socializado
véssemos. Em qualquer dos casos é a mudança efetuada por é a faculdade de compreendê-las tendo em mira o uso que Ihes
A edrrcaçóo coirio d i ~ e f ó o 37
é dado em situações conjuntas ou compartilhadas. E gizente O erro básico desta noção cbrrente da imitação 6 co-
ou espirito veste senfido é o método de direção social. locar o carro adiante dos bois. Toma nm efeito pela causa.
Não resta dúvida qiie os indivíduos que formam um grupo
3 . A imitação e a psicologia social. - Já nota- social têm mentaIida(1e semelhante; eles se compreendem uns
mos a deficiência de certa psicologia da educação, que co- aos outros. Dadas circunstâncias simi!are$, propendem a
loca nua, por assim dizer, a mente ou inteligência do indi- proceder orientados pelas mesmas idéias, convicções e intenções.
víduo, em contacto com os objetos materiais, acreditando Encarados externamente, pode-se dizer que procuram "imi-
que os conhecimentos, as idéias e as convicções se lhe acres- tar-se" uns aos outros. Seria isto uma verdade, no sentido
centem por essa interação. Só em tempos relativamente re- de que estão a fazer, do mesmo modo, as iilesmas espécies de
centes se notou o predomínio da influência da associação coisas. Mas a "imitação" não projeta luz sobre o porquê de
com outros seres humanos para a formação mental e moral assim procederem; para explicar um fato, ela se limita a re-
dos educandos. Mesmo agora este método é tratado como produzir esse fato. É explicação da natureza daquela, célebre,
uma espécie de apêndice do pretenso método de aprender pelo de que o ópio faz dormir por ter poder dormitivo.
contacto direto com as coisas, e com o fim exclusivo de A semelhança objetiva dos atos e a satisfação mental
completar o conhecimento das coisas com o conhecimento das sentida por proceder-se em harmonia com os outros são ba-
pessoas. Nosso intuito na discussão deste tema é mostrar que t i z a d a ~ com o nome dc imitação. Este fato social é então
semelhante opinião faz uma dissociação absurda e impossível tomado por uma força psicológica que produz a similitude;
entre pessoas e coisas. A interação com as coisas pode criar Parte considerável daquilo que se chama iniitação é simples-
hábitos de adaptação externa. Mas só conduz a uma atividade iiiente o fato de que pesSoas de estrutura semelhante reagem
que tenha significação e propósito consciente quando se utili- do mesmo modo a estímulos semelhantes. Independentemente
zam as coisas para a obtenção de alguni resultado. E o único de qualquer imitação, o indivíduo insultado se encoleriza e se
meio por que uma pessoa pode modificar o espirito de outra é atira contra o insultador. Pode-se refutar este exemplo ale-
usar as condições físicas, naturais ou artificiais, de modo a gando-se o fato indubitávtl de que a reação a um insulto se
provocar como resposta algum ato. Tais são as nossas opera de niodos vários em grupos humanos de' diferentes cos-
conclusões principais. É de bom alvitre ampliá-las e robuste- tumes. E m um, pode-se investir aos socos, em outro desa-
cê-las, polido-as em contraste com a teoria que adota a psico- fiar-se para um duelo e em um terceiro manifestar-se o des-
logia das supostas relações diretas dos seres humanos entre si prezo. Assim sucede - já o disseram - por ser diverso o
como uma adição à psicologia das supostas relações diretas de modelo a se imitar. O simples fato de sereni diferentes os
um individuo com os objetcs materiais. E m sua essência esta costumes significa serem também diferentes os estimulas que
psicologia denominada social foi erigida sobre a noção da atuam no procedimento. A instrução consciente desempenha
imitação. Em conseqüência, passaremos a apreciar a natureza nisso o seu pipel; grande influência tem a prévia aprovação
e o papel da iniita~áona fc~rmaçãod o espirito. ou reprovação. Ainda mais eficaz é o fato de que, se o in-
dividuo não proceder do modo usado no seu grupo, se achará
De acordo com esta teoria, a direção social dos individuos literalmente excluido dele. Só poderá associar-se a outro inti-
repousa em sua tendência instintiva a imitar ou reproduzir mamente e em igualdade dti condições procedendo de modo
os atos alheios. Estes atos llies servem de modelo. Tão forte idêntico ao deles. É incessante a pressão social decorrente do
é o instinto imitativo, que as pessoas mais novas se esforçanl fato de apenas se admitir ao grupo queiii participa de sua ati-
a aceitar os moldes de ação criados pelas mais velhas e a vidade e de se excluir do mesmo quem procede diferentemente.
reproduzi-los em seu próprio modo de proceder. Conforme O que se chama efeito da imitação é precipuamente o resultado
nossa teoria, chamar-se a isto imitação é dar nome errôneo à da instrução consciente e do influxo selecionador exercido
co-participação com outras pessoas do LISO de coisas condu- pelas confirmaçóes e ratificações inconscientes, dos atos de
rentes a consequènrias de interesse rotiiiiin. alguém, por parte daqueles com quem se associou.
38 Democracia e edz~caçüo A edz~caçüo conzo direçüo 39

Suponharios que uiiia pessoa joga uma bola para o lado corripree+ider coisas, eventos e atos que habilitem alguém a
de uma criança; esta a apanha e a joga em sentido contrário, tomar parte eficaz em atividades associadas. Só o atrito
e o brinquedo continua. Neste caso o estimulo não é a vista gerado pela resistência encontrada da parte de outras pes-
da bola, nem do companheiro de bririquedo. É a situa& soas leva 3. opinião de que isso se efetua forçando-se alguém
- o jogo da bola. A "resposta" não é apenas rolar a bola a seguir um método de ação contrário As propensões naturais.
para trás; é fazê-lo de modo que o companheiro possa pegá-la Apenas o fato de não se tomarem em conta as situações em
e devolvê-la, a fim de que o brinquedo continue. O "padrão" que há pessoas mutuamente interessadas em proceder em
ou modelo não é o ato da outra pessoa. Toda a situação re- correspondência aos atos de outras conduz a considerar-se a
quer que cada qual adapte seus atos tendo em vista o que a imitação o principal agente promotor da direção ou controle
outra pessoa fez e vai fazer. Pode surgir a imitação, mas social.
seu papel é. subalterno. A criança tem interesse próprio;
deseja conservá-lo desperto. Ela pode então observar o modo 4. Algumas aplicações i educação. - P o r que razão
por que a outra pessoa apanha e segura a bola, com o fim de em um grupo selvagem se perpetua a selvageria e num
aperfeiçoar seus próprios atos. Ela imita os meios de fazer civilizado a civilização? Indubitavelmente a primeira resposta
e não o fim ou a coisa a ser feita. E imita os, meios porque que ocorre é que os selvagens são selvagens - seres de grau
o deseja, e em benefício próprio, como parte de sua própria inferior de inteligência e, talvez, faltos de senso moral. Mas
iniciativa: conseguir jogar bem. Basta considerar como de estudos cuidadosos tornaram duvidoso que suas faculdades
todo em todo a criança precisa, em seus primeiros tempos de inatas sejam apreciavelmente inferiores L do homem civilizado.
vida, para realizar com bom êxito o que pretenda, adaptar seus Eles deram-nos a certeza de que as diferenças inatas não são
atos aos dos outros, para ver-se como lhe importa proceder bastantes pais explicar a diferença de cultura. De certo modo
como .os outros e desenvolver sua compreensão dos seus modos o espírito dos povos selvagens é mais efeito, do que causa, de
de proceder para que o possa fazer igualmente. A compulsão suas atrasadas instituições. São de tal sorte suas atividades
daí decorrente para a similitude de aqão é tão grande, que se sociais, que Ihes restringem os objetos da atenção e interesse
torna completamente supérfluo re(.orrer à imitação. e, por isso, limitam-lhes os estimulos para o desenvolvimento
Realmente, a imitação dos fins, tão diversa da imitação mental. Mesmo em relação aos objetos que caem no campo
dos meios que auxiliam a atingir os fins, é coisa superficial de sua atenção, os primitivos costumes sociais tendem a fazer
e transitória que efeito produz na formação mental. a observa~ãoe a imaginação fixar-se em qualidades que não
0 s imbecis são particularmente aptos para esta espécie de imi- podem frutificar em seu espirito. A falta do domínio das
tação que adota os atos exteriores, mas não a significação de forças naturais significa que escasso número de coisas figu-
sua prática. Quando vemos crianças empenhadas nesta espécie ra em sua atividade conjunta. Somente é utilizado um nú-
de mímica, em vez de encorajá-las (o que faríamos se ela mero pequeno de recursos naturais e estes não são tão aprovei-
fosse um meio importante de direção social) somos mais incli- tados como o mereceriam. O progresso da civilização signi-
nados a repreendê-las, chamando-lhes macacos, papagaios ou fi,ca que maior núniero de forças e coisas naturais foi trans-
bichos ensinados. C0ntrariament.e a isso, a imitação dos meios formado em instrumentos de ação, em meios para se atingirem
de realizar é ato inteligente, que subentende observação acura- fins. Não é tanto pelo começarmos com capacidades supe-
da e seleção judiciosa daquilo que nos habilita a fazer melhor riores, mas, sim, devido aos estímulos superiores para pro-
alguma coisa que já tenhamos tentado fazer: Utilizado para vocar e dirigir a manifestação de nossas capacidades, que so-
certos fins, pode o instinto imitativo, como qualquer outro, mos civilizados. 0 s selvagens têm em grande escala estímulos
tornar-se um fator para o desenvolvimento da ação eficiente. brutos; e, nós, estimulos apurados.
Esta digressão, conseguintemente, produzirá o efeito de O s esforços anteriores dos homens modificaram as con-
reforçar a conclusão de que a verdadeira direqão social d i ~ ó e s naturais. Estas, originariamente, não favoreciam os
significa a formação de certa mentalidade - um modo de empreendimentos humanos. Cada planta cultivada, cada ani-
40 Deiriocracia e rdztcnçco
A edacnçZo corno direyZo 41
mal domesticado, cada utensílio, artifício ou objeto fabricado,
cada ornamentação estética ou trabalho de arte, significa a A educação intencional significa, segundo já vimos, um
transformaçáo de condições a principio hostis ou indiferentes ambiente especialmente escolhido tendo-se em vista, para essa
A atividade caracteristicamente humana, em condições seguras escolha, materiais e métodos apropriados a incentivar o cres-
e favoráveis. Como a atividade das crianças é hoje dirigida cimento na direção desejada. Desdc que a linguagem repre-
por esses estímulos selecionados e ricos, elas podem atravessar senta as condições físi.cas que sofreram a máxima transfor-
em breve tempo o trajeto que a espécie humana levou lentos niação no interesse da vida social - coisas físicas que per-
e torturados séculos para vencer. Todos os sucessos pre- deram sua qualidade originária tornando-se instrun~entosso-
cedentes "deram mais peso aos dados". ciais- é natural que a linguagem represente grande papel,
Por si mesmos, ou em seu conjunto, não constituem comparado ao dos outros recursos. Por meio dela, em cará-
uma civilização os estimulos geradores de "respostas" eco- ter de substitutos, conseguimos participar largamente da pas-
nômicas e eficazes, tais como o nosso sistema de estradas sada experiência humana, dilatando e enriquecendo assim a
e meios de transporte, a faculdade de dispormos pronta- experiência do presente. Achamo-nos habilitados, simbólica e
mente do calor, da luz e da eletricidade, e nossas máquinas imaginativamente, a antecipar situações. Por infinitos meios a
e aparelhos fabricados para qualquer fim. Mas o uso que liiiguagem condensa significações que registram resultados so-
lhes damos é civilização e, seiii aquelas coisas, seria impos-
ciais e pressagiam perspectivas sociais. De tal arte ela importa
sível esse uso. Dispomos agora do tempo que no estado
selvagem nos seria necessário para obter penosamente, em um em uma liberal participação em tudo o que é de valor na vida,
ambiente hostil, os meios de subsistência, e para nos asse- que iletrados e não educados passaram quase a ser duas expres-
gurarmos uma precária defesa contra a inclemência do refe- sões sinônimas.
rido ambiente. Transmite-se uni acervo de conhecimentos Apresenta, poriin, os seus perigos insistir-se nas esco-
cuja eficácia é garantida pelo fato de que a base natural em las neste instrumento particular educativo - perigos não ape-
que se apóiam conduz a resultados que se harmonizam com nas teóricos, mas que também se manifestam na prática.
os outros fatos naturais. Por esta causa, essas aplicações da Qual a razão por que, apesar de geralmente condenado, o
arte proporcionam proteqão. talvez a principal proteção contra metodo de ensino de verter conhecimentos - o mestre - e
a revivescência daquelas crenças supersticiosas, mitos fanta- absorvê-los passivamente - o aluno - ainda persiste tão
sistas e imaginações estéreis sobre a natureza, devido As quais arraigadamente na prática! Que a educação não consiste uni-
se perdeu, no passado, o melhor da capacidade intelectual hu- camente em "falar" e "ouvir", e sim em um processo ativo e
mana. Se acrescentarmos, a esse, outro fator, isto é, que tais construtor, é princípio quase tão geralmente violado na prática,
aplicações não somente foram usadas, senão também usadas como admitido em teoria. Não é essa depl~rávelsituação de-
de acordo conz os interesses de irnza vida verdadeiramente vida ao fato de ser a matéria meramente exposta por meio da
con&partida ou associada. tornam-se, então, esses recursos, o palavra? Prega-se; leciona-se; escreve-se. Mas para se por
cabedal positivo da civilização. Se a Grécia, com um restrito a matéria ou a teoria em ato ou eiil prática exige-se que o meio
acervo de nossos recursos materiais, perfez uma digna e nobre
escolar esteja preparado, em extensão raramente atingida, como
carreira intelectual e artística, foi porque trabalhou, para fins
sociais, com os recursos de que dispunha. locais e condições para agir e fazer com utensilios e materiais
de natureza física. Exige-se, ainda, que se modifiquem os
Mas seja qual for a situação, quer de barbaria, quer metodos de instrução e administração de modo a permitir e
de civilização, seja de domínio limitado sobre as forqas fí- assegurar o contacto direto e contínuo com as coisas. Não
sicas, ou de escravização parcial a uma mecanização que que se deva restringir o uso da linguagem como recurso educa-
ainda náo se incorporou à experiência compartida, as coisas,
tivo; e sim que esse uso será mais vital e fecundo normalmeiite
do modo como entram na aqão, fornecem a s condições educa-
tivas da vida quotidiana e dirigem a formafão mental e moral. articulado com a atividade exercitada em comum. "Deveis
fazer estas coisas, sem todavia desfazer as outras". E para a
42 Denrocracia e e d ~ ~ c a ~ ü o A educaçáo como direçáo 43

escola "estas coisas" significam o aparelhamento cotn os ins- sultado comum e dá uma compreensão comum da atividade
trumentos para a atividade cooperadora ou conjunta. aos seus co-participantes. A significaçáo é a mesma para
Pois quando as escolas se afastam das condições educacio- todos, malgrado execntem atos diferentes. A essência da
nais eficazes do meio extra-exolar, elas necessariamente subs- direçáo social é esta compreensão comnm dos meios e dos fins.
tituem um espírito livresco e pseudo-intelectual a um espírito Ela é indireta, ou sentimental e intelectual, e não direta ou
social. A s crianças vão. sem dúvida, à escola para aprender, pessoal. Além disso, 6 disposição intrínseca da pessoa e, não,
mas resta ainda provar-se que o aprender ocorra mais adequa- externa e coercitiva. O fim da educação é conseguir esta
damente quando se torna uma ocupação conscientemente iso- direção interna por meio de identidade de interesse e com-
lada. Quando, tratado assim, tende a excluir o senso social preensão. 0 s livros e a conversação podem fazer muito.
derivado da participação em uma atividade de interesse e mas o mal é contarmos excessivamente com esses fatores.
valor comuns, o esfurço para o aprendizado intelectual isolado Para sua plena eficiência, as escolas precisam de mais opor-
contraria seu próprio escopo. Conservando um indivíduo iso- tunidades para atividades em conjunto, nas quais os educandos
lado, consequiremos garantir-lhe a atividade motora e a exci- tomem parte, a fim de compreenderem o sentido social de suas
tação sensorial: mas não poderemos desse modo fazê-lo com- próprias aptidões e dos materiais e recursos utilizados.
preender a significação das coisas na vida de que faz parte.
Conseguiremos dar-lhe especial aptidão técnica em álgebra, la-
tim ou botânica, mas náo a espécie de compreensibilidade que
orienta as aptidões para fins úteis. Só se consegue mentalidade
social dedicando-se os homens i atividade conjunta, na qual o
uso de materiais e utensílios, por parte de uma pessoa, se rela-
ciona conscienten~entecom o uso que outras pessoas fazem de
suas aptidões e recursos.

Resumo. - Os impulsos naturais o u inatos das pes-


soas não adultas não se harmonizam com os hábitos de vida
da sociedade onde nasceram. I'or conseqüência, deverão ser
dirigidas ou guiadas. Esta direção não se confunde com a
coação física; ela consiste em fazer convergir os impulsos
que se manifestam em dado tenipo para alguni fim especial,
e em introduzir continuidade na sucessão dos atos. O s atos I
dos outros são sempre influenciados se escolhermos os estí-
mulos que Ihes provoquen~"respostas". Mas em certos casos,
como ordens, proibições, aprovações e desaprovações, os estí-
m u l o ~partem de pessoas que têm a intenção de influenciar
diretamente a atividade alheia. Como em tais casos é mais
conscientemente que influímos nas ações de outrem, é provável
exagerarmos a importância deste modo de influir ou educar, em
prejuízo de um metodo mais eficaz e de mais duradouros
efeitos. Esta direção básica reside na natureza da situação
em que o imaturo toma parte. Nas situações sociais, o jovem
põe seu modo de proceder em relação com o dos outros,
adaptantlo-o ao mesmo. Isto lhe orienta a ação para um re- I
tica. Prende-se a atenção naquilo que a criança não tem,
e que não terá enquantb não se tornar um homem. Esta
aferição relativa é legitima para alguns intuitos; mas se a
tornarmos última e final será o caso de perguntarmo-nos se
não seremos culpados de excessiva presunção. Se as crianças
se pudessem exprimir clara e sinceramente contar-nos-iam
coisas mui diversas; e entre os adultos acha-se bastante autori-
A educação co~izoc~escimento zada a convicçáo de que, para certos fins morais e intelectuais,
devem pies, os adultos, tornar-se verdadeiras crianças.
Manifesta-se a gravidade da suposição de que são pura-
1. Condições d o crescimento. - Dirigindo a ativi- mente negativas as possibilidades do imaturo, ao refletirmos
vidade de seus membros mais novos, e determinando-lhes, por que tal suposição prefixa como ideal e padrão um fim está-
esse modo, o futuro, a sociedade determina o seu próprio. tico. Conseguir-se o desenvolvimento, crescer, é considerado
Uma vez que em dada época, mais tarde, esses jovens consti- como terminar o mesmo, isto é, tomar-se ele um não desen-
tuirão a sociedade de seu tempo, a natureza desta última de- volvimento, uma coisa que não se desenvolve e não cresce mais.
penderá em grande escala da direcão dada anteriormente à Patenteia-se a futilidade dessa presunção com a circunstância
atividade infantil. Esta marcha cumulativa de acão para um de os adultos protestarem contra a afirmativa de não mais
resultado ulterior é o que se chama crescimento (growth). terem eles a possibilidade de desenvolver-se; e, caso o aceitem,
lastimarem o fato, considerando verdadeira perda, e, não, sinal
A primeira condição para haver cresciinento é que haja d e superioridade, o estar finda a sua educação. Por que usar
imaturidade. Parecerá tautologia dizer que um ser só se medidas desiguais com a criança e com o adulto?
pode desenvolver em algum ponto ainda não desenvolvido.
Considerada absoluta e não relativamente, a imaturidade
Mas o prefixo "im" de "imaturidade" significa algo de posi- significa uma força ou aptidão positiva - a aptidão para
tivo e, não, simples carência ou vacuidade. É conveniente desenvolver-se. Não teremos que extrair atividades positivas
assinalar que os termos "capacidade" e "potencialidade" têm de uma criança, ou fazê-las surgir, consoante o entendem
duplo sentido - um negativo e outro positivo. Capacidade algumas teorias educacionais. Onde existe a vida, existem já
pode denotar mera receptividade, como a capacidade de um litro. atividades ardentes, afervoradas. Desenvolviu~ento, cresci-
Como se pode significar por potencialidade um mero estado de mento, não é alguma coisa que fazemos a estas atividades: é
adorrnecimento ou quietude - a capacidade de tornar-se coisa alguma coisa que as referidas atividades fazem. O aspecto
diferente pelo influxo de condiçóes exteriores. Mas também positivo e construtor dessas possibilidades proporciona a chave
indicamos, com a palavra capacidade, uma aptidão, um poder; para se compreenderem os dois traços principais da imaturi-
e com a de potencialidade, energia, força. Ora, quando dize- dade: a dependência e a plasticidade.
mos que imaturidade significa a possibilidade de crescimento, Parecerá absurdo ouvir falar-se de dependência como de
não nos referimos à ausencia de aptidões que poderão surgir uma qualidade positiva e, ainda mais absurdo, como uma força,
mais tarde; referimo-nos a uma força positivamente atual - a um poder. Entretanto, se incapacidade fosse tudo que existisse
capacidade e aptidão para desenvolver-se. em dependência, nenhum desenvolvimeiito se poderia efetuar.
Nossa tendência a considerar a imaturidade como mera U m ser simplesmente impotente teria de ficar eternamente a
falta, ou austncia e crescimento, como alguma coisa que cargo de outros. O fato de que a dependência é acompanhada
preenche o vazio eiitre o adulto e o imaturo, é devida a en- pelo desenvolvimento de aptidões, e não por uma sempre
cararmos a criança relativamente, e não intrinsecamente. Con- crescente tendência ao parasitismo, sugere ser ela, já, uma
sideramo-la uma falta ou privação, por estarmos a medir a forqa construtora. Se fosse unicamente protegida, carregada
idade adulta, considerada como uma craveira fixa ou está- e amparada pelos outros 1150 se manifestaria o desenvolvimento.
46 Democracia e educa~ão

Pois essa proteção equivaleria unicamente a uma muralha cons- seus instintos sociais são empregados em seu próprio interesse
truída em torno da impotência. Em relação ao mundo mate- e não que esses instintos não existam. Mas semelhante afir-
rial, é certo, a crianca nada pode por si. Falta-lhe ao nascer, e mação não corresponde à verdade. O s fatos geralmente ci-
depois, durante muito tempo, a capacidade de se conservar tados em apoio do pretenso egoismo infantil mostram em ver-
fisicamente, de procurar a própria subsistência. Se tivesse de dade a intensidade e retidão com que as crianças se dirigem a
fazer isso por si mesma, dificilmente teria uma hora de vida. seu alvo. Se este alvo ou fim parece acanhado e egoísta para
A esta luz, sua impotência é quase completa. O s filhotes dos o s adultos, é unicamente porque estes (por meio de idêntico
animais são-lhe infinitamente superiores a tal respeito. Fisi- procedimento na puerícia) já realizaram os tais fins, que por
camente fraca, a criança é incapaz de empregar as outras essa razão deixaram de interessá-los. A maioria dos outros
forças que possui para lutar com o meio material. pretensos atos egoísticos da criança denotam apenas um egoís-
mo em conflito com o egoísmo dos adultos. A estes adultos,
I - Não obstante, a natureza desta impotência completa que se acham mui absorvidos com suas próprias preocupações
sugere a existência de alguma força compensadora. A relativa para se interessarem pelas preocupações das crianças, estas
habilidade dos filhos dos irracionais para adaptarem-se perfei- parecerão, com certeza, desrazoayelmente dominadas pelos seus
tamente às condições físicas de seus primeiros tempos de vida, Próflrios desejos.
entremostra o fato de que a'vida dos mesmos não se acha
intimamente ligada à dos seres entre os quais eles vivem. São Sob o ponto de vista social, a dependência denota, por-
forçados, por assim dizer, a ter aptidões físicas, por Ihes tanto, mais uma potencialidade do que uma fraqueza; ela su-
faltarem aptidões sociais. Por outro lado, os infantes huma- bentende interdependência. Existe sempre o perigo de que a
nos podem viver, apesar de sua incapacidade física, exatamente crescente independência pessoal faça decrescer a capacidade
por causa de sua capacidade social. Falamos e pensamos, As social de um individuo. O tornar-se mais confiante em si pode
vezes, como se simplesmente sucedesse acharem-se eles fisica- fazê-lo bastar-se mais a si mesmo; pode levá-lo ao insulamento
1 e à indiferença. Isto torna muitas vezes o individuo tão in-
mente em um ambiente social; como se as forças sociais exis-
tissem exclusivamente nos adultos que Ibes dão seus cuidados, sensível em suas relações com os outros, que lhe faz nascer a
sendo os infantes meros seres de receptividade passiva. Se ilusão de ser realmente capaz de manter-se e agir isolado -
disséssemos que as crianças são por si mesmas maravilhosamente forma esta, ainda sem nome, de insanidade mental que é res-
dotadas da faculdade de atrair a atenção cooperadora das outras ponsável por grande parte dos sofrimentos remediáveis deste
pessoas, pensar-se-ia ser isto um modo indireto de afirmar que
as outras pessoas são maravilhosamente atentas às necessidades
das crianças. Mas a observação nos mostra serem estas do-
I mundo.

I1 - A aptidão especial de um imaturo para crescer


tadas de um equipamento de primeira ordem para as relaq5es constitui sua plasticidade. Esta é coisa mui diversa da plas-
sociais. Poucos adultos conservam toda a plástica e sensivel ticidade do mástique ou da cera. Não é a propriedade de
aptidão das crianças para vibrarem em harmonia com as ati- mudar de forma de acordo com a pressão exterior. Parece-se
tudes e atos das pessoas entre as quais vivem. A desatenção mais com a elasticidade com que algumas pessoas assumem a
para com as coisas materiais (associada à sua incapacidade cor de seu ambiente, conservando, ao mesmo tempo, as pró-
para dominá-las) é acompanhada de uma proporcional inten- prias inclinações. Mas é algo mais profundo do que isto. Em
sificação de interesse e de atenção pelos atos das outras pes- sua essência, é a aptidão de aprender com a experiência, o
soas. O mecanismo vital e inato da criança, e seus impulsos, poder de reter dos fatos alguma coisa aproveitável para solver
tudo contribui para facilitar a correspondência de natureza
social. Mesmo que fosse verdade o que se afirma, de serem
as dificuldades de uma situaçáo ulterior. Isto significa -
poder modificar seus atos tendo em vista os resultados de fatos
as crianças egoístas antes da adolescência, isso não invalidaria anteriores, o poder de dese$zí,olzfeuatitudes mentais. Sem isto
a verdade do que expusemos. Indicaria, simplesmente, que seria impossível contraírem-se hábitos.
A educayão conro crrscimcnto 49
48 Democracia e educaçüo
tante, não só do ponto de vista dos membros adultos da co-
É familiar o fato de que os filhos dos animais superiores, munidade, como também no das crianças. A presença de
e especialmente os dos humanos, precisam aprender a utilizar-se seres dependentes de nós e a aprenderem as coisas é um
de suas reações instintivas. O ser humano nasce com maior estímulo á criaçáo e à afeição. A necessidade de cuidados in-
número de tendências instintivas do que os outros animais. cessantes com a prole foi provavelmente o principal fator, para
Mas os instintos destes se aperfeiçoam por si mesmos, para a transformar as coabitações temporárias em unióes permauen-
ação conveniente, pouco tempo depois do nascimento, ao passo tes. Primacial foi também sua influência para fazer surgir
que a maioria dos do infante humano pouco lhe valem do os hibitos de vigilância afetuosa e sinipática - esse interesse
modo como eles existem. Uma aptidão inata especializada real e ativo pelo bem-estar alheio, interesse essencial à vida
para determinada adaptação assegura uma eficiência imediata em comum. Intelectualmente, tal dese~~volvimento moral sígni-
- mas, como um bilhete de via férrea, só' serve para dado fica o aparecimento de novos objetos de atenção - significa
percurso. O ser que, com o fim de se utilizar dos olhos, dos estimular-nos a ser previdentes e a formar planos para o
ouvidos, das mãos e das pernas, tem que experimentar fazer futuro. E, daí, por conseguinte, uma influência reciproca.
variadas combinações de suas reaçóes, consegue maleável e A crescente complexidade da vida social requer cada vez mais
variado domínio dos mesmos. Um pinto, por exemplo, aprende prolongado período de infância para se adquirirem as necessá-
a bicar com perfeição o alimento poucas horas depois de sair rias aptidões: e prolongamento da dependência corresponde a
do ovo. Isto significa que, com poucas tentativas, ele consegue prolongamento da plasticidade ou faculdade de se adquirirem
perfeita coordenação das funções dos olhos, para ver, e do novos e vários modos de direção. E, em conseqüência, maior
corpo e da cabeça para dar as bicadas. Já uma criança ne- impulso ao progresso social.
cessita de seis meses para calcular com alguma perfeição os
movimentos coordenados com sua atividade visual, para alcan- 2. 0 s hábitos como manifestações de crescimento.
çar alguma coisa - isto é, de ser capaz de saber se pode - Já observamos que a plasticidade é a faculdade de reter
atingir o objeto visto e como executar este ato com justeza. e extrair da experiên,cia anterior elementos que modificar50
O resultado é que a atividade do pinto se restringe devido à os atos subseqüentes. Isto significa a capacidade de contrair
relativa perfeição de seu equipamento inato, ao passo que a hábitos ou desenvolver determinadas atitudes. Consideremos
criança tem a vantagem da ritultidão de reaçóes instintivas agora as caracteristicas essenciais dos hábitos. E m primeiro
feitas em tentativas sem-fim e da experiência obtida com isto, lugar, um hábito é uma habilitação, uma aptidão executiva,
sem embargo da temporária desvantagem de se prejudicarem uma capacidade de fazer. Um hábito significa a capacidade
aquelas mutuaniente. O aprender a prática de um ato, quando de ntilizar as condiçóes naturais como meios para a realização
não se nasce sabendo-o, obriga a aprender-se a variar seus
de objetivos. É 11111 dominio ativo sobre o ambiente, por meio
fatores, a fazer-se combinaçóes sem conta destes, de acordo
com a variação das circunstáncias. E isso traz a possibilidade do comando dos nossos órgãos de ação. Son~os,talvez, incli-
nados a dar maior importância a esse dominio e comando do
de um continuo progresso, porque, aprendendo-se um ato,
desenvolvem-se métodos bons para outras situações. Mais corpo, do que ao comando e domínio do ambiente. Encaramos
importante ainda é que o ser humano adquire o hábito de os atos de andar, falar, tocar piano, as aptidões especiais
aprender. Aprende a aprender. caracteristicas do gravador, do cirurgiãio, do engenheiro, c01110
A significação, para a vida humana, das duas circunstán- se fossem simplesn~entehabilidade, perícia e perfeição da parte
cias - dependência e modo variável de resolver e controlar do organismo.
situaçóes - foi posta em destaque na teoria da importância São-no, sem dúvida, mas a medida do valor destas qua-
da infância prolongada (1). Este prolongainento é impor- lidades reside no dominio eficaz e econôinico sobre o ambiente,
que elas asseguram. Ser capaz de caminhar é ter ao nosso
dispor certas propriedades da natureza - e o mesmo sucede
1) Encontram-se ein vários escritores referèncias , à sua impor- em relaçáo aos demais hábitos.
tincia, mas John Fiske, em seu livra "Excursóes de um Evolucionista",
apresenta a primciia e x p o s i ~ á osistemAtica da matéria. N. do A.
50 Dcmocrocia e cdxcação A educagáo como crcscinrento
1
-'"
BIBLIOTECA I
Não raro define-se a educa~áocomo a aquisição dos há- teressamos.
~ - - . de fato. em transformar todo o ambzente: consr-
bitos indispensáveis a adaptaqão do individuo a seu ambiente.
~

deramos definitiva grande parte dele e a aceitamos tal qual é.


Esta defini~ãose aplica a um aspecto fundamental do cresci- Com esta base, passam as nossas atividades - a se focalizarem
mento. Mas é essencial que se entenda tal ajustamento ou sobre certos pontos, esforçando-se por implantar mudanças ne-
adaptação no sentido ativo de assenhoreamento de meios para cessárias. A acomodação ou hábito passivo é, assim, nossa
a realização de fins em vista. Se julgarmos seja um hábito adaptação a uma parte do meio que, no momento, não nos
mera modificaçáo realizada no organismo, abstraindo da cir- interessa modificar, adaptação que serve de ponto de apoio para
cunstância de que esta modificação consiste na aptidão para a formação dos nossos hábitos ativos.
efetuar subseqüentes modificações do ambiente, seremos leva- A adaptação, finalmente, é tanto a adaptação do meio A
dos a considerar qiie "adaptaçáo" é uma conformidade com nossa atividade, como a de nossa atividade ao meio. Uma
o meio, igual à da cera em relação ao sinete que se grava nela. tribo selvagem procura viver em uma planicie deserta. Ela
Subentender-se-ia que o ambiente fosse algo de fixo, que adapta-se. Mas a sua adaptaçáo se faz com o máximo de
proporcionasse, em sua fixiclrz, o fim e o modelo das mudanças conformidade, de tolerância, de utilização das coisas tal qual
que se efetuam no organismo; e a adaptaqáo seria o nos ajus- existem, o máximo de aquiescência passiva e o minimo de
tarmos exatamente a esta fixidez das condições externas (1). influxo ativo, de dominio das coisas a serem usadas. Entra
Hábito, em certo sentido, é em verdade algo relativamente em cena um povo civilizado. Ele também se adapta. Intro-
passiwo; habituam-nos às coisas entre as quais vivemos, às duz a irrigasão, pesquisa em todo o mundo plantas e animais
nossas roupas, ao nosso calqado e às nossas luvas; ao clima, que resistam aquelas condições; aperfeiçoa, por uma cuidadosa
quando mantém certa uniformidade; aos companheiros de cada s'leção, os já existentes no lugar. A conseqüência é que o
dia, etc. Conformidade com o meio, mudança no organismo deserto floresce como uma roseira. O selvagem apenas se
sem se criar a aptidão para marlificar aquele meio, é o traço habituou; o civilizado tem hábitos que transformam o ambiente.
saliente de tais hábitos. Além do fato de que não somos capa- A significação de hábito não se esgota, porém, com os
zes de converter os resultados desses ajustamentos (que bem seus aspectos executivo e motriz. Importa na formação de
se poderiam chamar acomodaçócs, para diferençarem-se da uma disposição intelectual e emocional tanto quanto um acrés-
adaptaçáo ativa) em hábitos operantes e ativos sobre o nosso cimo de facilidade, economia e eficácia de aqáo. Todo o há-
meio, são dignos de registro dois aspectos de tais hábitos bito indica uma inclinação - uma preferéncia e escolha posi-
passivos. tivas das condiçóes necessárias à s i a manifestação. há-
Em ptirneiro lugar, nós nos acostuman1os às coisas, usan- bito não espera, como o personagem MICAWBER, de DICKENS,
do-as antes. Consideremos o fato de nos habituarmos a uma que algum estimulo apareça para se dar a alguma tarefa; ele
cidade desconhecida. A principio, excessivos estimulos e res- procura ativamente ocasiões para se exercer. Se esse exer-
postas excessivas e mal adaptadas. Gradativamente certos es- cicio for indevidamente tolhido, a tendência e inclinação para:
timulo~se selecionam por sua relevância, ao passo que outros ele manifestam-se por um mal-estar e intenso anseio de agir.
se enfraquecem. Poderiamos então dizer - que não correspon- Um háliito significa, por outro lado, uma atitude de inteligên-
demos mais aos mesmos, ou, mais verdadeiramente, que estabe- cia. Onde existe um hábito, existe o conhecimento dos ma-
lecemos uma correspondência permanente com eles -
um equi- teriais e do aparelhafnento a que se aplica a atividade. Há
librio de adaptaqão. Em segundo lugar, é essa adaptaçáo defi- uma compreensão certa das situações em que o hábito atua.
nitiva que fornece o fundamento sobre o qual ocorrerão outras Modos de pensar, de observar e de refletir constituem formas
adaptações especiais, quando surgir o ensejo. Nunca nos in- de habilidlde e de desejo inerentes aos hábitos que fazem um
- homem ser engenheiro, arquiteto, médico ou negociante. Nas
1) Esta concepc.50 está. naturalmente, em correlação lógica com modalidades de trabalho que exigem menos aptidões, os fatò-
as concep~óes das relscões exteriores entre estimulo e resposta, consi-
derados no Último capitulo, e com as concep~ões negativas de imatu- res intelectuais se reduzem ao mínimo porque não são de tipo
ridade e de plasticidade, de que tratarnas no presente capitulo. elevado os Iihbitos que elas subcntendem. Mas tanto esistem
52 Dsnzocuacia e educação A educação como cr.esci?iicnfo 53

hábitos de julgar e de raciocinar, como de manejar um uten- gosto pelos novos estímulos e novas experiências resvala de-
sílio, pintar um quadro ou conduzir uma experiência. pressa para uma estabilidade que significa aversão às mudanças
e o contentar-se com as realizações e conquistas passadas. Só
Essas consideracões estão, entretanto, aquém da realidade. pode contrastar e deter esta tendência um ambiente que asse-
O que, em verdade, dá importância aos hábitos dos olhos e gure o pleno funcionamento da inteligência no processo d e
das mãos, são os hábitos intelectuais que eles subentendem. contrair hábitos. Por certo, o emperramento das estruturas
Mais do que tudo, é o elemento intelectual de um hábito que orgânicas afeta as funções fisiológicas que intervêm no ato
lhe garante o uso variado e elástico e, por conseguinte, o seu de pensar. Mas esta circunstância patenteia exatamente a ne-
contínuo cresciinento. Falamos, muitas vezes, de hábitos fixos. cessidade de perseverantes cuidados para que a função da in-
Tal expressão pode significar forcas e capacidades tão beni teligência seja levada a seu máximo de possibilidades. O mé-
implantadas que delas podemos sempre dispor em caso de todo de vistas curtas que recorre à rotina e repetição maquinais
necessidade. Mas a frase é também usada para exprimir para garantir a eficácia exterior do hábito e a habilidade mo-
exatamente processos rotineiros, sem frescura, sem largueza de tora, sem correspondente esforço mental, significa uma voluu-
vistas e sem originalidade. Fixidez de hábitos significa, então, tária supressão de horizontes ao crescimento.
que alguma coisa nos mantém sob o seu domínio em vez de
sermos nós que podemos livremente l a n ~ a rmão das coisas.
3 . A significação educacional do conceito d o desen-
Este fato - explica dois pontos da noção comum relativa aos
volvimento. - Até aqui, pouco temos tido que dizer,
hábitos: sua identificação com as modalidades da açáo mecâ-
nica e externa, em detrimento das atitudes morais e mentais, neste capitulo, acerca de educação. Ocupamo-nos com a3
e a tendência a dar-lhes significação pejorativa equivalente a condições de crescimento e com o que este subentende. Se
'C
maus hábitos". Muitas pessoas se surpreenderiam ao ouvir nossas conclusões são justas, elas .acarretam consigo deter-
minadas conseqüências educacionais. Quando se diz que edu-
chamar "hábitos" sua aptidão na profissão escolhida, e pen-
sariam naturalmente no seu hábito de fumar, de beber ou em caqáo é desenvolvimento, tudo depende do conzo se concebe
este desenvolvimento. Nossa conclusão essencial é que vida é
outras coisas da linguagem profana com a típica significação
de hábitos. Um hábito, para elas, é alguma coisa que as tem desenvolvimento e que o desenvolver-se, o crescer é a vida.
sob seu domínio e de que não se libertam facilmente mesmo Traduzido em termos educacionais equivalentes, isto s i p i -
que, pela razão, a condenem. fica: 1.") que o processo educativo não tem outro fim alem
de si mesmo: ele é seu próprio fim; e que, 2.') o processo
O s hábitos se reduzem a rotineiros modos de proceder, educativo é um contínuo reorganizar, reconstruir, transforn~ar.
ou degeneram em modos de proceder a que nos escravizamos
na medida em que a inteligência se dissocia dos iiiesmos. Há- 1.0 - Considerado comparativamente, isto é, com refe-
bitos rotineiros são hábitos irreflexivos; "maus" hábitos são rência às características especiais da vida infantil e da vida
hábitos tão apartados da razão que se acham em conflito com adulta, o desenvolvimento significa a orientação da energia e
as conclusões da deliberação e decisão conscientes. Segundo das forças latentes para canais especiais: a formação de há-
já vimos, a aquisi~ãode hábitos é devida à plasticidade de bitos implicando capacidade prática executiva, interesses defi-
nossa natureza: a nossa aptidão para variar as reações ou nidos e certos e objetivos específicos para a observação e a
respostas, até encontrarmos um apropriado e efi'ciente modo reflexão. Mas essa apreciação relativa não diz tudo. A crian-
.de proceder, uma conduta adequada. Hábitos rotineiros ou qa é possuidora, por certo, de aptidões especiais: desprezar esta
hábitos que nos possuem em vez de serem possuídos por nós, circunstância é mutilar ou deformar os órgãos de que depende
são hábitos que põem termo a tal plasticidade. Eles assinalam seu desenvolvimento. Mas, por seu lado, o adulto utiliza-se de
o fim da aptidão para variar. Não pode ser posta em dúvida suas aptidões para transformar o ambiente em que vive, ocasio-
a tendência da plasticidade orginica, de base fisiológica, em
nando com isso o aparecimento de novos estímulos que reo-
diminuir com o decurso do tempo. A atividade instintivamente
móvel e inqiiieta ou ansioia de variedade, da idade infantil, 0 rientam suas energias e as mantêm em desenvolvimento. A
54 Democracia e educaçáo A educaçáo co?$to crescimento 55

igiiorância deste fato significa parada de crescimento ou simples


exteriores para provocar a inarcha para aquela finalidade.
acomodação passiva ao ambiente. Logo, por outras palavras Sempre que for estigmatizado como mecânico algum método
- tanto as crianças normais como os adultos normais se estio educativo, podemos ter a certeza da existência da compulsáo
a desenvolver. A diferença entre eles não é a que existe entre externa para fazer atingir um fim externo.
desenvolver-se e não se desenvolver, e sim a que existe entre
modos de desenvolvimento adequados a condiqões diferentes. -
2." Desde que em realidade o desenvolvimento ou cres-
Com relação ao desenvolvimento de aptidões destinadas a lidar cimento é apenas relativo a um maior desenvolvimento ou
e resolver problemas especiais cientificos e econômicos, pode- crescimento, a nada se suhordina a educação, a não ser a mais
remos dizer que a criança se desenvolve para tornar-se cada edticaçáo. É lugar-comum dizer-se que a educaqão não cessa
ao sair-se da escola. O sentido deste lugar-comum é ser o
vez mais adulta. E com referência à curiosidade simpatizante,
às reações francas e à receptividade mental poderemos dizer intuito da educação escolar assegurar a continuação da educa-
que o adulto se desenvolve à medida que se reaproxima da in- ção coordenando as energias e organizando as capacidades
que asseguram o permanente desenvolvimento. A tqndência a
fância. Tão verdadeira é uma afirmativa quanto a outra.
aprender-se com a própria vida e a tornar tais as condições da
Três idéias que já criticamos - o considerar-se a ima- vida que todos aprendam com o processo de viver, é o mais
turidaJe uma simples deficiència, a adaptação um ajusta- belo produto da efi,ciência escolar.
mento estático a um ambiente fixo e o hábito como coisa
rigida e mecânica - se ligam e se prendem, todas elas, a Quando desistimos de tentar definir a imaturidade por
uma comparação rígida coin as realizações dos adultos, somos
uma falsa idéia de crescimento ou desenvolvimento, isto é,
forqados a desistir de considerá-la conio denotando a falta
ser este uma evolução, uma marcha para um alvo fixo. Con- de característicos desejados. Abandonando esta noção, somos
sidera-se que o desenvolvimento t e m Irm fim, em vez de ser
ek próprio 21112 fim. 0 s equivalentes educacionais daquelas tamhém forçados a desistir de nosso háhito de considerar a
três falsas idéias são: primeiro, não se tomarem em conta instruçáo como um meio de suprir essa falta. despejando os
as forças ou capacidades instintivas ou inatas dos educandos; conhecimentos em um vazio mental e moral que aguardava a
segundo, não se desenvolver o espirito de iniciativa para com ocasiáo de ser preenchido. Se a significação da vida é desen-
as situaçóes novas; terceiro, um injustificável exagero dos volvimento. tão verdadeira e positivamente vive turia criatura
métodos mecânicos de ensino (drill) ou de outros artifícios em uma fase como noutra, com a mesma plenitude intrínseca
que asseguram a habilidade automática, em prejuízo da per- e as mesmas exigências absolutas. Daqui se infere que edu-
cepção pessoal. Em todos os trCs casos toma-se o ambiente do cação significa a empresa de suprir as condições que assegu-
adulto como modelo e alvo para o imaturo. Este deve ser le- ram o crescimento ou desenvolvimento, - a adequação da vida
vado até ao adulto. - independentemente da idade. Com efeito, se encaramos com
impaciência a imaturidade, considerando-a uma coisa que deve
0 s instintos naturais náo sáo tomados em conta ou são findar o mais cedo possível, logo depois, quando adultos, por
tratados como coisas nocivas - como traços prejudiciais a isso que fomos formados por esses nlétodos ediicativos, wlve-
serem suprimidos, ou, pelo menos, a serem postos em confor- mos o olhar com viva saudade para a infância e adolescência
midade com os padrões externos adotados. Uma vez que essa passadas, como se contemplássemos um cenário de oportuni-
conformidade é o objetivo, tudo o que é caracteristicamente in- dades perdidas e energias esperdiçadas. Veremos ironicamente
dividual em uma pessoa nova deve ser posto à margem, ou esta situação perdurar até reconheceriiti,~que a vida em qual-
considerado como fonte de mal e de anarquia. Torna-se a quer tempo tem suas próprias qualidades iiitrinsecas e que a
conformidade uma coisa equivalente à uniformidade. E m tarefa da educação é aplicar-se a essas qualidades.
conseqüência disto, origina-se falta de interesse pelo novo,
aversão ao progresso e temor do incerto e do desconhecido. A compreensão de que vida P rrescimento, é desenvol-
Uma vez que a finalidade do desenvolvimento se acha fora vimento, protege-nos contra essa "idealizaqáo" da infância. que
em verdade náo passa de uma ociosa fantasia. Não se pode
e além do processo do desenvolvimento, recorre-se a agentes
identificar a vida com qualquer ato e interesse superficiais.
56 Democracia e cdricaç~o A educaçáo como crescimento 57
Embora não seja sempre fácil saber se o que parece mera
peraltice sem significação não será um indicio do surgir de fins humanos. Os hábitos tomam uma forma passiva ou de
alguma energia ainda iudisciplinada, deveremos lembrar-nos equilíbrio geral e persistente da atividade orgânica com o
de que essas manifestaçóes não devem ser tomadas como fins meio - e uina forma ativa de aptidões para readaptar a ativi-
dade a condições novas. A primeira fornece a base para o
em si mesmas. São sinais de possível crescimento. Devem
crescimento, o desenvolvimento; a segunda constitui o desen-
ser convertidas em meios de crescimento, de transmissão de volvimento. Os hábitos ativos subentendem reflexão, inven-
energia para a frente, e não toleradas ou cultivadas por si ção e iniciativa para dirigir as aptidões a novos fins. ~ i e são
s
mesmas. A atenção excessiva aos fenbmenos superficiais (não o contrário da rotina, que assinala uma parada do desenvolvi-
só por meio da censura como também pelo do incitamento) mento. Uma vez que este é a característica da vida, educaçáo
pode causar a sua fixação e, portanto, a parada do desenvol- e desenvolvimento constituem uma só coisa. O desenvolvi-
vimento. O importante para o pai ou para o mestre é saber mento não tem outro fim a não ser ele próprio. O critério do
para onde esses impulsos se dirigem e não aquilo que eles sáo. valor da educação escolar está na extensão em que ela suscita
O verdadeiro principio do respeito à imaturidade não pode ser o desejo de desr~lvolvimentocontínuo e proporciona meios
melhor expresso do que com as palavras de E M E R ~ O N"Res-
: oara esse desejo.
peitai a criança. Não sejais em excesso pais dela. Não a
perturbeis em sua solidão. Mas ouço a grita dos que me
replicam: - Isso é abandonar as rédeas da disciplina pública
e particular; desejais que a criança se entregue loucamente a
suas paixões e caprichos e dais a esta anarquia o nome de
respeito pela natureza infantil? - Responderei: - Respeitai
a crianqa, respeitai-a até o fim, mas também respeitai-vos a
vós mesmos.. . Os dois pontos essenciais na educação de um
adolescente são: conservar o que lhe é natural e desprezar tudo
o mais; conservar seu natural, mas reprimir suas algazarrqs,
travessuras e brinquedos abrutados; resguardar seu natural e
armá-lo de conhecimentos em todas as dire~õespara onde esse
natural se incline". E prosseguindo EMERSON a mostrar seu
respeito pela puerícia e pela adolescência, em vez de rasgar
para os professores uma senda fácil de trilhar, diz sobre a
educação que "ela muito exige do tempo, e muito da reflexáo
do mestre. coisa que requer tempo, hábito, clarividência,
oportunidade e todas as grandes liçóes e auxílios de Deus; e
só o pensar em aplicá-la subentende caráter e profundeza
de vistas".

Resumo. - Capacidade de crescer decorre do estado


de dependência de outras pessoas, e de plasticidade. Estas
duas condições encontram-se em sua plenitude na infáncia e
n a adolescência. Plasticidade ou capacidade de aprender com
a experiência signimfica formação de hábitos. Os hábitos dão-
nos o dominio sobre o meio e a capacidade de utilizá-lo para
Prcpanaçáo e discipEina formal 59

má conseqüência da idéia da educação como preparação.


Muito remoto é o futuro para que se prepara o educando;
levará muito tempo para tornar-se presente. Para que pressas
no aprontariilo-nos para ele? a tentação de protelar cresce ainda
mais em face das muitas maravilhosas oportunidades de aven-
turas, para que o presente convida irresistivelmente. A natu-
ral que a atenção e a energia se dirijam para elas; a educação
Preparação, desdobranze?zto e disciplina se enriquece em resultado disso, mas esta educação é inferior
formal à que se conseguiria caso se houvesse empregado todo o
esforço para tornarem-se as condições do presente o mais
educativas possível. Iíin terceiro resultado indesejável é a
1. A educação como preparação. - Já deixamos substituiçáo de um padrão relativo às aptidões especiais do
exposto que o processo educativo é um processo de continuo educando, pelo padrão médio convencional de requisitos e exi-
desenvolvimento, tendo como objetivo, em cada fase, uma gências. O rigoroso e nítido julgamento baseado nos pontos
capacidade aumentada de desenvolvimento. Esta concepção fortes e fracos do indivíduo é substituído por uma vaga e hesi-
contrasta vivamente com outras idéias que têm influenciado tante opinião relativa ao que se pode, em geral, esperar que o
a prática do ensino. Tornando-se bem patente o contraste, jovem se torne em um futuro mais ou menos remoto - isto
ver-se-á mais claro a sigbificação deste conceito. O primeiro é, no fim do ano, por ocasião das promoções, ou no tempo em
contraste é com a idéia de que a educação é um processo que esteja preparado para i n ~ r e s s a rem uma academia ou pene-
de preparaçáo ou de ficar-se preparado. Preparado, natural- trar naquilo que, em contrastp com o estágio da preparação, é
mente, para as responsabilidades e regalias da idade adulta. considerado o lado sério da vida. É impossivel exagerar a peida
As crianças não são encaradas como membros sociais em si- resultante de desviar-se a atenção do ponto verdadeiramente
estratégico, que é o presente, para esse outro relativamente in-
tuação definida e regular. Encaram-nas como candidatos; co- fecundo. Falha o processo exatamente no que procura, in-
locam-nas na lista dos que esperam. Esta mesma idéia é le- tencionalmente, conseguir: - a preparação de alguém para
vada um pouco mais longe quando se considera não ter, a vida
o futuro.
do adulto, significa$io por si mesma e ser apenas provação
preparatória para a "outra vida". Trata-se, no fundo, de Finalmente, a teoria da preparaçáo obriga-nos a recorrer
outro aspecto da noção já criticada do caráter negativo do em grande escala ao uso de motivos artificiais de prazer e de
dor. Como o futuro não tem poder estimulante e orientador
desenvolviinento, isto é, de consistir em preencher um vazio,
por isso não repetiremos a argumentação e passaremos a tra- quando separado das possibilidades do presente, algo deve ser
descoberto para exercer aquela funcão. Empregam-se então
tar das más conseqÜ6ncias que advêm do assentar-se a edu- promessas de recompensa e ameaças de punição. Trabalho
c a ~ ã osobre' tais cin~entos.
sadio, realizado por motivos atuais e inerente ao próprio pro-
E m primeiro lugar, subentende perda de impulso. Não cesso de viver, é, por assim dizer, automático e inconsciente.
é utilizada a energia motriz. Como é proverbial, as crianqas I O estimulo se acha na situaçáo que se depara atualmente a
vivem no presente; náo só é circunstância a não ser omitida, akguém. Mas desde que se atende a esta situaçáo, precisa-se
como também é uma excelência. O futuro, em sua qualidade I dizer aos alunos que, se iiáo procederem do modo prescrito,
de futuro, não tem para elas estímulos nem realidade. Prepa- sofrerão a imposiqáo de penas; e, caso obedeçam, podem es-
rar-se para alguma coisa, não se sabe qual, nem porque, é perar dai a algum tempo, no futuro, recomperisas a seus sacri-
desprezar a energia motora existente para confiar-se na de fícios presentes. Todos sabem quão fartameme se houve de
uma vaga probabilidade. E m tais circunstâncias, favorece tal recorrer aos sistemas de punições nos métodos educativos que
concepção a vacilaçáo e a procrastinaçáo. E essa é a segunda esquecem as possibilidades presentes. em proveito da prepa-
60 Democracia e educação Preparação E disciplina fornu21 61
ração para o futuro. Para que. depois, o desgosto pela rudeza última fraqueza do espírito em sua transição da coinpreensão
e esterilidade desse método faça o pêndulo oscilar para o ex- estática da vida para a compreensão dinâmica. É uina simu-
tremo oposto e já agora, não são penas, mas atrações artifi- lação desta última concepção. Paga o tributo de falar niuito
ciais, engodos, rebuçados de açúcar! que farão com que os em desenvolvimento, processo, progresso. Mas todas estas
alunos aceitem as doses de informações por que não se inte- operaçóes são meramente transitórias, não tendo, em si mes-
ressam, mas que Ihes devem ser ministradas eiii virtude das mas, significação. Apenas possuem significação coiiio movi-
necessidades futuras. mentos para chegar-se a alguma coisa regnota para a qual nos
A questão, por conseguitite, em debate não é que a dirigimos. Uma vez que o desenvolvimento é simplesmente
educação prepare para o futuro. Se educação é desenvol- um movimento para atingir-se um completo modo de ser, o
vimento, ela deve progressivamente realizar as possibilidades ideal final é imóvel. U m futuro abstrato e indefinido é o que
presentes, tornando assim os indivíduos mais aptos a lidar mais prepondera, com tudo o que ele subentende, em detrimento
tarde com as exigências do futuro. O deseniolvimento não das energias e oportunidades atuais.
é coisa que se torne completa em determinada ncasião; é um Como o alvo da perfeição, o alvo a que tende o desen-
contínuo conduzir para o futuro. Se o ambiente, na escola volvimento se encontra niuito longe e muito para além de
ou fora dela, fornecer as condições que ponham adequadamente nós próprios, a conseqüência rigorosa é ser inatingivel. Por
em ação as aptidões do imaturo, é certo beneficiar-se com isso isso, para ser utilizado como guia no presente, deverá ser tra-
o futuro, que é produto do presente. O erro não está pro- duzido em alguma coisa que o substitua. De outro modo,
priamente em cuidar-se da preparação para as futuras neces- seríamos compelidos.-a considerar todas as manifestações da
sidades e sim em tornar essa preparação a mola real do esforço criança como um expandir-se das faculdades latentes, e, por
presente. Sendo grande a necessidade de preparação para uma essa causa, como coisas sagradas. Se não obtivéssemos algum
vida em contínua evolução, urge empregarem-se todas as ener- critério definido que representasse o fim ideal para julgar, por
gias para tornar-se a experiência presente a mais rica e signi- meio dele, se dada atitude ou dado ato é, com referência
ficativa possível. E como o presente insensivelmente se trans- aquele fim, uma aproximação ou um recuo, nossa única alter-
forma em futuro, segue-se que, assim procedendo, taiiibéin te- nativa seria suprimir todas as influências d o meio para que
remos tomado em conta o futuro. não prejudicassem o desenvolvimento conveniente e adequado.
Não sendo isto exequivel, cumpre recorrer-se a um substituto.
2 . A educação como desdobramento. - Existe uma E m regra, naturalmente, esse substituto do ideal Último é
concepção de educação que se declara basear-se na idéia de alguma idéia que os adultos desejariam que a criança adquirisse.
desenvolvimento. Ela, porém, toma com uma das mãos aquilo Por conseguinte, recorrendo a "perguntas e respostas", ou a
que dá com a outra. Não se concebe o desenvolvimento outro artifício pedagógico. o professor trata de "extrair" dos
como um processo contínuo e sim como um desabrochar de discípulos aquilo que é desejado. Se o conseguiu, isto demons-
faculdades latentes até atingirem um alvo definido. Este alvo tra que a criança se está desenvolvendo convenientemente.
é concebido como uma plenitude, uma perfeição. A vida em Mas como o discípulo não tem geralmente inciativa própria
qualquer estágio é apenas um evoluir para atingir essa pleni- neste sentido, ..o resultado é um tatear ao acaso para se encon-
tude. Logicamente esta teoria é apenas uina variante da trar o que se quer, e a formação de hábito de dependência das
teoria da preparação. Praticamente diferem as duas, porque 'L
deixas" fornecidas por outros. Exatamente porque estes m.6-
os partidários da Última insistem mais nos deveres práticos e todos se baseiam simuladamente num princípio verdadeiro e
profissionais para os quais alguém se está preparando, ao proclamam ter a sanção deste princípio, podem causar mais
passo que a teoria do desdobramento tem em vista as quali- dano do que o método totalmente "verbal", onde resta, pelo
dades ideais e espirituais da aptidão que se está a desenvolver. menos, muita coisa a que o aluno possa apegar-se.
A concepção de que o desenvolvimento e o processo con- Dentro da esfera do pensamento filosófico houve duas
sistem no aproximar-se de um último objetivo imutável é a tentativas típicas para proporcionarem um substituto eficaz do
fim absoluto. Ambas partiram da concepção de um todo mais uma vaga aspiração sentimental do que alguma coisa que
- de um absoluto - "imanente" à vida humana. O possa ser inteligentemente apreendida e exposta. Esta impre-
ideal perfeito ou completo não é mero ideal; ele atua, é cisáo deve ser compensada com alguma fórinula a puiori.
uma força operante em cada lugar e em cada mo- FROEBEL ligou OS fatos concretos da experiência com o ideal
mento. Mas só implicitamente é que está presente: "poten- transcendental do desenvolvimento, considerando os primeiros
cialmente" ou em uma condição virtual. Aquilo que se chama como simbolos do último. Considerar simbolos as coisas co-
desenvolvimento é a ação gradual de descobrir e exteriorizar nhecidas, de acordo com algunia arbitrária fórmula a priori
o que assim se encontra rebuçado. FROEBEL e HEGEL, autores - todas as concepções a priori são arbitrárias - é um inci-
das duas tentativas filosóficas a que nos referimos, têm idéias tamento para a fantasia romântica se prender a analogias que
diferentes do meio por que se efetua a progressiva realização lhe agradem, tratando-as como leis. Depois de bem fixado
ou manifestação do princípio absoluto. Segundo Hegel, essa o plano do simbolismo, deve-se inventar alguma. técnica pre-
nianifestação se corporifica numa série de instituições históricas cisa por meio da qual se possa transmitir aos alunos a íntima
que encarnam os diferentes fatores no Absoluto. De acordo significação dos símbolos sensíveis. Como os adultos são os
com FROEBEL, a força atuadora é a apresentaçáo de símbolos, formuladores do simbolismo, também são eles, naturalmente, os
em grande parte matemáticos, correspondentes aos traços criadores e fiscalizadores da técnica. O resultado foi que o
essenciais do Absoluto. Sendo eles apresentados à criança, amor de FROEBEL ao simbolismo abstrato absorveu, muitas ve-
desperta o Todo ou a perfeição que dorme em seu intimo. U m zes, o melhor de sua intuição profunda e natural ; e o desenvol-
simples exemplo esclarecerá o método. Todas as pessoas fa- vimento infantil teve como substituto um plano autoritário tão
miliarizada com os jardins de infância conhecem o modo de arbitrário e externamente imposto como nunca a história da
reunir-se, em circulo, das crianças. Pois bem, o circulo não educação vira outro igual.
é apenas um modo convencional de reunir as crianqas; ele Quanto a HEGEL, a necessidade de encontrar algum equi-
deve ser usado "por ser um símbolo da vida coletiva da
11
valente concreto e eficaz do inacessível Absoluto tomou aspecto
humanidade em geral". mais institucional do que simbólico. Sua filosofia, assim como
O reconhecimento, por parte de Froebel, da importância a de FROEBEL, faz, em certa direção, uma contribuição indis-
das aptidóes inatas das crianças, sua carinhosa atenção para pensável a uma válida concepção do processo da vida. E r a
com elas e seu influxo para induzir os outros a estudá-las, 1 evidente para ele a fragilidade de uma abstrata filosofia iiidi-
representam talvez a cgntribuição individual mais eficaz, na vidualista; viu a impossibilidade de eliminar a influência das
moderna teoria edu,cacional, para o reconhecimento amplo da
idéia do desenvolvimento. Mas a sua formulaçáo da noção do
desenvolvimento e a organização de artificios educativos para
incentivá-lo foram grandemente dificultadas pela circunstância
I
I
instituiçóes históricas, de tratá-las como formas de despotis.mo
geradas pelo artificio e sustentadas pela fraude. E m sua filo-
sofia da história e da sociedade culminaram os esforços de
toda uma série de escritores alemães - LESSING, HERDER,
de que ele concebia o desenvolvimento como o desdobramento KANT,SCHILLER,GOETHE- para avaliarem a influência
de um principio latente e já formado. Não conseguiu ver que formadora dos grandes produtos coletivos institucionais da
crescimento é crescer, desenvolvimento é desenvolver, e por humanidade. Para o s que aprenderam a lição desse movi-
isso deu maior importância ao resultado, ao produto, do que ao mento, seria de então por diante impossivel conceber as ins-
processo. Deste modo estabeleceu uma finalidade, um objetivo tituições ou a cultura como coisas artificiais. Ele destruiu
que significaua a parada do desenvolvimento e um critério não por completo - em teoria, não de fato - a psicologia que
aplicável A imediata orientação das aptiriões a não ser pela considerava o "espirito u m a coisa já completa, possuidora
sua conversão em fórmulas abstratas e simbólicas. pelo indivíduo, em si mesmo, mostrando a importância do
Um objetivo último de completo desdobramento ou desen- espirito objetivo" - a linguagem, o governo, a arte, a religião
volvimento é, conforme a linguagem técnica filosófica, trans- - na formação mental dos individuos. Mas como HEGEL
cendental, isto é, coisa i parte da experiência e percepção di- estava obcecado pela concepção de uma finalidade absoluta,
retas. No que diz respeito à experiência, é vazio; representa
64 Democracia e educagão P r ~ p n i ~ ~ i feã odisciptina formal 65

viu-se forçado a arranjar as instituições, tais quais existiam con- com as relacões dos órgãos do corpo uns com os outros e cont
cretamente, em uma escala de crescentes aproxitnaçóes. Cada todo o corpo, significa que cada indivíduo tem seu papel e
uma delas é em seu tetiipo e lugar absolutamente necessária, funções limitados, e requer ser completado com os papéis e
porque constitui um estágio do processo de auto-realização do funções dos outros. Assim como se diferenciam as partes dos
espirito absoluto. Consideradas assim como graus ou estágios, tecidos do corpo de modo que uma seja mão, e mão apenas,
sua existência prova-lhes a perfeita raciallidade, pois cons- e outras olhos, e assim por diante, e constituindo todas juntas
tituem utii elemento integrante do total, que é a Razão. Contra o organismo, também se supõe que um indivíduo se diferencie
as instituições, tais como existem, os individuos não têm di- para os trabalhos materiais da vida social, outro para a fun-
reitos espirituais; o desenvolviinento e a educação pessoais ção de estadista, outro para a de letrado, etc. Usa-se, deste
consistem na assimilação passiva do espírito das instituições modo, a noção de "organismo" para dar-se uma sanção filo-
existentes. A essência da educação é, pois, a conformidade e sófica à distinçáo de classes no organismo social - noçáo que,
não a transformação. Mudam-se as instituições, conforme a em suas aplicaçóes educacionais, significa coinpressão exterior
história nos mostra, mas, sua niudança, o surgir e o decair e, não, desenvolvimento.
das naçóes, é obra do "Espirito do Tempo". Tirante os gran-
des "heróis", que s5o os escolhidos para órgãos do "Espirito 3 . A educação como o adestramento das facul-
do tempo", os individuos n.50 tomam parte naquelas mu- dades. - U m a teoria que teve grande voga, e que surgiu
danqas. Nos fins do século XIX esta espécie de idealismo antes que a noçáo do desenvolvimento assumisse grande im-
fundiu-se com a teoria da evolução biológica. A "Evolução" portância, é conhecida pelo nome de teoria da "disciplina
era uma força em atividade para a realização de seus próprios formal". Tinha ela eiii vista o ideal legítimo de que o re-
fins. Contra ela, ou relativamente a ela, são impotentes as sultado do processo educativo seria o criarem-se aptidões es-
idéias conscientes e as preferências individuais. Ou antes, são peciais para as realizações. Uma pessoa adestrada é a que
apenas o meio pelo qual a evolução se manifesta. O progresso pode fazer melhor as coisas que mais lhe importam, do que
social é um "crescinietito orgânico" e não uma seleção expe- sucederia se não se tivesse adestrado; "melhor" aqui significa
rimental. A Razão é todo-poderosa, mas só a Razão Absoluta - com maior facilidade, eficiência, econotuia, prontidão, etc.
é dotada de tal poder. Que isto seja um resultado da educaçáo subentende-se do que
... O recotihecimento (ou a redescoberta, pois a idéia era fa--- i á foi dito sobre os hábitos como o ~ ~ r o d u do
t o desenvolviii~euto
miliar aos gregos) de que as grandes inStituicões históricas educativo.
- .
sao tatores ativos do desenvolvimento intelectial foi grande
Mas a teoria em questão toma, por assim dizer, um
contribuição para a filosofia da educaçáo. Significou um ge- atalho; considera certas capacidades (que são atualmente dis-
nuíno progresso sobre R o u s s ~ n u ,que havia prejudicado sua
assersão de que a educação deve ser um desenvolvimento na- criminadas) como f i m o z ~objefivos diretos e conscientes da
tural e não unia coisa exteriormente iiiiplantada ou enxertada educação e não simplesmetite como rpszrltados do desenvol-
i força nos indivíduos, com a noçáo de que as condições so- vimento. Há um número deternii~iadode capacidades a serem
formadas, como se poderiam enumerar as espécies de golpes
ciais não são naturais. Mas eni siia noçáo de un! objetivo final que um jogador de golfe teria de aprender. Por consequén-
e absoluto para o desenvolviinento completo e que tudo incluísse
em si, a teoria hegeliana destruiu as individualidades, einbora cia, a educação deve diretamente visar ao exercício ou treino
dessas capacidades. Mas isto subentende o já existirem elas
enaltecendo o Indivíduo, ein abstrato. Alguns continuadores
de HEGELprocurarani conciliar as exigên,cias do Todo e do em alguma forma não exercitada; de outro modo, sua criação
individuo pela concepção da sociedade como um todo orgânico seria o resultado indireto de outras espécies de atividade e
ou uin organismo. Não se pode pôr em dúvida que a orga- de outros fatores. Já que existeni numa forma bruta, basta o
nizaçáo social pressuponlia o adequado exercício da capaci- trabalho de adestrá-las em repetições constaiites e gradativas,
dade individual. Mas, organismo social, considerado de acordo para que inevitavelniente se aperfeiçoem. N a frase "dis-
66 Democracia e edz~caçóo Prepafasão e disciplina fornzal 67

ciplina formal" aplicada a esta concepção, "disciplina" tanto certas faculdades possuídas, desde o começo da vida, pelos
se refere ao resultado das faculdades exercitadas, como ao indivíduos. Esta espécie de distribui~áo de valores caracte-
método de aperfeiçoá-las por meio de exercícios repetidos. rizou, com exatidão, as idéias correntes nas gerações que se
As espécies de capacidades em questão são tais coisas sucederam a LOCKE;converteu-se, sem expressa referência a
como as faculdades de perceber, decorar, recordar, associar, LOCKE,em lugar-comum da teoria e psicologia educacionais.
dar atenção, querer, sentir, imasinar, pensar, etc., que se mo- Parecia, virtualmente, traçar ao professor uma tarefa definida
delam exercitando-se com o material apresentado. E m sua e, não, imprecisa. Tornou-se relativamente fácil a elaboração
forma clássica, esta teoria foi expressa por LOCKE.De um de uma técnica da educação. O necessário era somente tra-
lado o mundo exterior apresenta o material ou conteiido do tar-se de submeter ao necessário exercício cada uma daquelas
conhecimento por meio de sensacões passivamente percebidas. faculdades. Este exercicio consistia em atos repetidos de
Por oiitro lado, no espírito já existem certas faculdades como prestar atençzo, observar, decorar, etc. Graduando-se a difi-
a atenção. a ohservacão, as de reter, comparar, abstrair, culdade destes atos, tornando cada série de repetições um
combinar. etc. Resultará conhecimento se o espírito discrimi- tanto mais difícil que a série precedente, organizava-se um
nar e combinar as coisas do modo como estão elas unidas e completo esquema educativo.
separadas na própria natureza. Mas o que importa para a Existem vários meios, todos eles concludentes, de criticar
educação é o exercício ou pritica das faculdades do espírito esta concepqão em seus pretensos fundamentos e em sua apli-
até que de todo se tornem hábitos arrai~ados. As compara- cacão educacional.
ções frequentemente empregadas são a do jogador de bilhar
e a do acrobata, que pelo emprego repetido e uniforme d e 1 - Talvez que o mais direto método de ataque consista
certos múscrilos conseguem afinal uma habilidade automática. em evidenciar que as supostas faculdades inatas de observar,
decorar, querer, pensar, etc., são puramente mitológicas. Não
Até a faculdade de pensar se pode aperfeiçoar e converter em
hábito por meio de exercícios reiterados de fazer e combinar existem as tais faculdades já formadas a esperarem ser exer-
simples distinções, para o que, no entender de LOCKE,as ma- citadas. Há, em verdade, uin grande número de tendências ori-
temáticas apresentam inigualável material. ginárias, inatas, modos instintivos de proceder, baseados nas
relações originárias dos neuriinios no sistema nervoso central.
As idéias de Liocr<~se ajustavam perfeitamente ao dua- Há a tendência instintiva dos olhos, de acompanharem e fita-
lismo de seu tempo. Pareciam dar quinhões iguais ao es- rem a claridade; dos músculos do pescoço, de se voltarem para
pírito e i matéria, ao indivíduo e ao mundo. Uma fornecia a luz e para os sons; das màos, de estender-se e agarrar as
a matéria do conhecimento e o objeto sobre o qual o espírito coisas; e virar, torcer, fazer girar os objetos, torcê-los e ba-
deveria atuar, a outra proporcionava determinadas faculdades ter-lhes; do aparelho vocal, de emitir sons; da boca, de lançar
mentais. que eram em número pequeno e podiam aperfeiçoar-se fora as substãncias~desabor desagradável; de fechar e franzir
por meio de exercícios especiais. O plano parecia tomar na os lábios, e assim por diante, tendências, essas, em número
devida conta a matéria do conhecimento e ainda insistia em quase infinito. Mas estas tendências, a ) ao invés de serem
afirmar que o fim da educação não era a simples absorção e em número pequeno e bem distintas entre si, são de variedade
armazenagem de conhecimentos e sim a formação das faculda- indefinida, entrelaçando-se mutuamente por todas as espécies
des ~essoaisda atenção. memória, observação, abstração e ge- de meios sutis; b ) e ao invés de serem faculdades inte-
neralização. E r a realista em sua asserção categbrica de que, lectuais latentes, necessitando apenas de exercicio para seu
qualquer que fosse o material, provinha este do exterior - aperfeiçoamento, são tendências que reagem de determinados
e idealista. por ter como meta educativa a formação das fa- modos As mudanças do meio, de forma a acarretarem outras
culdades intelectuais. Mostrava-se objetivo e impessoal em mudanças. Uma coisa na garganta faz-nos tossir; a tend6n-
sua asseveração de que o individuo, por si próprio. não pode cia é para expelir a partícula prejudicial e modificar, por esse
ter nem gerar quaisquer idéias verdadeiras; e individualista, modo, o estímulo subseqüente. A mão toca em um objeto
por colocat finalidade da educação no aperfeiqoamento de quente; é impulsivameilte afastada, sem nenhuma participacão
68 Dernbcrd~i? e educação P r e p a 7 p ~ i oe disciptina formal 69

da inteligência. Mas a retirada modifica os estimulos atua- r50 também em linha de conta; mais tarde a reação de tempe-
dores e tende a torná-los mais concordes com as necessidades ratura pode articular-se diretamente com o estimulo óptico
do organismo. É por essas mudanças especiais de atividades e desaparecer a reação da mão - como no caso em que uma
orgânicas, como reação a mudanças especiais no ambiente, que chama, independentemente de contado, mantém uma pessoa a
se efetua o dominio do ambiente a que já nos referimos. E distância. Se uma criança, quando tem um objeto na mão,
da mesma natureza são todos os nossos primeiros atos de ver, bate com ele em alguma parte ou o amarrota, fazendo pro-
ouvir, tocar, cheirar e provar. Faltam-llies qualidades mentais, duzir-se um som, a reação auditiva penetra, por sua vez, no
intelectuais ou cognitivas, tomadas estas palavras em seu legi- sistenia das reações. Se certo som (o nome convencional)
timo sentido, e não há quantidade de exercícios reiterados que f o r produzido por outras pessoas justamente com determinado
Ihes comuniquem quaisquer propriedades intelectuais de obser- ato, as reações do aparelho auditivo e do aparelho vocal rela-
var+5o, de formar juizos ou de ação intencional (voliçáo). cionadas com o estimulo auditivo serão também outros fatores
que se associarão para a "resposta" completa e total (1).
2 - Por conseqüência, o "adestramento" de nossas inatas
atividades instintivas não é uma melhoria ou aperfeiçoamento 3- Quanto mais especializada for a mútua adaptação
obtidos pelo "exercicio", a exemplo do que a ginástica pode da reação e do estímulo (pois, egi visti da seqüência das
operar com os inúsculos. Consiste antes em a ) selecio~car atividades, os estimulos se adaptam às reações assim como
entre as reações difusas provocadas em dado momento aque- as reações aos estimulos), mais rígido e, em geral, ,menos
proveitoso ou utilizável é o "adestramento" ou "treino" con-
las que são especialmente aptas à ufiTização do estimulo. Por seguido. Ou, em termos equivalentes: menos qualidade inte-
exemplo, entre as reações do corpo em geral ( I ) , e da mão
lectual ou educativa terá o referido adestramento. O modo
em particular, que ocorrem iiistirrtivamente quando os olhos
habitual de expor-se este fato é dizer-se que quanto mais
são estimul~dos pela claridade, todas são gradativamente eli-
especializada for a reação, menos transferível se torna a outros
minadas, exceto as especialmente adequadas a atingir e segu-
modos de procedimento a aptidão adquirida com a prática e
rar os objetos - do contrário não haveria "adestra~ilento". aperfeiçoamento dessa reação. De acordo com a teoria orto-
Como já o observamos, as priineiras re-ções, salvo pouquissimas doxa da disciplina formal, um aluno, estudando sua lição de
exceções, são mui difusas e gerais, no caso do infante humano, leitura, adquire, além da aptidão para ler as palavras da men-
para que possam ser praticamente utilizadas. Dai a identidade cionada liç50, um aumento de suas faculdades de observação,
entre "adestramento" ou "treino" com reações ou "respostas" atenção e memória, aumento que lhe será de proveito quando
selecionadas. tiver de empregar essas faculdades em todas as outras coisas
b ) Igualiiieute importante é a coordenação especial que que as exigirem. O fato, porém, é que, quanto mais ele se
se processa dos diferentes fatores componentes da "resposta". limite a observar e a gravar na memória as formas das pala-
Esta não é siniplesinente a seleção das reações da mão que vras, independentemente de sua conexão com outras coisas
resultam no ato de segurar, mas também dos estimulos visuais (tais como a significação das palavras, as frases em que habi-
particulares que provocam essas reacões e não outras, e esta- tualmente são empregadas, a derivação e a classificação das
belecem conexão entre as duas coisas. Mas não se limita a formas verbais, etc.), menos provável é que adquira aptidão
isto a coordenação. Podem produzir-se reações caracteristi- que possa aplicar em outras coisas que não seja a mera obser-
cas de teinpeTatura quando o objeto é segurado. Estas entra- vação das formas visuais das palavras. Pode suceder que
nem mesmo esteja a aumentar sua capacidade de distinguir
perfeitamente as formas geométricas; para nada dizermos so-
1) A interconeaão é de fato táa grande, há tantos modos de cons-
trução, que cada estiinulo trzz alguma mudança em todo o organismo.
Estamos, porém, costumados a esquecer a maioria dessas modificacóes l ) Compare-se esta afirmacão cam o que foi dito mais atrás sobre
da atividade orgàiiica total, coricentranda a atenção n a q ~ e l amais espe- a ordem seriada das "respostas". Lá está mais explícito o modo por
cificamente adaptada aos mais fortes estímuios do momento. que ocorrem esses arranjos consecutivos.
70 Democracia e educa~ão
Prepavnção e discifilina formal

bre a aptidáo geral para observar. Está unicamente a selecio-


nar os estímulos fornecidos pelas formas das letras e as rea- Além disso, a diferença entre o exercitar-se a habilidade
ções motoras da reprodusão oral ou escrita. O campo de para soletrar por meio da observação das formas visuais das
coordenação (para empregarmos nossa terminologia anterior) palavras de um breve trecho e o exercício em que se obser-
é extremamente limitado nesse caso. As conexões empregadas vam essas formas visuais, ao mesmo tempo em que se pro-
em outras observações e evocações (ou reproduções) são deli- cura aprender a significagáo do trecho lido, as derivaqões das
beradainente eliminadas quando o aluno se exercita unica- palavras, etc., pode ser comparada à diferença entre exer-
camente com formas de letras e de palavras. Uma vez que cicios ginásticas com aparelhos de tração para se "desenvol-
foram eliminadas, não se podem manifestar qu3ndo se tornar verem" certos músculos, e um jogo ou esporte. 0 s primeiros
necessário. A aptidão conseguida para observar e recordar são uniformes, mecânicos, rigidamente especializados. No
formas de palavras não é Util para a percep~ãoe recordação último caso, varia-se a cada momento; nunca dois atos são
de outras coisas. Não é trafisferivel - como se diz na termi- perfeitamente semelhantes; têm-se de enfrentar novas emer-
nologia comum. Mas quanto mais amplo for o contexto da gências; as coordenações que se formam necessitam manter-se
ação - isto é, quanto mais variados forem os estímulos e flexíveis e elásticas. Por conseqüência, o adestramento é
muito mais "geral" - isto é, ocupa mais vasto terreno e
reasões coordenados - tanto mais a aptidáo adquirida será
proveitosa para a execução eficaz de outros atos: não, estri- encerra mais fatores. Dá-se o mesmo, exatamente, com a
tamente falando, por existir alguma "transferência", mas por- educaqão especial e geral do espírito.
que a abundância de fatores empregados no ato especial cor- U m exercício monotonamente uniforme pode, com a re-
responde a um largo campo de atividade, e a uma coordenação petição, dar grande habilidade para certa espécie de atos
flexível, em vez de limitada e rigida. mas a habilidade limita-se a essa atividade, seja ela escritu-
ração mercantil, ou cálculos com logaritmos, ou experiências
4 - Penetrando o imago do assunto, diremos que o com hidrocarbonetos. Pode-se ser autoridade num terreno
equívmo fundamental da referida teoria consiste em seu dua- especial e, ser, entretanto, perfeitamente ignorante em maté-
lismo, isto é, no separar a atividade e as faculdades, do objeto rias não ligadas de perto com aquela, a não ser quando o
ou matéria da atividade. Não existe a coisa que se chama exercício na referida matéria particular foi feito de forma a
aptidão para ver, ouvir, ou recordar c+% geral; há aptidões ramificar-se pelo terreno de outras nlatérias.
para ver, ouvir e recordar alguma coisa. É disparate falar
em exercitar-se, em geral, uma aptidão mental ou física, sepa- 5 - Por conseguinte, as capacidades como as de obser-
radamente da matéria implicada em seu exercicio. O exer- vação, memória, raciocínio, gosto estético, representam resul-
cício pode reagir sobre a circulação, a respiração e a nutrição tados orga~iizadosda ocupação de nossas inatas tendências ati-
de modo a desenvolver a robustez ou a força, mas este arma- vas, em determinadas matérias. Se um homem observa acura-
zenamento de energia é utilizável para fins especiais somente da e plenamente alguma coisa, não é, por assim dizer, por ter
quando o seu uso se fizer em relação com os meios materiais apertado um botão para fazer funcionar a faculdade da obser-
indispensáveis à realização daqueles fins. O vigor muscular vasão (em outras palavras: por "querer" observar) ; o fato
habilitará um homem a jogar tênis ou golfe ou a dirigir um é que, se ele precisar fazer alguma coisa que só possa ser feita
barco de vela melhor do que se ele fosse fraco; mas só se com bom êxito mediante o uso intensivo e extensivo dos olhos
utilizando de determinados modos a bola e a raqueta do tênis, e das mãos, naturalmente observará bem as coisas. A obser-
ou a bola e o taco do golfe, ou manejando-se a vela e o vação é um produto, uma conseqiiência da interação dos órgãos
leme, é que uma pessoa adquire perícia em algum desses des- dos sentidos e da matéria a que se aplicam. Varia, conse-
portos; e perícia em um deles só garante a perícia em outros guintemente, de acordo com a matéria em questão.
quando ela significa aptiaão para delicadas coordenações mus- É portanto inútil empreender mesmo o desenvolvimento
culares ou quando todos reqiierem a mesma espécie de ulterior das faculd?des de observasão, meinorização, etc., se
coordenação. não tivermos determinado primeiro a espécie da matéria na qual
72 Democracia e educaçóo

queremos que nosso discípulo se torne hábil a observar e a


recordar o observado e qual o fim visado com esse exercicio. nanps, e ser inepta ou inconsiderada em seus atos e juizos
E será o mesmo que repetir por outras palavras o que já foi sobre matéria alheia i sua especialidade. Se, todavia, o seu
dito, o declararmos que esse fim deve ser social. O necessá- interesse nessas matérias se relacionar com atividades huma-
rio é que uma pessoa observe, grave na memória e adote para nas de significação social, de muito mais alcance e de ampli-
matéria de seus juizos as coisas que a tornarão iim membrc tude muito maior serão as "respostas" provocadas e flexivel-
competente e eficiente da comunidade em que se acha associada mente integradas por aquela atividade especializada. N a
a outras pessoas; se não fosse assim, faria o mesmo efeito prática corrente, o principal obstáculo para uma educação
mandar o aluno observar cuidadosamente as fendas da parede geral do espírito provém de achar-se a matéria do ensino iso-
ou mandá-lo decorar listas de palavras de uma lingua para lada da contextura social. Dissociadas destarte, a literatura,
ele desconhecida. É isso mais ou menos o que fazemos ao a arte e a religião operam um tão constritor efeito, quanto o
adotar a teoria da disciplina formal. Se melhores do que os material técnico que ardentemente Ihes contrapõem os peda-
hábitos assim formados são os de um botânico, químico ou gogos apologistas d3. educação geral.
engenheiro, a razão é que se dedicam a matérias mais iinpor-
tantes para a vida. Resumo. - A concepçáo de que o resultado d o pro-
Concluindo esta parte da- exposição do assunto, nota- cesso educativo é a capacidade de se prosseguir ulteriormente
remos que a distinção entre a educa<& geral e a especial a educação, contrasta com outras idéias que influenciaram
nada tem que ver com transferibilidade de função ou de ca- profundamente a prática do ensino. A primeira concepçáo
pacidade. Literalmente considerada, toda a transferência seria contrária considerada foi a de educação como preparo para os
miraculosa e impossivel. Mas algumas espécies de atividade futuros deveres ou privilégios. Assinalamos os maus efeitos
são de grande amplitude, subentendendo a coordenação de especiais resultantes da circunstância de que com esse objetivo
numerosos fatores. Seu desenvolvimento exige continuas mo- a atenção, do professor e do aluno, se desvia do Único ponto
dificações e readaptaçóes. A o mudarem-se as condições, cer- para o qual poderia frutiferamente dirigir-se, que é o apro-
tos elementos assumem papel subordinado, ao passo que outros veitamento das necessidades e possibilidades do presente ime-
de menor valor passam para o primeiro plano. Há um cons- diato. Por conseqüência, prejudica a realização de seus pró-
tante deslocar-se do foco da ação, como se viu no exemplo prios fins. A teoria de que a educação é um desdobramento
do jogo ou desporto, em contraste com o exemplo da ginástica de faculdades já existentes parece ter mais siinilitude com a
de aparelho, com o ato de levantar um peso, em uma série concepçáo já exposta do desenvolvimento. Mas, encarada n l s
de movimentos uniformes. Por isso, no primeiro caso, adqui- idéias de FROEBEL e de HEGEL, ela implica, tanto como a dou-
re-se a prática de fazer novas combinaçóes, uma vez que se trina da preparação, a ignorância da interação das presentes
mudava de continuo o foco da ação, de acordo com as alte- tendências orgânicas com o ambiente presente. Considera-se
rações apresentadas pela matéria a que a referida ação se já formado algum todo em estado latente, sendo meramente
aplicava. Quando uma atividade abrange, por seu objetivo, transitória a importância do desenvolvimento; este não é um
grande extensão (isto é, quando implica a coordenação de maior fim em si mesmo e si111 apenas um meio de exteriorizar aquilo
variedade de subatividades) e determina, assim, constante e que já existia em estado latente. Como não nos podemos
inesperadamente, mudanças de direção em seu progressivo utilizar,de uma coisa não exteriorizada ainda, urge encontrar-
desenvolvimento, é fatal que dela resulte uma educação geral.
Porque isto é o que "geral" significa: amplitude e plasticidade. i mos algo que a.represente. De acordo com FROEBEL, O mis-
terioso valor siiubólico de certos objetos e atos (de natureza
Na prática escolar a educação satisfaz a essas condições e por
isso será geral, na proporção em que tomar em conta as re-
lações sociais. Uma pessoa pode tornar-se competente em
I matemática, em grande parte) substitui o Todo Absoluto que
está a "desdobrar-se".
Segundo HEGEL, as instituições existentes sáo seus efi-
filosofia, ou filologia, ou matemáticas, ou engeiiharia, ou fi- i cazes representantes atuais. O encarecimento dos simbolos e
I
74 Democracia e educação

das instituisões tende a desviar a atenção do desenvolvimento


direto das experiências em riqueza e precisão de sentido.
Outra teoria em voga, mas defeituosa, também, é a que entende
que o espirito possui, desde o nascimento, certas faculdades
como a percepção, a memória, a vontade, o juizo, a atenção, o
poder de generalizar, etc., e que a educação consiste no aper- CAPITULO 6
feiçoarem-se essas faculdades por meio de exercícios repetidos.
Esta teoria trata o material da educação como coisa relati- A educação conservadora e a progressiva
vamente exterior e indiferente, residindo seu valor unica-
mente no fato de que ele pode servir para se exercitarem as
faculdades gerais. Focalizou-se a crítica contra a separacão
entre essas pretensas faculdades e destas com a matéria sobre 1. A educação como formação. - Chegamos ago-
a qual atuam. Patenteou-se que na prática o resultado desta ra a uma teoria que nega a existência das faculdades e exa-
teoria era um descabido exagero no aperfeiçoamento de mo- gera o papel exclusivo da matéria de estudo para o desen-
dalidades restritamente especiais de habilidades, à custa das volvimento mental e moral. De acordo com ela, a educação
qualidades de iniciativa, inventiva e readaptação - qualidades, não é um processo de desdobramento das qualidades internas
essas, que dependem da interação ampla e contínua de deter- nem o aparfeiçoamento de faculdades existentes no espírito.
minadas atividades umas com as outras. É antes a formação do espírito pelo estabelecimento de certas
associações ou conexões de conteúdo por meio da matéria
apresentada do exterior. A educação se efetua pela instru-
cão tomada em sentido estritamente literal; é uma edificação
feita, de fora para dentro, no espirito. Que a educação seja
formadora do espirito, não há nenhuma dúvida; na teoria
que propomos, isso já foi afirmado. Mas formação, na con-
cepção que estamos a criticar, tem significado técnico, impor-
tando em alguma coisa a atuar do exterior.
HERBART é O melhor representante histórico desta teoria.
Ele nega absolutan~ente a existência de faciildades inatas.
O espirito é sitnplesmente dotado do poder de produzir vá-
rias qualidades de reação segundo as várias realidades que
atuam sobre ele. Estas reações qualitativamente diferentes
chamam-se apresentações (Vorstellzrngen). Uma vez cha-
mada à existência, toda a apresentação persiste; pode ser re-
calcada para baixo do "limiar" da -consciência, por novas
e mais fortes apresentações produzidas pela reação do es-
pirito a um novo material, mas sua atividade persiste por
seu próprio e inerente impulso, abaixo da superfície da cons-
ciên.cia. Aquilo a que chamamos faculdades - atenção, me-
mória, pensamento, percepção, e até os sentimentos, são arran-
jos, associações e conjuntos ou conjugações formados pela
ação mútua dessas apresentações submersas, umas com as
outras, e com outras novas apresentações. A percepção, por
74 Democracia e educagão

das institui~óestende a desviar a atenção do desenvolvimento


direto das experiências em riqueza e precisão de sentido.
Outra teoria em voga, mas defeituosa, também, é a que entende
que o espírito possui, desde o nascimento, certas faculdades
como a percep$io, a memória, a vontade, o juízo, a atenção, o
poder de generalizar, etc., e que a educação consiste no aper- CAPITULO 6
feiçoarem-se essas faculdades por meio de exercícios repetidos.
Esta teoria trata o material da educação como coisa relati- A educação conservadora e a progressiva
vamente exterior e indiferente, residindo seu valor unica-
mente no fato de que ele pode servir para se exercitarem as
faculdades gerais. Focalizou-se a critica contra a separação
entre essas pretensas fac~ldadese destas com a matéria sobre 1. A educação como formação. - Chegamos ago-
a qual atuam. Patenteou-se que na prática o resultado desta ra a uma teoria que nega a existência das faculdades e exa-
teoria era um descabido exagero no aperfeiçoamento de mo- gera o papel exclusivo da matéria de estudo para o desen-
dalidades restritamente especiais de habilidades, i custa das volvimento mental e moral. De acordo com ela, a educasão
qualidades de iniciativa, inventiva e readaptação - qualidades, não é um processo de desdobramento das qualidades internas
essas, que dependem da interação ampla e continua de deter- nem o aparfeiçoamento de faculdades existentes no espírito.
minadas atividades umas com as outras. B antes a formação do espírito pelo estabelecimento de certas
associaçóes ou conexões de conteúdo por meio da matéria
apresentada do exterior. A educação se efetua pela instru-
ção tomada em sentido estritamente literal; é uma edificaçáo
feita, de fora para dentro, no espírito. Que a educação seja
formadora do espirito, não h á nenhuma dúvida; na teoria
que propomos, isso já foi afirmado. Mas formação, na con-
cepção que estamos a criticar, tem significado técnico, impor-
tando em alguma coisa a atuar do extefior.
HERBART é O melhor representante histórico desta teoria.
Ele nega absolutamente a existência de facnldades inatas.
O espírito é simplesmente dotado do poder de produzir vá-
rias qualidades de reação segundo as várias realidades que
atuam sobre ele. Estas reações qualitativamente diferentes
chamam-se apresentações (Vorstellrrngen). Uma vez cha-
mada à existência, toda a apresentação persiste; pode ser re-
calcada para baixo do "limiar" da .consciência, por novas
e mais fortes apresentações produzidas pela reação do es-
pírito a um novo material, mas sua atividade persiste por
seu próprio e inerente impulso, abaixo da superfície da cons-
ciência. Aquilo a que chamamos faculdades - atenção, me-
mória, pensamento, percepção, e até os sentimentos, são arran-
jos, associações e coiijuntos ou conjugações formados pela
ação mútua dessas apresentações submersas, umas com as
outras, e com outras novas apresentações. A percepção, por
76 Democracia e educapio i
! educoçüo cons~rvadorae a progressiva 77

exemplo, é a conjugação de apresentações que resulta d o surgir método de ensino perfeitamente uniforme para todas as ma-
de velhas apresentações que se harmonizam e combinam.com térias e para todos os alunos de todas as idades.
outras novas; a memória é a evocação de uina velha apresen- O grande mérito de HERBART está em ter retirado a ta-
tação acima do "limiar" da consciência pela sua ligação com refa dcf ensino da região da rotina e do acaso, e tê-la trazido
uma outra apresentaçáo, etc. O prazer é o resultado do re- para a esfera do método consciente. Ensinar tornou-se uma
forço mútuo que as atividades independentes das apresentações atividade consciente com escopo e processo definidos, em vez
se podem prestar pela sua conciliaçáo; a dor, de sua dispersão daquele conjunto de inspirações casuais e de subserviência à
por diversos modos antagonicos, etc. tradição. Mais do que isso,. tudo no ensino e na disciplina
O caráter concreto do espirito consiste, portanto, to- passou a poder ser especifica60, em vez de nos termos de
talmente nos vários arranjos formados pelas várias qualidades contentar com vagas e mais ou menos místicas generalidades
das apresentações. Esse "equipamento" do espirito é o espirito. sobre os últimos ideais e símbolos espirituais especulativos.
O espírito é totalmente uma questão de "conteúdo". E m ma- HERBART aboliu a noção das faculdades inatas que se poderiam
aperfeiçoar pelo exerci,cio com qualquer espécie de material e
téria educacional três coisas subentende esta doutrina. 1 - tornou importante, acima de tudo, a atenção ao material con-
Esta ou aquela espécie de espirito é formada pelo uso de
objetos que despertam esta ou aquela espécie de reaçáo e que creto de ensino, ao conteúdo. HERBART indubitavelmente exer-
produzem este ou aquele arranjo entre as reações provocadas. ceu influência maior, do que qualquer outro filósofo de edu-
A f o r m a ~ 5 odo espírito ?assa toda ela a ser uma questão caqão, no trazer a debate os problemas relacionados com o
objeto e as matérias de estudo. Apresentou os problemas de
de apresentação do material educativo convenieiite. 2 - Uma
método sob o ponto de vista da conexão dos mesmos com o
vez que as primeiras apresentações constituem os "órgáos aper-
ceptivos" que regulam a assimilação de novas apresentações, material do ensino:. o método tinha de cuidar do modo e da
a qualidade daquelas apresentações é de máxima importância. sucessão com que o novo material deveria ser apresentado para
O efeito das novas apresentações é, apenas, o de reforçar os assegurar sua conveniente i n l e r a ~ á ocom o velho.
agrupamentos anteriormente formados. Assim, a tarefa do O defeito teórico fundamental desta concepção reside
educador é primeiramente selecionar o material apropriado em não tomar em conta a existència num ser vivo de fun-
de modo a fixar a natureza das primeiras reações - e, em se- ções ativas e especiais que se desenvolvem pela redireção e
gundo lugar, orclenar a série de apresentações :ubseiluentes na combinação em que entram quando se põem em contacto ativo
base do lastro de idéias assegurado pelos processos anteriores. com o seu ambiente.
A direção virá de trás, do passado, em vez de estar, como Esta teoria representa o mestre-escola em seus próprios
na teoria do "desdobramento", no objetivo final. 3 - Po- don~ínios. E este fato exprime, ao mesmo tempo, a sua força
dem-se estabelecer certas fases formais de método para todo e e a sna fraqueza. A concepção de que o espirito consiste
qualquer ensino. A apresentação de matéria nova é obvia-, naquilo que foi ensinado e que a importância do que foi en-
mente o eixo de tudo, mas, uma vez que o conhecer consiste siiiado consiste eni sua utilidade para o ensino ulterior, reflete
no modo por que essa matéria reage sobre o conteúdo já opinião do pedagogo sobre a vida. Esta filosofia é eloqüente
submergido abaixo da conscièn,cia, a primeira coisa será o sobre o dever do professor de instruir os discípulos - e é
passo da "preparação" - isto é, o de elevar ao plmo da cons- quase si1e11,ciosa sobre seu privilégio de aprender. Dá grande
ciência, e por em atividade especial, aquelas velhas apresen- vulto à influência do meio intelectual sobre o espirito - e
esquece a circunstância de que o meio subentende a partici-
tações que vão assimilar as novas. Logo após a apresentação p a ~ " pessoal em uma atividade comum. Exagera mais do
destas, seguem-se os processos de interação entre as novas e
as velhas; depois vem a aplicação do conteúdo ou conjugação que o razoável as possibilidades de métodos conscientemente
formulados e empregados e não dá c devido apreço ao papel
nova recentemente formada à execução de algum trabalho. das atitudes e disposições vitais e inconscientes. Insiste sobre
Tudo segue forçosamente este curso; por conseguinte, há um
as coisas anteriores, sobre o passado, e aflora ligeiramente a
78 Democracia e educaçâo

atuação do que é genuinamente novo e imprevisível. E m suma Mas a idéia implicita da mesma é a de ser a educação essen-
- toma em linha de conta tudo o que é educativo, menos a cialinente retrospectiva; de que ela encara sobretudo o passado
essência da educaçãoy que é a energia vital buscando oportu- e, especialmente, os produtos literários do passado, e de que o
nidades para seu eficaz exercício. Toda educação forma o espirito só é convenientemente formado na proporção em que
caráter, forma a personalidade mental e moral, mas a formação se modela sobre a herança espiritual do passado. Esta idéia
consiste na seleção e coordena~ão das atividades inatas, de exerceu tão considerável influência, principalmente n a edu-
modo que estas possam utilizar o material do ambiente social. cacão superior, que é digna de ser examinada em seus aspectos
Mais ainda - a f o r m a ~ ã onão é apenas a formação de ativi- extremos.
dades inatas - mas se efetua por meio dessas atividades. fi
um processo de reconstrução, de reorganização. E m primeiro lugar, é ilusório seu fundamento biológico.
Não há dúvida de que o desenvolvimento embrionário do
2. A educação como recapitulação e retrospecção. infante humano apresenta alguns traços das formas inferiores
- Uma combinação particular das teorias do desenvolvi- da vida. Mas, de forma alguma, é uma rigorosa reprodução
mento e da formação efetuados do exterior para o interior dos periodos anteriores. Se houvesse alguma rigorosa "lei"
deu origem à teoria da educação como recapitulação bioló- de repetição. é claro que não se verificaria o desenvolvimento
I evolutivo. Cada nova geração se limitaria a reproduzir a exis-
gica e cultural. O indivíduo desenvolve-se, mas seu con-
I tência de seus predecessores. O desenvolvimento, em suma,
veniente desenvolvimento consiste em repetir em estágios
ordenados a evolução passada da vida animal e da história realizou-se pela interferkncia de cortes e alteraçóes no primitivo
humana. A primeira repetição opera-se fisiologicamente; a plano de desenvolvimento. E isto sugere que o intuito da edu-
última se efetuaria por meio da educação. A pretensa ver- i cação deve ser o de facilitar essa abreviação do ciclo do deseu-
dade biológica de que o indivíduo em seu desenvolvimento
desde simples embrião até à maturidade reproduz a história
1 volvimento, esses curtos-circuitos do crescimento. Ediicacio-
nalniente, a grande vantagem da imaturidade é habilitar-nos a
da evolução da vida animal no aperfeiçòainento das formas
11
emancipar os educandos da necessidade de perinaiiecer nessa
desde as mais simples até às mais complexas (ou, em lingua- projeção do passado, de um passado já n o r t o . . . O mister da
gem técnica, de que a ontogênese reproduz a filogêuese) não educação é antes libertá-los da necessidade de reviver, de rea-
nos interessa a não ser no suposto fundamento científico travessar o passado, do que levá-los a uma reiteração deste. O
que se julga pode proporcionar à recapitulação cultural do
passado. Por essa teoria de recapitulação cultural afirma-se,
primeiro, que as crianças até certa idade estão na condição
mental e moral da selvageria; seus instintos são de vaguear e
j ambiente social dos educandos é constituído pela presença e
ação dos hábitos de pensar e de sentir dos homens civilizados.
Não tomar em conta o influxo orientador do ambiente atual
sobre os jovens é simplesmente abdicar da i u n ~ ã oeducadora.
Disse um biologista: "A história do desenvolvimento de di-
depredar porque seus antepassados em determinada época vi-
veram essa vida. Por conseqüência (concluem) a matéria ferentes animais.. . apresenta-nos.. . uica série de esforços
educativa apropriada a esse periorlo é a produzida pela hu- engenhosos, definidos, variados, porém mais ou menos malo-
manidade - principalmente a matéria literária dos mitos, do grados, para refugir à necessidade de reproduzir os métodos
folclore e das canções - em análogos estágios de desenvol- ancestrais e substitui-los por outros mais diretos". Seria, sem
vimento. E m seguida, dizem, o menino passa a um periodo dúvida, insensatez, a educação não tentar resolutamente facilitar
correspondente ao pastoril, e assim por diante, até à época em esforços análogos em atividades co~iscientes,de forma a obte-
que se acha pronto para tomar parte na vida contemporânea, rem eles cada vez melhor êxito.
isto é, até chegar ao estado atual de cultura. Podem-se facilmente desembaraçar os dois elementos ver-
Com esta forma particularizada e coerente essa teoria I
dadeiros dessa concep~ão, desvirtuados pela sua associação
teve pouca voga a não ser em uma escola alemã - escola com elementos falsos. Sob o ponto de vista fisiológico, o
constituida, em sua maior parte, de continuadores de HERBART. fato é que toda c r i a n ~ anasce com determinada quantidade de
A edlica~Ro conservadorn e a progvessiva 81

existentes. Excetuádo o caso do imbecil, estas aptidões ina-


atividades instintivas e de que estas são cegas, muitas delas tas são tão variadas e contêm, em estado potencial, tantas possi-
em conflito umas com as outras, casuais, esporádicas e não bilidades, até no caso dos mais ininteligentes, que estamos longe
adaptadas a seu ambiente iinediato. O outro ponto verdadeiro ainda de saber convenientemente o modo de utilizá-las. Por
é ser sensato procedimento o utilizarmo-nos dos produtos do conseguinte, se um cuidadoso estudo das aptidões e deficiên-
passado enquanto forem proveitosos para o futuro. Como cias inatas de um indivíduo é sempre a primeira necessidade
representam o resultado de experiências anteriores, seu valor do educador, o segundo passo importante é proporcionar um
para as experiências futuras pode, por conseguinte, ser con- ambiente que acione adequadamente todas as energias existentes.
siderável. A literatura criada no passado faz parte do ambiente A relação entre a hereditariedade e o ambiente põe-se bem
atual dos indivíduos na proporção em que estes a conheçam manifesta tomando-se como exemplo a linguagem. Se um
e utilizem; mas há enorme diferença entre o aproveitá-la ser não tiver órgãos vocais que produzam sons articulados, se
como recurso atunl e o tomá-la coino modelo em seu caráter não tiver aparelho auditivo e outros sentidos receptores, ou
ancestral. senão houver conexões entre esses aparelhos, será pura perda
de tempo procurar ensiná-lo a falar. Ele nasceu deficiente a
1 - O desvio do primeiro ponto provém geralmente da este respeito, e a edncaqão deve conformar-se com essa limi-
compreensão errónea da idéia de hereditariedade. Presume-se tação. Mas, porque tenha ele nascido com tais órgãos, o fato
que hereditariedade significa que a vida passada determinou de de possui-los não garante, de modo algum, que ele aprenda a
certo modo os traços principais de um individuo e que esses falar alguma língua, nem determina a língua que falará. O
traços são tão fixos que pouca inudanfa séria se Ihes pode que determinará essas coisas será o ambiente em que mani-
introduzir. Apreciada desta forma, a influência da heredi- festar sua atividade e onde esta encontrar aplicafáo. Se ele
tariedade se contrapõe à do meio, o que faz com que a atuação viesse a morar em um meio anti-social de mudos voluntários,
desta Ultima seja indevidamente diminuída. Mas para fins onde os homens se recusassem a falar uns com os outros e
educativos hereditariedade significa nada mais nada menos do usassem apenas, para fazer-se entender, o mínimo de gestos
que os dotes originários do individuo. A educação tem que necessários para conservar a sua vida em sociedade, a lin-
tomar o ser tal qual ele é. O fato fundamental é que deter- guagem verbal lhe seria tão desconhecida como se ele não
minado indivíduo tem precisamente tal e tal equipamento de possuísse órgãos vocais. Mas, se os sons que ele emitisse, os
atividades inatas. Que tenham estas sido ocasionadas deste emitisse em um meio em que só se falasse o chinês, os atos
ou daquele modo, ou que provenham de antepassados, não tem que o fizessem produzir sons idênticos aos dos chineses viriam
especial importância para o educador, embora 3 possa ter para a ser selecionados e coordenados. Pode-se aplicar este exemplo
o biologista. O essencial plra aquele é que elas agora existem. a qualquer espécie de educabilidade dos indivíduos. Colocar-
Suponhamos que se tenha de aconselhar ou orientar' alguém se-á, assim, a herança do passado em sua justa correlação com
com referên,cia a uma sua propriedade herdada. O fato de as exigências e oportunidades do presente.
ter sido herdada, como é claro, não determina a sua fntura
utilização. O conselheiro encarará iinicamente o melhor uso 2 - A teoria de que a matéria apropriada à educação
a dar aquela propriedade existente - de fazê-la render nas se encontra nos produtos culturais dos séculos passados (quer
condições mais favoráveis. É evidente que ele não pode ter em geral, quer mais especialmente nas literaturas particulares
em conta a utilidade daouilo que ali não existe: nem o poderá que foram produzidas na fase de cultura que se supõe corres-
fazer o educador. Neste sentido, a hereditariedade é o limite ponder à fase de desenvolvimento das pessoas que estão sendo
da educação. O reconhecimento desta circunstância evita o edwadas), não fornece outro exemplo daquele divórcio entre
dispêndio de energia e a irritação re5iiltantes rlo hábito muito o processo e o resultado do desenvolvimento de que já fizemos
a crítica. Conservar vivo o processo de crescimento e de
corrente de, pela edu,caqáo, tentar fazer de um indivíduo
aquilo para o que ele por sua natureza não terii aptidão. Mas desenvolvimento, conservi-10 vivo de modo a tornar mais
fácil o conservá-lo vivo no futuro, esta é a função da matéria
essa teoria não determina o emprego a dar-se às aptidões
-
82 Democracia e e d t ~ c a ~ ã o A educação consevvadora e a progressiva 83

verdadeiramente educativa. Mas o indivíduo não pode viver para o interior, a idéia do desenvolvimento dá em resultado
senão no presente; o presente não é precisamente uma coisa a concepção de que a educação é um constante reorganizar ou
que venha depois do passado; e muito menos uma coisa produ- reconstruir de nossa experiência. Ela tem sempre um fim
zida por esse passado; ele é aquilo que é a vida ao deixar imediato, e, na proporção em que a atividade for educativa,
o passado para trás. O estudo dos produtos do passado ela atingirá esse fim - oue é a transformação direta da
não nos auxiliará a compreender o presente, porque o pre- qualidade da experiência. A infância, a adolescência, a idade
sente não é devido a esses produtos e sim à vida da qual adulta - tudo fica no mesmo nível educativo, no sentido de
eles eram os produtos. O conhecimento do passado e sua he- que aquilo que realnzente foi aprendido em todos e em cada
rança é de grande importância quando esse conhecimento se um dos estágios da experiencia constitui o valor dessa expe-
incorpora ao presente mas não por outro motivo. E o erro riência, e também no sentido de que a principal função da
de fazer os escritos e outras relíquias do passado conçtituírem vida é, sob todos os pontos de vista, fazer que o ato de viver
o material da educaçáo é que seciona a conexão vital do pre- contribua para o enriquecimento de sua própria significação
sente e do passado e tende a tornar o passado um rival do perceptível.
presente, e o presente uma imitação mais ou menos inútil do Chegamos assim a uina definição técnica da educação:
passado. Etn tais circunstâncias, a cultura torna-se um orna- é uma reconstrugão ou reorganizacão da experiência, que
mento ou um consolo; um refúgio ou um asilo. O s homens
esclarece e au$nenta o sentido desta e tanibérn a nossa aptidão
fogem às rudezas do presente para viver entre as imaginárias para dirigiriitos o curso das erperiências subseqüentes.
do passado, em vez de usar o que o passado pro-
porciona com um fator para aperfeiçoar aquelas rudezas. 1 - O auinento ou enriquecimento do sentido ou signi-
O presente, em suiiia, gera os problemas que nos levam ficação da experiência corresponde à mais aguda percepção
a procurar sugestões no passado, problemas que dão sentido ao das conexões e das continuidades existentes no que estivermos
que enconiramos em nossas pesquisas. O passado é passado empreendendo. A atividade começa de uma forma itnpulsiva,
justamente porque não encerra o que é caracteristico do pre- por assim dizer, cega. Não conhece o que existe ao seu
sente. O presente, a transformar-se, inclui etn si o passado redor, isto é, quais são suas relaçóes com outras atividades.
desde que dele se utilize para dirigir seu próprio movimento. Uma atividade que acarreta educaçáo ou instrução faz a pes-
O passado é um grande recurso para a imaginação; ele acres- soa conhecer algumas das relaçóes ou conexóes que não eram
centa uma nova dimensão à vida, mas com a condição de que antes percebidas. Recorrendo ao nosso singelo exemplo -
seja visto como o passado do presente e não como outro mundo uma c r i a n ~ aqueima-se ao pôr a mão numa chama. De então
sem relação com o presente. A doutrina que menospreza o por diante ela sabe que certo ato táctil em conexzo com certo
ato presente de viver e de crescer e desenvolver-se - que é ato visual ( e vice-versa) significa calor e dor; ou que certa luz
a única coisa sempre pl,esente - volta-se naturalmente para significa fonte de calor. O s atos por meio dos quais um cien-
o passado, porque o alvo futuro que se determinou é remoto tista aprende mais coisas em seu laboratório a respeito da
e vazio. Mas por volver as costas ao presente não lhe será chama não diferem desse, em princípio, absolutamente nada.
possível retornar a este carreçada com os despojos do passado. Fazendo certas coisas ele torna perceptíveis certas relações,
Pelo coi~trário,um espírito razoavelmente sensível às necessi- dantes ignoradas, da chama como outras coisas. Por esta
dades e oportunidades do presente terá os mais fortes motivos forma, seus atos em relação a essas coisas adquirem mais
para interessar-se pelos antecedentes do presente e não terá significação; ele sabe melhor o que está a fazer, quando sua
dificuldade em retornar a este, pois nunca perdeu sua conexão atividade se aplica a tais coisas; pode provocar intencional-
com ele. mente conseqüências em vez de limitar-se a esperá-las sur-
gir - o que tudo quer dizer a mesma coisa: passou a saber,
3 . A educação como reconstrução. - E m seu con- a conhecer, a entender melhor certas coisas. Ao mesmo tempo,
traste com as idéias do desdobramento do interior para o a chama ganhou mais significação; tudo o que se conhece sobre
exterior de faculdades latentes, e da formação do exterior
a cotiibustão, a oxidação, a luz e a temperatura pode tornar-se rotina, a ação, isto é, a ação automática, pode auiiientar a ha-
parte intrinseca de seu conteúdo intelectual. bilidade para fazer dada coisa particular. Por esse lado, po-
de-se dizer que tem efeito educativo. Ela, porém, não conduz
2 - O outro aspecto de uma experiència educativa é o a novas percepções de significações ou conexões; limita mais
aumento da capacidade de direção ou regulaçáo das experiências do que amplia o horizonte das significações. E desde que o
subseqüentes. Dizer que alguém sabe o que vai fazer ou que ambiente pode mudar ou, melhor, está sempre a mudar, e nosso
pode provocar certas conseqüências é, naturalmente, dizer que modo de proceder precisa modificar-se de forma a manter-se
pode prever melhor o que vai acontecer; que pode, por isso, em conexão bem equilibrada com as coisas, um modo de pro-
preparar-se com antecipação para assegurar conseqüências be- ceder isolado e uniforme cou~oo conseqüente dessa aprendi-
néficas e evitar as indesejáveis. Portanto, uma experiência zagem de prática e rotina pode tornar-se desastroso em algum
genuinamente educativa, que proporciona couhecin~entos e momento critico. A decantada "habilitação" do aluno con-
aumenta as aptidões, diferencia-se, de um lado, de uma ativi-
dade rotineira; e, do outro, de uma atividade caprichosa. a )
-
verte-se então em erosseira inéncia.
~~~~ ~ ~1~ ~~~~~

O contraste essencial da idéia da educação como uma


Na Última, a pessoa "não se preocupa com o que possa acon- reconstrução continua, com as outras concepções unilaterais
tecer"; "deixa-se levar", evitando relacionar as c o n s ~ ê n c i a s que foram criticadas neste capitulo e no antecedente, é que
de algum ato (as provas de suas conexões com outras coisas) ela identifi,ca o fim (o resultado) com o processo. Verbal-
com o ato referido. Habitualmente vê-se com aborrecimento mente, isso parece contraditório, mas só o é verbalmente.
algiiéni entregar-se a tais atos sem objetivo, que são conside- E m rigor significa que a experiência como um processo ativo
rados como prova de indole caprichosa, ou de descuido ou prolonga-se no tempo e que seu período ulterior completa o
indisciplina prejudiciais. Daí, a tendência de procurar a causa período antecedente; projeta luz sobre as conexões nele impli-
dessa atividade sem escopo, nos estados de espirito próprios cadas mas até eiitão despercebidas. O resultado final revela,
do adolescente, isolados de tudo o mais. O fato, porém, é ser assim, a significaçãc. do antecedente, ao passo que a experiência
essa atividade impulsiva devida a um mau ajustamento com considerada como um todo estabelece uma determinada ten-
o ambiente. 0 s indivíduos procedem caprichosamente toda dència ou disposição para com as coisas que possuam essa
a vez que são levados pela con~pulsãoexterna ou quando, obri- significação. Toda a experiência ou atividade assim contínua
gados ou acostunmdos a obedecer, asem de acordo com o que é educativa, e toda a educaçáo consiste em ter tais experiências.
os mandam fazer, se111 ter um fito próprio nem perceber o Resta somente assinalar (o que merecerá depois maior
alcance, daquilo que estão fazendo, sobre outros atos. Alguém atenção) que a reconstrução da experiência tanto pode ser
pode aprender fazendo coisas que não compreende; até nas social como pessoal. Com o fim de simplificar, referimo-nos
atividades mais inteligentes fazeiiios muita coisa sem atenção nos capítulos antecedentes à educaçáo dos imaturos, como se
consciente, porque a maioria das conexões do ato que cons- essa educdçáo que os impregna do espírito do grupo social a
cientemente intentávamos praticar não foram percebidas ou que pertencem consistisse em trazê-los, sob o ponto de vista das
previstas. Mas, se aprendemos, é só porque, depois do ato aptidões e dos' recursos, até o nivel dos adultos. Isto se aplica
praticado, observamos resultados que antes não observáramos. em geral às sociedades estáticas, que adotam como medida de
Mas grande parte do trabalho nas escolas consiste em estabe- valor a manutenção dos costumes estabelecidos. Mas não às
lecer regras para os alunos de tal forma que,. mesmo depois comunidades progressivas. Estas se esforçam por modelar as
de praticado o ato, não podem eles ver ou não são levados a experiências dos jovens de modo que, em vez de reproduzirem
ver a conexão entre o resultado - isto é, a resposta à questão os hábitos dominantes, venham a adquirir hábitos melhores,
do professor - e o método seguido. Do tnodo como se lhes de modo que a futura sociedade adulta seja mais perfeita que
apresentam as coisas, estas tomam para eles o aspecto de uma as suas próprias sociedades atuais. Há já tempos que o homem
espécie de mágica ou de milage. Tal procedimento é essen- vem sentindo a extensão em que a educação conscientemente
cialmente caprichoso e conduz n hábitos capricliosos. b) A praticada pode eliminar nianifestos males sociais fazendo 6s
86 Democracia e educacóo

jovens seguir caminhos que não produzam aqueles males -


como também não lhe tem faltado a intuição de que a edu-
cação pode tornar-se um instrumento para realizar as mais
belas esperanças humanas. Entanto, estamos sem dúvida longe
de compreender a eficácia potencial da educação como agente
edificador de uma sociedade melhor, de compreender que ela CAPITULO 7
não só representa o desenvolviinento das crianps e dos ado-
lescentes, mas também da futura sociedade que será constituída A concepção democrática da educação
por eles.

Resumo. - A educação pode ser concebida retrospec- Até este ponto quase que nos referimos exclusivaniente
tiva ou prospectivaniente. Isto é, pode-se considerar como o à educação tal como pode existir em qualquer grupo social.
processo de adaptar o futuro ao passado, ou como utilização Trataremos agora de salientar as diferen~nsqiie se produ-
do passado como um dos recursos para o dese~ivolvimeuto do zem no espírito, no material e no método da educação, quando
futuro. A primeira concepção encontra seus padrões e modelos esta opera em tipos diversos de organizaqão social. Dizer
naquilo que já existiu. Pode-se considerar o espírito como que a educação é uma fungão social que assegura a direção
um agregado de conteúdos resultantes de se lhe terem apresen- I e o desenvolvimento dos imaturos, por meio de sua parti-
tado determinadas coisas. Neste caso, as primeiras apresen- c i p a $ ~ na vida da comunidade a que pertencem, equivale,
tações constituem o material a que as Últimas serão assimi- com efeito, a afirmar que a educação variará de acordo com
ladas. I2 importantíssimo encarecer o valor das primeiras a qualidade da vida que predominar no grupo. É particular-
experiências dos imaturos, precipuamente por causa da ten- mente verdade o fato de que uma sociedade que, não somente
dência ile se considerarem como de pouca monta. Mas estas muda, mas que, também, para estimulá-la, faz da mudança
experiên'cias não consistem em um material exteriormente um ideal, terá normas e métodos educativos diferentes dos
apresentado e sim na ação recíproca das atividades inatas
e do meio, interação que progressivamente modifica tanto as de outra que'aspire meramente à perpetuaqão de seus próprios
costumes. Para 'tornar as idéias gerais estabelecidas apli-
atividades como o meio. O defeito da teoria herbartiana da
formação por meio de apresentaqóes está em ter desprezado cáveis à nossa peculiar prática educacional, é preciso, por
esta contínua interação e mudança. conseqüência, tratarmos mais detidamente da natureza da pre-
sente vida social.
Aplica-se o mesmo principio desta critica às teorias que
encontram o primeiro material da educação nos produtos
1. O que subentende a associação humana. - So-
culturais - principalmente literários - da história humana.
Suprimida sua conexão com o meio atual em que os indivíduos ciedade é uma só palavra, mas significa muitas coisas. O s
t i m de agir, tornam-se eles uma espécie de meio rival e homens associam-se de tddos os modos e para todos os fins.
perturbador. Seu valor reside em sua utilidade para aumen- Um homem se acha incluído em uma n~ultidão de grupos
tar a signifi,caqão das coisas com que nos temos ativamente diferentes, nos quais os seus consócios podem ser completa-
de haver nos tempos presentes. As idéias sobre a educação mente distintos. Figura-se, com freqüência, nada terem estes
expostas nestes primeiros capitulos resumem-se formalmente grupos de comum, exceto o serem modos de vida associada.
na concefião da continua reconstrução da experiência, con- Dentro de toda larga organização social existem numerosos
cepção que se distingue da educação como preparação para grupos menores: não somente subdivisões políticas, senão
um futuro remoto, como "desdobramento", como fonnaqão também associações industriais, científicas e religiosas. Exis-
externa e como repetição do passado. tem partidos políticos com diferentes aspirações, seitas sociais,
quadrilhas, conventiculos, corpora~óes, sociedades comerciais
e civis, grupos estreitai~ienteligados pelos viiiculos do sangue, o valor da socialização depende111 dos hábitos e aspirações
e outros mais. em infinita variedade. E m muitos países mo- do grupo.
dernos e em alguns antigos, há zrande diversidade de nacio-
nalidades, coin diferentes línguas, religiões, códigos morais e Dai se evidencia, mais uiiia vez, a necessidade de um
tradições. Sob este ponto de vista, muitas unidades politicas 1 julgamento, de uma medida do valor dos diferentes modos
de vida social. Na pesquisa desse critério ou medida deve-
menores, uma de nossas grandes cidades, por exemplo, são
mais uni agregado de sociedades frouxamente unidas do que renios evitar dois extremos. Não poderemos criar, com as
nossas imaginaçóes, alguma coisa que consideremos uma so-
uma compreensiva e bem amalgamada coinunidade de ação
ciedade ideal. Nossa concepção deve basear-se em sociedades
e de pensamento.
que existam realmente, de modo a obtermos alguma garantia
Os termos sociedade, comunidade, são, por esse niotivo, da exequibilidade de nosso ideal. Mas, por outro lado, o ideal
ambiguos. Têm dois sentidos: um laudatório ou normativo, não pode limitar-se apenas a reproduzir os traços que en-
e outro descritivo; urna significação de jure e outra signifi- contramos na realidade. O problema consiste em extrair os
cação de facto. E m filosofia social, a primeira acepção é traGos desejáveis das formas de vida social existentes e empre-
quase sempre a predominante. Concebe-se a sociedade como gá-los para criticar os traços indesejáveis e sugerir melhorias.
uma pela sua própria natureza. As qualidades que acompa- Ora, em qualquer gfupo social, mesmo em maltas de ladrões,
nham esta unidade, a louvável comunhão de bons propósitos e encontramos algum interesse comum e, além dele, certa porção
bem-estar, de fidelidade aos interesses públicos e reciprocidade de interação e reciprocidade cooperativa com outros grupos.
de simpatia, são postas etn relevo e encarecidas. Mas quando, Com estes dois característicos fixaremos o critério ou orga-
em vez de fixar a aten<áo no significado intrinseco do termo, nizarenios um padrão de julgaiiiento. Até que ponto são nu-
observamos os fatos que esse termo indica ou a que se merosos e variados os interesses conscientemente compartidos?
refere, não encontramos a unidade e, sim, uma pluralidade de Até que ponto são intensas e livres as relações com outras
associações boas e más. Incluem-se nela homens reunidos em formas de associação? Se aplicarmos estas considerações a
conluios criminosos, agremiações comerciais que mais sa- uma quadrilha de malfeitores, por exemplo, verificaremos que
queiam o público do que o servem e engrenagens políticas que os elos que conscientemente lhe vinculan~os membros são pouco
se mantêm unidas pelo interesse da pilhagem. Aqueles que numerosos e quase que reduzidos ao só interesse comum do
dizem que tais organizações não se podem chamar sociedades roubo, e que sáo de natureza a isolar o grupo dos outros
por não satisfazereiii as exigtncias ideais da noção de sociedade, grupos, no tocante ao niútuo dar e receber dos valores da
pode-se, por um lado, responder que se torna nesse caso táo vida. Daí resulta que a educação proporcionada por uma tal
"ideal" a noção de sociedade, que fica sendo inútil, por não se sociedade será parcial e falseada. Se, por outra parte, tomar-
poder aplicar aos fatos; e, por outro lado, que cada uma dessas mos, como exemplo! a vida familiar para ilustrar o nosso cri-
organizaçóes, por mais opostas que sejam aos interesses dos tério, acharemos que existem interesses materiais, intelectuais
outros grupos, tem uni tanto das apreciáveis qualidades da e estéticos de que todos participam e que o progresso de um
',sociedade" e são estas que as mantêm unidas., Há entre la- I de seus membros tem valor para a experiência dos outros mem-
drões sentimento de Iionra e uma quadrilha de salteadores bros - é facilmente comunicável - e que a familia não é um
tem um interesse comum a vincular todos os seus componentes. todo isolado e sim mantém intimas relações com os grupos
Reina entre estes unia afeiçáo fraterna, e nos grupos mais limi- econômicos e comerciais, com as escolas, com as instituições de
tados há uma grande fidelidade a seus próprios códigos ou cultura, assim como coiii outros grupos i~emelh$ntes,e que
pactos. A vida em uma faniilia pode caracterizar-se por desempenha o papel devido na organização pÒfíiica, e desta, em
grande segregação, desconfiança e ciúme em relação aos es- compensação, recebe amparo. E m uma palavra: há muitos
tranhos a ela e, entretanto, cultivar-se em seu seio um afeto
e auxilio mútuo modelares. Toda a educação ministrada por
interesses conscientemente coniuiiicados e conipartilhados -
existem vários e livres pontos de contacto com outras niodali-
um grupo tende a socializar seus membros, mas a qualidade e dades de associação.
90 Democraciu e cducapio

I - Apliquemos, agora, o primeiro elemento deste crité- ficial; sua riqueza se transmiida em luxo; seus conhecin~entos
rio a um pais governado despoticamente. Nesse caso não é superespecializam-se; e seus modos e hábitos se tornam mais
verdade que não exista numa tal organização interesse cnnium artificiais do que humanos.
entre os governados e governantes. A autoridade deve apelar A falta do livre e razoável intercâmbio que promana de vá-
de algum modo à atividade inata dos súditos e por em jogo rios interesses compartidos desequilibra o livre jogo dos estímu-
algumas de suas aptidóes. Disse Talleyrand que um governo 10s intelectuais. Variedade de estímulos significa novidade e no-
podia tudo fazer com baionetas, menos assentar-se sobre elas. vidade significa desafio e provocação à pesquisa e pensamento.
Esta afirmíção cínica encerra, pelo menos, o reconhecimento de Quanto mais as atividades se restringem a umas tantas linhas
que o vinculo de união não é unicamente a força coercitiva. definidas - como sucede quando as divisóes de classes impe-
Deve-se, entretanto, reconhecer que os impulsos para que se dem a mútua comunicação das experiências - mais tendem a
apela são indignos e degradantes e que tal governo apenas se converter em rotina para a classe de condisão menos favo-
põe em ação a capacidade de temer. Esta afirmativa é, de recida, e a se tornar caprichosas, impulsivas e sem objetivos
certo modo, verdadeira. M,as esquece a circunstância de que para a classe em boa situação material. O escravo, no definir
o tenior não é fator necessariamente indesejável na experiência. de Platão, é o homem que recebe de outro os objetivos que
A cautela, a circunspecção, a prudência, o desejo de prever orientam sua conduta. Manifesta-se esta condição mesmo
futuros acontecimentos para evitar o que é prejudicial - nestas quando não haja escravidão no sentido legal desta palavra.
qualidades louváveis existe o instinto do iiiedo, tanto quanto Ela existe sempre que um homem se dedica a uma atividade,
lia covardia e na abjeta subserviência. O mal está em apelar-se cuja utilidade social ele não compreenda e que não encerre
zilzica?nente para o medo. Provocando-se o temor e a esperança para ele algum interesse pessoal. Muito se tem falado sobre
de particulares recompensas tangíveis - isto é, o conforto e o a organizacão científica do trabalho.. Mas, uma visão acanhada
bem-estar - deixam-se no abandono outras qualidades. O u restringe o campo da ciência a assegurar a eficiência da atuação
antes, estas são postas em ação, mas de tal modo que se per- por meio de acertados movimentos musculares ou físicos. A
vertem. Em vez de fazê-las atuar por sua própria conta, principal oportunidade para a eficácia da ciência será a des-
reduzem-nas a iiieros instrumentos para conseguir o prazer e coberta das relações do homem com seu trabalho - inclusive
evitar a dor. as relações com os deinais que nele tomam parte - para que
Equivale isto a dizer que não há grande número de inte- o trabalhador ponha o seu interesse inteligeiite naquilo que
resses comuns; não há livre reciprocidade do dar e receber estiver fazendo. A eficiència da produção exige com freqiiên-
entre os membros do grupo social. O estimulo e a reaqão cia a divisão do trabalho. Mas este se reduzirá a unia rotina
niostrain-se muito unilaterais. Para terem numerosos valores maquinal se o trabalhador não vir as relações, técnicas, inte-
comuns todos os iuembros da sociedade devem dispor de opor- lectuais e sociais encerradas naqiiilo que está fazendo, em
tunidades igiiais para aqucle mútuo dar e receber. Deveria relação às deinais partes do trabalho, e não se dedicar a seu
existir maior variedade de enipreendimentos e experiências de trabalho por essa compreensão. A tendência a reduzir coisas
que todos participassen~. Não sendo assim, as influências que como a eficácia da atividade e a organização científica do tra-
a alguns educam para senhores, educariam a outros para escra- balho a técnicas puramente externas: é a prova do ponto de
vos. E a experiên'cia de cada uma das partes perde em signi- vista unilateral qiie possucm os que dirigem ri indústria -
ficação quando não existe o livre entrelaçamento das varias aqueles que lhe determinam os fins. Alheados de largos e
atividades da vida. Uma separaçso entre a classe privilegiada bem equilibrados icteresses sociais não têm eles estimulo in-
e a classe submetida impede a endosmose social. 0 s males telectual suficiente para se voltarein aos fatores e relações
que por essa causa afetam a classe superior são menos mate- humanos envolvidos na atividade industrial. As idéias a esse
riais e menos perceptíveis, mas igiialmente reais. Sua cultura respeito restringem-se aos elementos referentes à produção
tende a tornar-se estéril, a voltar-se para se alimentar de si técnica e à comercializaçá~dos produtos. NZo há dúvida de
mesma; sua arte torna-se uiiia ostentação espetaculosa e arti- que nestes estreitos limites pode haver grande desenvolvimento,
92 Democracia e educação A coiicepção devnocrdticn da educação 93

mas nem por isso a circunstãncia de não se tomarem em conta separação, pondo as nações e as classes sociais em mais íntimas
importantes fatores sociais deixa de significar uma grande la- e perceptíveis conexões reciprocas. É comum, entretanto, não
cuna da colaboração espiritual, com um corresp~ndentedano da se assegurarem plenamente as conseqüências intelectuais e
vida emocional dos que trabalham. sentimentos desta stipressão material do espaço.
I1 - Este exemplo (que se aplica, ein sua essência, a
2. O ideal democrático. - O s dois elementos de
todas as associações em que não existe a reciprocidade de
interesses) conduz-nos ao nosso segundo ponto. O isolamento nosso critério se orientam para a democracia. O primeiro
e exclusivismo de uma quadrilha on de um corrilho põe em significa não só mais numerosos e variados pontos de par-
realce seu espírito anti-soda]. Mas encontra-se este mesmo ticipação do interesse comum, como também maior confiança
espírito onde quer que tenha algum grupo "interesses próprios", no reconhecimento de serem, os interesses reciprocas, fatores
que o privam de plena interação com outros grupos, de modo da regulação e direção social. E o segundo não só significa
que o objetivo predominante seja a defesa daquilo que já con- uma cooperação mais livre entre os grupos sociais (dantes
seguiu, em vez de ser sua reorganização e progresso por meio isolados tanto qxanto voluntariamente o podiam ser) como
de relações cada vez de maior latitude. Isto e o que caracte- também a mudarça dos há5itos sociais - sua contínua rea-
riza as nações que se isolam uma das outras, as familias que daptação para ajustar-se i s novas situações criadas pelos vá-
se adstringem a seus interesses domésticos, como se estes não rios intercâmbios. E estes dois traços são precisamente os
tivessem conexão com uma vida mais ampla, as escolas quando que caracterizam a sociedade democraticamente constituída.
divor,ciadas dos interesses do lar e da comunidade, as divisões Quanto ao aspecto educativo, observaremos primeiro que
em ricos e pobres. em doutos e incultos. A verdade funda- a realização de uma forma de vida social em que os inte-
mental é que o isolamerito tende a gerar, no interior do resses se interpenetram mutuamente e em que o progresso, ou
grupo, a rigidez e a institucioualização forn~al da vida. e os readaptação, é de importante consideração, torna a comunhão
ideais estáticos e egoistas. Não é por acidente que as tribos democrática mais interessada que outras comunhões na edu-
selvagens consideravain como sinónimos os termos "estran- cação deliberada e sistemática. O amor da democracia pela
geiro" e "iniinigo". Deriva isto do {;to de terem elas iden- educação é um' fato cediço. A explicação superficial é que
tificado sabedoria com a rígida observância de seus antigos um governo que se funda no sufrágio popular não pode ser
costumes. Esta circunstância torna perfeitamente Lógico re- eficiente se.aqueles que o elegem e lhe obedecem não forem
cear a comunicação com oiitros povos, pois tal contacto poderia convenientemente educados. Uma vez que a sociedade demo-
dissolver aqueles costumes. Certamente ocasionaria a sua re- crática repudia o principio da autoridade externa, deve dar-lhe
construção. É lugar-comuiii afirmar-se que a expansão de Lima como substitutos a aceitação e o interesse voluntários, e unica-
intensa vida mental depende de crescentes séries de contactos mente a educação pode criá-los. Mas há uma explicação mais
e experiências com o meio físico. Mas este principio se aplica profunda. U n ~ ademocracia é mais do que uma forma de
mais significativamente ao campo em que mais costiiinamos governo; é, primacialmente, uma forma de vida associada, de
esquecê-lo, que é a esfera das relações sociais. experiência conjunta e mutuamente comunicada.
Toda a época de expansão na história da humanidade A extensão, no espaço, do número de invivíduos que par-
coincidiu com a atuação de fatores que tenderam a eliminar o ticipam de um mesmo interesse de tal modo que cada um
afastamento entre povos e classes qne dantes viviam isolados. tenha de pautar suas próprias ações pelas ações dos outros
Até os alegados benefícios das guerras quando de todo reais e de considerar as ações alheias para orientar e dirigir as
resultam do fato de que os conflitos entre as nações aumen- siias próprias, equivale à supressão daquelas barreiras de
tam, pelo menos, as relações eiitre elas e assim, incidentemente, classe, raça e território nacional que impedem que o homem
habilita-as a aprenderem umas com as outras e a alargar, por penceba toda a significaçáo e importância de sua atividade.
essa.forma, seus respectivos horizontes. As viagens e a ativi- Estes mais numerosos e variados pontos de contacto denotam
dade econômica e comercial já destruíram as barreiras de inaior diversidade de estím~ilosa que um individuo tem de
94 Democracia e educacão A concepção democrática da educacão 95

reagir; e incentivam, por conseguinte, a variação de seus atos; tence) e que a tarefa da educação se limita a descobrir estas
asseguram uma libertacão de energias que ficam recalcadas aptidões e a exercitá-las progressivamente para seu uso so-
cial. Muito do que se tem dito a respeito é tornado de ein-
enquanto são parciais e unilaterais as incitações para a ação,
como ocorre com os grupos que coiii os seus exclusivismos
l préstimo das idéias que, primeiro que todos, PLATÃO ensinou
fecham a porta a muitos outros interesses. conscientemente ao muiido. Mas as condiçóes sociais que
A aiiipliação da área dos interesses coinpartilhados e a ele não podia modificar levaraiii-no a restringir estas idéias
liherta@o de maior diversidade de capacidades pessoais que em sua aplicação. Nunca chegou a poder conceber a plura-
caracterizam a democracia não são, naturalmenfe, resultado de lidade indefinida das espécies de atividade que podem caracte-
deliberação e de esforço conscientes. Pelo contrário - suas rizar um individuo ou um grupo social - e, conseguinteiiie~ite,
causas foram o desenvolvimento das indústrias e do comércio, restringiu suas idéias a liiiiitado número de categorias de apti-
as viagens, migrações e interco~nunicaçõesque resultaram do dões e de organizações sociais.
doinínio da ciência sobre as energias naturais. Mas depois O ponto de partida de PLATÃOé que a organização da
que esses fatos fizerain surgir maiores possibilidades de for- sociedade depende, e111 Última iiistância, do conhecimento da
inação iiidividual, por um lado, e maior comunhão de interesses finalidade da esist6ncia. Se desconliccermos esta fi~ialidade.
por outro, será obra do esfo.rço voluntário o conservClas e ficaremos à mercê do acaso e do capricho; se descoiilie-
aumentá-las. É indubitável que uma so,cie?ade para a qual seri1 cermos a finalidade, que é o bem, não teieiilos uiii critério para
fatal a estratificaqão em classes separadas, deve procurar fazer decidir racionalmei~te sobre as possibilidades qiie devem ser
que as oportunidades intelectuais sejam acessíveis a todos os acoroçoadas, ou como deve ser organizada a sociedade; seiu
indivíduos, com iguais acilidades para os mesmos Uma so- isso, não poderemos conceber qual a conveniente li~iiitaçãoe
ciedade dividida em castas nciessita unicamente preocupar-se distribuição das atividades - o que ele cliamava justiça -
coiii a educação da casta dirigente. Uma sociedade móvel, indispensável a caracterizar a organização tanto individual como
cheia de canais distribuidores de todas a s niudanças ocorridas social. Mas como atin~ireiiioso conhecimento do bem final
em qualquer parte, deve tratar de fazer que seus membros e permanente? Examinatido esta questão chegaremos ao
!
sejam educados de modo a possuírem iiiiciativa individual e obstáculo aparentemente insuperávd de que não é possível esse
I
adaptabilidade. Se não fizer assim, eles serão esmagados pelas conhecimento a não ser eiii uma justa e harmoiiiosa ordem
mudanças em que se virem envolvidos e cujas associações ou social. De outro modo, o espírito se desorienta e extravia
significaçóes eles náo percebem. O resultado seria uma con- c0111 falsos valores e falsas perspectivas. Uma sociedade
fusão, na qual poucos somente se apropriariam dos resultados desorganizada e clieia de facções estabelece diversos modelos
da atividade dos demais - atividade cega e exteriormente e ideais. E111 tais cotidiçóes é in:possível a um indivíduo ser
dirigida pelos primeiros. coerente. Só um todo completo é perfeitamente coerente.
Uma sociedade que repousa na supremacia de um fator sobre
3 . A filosofia educacional platônica. - Nos capí- os demais, independenteiiiente de suas exigèncias racionais ou
tulos subseqüentes trataremos de desenvolver e mostrar as adequadas, falseará, sem dúvida alguma, o pensamento. Digni-
I
conse~qüêiiciasdas idéias democráticas sobre educação; no res- fica e eleva certas coisas e condena outras, criando urna men-
tante do presente capítulo, consideraremos as teorias erlucacio- I talidade cuja aparente unidade é forçada e disfor~iie. A edu-
iiais que se desenvolveram em três épocas. quando era espe- cação se conduz, no final de contas, pelos iiiodelos fornecidos
cialii~enteimportante o alcance social da educação. pelas itistituiçóes, costumes e leis. Só em um Estado justo
A primeira a ser exariiinada é a de PLATÃO. Ninguém poderão esses modelos dar a educn~5o coiivenie:ite; e só
exprimiu melhor que ele o fato de que uma sociedade se
acha organizada estavelmente, quaiido cada indivíduo faz
aquilo para o que tem especial aptidáo, de modo a ser Útil
! I
aqueles que prepararam conveiiienteirieiite o espírito estáo aptos
para recoiihecer a finalidade e o princípio ordenadar das coisas.
E, assim, presos em um circulo vicioso. Todavia, PLATÃO SU-
gere uma saida. Alguns poucos hoi~ieiisfilósofos ou amantes
aos outros (ou a coiitribuir em he?efício do todo a que per- 'I
96 Democracia e educapio A conceP~üodemocrática da educa,c&o 97

manuais e dos que se dão a negbcios, à qual compete conhecer


da sabedoria - ou da verdade - poderão, por meio
e satisfazer as necessidades materiais humanas. Outros reve-
do estudo, conhecer ao menos os lineamentos das normas lam, por obra da educação, que, em vez de apetites materiais,
apropriadas a urna verdadeira existência. Se um poderoso
sentem a predominância de um natural generoso, entusiasta e
soberano organizasse um estado de acordo com essas nor- valente. Tornam-se estes os servidores do estado, seus defen-
mas, a organização poderia conservar-se. Uma educação
sores na guerra, e zeladores internos na paz. A limitação dos
poderia, então, ser desenvolvida no sentido de selecionar os seus serviços é fixada pela deficiência de sua razão, que é
individuos, descobrindo aquilo para que cada um serve e pro-
porcionando os meios de determinar a cada um o trabalho a capacidade de compreender o universal. Os que a possuem
para o qual a natureza o tornou apto. Fazendo cada qual sua recebem a mais elevada espécie de educação e se convertem
oportunamente em legisladores - pois as leis são os univer-
própria tarefa e nunca transgredindo esta regra, manter-se-iam sais que regulam os particulares da experiência da conduta.
a ordem e a unidade do todo.
Não é verdade, assim, que PLATÁO pretendesse, iutencional-
Impossível seria encontrar em qualquer sistenia filosófico mente, subordinar o individuo ao todo social. Mas é certo
um reconhecimento mais adequado da impo~táncia educaiiva que, não percebendo as diferenças individuais. em toda a sua
da organização social e, por outro lado, da dependência em que extensão, a verdadeira incomensurabilidade de cada indivíduo
essa organização ficaria dos meios utilizados para educar seus e não reconhecendo, portanto, que uma sociedade pode mudar
jovens elementos. Seria inipossivel encontrar um sentido mais e mesmo assim ser estável, sua teoria da limitação de aptidões
profundo da função da educação na descoberta e desenvolvi- e de castas cliegou, de fato, i conseqüência da subordinaçáo
mento das aptidões individuais e no exercitá-las e formá-las de da individualidade à organizaçáo social.
modo tal, a articulá-las com a atividade dos outros. No eu-
tanto, a sociedade em que se defenderam estas idéias era tão Nao podemos ultrapassar a concepção platônica de que
pouco democrática que PLATÃO não procurou praticamente a o individuo é feliz e a sociedade bem organizada quando cada
solução do problema cujos termos tão claramente via. qual se dedica às atividades para as quais está preparado pelo
Quando PLATÃO afirmou incisivamente que o lugar do in- seu natural, nem a sua idéia de que a primacial tarefa da edu-
divíduo na sociedade não deveria ser determinado pelo nas- cação é descobrir esta aptidão em seu possuidor e exercitá-la
cimento ou pela riqueza, ou por qualquer norma conven,cional para ser utilizada eficazmente. Mas o progresso dos conhe-
e sim por sua própria natureza descoberta no processo da cimentos fez-nos ver a superficialidade da idéia platôiiica de
educação, ele não percebia a desigualdade das características acumular os indivíduos e suas aptidões naturais ein poucas
dos individuos, o caráter único de cada indivíduo. Para classes bem determinadas; aquele progresso ensinou-nos que
PLATÃO os indivíduos se classificavam naturalmente em castas as aptidões originárias sáo indefinidamente numerosas e va-
e só em pequeníssimo número destas. Por conseguinte, a riáveis. E a conseqüência deste fato é reconhecer-se que, à
função das provas selecionadoras da educação será a de revelar proporçáo que a sociedade se torna democrática, a verdadeira
unicamente a qual das três castas platônicas um individuo per- organizaçzo social está na utilização daquelas qualidades pe-
tence. Não se reconhecendo a verdade de que cada individuo culiares e variáveis do individuo e não na sua estratificação
constitui sua própria casta, não se poderia reconhecer a exis-
tência da infinita variedade de tendências ativas e de combi- ii em classes. Embora fosse revolucionária sua filosofia educa-
cional, não se mostrou, por isso, menos escravizada aos ideais
nações dessas tendências que nin individuo é capaz de apresen- I
estáti,cos. Ele pensava que as mudanças ou alterações fossem
tar. O indivíduos eram nni~caiiientedotados de três tipos de provas de indisciplina e que a verdadeira realidade era imutá-
faculdades ou aptidões. Por isso a educação logo atingiria um vel. Por isso, quando pensou em transformar pela raiz as
limite estático em cada classe, pois só a diversidade cria a
mutação e o progresso.
Em alguns individuos predomindrn nzturalmente os ape-
! condições sociais existentes, sua aspiração foi edificar um
estado em que posteriormente não se verificasse qualquer
mudança. Fixara a fi&lidade Última da vida; uma vez orga-
tites, e por isso se distribuem pela classe dos trabalhadores
98 Democracia e educarão A concepção denlocvática da educaçZo 99

nizado o estado tendo esta finalidade em vista, nem mesmo fectibilidade do homem e de uma organização social tendo
as mínimas particularidades. deveriam ser alteradas. Mal- como amplo escopo a humanidade. O indivíduo emancipado
grado n8o tivessem estas importância por si mesmas, sua deveria converter-se em órgão e fator de unia sociedade
modificação implantaria nos espíritos a idéia da mudança e, compreensiva e progressista.
portanto, seria dissolqente e anarquizadora. A fraqueza desta O s pregadores deste evangelho tinham viva cons~ciêiicin
filosofia revela-se no fato de que não se poderiam esperar dos males do estado social ein que viviam. Atribuíam esses
gradativas melhorias da educação que produzissem uma melhor males às restri~õesimpostas ao livre exercício das faculdades
sociedade, a qual, por sua vez, melhoraria a educação, e assim do liomem. Essa restrição era simultaneamente perturbadora
por diante, indefinidamente. . Só poderia surgir a verdadeira e corruptora. Seus afervorados esforços para emancipar a
educação quando existisse o estado ideal e depois a tarefa da vida das restrições exteriores que atuavam para vantagem
educação se limitaria exclusivanieiite à conservação do mesmo. exclusiva da classe que um passado sistema feudal tornara
Para a existên,cia deste estado dever-se-ia contar com algum senhora do poder, encontrou sua forrnula@o intelectual no
acaso feliz, que fizesse a sabedoria de um filósofo coincidir, em culto da natureza. Dar plena expansão à "natureza" era
um estado, com a posse do poder. substituir uma ordem social artificial, corrupta e iníqua por um
novo e melhor reinado da humanidade. A confiança iliiiiitada
4. O ideal "Individualista" d o Século XVIII. - Na na Natureza não só como modelo, senzo tambéiil como poder
filosofia do século XVIII, encontramo-nos em um círculo operante, era fortalecida pelos progressos das ciincias naturais.
bem diferente de idéias. "Natureza" significa ainda um Uma investigação liberta dos preconceitos e peias artificiais
tanto a antítese da organizacão social existente; PLATÃO exerceu da Igreja e do Estado revelara que o mundo era dominado por
grande influência em R o u s s ~ ~ uMas. a voz da natureza fala leis. O sistema solar newtoniano, 'que revelava esse domínio
por intermédio deste em prol da diversidade dos talentos indi- das leis naturais, mostrava-se como ntn quadro de mara-
viduais e da necessidade do livre desenvolviniento de todas vilhosa harmonia, onde cada força era contrabalançada por
as variedades da personalidade. A educaçáo de acordo com outras. As leis naturais chegariam ao mesmo resultado nas
a natureza fornece o alvo e o método de instruir e dis- relações humanas, se os homens quisessem desembaraçar-se das
ciplinar. Todavia, levando o caso a seu extremo, os dotes artificiais restrições coactoras criadas por eles próprios.
inatos ou originários são por ele considerados coiiio não sociais ~ulgava-seque o primeiro passo para assegurar essa so-
ou mesmo anti-sociais. Conceberam-se as organizações sociais ciedade mais social era uma educaçáo de acordo com a natureza.
como meros expedientes para que estes indivíduos insociais Via-se claro que as limitações econômicas e políticas depen-
pudessem assegurar-se para si próprios maior felicidade privada. diam, em Última análise, das limitações do pensamento e do
Esta exposiçzo, todavia, proporciona apenas uma idéia sentimento. O pritrieiro passo para livrar os homens dessas
inadequada da verdadeira importância dessa corrente de idéias. cadeias externas era emancipá-los das cadeias internas clas
Seu principal interesse residia, lia realidade, no progresso, e no falsas crenqas e dos falsos ideais. Aquilo a que se chamava
progresso social. A sua filosofia aparentemente anti-social vida social, e as próprias iiistituições esistentes, eram dema-
não passava de máscara uiii tanto transparente de um impulso siado falsas e corruptas para se Ihes confiar essa tarefa.
para a concepção de tima sociedade mais ampla e livre - para Como esperar que elas a empreendessem, se isso significaria
o cosinopolitisnio. O ideal colimado era a humanidade. Na sua própria destruição? Ao poder da Natureza, portanto, é
condição de membros da humanidade, e não apenas do estado, que se deveria deixar essa tarefa. Até a extremada escola
libertar-se-iam as aptidões dos homens, ao passo que nas orga- sensa,cionalista do conlieciineuto, então dominante, derivara-se
nizações politicas existentes essas aptidões são reprimidas e
falseadas para satisfazerem as exigências e interesses egoísticos
I dessa concepção. Insistir ein afirmar que o espírito é origina-
riamente passivo e vazio era um modo de glorificar as possibi-
dos detentores do governo. A doutrina -do individualismo lidades da educaçáo. Se o espírito fosse como uma cera onde
extremo era apenas uma aplicação das idéias da infinita per- se gravavam as coisas objetivas não haveria limites para as
100 Den~ocracin e educação .4 concepgão democrática da educaçüo 101

possibilidades educativas pelo i n f l u x ~do meio ambiente. E referimos surgiram como Últimas consequèncias das conquis-
uma vez que o mundo objetivo natural é um cenário de harmo- tas napoleônicas, especialmente na Alemanha. O s estados ger-
niosa "verdade", aquela educação produziria infalivelmente es- mânicos pressentiram ( e os acontecimentos ulteriores provaram
píritos cheios de verdade. que eles tinham razão) que a atenção sistemática voltada para
a educação era o melhor meio de recuperar e manter a inte-
5. A educação sob o ponio d e vista nacional e gridade e soberania política. Exteriormente eram fracos e di-
social. - Apenas arrefeceu o primeiro entusiasmo pela vididos. Sob a direção dos estadistas prussianos, esses estados
liberdade, patenteou-se a fragilidade dessa teoria em seu aspecto tornaram essa condição um incentivo para o desenvolvin~ento
construtivo. Confiar-se simplesmente tudo à natureza era, de um amplo e sólido sistema de educação pública.
afinal de contas, negar-se a própria idéia de educação, e entre- Tal mudança na prática necessariamente daria origem a
gá-la aos acasos das circunstâncias. Não só s e precisava de uma mudança na teoria. A teoria individualista recuou para
um método, como também de algum Órgão próprio, de alguma
um plano afastado. O estado forneceu não só os meios para
instituição administrativa que efetuasse o trabalho da instru-
a manutenção de escolas públicas, como também os objetivos
ção. Como o "desenvolvimetito completo e harmonioso de dessas últimas. Se a prática era tal, que o sistema escolar,
todas as faculdades" subentendia uma humanidade esclarecida
desde os graus elementares até as faculdades universitárias,
e progressiva, sna consecução requeria uma organização espe-
fornecia o cidadão e o soldado patriotas e os futuros funcio-
cial. O s particulares aqui e além podiam pregar o evangelho,
nários e administradores do estado, e promovia os meios
mas, não, executar o trabalho. Um PESTALOZZI poderia fazer para a defesa e expansão militar, industrial e política, impossí-
experiências e exortar a seguir seu exemplo as pessoas incli-
vel se tornava para a teoria não encarecer para a educação o
nsdas à filalitropia e possuidoras de riqueza e poderio; mas o ideal da eficiência social. E com a enorme importância dada
próprio PESTALOZZI reconheceu que um eficaz empreendimento ao estado nacionalista, rodeado de outros estados rivais e mais
baseado no novo.idea1 educativo exigia o amparo dos poderes ou menos hostis, era igualmente impossível atribuir à eficiência
públicos. Pór em prática idéias novas sobre educação, idéias social o sentido de um vago humanitarismo cosmopolita. Desde
destinadas a criar unia nova sociedade, dependia, ao cabo de que a manutenção de uma soberania nacional determinada re-
tudo, da ação dos estados existentes. O movimento a favor queria a subordinação do indivíduo aos interesses superiores
do ideal democrático tornou-se inevitavelmente em uma cam- do país, não só para a defesa militar, como também para a
panha para a criação de escolas públicas. luta pela supremacia internacional no comércio, tinha-se que
Em relação à Europa, suas condições históricas identi- reconhecer que a eficiência social exigia a n á l o g ~subordinação.
ficaram a campanha a favor da educação mantida pelo estado A educação foi considerada mais como um adestramento dis-
com a campanha nacionalista na vida política - fato este de ciplinar do que como meio de desenvolvimento pessoal. Como,
incalculável importância para nlterinres movimentos. Prin- entretanto, persistia o ideal da cultura como desenvolvimento
cipalmente pela influência da filosofi; ~ermânica,a educação completo da personalidade, a filosofia educacional tentou con-
converteu-se numa função cívica e a f .n$ão cívica se identificou ciliar as duas idéias. A conciliação se fundou na concepção
com a realização do ideal do e s t a u nacional. O "estado" do caráter "orgânico" do estado. O indivíduo isolado nada
substituiu a humanidade; o cosmopolitismo cedeu o lugar ao é; só mediante a assimilação das aspirações e da significação
nacionalismo. Foriliar o cidadão, e não o "homem", tornou-se das instituições organizadas atinge êle a verdadeira persona-
a meta da educação ( 1 ) . As condições históricas a que nos
mais por tentar formar o último, do que o primeiro. Mas há muitas
1) Há muitos traços esquecidas, nas idéias de Rousseau, que ten- de suas frases que denotam ser a formação do cidadão a formação
dem intelectualmente para esta direção. Ele se opunha ao então exis- idealmente mais elevada, e que indicam que sua tentativa de reforma,
tente estado de coisas, sob o fundamenta de que ele não formava nem mntida no Emile, era a melhor em remédio que a corrup~áodaqueles
o cidndno, nem o homeni. Naquelas referidas condi~óes, ele optava tempos lhe permitia aconselhar.
lidade. Aquilo que se antolha ser sua subordinação à autori- gradualmente de seus fins por meio dos esforços de pessoas
dade politica e a exigencia do sacrifício de si próprio ante o capazes de compreender o ideal de uma futura condição
dever da obediência a seus superiores, náo é, na realidade, melhor.. . O s governantes só se interessam pela educaçáo
mais do que o tornar sua a razáo objetiva manifestada no es- para converterem seus súditos eni melhores instrumentos para
tado - o único meio pelo qual pode ele tornar-se verdadei- seus próprios fins". Até os auxílios dos governos para as
ramente racional. A noção do desenvolvimen~oque vimos ser escolas particulares devem ser recebidos com cautela, pois o
a caracteristica d o idealismo institucional (como na filosofia interesse daqiieles em beneficiar sua nação, em vez de terem
hegeliana) era exatamente esse esforço consciente para comhi- em vista o melhor para a humanidade, os fará, se subsidiarem
nar as duas idéias - a da conipleta expansão da personalidade escolas, procurar utilizá-las na realização de seus planos.
e a da total subordinação "disciplinar" às instituições existentes.
Aqui temos, expressos nesta opiniso, os traços caracte-
A latitude da transformação da filosofia educacional pro- rísticos do cosinopolitisnio individualista do século XVIII.
cessada na Alemanha pela geração empenhada na luta contra Por ele se identifica o pleno rlesenvolvimento da personalidade
NAFOLEAO,pela independèucia nacional, pode-se inferir da particular com os próprios fins da humanidade como um
leitura de KANT, que bem exprime o primitivo ideal indivi-
todo e com a idéia do progresso. Temos aqui, além disso,
dualista-cos~nopolita. Em seu tratado de pedagogia, constituído o receio expressamente manifestado da influência inihidora
por conferèncias feitas nos últimos anos do século XVIII, de uma educação orientada e regulada pelo estado para a
ele define a educaçáo como o processo pelo qual o homem se
torna homem. No conieço da história da humanidade, o ho- realização daquele ideal. Mas pou'co menos ac duas décadas
niem se acha submergido na Natureza, mas não como Homem, após essa época, os filósofos continuadores de KANT, FICHTE
que é criatura dotada de razão, enquanto a natureza apenas e HEGELexprimiram a idéia cle que a principal função do
lhe dá instintos e apetites. A natureza proporciona unica- estado é a educativa - de que, especialmente no caso da Ale-
mente germes, que a educação deve desenvolver e aperfeiçoar. manha, o reerguimento nacional deveria ser efetuado por uma
A particularidade da verdadeira vida humana é que o homem educação dirigida de acordo com o interesse do estado, e de
precisa criar-se por seus próprios esforços voluntários; tem que o indivíduo, particularmente considerado, é um ser egoísta
que se fazer uni verdadeiro ser moral, racional e livre. Este e irracional, escravo de seus apetites e das circunstâncias, a
esforço criador desenvolve-se pela atividade educativa de nu- não ser quando se submete voluntariamente à dis'cipliiia educa-
iiierosas gerações. Sua aceleraçáo depende de se esforçarem tiva das instituições e das leis nacionais. Com esse espírito a
os honiens conscienteiuente para educar seus sucessores - Alemanha foi o primeiro pais a empreender um sistema de
educação pública, geral e obrigatória, que se estendia desde
educarem, não para o existente estado de coisas, mas para
tornar possivel unia melhor humanidade futura. Mas essa é a escola primária até a tiniversidade, e a submeter à regula-
a grande dificuldade. Cada geração propende a educar os mentação e fiscalização de uni estado cioso de suas prerroga-
jovens para agir no seu tempo, em vez de atender à finalidade tivas todos os institutos particulares de editcação.
mais própria da educa~ão,que é conseguir a melhor realização Duas conseqüências derivam deste breve transunto histó-
possível da humanidade conio Iiumanidade. O s pais educam os rico. A primeira é que expressões conio concepção individual
filhos siiiiplesmente para que estes possam prosperar em suas e social da educação não têm significação alguma, quando iso-
carreiras, e os soberanos educam os vassalos para instrumentos Indas ou destacadas da situayáo a que se referem. PLATÃO
de seus próprios fins. concebeu o ideal de uma educação que conciliasse o cultivo
Quem orientará, entáo, a educay9o para que a humanidade da individualidade com a coesão e estabilidade sociais. As
melhore? Devemos contar com os esforços dos homens escla- condições de seu tempo forçarani seu ideal a restringir-se na
recidos eiii suas iniciativas particulares. "Toda a cultura noção de uma sociedade organizada por estratificações em
principia com as iniciativas particulares e depois se propaga castas, em que os indivíduos eram absorvidos por estas. No
na sociedade. Só é possível à natureza humana aproximar-se século XVIII, a filosofia pedagógica foi altamente individua-
104 D~mocracia e educação

lista na forma, mas esta forma era inspirada por um nobre e sunção de que cada uma tenha interesses exclusivamente seus.
generoso ideal social: o de uma sociedade cuja organização Pôr isto em dúvida, equivale a pôr em dúvida a própria idéia
abrangesse a humanidade toda e fomentasse o indefinido aper- de soberania nacional que se admite ser ponto básico.da prá-
feiqoaniento do gênero humano!. A filosofia idealista aleiiiá tica e da ciência políticas. Esta contradição (pois não é nada
nos primórdios do século XIX pretendeu outra vez conciliar os menos do que isto) entre a esfera mais vasta da v i d ~associada
ideais de um livre e completo desenvolvimento da personalidade e de mútua cooperação e a esfera mais restrita de empreendi-
cultivada, coin a disciplina social e a subordinação política. mentos e intuitos egoístas e, por isto mesmo, potencialmente
Ela fazia do estado nacional um intermediário entre a expres- hostis, exige da teoria educativa uma concepqáo mais clara
são da personalidade individual, de um lado, e da humanidade, do que a que se tem até hoje conseguido, da significação de
do outro. Por conseqüência, seria igualmente possivel enun- "social" como função e teste do que 6 educação.
ciar-se seu principio inspirador coin a expressão clássica, "de- Será possível, para um sistema educativo, ser dirigido
senvolvimento harmónico de todas as aptidões do individuo" pelo estado nacional, e mesmo assim, conseguir-se que não seja
ou com a terminologia mais recente de "eficiência social". restrinzida, constringida e deturpada a perfeita finalidade so-
Tudo isto robustece a afirmação que inicia este capítulo: a cial da educação? Internamente, tem-se de arrostar a ten-
concepção da educação como um processo e uma função dência, motivada pelas atuais condições econômicas, de se
social não tem significação definida enquanto não definimos dividir a sociedade em classes, fazendo-se que algumas destas
a espécie de sociedade que temos em mente. se convertam em meros instrumentos para a maior cultura
Estas considerações preparam o caminho para nossa se- de outras. Externamente, a questão se relaciona com a con-
gunda conclusão. Um dos problemas fundamentais da edu- ciliação da fidelidade nacional, do patriotismo, com a superior
cação e m e para uma sociedade democrática é estabelecido dedicaqão a coisas que unem todos os homens para fins co-
pelo conflito de um objetivo nacionalista com o mais lato obje- muns, independentemente das fronteiras políticas nacionais.
tivo social. A primitiva concepção cosmopolita e "humani- Nenhum aspecto do problema pode ser resolvido por meios
tária? ressentia-se, ao mesmo tempo, de seu vago e da falta simplesmente negativos. Não basta fazer-se que a educação
de órgãos de execução e de administração. N a Europa, espe- não seja usada ativamente como instrumento para facilitar a
cialmente nos países continentais, a nova idéia da importância exploração de uma classe por outra. Devem assegurar-se as
da educação para o bem-estar e progresso humano foi captada facilidades escolares com tal amplitude e eficácia que, de fato,
pelos interesses nacionalistas e aparelhada para produzir uma e não em nome somente, se diminuam os efeitos das desigual-
obra cujo objetivo social era nitidamente estreito e exclusivista. dades econômicas e se outorgue a todos os cidadãos a igual-
Identificaram-se os objetivos social e nacional da educação e dade de preparo para suas futuras carreiras. A realização
o resultado foi um visível obscurecimento do sentido de obje- deste objetivo exige não só que a administração pública pro-
tivo social. porcione facilidades para o estudo e complete os recursos da
família, para que os jovens se habilitem a auferir proveito
Esta confusão corresponde à situação presente do in-
dessas facilidades, como também uma tal modificação das
tercâmbio humano. Por um lado. a ciência, o comércio e
idéias tradicionais de cultura, matérias tradicionais de estudo
a arte transpõem as fronteiras nacionais. S i o grandemente
e métodos tradicionais de ensino e disciplina, que se possam
internacionais em qualidade e métodos. Subentendem inter- manter todos os jovens sob a influência educativa até esta-
dependência e cooperaç5o entre os povos que habitam vários rem bem aparelhados para iniciar as suas próprias carreiras
paises. Mas, ao mesmo tempo, nunca a idéia da soberania ewnômicas e sociais. Pode figurar-se que essas ideias serão
nacional se acentuou tanto na política como presentemente. de remota execução, mas o ideal democrático da educação
Cada nação vive em estado de hostilidade recalcada e de guerra será unia ilusão tão ridícula quanto trágica enquanto tais
incipiente com as nações vizinhas. Cada qual supõe ser o árbi- idéias não preponderarem mais e mais, em nosso sistema de
tro supremo de seus próprios interesses, e admite-se a pre- educação pública.
106 Democracia e educação A, concefigóo democrática da educagão 107

Aplica-se o mesmo principio i s considerações referen- dicado em sua realizaqáo por fazer das castas, e não do indi-
tes às relações das nações entre si. Não basta patentear os viduo, a sua unidade social. Verificou-se que o chamado indi-
horrores da guerra e evitar tudo o que possa suscitar a in- vidualismo do racionalismo do século X V I I I continha em si a
veja e a animosidade internacionais. Deve-se ainda insistir noção de uma sociedade tão ampla como a humanidade e de
em tudo aquilo que vincula os povos para os empreendi- cujo progresso o individuo seria o fator. Mas faltava um
mentos e os resultados coletivos que a todos beneficiam, sem organismo executor para assegurar o desenvolvimento de seu
nos preocuparmos com fronteiras geográficas. E para a con- ideal, como o provou com seu retorno A Natureza. As filo-
secução de mais eficiente atitude mental, deve-se incutir o sofias idealistas institucionais do século X I X supriram essa
caráter secundário e provisório da soberania nacional, rela- falta cometendo ao estado nacional aquela f u n ~ ã oexecutora;
tivamente à colaboração e mútuas relaqões mais ricas, mais mas, assim procedendo, restringiu a concepção do objetivo so-
livres e mais fecundas de todos os seres humanos. Se estas cial àqueles que faziam parte da mesma unidade politica e
conclusões parecerem muito estranhas às considerações pró- restabeleceu o ideal da subordinação do individuo às iiistituições.
prias da filosofia da educação, essa impressão revelará que as
idéias sobre a educação desenvolvidas nas páginas precedentes
não foram convenienteiiiente conipreendidas. Tais conclusóes
prendem-se ao ideal genuino da educação como a expansão das
aptidões do iiidivíduo em um desenvolvimento progressivo
orientado para fins sociais. Não sendo assim, só poderia haver
incoerência na aplicação de um critério democrático da educa~ão.

Resumo. - Como a educação é um processo social e


há muitas espécies de sociedade, um critério para a critica
e a construção educativa subentende um ideal social deter-
minado. Os dois critérios escolhidos para aferir-se o valor
de alguma espécie de vida social sáo a extensão em que os
interesses de um griipo s5o compartidos por todos os seus
componentes e a plenitude e liberdade com que esse grupo
colabora com outros grupos. Por outras palavras: uma so-
ciedade indesejável é a que interna e externamente cria barrei-
ras para o livre intercâmbio e comunicação ,da experiência.
Uma sociedade é democrática na proporção em que prepara
todos os seus membros para com igualdade aquinhoarem de
seus beneficios e em que assegura o maleável reajustamento
de suas instituições por meio da interação das diversas formas
da vida associada. Essa sociedade deve adotar um tipo de
educação que proporcioiie aos individuos um interesse pessoal
nas relações e direção sociais, e hábitos de espirito que permitam
mudanças sociais sem o ocasionainento de desordens.
Três tipicas filosofias da história da educação foram
consideradas sob este ponto de vista. Viu-se que a platônica
tinha um ideal teoricamente semelhante ao exposto, mas preju-
Objetivos da educação 109'

Confrontemos, para isso, os sentidos de meros vesultados e


de fins. Toda a manifestação de energia produz resultados.
U m vendaval carrega as areias do deserto; mudou-se com isto
a posição dos grãos de areia. Eis um resultado, um efeito,
CAPfTULO 8 mas não um fiei.. Pois nada existe no resultado que coniplete
ou realize o que vem antes. O que há é uma sin~plesredistri-
huição espacial da areia. O Último estado de coisas é tão bom
Objetivos da educação como qualquer outro. Por conseguinte, não há uma base para
considerar-se o primeiro como um começo e o último como
um fim e para achar-se que haja ocorrido um processo de
1 . A natureza de u m objetivo. - A s idéias expos- transformação e realização.
tas nos precedentes capítulos sobre a educação anteciparam Considere-se, agora a atividade das abelhas, em confronto
virtualmente a apresentação dos resultados a que se chega
com a mudança de lugar das areias carregadas pelo vento.
em uma análise da finalidade da educação em uma comuni- 0 s resultados dos atos, das abelhas podem chamar-se fins,
dade democrática. Pois delas se infere que o objetivo da não porque sejam intencional ou conscienteiilente produzidos,
educação é habilitar os indivíduos a continuar sua educa- mas por serem verdadeiras terminações ou remates daquilo
ção - ou que o objeto ou recompensa da educação é a ca- que os precede. Quando as abelhas colhem o pólen, fazem
pacidade para iim constante desenvolvimento. Mas esta idéia cera e constroem alvéolos, cada ato prepara o caminho para
só se pode aplicar a todos os membros de uma sociedade o ato seguinte. Prontos os alvéolos, as rainhas põem ovos
quando há mútua cooperação entre os homens e existem con- neles; finda a postura, as abelhas fecham esses alvéolos e os
venientes e adequadas oportunidades para a reconstru~ãodos ,c chocam" mantendo-os na temperatura requerida para os ovos
hábitos e das instituições sociais por meio de amplos estímulos vingarem. Quando as larvas saem dos ovos, as abelhas ali-
decorrentes da eqüitativa distribui550 de interesses e benefícios. mentam-nas até que elas possam cuidar de si mesmas. Ora,
E isto significa sociedade democrática. Por isso em nossa somente porque tais fatos não são excessivamente familiares, é
investigação das finalidades do processo educativo n ã o nos que nos sentimos dispostos a esquecê-los, ou a considerá-los,
preocupamos com encontrar um fim exterior ao mesmo, ao assim como a vida e o instinto, coisas um tanto milagrosas.
qual a educação ficasse subordinada. Toda a nossa concepqão E por isso não observamos que as característi,cas 'essenciais de
o proíbe. Interessamo-nos de preferência no contraste exis- tudo aquilo são principalmente a importância da ordem de
tente nos casos em que os objetivos ou fins são intrínsecos ao sucessão de cada ato, o modo pelo qual cada ato anterior'
processo sobre o qual atuam e aqueles em que os mesmos são orienta o ato posterior, e esse ato posterior toma o que lhe é
estabelecidos externamente. Verifica-se o Último estado de fornecido e o aproveita para outra fase, até se chegar ao fim,
coisas quando as relaçjes sociais não se contrabalançam eqüi- o qual, por a p i m dizer, resume e remata toda a série de atos.
tativamente. Pois neste caso algumas partes do grupo social Uma vez que os objetivos ou fins .se relacionan~ sempre
I total terão seus fins prescritos por uma imposição exterior; com a natureza dos resultados, a primeira coisa a considerar-se
seus fins não surgirão do livre desenvolviinento de sua expe-
para se saber se há fins ou objetivos é a continuidade intrín-
riência pessoal e seus pretensos objetivos serão antes meios de
seca do trabalho ou atividade em questão. Porque se se tratar
I realizar os objetivos alheios do que verdadeiramente os seus de mera série de atos justapostos, dos quais uns devem ser
próprios. feitos primeiros e outros depois, já não há problemas de fins.
Nosso primeiro problema é, por conseguinte, definir a Falar-se em objetivo ou fim da educação quando quase todos
natureza de um objetivo ou fim que exista no interior de os atos de um diecipulo são impostos pelo professor, quando a
I uma atividade em vez de lhe ser exteriormente fornecido. única ordem na seqüência de seus atos é a proveniente das
110 Democracia e educação Objetivos da educação 111

lições marcadas e das direções dadas por outrem, é absurdo. é a importância do resultado que motiva essas observações.
Como se torna igualmente ridiculo falar-se em fins ou obje- Quanto mais adequadas forem nossas observações, mais varia-
tivos quando se permite a atividade caprichosa ou descontinua, do será o quadro de condições e embaraços que se apresentam
sob pretexto da manifestação espontânea da personalidade. e mais numerosas serão as alternativas entre as quais deveremos
Um objetivo ou um fim importa em atividades seriadas e escolher. Por outro lado, quanto inais numerosas forem as
ordenadas, atividades cuja ordem consiste no progressivo com- possibilidades reconhecidas da situação, ou alternativas à es-
pletar-se de um processo. Dada uma espécie de atividade que colha, mais importância possuirá a atividade escolhida e mais
deva durar certo tempo e seja cumulativa em seu desenvol- plasticamente se poderá dirigi-la. Quando se pensar só em
viineiito no decurso desse tempo - fim ou objetivo significa um resultado, o espirito não terá que pensar em outra coisa;
a previsáo do termo ou do possivel resultado. Se as abelhas limita-se á significação ligada ao ato. A pessoa segue dire-
previssem as conseqüências de seus atos, se percebessem ante- tamente para a meta. Algumas vezes pode bastar esse trajeto
cipadamente seu termo, em imaginação, teriam possuido o ele- fácil. Mas se surgirem, nesse trajeto, inesperados embaraços,
mento essencial para um objetivo. Por essa causa é disparate não teremos à disposição os recursos que teríamos se hou-
falar-se em objetivo da educação - ou de outra qualquer véssemos escolhido o mesmo modo de proceder depois de detido
empresa - se as condições não permitirem a previsão dos exame das possibilidades do campo de ação. Não poderemos
resultados e nem incitarem uma pessoa a encarar o futuro,
procurando prever as conseqüências de determinado modo de
~ fazer de pronto as necessárias readaptações.
A conclusão irretorquivel do exposto, é que agir com um
proceder. objetivo é o mesmo que agir inteligentemente. Prever o termo
E m segundo lugar, o objetivo, em sua qualidade de fim
previsto, dirige a atividade ; não é uma coisa que um mero
espectador contempla ociosamente; influencia os passos dados
para se chegar ao termo. A previsão funciona de três modos.
I de um ato é ter 'uma base para observar, escolher e ordenar
as coisas e os nossos próprios atos 'ou aptidões. E fazer tais
cois2, isto é, observar, escolher e ordenar quer dizer ter inte-
ligência, espirito ou razão, porque razão ou juizo é precisa-
Primeiro, subentende cuidadosa observação das condições da- mente atividade intencional e com um propósito, controlada
das, para ver quais os meios Úteis para atingir-se o fim e pela percepção dos fatos e de suas relações reciprocas. T e r
descobrir os obstáculos existentes no caminho. Segundo, su- em mente fazer uma coisa é prever uma possibilidade futura;
gere a conveniente ordem pu sequència na utilização dos meios. é ter um plano para a realização; é notar os meios para a
Facilita a seleção e os arranjos mais económicos. Terceiro, exeqüibilidade do plano e os obstáculos do caminho; - ou, se
torna possivel a escolha entre as diversas alternativas. Se pu- realmente temos em mente fazer a coisa e não apenas uma vaga
dermos predizer o resultado 'ae procedermos deste ou daquele aspiração - é ter um plano que leva em conta os recursos
modo, poderemos comparar o valor de dois modos de proceder disponíveis e as dificuldades da execução. Mente, capacidade
e formar juizos sobre sua relativa desejabilidade. Se sou- mental, é a aptidão para relacionar as condições presentes a
bermos que nas águas estagnadas se geram pernilongos e que resultados futuros, e futuras consequências a condições pre-
estes provavelmente são transmissores de moléstias, poderemos, sentes. E isso é exatamente a significação das palavras -
por desagradar-nos esse resultado previsto, dar providências ter um objetivo ou propósito. Um homem é estúpido, obtuso
para evitá-lo. Quando não antevemos os resultados como sim- ou ininteligente - deficiente de espirito, sem juizo, - na
ples observadores de fora, mas como pessoas interessadas nos proporção em que em qualquer espécie de atividade ele não
mesmos, passamos a participar do processo que produz aqueles conhece bem o que está fazendo, e principalmente as prováveis ,
resultados. Intervin~os para produzir esta ou aquela con- consequências de seus atos. U m homem é pouco inteligente^.
seqüência. quando se satisfaz com conjeturas mais vagas d p que conviria
Estes três pontos, naturalmente, associam-se de perto um sobre q resultado de seus atos, contando sempre com a sorte,
com o outro. Só podemos prever determinados resultados ou então quando faz planos sem observar as condições atuais,
quando examinamos cuidadosamente as condiqões presentes, e inclusive suas próprias aptidões. Essa ausência relativa de
112 Democracia e educação Objetivos da educação 113

inteligência significa que se deixa guiar mais pelos sentimentos, exterior, não deixando, à inteligência, oiitra coisa n não ser unia
em relação Aquilo que vai acontecer. Para sermos inteligentes escolha maquinal de meios.
devemos "parar, olhar, escutar", a fim de conceber um plano 2 - Estivemos a falar ein objetivos como se estes pu-
de ação. desseiii formar-se cotnpletaniente antes de tentar-se sua rea-
Identificar a - ação com um objetivo - coni atividade lização. Devemos esclarecer agora este ponto. O objetivo,
inteligente basta para mostrar-lhe o valor - sua função na do modo que primeiro surge, é um mero esboço a tentar-se
experiência. Somos muito propensos a transformar em uma executar. O esforço necessário para tentar realizá-lo põe em
entidade o nome abstrato "consciência". Esquecemo-nos de prova o seu valor. Se ele é capaz de dirigir a atividade
que ele deriva do adjetivo "consciente". Ter consciência é com êxito, nada mais se requer, unia vez que toda a sua
saber aquilo que temos de fazer; conscientes são os traços da função é plantar à frente um marco; e às vezes pode bastar
atividade em que se delibera, observa e planeja. Consciência uma simples sugestão. Mas geralmente - pelo menos nas
não é uma coisa que possuímos para olhar ociosamente o ce- situações complicadas - as primeiras de acordo com esse fim
nário que nos cerca ou para que seja impressionada pelas esboçado trazem à luz condições que passaram despercebidas.
coisas do mundo exterior; consciência é a denominação da Isto exige u m a revisão do objetivo originário; necessita de
qualidade intencional de uma linha de ação, da qualidade da acrescentar ou tirar qualquer coisa. U m objetivo deve, por-
atividade que é orientada por um objetivo. E m outros termos, tanto, ser pldstico, capaz de alterações para adaptar-se às
ter um objetivo é dar significação aos atos, e não proceder circunstâncias. Ora, uma finalidade estabelecida exteriormente
como máquina; é ter em mente, ter a intenção de fazer alguma para o desenvolviniento de uma ação é sempre rígida. Sendo
coisa e compreender a significação das coisas à luz dessa inserida ou imposta do exterior, não se pode supor que tenha
intenção. relações reais e operantes coni as condições concretas da
situação. O que sucede no curso da ação, não a confirin?,
repele ou altera. Limitamo-nos a insistir na sua realização.
2 . O critério para o conhecimento dos bons obje- O malogro resultante de sua inadaptação atribuímo-lo unica-
tivos. - Podemos aplicar o resultado de nossa disciissão i mente às más condições e não ao fato de que o dito fim não
consideração do critério necessário para um adequado estabele- é razoável nas referidas circunstãncias. O valor de um legí-
cimento de objetivos. timo objetivo reside, ao contrário, no fato de que podenios
1 - O objetivo a estabelecer-se deve gerar-se nas con- utilizá-lo para mudar as condições. É um meio de se tratarem
d i ~ õ e sexistentes. Necessita basear-se na consideraqão do que as condições de modo a se conseguirem, nas mesmas, alterações
já está sucedendo, e nos recursos e obstáculos de uma situação. desejáveis. Um agricultor que aceitasse passivamente as coisas
Com freqüência violam este princípio as teorias educacionais tais quais as encontra, cometeria tão grande erro como o que
e morais que se propõem a definir as verdadeiras finalidades de formasse seus planos sem ter absolutamente em conta o que
nossos atos. Elas pressupõem a existência de, fins exteriores permitem o solo,.o clima, etc. Um dos niales de um. abstrato
a nossa atividade - fins estranhos ao aspecto concreto da si- ou remoto fim externo em educação é que sua real inaplicabi-
tuação, fins derivados de uma fonte externa. Neste caso o lidade na prática resulta habitualmente no considerar abrupta
problema é levar nossos atos a conseguirem a realizasão desses ou desastradamente as condições imediatas presentes. Uni
fins fornecidos d o exterior. Eles são alguma coisa pela qual bom objetivo, pelo contrário, é aquele que leva a observar a
devemos agir. Pelo menos, tais "objetivos" limitam a ação da experiência atual do aluno, e, concebendo um esboço de plano
inteligência; não constituem a manifestação do espírito no seu de desenvolvimento dessa experiência, conserva este constan-
esforço de prever, observar e escolher a melhor das alternativas temente em vista e modifica-o conforme as condições se apre-
possível. Limitam a ação da inteligência, porque, previamente sentarem. O objetivo, em suma, é experimental, e por isso
elaborados, lhe devem ser impostos por alguma autoridade evolui cotitinuamente à medida que vai sendo provado na ação.
Objetivos da educação 115

3 - O objetivo deve sempre representar uma expansão, quando marca a direção futura da atividade em que nos em-
uma libertação de atividades. A expressão fins eqn rista penhan~os- e meio, quando marca a direqão atual. Toda a
é sugesti~,a,pois coloca em frente do espírito a terminação ou separação entre fim e meio diminui na proporqão do afasta-
conclusão de algum desenvolvimento. O Único meio pelo qual mento a significação da atividade e propende a reduzi-la a
podemos determinar uma atividade é ter i nossa frente as um aborrecimento, a uma tarefa, que de boa mente evitaríamos
coisas em que ela desfecha ou termina - como um alvo em se pudéssemos. U m lavrador tem que lançar mão de plantas
frente do atirador. Mas devemo-nos lembrar de que o obje- e de animais para fazer a sua lavoura. Dar-se-á certamente
tivo é unicamente um marco ou sinal por meio do qual o grande diferenqa em sua vida se plantas e animais forem coi-
espirito determina a espécie de atividade que deseja pór em sas que ele aprecie e ame ou se as considera simples meios a
ação. Para falar com rigor - o fiin em vista não é o alvo, e, que tem de recorrer para conseguir alguma outra coisa que,
sim, atingir-se o alvo; uma pessoa, ao fazer pontaria, visa só essa, a ele interessa. N o primeiro caso, todo o curso de
o alvo, mas precisa igualmente ter a vista em sua arma. O s sua atividade é significativo; cada uma de suas fases tem
diferentes objetos em que pomos o pensamento são os meios valor próprio. Ele experimenta realizar seu fim em todos os
de orietztar a atividade. Deste modo, por exemplo, visamos estágios, pois o objetivo ulterior, ou fim em vista, é simples-
um coelho; assim fazendo, o que queremos é acertar o tiro: mente uma coisa que vê à sua frente, para manter sua atividade
uma certa espécie de atividade. Ou, se o que queremos é o em plena e livre manifestação. Pois se ele nko olhar para a
coelho, não será este só por si, independentemente de nossa frente, encontrará, mui verossimilmente, o caminho obstruido,
atividade, e sim como fator em nossa atividade: queremos O objetivo é tão definidamente um meio para a ação, como
comê-lo, ou mostrá-lo como prova de nossa perícia de atirador qualquer outro elemento da atividade.
- desejamos fazer alguma coisa com ele. Nossa finalidade
é o que faremos com a coisa e não a coisa por si mesma 3 . Aplicação ã educação. - Nada encerram d e par-
Atingir o objeto visado constituía apenas um aspecto do fim ticular os objetivos em ou da educação. São análogos aos
ativo - a continuasão da atividade com bom êxito. 2 o que de qualquer outra espécie de atividade. O educador, bem
quis dizer com a frase usada atrás: "expansão, libertação de como o fazendeiro, tem certas coisas a fazer, certos recursos
atividade". com que o fazer e certos obstáculos a vencer. A s condições
Contrastando com este modo de realizar-se um processo com que o fazendeiro se tem de avir, quer sejam obstáculos,
para que a atividade possa prosseguir, está a natureza estática quer recursos, têm sua estrutura e atuação próprias, indepen-
de um fim imposto externamente à atividade. Tem, primeiro, dentemente de qualquer propósito dele. A s sementes ~;ermi-
que ser sempre concebido como coisa rigida: algo a ser atingido nam, cai a chuva, brilha o sol, os insetos praguejam a plan-
e possuido. Quando se tem uma tal noção, a atividade é um tação, sobrevêm outras pragas, muda-se o tempo. Seu fim é
simples meio inevitá~el para. se conseguir outra coisa; não simplesmente utilizar-se destas várias condições, fazer sua pró-
tem significasão ou importãncia por si mesma. E m compara- pria atividade e 'as energias delas trabalharem concordemente
ção com O fim, ela é unicamente um mal necessário - uma em vez de se contrariarem. Seria absurdo que o fazendeiro se
coisa que se deve fazer antes de alcançar o objeto que, só ele, resolvesse a dedicar-se i lavoura sem tomar na devida conta
tem valor. Por outras palavras - a idéia exterior de um as condições do solo, estações do ano, característicos do cres-
objetivo conduz a separar os meios do fim ao passo que um cimento das plantas, etc. Seu intento é simplesmente prever
fim que se desenvolve dentro da própria atividade como um as consequências de sua energia em relação com as das coisas
plano para sua direção tem sempre a natureza de fim e de que o rodeiam, e essa previsão é empregada cada dia para
meio, fazendo-se a distinção entre uma e outra coisa por simples orientar seus atos. A previsão de possíveis consequências leva
comodidade. Cada meio é um fim temporário até que o atin- à mais meticulosa e extensa observação da natureza e efeitos
jamos. Cada fim, assim que atingido, torna-se um meio de das coisas com que se tem de avir, e organização de um plano
transportar a atividade para mais além. Chamamo-lo fim - isto é, de certa ordem nos atos a praticar.
Objetivos da educação 117

Dá-se o mesmo com o educador, seja o pai, ou seja o vimos, esquecer as aptidões existentes e fixar-se como fim
mestre. É tão absurdo -eles estabelecerem seus "próprios" alguma remota realização ou responsabilidade. Há em regra
objetivos como o fator adequado ao desenvolvi~nentodas crian- o pendor de terem-se em mira coisas agradáveis ao coração
ças, como o lavrador conceber seu ideal da lavoura iiidependen- dos adultos e escolhê-las como fins, independentemente das
temente daquelas condições. Ter objetivos ou fins significa a aptidões dos educandos. Há também a propensão de propor
aceitação da responsabilidade das observações, previsões e dis- objetivos tão uniformes que desprezam as aptidões especiais e
posições necessárias para o exercício de uma função - quer exigências de um indivíduo com o esquecimento da circunstân-
o cultivo da terra, quer a educaçáo. Todo o objetivo tem cia de que toda aprendizagem é coisa que acontece a um in-
valor na medida em que auxilia a observação, a escolha e a divíduo em lugar e tempo determinados. A p e r c e ~ ã omais
elaboração de planos, hora a hora, instante a instante, quando ampla do adulto é de grande valor para observarem-se as
nos dedicamos a alguma atividade; se ele for de encontro ao aptidóes e deficiências dos mais novos, e a fim de calcular-se
nosso próprio senso comum nessas observações e escolhas (o o alcance das mesmas. Assim, as habilidades artísticas dos
que certo sucederá se imposto exteriormente ou aceito pelo adultos manifestam aquilo de que serão capazes certas ten-
influxo da autoridade) já não é um fim válido e útil, mas dências da criança. Se não existissem as realizações dos adul-
prejudicial. tos, não saberíamos ao certo o que significariam os atos de
E é bom que nos lembremos de que a educaçáo, conside- desenhar, copiar, modelar e colorir da idade infantil. Seme-
rada como tal, não tem objetivos. Só as pessoas, os pais e os Ihantemente, se não existisse a linguagem dos adultos, sería-
professores, etc., é que os têm, e não uma idéia abstrata mos incapazes de compreender a significação do instinto iu-
como a de educação. E por conseguinte esses fins ou pro- fantil de balbuciar sons. Mas uma coisa é utilizarmo-nos das
pósitos são indefinidamente variados, diferindo de acordo com realizações do adulto wnio o contexto dentro do qual colo-
as diferentes crianças, mudando à proporção que as crianças camos e examinamos os atos da puerícia e da adolescência, e
crescem e à proporção qne cresce a experiência da pessoa que coisa totalmente diversa o escolhê-los como objetivos fixos, sem
ensina. Até os mais válidos objetivos ou fins que se possam atender à atividade concreta e atual dos educandos.
formular em palavras farão, como palavras, mais dano do que 2 - Um objetivo deve ser passível de converter-se em
bem, a não ser que se reconheça que não são objetivos, mas, um método de cooperação com a atividade daqueles que re-
antes, sugestões para os educadores, sobre o modo de observar, cebem a instrução. Deve sugerir a espécie de meio neces-
de olhar para o futuro, e como proceder para libertar e dirigir sário para a expansão e organização de suas afitidões. Se
as energias das situações determinadas em que elas se encon- ele não se prestar à construção de processos especiais e se
tram. Bem o disse recentemente um escritor: "Levar tal estes processos não provarem, corrigirem e ampliarem o obje-
adolescente a ler romances de SCOTTem vez das antigas nar- tivo, este n i o terá valor. Ao invés de auxiliar a tarefa es-
rativas de SLEUTH;ensinar tal menina a costurar; desarraigar pecial do ensino, evitará até o uso do senso comum para
o hábito de valentias de JoÁo; preparar tal classe para estudar observar e avaliar a situação. O efeito disto é fazer esquecer
medicina - eis alguns exemplos dos milhões de objetivos que todas as circunstáncias, exceto as que se enquadrem com a
temos atualmente ante nós na obra concreta da educaçáo". nieta fixa que se tenha em vista. Todo o objetivo rigido, exa-
Com estas considerações em mente, passaremos a expor tamente pelo fato de ser rigido, torna desnecessário prestar
alguns característicos existentes em todos os bans objetivos cuidadosa atenção às condições concretas. Uma vez que de-
educacionais. vemos aplicá-lo de qrralquer modo, que adianta observar parti-
1 - Um objetivo educacional deve alicerqar-se nas ati- cularidades que não entrarão em linha de conta?
vidades e necessidades intrínsecas (inclusive os instintos ina- O mal dos fins exteriormente impostos tem profundas
tos e os hábitos adquiridos) do individuo que vai ser educado. raizes. 0 s professores recebem-nos das autoridades superio-
A tendência de uiii olijetivo como a preparaçüo é, como já res; estas autoridades professain o que é corrente na comu-
118 Democracia e educarão Objetivos da educação 119

nidade. O s professores impõem-nos Bs criangas. A primeira um pequeno número de alternativas. Se uma pessoa tivesse
conseqüência é a de não ser livre a inteligência do professor; conhecimentos integrais das coisas, poderia, quase, partir de
é forçado a receber os objetivos que lhe mandam do alto. Mui qualquer ponto e manter-se em atividade contínua e fruti-
raramente é o professor suficientemente livre das imposições feramente.
da autoridade fiscalizadora, sobre métodos a adotar, programas Entendendo-se, assim, o objetivo geral ou compreensivo,
de estudos, etc., para poder deixar seu espírito comunicar-se isto é, no sentido de um amplo deçcortino do campo da ati-
de perto com o espírito do aluno e com as matérias do estudo. vidade presente, examinaremos alguns dos mais amplos fins
Esta desconfiança da experiência do professor reflete-se, por em voga nas ,teorias pedavó-icas atuais e consideraremos
sua vez, na falta de confiança nas respostas a 1 reações dos
*. a
que luz eles projetam nos objetivos imediatos, concretos e di-
alunos. Estes recebem seus objetivos mediante dupla ou trí- versos, que constituem sempre o verdadeiro interesse do edu.
plice imposição e sentem-se constantemente perturbados pelo cador. Admitiremos (e em verdade é o que diretamente se
conflito entre os objetivos naturais da sua própria experiência infere do que já dissemos) não ser necessário escolher
no momento e aqueles que Ihes ensinam a aceitar. Enquanto entre eles ou considerá-los como uns excluindo os demais.
não f o r reconhecido o critério democrático da importância in- Quando temos de agir praticamente precisamos escolher
trínseca de toda a experiência que se desenvolve, sentir-nos-emos ou preferir um ato determinado em determinado tempo;
intelectualmente desnorteados pela exigência de adaptação a mas pode coexistir sem antagonismo certo número de fins
objetivos exteriores. gerais ou compreensivos, desde que signifiquem simples-
3 - O s educadores devem pôr-se em guarda contra os mente vários modos de contemplar o mesmo cenário. Uma
fins que se alegam serem gerais e últimos. Toda a ativi- pessoa não pode subir simultaneamente ao cimo de várias
dade, por mais especializada que seja, é, naturalmente, geral montanhas, mas, tendo-se ascendido várias montanhas, as
em suas associações ramificadas, pois conduz indefinidamente paisagens vistas se completam mutuamente; não mostram
a outras coisas. Na medida em que uma idéia geral nos torna mundos incompatíveis antagônicos. Ou, para apresentar a
mais conscientes destas associações, ela é útil e deixa de ser matéria de modo ligeiramente diverso, um fim proposto pode
demasiadamente geral. Mas "geral" também significa "abstra- sugerir certas questões e observaçóes, e outro fim nova série
to" ou desprendido de toda a contextufa específica. E tal de questões a reclamar outras espécies de observações. Por
abstração significa distância remota e faz-nos retrogradar, isso, quanto mais fins gerais tivermos, tanto melhor. U m dará
mais uma vez, ao ensinar e aprender como simples processo relevo Aquilo sobre o que outro passou por alto. Uma plura-
de preparar-se alguém para um fim divorciado dos meios. lidade de objetivos determinados pode fazer pelo educador o
Dizer que a educaçâo, literalmente, durante todo o tempo em que faz, para o cientista pesquisador, uma pluralidade de
que dura, deve ser a sua própria recompensa, significa que hipóteses.
nenhum estudo ou disciplina é educativo a não ser que tenha
valor o seu conteúdo imediato. Mas, objetivo verdadeiramente Resumo. - U m objetivo corresponde ao resultado d e
geral amplia a perspectiva do espírito; estimula a pessoa a algum processo natural trazido à consciência e tornado em
tomar em conta mais consequências (associações). Significa fator para determinar a observação e a escolha dos meios
uma observação de meios e recursos mais vasta e flexível. Por de prossegui-lo. Ter-se um objetivo significa, pois, que uma
exemplo, quanto mais forças, das que interatuam, o agricultor determinada atividade se tornou inteligente. Especificamente
tomar em conta, na sua lavoura, mais variados serão seus significa a previsão das conseqüências alternativas resultantes
recursos imediatos. Verá maior número de pontos de partida de diferentes meios de ação em dadas circunstâncias, e a uti-
e de meios de realizar o que deseja fazer. Quanto mais com- lização daquelas previsões para orientar a observação e expe-
pleta for a concepção, de alguém, das futuras realizações pos- rimentação. Um verdadeiro objetivo contrasta, por esse mo-
siveis, menos sua atividade presente se sentirá manietada por tivo, de todo em todo, com um objetivo imposto exteriormente.
$20 Democracia e educayõo

Este Último é fixo e rígido; não é um estímulo para a inte-


ligência em determinada situação, e sim uma ordem dada do
exterior para fazer-se esta ou aquela coisa. E m vez de
associar-se diretamente i atividade atual, é remoto e divorciado
dos meios pelos quais deve ser atingido. Ein vez de sugerir
uma atividade mais livre e melhor equilibrada, é uma restriqáo CAPITULO 9
imposta a essa atividade. E m matéria de educaçáo, a voga
desses objetivos externamente impostos é causadora do relevo O desenz~olüime~ztonatural e a, eficiência
dado à idéia da preparação para um futuro remoto, e da social como objetivos
circunstância de se tornar mecânico e escravizado o trabalho
tanto do professor como do aluno.
1. O objetivo fornecido pela natureza. - Acaba-
mos de mostrar a inutilidade de tentar estabelecer o objetivo
da educacão, isto é, algum objetivo final e último que su-
bordine a si todos os outros. Dissemos também que, sen-
do os ohjetivos gerais pontos de descortino para passarem-se
em revista as condiçóes existentes e avaliarem-se suas pos-
sibilidades, podemos ter qualquer número deles, pois todos
podem ser coerentes entre si. De fato, grande número dor
ohjetivos foram adotados em diversas épocas, tendo todos
grande valor na ocasião e nos lugares onde foram adotados.
Com efeito, a forinulação de um objetivo é matéria de
grande importincia em deterininado momento. Habitual-
mente, não encarecemos coisas que não precisam de encare-
cimento, isto é, que mostram por si mesmas perfeitamente bem
a própria importância. Tendemos antes a encarecer e a for-
mular expressamente as deficiências e necessidades da situação
contemporânea; tomamos como coisa certa, sem explícitas
declarações que não teriam utilidade, tudo o que está bem ou
que o esteja aproximadamente. 0 s objetivos que forinulamos
são os relativos às mudanças que devem ser efetuadas. Nio
há, portanto, paradoxo que requeira explicação, a afirmação
de que cada época ou geração se inclina a dar realce, em seu'
projetos conscientes, àquilo exatamente que menos possui em
sua condição presente. Num período de predomínio da auto-
ridade surgirá como reação a aspiração de grande liberdade
individual; num de desordenada atividade individual, a da ne-
cessidade da d i r e ~ á osocial como objetivo educacional.
A prática real e tácita e o objetivo consciente ou ma-
nifesto contrabalançam-se, destarte, reciprocamente. Predo-
minaram, revelando-se úteis em diferentes oportunidades, obje-
120 Democracia e educa~óo

Este último é fixo e rígido; não é um estíinulo para a inte-


ligência em determinada situação, e sim uma ordem dada do
exterior para fazer-se esta ou aquela coisa. E m vez de
associar-se diretamente à atividade atual, é remoto e divorciado
dos meios pelos quais deve ser atingido. Ein vez de sugerir
uma atividade mais livre e melhor equilibrada, é uma restrição CAPITULO 9
imposta a essa atividade. E m matéria de educação, a voga
desses objetivos externamente impostos é causadora do relevo O dcse~zz~olc.ime~zto
~zatural e o, eficiência
dado à idéia da preparação para um futuro remoto, e da social como objetivos
circunstância de se tornar mecânico e escravizado o trabalho
tanto d o professor coino do aluno.
1. O objetivo fornecido pela natureza. - Acaha-
mos de mostrar a inutilidade de tentar estahelecer o objetivo
da educação, isto é, algum objetivo final e último 'que su-
bordine a si todos os outros. Dissemos também que, sen-
do os ohjetivos gerais pontos de descortino para passarem-se
em revista as condiçóes existentes e avaliarem-se suas pos-
sibilidades, podemos ter qualquer 'número deles, pois todos
podem ser coerentes entre si. De fato, grande número dos
objetivos foram adotados em diversas épocas, tendo todos
grande valor na ocasião e nos lugares onde foram adotados.
Com efeito, a formulação de um objetivo é matéria de
grande importância em determinado momento. Hahitual-
mente, não encarecemos coisas que não precisam de encare-
cimento, isto é, que mostram por si mesmas perfeitamente bem
a própria importância. Tendemos antes a encarecer e a for-
mular expressamente as deficiências e necessidades da situação
contemporânea; tomamos como coisa certa, sem explicitas
declarações que não teriam utilidade, tudo o que está bem ou
que o esteja aproximadamente. Os objetivos que forinulamos
são os relativos às mudanças que devem ser efetuadas. Não
há, portanto, paradoxo que requeira explicação, a afirmação
de que cada época ou geração se inclina a dar realce, em seu5
projetos conscientes, àqiiilo exatamente que menos possui em
sua condição presente. Num período de predomínio da auto-
ridade siirgirá como reação a aspiração de grande liberdade
individual; num de desordenada atividade individual, a da ne-
cessidade da direção social como ohjetivo educacional.
A prática real e tácita e o objetivo consciente ou ma-
nifesto contrabalanqam-se, destarte, reciprocamente. Predo-
minaram, revelando-se úteis em diferentes oportunidades, obje-

- -~
O desenvolvimento e o eficie'ncia 123

tivos como viver plenamente, ter melhores métodos para o pleta, a espécie que é inteiramente independente de nossa
estudo da língua, substituição das palavras por coisas, eficiên- vontade deve necessariamente dirigir-nos na determinação das
cia social, cultura pessoal, serviço social, coinpleto desenvolvi- outras duas". E m seguida ele define a natureza como o con-
mento da personalidade, conhecimentos enciclopédicos, dis- junto de nossas aptidões e tendências inatas, "do modo como
ciplina, contemplação estética, utilidade, etc. elas existem antes da modificação trazida pelos hábitos cons-
A seguinte exposição apreciará três objetivos de influên- tritores e pelo influxo da opinião das outras pessoas".
cia recente; alguns outros já foram examinados nos capítulos As palavras de RQUSSEAUexigem detido exame. Tanto
antecedentes e outros serão incluidos mais adiante em um encerram verdades fundamentais já expressas sobre educa-
exame dos conhecimentos e dos valores dos estudos. Come- ção, como, de mistura, um curioso equivoco. Impossível seria
çaremos com a idéia de que a educação é um processo de exprimir melhor o que ele disse nas primeiras sentenças. Os
desenvolvimento de acordo com a natureza, segundo afirma três fatores do desenvolvimento educativo são: a ) a estru-
R o u s s ~ ~ que
u , contrapunha o natural ao social e em seguinda tura inata de nossos órgãos corporais e sua atividade fun-
passaremos para a concepção contrária da eficiência social que, cional; b) a utilização da atividade desses órgãos pelo influxo
com freqüência, contrapõe o social ao natural. de outras pessoas; c ) a ação mútua, direta, entre eles e o
Aborrecidos com o convencionalismo e o artificialismo dos ambiente. Esta exposição, certamente, exprime o essencial.
métodos escolásticos que encontraram dominando em toda a
Suas outras duas proposições são igualmente aceitáveis, isto é,
parte o ensino, os reformadores da educação tenderam a arvo-
a) que só quando os três fatores da educação se harmonizam
rar a natureza como modelo e padrão. Admitiram que a natu- e atuam em cooperação sobrevém o conveniente desenvolvi-
reza fornecesse as leis e a finalidade do desenvolvimento; a
nós, competindo segui-la e viver conformemente a seus dita- mento do individuo e b ) que sendo inata a atividade natural
dos órgãos é ela essencial para determinar a harmonia.
mes. O valor prático desta concepção está no modo insistente
com que chama a atenção para a impropriedade dos objetivos Não obstante, basta ler um bocado nas entrelinhas, e
que não tomam em conta as qualidades inatas dos educandos. completar essa leitura com algumas outras afirmações de
Seu ponto fraco reside na facilidade com que o natural, no ROUSSEAU,para se perceber que, em vez de considerar essas
sentido de norvnal, se confunde com o físico. Omite-se por- três coisas como fatores que devem, em certa extensão, cola-
tanto a utilização da inteligência para prever e aperfeiqoar; borar conjuntamente, a fim de que cada um deles atue educa-
procuramos arredar-nos do caminho, para deixar a natureza tivamente, considera-as como operações separadas e indepen-
fazer sua obra. Como ninguém, melhor do que R o u s s ~ ~ u , dentes. E, principalmente, R o u s s ~ ~acredita
u que haja um
expôs a verdade e falsidade desta doutrina, é a ele que re- desenvolvimento independente e, segundo ele diz, "espontineo"
corremos. dos órgãos e faculdades inatos. Pensa que esse desenvolvi-
mento se produza independentemente do uso que se lhes dè.
,'da "Recebemos a educação de três fontes", diz ROUSSEAU,
natureza, dos homens e das coisas. O desenvolvimento E a este desenvolvimento separadv é que deve ser subordinada
espontâneo de nossos Órgãos e aptidões constitui a educação I a educação proveniente do contacto social. Ora, é enorme
da natureza. O uso que nos ensinaram a dar a este desenvol- a diferença entre o emprego das atividades inatas de acordo
vimento, devemo-lo A educação dada pelos homens. A aqni- com aquelas próprias atividades - como coisa diversa de
sição de experiência pessoal por meio dos objetos que nos forçá-las e pervertê-las - e supor-se que as mesmas se desen-
cercam constitui a das coisas. Somente quando estas três es- I volvam normalmente à parte de qualquer uso ou emprego, de-
p6cies de educação se harmonizam e se orientam para o mesmo senvolvimento esse que fornecerá o modelo e a norma para todo
fim é que um homem se dirige para seu verdadeiro destino.. . o aprendizado por meio do uso. Para recorrer a nosso exem-
Se nos perguntarem qual é este fim ou destino, a resposta plo anterior - o processo da aquisição da linguagem é um
será que é o da natureza. Pois sendo necessário o concurso modelo praticamente perfeito do apropriado desenvolvimento
das três espécies de educação para que haja a educacão com- educativo. O ponto de partida é a atividade inata do aparelho
124 Democracia e educação

vocal, dos órgáos da audição, etc. Mas é absurdo supor-se que coisas da natureza, obra de Deus, é a fonte primária da
eles tenham um peculiar desenvolvimento independente, e que corrupçáo dos homens. A veemente asseveração de ROUSSEAU,
entregues a si mesmos evoluam até aprender-se a falar com do bem intrínseco de todas as tendências naturais, era uma
perfeição. Considerado ao pé da letra, o principio de R o u s s ~ ~ u r e a ~ ã ocontra a idéia então dominante da depravação absoluta
significaria que os adultos devem adotar e repetir os balbucios da inata natureza humana, e teve poderosa influência na modi-
e outros ruidos emitidos pelas crianças não conio o início do ficação de atitudes com relação aos interesses das crianças.
desenvolvimento da linguagem articulada - pois isto é que No entanto, é quase desnecessário dizer-se que os impulsos
eles são - mas como verdadeira linguagem - modelo para primitivos não são, por si mesmos, bons ou maus, mas tor-
todo o ensino de linguagem. nam-se uma ou outra coisa, de acordo com os objetos em que
Pode-se resumir este ponto dizendo-se que R o u s s ~ ~ u forem empregados. O que não deixa dúvida é que o abandono,
tinha razão e introduzia na educação uma reforma muito ne- o recalcamento e o prematuro exercício forçado de alguns
cessária, ao sustentar que a estrutura e atividade dos órgáos instintos, i custa dos demais, são a causa de muitos males evi-
fornecem as condi~õesde todo o ensino do uso dos órgãos; mas táveis. O que é moral, porém, não é o abandoná-los a sós,
errava profundamente afirmando que esses órgãos fornecem para que tenham seu "desenvolvimento espontâneo" e, sim, o
não só as co~idiçáes,como tarnbénz os fitls de seu desenvol- proporcionar-se um meio adequado para s u l organização e
vimento. O fato é que as atividades inatas se dcsenvolvenz, desenvolvimento.
não pelo exercício casual e caprichoso, mas pelo uso que delas
se faz. E a fuiição do meio social é, como já vimos, orientar Voltando aos elementos de verdade existentes nas idéias
o desenvolviinento dando às aptidões o melhor uso possivel. de ROWSSEAU,verificaremos que o desenvolviinento natural
As atividades instintivas podem chauiar-se, iiietaforicamente, como objetivo da educação habilitou-o a indicar os meios de
espontâneas, no sentido de que os ÓrgZos proporcionam forte debelar muitos erros das práticas então dominantes e aconselhar
tendência para que as atividades sejam de certa natureza - certo número de desejáveis objetivos específicos.
propensão tão forte que não podemos contrariá-la pois tentar 1 - O desenvolvimento natural como o objetivo ou fim
contrariá-la seria, provaveliiiente, pervertê-las, atrofiá-Ias e da educação dirige a atenção para os órgãos do corpo e para
corrompê-las. Mas a concepção de um espontâneo desenvol- a necessidade de saúde e robustez. O objetivo referido diz aos
vimento normal dessas atividades é puro mito. As aptidões pais e professores: Tornem a saúde um fim; não se pode
naturais ou inatas proporcionam as energias iniciais e limitado- conseguir o desenvolvimento natural sem se atender à robustez
ras de toda a educação - mas não seus fins ou objetivos. do corpo - fato esse perfeitamente óbvio, mas seu reconheci-
E m todo o aprendizado começa-se com aptidões não exercita- mento na prática iria quase automaticamente revolucionar
das - mas aprender não consiste em uma espontinea expansão muitos de nossos usos educacionais. "Natureza" é, por certo,
das aptidões não exercitadas. O fato de R o u s s ~ ~pensar u um termo vago e metafórico, mas uma coisa que se pode dizer
contrariamente é devido, sem dúvida, à circ~~nstância de iden- que a "natureza" nos ensina é que existem condições para a
tificar Deus e a Natureza; para ele as aptidões originárias eficiência educativa e que, enquanto não aprendermos qu7.i~
são perfeitamente boas, por provirem diretamente de um Cria- são essas condições, e também não aprendermos a pôr de acordo
dor sábio e bom. Parafraseando o velho dito popular sobre com elas as nossas práticas educativas, os mais nobres e ideais
o campo e a cidade, poder-se-ia dizer que Deus criou os órgãos dos nossos objetivos hão de se ressentir - pois serão mais
e aptidões humanas inatas, e o homem criou o uso que Ihes é verbais e sentimentais do que eficazes.
dado. Por conseqnência, o desenvolvimento dos órgãos e
aptidões fornece o modelo a que o uso deve subordinar-se. 2 - O objetivo do desenvolvimento natural converte-se
Quando os homens tentam determinar os usos a serem dados no objetivo do respeito da mobilidade física. Diz R o u s s ~ ~ u :
't
às atividades inatas, vão de encontro a um plano divino. A As crianças estão senipre em movimento; a vida sedeiitária
interferência nesse plano, por meio de arranjos sociais das é prejudicial". Quando ele diz que "a intenção da natureza é
126 Democracia e educapio O dcsc?ivolviiiioiito e ru eficiência 127

fortificar o corpo antes de exercitar o espírito", deixa de pois o desenvolvimento nunca é geral e sim, acentua-se ora
enunciar o fato com exatidão. Mas se houvesse dito que a num, ora noutro lugar.. . 0 s métodos educativos que re-
"intenção" da natureza (adotemos seu modo poético de falar) conhecerem, ante as enormes diferenqas de doiis pessoais, os
é desenvolver o espirito principalmente for meio do exercício valores diiiâmicos das desigualdades naturais do desenvolvi-
dos músculos do corpo, haveria afirmado um fdto verdadeiro. mento, e as utilizarem, preferindo a desigualdade à unifor-
Por outras palavras - o objetivo de seguir a natureza signi- midade obtida pela podadura, acompanharão de miis perto
fica, nos casos concretos, ter em conta o papel efetivo do aquilo que se passa no corpo, e se mostrarão assim mais
uso dos órgãos do corpo nas explorações, no manejo de ma- eficazes (1)".
teriais e nos brinquedos e jogos. Difícil é a observação das tendências naturais sob con-
dições que coiistranjam a criança. Elas se revelarão mais de
3 - 0 objetivo geral do desenvolvimento natural con- pronto no que a criança diz e faz espontaneamente - isto
verte-se no objetivo de ter em consideração as diferenças indi- é, naquilo que faz quando não tem tarefas marcadas e não
viduais entre as crianças. Ninguém pode tomar em conta o I sabe que está sendo observada. Kão se infere daí que essas
princípio de atender-se As qualidades inatas sem se impressio- tendéncias sejam todas desejáveis, pela circunstância de serem
nar com a circunstância de que essas qualidades diferem nos naturais e sim que, sendo certo que existem, são operantes e
diversos indivíduos. A diferença não só consiste em sua diver- devem ser tomadas em linhi de conta. Devemos dispor as
sidade, como também na qualidade e arranjo. Disse ROUSSEAU: coisas de forma que as desejáveis tenham um ambiente que
"Cada indivíduo nasce com um temperamento distinto. Nós as conserve ativas e que essa atividade atue e dirija as demais,
submetemos indiferentemente crianps de várias tendências aos fazendo por esse modo com que não sejam usadas as que
mesmos exercícios; sua educação destruirá a propensãa espe- nenhum proveito trazem. Muitas tendèncias que ao surgirem
cial, produzindo uma monótona uniformidade. Por isso, depois impressionam os pais são com freqüência transitórias e, em
de empregarmos nossos esforços para atrofiar os verdadeiros certos casos, dar muita atenção a elas apenas leva a fixar
dons da natureza, vemos desaparecer o efêmero e ilusório também a atenção da criança nas mesmas. De um modo
brilho que criamos em sua substituição; e as aptidões naturais geral, os adultos adotam niui facilmente como modelo seus pró-
que recalcamos não ressurgirão". prios hábitos e desejos, e consideram todos os impulsos infantis
E m último lugar, o objetivo de obedecer A natureza signi- que deles se afastam como coisas más que devem ser elimi-
fica observar a origem, o crescimento e o declinio das prefe- nadas. Este artificialismo contra o qual a concepçáo de seguir
rências e interesses. As aptidões abotoam e desobrocr~~,,, a natureza traz uin tão veemente protesto, provém das teri-
irregularmente; nem mesmo existe desenvolvimento paralelo. tativas para se comprimirem diretamente as criancas nos mol-
Devemos malhar o ferro enquanto quente. Particularmente des dos ideais das pessoas adultas.
precioso é o despontar das energias. 0 s modos por que tra- E m conclusão: observamos que a história primitiva da
tamos as tendências da primeira infância fixam, mais do que idéia de obedecer à natureza associava dois fatores sem conexão
se imagina, as suas disposições fundamentais e condicionam inerente um com o outro. Antes do tempo de R o u s s ~ ~osu
a direção das qualidades que se manifestarão mais tarde. O I reformadores da educação tinham sido inclinados a acentuar a
interesse educacional pelos primeiros anos da vida - coisa importância da educação atribuindo-lhe virtualniente uma efi-
diversa da imposiçáo do aprendizado de artes úteis - data cácia ilimitada. Dizia-se que todas as diferenças entre os
quase que inteiramente do tempo em que PESTALOZZI e FROEREI., povos e entre as classes e pessoas do mesmo povo eram devidas
I
continuadores de R o u s s ~ ~ upuseram
, em relevo as leis natu- a diferença de adestramento, de exercícios e de prática. Ori-
rais do desenvolvimento. A irregularidade deste e sua impor- ginariamente o espírito, a razão e o entendimento são, para
tância sáo indicadas no seguinte trecho de um investigador do todos os fins práticos, os niesmos em todos. Esta identidade
desenvolvimento do sistema nervoso. "No desenvolvimento
tanto das coisas corporais como mentais, há falta de simetria, 1) Donaldsnii, O Deserivoluisiento do Cirebro, pág. 356.
128 Bc~nocraciu c educação

essencial de espirito significa a igualdade essencial de todos e o mais cuidadoso regime escolar não pode evitar; mas a cnncln-
a possibilidade de erguê-los ao iiiesino nível. Como protesto são não é educar fora do meio e sitii proporcionar um meio
contra esta opinião, a teoria de seguir a natureza constituia no qual seja dado o iiielhor uso às faculdades inatas.
uma opinião muito menos formal e abstrata do espírito e de
suas faculdades. Ela substituiu as faculdades abstratas do 2. A eficiência social como o objetivo d a educação.
discernimento, da memória e da generalização, por instintos - Uma concepção que fazia a natureza fornecer a finali-
especiais diferindo de indivíduo a indivíduo, exatamente como dade de unia.verdadeira educação e a sociedade a finalidade de
diferem, segundo R o u s s e ~ uo salientou, até nos cães da mesma uma educação má, não poderia passar sem provocar algum
ninhada. Neste seu aspecto a teoria da harmonia educativa protesto. Sua contradita veemente tomou a forma da teoria
coni a natureza foi rol~ustecida pelo desenvolvimento da bio- de que a funqão da educa~ãoé fornecer precisamente aquilo
logia, da fisiologia e da psicologia niodernas. que a natureza deixa de proporcionar, isto é, fazer o indivíduo
Ela significava, com efeito, que grande coiiio é a signi- habituar-se à influência social e subordinar as faculdades
ficação do desenvolvi~~ieiito,da iiiodificaq20 e da traiisfor- inatas às regras sociais.
inação por meio do esforça educacional direto, a natureza ou Não será de surpreender verificar-se que o valor do
as aptidões não exercitadas é que proporcionam os funda- ideal de eficiência social está em grande parte em seu pro-
iiientos e os recursos essenciais para tal desenvolvimeiito. testo contra os pontos que' a teoria do desenvolvimento na-
Por outro lado, a teoria de obedecer à natureza era uiu tural tratou erradamente, ao passo que se torna defeituoso
dngma político. Ela significava uma revolta contra as ins- quando esquece o que existe de verdade naquela coticepção.
tituições sociais, costumes e ideais existentes. A afirmação, É um fato que precisamos encarar as atividades e realizações
u , que tudo é bom do modo que sai das mãos
de R o u s s ~ ~ de da vida em sociedade para saber o que significa o desenvol-
do Criador, tem sua significação somente pelo contraste com vimento das faculdades - isto é, o que significa eficiência. O
a parte final do mesmo período: "Tudo degenera nas mãos erro está em subentender que devemos adotar medidas de su-
do homem". E ele diz novamente: "O homem natural tem bordinação de preferencia às de utilização para assegurar a
um valor absoluto; ele é uma unidade numérica, um número eficiéncia daqueles poderes oii eneqias. Torna-se aceitável a
inteiro completo e não tem relações a não ser consigo mesmo teoria quando reconheceiiios que conseguimos a eficiéncia so-
e com os seus semelhantes. O homem civilizado é apenas cial não pelo constrangimento negativo mas pelo uso positivo
uma unidade relativa, o niimerador de uma fração cujo valor das faculdades individuais inatas, em ocupações que tenham
depende de seu deiioiiiinador, o oual é a sua relação com o significação social.
corpo integral da socieda.de. Boas instituiçóes políticas são 1 - Traduzida eiii objetivos esliecificos, objetivo geral
aquelas que tornaiii o homem antinatural". É sobre esta con- de eficiência social revela a iniportâiicia da capacidade iti-
cepção do caráter artificial e nialfazejo da vida organizada -dustrial ou econbmica. Kinguém pode viver sem meios de
social, tal como ela agora existe ( I ) , que ele baseava a noção subsistência; o modo por que estes meios sáu empregados e
de que a natureza não só fornece as primeiras forças que dão consumidos têm profunda influência sobre todas as relações
impulso ao desenvolvimeiito, como também o seu plano e sua reciprocas entre as pessoas. Se um individuo n.50 for capaz de
finalidade. fi bem verdade que as institui~óese costumes maus ganhar sua própria subsistência e a dos filhos que dele depen-
atuaiii quase automaticamente para dar uma educação má, que dem, será uiii fardo para os outros, iim parasita da atividade
dos demais. Falta-lhe unia das iiiais educativas experiências
1) Não devemos rsquecer que Rausseau tinha a idéia de uma da vida. Se não está exercitado a fazer boni LISO dos produtos
sociedade raclicalmente diierente, iiiiia sociedade fraternal cujo fim da indústria, há o grande perigo de que se possa perverter e
fosse o beni de todos os seus riiembros, que ele pensava ser tão melhor prejudicar, coni a sua liosse das riquezas, os outrus homens.
qi?e os estadas existentes quanto cssrs eram piores da que o estado de
ziaturcia. Nenhuiii plano de educnqáo pode esquecer estas considera$ões
130 Democraria e educação

básicas. Entretanto, em noiiie de ideais superiores e espirituais, ou econÓmi,ca da capacidade de ser-se bom cidadão. Mas
as disposições para a educas50 superior com frequência não só pode-se usar esta expressão para indicar certo número de ca-
as negligenciam, como também as encaram com desprezo, por racterísticos mais vagos do qiie a vocação para cada espécie de
julgá-las abaixo do nível das preocupações educativas. Com a habilidade. Estes característicos representam tudo aquilo que
mudança de uma sociedade oligárquica para outra democrática, torna um individuo melhor companheiro no sentido político: a
é natural oue seja dado reilce a significação l e uma educagão aptidão para julgar sensatamente os homens públicos e as
cujo resultado será a capacidade para se prosperar economi- medidas tomadas, e para tomar parte saliente não só no fazer
camente e utilizarem-se eficazmente os recurscs econômicos, as leis como também no obedecer-lhes.
em vez de empregi-los, em mera ostentação e luxo. O objetivo da eficiência civica tem pelo menos o mérito
Existe, contudo, o grave perigo de que, insistindo-se de resguardar-nos da noção da educação d i s faculdades men-
neste fim, se considerem como definitivas as condições e cra- tais de um modo geral. Chama-nos a atenção para o fato de
veiras económicas existentes. Um critério democrático exige que essas faculdades devem relacionar-se com alguma coisa a
que desenvolvamos nossas capacidades até nos tornarmos com- fazer e para o fato de que as coisas que mais precisamos fazer
petentes para escolher e seguir a nossa própria carreira. Vio- exigem, entre as pessoas, relações recíprocas.
la-se este princípio quando previamente se tentam adaptar os Temos aqui, novamente, de ficar em guarda contra a
indivíduos a determinadas profissões industriais, não esco- compreensão muito estreita desse objetivo. Uma interpre-
lhidas de acordo com as aptidões inatas exercitadas, e sim de tação limitada em excesso impediria, em certos períodos, as
acordo com a fortuna ou categoria social dos pais. O fato é descobertas científicas, apesar da circunstância de que, em
que a indústria atualmente sofre rápidas e abruptas mudanças Última análise, a segurani;a do progresso social depende delas.
devidas ao aparecimento de novas invenções. Surgem indús- Pois os cientistas poderiam vir a ser considerados meros sonha-
trias novas e as velhas sofrem uma revolução. Por conse- dores de coisas abstratas, totalinente incapazes de revelar efi-
qüência, as tentativas de se exercitarem os individuos para ciência social. Deve-se ter em mente que, afinal de contas,
modos muitos especializados de eficiência vêem malogrado seu eficiência social significa nada mais nada menos do que capa-
propósito. Quando a ocupação muda seus métodos, esses in- cidade para compartilhar do dar e receber da experiência co-
divíduos ficam em atraso e com menos aptidão ainda para mum. E, portanto, abrange tudo aquilo que torna a experiên-
readaptar-se do que se tivessem tido educação menos especia- cia de uma pessoa mais valiosa para as outras, e tudo o que
lizada. Todavia, mais do que tudo, a presente organizaqáo habilita alguém a participar mais abundantemente d i s experiên-
industrial da sociedade é, como toda sociedade que haja exis- cias valiosas dos demais. A aptidão para criar e admirar obras
tido, cheia de iniquidades. É objetivo da educação progres- de arte, para divertir-se ou recrear-se e para uma significativa
sista contribuir para abolir os privilégios indevidos e as injus- utilização dos lazeres, são elementos de mais importância sob
tas privações e, não, para perpetuá-las. Onde quer que a aquele ponto de vista, do que os elementos convencionais
direfáo social importe na subordinação das atividades indi- associados com freqüência icidadania.
viduais às classes detentoras da autoridade, existe o r i x o de E m seu sentido mais vasto, eficiência social é nada me-
ser a educação industrial dominada pela conformidade com o nos do que a socialização do espirito ou da intctigênck que
status quo. As diferenfas de oportunidades econômicas deter- contribua ativamente para tornar a experiência mais comuni-
minam compulsoriamente, nesse caso, as futuras profissões dos cável e pata derrubar as barreiras das separações sociais que
indivíduos. Temos um inconsciente ressurgir dos defeitos do tornam os indivíduos impenetráveis aos interesses dos demais.
plano de PLATÃO,sem seu inteligente niétodo de sele~áo. Quando u eficiência social se limita a serviços prestados por
atos maiiifestos, fica esquecido o seu principal componente
2 - A eficiència cívica, ou a qualidade de bom cida.lão. (~~riiicipal por ser sua garantia iinica) - isto é, a inteligente
É arbitrário, naturalmente, separar-sj a capacidade industrial siiiipatia ou a boa vontade. Pois essa simpatia, como qualidade
132 Dciiii~craciit c cdricap7u O desenvolvimento e a eficiência 133

desejável, é alguiiia coisa iiiais do que um simples sentimento; sáo eni superiores e iiiCerioi-es. Acredita-se qiie os primeiros
é a imaginação conscieiite e cultivada daquilo que os homens clispóem de tempo e de oportunidade para se desenvolver
têm de comum e a revolta contra tiido aquilo que desnecessaria- coino seres humanos, ao passo que os Últiiiios se limitam a
mente os divide. O que se chama, às vezes, interesse bene- fornecer produtos materiais. Quando se mede a eficiência
volente pelos outros, pode não ser mais do que a inconsciente social por estes produtos ou se considera esta produção como
niáscara do desejo de impor-lhes a idéia do que deva ser o o ideal, em uma sociedade que se diz democrática, isto signi-
seu beiii, eiii vez de um esforço para emancipá-los, de foriiia fica que se aceita e se pratica a estimação depreciativa das
a l>odereiii procurar e encontrar o bem de sua própria escolha. iiiassas, qiie é característica das comunidades aristocráticas.
A eficiência social e até os serviços sociais são coisas duras Mas se a democracia tem significação moral e ideal, é porque
e ásperas, quando separadas de um reconhecin~entoativo da se exige de todos uma retribuição social e porque se pro-
diversidade dos bens que a vida pode proporcionar às diferentes porciona, a todos, oportunidade para o desenvolvimento das
pessoas e da fé na utilidade social de encorajar-se cada indivídiio siias aptidóes distintivas. O divórcio dos dois objetivos na
para fazer siia própria escolha inteligente. educação é fatal à deniocracia; a adoção da significação mais
restrita de eficiência priva-a de sua justificação essencial.
3 . A cultura como o objetivo d a educação. - Nas O objetivo da eficiência (bem coino qualquer outro obje-
consideraçóes que se seguem procuraremos saber se a efi- tivo educacional) devemseriiicluido no processo da experiência.
ciência social é ou não uni objetivo coerente com a cultura. Ele torna-se materialista quando niedido por produtos exte-
Cultura significa, pelo inenos, alguma coisa tratada, alguma riores tangíveis e 1150 pela realização de uma experiência qua-
coisa amadurecida; opõe-se ao que é "bruto" ou "cru". litativamente valiosa. Os resultados expressos em ulilidades
Quando se identifka o "natural" com esta bruteza, a cultura materiais, que possam provir de uma personalidade eficiente,
se opõe ao que chanianios desenvolviinento iiatural. A cultura são, no sentido mais estrito, subprodiitos da ediicaçãq; suhpro-
é também algo de pessoal; é o cultivo da apreciafáo das idéias, diitos indispensáveis e importantes, porém, mesmo assim,
da arte e dos interesses humanos mais gerais. Quando se siibprodutos. Estabelecendo-se essa finalidarle exterior para
identifica a eficiência com uma restrita série de atos, ou ope- a eficiência, fortalece-se, como r e a ~ ã o ,a falsa concepção de
rações, em vez de identificar-se com o espírito e a significação cultura, como uma coisa excliisivamente "interior". E a idéia
da atividade, a cultura opõe-se à eficiência. Mas, quer se de aperfeiço:ir a personalidade "interior" é seguro indício de
chan:e cultura ou desenvolviiiiento coiiipleto da personalidade, divisões sociais. Aquilo que se chama interior é siniplesiiiente
o seu resultado se identifica com o da verdadeira significação o que não se relaciona com outras pessoas - o que não é
de eficiência social sempre que se prestar atenção ao que é suscetível de livre e plena coiiiunicaçáo. A chamada cultura
único, exclusivo em cada indivíduo - e não seria ele um espiritual tem sido coinumente bem inútil, e de conteúdo algo
indivíduo se nele existisse algo de incomensurável. O seu maléfico, precisamente por ter sido concebida coino coisa que
contrário é a formaqão, em série, por um tipo médio. Sempre um homem pode ter intim~inente- e, por isso, exclusivainente.
que se buscar o desenvolvimento das qualidades características Somos coiiio pes5oas aouilo que nos mostramos ser quando
resulta a forniação de personalidades distintas e, por conse- associados a outras pessoas, numa livre reciprocidade de dar
p i n t e , esperanças de serviços sociais bem maiores do que O e receber. Isto transcende a esfera da eficiên,cia, que consista
simples fornecimento quantitativo de utilidades materiais. em fornecer produtos aos oiitros -- e a da cultura, que seja
Pois como pode existir sociedade realmente digna de que a uiii solitário requinte e poliniento.
simam, se não for constituída de indivíduos de significativas
qualidades pessoais? Erraram sua vocayão todos os indivíduos, sejaiii lavra-
A circunstância de se julgarem coisas opostas o altr, dores, médicos, professores ou esiiidaiites, quz náo compreen-
valor de uma personalidade e 3 eficiência social, deriva de deram que as realiza~óes de resiiltados íiteir para outrem
uma sociedade organizada feudalineiite coiii sua rígida divi- aconil>aiiliaili senipre 11% processo de experiência que tem

- \ A
131 Denrorracia e edricngRo O dcsciií!oi;~iiiic~iloc n cj'icitirrin 135

valor por si inesnio. Porque, então, peiisar-se que a pessoa espírito, ela contrastará coiii unia ilis11osiq5o de scrviço soci:il.
deve escolher entre sacrificar-se para fazer coisas úteis aos Mas aeficiéiicia social, coiiio fiiialidade cilucativ;i, (leve signi-
outros ou sacrificar esses outros para demmdar seus próprios e ficar o cultivo da facul:lade dc liarticipar-se livre e plenamente
exclusivos fins, quer sejam a salvação da própria alma ou a de atividades comuns. Isto é impossível sem cultura e, ao
edificaçáo interior de unia vida e personalillade espirituais? mesmo tempo, nos recompensa com mais cultura, porque não
O que acontece é que, não sendo possível devotar-nos perse- podemos colaborar com outrem sem apreii.dernios com isso algu-
verantemente a qualquer dessas coisas! transigiremos e recor- ma coisa - sem nos alçarmos a um ponto de mais largo des-
reremos a alternativas tentando cadi coisa por seu turno. cortino e perceber coisas que, se não fosse isso, ignoraríamos,
Não há maior tragédia do que o fato de terem as coiicep~óes Por essd causa não há talvez melhor definição de cultura
espirituais e religiosas do inundo dado tanto relevo aos dois do que dizer-se que é a capacidade de expansão continua da
ideais do sacrifício pessoal e do auto-aperfeiçoanamento es- quantidade e profundidade de nossas percepyócs e idéias.
piritual, em vez de combater este dualismo na vida. Esse
dualismo já se arraigo11 muito ~rofundamenteriara ser facil-
mente extirpado; mas, por esta razão, a tarefa especial da
educação nos tempos atuais é lutar em prol de uma finalidade
em que a eficiência social e a cultura pessoal sejam coisas
idênticas e, não, antagônicas.

Resumo. - O s objetivos gerais o u compreensivos são


pontos de vista para se focalizar a tarefa da educaqáo. Por
conseguinte, a prova do valor do modo por que é apresen-
tada alguma ampla finalidade, é verificar-se se ela se inclui
pronta e coerentemente nos processos sugeridos por alguma
outra. Aplicamos esta prova a três grandes objetivos: o do
desenvolvimento de acordo com a natureza, o da eficiência
social e o da cultura w enriquecimento mental e pessoal.
Vimos em todos òs casos que esses objetivos, quando par-
cialmenie formulados, entram em conflito uns com os outros.
Considerada unilateralmente, a teoria do desenvolvimento na-
tural adota como finalidade total o desenvolvimento espontâ-
neo das faculdades originárias. Sob este 'ponto de vista, o
exercício que as torna Úteis aos outros é uma coação anormal;
perverte-as quem as modifica profundamente pelo desenvol-
vimento voluntário. Mas desaparecerá esse conflito se reco-
nhecermos que atividades naturais significam atividades inatas
que se desenvolvem unicamente por meio dos usos com os
quais são aperfeiçoadas. Analogamente, se tornarmos a efi-
ciéncia social no sentido estrito de prestar serviços exteriores
às outras pessoas, ela necessariamente se oporá ao objetivo de
enriquecer a significação da experiencia, ao mesmo tempo em
que, considerando-se a cultura o a p e r f e i ~ o a m e ~ tinterior
o do
necessariamente em estreita conexão. Palavras coiiio objetivo,
intento, finalidade apontam para os resultados desejados qiie
iios esforçamos por. obter; presumem coiiio existentes a atitude
de solicitude e de atenta ansiedade por parte de alguma pessoa.
C A P I T U L O 10 Vocábulos como interesse, afetar, iiiotivaçâo, acentuam o alcan-
ce daquilo que é previsto sobre a sorte do indivíduo e o vivo
desejo, que este tem, de assegurar uni possivel resultado. Todas
aceitam como coisas certas as mudanças objetivas. A diferença
é apenas de força expressiva; a significasão velada em uma
série de pdavras acha-se clara ria outra. Aquilo que se prevê
1. A significação das palavras interesse e discipli- é ohjetivo e impessoal: chover no dia seguinte; a possibilidade
na. - Já notaiiios a diferença de atitude de um espectador de ser atropelado. Mas, para um ser ativo, um ser que par-
e de um agente ou parti,cipante da ação. Ao primeiro é ticipa das consequèncias em vez de ficar estranho às mesmas,
indiferente o que sucede; tão bom é um resultado quanto existe ao mesmo teiiipo uma reação pessoal. A diferença
outro, uma vez que cada qual continua a ser coisa observá- iiiiaginativameiite prevista cria uma diferença atual que se ex-
vel. O ultimo está associado ao q i e se faz; o resultado da prime pelo cuidado, pelo esforço. Apesar de palavras tais
ação tem para ele importância. Sua sorte ou bem-estar estarão como afetar, interesse e motivo iiidicarem uma atitude de
iiiais ou menos em jogo com o resultado dos aconteciiiientos. preferencia pessoal, são também atitudes para com objetos,
Por conseqüência, ele fará o que puder para influir na direção ou coisas exteriores - para com aquilo que se prevê. Pode-
tomada pelos acontecimentos. Um é como um homem em remos denomiiiar o aspecto de previsão ol~jetiva, intelectual
uiiia prisão a olhar a chuva pela janela; para ele tanto faz e o aspecto de interesse pessoal, emocional e volitivo, mas não
chover conio não chover. O outro é um hoinem que vai no dia há separação entre os fatos constitutivos da situação.
imediato a um piqueiiique que a chuva, se persistir, poderá Tal separa~ãosó poderia existir se as atitudes pessoais
frustrar. Ele não pode, 4 verdade, coiii .seus sentimentos pudessem existir independentemente. Elas, porém, são sem-
atuais, iiiflriir no estado do teiiipo do dia segiiii~te,mas poderá pre reações ao que sucede na situação em que tomam parte,
dar alguns passos que inflcani iin acotiteciineiitos futuros, e o bom êxito ou malogro de sua manifestaq50 depende da ação
coiiio o adiamento do piquenique. Se alguém vir avizinhar-se reciproca entre elas e outras mudanças. As atividades vitais
uni aiitomóvel que o poderá atropehr, se não lhe f o r possível surgem e se extingueiii sempre em relação com as mudanças
fazê-lo parar, ser-lhe-á possível; pelo nienos, sair de seu cami- do ambiente. Estão literalmente presas a estas iiiudanças;
nho, se previr, com tempo, aquela conse.quência. E m muitos nossos desejos, eiiioçóes e paixões iião passam de vários modos
casos poderá intervir mais diretaiueiite. A atitude de quem pelos quais nosso procedimento se liga ao das coisas e pessoas
toma parte eiii alguma espécie de atividade é, conseguintemente, que nos cercam. E m vez de assinalarem um terreno pura-
dupla: 1iá o cuidado, a ansiedade pelas futuras coiisequèncias, iiieiite pessoal ou subjetivo, separado do terreno objetivo e
e a tendência para agir, no sentido de assegiirar as melhores impessoal, indicam a inexistência desse mundo à parte. Mi-
e evitar as piores conseqüências. nistraiil prova convincente de que as iiiudanças das coisas
Há uma palavra para exprimir essa atitude: é interesse. não são alheias às atividades do eu e de que a evolução e
Ela sugere que uma pessoa se acha presa às possibilidades bem-estar do eu se acham associados ao procedimeiito das
inerentes às coisas: que, portanto, se encontra vigilaiite a pessoas e das coisas. "Interesse" significa qiie o eu e o
observar aquilo que tais coisas lhe poderão fazer; e que, fun- inundo exterior se achani juntaineiite einpenhados eni uiiia
dada nessa expectativa oii previsão, está ansicsa por agir. 11e situação em marcha.
modo a Ihes dar uma direção, de preferência a outra. Inte- A palavra interesse. lia acepção coiiiunieiite us?da, e s -
resse e objetivos, interesse e intenção ou propósito, estão lxiiiie I ) a ativirlarle coiisiilerada eni seli todo, 11) us
resultados objetivos previstos e desejados e 111) a pessoal procurar-se alguma isca agradável para se pendurar no iiiaterial
propensão emocional. I." - Com freqüência referimo-nos a estranho e intragável. É descobrir objetos e modos de agir que
uma ocupaqão, a um emprego, a unia pesquisa, a um negócio, se relacionem com as aptidões existentes. Fazer este material
como sendo um interesse. Dizemos, desta forma, que o in- acionar a atividade para ela exercer-se com coeréncia e conti-
teresse de alguém é a politica ou o jornalismo, ou a filantropia, nuidade - eis o interesse do mesmo. Desde que o material
ou a arqueologia, ou colecionar pinturas japonesas, ou a ati- atue desta maneira, náo há necessidade de recorrer-se a artifícios
vidade bancária. 2 . O - Com a palavra interesse também que o tornem interessante, ou apelar-se para o esforço arhitrá-
expriniimos o ponto em que alguma coisa afeta a uma pessoa; rio e semicoagido.
o ponto em que a influencia. Em alguns atos legais uma
A palavra interesse sugere, etiniologicamente, aquilo que
pessoa tem que provar seu "interesse" para o fim de ser está entre - iflter - esse, que reúne duas coisas que de
admitida em juizo. Precisará provar que algum ato judicial
outra forma ficariam distantes. Em educação essa distância
proposto interessa a seus negócios. Um sócio que nlda faz a ser suprimida deve ser considerada como uma distância de
pode ter interesse cin um negócio (embora não tome parte tempo. Tão óbvia é a circunstiiicia de que um processo leva
ativa no iiiesn1.0) porque a prosperidade ou declínio do referido tempo a perfazer-se, que raramente precisaremos enunciá-lo.
negócio influirá em seus lucros ou prejuízos. 3 . O - Quando Esquecemo-nos, assiiii, de que no desenvolviniento há uma
dizemos estar unia pessoa interessada nisto ou naquilo, acen- distância a ser vencirla entre seu estágio inicial e o período
tua-se com isso diretaiiiente sua atitude pessoal. Estar interes- em que se completa; de que existe alguma coisa entre
sado em a l ~ u m acoisa é achar-se ahsorvido, envolvido, levado um e outro. No aprendizado, as energias ou poderes
por essa coisa. Tomar interesse é ficar alerta, cuidadoso, atuais do aluno são o estágio inicial; o objetivo do pro-
atento. Dizemos de uma pessoa interessada que ela se en- fessor representa o limite remoto. Entre os dois ficam os
terrou e x algum negócio ou que se encontrou nele. Estas meios - isto é, as condições intermediárias: atos a ser pra-
frases exprimem a absorção, o apaixotiamento da pessoa pela ticados; obstáculos a superar; instrumentos a usar e apli-
coisa. cações a fazer. Somente por meio deles, no sentido literal de
Quando se fala de modo depreciativo sobre o papel do tempo, as atividades iniciais chegarão a um remate satisfatório.
interesse na educacáo, verificar-se-á que foi porque se exa- Estas condições intermediárias são de interesse preciça-
gerou e, em seguida, isolou a segunda significação mencionada. mente porque delas depende o desenvolvimento da atividade
Considera-se o interesse simplesmente coiiio significando o existente para atingir o fim previsto e desejado. Ser o meio
efeito de uma coisa sobre a vantageni ou desvantagem pessoal, de realizar as presentes tendéncias, ficar "entre" o agente
sobre o triunfo ou o mau êxito. Isoladas do curso objetivo e seu fim, ser de interesse - são nomes diversos para expri-
dos s~~cessos estas coisas se reduzem a meros estados pessoais mir a mesma coisa. Se foi preciso tornar o material interes-
de prazer ou de dor. Pedagogicamente, conclui-se que dar sante, isto significa que do modo por que foi apresentado não
importân'cia ao interesse significa repassar de algum atraente se relacionava com os fins e capacidades atuais: ou que, se
aspecto uni material que de outro modo seria indiferente; existia relação, esta não foi percebida. Torná-lo interessante
garai?tir a atençáo e o esforqn, coiii a perspectiva de uma paga levando-se alguém a compreender a conexão existente, é coisa
em prazer. Estigmatiza-se este processo dizendo-se ser peda- de simples bom senso; e torná-lo interessante por meio de
gogia "inole" ou uma teoria educacioiial "efeminadi". expedientes estranhos e artificiais, é merecer todos os maus
nomes, com que tem sido chaiiiada a teoria do interesse na
Mas a objeção baseia-se no fato - ou presunção -
educação.
de que as espécies de aptidão a serem adquiridas e a matéria
a ser assimilada não tém interesse por si mesmas; em outras Isto qiianto à significação do termo "interesse". Pas-
~>:iI:rvras- siil>óe-se screiii cstraiihas à atividade normal dos semos agora à do de "disciplina". Quando unia atividade
<liscíl>ulos. O reiubdio não é culpar a teoria do interesse nem exige tempo, quando muitos meios e obstáculos ficam entre seu
ini,cio c seu coiiipletar-se, resolução e persistêiicid são inilispen- I1 - Existe tambéiii a consideração meramente espe-
sável à sua realização. É claro que grai~dissimaparte da sipii- culativa dos resultados. Prevêem-se perfeitamente os fins,
ficação corrente de vontade é exatamente a de disposição deli- mas a pessoa não se prende, suficientemente, a eles. São
berada ou consciente para perseverar e sofrer em determinada mais uma coisa para análise e para ai se repastar a curiosidade,
linha de conduta, malgrado as dificuldades e as solicitações do que para realizar-se. Não há o que se poderia chamar
contrárias. U m homem de força de vontade, conforme o uso superintelectualidade, mas existe o intelectual unilateral. Uma
popular desta expressão, é o que neiii é volúvel nem se desalenta pessoa põe-se a analisar as conseqüências e resultados de
na prossecução dos fins cye escoll~eu; tem capacidade de determinado modo de proceder. Mas certa frouxidão da fibra
ação, isto é, esforça-se com perseverança e energia para exe- da vontade impede que se apegue ao objeto contemplado e
cutar ou levar avante seus planos. Uma vontade fraca é tão comece a agir. Mas, a maioria das pessoas é naturalmente
instável como a água. desviada de determinadas atividades que se havia proposto
por obstáculos excepcionais, inprevistos, ou por seduzi-las outras
Existem dois elementos na vontade: um é o da antevisáo atividades que Ibes são imediatamente mais agradáveis.
dos resultados e o outro é o do vigor e profundidade com que
os resultados previstos prende111 e apaixonam a pessoa que os Uma pessoa é disciplinada na medida em que se exercitou
prevê. a pesar suas ações e a empreendê-las resblutam4nte. Acres-
cente-se a este dom uma capacidade de resistência, sem uma
I - A obstinação é persistência, mas não é força volitiva. empresa inteligentemente escolhida, a distração, as perturba-
A obstinação pode ser mera inércia e insensibilidade animais. ções e aos obstáculos e tereis assim a essência da disciplina.
Se um obstinado está a fazer alguma coisa, é só porque a Disciplina significa energia à nossa disposição; o domínio dos
começou e não por algum escopo claramente previsto e desejado. recursos disponiveis para levar avante a atividade empreendida.
Coin efeito, geralmente o obstinado se esquiva (eiiibora possa Saber o que se deve fazer e fazê-lo prontamente e com a utili-
não ter perfeita consciência dessa esquivança) a ver claramente zação dos meios requeridos, significa ser disciplinado, quer se
qual seja o fim que se prop0s; como que pressente que, se trate d e um exércitù, quer de um espirito. A disciplina é
resolvesse ter nítida e plena perce&ão do mesmo, poderia não positiva. Humilhar o espírito, domar as propensões, compelir
o julgar digno de seu esforço. A teimosia revela-se ainda mais à obediência, iiiortificar a carne, fazer um subalterno executar
e111 sua relutância a examinar os fins que se apresentem, do , um trabalho desagradável - estas coisas são ou não discipli-
que na persistência e energia com que emprega meios para nadaras, na medida eni que desenvolverem a compreensão
atiiigir sua própria meta. O verdadeiro homem de ação é o daquilo que se tenha em vista, e em que dêem perseverança
que pesa seus fins o mais possível, e procura o iilais pos- para a ação.
sivel ver claro as conseqüências de seus atos. As pessoas a
queiii chamamos de vontade fraca ou caprichosas sempre se Agora parece desnecessário frisar que interesse e disciplina
iludem (como os obstinados, embora por outros motivos) são coisas conexas e, não, opostas. 1) Até o aspecto mais
sobre os conseqüências de seus atos. Aprendem algum aspecto puramente intelectual de uma capacidade disciplinada - a
que lhes seja agradável e desprezam todas as outras cir- coinpreensão do que se está fazendo em face das consequên-
cuiistânçias conexas. Quando começam a agir, também come- cias dessa atuação - não é possível sem o interesse. Na
qam a se patentear as desagradáveis conseqüências em que náo ausência deste, a deliberação será perfunctória e superficial.
haviam pensado. Deianimam, então, ou queixain-se de que fi frequente queixarem-se - e com razão - os pais e os
UIII fado cruel se atravessa a seus propósitos, e tratam de to-
mestres de que os meiiinos "não querem ouvir nem com-
mar nova direção. Jamais haverá exagero no afirmar-se que preender o que se lhes ensina". Seus espíritos não se pren-
a diferença essencial entre a vontade forte e a fraca é itite- dem à mattria, porqiie esta não Ihes diz irada; porque iiâo
lectual, consistindo no grau de perseverante firiiieza e profuii- faz parte de seus interesses. É este uiii estado rle coisas
deza com que se pensam as conseqiiências dos atos. que se precisa remediar, inas n reiiiédio nZo está i10 iiso de
iiiítodos que auiiieiiteiii a iiidiferença e a aver~áo. A L ~ o trução e da disciplina. Com grande freqüência o espirito é
anteposto ao mundo de coisas e de fatos a serem conhecidos.
castigar-se uni menino por sua desateiição ainda é um modo
Considera-se esse mundo de coisas como algo existente i
de tentar fazé-lo compreender que a iiiatéria %<ia é iiiiia coisa
parte dos estados mentais e operações intelectuais, por sua
destituida completanieiite de interesse; é uni ii:odo de des- vez também isolados e independentes. Julga-se ser o conhp-
pertar o "interesse" ou de fazer surgir utii senso de conexão. cimento a aplicação euterior de entidades puramente mentais
No final de contas, o seu valor se iiiedirá com o slber-se se i s coisas a serem conhecidas, ou então o resultado d3s im-
o castigo foi uiiia siniples excitação fisica para proceder do pressões que essa matéria' exterior de estudos faz no espirito
iiiodo desejado pelo aclulto ou se levou o nieniiio a "pensar",
isto é, a refletir sobre seus atos e impregná-los do sentido dos - ou uma combinação das duas coisas. A matéria é tida nesse
caso como coisa completa por si mesma - alguma coisa a ser
seus fins. 2) B ainda mais .evidente que se requer interesse aprendida ou conhecida, seja pela aplicação voluntária da mente
para a perseverança nos atos de natureza executiva. O s patrões
ou espirito a esse objeto exterior, seja pelas impressóes feitas
não procuraili empregados que não se iiiteresseiii naquilo que por ele no espirito.
estáo fazendo. E se algubiii cantrata um advogado ou chama
0 s fatos referentes ao interesse mostram que estas cou-
uni tiiédico, nunca lhe ocorrerá pensar que a pessoa contra- cepções são falsas. Na realidade, mente ou espírito é a
tada executará mais co~isciericiosaiiiente seu trabalho se este
aptidão para reagir aos estímulos ocorrentes, coni fundamento
não estiver tão em desacordo coni seus gostos que se limita a na previsão de possíveis consequências e tendo em vista deter-
fazê-lo unicamente por ser essa a sua obrigaçáo. O interesse
minar as consequências (dentre aquelas possíveis) que se vão
mede - ou melhor, o interesse é - a intensidade da influência
do fim previsto para fazer uma pessoa empreender a sua produzir. As coisas, o objeto do.. conhecimento, consistem
em tudo aquilo que se reconheceu ter influxo antecipado no
realização.
curso dos acontecimentos, já auxiliaiido-os, já retardando-os.
!
I Estas ponderações, por serem muito abstratas, se tornani menos
2. A importância d a idéia d o interesse na educa-
ção. - O interesse representa a forsa que faz mover o s
I inteligíveis. U m exemplo esclarecerá sua significação.
Empreendemos certo trabalho, como escrever i máluina.
objetos - quer percebidos, quer representados em imagi-
n a ~ á oem alguma experiência provida de um objetivo. Nos Se temos prática, os nossos hábitos se encarregam dos movi-
!
' inentos físicos necessários e deixam-nos livre o pensamento,
casos concretos, o valor de se reconhecer a função dinâmica i
do interesse em um desenvolvimento educativo é que leva a para refletir sobre o que escrevemos. Suponhamos, porém
que não temos prática, ou que, no caso de termos, a máquina
considerar individualmente as crianças em suas aptidões, ne-
cessidades e preferências esperiais. Quem reconhecer a im- I não funcione bem. Deveremos então utilizar-nos da inteli-
portância do interesse não presumirá que todos os espíritos gência. Não queremos bater nas teclas ao acxso, pouco nos
I
importando com as conseqüências; nossa intenção é escrever
fiincionam do mesmo modo pela razão de acontecer-lhes tefem
o mesmo professor e o mesriio coiiipêndio. As atitudes e os
! certas palavras eni certa ordem, para fazerem sentido. Temos
modos de "ataque" e de reação variam com a sugestão especí- que dar atenção ao teclado, Aquilo que escrevemos, aos nossos
fica do inesti:o m;terial e essa sugestão também varia de acordo movimentos, à fita ou ao mecanismo da máquina. Nossa aten-
ção não se divide indiferente e confusamente por todas as par-
com a diferença das aptidões naturais, da experiência passada,
do modo de vida, etc. Mas os fatos referentes ao interesse ticularidades. Ela concentra-se naquilo que esteja influindo
I
forneceui, alétii disso, coiisideracões de valor geral à filosofia eficazmente para a continuação ou náo de nosso trabalho.
da educa~Zo. Qiiando beiii entendidos, eles nos põem em guarda Nosso pensamento está voltsdo para a frente, e o interesse de
contra certas coiicep~óessobre o espirito e a iiiatéria de estudos, observar as circunstâncias presentes só existe enquanto e na
que tiveram grande voga no pe~isaiuentofilosófico do passado medida em que essas circunstâncias são fatores para a con-
e cuja itifluêticia constitui sério estorvo à boa direção da ins- secução do resultado em vista. Precisamos saber de que re-
!ntercssc c discip(irrn 145
144 Democracia 0 educaçio
movimentos independentes de outras coisas e pessoas. O in-
cursos dispomos, quais as condisóes modificáveis por nós c divíduo pode iniciar uma série de atos, mas o resultado depende
quais as dificuldades e obstáculos. Esta previsão e este exame da interação de suas reações e das energias dos outros agentes.
com referência ao que é previsto constituem o que chamamos Conceba-se o espírito como alguma coisa que não seja um fator
de mente, intelecto ou espírito. A atividade que não suben- cooperando com outros para a produção de conseqüências, e
tende esta ponderação dos resultados e este exame dos meios espirito ou mente torna-se coisa sem sentido.
e obstáculos é automática, ou é cega. E m nenhum desses
casos é inteligente. Ver de um modo vago e incerto o que O problema da instrução é, portanto, o de encontrar
se pretende fazer, e observar descuidadamente e mal as con- matéria à qual o educando aplique sua atividade especial.
dições de realização, é ser, conforme o caso, obtuso ou par- tendo um fim ou objetivo de importância ou de interesse
ciáltnente ininteligente. para ele, valendo-se das coisas, não como aparelhos de gi-
Quando se considera o caso em que a mente ou espirito nástica e, sim, como condições para atingir fins. O reiiiédio
não se tenha de preocupar com a manipu1ai;ão material de para os inconvenientes da teoria da disciplina fornial de que
condições ou aparelhos, mas, digamos, com o que se tenciona já falamos não está em substitui-la por uma teoria de disci-
escrever. o caso é idêntico. Há uma atividade em marcha; plinas especializadas, mas em refazer a noção do espírito e de
a pessoa empreende o desenvolvimento de um assunto. A me- sua educação. O remédio é a descoberta de modos tipicos
nos que se escreva como fala um fonógrafo, isso importa eiii de atividade, quer se trate de jogos, quer de ocupações úteis.
inteligência; quer dizer, vigil&cia na previsão das várias em que.os indivíduos tomem interesse, em c u j o resultado re-
conclusões a que conduzem os dados e considerações atuais, conheçam ter alguma coisa em jogo, e que não se pratique111
junto com a observaqão e a recordação continuamente renova- sem a reflexão, a análise, o uso do raciocínio no escolher e
determinar as condições e o material a observar e a reter na I
das, para apreender a matéria que possa influir nas conclusóes a
que se pretende chegar. Toda a atitude é a de interesse por memória. E m suma. as raizes do erro, longo tempo donii-
aquilo cue vai ser e por aquilo que é, na proporção e m que nante na concepção da educação do espirito, consistem eni não I
aquilo que é influi sobre o desenvolvimento da matéria em di- se ter em consideração que espirito ou mente é certa qualidade
reção ao fim visado. Se não houver direção que dependerá que se empresta às coisas em marcha para futuros resultados
da previsão de possiveis resultados futuros, não haverá inteli- quando o indivíduo participa dessa marcha e em sua direção
gência em nosso procedimento, Se existir antevisão imagina- emprega a observação, a imaginacão e a memória. O erro
tiva, mas se não se der atenção às condições de que a reali- consiste em considerar o espirito uma coisa completa por si
zação depende, resultará frustração ou ocioso devaneio - e mesma, pronta a ser apiicada imediatamente à matéria
teremos o caso de inteligência malograda. apresentada.
Se este exemplo é típico, mente ou espirito não é deno- Na história da prática educacional esse erro obstruiu !
minação a dar-se a alguma coisa completa em si mesma; é o dois caminhos. Por um lado, escudou e protegeu estudos
nome de uma atividade em desenvolvimento na proporção em tradicionais, forrando-os à crítica inteligente e a necessárias
que seja inteligentemente dirigida; na proporção, quer dizer, revisões. O fato de dizer-se que eram "disciplinares", isto é,
conforme nela entrem objetivos, fins, coni a seleção dos meios formadores do espirito, os pós a salvo de qualquer critica.
para favorecer a realização dos mesmos. A .inteligência não é
Não foi bastante o mostrar-se que não eram de utilidade para
uma coisa particular que alguém possua; mas uma pessoa é a vida ou que não contribuíam realmente para o cultivo do
mais ou menos inteligente, na proporção em que as atividades I
espirito. O fato de serem "disciplinas" - disciplinas do es- i
de que é participante tenha111 mais ou menos as qualidades pirito - atalhava a todas as questões, acabava com quaisquer
mencionadas. Nem são as atividades em que uma pessoa se dúvidas e afastava o assunto do terreno da discussão racional.
empenha, inteligentemente ou não, exclusiva propriedade sua; Pela sua própria natureza, não se podia confutar aquela ale-
são alguma coisa em que a referida pessoa se efspsnha e toma
parte. Colaboram com ela ou a wharaçam outras coisas, OS
gação. Iflesmo quando nenhuma disciplina fosse obtida e o I
I

.2
I
146 Drrnocracia e educação
O isolamento ou separa~ãodo espírito de atividade apli-
aluno se mostrasse cada vez menos aplicado, e perdesse, cada cada a um objeto para a realização de um fim, é o isolamento,
vez mais, a capacidade para uma diligente autodireqão, a culpa
por sua vez, da matéria a ser aprendida. Nos planos de edu-
não era das matérias ou dos métodos de ensino, e, sim, do cação tradicionais a iiiatéria do estudo consistia em certas
aluno. Seu mau êxito apenas provava a necessidade.de mais
coisas a serem estudidas. O s vários ramos dos estudos repre-
disciplina, e assim proporcionava um motivo para. a conser- sentavam outros tantos ramos de conhecimentos independentes,
vação dos velhos métodos. Transferia-se a responsabilidade I
do professor para o aluno porque a matéria do estudo não era cada qual com siia particular e completa organização. A his-
tória é um desses grupos de conhecin~entos;a álgebra outro, a
submetida a nenhum1 verificação; não se precisava provar que geografia outro e assim por diante, até percorrermos todo o
ela satisfizesse alguma necessidade particular ou servisse para currículo. Existindo por si mesmas e completas ein si mesmas,
algum fim especial. E r a destinada, em geral, a disciplinar, e, essas matérias resumiam suas rela~õescom o espírito nos conhe-
se não surtisse efeito, era porque o educando não queria ser cimentos que lhe davam a adquirir. Esta idéia corresponde i
disciplinado. prática em uso, na qual os programas dos trabalhos escolares
O outro mau resultado da teoria foi o de estabelecer para o dia, para o mês e para anos siicessivos consistem em
,,matérias" todas separadas umas das outras, no pressuposto
uma concepção negativa da disciplina, em vez de identificá-la
com o desenvolvimento da capacidade de realização. Como já de ser cada qual completa por si mesnia - pelo menos para os
vimos, vontade significa uma atitude em direqão ao futiiro,
em direção à produção de possiveis consequências, atitude
que subrntende esforço para prever clara e compreensiva-
i fins educativos.
Mais adiante há um capitulo dedicado à consideração
particular da significaçáo da matéria do estudo. Neste ponto
mente os prováveis resultados de modos de agir e uma iden- precisamos apenas dizer que, ao co~itrário do que afirma a
tificação ativa e operante com algumas das consequências . teoria tradicional, tudo o que a inteligência estuda são coisas
antevistas. A vontade torna-se mero esforço material quando no papel que desempenham, em atividades empreendidas com
o espirito constitui uma entidade em si mesma, dotada de o estiiiiulo do interesse. Assini como uma pessoa "estuda"
faculdades, que se têm apenas de aplicar-se à matéria pre- sua máquina de escrever, como parte do ato de utilizar-se dela
sente. A pessoa quererá ou não quererá aplicar-se ao material para conseguir bons resultados, também fará o mesmo com
apresentado. Quanto mais indiferente for a matéria, quanto qualquer fato ou verdade. Este fato ou verdade tornam-se
menos se harmonizar com os seus hábitos e preferências, tanto I
!
objetos de estudo - isto é, de investigação e reflexáo -
maior isforço exigirá da pessoa para fazer o espírito vol- quando figuram como fatores com que se deve contar no
tar-se para ela - disto resultará maior disciplina da vontade. desenvolvimento da atividade em que alguém se empenhou e
Dedicar-se a certa matéria porque a pessoa se interesse por de cujo resultado coiiipartilha.
alguma coisa que vai ser feita nessa. matéria, não é ato disci- 0 s números não são objetos de estudo pela simples razáo
filinndor, segundo esta opiniáo, nem mesmo se resultar num de serem números já constituindo um ramo das ciências cha-
desejável aumento de capacidade construtora. Aplicar-se a madas matemáticas, e sim porque representam qualidades
uma coisa, apenas por se aplicar, com o fim único de exerci- e i-elaqóes do mundo em que se exerce nossa atividade, porque
tar-se - só isto é disciplinador. Mais provável ainda de s5o fatores de que depende a realização de nossos intentos.
ocorrer este efeito será, se a matéria apresentada não se har- Expressa nestes termos gerais a fórmula pode parecer abstrata.
monizar com os gostos do educando, pois ent5o (dizem) não Observada eiii suis particularidades, significa que o ato de
há motivo para agir, a não ser a consciência do dever ou o i aprende: ou estudar é tanto mais artificial e inoperante, quanto
valor disciplinante do ato. A conseqüência lógica desta dou- mais apresentem aos alunos meras lições para estudir. O es-
trina foi exatamente expressa por estas palavras de um hu- tudo só é eficaz quando o aluno compreende o papel da verdade
morista americano: "Pouco importa o que se ensine a um iiúmerica que está estudando em atividades que o referido
menino, desde que ele não goste da matéria". aluno empreende com interesse para conseguir determinado
Interesse e disciplina 149

resultado. Esta conexão de um objeto e de uma matéria com futuras relações ativas com o mundo. A própria palavra arte
o andaineiito de uma atividade que tenhl determinado objetivo, vem associar-se não às transforma~óesespecificas das coisas,
é a primeira e a última palavra de unia lidima teoria do in- para torná-las mais significativas para o espirito, mas aos es-
teresse na educaçáo. tímulos para fantasias excêntricas e as fraquezas eniocionais.
A separação e o mútuo desprezo entre o homem "prático" e o
3 . Alguns aspectos sociais d a questão. - Esses erros homem de teoria e cultura, o divórcio das belas-artes e das
teóricos que vão desfechar na prática do ensino as suas con- artes industriais, são indicativos dessa situaçáo. Deste modo
seqüências são, por sua vez, o resultado das condições da o interesse e o espírito são restringidos ou pervertidos. Com-
vida social. Uma mudansa que se limite às idéias doutrinárias pare-se o que foi dito em um dos capítulos anteriores sobre as
dos educadores não removerá os obstáculos, embora torne significafões unilaterais que se vieram prender As idéias de
iiiais eficazes os esforços para se modificarem as condiqões eficiência e de cultura.
sociais. As atitudes fundanientais dos homens perante o Tal estado de coisas existirá enquanto a sociedade for
mundo são fixadas pelo alcance e qualidades das atividades organizada com fundamento na divisão em classes trabalha-
de que participam. Ao ideal do interesse serve de exemplo doras e classes não trabalhadoras. A inteligência daqueles que
a atitude artística. A arte não é puramente interior, nem pu- fabricam e produzem torna-se espessa em sua incessante luta
ramente exterior; nem meramente mental, nem simplesmente com as coisas; e a dos que se emanciparam da disciplina do
material. Como qualquer outra espécie de atividade, ela pro- trabalho torna-se amante dos prazeres, ostentadora e afemi-
duz niudaiiças no mundo. Mas, as mudanças operadas por nada. Além disso, a maioria dos seres humanos ainda não
algumas outras atividades (as que por contraste podem cha- goza de liberdade econòmica. Suas ocupações são escolhidas
mar-se mecânicas), consistem apenas em fazer as coisas mii- pelo acaso e pela premência das circunstâncias; não são a
darem de lugar. Não as acompanham nenhuma recompensa expressão normal 8e suas aptidões em atuação recíproca com
espiritual, nem enriqueciniento sentimental ou intelectual. Além as necessidades e recursos do ambiente. As nossas condições
dessas puramente mecânicas, há outras igualmente exteriores econòmicas ainda reduzem muitos homens a uma condição
que contribuem para a mantença da vida, para orná-la exterior- servil. A conseqüência é não ser liberal a inteligência daque-
mente ou para ostentações. Ora, muitas de nossas atividades les que são os senhores da situação, na vida prática. Em vez
de pugnarem resolutamente pela submissão do mundo aos fins
sociais, industriais e politicas encaixam-se nessas duas classes.
humanos eles dedicam-se a utilizar-se dos outros homens para
Nem as pessoas que delas participam, nem aquelas diretamente
fins tanto mais anti-humanos, quanto mais egoístas.
afetadas por elas, são capazes de pleno e livre interesse no
seu trabalho. Por não haver nenhum objetivo próprio de quem Semelhante estado de coisa explica muitos fatos de
executa o trabalho, ou pela natureza restrita desse objetivo, a nossas tradições históricas educacionais; projeta luz sobre a
inteligência não intervém convenientemente na atividade eiii contradição de objetivos entre as diferentes partes do sistema
curso. Essas condições obrigam muitas pessoas a voltarem-se escolar, sobre a natureza estreitamente utilitarista da educa-
para si mesmas. Refugiam-se eni uma representação interior ção elementar e sobre o caráter estreitamente disciplinar ou
de sentimentos e de fantasias. São estetas, e não artistasl cultural da educação superior. Contribui para a tendência a
porquanto seus sentimentos e idéias se voltam para eles mesmos. isolar as matérias intelectuais até os conhecimentos tornarem-se
em vez de serem meios para atividades que modifiquem as escolásticos, acadêmicos ou técnicos e para a convicqão domi-
condições referidas. Sua vida mental é sentimental; consiste nante de que a educaçáo liberal é contrária às exigências de
na contemplação de uma paisagem interior. Até as pesqui- uma educação que atenda aos reclamos da vida prática.
I
sas da ciência podem tornar-se um refúgio nas árduas vicissi- Mas, por outro lado, esse estado de coisas contribui para
tudes da vida - e não um retiro temporário para se recobrarem definir o problema particular da educaçáo hodierna. A escola
as forças e se esclarecerem as idkias tendo-se eni vista as não pode refiigir diretaiiiente aos ideais implantados pelas ante- I
riores condiqões sociais. Mas a escola pode contribuir para r> empregar-se esforço, para efetuar-se a transformação; isto
melhoria dessas condições, por meio do tipo de mentalidade exige, tambéin, atenção e paciente perseveranca. Esta atitude
intelectual e sentimental que formar. é o que virtualmente significamos com a expressão "força de
E justamente neste ponto as verdadeiras concepções de vontade". Seti resultado é disciplina ou o desenvolviniento da
interesse e disciplina são da máxima importância. As pessoas capacidade de prestar-se atenqão contínua, desdobrar-se es-
cujos interesses se ampliaram e cnja inteligência foi esercitada forço perseverante.
ao ,contacto com coisas e fatos, em ocupações ativas com fi- Dupla é a importâiicia desra doutrina para a teoria da
nalidade (seja no jogo, seja no trabalho), poderão com mais educaçáo. Por um lado preserva-nos da nocão de que o
probabilidades escapar às altertiativas de uma cultura pura- espírito e os estados mentais são coisas completas em si mesmas,
mente acadêmica e ociosa, de unia prática dura, áspera, aca- as qnais aplicamos a objetos e matérias já preparadas, d e niodo
nhada de vistas e simplesmeiite "prática". Aquilo que mais a resultar conhecimento. Ela mostra-nos que são coisas idên-
precisa ser feito psra melhorar as condições sociais é organizar ticas o espírito e a atividade de uma pessoi que se empenhá
a educaçáo de modo que as tendências ativas naturais se empre- inteligentemente, ou coni um objetivo, num curso de ação em
guem plenamente na feitura de alguma coisa, alguma coisa que que entrem coisas materiais. Daqui se infere que desenvolver
requeira observação, a aquisição de coiihecimentos informati- e exercitar o espírito será fornecer um meio que provoque
vos e o uso de uma imaginação construtora. Oscilar entre tal atividade. Por outra parte, preserva-nos da idéia de que a
exercícios seriados e intensivos para se conseguir a eficiência matéria do estudo, pelo seu lado, seja coisa isolada e indepen-
em atos exteriores seiii o concurso da inteligência, e uma dente. Mostra-nos que a referida matéria se identifica com
acumulação de conhecimeiitos que se supóe bastarem-se a si todos os objetos, idéias e princípios que entram como recursos
mesmos, significa que a educação aceita as presentes condiçóes ou obstáculos no esforço continuado e intencional para se levar
sociais como definitivas e por esqe meio assume a responsabi- a cabo alguma espécie de atividade. Essa atividade a desen-
lidade de perpetuá-las. Uma reorganização da educação de volver-se, e cuja finalidade e condições percebemos, é a uni-
modo que a itistruqão se efetue ein conexão com a inteligente dade que mantém reunidas .as coisas que muitas vezes separa-
realização de atividades com um escopo, será um trabalho lento. mos, como se consistissem - por um lado, em um espirito
Ele só pode efetuar-se aos poucos, dando-se um passo de cada independente, e, por outro lado, em um mundo independente de
vez. Mas isto não é uma razão para aceitarmos nominalmente idéias e de fatos.
uma filosofia educacional e adotarmos outra na prática. Será
antes um incentivo para empreendermos o trabalho de reor-
ganização animosamente e nele prosseguirmos com perseverança.

Resumo. - Interesse e disciplina são aspectos corre-


lativos da atividade provida de uni objetivo. Ter uma pessoa
interesse significa que ela se identificou coin os ohjetos que
determinam a atividade e que fornecem os meios e originam
os ol>stácnlos para a sua realização. Toda a atividade com
um objetivo subentende unia distinção entre uina fase incom-
pleta anterior e outra fase que a completa; e, portanto, suben-
tende atos intermediários. T e r um interesse é tomar as coisas
como fazendo parte dessa situação que se desenvolve com con-
tinuidade em vez rle consider5-Ias isoladamente. No lapso
de teinpo que medeia entre um deterininado estado de coisas
incompleto e n desejado estado de coisas conipleto, é necessário
como se escrevèsseiiios na água. Nada existe daquele desen-
volvimento acumulativo que constitui uma experiência em qual-
quer dos sentidos vitais deste trrmo. Por outra parte, acon-
tecem-nos muitas coisas que constituem prazer e dor e que
não associamos a qualquer ato nosso anterior. Elas são mais
CAPITULO 11 ou menos simples acidentes, na proporção em que nos inte-
ressem. Nada existe antes ou depois desta experiência; ne-
Experiência c pensamento nhuma vista retrospectiva nem previsão, e por consequência
nenhuma significação, nenhum sentido. Nada aprendemos
que possamos utilizar para prever o que poderá suceder em
seguida, nem adquirimos nenhuma nova aptidão para nos
1. A natureza d a e~periência.- Si> pode ser coiii- adaptarmos àquilo que vai acontecer - não há aumento do
prerndida a natureza da experiência, observando-se que en- nosso domínio sobre o meio. Só com muita condescendência
cerra enI si um elemento ativo e outro passivo, especialmente pode-se chamar tal coisa uma experiência. "Aprender da
combinados. Em seu aspecto ativo, a experiência é tentativa experiência" é fazer uma associação retrospectiva e prospectiva
- significação que se torna manifesta nos termos experimento, entre aquilo que fazemos às coisas e aquilo que em conseqüência
czperimentayáo que lhe são associados. N o aspecto passivo, essas coisas nos fazem gozar ou sofrer. E m tais condições a
ela é sofrimento, passar por alguma coisa. Quando experimen- ação torna-se uma tentativa; experimenta-se o mundo para se
tamos alguma coisa, agimos sobre ela, fazemos alguma coisa saber como ele é; o que se sofrer eni consequência torna-se
com ela; em seguida sofremos ou sentimos as conseqüências. instruçáo - isto é, a descoberta das relações entre as coisas.
Fazemos alguma coisa ao objeto da experiência, e em seguida
Disto decorrem duas conclusões importantes para a edu-
ele nos faz em troca alguma coisa: essa é a combinação espe-
cação. 1) A experiência 6 , prinIarianlente, uma ação ativo-
cífica, de que falamos. A conexão dessas duas fases da expe- passiva; não é, primarianiente, cognitiva. Mas 2 ) a medida
riência mede o fruto ou o valor da mesma. A simples atividade
do valor de zmta ezperiência. reside na percepção das relaçües
náo constitui experiência. É dispersiva, centrífuga, dissipadora.
ou continuidades a que nos conduz. Ela inclui a cogiiiqáo na
A experiência na siia qualidade de tentativa subentende mu-
proporcão em que seja cunlulativa ou conduza a alguma coisa
dança, mas a mudança será uma transição sem significação se
tiáo se relacionar conscienten~entecom a onda de retorno das ou tenha significação. 0 s que recebem instrução nas escolas
conseqüêiicias que dela deiluani. Quando uma atividade con- são habitualmente considerados como se adquirissem conheci-
mentos na qualidade de puros espectadores, de espíritos que
tinua pelas conseqüêiicias que dela decorrem a dentro, quando
absorvem os conhecimentos pela energia direta da inteligência.
a mudanqa feita pela aqão se reflete em uma mudança operada
A própria palavra aluno quase chega a significar uma pessoa
ein nós, esse fluxo e refluxo são repassados de significação.
que não está a passar por experiências frutíferas, senão que
Aprendemos alguma coisa. Não existe experiência quando
está a absorver diretamente os conhecimentos. Costumamos
uina criança simplesmente põe o dedo no fogo; será experiên-
separar a coisa que se chama espirito ou consciência, dos
c i ~quando o movimento se associa com a dor que ela sofre,
eni conseqüência daquele ato. De então por diante o fato de órgãos fisicos da atividade. Considera-se o espirito ou a
se 1361 o dedo no fogo significa uma queimadura. Ser qnei- consciência como facnldade puramente intelectual e cognitiva, e
niado será apenas uma sitiiples inodificaçáo física, como o aqueles últimos como fatores físicos instrusos e sem importân-
queimar-se um pedaço de lenha, se não for percebido como cia. Rompe-se a união íntima da atividade com as conseqüên-
cias que nos faz reconhecer o sentido das coisas; temos, em
consequência de uma outra ação.
vez dela, dois fragmentos; de uma parte, a simples ação do
O s impulsos cegos e caprichosos impelem-tios irreflexiva- corpo; e, por outro lado, as significações e sentidos hauridos
mente de uiiia coisa para outra. Enquanto isto acontece, é diretamente pela atividade "espiritual".
Impossível seria expor perfeitamente os maus resultados b ) No entanto, mesmo com referéncia às lições que
que dimanaram desse dualisiiio - espirito e corpo - e, muito têm de ser aprendidas por meio da "mente" ou "espirito" é
menos, exagerá-los. Podem-se, todavia, enumerar alguns dos indispensável usar algumas atividades corporais. Cumpre
seus efeitos mais visíveis. empregar os sentidos - especialmente a vista e o ouvido -
a ) A atividade corporal torna-se em parte uma intrusa. no que dizem o livro, o mapa, o quadro-negro, o professor.
Como se acredita que ela nada tem que ver com a atividade Necessita-se usar os lábios, os órgãos vocais, e as mãos, para
mental, torna-se uma distração, um mal que se deve combater. reproduzir, falando ou escrevendo, o que foi armazenado no
Mas, o aluno tem um corpo e leva-o à escola juntamente com espírito. Consideram-se então os sentidos como espécies de
seu espírito. E o corpo é, por sua natureza, uma fonte de misteriosos condutos por meio dos quais os conhecimentos são
energia; ele tem que fazer alguma coisa. Como, entretanto, veiculados do mundo exterior para o espírito; fala-se deles
essa atividade não está sendo utilizada em coisas significativas, como de portas e avenidas para o conhecimetito. Manter o
ela deve ser contrariada e impedida. Ela faz o aluno esque- olhar preso ao livro e ter os ouvidos abertos para as palavras
cer-se da lição com que seu "espirito" se deve ocupar; é fonte do mestre, é uma fonte misteriosa de milagres intelectuais.
de malefícios. A principal fonte do "problema da disciplina" Mais ainda: ler, escrever e contar - importantes artes escola-
nas escolas é que o professor tem quase sempre de passar a res - exigem adestramento muscular ou motor. De acordo
maior parte do tempo impedindo a atividade corporal que alheia com isso, necessitam-se exercitar os músculos dos olhos, da
o espírito do objeto da lição. Prometem-se prêmios para os mão e dos órgãos vocais como canais para fazereili os conheci-
que ficarem fisicamente mais quietos, para os que guardarem mentos voltarem do espírito, transformando-se em atos exte-
mais silèncio e mais rigida uniformidade de postura e movi- riores. Pois acontece que usar do mesmo modo e repetida-
mentos, e melhor simularem atitudes maquinais de inteligente mente os músculos fixa neles uma automática tendência para
interesse. O problema dos professores é obter dos alunos tal a repetição.
procedimento e punir os desvios que inevitavelmente ocorrem. O resultado patente de tudo isto é o uso maquinal da
A tensão e a fadiga nervosas, para o professor e para atividade corpórea que (a despeito do caráter geralmente
o aluno, são a conseqüência necessária da anormalidade da obstrutor e metediço d o corpo nos atos mentais) tem de ser
situação de estar a atividade corpórea divorciada da atividade
mais ou menos empregado. Com efeito, os sentidos e os mús-
perceptiva. Alternam-se então a indiferença total e explosões culos são usados não como os participantes orgânicos de uma
intermitentes de caprichos. Como o corpo esquecido não en-
contra o derivativo de uma atividade frutífera, desmanda-se, experiência educativa, mas como condutos exteriores de en-
sein saber como nem porque, em turbulência inútil, ou em trada e saída para o espírito. Antes de ir a criança para a
peraltices igualmente sem significação - coisas essas mui escola, ela aprende a usar de suas mãos, de seus olhos e
diversas dos brincos normais das crianqas. As fisicamente ouvidos porque são fatores no processo de fazer-se alguma
ativas tornam-se irrequietas e indisciplinadas; quanto às mais coisa coni sentido, alguma coisa de que resultam novas signi-
acomodadas, a quem chamam de ajuizadas, gastam a energia ficações. O menino que "empina" nm papagaio tem de con-
de que dispõem na tarefa negativa de recalcar seus instintos e servar o olhar fixo neste e de notar as variações da pressão
suas tendéncias ativas, em vez de empregá-las na tarefa posi- do fio em sua mão. Seus sentidos são avenidas para os conhe-
tiva de planejar e de agir construtivamente; não são, assim, cimentos, náo porque os fatos exteriores sejam de certo modo
educadas para a responsabilidade do uso significativo e har- "veiculados" para o cérebro, e sim por serem usados para fazer
monioso das aptidões corpóreas, e sim no dever imposto de alguma coisa com determiltado objetivo. As qualidades das
não Ihes dar livre expansão. Pode-se asseverar firmemente coisas vistas e sentidas têm alcance sobre o que está fazendo e
que uma das causas principais dos notáveis frutos da educação são, por isso mesmo, vivamente percebidas; possuem uma signi-
grega é que nunca esta se deixou desviar por falsas noções ficação, possuem sentido. Mas quando se fazem os discípulos
para uma separaqão impossível entre o espirito e o corpo. utilizar-se da vista para observar as formas das palavras,
independentemente de sua significação, com o fim de reprodu- com alguma outra coisa - com o seu destinc, que faz dela
zi-las escrevendo ou lendo, o adestramento resultante desse ato uma cadeira e não uma niesa - ou com a diferença entre a
é simplesmente o de órgãos dos sentidos ou de músculos iso- espécie de cadeira a que estamos acostumados, ou com a
c, ,
lados. É a circiinstância de isolar-se assim um ato de seu epoca" que ela representa, e assim por diante. Não reco-
objetivo que torna o referido ato maquinal. O s professores nhecemos um carro depois de juntarmos todas as suas partes;
costumam insistir com os alunos para lerem com expressão, a é a relação característica entre essas partes que faz que ele seja
fim de porem em relevo o sentido de que lêem. Mas se desde um carro. E essas relações não são as de meras justaposições
o começo aprenderam a técnica sensório-motora da leitura - físicas; elas subentendem a associação com os animais que o
a aptidão de reconliecer as formas das palavras e reproduzir os puxam, com as coisasnele transportadas, e assim por diante.
sons que elas ~~~~~~~~~~~~~'- por meio de métodos que não Emprega-se o ato de julgar na própria percepçáo; de outro
chamavam a atenção para a significação, estabeleceu-se um modo, a percepção seria simples excitação sensorial, ou então
hábito maquinal que torna em seguida difícil ler compreen- reconhecimento do resultado de um juizo anterior, como no
dendo-se o sentido daquilo que se lê. O s órgãos vocais foram caso de objetos fiimiliares.
exercitados para desempenharem sua função automaticamente As palavras, fichas das idéias, são, entretanto, facilmente
e isolados, e não podemos, por isso, associar, a essa função, tomadas pelas idéias. E exatamente na proporção em que a
quando o quisermos, a significação das frases. Q desenho, atividade mental se separa de um interesse ativo pelo mundo,
o canto e a escrita podem ser ensinados pelo mesmo processo em que se separa. do ato de se fazer alguma coisa e de se
mecânico ; pois, repetimos, é mecânico todo o processo de ensino relacionar essa coisa com aquilo que se está sentindo, as pala-
que restringe a atividade corpórea ao ponto de chegar-se à vras, os símbolos tomam o lugar das idéias. A substituição é
separação do corpo e do espirito - isto é, da percepçáo do tanto inais sutil quanto subsiste algum sentido, alguma signifi-
sentido do que se esti fazendo. Do mesmo mal sofrem as cação. Mas habituamo-nos facilmente a contentar-nos com
matemáticas até em seiis mais altos ramos, quando se insiste um mínimo de sentido e a deixar de notar quão restrita é nossa
indevidamente na técnica do cálculo, e também as ciências. percepção das relações que dão às coisas as suas verdadeiras
quando os exercícios de laboratório são ministrados pelo mérito
significações. Acostumamo-nos tão completamente a uma es-
que têm em si mesmos. pécie de pseudo-idéia, de meia percepção, que não temos acordo
c) Quanto ao aspecto intelectual, a separaçáo do "espi- de quanto é semimorta nossa atividade mental e quanto mais
rito", do trato direto com as coisas, dá exagerada importância penetrantes e extensas seriam.nossas observações e idéias, se as
às coisas, em detrimento de suas r c l a ~ ó e sou associações. É formássemos em meio às condições de uma experiência vivi-
muito comum separarem-se dos juizos as p e r c e ~ õ e s e até ficante que requeresse, de nossa parte, o esforço de pensar e
mesmo as idéias. Pensa-se que aqueles venham depois das o uso do raciocínio: fazendo-nos procurar as conexões das
últimas, com o fim de compará-las. Alega-se que o espírito coisas cpm que nos ocupamos.
percebe as coisas independentemente de suas relações - e
Não há divergências de opinião quanto à parte teórica
que concebe idéias dessas coisas, sem atender às suas asso-
ciaç6es - ao que as anteceda ou suceda. Apela-se em se- desta matéria. Todas as autoridades estão de acordo sobre
guida para o ato de julgar ou de raciocinar, para combinar o ponto de que discernirem-se as relações é a parte genuina-
os elementos destacados do "conhecimento", de modo que se mente intelectual - e, portanto, genuinamente educativa. O
patenteie sua sem~lliançaou associação casual. O fato é, en- erro provém de acreditar-se Cue se possam perceber as rela-
tretanto, que toda a percepção e toda a idéia nada mais é do ções sem a experiência - sem a combinação do tentar e do
que o senso do alcance, do uso e da causa de alguma coisa. sofrer as conseqüências a que já nos referimos. Presume-se
Nós não conhecemos uma cadeira ou temos dela uma idéia que para o "espirito" apreendê-las basta-lhe prestar atenção e
catalogando e enumerando seus vários e isolados característi- que se pode prestar essa atençáo à vontade, independentemente
cos. e sim. iiriicamente, pondo esses característicos em conexáo da situação. Daí a infinidade de meias observações, de idéias
verbais e de "conhecimentos" inassimilados que assolam o é esperado. Mas se soulier~iios iniiiudenciosaniente do que
mundo. Uma onça de experiência vale mais que uma tonelada depende o resultado, podereinos verificar se existein as cir-
de teorias simplesmente porque é só pela experiência que qual- cunstâncias requeridas. Este iiiétodo amplia nosso domínio
quer teoria tem importância vital e verificável. Uma expe- sobre as coisas; pois, se faltar alguma das condiçóes, poderemos,
riência, uma humílima experiência, é capaz de originar ou de desde que saibainos quais são os iiecessários antecedentes de iim
conduzir qualquer quantidade de teoria (ou conteúdo inte- I efeito, tratar de suprir-lhe a falta; seiiielliantemeiite, se 3s
lectual), mas uma teoria, à parte da experiência, não pode nem condições foreiu tais que produzam indesejáveis efeitos, pode-
mesmo ser definidamente apreendida como teoria. Ela tende remos elimiiiar algumas das causas supérflnas e com isso poupar
a converter-se em meras fórmulas verbais, numa série de "dei- esforços.
xas" utilizadas para tornar desnecessários e impossíveis o ato Na descoberta minuciosa das relasóes entre os nossos atos
de pensar ou a elaboração de verdadeiras teorias. Devido a e o que acontece em conseqüência deles, siirge o elemento
nossa educação, empregamos palavras, pensando que elas são intelectual que não se manifestara nas experiências de tentativa
idéias para expor as questões, acarretando essas exposições um e erro. A medida que se manifesta esse eleinento aumenta
tal obscurecimento da percepção, que nos impede de ver a
proporcionalnietite o valor da experiência. Com isto muda-se
dificuldade mais a fundo.
a qualidade desta; e a mudança é tão significativa, que pode-
2. . A reflexão n a experiência. - O pensamento ou
remos chamar reflexiva esta espécie de experiência - isto é,
reflexiva por excelência. O cultivo deliberado deste elemento
a reflexão, conforiue virtualmente (se não expressamente) intelectual torna o ato de pensar uma experiência característica.
já vimos, é o discernimetito da relação entre aquilo que tentamos
fazer e o que sucede em conseqüência. Sem algum elemento
Por outras palavras' - pensar é o esforqo intencional para
descobrir as relo~õesespecificas entre uma coisa que fazemos
intelectual não é possível nenhuma experiência significativa. e a consequência que resulta, de modo a haver continuidade
Mas podemos diferençar duas espécies de experiências con- entre ambas. Desaparece seu isolamento, e, por conseguinte,
forme a proporção de reflexão que elas contenham. sua justaposição puramente arbitrária: e toma seu lugar uma
Todas as nossas experiências passarii pela fase do "cortar situação unificada a desenvolver-se. Compreende-se agora a
para experimentar", que os psicólogos denominam o método de ocorrência; esta ficou èxplicada; e achamos razoável, como
"experiência e erro". Limitamo-nos a fazer alguma coisa, costumamos dizer, que as coisas aconteçam de tal modo.
e, se esta se malogra, fazemos alguma outra coisa, diversa e
coiitinuamos a tentar até atingir algo operante, e, então, pas- Pensar equivale, assiiii, a patentear, a tornar explícito o
samos a adotar essa "solução" em nossl conduta posterior. elemento inteligível de nossa experiência. Tornar possível o
Algumas experiências contêm em si pouquissima coisa mais proceder-se tendo um fim em vista. É a condiqão para po-
além desse método de tentativas de erro ou acerto. Vemos dermos ter objetivos. Logo que um infante, para dar um
qu.e se associam certo modo de proceder e certa consequência, exemplo, começa a esperar, começa a considerar alguma coisa
mas ignoramos como se associa+%. Escapam-nos as particnla- atual como sinal de alguma coisa que se vai seguir, está, embora
I de modo muito simples, a formar juizos. Pois toma uma coisa
ridades da conexão; faltam elos na corrente. Nosso discerni- I
mento foi muito grosseiro. E m outros casos, porém, levamos como prova de uma outra, reconhecendo, assim, uma relação
mais longe a observação. Analisamos para ver com justeza o entre ambas. Qualquer futuro desenvolvimento, por mais apu-
que existe entre as duas coisas, de modo a ligar a causa ao ! rado que seja, será apenas um prolongamento e um aperfeiçoa-
efeito, a atividade e a consequência. Esta extensão de nossa mento daquela simples inferência. Tudo o que o homem mais
1
compreensão das coisas toma a previsão mais conipleta e com- sábio pode fazer é observar o que está ocorrendo com mais
preensiva. A ação que repousa unicamente no método de amplitude e niinudência, e eiii seguida selecionar com mais
tentativas e erros fica à mercê das circunstâncias; podem estas cuidado, daquilo, que notou, precisainente aqueles fatores que
mudar, de forma que o ato praticado não atue do modo que indica111 algriiiia coisn a acontecer. >!ais unia vez diremos qut-
o oposto de unia aç" reflexiva é a rotitia e o procediiiiento está naquilo que era o futuro para o ?~tcncionadofrito, embora
caprichoso. A primeira admite aquilo que é de hábito su- já não o fosse para o historiador. Considerá-lo eni si niesino
ceder como a medida completa das possibilidades e esquece como uma coisa completa, será apreciá-lo irreflexivamente.
de tomar em conta as relações das coisas determinadas que se
estão fazendo. O Último dá valor a um ato momentâneo, A reflexão subentende também interesse pelo desenlace
desprezando as associações de nossa atividade pessoal com as - tima certa identificação simpática de nosso próprio des-
energias do ambiente. Quem assim procede é como se dissesse : tino, pelo menos imaginativamente, com o resultado do curso
"Devo fazer as coisas como neste momento o quero", ao passo dos acontecimentos. Para o general, em plena guerra, para
que a rotina diz de fato: "Deixemos que as coisas continuem uiii simples soldado, ou para uiii cidadão de um dos paises
a ser como as encontramos". Ambos recusam-se a reconhecer beligerantes, o estimulo para pensar é direto e urgente. Para
sua responsabilidade pelas futuras consequências oriundas da os neutros é indireto e depende da i~iiaginação. Mas o fla-
ação atual. A reflexão é a aceitação dessa responsabilidade. grante pendor para o partidarismo, da natureza humana, é
prova da tendência a identificar-nos com um possível curso de
O ponto de partida de todo o processo de pensar, de acontecimentos, e repelir outro, como se nos fosse estranho.
todo pensamento, é alguma coisa em marcha, alguma coisa Se não podemos tomar partido em plena afã0 e arremessar
que, do 1i:odo em que está, é incompleta ou não realizada. nosso pequeno peso para contribuir a determinar o resultadc
Seu ponto principal, sua significação, reside literalmente naquilo final, toniaino-10 sentimental e imaginariamente. Desejamos
que vai suceder, e em como vai suceder. Enquanto isto está este ou aquele desfecho. Unia pessoa a queiii seja totalmente
sendo escrito ( l ) , . o mundo está cheio do fragor de exércitos indiferente o resultado não aco~iipanhaos acontecimentos nem
em luta. Para quem participa ativaiiiente da guerra, é claro pensa absolutamente a respeito. Desta dependência em que
que o importante é o desenlance, são as futuras consequências se acha o ato de pensar de uni senso de participação nas con-
disto ou daquilo que está a acontecer. Ele identifica-se, pelo seqüências, deriva uiii dos principais paradoxos do pensamento.
menos nessa ocasião, com o desenlace; seu destino depende Gerado na parcialidade para que possa realizar o seu trabalho,
do curso que as coisas estão tomando. Mas até para uiii ele deve conseguir uma certa i~iiparcialidade indiferente. Co-
observador em um país neutro, a significação de todos os iiieterá seguramente erros em seus cálculos o general que per-
movimentos feitos, d e um avanço aqui e de uma retirada ali, mitir que suas esperanças e desejos influam em suas obser-
está naquilo que os mesmos prognosticam. Pensar sobre as vaçóes e interpretaçóes das situações existentes. Se as espe-
notícias que nos chegam é tentar ver o resultado provável o u ranças e os temores forem o principal motivo para um obser-
possivel sugerido por elas. Converter nossas cabeças em livros vador, e1 num país neutro, icompanhar reflexivameiite os su-
de pregar recortes de jornais, enchendo-as com estas e aquelas cessos da guerra, também suas reflexões serão ineficazes na
informações, considerando-as coiiio coisas completas por si proporção em que suas preferências modificareiii a matéria
iiiesmas, não é pensar. B transformar-nos em máquinas. re- de suas observaçóes e raciocínios. Não há, contudo, inconi-
gistradoras. Pensar é considerar o influxo da ocorrência sobre patibilidade alguma entre a circunstância de que a reflexão se
o que pode suceder, mas ainda não sucedeu. Não será dife- manifesta com a participação pessoal naquilo que está ocorrendo
rente a natureza reflexiva da experiência se substituirmos a e a circunstância de que o valor da reflexão depende de con-
distância no espaço pela distância n o tempo. Imaginemos que servar-se a pessoa alheia â mesma situação. A quase insupe-
a guerra já tenha terminado e que um futuro historiador a rável dificuldade de conseguir-se esta imparcialidade é prova
esteja a referir. O s episódios, pela nossa hipótese, são já de que a reflexão se origina em situaçóes em que o ato de
passados. Mas ele não pode fazer uma narração compreen- pensar é parte 'no curso dos acoiitecinientos e se destina a
sível da guerra, se não respeitar a szquência dos aconteci- influir no resultado destes. SS aos poucos, e com o crescer
~iientosno teiiipo; a significaçáo de cada fato a que se refere do tempo de visão, 'por meio do desenvolvimento das simpatias
sociais, o ato de pensar se expariíie até incliiir o que se acha
1) Este livro foi escrito em 1916 ( N . do E.).
Tentaitios trilhar esses caminhos e ou chegamos ao cabo de
aléiii de nossos i~ilcr<~sscs
dirclos: fato este de grande iiionta
um deles, no caso de encontrarntos aquilo que procurávan1os,
para a educação.
Dizer que a reflexão se manifesta em situaçóes incom-
ou a situaçáo se torna mais sombria e coiilusa - e, neste
caso, sahen~osque continuamos na ignorância. Fazer tentati-
pletas que ainda evoluem. é dizer que a mesma reflexão ocorre vas significa experimentar, seguir provisoriamente algum ca-
quando as coisas são incertas, duvidosas ou problemáticas. Só
minho. Considerado em si niesnio. o argumento grego é um
é perfeitamente seguro o que está acabado e completo. Onde
belo fragmento de lógica formal. Mas é tambem verdade que,
há reflexão há incerteza. O objeto do ato de pensar 6 con- enquanto os homens mantiveram nítida separação entre o co-
tribuir para chegar-se a unur conclwão, para planejar-se uma nhecimento e a ignorância, a ciência fez apenas lentos e casuais
possível terminação tomando por base aquilo que é já conhe- progressos. Começou o progresso sistemático das invençóes
cido. Outros fatos relativos ao ato de pensar se prendem, e descobertas quando os homens reconheceram que poderiam
ainda, a este mesmo aspecto. Uma vez que o ato de pensar
utilizar-se da dúvida para fins de pesquisa, fazendo conjeturas
surge em situacão em que existe dúvida, esse ato é um meio
para guiar a ação em exploraçóes-tentativas, cujo desenvol-
de investigar, de inquirir, de perquirir, de observar as coisas.
vimento confirmaria, desmentiria ou modificaria as conjeturas
Adquirir é sempre ato secundário, e sempre serve de instru-
mento para o ato de igtquirir. Este é uma procura, unia pes- guiadoras. Ao passo que os gregos tinham o saber em maior
quisa daquilo que não se acha à mão. Falamos algumas vezes conta que o aprender, a ciência inoderna considera os conhe-
como se a "pesquisa original" fosse prerrogativa particular de cimentos armazenados simples meios para aprender, para
cientistas ou, pelo menos, de estudantes adiantados. Mas todo descobrir.
o ato de pensar é investigação, é pesquisa e pesquisa pessoal, Recorramos ao nosso exemplo. Uni general, coiuandante
original, da pessoa que faz, mesmo que todo o resto do de um exército, não pode basear seiis atos em uma absoluta
mundo já conheça aquilo que ela procura descobrir. certeza, nem na absoluta ignorância. Ele clispóe de certo
Conclui-se, ainda, que todo o ato de pensar encerra em acervo de informaçóes, que presumiremos ser razoavelmente
si um risco. Não se pode garantir antecipadamente a certeza. fidedignas. Ele infere das mesilias certos niovimentos pos-
A penetração no desconhecido é por sua natureza uma aventura; síveis, dando assim significação i nudez dos fatos da si-
não podemos ter antecipada segurança. As conclusóes da re- tuação dada. Sua ilação é mais ou menos duvidosa e hipotética.
flexão, até que os acontecimentos as confirmem, são, por con- Mas o general procede de acordo com ela. Traça um plano
seqüência, mais ou menos tateantes ou hipotéticas. Afirmar de ação. um meio de proceder naquelas circunstáncias. As
dogmaticainente sejam uma perfeita verdade não é coisa que conseqüências que se seguem diretamente a esse seu modo de
se possa fazer antes da sua maiiifestação como um fato. O s proceder, que adotou de preferência a outro, póem em prova e
gregos formularam incisivamente a questão: Como poderemos revelam o valor de seus raciocínios. Aquilo que ele já sabe
saber as cois'as? Pois ou já sabemos o que buscamos saber ou tem atuação e valor para aquilo de que ele está a ter conhe-
então não sabern~os. E m nenhum desses casos é possi- cimento. Mas aplicar-se-á, o que foi exposto, ao caso de
vel saber-se; no primeiro, porque já sabemos; no se- alguém num pais neutro, que a refletir acompanhe do melhor
gundo, porque não sabemos o que estamos a procurar, modo que pode o desenrolar dos acontecimentos? Abstrata-
de modo que, mesmo se por acaso o encontrássemos, não mente, na forma, sim, embora não, naturalmente, no conteúdo.
saberíamos dizer se era aquilo o que buscávamos. O dile- É por si mesmo evidente que suas conjeturas sobre o futuro,
ma não abre margem para o vir a saber, para o aprender; ele orientadas pelos dados atuais, conjeturas por meio das quais
presume o conhecimento completo, ou a completa ignorância. ele tenta dar significação a grande nútnero de dados desco-
No entanto, existe a zona crespuscular da investigação, da nexos, não podem servir de base a iitii mctodo de proceder
reflexão. O dilema grego esqueceu-se da possibilidade de que surta efeito na caiiipaiihn. Esse náo é o seu prolile$iia.
conclusões hipotéticas, de tentatians dc ol>fc?igüodc rrsicltadus. Mas na proporção em que ele esteja ativamente a refletir, não
A s incertezas da situação siigereiii certos caiiiii~liosa seguir.
se liiiiitaiido a acoinpanliar o curso dos sucessos, as inferências te~itativ;~
(le Iiili6tese para lririii-10 iii:iis l~recisoe iiiais cncreiitc,
que tenta tirar surtirão efeito :em um +nodo de proceder ade- harrnoiiizaiido-se c«iii iiiiia k i e iiiaior de circiinstáncias; 5 )
qtfado situação dele. Preverá certos futuros movimentos, tomar coiiio base a 1iil)ótese coiicehida, para o plaiio rlc a ~ á o
e alerta ficará para ver se acontecem ou não. Quanto mais aplicável ao existeiitc estado rle coisas; fazer alguma coisa
ele estiver intelectualmente interessado ou atento tanto mais para produzir o resultado previsto e por esse modo pôr em
ativarnozte estará em expectativa; ele dará passos que, embora prova a hipótese. A extensão e a perfeição dos atos terceiro
não influam na campatilia, modificam de algum modo seus e quarto são que distinguem uma experiência claramente re-
próprios aios subseqüentes. De outro modo, ao dizer mais flexiva de outra no nivel do método de experiencia e erro.
tarde: "Eu não Ilies disse"! essa frase não teria absoluta- Eles tornanr o ato de pensar em uma experiência. Todavia,
mente inteligibilidade; não indicaria nenhuma comprovação ou nunca nos livraremos totalmente das situações de tentativas e
verificação do pensameiito anterior, mas apenas uma coincidên- erros. Nossos pensamentos mais lúcidos e racionalmente mais
cia que produz satisfação emocional - e encerra um grande coerentes têm que ser postos em prova no inundo e, por esse
fator de autodecepções possíveis. iiieio, experimentados. E, como jamais se podeni toma; em
linha de conta todas as relações, aqueles pensamentos nunca
Este caso é comparável ao de uni astrõnoiiio que de deter- poderão prever com perfeita exatidão todas as cousequências
minados dados foi levado a prever (inferir) um futuro eclipse. das coisas. Mes~iioassim, sendo um rqflexiv0 exame das coii-
Por maiores que sejam as probabilidades matemáticas, a infe- dições e a previsão dos resultados, feitos com cuidado, temos
rência é liipotética - é questão de probabilidades (1). A
o direito de diferençar a experiência reflexiva, dos mais gros-
liipótese sobre a data e lugar do eclipse previsto torna-se, uni seiros métorlos de investigar que são os de "experiência e erro".
material para elaboração de uma ação futura. Preparam-se
os aparelhos; é possivel que se faça alguma expedição a algum Resumo. - Determinando o papel da reflexão na expe-
lugar longínquo do globo. E m qualquer caso são dados ativa-
riên.cia, observamos primeiramente que esta subentende uma
inentè alguns passos que mudam, concretamente, algumas con-
dições fásicas. E a não ser com tais passos e a consequente associação do fazer ou experimentar, coin alguma coisa que em
modificaçãio da situação, não se completa o ato de pensar. coiiseqüência a pessoa sofre oii sente. A separação do aspecto
Este fica suspeiiso. O s conhecimentos já adquiridos dirigem a ativo do fazer, do aspecto passivo do sofrer ou sentir, destrói
reflexão e a tornam frutífera. a significação vital de uma experiência. Pensar é o ato cuida-
doso e deliberado de estabelecer relações entre aquilo que se
Isto é o qne se refere aos aspectos gerais de uma expe- faz e as suas eoiiseqüências. Por ele nota-se não soniente que
riência reflexiva. São eles: 1 ) perplexidade, confusão e estas coisas estão relacioiiadas, como também as particulari-
dúvida, devidas ao fato de que a pessoa está envolvida eiii dades da sua associação. Tornam-se patentes, em forma de
uma situação incompleta cujo caráter não ficou plenaiiiente relações, os elos existentes. Aparece o estíinulo do ato de
determinado ainda; 2) unia previsão conjetura1 - uma teii- pensar cluaiido queremos determinar a significação de algurii
tativa de interpretação dos elemetitos dados, atribuindo-lhes ato realizado ou a realizar-se. Pelo pensamento nós preve-
uma tendência para produzir certas conseqüências; 3) um mos as coiisequências. Isto subentende que a situaçáo do
cuidadoso exariie (observa~ão, inspeção, exploração, análise). modo que ela é, quer por si mesma, quer para nós,
de todas as considerações possíveis que definaiii e esclareçam o é incompleta e, por isso, indeterminada. A antevisão de
problema a resolver; 4) a conseqüente elaboração de uma coiisequências significa tima solução proposta ou tenta-
da. Para se aperfeiçoar esta hipótese, devem ser cuida-
I ) R da i~iáxiniaimpurtllicia para a pritica ciclitiiica o poilerelii dosamente analisados as concli~ões existentes e o conteú-
os homeiis, eiii muitos casos, calcular o grau de probabilidades d? do da hipótese adotada - ato que se chama raciocínio.
acerto e de prováveis erros implicados ern uma soluçáo, mas isso não
modifica os aspectos da situa~:ta <]ire <Icçcrevcnios. Torna-os mais
Então a solução sugerida - a idéia ou a teoria - tem que ser
patrrites. posta eni prova, procedendo-sc de acordo coni ela. Se acarretar
i6 Democracia e educaçóo

certas conseqüências, deteriiiinadas iniidanças no niuiiilo, adiiii-


te-se coino valiosa. Se tal não se der, modificanio-Ia e fazemos
novas experiências. O ato de pensar implica todos estes atos
- a consciência de um problema, a observação das condições,
a formação e a elaboração racional de uma conclusão hipotética
e o ato de a por experimentalmente em prova. Ao mesmo
tempo em que o ato de pensar resulta em conhecimento, em O ato de pclzsav e a edf4.cação
última análise o valor do conhecimento subordina-se ao seu
uso no ato de pensar. Pois não vivemos em um mundo fixo
e acabado, e sim, em um mundo que evolui e onde nossa prin-
c i p l tarefa é a visão prospectiva e onde a visão retrospectiva 1. A essência d o método. - Teoricameiite ninguém
- todo o conhecimento como coisl distinta da reflexão é re- duvida da importância de incentivar na escola os bons há-
trospectivo - tem valor na proporcão da solidez, segurança bitos de pensar. Mas, além de não se reconhecer tanto isso
e fecundidade com que garante os nossos negócios com o futuro. na prática quanto em teoria,.mesmo em teoria não se reconhece
suficientemente que tudo o que a éscola pode ou precisa fazer
pelos alunos no que visa à sua mente ou seu esplrito (isto é,
salvo certas habilidades inusctilares especializadas) é desen-
volver a sua capacidade de pensar. A fragmentação da ins-
trução em vários fins separados, como a aqiiisi$ão de certas
habilidades (ler, escrever, desenhar, recitar), a aquisição de
conhecimentos de natureza inforiiiativa (história e geografia)
e o exercicio do ato de pe~isnr,evidencia por si mesma o modo
ineficaz com que se ciitiiprern estas três coisas.
Ato de pensar que não se prenda a aumento de eficiência
na ação e a aprender-se mais coisas sobre nós e sobre o mundo
em que viveiilos, será muito pouco pensamento. E aptidões
obtidas independentemente da reflexão não se associam com
sentido algum dos objetivos para os quais elas próprias têm que
ser utilizadas. Conseqiientemente, deixa um homem à mercê
de seus hábitos rotineiros e da direção autoritária dos outros,
que sabem aquilo que estão fazendo e não são muito escrupu-
losos qiianto aos meios a empregar em suas realizações. E,
ainda, conhecimentos informativos separados da ação reflexiva
são conhecinieiitos mortos, peso esmagador para o espírito.
Como siiiiulam os verdadeiros conhecimentos, segregam o ve-
neno do preconceito, e sáo porleroso obstáculo para o ulterior
desenvolvimento de inteligência. O único caminho direto para
o aperfeicoameiito duradouro dos métodos de ensinar e aprender
consiste em centralizá-los nas condiqões que estimulam, prorno-
vem e póem eni prova a reflexão e o pensamento. Pensar é o
método de se aprender ifztelige~~ternente, de aprender aquilo
qiie iitilizn e recoiripens~ o espírito. Nós falan~os,com bas-
166 Democracia e educaçõo

certas conseqüências, deteriiiiiiadas iniidanças no niiiii(lo, adiiii-


te-se coino valiosa. Se tal não se der, modificanio-Ia e fazemos
novas experiências. O ato de pensar implica todos estes atos
- a consciéncia de um problema, a observação das condições,
a formação e a elaboração racional de uma conclusão hipotética CAPITULO 12
e o ato de a pôr experimentalmente em prova. Ao mesmo
tempo em que o ato de pensar resulta em conhecimento, em O ato de flcnsav e a educação
última análise o valor do conhecimento subordina-se ao seu
uso no ato de pensar. Pois não vivemos em um mundo fixo
e acabado, e sim, em um mundo que evolui e onde nossa prin-
cipal tarefa é a visão prospectiva e onde a visão retrospectiva 1 . A essência d o método. - Teoricameiite ninguém
- todo o conhecimento como coisl distinta da reflexão é re- duvida da importância de incentivar na escola os bons há-
trospectivo - tem valor na proporqão da solidez, segurança bitos de pensar. Mas, além de não se reconhecer tanto isso
e fecundidade com que garante os nossos negócios com o futuro. na prática quanto em teoria,:mesmo em teoria não se reconhece
suficientemente que tudo o que a escola pode ou precisa fazer
pelos alunos no que visa à sua niente ou seu espirito (isto é,
salvo certas habilidades iniisciilares especializadas) é desen-
volver a sua capacidade de pensar. A fragmentação da ins-
trução em vários fins separados, como a aquisição de certas
habilidades (ler, escrever, desrnhar, recitar), a aquisição de
conhecinientos de natureza inforiiiativa (história e geografia)
e o ezercicio do ato de peitsn?, evidencia por si mesma o modo
ineficaz com que se ciinipreni estas três coisas.
Ato de pensar que não se prenda a aumento de eficiência
na ayão e a aprender-se inris coisas sobre nós e sobre o mundo
em que viveiiios, será niuito pouco pensamento. E aptidões
obtidas independentemente da reflexão não se associam com
sentido alguin dos objetivos para os quais elas próprias têm que
ser utilizadas. Conseqiienteineiite, deixa um homem à mercê
de seus hábitos rotineiros e da direçáo autoritária dos outros,
que sabem aquilo que estão fazendo e não são muito escrupu-
losos qiiaiito aos meios a empregar em suas realizações. E,
ainda, conhecinientos iiiformativos separados da açáo reflexiva
são conliecimeiitos mortos, peso esmagador para o espírito.
Como siiliulam os verdadeiros conliecimentos, segregaiii o ve-
neno do preconceito, e s5o porleroso obstáculo para o ulterior
desenvolvimento de inteligência. O único caminho direto para
o aperfeiçoamento duradouro dos métodos de ensinar e aprender
consiste em centralizá-los nas condiqóes que estimulam, promo-
veni e põem em prova a reflexão e o pensamento. Peiisar é o
método de se aprender intelige$~ternente,de aprender aquilo
qiie iitilizn e recoinprns-i o espírito. Nós falamos, com bas-
taiite l~rolxiccl:ide, c111 iii&todos dc pensar, :lias o iiiiportaiite a víduo deve e r i i ~ i e t a r ,iius jogos ou iio trabalho, fazer
teriiios eiii iiieiite, a este respeito, E que o ato de pensar é por alguma coisa coin determinado iii~terial,dando realização aos
si inesiiio n i ~ iiiiétoclo, O ~nétod«da exl>eriêiici:i iiiteliçeiite eiii iinpulsos da sua própria atividade, e oliservar então a interação
seu curso. da sua energia coin a do material empregado. í3 isto o que
sucede quando priiiieiro uma criança começa a fazer construções
I -, O estágio inicial do ato de pensar é experiência. coin blocos e é igualmente o que acontece quando um cientista
Esta observação pode figurar-se sovado lugar-coniiim. Deveria em seu laboratório principia a fazer experiências com objetos
ser; mas infelizmente não é. Pelo contrário, o ato de pensar não familiares.
é com freqüência considerado na teoria filosófica e-na prática Por isso, se tiverinos eiii vista despertar 'a inteligência
educativa como alguma coisa independente da experiência e e o pensamento e, não, meras aquisições de palavras, a pri-
capaz de ser cultivado isoladamente. É bem verdade que as meira apresentação de qualquer matéria na escola deve ser o
limitações inerentes à experiência são muitas vezes indicadas menos acadêmica o11 escolástica possível. Para compreender
com encarecimento, como o terreno próprio para o exercício do o que significa uma experiência o11 nina situação empirica, o
pensamento. Mas, considera-se neste caso a experiência conio espírito precisa evocar a espécie de situação que se apresenta
se limitando aos sentidos e apetites, ao simples mundo material, naturalmente fora da escola - as espécies de ocupações que
ao passo que o que se entende por pensamento deriva de uiiia na vida comum provocam o interesse, pondo em jogo a ati-
faculdade mais elevada (a razão) e ocupa-se com coisas cspiri- vidade. E uni exame honesto dos niétodos que dão sempre
tuais ou pelo menos literárias; -Deste modo faz-se a miúdo resultados na educação formal, quer ein aritmética, quer para
nitida distinção entre as matemáticas puras como matérias par- se aprender a ler, ou para se estudar geografia, ou física, ou
ticularmente próprias para o exercício do pensamento (uma vez unia língua estrangeira, revelará que a sua eficácia depende da
que ela nada tem que ver com as existências materiais ou físi- circunstincia de. reproduzirem de certo modo o tipo das si-
cas) e as matemáticas aplicadas, que tem valor utilitário.mas tuações que, fora da escola, na vida ordinária, provocam a
não intelectual. reflexão. Todos esses métodos dão aos aliiiios alguma coisa
De uin modo geral, o erro fuiidaiiien'tal nos métodos para fazer e não alguma coisa para aprender; e o ato de fazer
educativos está em supor-se que se pode presumir experiência é de tal natureza que exige a reflexão ou a observação inten-
da parte dos discipulos. Aquilo por que insistin~os, aqui, é cional das relações; dai, naturalmente, resulta aprendizagem.
que é indispensável uma situação etnpirica atual para a fase Para que a situação suscite reflexão ou pensamento é
inicial do ato de pensar. E experiéncia tem o sentido com que indispensável que seja de tal natureza que provoque fazer-se
já foi definida: tentarmos fazer alguma coisa, e essa coisa qualquer coisa que não seja nem rotineira nem caprichosa;
fazer-nos perceptivelmeiite outra em retorno. O erro coii- por outras palavras, alguma coisa que seja nova ( e por essa
siste eni supor-se que possamos começar com matérias ou dis- razão incerta ou problemática), mas, ainda assim, snficiente-
ciplinas, completas por si mesmas, sejam aritmética, geografia, 111ente relacionada aos hábitos já existentes para que possi
ou qualquer outra, independentemente de alguma experiência ser encaniinhada eficazmente nos seus desenvolvimentos poste-
pessoal direta, em determinada situação. Até os jardins de riores. Esse encan~inhan~ento eficaz é aquele que realiza um
infância e as técnicas Montessori se mostram tão ansiosos de resultado perceptivel e que se distingue de atividade puramente
chegar a objetivos intelectuais "para não perder tempo" qiie casual, cujas consequèncias não se possam mentalmente rela-
tendem a oniitir ou a reduzir o manejo direto do material bruto cionar com aquilo que se faz. Por conseguinte a questão mais
da experi6ticia CO~IIUIII,e a adotar imediatamente, para os ali12 importante que possa ser proposta a respeito de qualquer
nos, materiais que exprimem as distinções intelectuais organi- situação ou experiência que tenham o fim de fazer-nos aprender
zadas pelos adultos. Ora, os primeiros contactos coni qualquer alguma coisa, é a qualidade do problema implicado nelas.
material novo, seja qual f o r a época da vida, deverão ser ine- A primeira vista, poderia paiecer que os métodos esco-
vitn.:elnirnte <Ia espérie (le "experiêticia e erro". U m indi- lares coiuuns est5o perfeitaiiiente de acordo com o niodelo
O nto dc pelisnr e a cdtrcaãão 171

aqui estabelecido. Dar problemas, fortiiular questões, marcar assiiiitos das li~ões. A reflexão sobre este frisante contraste
tarefas, aumentar progressivamente as dificuldades constituem projetará luz na questão, fazendo-nos ver ou20 longe estão
grande parte dos trabalhos escolares. Mas é indispensável dis- as usuais condiçóes escolares de fornecer uin acervo de expe-
tinguir entre verdadeiros problemas e problemas simulados ou riências em que os problemas surjaiii naturalmente, por si
ridiculos. As seguintes perguntas podem auxiliar a fazer essa mesmos. Nenhuma melhoria da técnica pessoal do professor
distinção. a ) Será outra coisa que viio apenas um problesla? remediará totalmente este estado de coisas. Para se preencher
A questão apresentou-se naturalmente por si mesma, em alguma essa lacuna é necessário mais material aplicável, mais "estofo",
situação da experiência pessoal? O u é coisa remota da expe- mais instrumentos e aparelhos e mais oportunidades para se
riência, um problema cujo Único fim é instruir sobre algum fazerem coisas. E quando as crianças estão interessadas em
ponto do programa escolar? É da espécie das tentativas que fazer coisas e discutein a respeito daquilo que surge no curso
despertam a observa$ão e provocam a experimentação fora da desse fazer, verifica-se, mesmo com métodos educativos rela-
escola? b ) É um problema do próprio aluno, ou é do pro- tivamente sem valor, que suas perguntas e investigações são
fessor ou do compèndio, tendo sido formulado para o aluno espontâneas e numerosas, e as solu~õeSpropostas, variadas e
unicamente porque ele não poderá conseguir uma necessária engenhosas.
nota, ou ser promovido, ou merecer a aprovaqão do pro- Devido à ausência de materiais e ocupações que gerem
fessor caso náo resolva o mesmo? É claro que essas duas problemas reais, os problemas do aluno não sáo seus; ou
questões se equivalem. São dois meios de chegar ao mesmo antes, são seus zrnicalnente em sua qtlalidade de alulzos, mas
ponto. - É a experiência uma coisa pessoal, de natureza pró- não em sua qualidade de seres humanos. Dai unia lamen-
pria a estimular e a dirigir a observação das relações existentes, tável decepção quando se procura aplicar fora do âmbito da
e a conduzir a uma conclusão e à prova da mesma? O u é escola os conhecimentos adquiridos por essi forma. O dis-
imposta exteriormente e o problema d o aluno o de simples- cípulo tem um problema, é certo, liias é o de satisfazer certas
mente satisfazer a exigência de caráter exterior e compulsório? exigências determinadas pelo professor; seu problema é o de
descobrir aquilo que o professor quer, de conseguir contentar a
Estas questões nos farão hesitar para decidir em que este no dar a lição, nos exames e P ~ O seu comportamento, em
extensão a atual prática do ensino é apta a desenvolver hábitos geral. Náo são diretas, por conseguinte, as relações com a
reflexivos. O aparelhaniento material e o aspecto de uma matéria estudadi. Não se eticontram ensejos nem material
sala de aulas comum são adversos à existência das situaçóes para a reflexão na aritmética, ria história ou na geografii em
reais da experiência. Que existe ai de semelhante as condiçóes si mesmas, e sim ein habilmente adaptar o estudo dessas maté-
da vida quotidiana, que possa ocasionar dificuldades e o desejo rias às exigências do professor. O aluno estuda, mas, sem
e a necessidade de vencê-las? Quase tudo comprova que o disto ter consciència, os objetos de seu estudo são as convenções
que mais se exige é ouvir, ler e reproduzir aquilo que foi dito e modelos do sistema escolar e d i autoridade escolar e não os
e lido. Será difícil exagerar-se o contraste entre tais con- ,c estudos" eiii si mesinos. A reflexão assim provocada é, na
d i ~ ó e se as situações de contacto ativo com as coisas e pessoas, melhor das hipóteses, artificialmente unilateral. Na pior, o
no lar, no campo de jogos ou ao satisfazer as responsabilida- problema do aluno não será o de satisfazer as exigências da
des do curso ordinário da vida. Muito do que se passa na vida escolar e sim o de aparentar sltisfazê-Ias - ou o de
escola nem mesmo se pode comparar em importância com as avizinhar-se de sua satisfa~ãoo suficiente para deslizar sobre
perguntas que surgem no espírito de um menino ou de uma as mesmas sem muito forte atrito. A espécie de senso criada
menina conversando com outros meninos ou meninas ou lendo por estes expedientes não é um desejável elemento para a
livros fora da escola. Ninguém ainda explicou porque as forinação do caráter. Se esta exposição dá em cores excessi-
crianças fazem tantas perguntas fora da escola (o que até vamente vivas um quadro dos'habituais métodos de ensino, sirva
aborrece as pessoas adultas, se encorajam um pouco os per- este exagero, pelo menos, para salientar o nosso ponto: a
guntadores) e a coinpleta ausência de curiosidade sobre os necessidade de empreendinientos reais implicando o iiso de
O ofo dl. ~ C I I S I I IC. n ci~ircoyão 173
172 Democracia e cdircacCo
portar consigo um niuseu de todas as coisas cujas propriedades
inaterial para a realizayáo (Ic dados iiii,, sc é que (lebcjaiiiua
ter, nas escolas, situações tais qlie gere111 1101-ll1aiiiielite prri- auxiliem o ato da reflexão. Uma iiiteligência ~ i g o r o s ae bem
treinada é a que possui, por assim dizer, uni grande lastro
blemas ocasionadores de reflexão e de pensamento investigador. de recursos, e que está habituada a recorrer a essa experiência
I1 - Depois dessa verificação d a necessidade de uma passada, para ver o que a mesma pode fornecer-lhe. Mas, de
situaçSo real de experiência, em que se revele, naturalmente, outro lado, pode-se ter deixado de ver uma qualidade ou re-
iiin problema, a segunda necessidade que vamos estudar é a lação até mesmo de uni objeto familiar, e ser exatamente essa
de dados para suprir as considerações indispensáveis à análise coisa que teria utilidade pxra resolver a questão ocorrente.
e percepqáo da dificul<lade especifica que se apresentou por Neste caso, requer-se a observação direta. O mesnio principio
si niesixa naquela situação de experiência. Mestres que ado- que se aplica à utilização da observaçáo, aplica-se à utilização da
tam, ao que afirmaiii, o método do "desenvolviniento" dizem leitura e coniunicaçáo verbal. A observaçáo direta é natural-
algumas vezes aos alunos que "peiisem", como se eles pudessem iiieiite iiiais viva e vital. Mas também tem as suas limitações
tirar de suas próprias cabeças os elementos para os raciocínios. - e, de qualquer modo, é parte necessária da educação adquirir
Ora, o material para o pensamento não são os pensamentos, e a aptidão de suprir a deficiência das experiências imediatamente
sim as ações, os fatos, os acontecimentos e as relações entre as pessoais com a utilizacão das experiências a!heias. Confiar
coisas. Por outras palavras, para pensar-se produtivamente excessivaiiiente nos dados alheios (obtidos pela leitura ou audi-
devem-se ter tido, ou ter atualmente, experiêiicias que forneçam $20) é, entretanto, prejudicial. Mas, o que : absolutamente
os recursos para se vencerem as dificuldades que se trata de inconveniente é que os outros, o livro ou o professor, forneçam
resolver. Unia dificuldade é indispensável estimulo para a soluções já prontas, eiil vez de proporcionarem material que o
reflexão, mas neiii todas as dificuldades a provocam. Algumas estudante haja de adaptar e aplicar por si inesmo à questão
sobrepujam ao esforço e aliatem e desalentam. .4 situação que a resolver.
g e r i perplexidade deve ser suficientemente parecida ás situa- Não há contradição no afirmar-se que nas escolas há co-
~ õ e sem que já tenham empregado a atividade, de modo que niuiiiente excesso e, ao mesnio tempo, falta de informações
os alunos tenhaiii de certo modo ao seu dispor os meios de se
avirem coiii ela. Grande parte da arte da educação reside em ou coiihecimentos fornecidos por outrem. Toma-se em dema-
siada conta a acun~ulação e aquisição de conhecimentos com
tornar a dificuldade dos novos problemas suficieiiteniente grande < o intuito de sua reprodução n o darem-se as lições, ou nos
para dar trabalho ao espírito, mas suficientemente pequena
exames. "Conhecimento", no sentido de informação, significa
para que, ao lado da confusão natural originada pelos seus
elemei~tosnovos, existam pontos claros e familiares, de que o capital atuador, os indispensáveis recursos para ulteriores
possam brotar sugestões utilizáveis. investigações - para descobrirem-se ou aprendereiii-se mais
coisas. Coni frequência é, porém, considerado um fim em si
Eiii certo sentido, são indiferentes os meios psicológicos mesiiio, e então o firii visado fica sendo amontoá-lo quando
pelos quais é fornecida a matéria para a reflexão. A memó- se for provocado a fazê-lo. Este frio e estático ideal de arma-
ria, a observaçáo. a leitura, a coniuiiicaçáo com outras pessoas, zeiiamento de coiiheciiiientos é hostil ao desenvolvimento edu-
são outros tantos canais de suprimentos de dados. A propor- cativo. Não somente deixa inaproveitadas as ocasiões de re-
v20 relativa a ser ohtida de cada um deles depende do aspecto fletir, como tambéii~ embaraça o raciocínio. Ninguém pode
especial do probleuia particular de que se trata. É tolice edificar uma casa em solo atravancado de várias espécies de
insistir-se na observaçh de ohjetos apresentados aos sentidos, coisas. 0 s alunos que atocharam os seus "espiritos" wm toda
se o estudante estiver tão faiiiiliarizado com eles que possa, a espécie de materiais a que nunca darão emprego intelectual,
independentemente de sua preseiiça, leiiibrar-se de seus caracte- sentir-se-ão com toda a certeza embaraçados quando tentarem
rísticos respectivos. l? possível, c.1~0 se insista sohre isso, refletir. Não adquiriram a prática de selecionar o mais apro-
ocasionar-se iima iiicoiivenieiite e inihidora dependência de priado e nem critério para empregá-lo; tudo se conserva no
apresentaçáo das coisas aos sentidos. Ninguém pode trans-
mesmo nível inerte e estático. Mas, se assim é eiii relação a tificam a originalidade com o extraordinário e o faiitasioso; as
informações e "conhecin~e~ltos"ministrados por si mesmos e outras reconhecem que a mesma consiste em d:ir às coisas ordi-
pelo seu próprio imaginário mérito, é discutivel se os conhe- iririas usos que ainda não haviain ocorrido :I outras pessoas.
cimentos empregados eficazmente em atos para a realização dos É nova a operação, mas não são novos os materiais com que
fins do próprio estudante não teriam necessidade de comple- aquela é feita.
tar-se com mais recursos da natureza de livros, de imagens e A conclnsáo pedagógica a tirar-se disto é que todo o
conversa~ões, do que os habitualmente disponiveis. ato de pensar &.original quando faz surgir cc!nsiderações que
I11 - No ato de pensar, depois de considerarmos a ainda não tinhain sido anteriormente apreenrlidas. A criança
de três anos que descobre o que pode ser feito coin hlocos,
necessida.de de fatos, dados, conhecin~entosjá adquiridos, de-
ou a de seis que sabe qual o resultado de cint:c tostões acres-
vemos examinar os seus correlatos, que são sugestões, inferên-
centados a outros cinco tostões são, verdadeiramente, desco-
cias, interpretações conjeturais, suposições, explicações ten-
tadas: em suma - idéias. A observação cuidadosa e a cuida- bridoras, mesmo que as mais pessoas do ~ n u i i d1150
. ~ ignorasseili
dosa recordação revelam o que já se acha nas coisas, o que já aquilo que elas descobrirani. Houve uiii genuino acrésci11:o de
está presente, e, por isso, os dados. Aqueles atos não podem experiência; uma coisa não se justap0s inaquiiialtnente a outra,
fornecer aquilo que esteja faltando. Definem, esclarecem e e sim houve seu enriqueciinento con1 unia nova qualidade. O
encanto dos observadores inteligentes pelas criancas provéiii da
localizam a questão; não podem proporcionar uma resposta.
Surgem, então, para este fim, os recursos dos planos, da in- percepção desta originalidade intelectual. A alegria, habitual-
venção, da sagacidade. 0 s dados dcspertavn as sugestões, e só mente sentida pelas próprias criinças, é a alzgria da "opero-
sidade" intelectual - da criação, se, sem mal-entencli<los,
em relação com esses dados especiais é que poderenlos apreciar
a propriedade das sugestões. Mas as sugestões, por outro lado, pudermos empregar esta palavra.
se projetam para além dos dados da experiência. Elas prevêeiii A moral educacional que estou, pri~icipaliiieiite, interessaclo
resultados possiveis, coisas a fazer e, náb, fatos (coisas já em retirar do exposto, não é que os professores achariam o
feitas). A inferência é sempre uma invasão no desconhecido, seu trabalho bem menos exaustivo e penoso se as condi~ões
um salto dado daquilo que é conhecido pzra o desconhecido. escolares favorecessenl o estudo n3 sentido de descobertas e
não no de armazenar aquilo que outras pessoas despejaiii
Neste sentido um pensamento (o que uiiia coisa sugere,
no espírito do educando; nem de que seria possível dar até
e não a coisa tal qual se apresenta) 6 criador, é uma incursão
a crianças e adolescentes o prazer da produtividade intelectual
no que é novo. Ele subentende algiima inventividade. Aquilo
pessoal - por mais verdadeiras e importaiites que sejam tais
que é sugerido deve, é verdade, ser-nos familiar sob algzrma
forma: a inovação, o artifício inventiva, voltam-se para a nova coisas. O que desejo sobretudo coiicluir é que nenhum pen-
sainento ou idéia pode ser transferido coliio idfia de unia pessoa
luz com que aquele elemento familiar é visto, para o diferente
uso dado ao mesmo. Quando Newton ideou sua teoria da para outra. Quando uma idéia é dita, ela é para a pessoa a
gravitasão, o aspecto criador de sua idéia não se encontrava quem foi dita um fato e, não, unia idéia. A comuiiicaçáo podc
nos m~teriais,a que se aplicava a mesma teoria. Estes eram servir de estinlulo para a outra pessoa coti~prcriidera qucstão
familiares; muitos deles coisas comuns: o sol, a lua, os planetas, e conceber uma idéia semelhante, ou pode abafar seu interesse
pem, distância, massa, quadrados de números. Estas coisas intelectual e aniquilar seu incipiente esforço para pensar. Mas
não eram idéias origiilais; eram fatos estabelecidos. A origina- aquilo que ela aprende diveta~lze~zienão pode ser uma idéia.
lidade da teoria de Newton estava no enzprego que ele deu a Só refletirá, só obterá idéias lutando, de pritiieira tiião, coni
estas coisas familiares, fazendo que se nssociassein a uni con- as condições do problema, procurando e encontrando seus
texto não familiar. A niestiia coisa dá-se coni todas as notá- prúprios caminhcis. Se o pai ou o professor proporcionou as
veis descobertas científicas, todas as grandes invenções, todas condições que estimulam o pensamento e assumiu atitude iil-
as admiráveis produções artísticas. Só as pessoas tolas iden- teressada para com a atividade de quem aprende, participando
Mas, mesmo nesse casos, os exercícios de aplicacão são algumas
da experiêiicia coniurii oii conjuiita, fez, com isso, tudo o vezes tratados como artifícios para fixar o que já foi aprendido
que unia segunda pessoa pode fazer uma incentivar o apren- e para adquirir-se maior habilidade prática eiii seu emprego.
dizado de outra. O resto é com a pessoa diretamente inte-
Tais resultados são verdadeiros e não deveiii ser desdenhados.
ressada. Se ela própria não puder conseguir a solução do
Mas a aplicação prática do que foi adquirido com o estudo deve,
problema (é claro que não isolada e sim eiil correspondência
com seu professor e outros discípulos) e descobrir seu próprio primeiro que tudo, ter uualidade intelectual, Pensamentos,
caminho, não aprenderá, nem niesino que possa dar resposta simplesmente como pensamentos, são coisas iccompletas. Na
perfeitamente certa. Podemos e fazemos transmitir "idéias" melhor das hipóteses, são tentativas de solução; são sugestões,
preparadas, idéias "feitas", aos inilheiros; mas geralmente não indicações. São pontos de vista e métodos para alguém lidar
nos dainos muito trabalho para fazer com qce a pessoa que com as situações práticas. Faltam-lhes precisão e certeza en-
aprende participe de situações significativas onde sua própria quanto não forem aplicados nessas situações. Somente a apli-
cação os põe em prova e somente essa comprovação Ihes con-
atividade origina, reforça e prova idéias - isto E, significações
ou relações percebidas. Isto não quer dizer qiie o doceiite fere pleno significado e o sentido de sua realidade. Se, assim,
não os utilizamos, tendem a segregar-se eiii um mundo seu
fique de lado, conio sin~ples espectador, pois o oposto de
li todo especial. Pode-se perguntar seriamente se as filosofias
fornecer idéias já feitas e matéria já preparada e de ouvir se
(a que fizemos referência no cap. X, seção 2) que isolam o
o aluno reproduz exatamente o ensinado, não 6 inércia e sim
a parlicipa~áo na atividade. E m tal atividade compartida, o
i' espírito e o colocam acima do mundo e eni contraste com ele,
professor é um aluno e o aluno é, sem o saber. um professor I! não se originaram, exatamente, na circunstância de terem os
pensadores ou teorizadores elaborado grande acervo de idéias
- e, tudo bem considerado, melhor será que, tanto o que dá
como o que recebe a instrução, tenham o menos consciência
possível de seu papel.
j que as condições sociais não Ihes permitiram submeter à prova
da prática. E m conseqüência disso, aqueles homens se voltarani
para seus próprios pens3ineiitos, considerando-os fins em si
IV - As idéias, segundo vinios, quer sejam humildes
,conjeturas on ponderosas teorias, são previsões de soluções
ii mesmos.
possíveis. São previsões de algunia continuidade ou conexão Seja como for, não há dúvida de que uiiia singular arti-
entre uma atividade e uina consequêiicia qiie ainda não se apre- ficialidade se liga a muito do que se aprende nas escolas.
sentou, e são postas em prova quando agiinos com base nelas. Será, talvez, deiiiasiado afirmar que muitos estudantes julgam
Servem para guiar e organizar observações, recordações e couscienten~enteserem coisas irreais as matérias dos estudos;
experimeutrições ulteriores. Constituem elemento interinediá- mas é certo não possuírem estas para eles a mesma espécie de
rio e, náo, final do aprendizado. Como já tivemos ocasiáo de realidade que a matéria de suas experiências vitais. Não
dizer, todos os reformadores educacionais atavam a passividade aprendem a encará-las como sendo desta espécie de realidade;
da educação tradicioiial. Mostram-se contrários ao despejar habituam-se a considerá-las como tendo realidade para o fim
exterior de conhecinientos para os alunos absorvê-los como‘c es- de dar lições e de passar em exames. E admitem, pacifica-
ponjas; malsinam o processo do ensino por meio de exer- mente, que tais conhecimentos sejam inúteis e inertes para os
cícios" das matérias como se essas fossem rijos, resistentes atos da vida quotidiana. Dois são os maus efeitos que resnltaiii.
penedos. Não é fácil, porém, assegurar condições que façam A experiência ordiniria dos estudantes não adquire o enrique-
adquirir idéias do mesmo modo por uma experiência que cimento que poderia ter; não é fecundada pelos estudos esco-
amplia e torna mais intimo nosso contacto com o ambiente. lares. E as atitudes advindas de costumarem-se a isso e de
Acredita-se facilmente que a atividade, e até mesmo a atividade absorver material semicompreendiclo e seniidigerido enfraquecem
espontinea, seja coisa puramente mental, encerrada na cabeqa, o vigor e 2 eficiência mentais.
e que apenas se manifesta por meio dos órg5os vocais. Se insistimos especialiiiente em coiisider~r esses aspectos
A necessidade da aplicaçán das ideias adquiridas com o
iieptivos, foi coiii o fitii de sugerir iiiedidas práticas ade-
estiido é reconhecida por todos os riiétodos dc ensino eficazes.
estudantes ensejo para adquirirem e provarei11 as idéias e os
quadas ao efi,caz deseiivolviniento rla reflexão e dos hábitos conhecimentos em trabalhos ativos reproduzindo importantes
de pensamento. Nos lugares em que as escolas são providas
situações sociais - é, ao mesmo tempo, certo que longo tempo
de laboratórios, oficinas e jardins. e em que se usam livre- decorrerá antes que se apetrechem convenientemente todos
mente dramatizações, brinquedos e jogos, existem oportunifides eles. Mas este estado de coisas não serve de desculpa aos
para se reproduzirem as sitiiações da vida, e para adquirir e professores para cruzarem os braços e pe~istireiuem métodos
aplicar informacóes e idéias na realização de experiências pro- que afastam. isolam e tornam iniiteis os conhecimentos esco-
eressivas. As idéias não ficam segregadas, a formarem uma
ilha isolada. Elas animain e enriquecem o curso da vida co- lares. Cada liçáo de dada matéria fornece ocasião de esta-
mum. O s conhecimentos vitalizam-se com o ser postos em belecer associações estreitas entre o assunto tratado e as mais
ação, com o exercerem a sua fiinção na direção das atividades. amplas e diretas experiências da vida quotidiana. Três são
as espécies de instrução dadas em aulas. a ) A menos dese-
A frase "existem oportunidades" foi propositadamente jável trata cada liçáo como um todo independente. Não dá
usada. Pode ser que não as aproveitem; é possível que em- ao estudante a responsabilidade de descobrir pontos de contacto
preguem a atividade manual e construtora de modo material, entre ela e as outras lições da mesma matéria ou de matérias
apenas como meio de adquirir habilidade corporal; ou podem diversas. b ) O s docentes mais bem avisados fazem que o
ser quase que excl~isivamente usadas para fins "utilitários", estudante seja sistematicamente levado a utilizar-se de suas
isto é, pecuniários. Mas a tendência dos sustentadores da lições anteriores para auxiliar a compreender a liçáo do dia,
educaqzo "cultiiral", para presumir que tais atividades sejam e também a utilizar o presente para deitar mais luz sobre aquilo
de qualidade meramente material ou profissional, é ela própria que já foi aprendido. Os resultados são melhores, embora
um resultado das filosofias que separam o "espírito" da direção
ainda continue o isolamento da matéria escolar. A não ser por
do curso da experiência e, desse modo, da ação sobre as coisas um acaso, deixa-se a experiência extra-escolar ein seu estado
e com as coisas. Quando se considera o "mental" como um rei-
bruto e relativamente irreflexivo. Não fica sujeita ao influxo
no constituido por si só, o mesmo, por contrapeso, acontece com aperfeiçoador e amplificador do material mais apurado e
a atividade e os movimentos corporais. Na melhor das hipó-
compreensivo da instrução direta. Esta última não é moti-
teses consideram-se estes como simples anesos externos ao vada nem impregnada com o senso da realidade, porquanto
espírito. Podem ser necessários para a s~tisfaçãodas necessi-
dades corpóreas e para obter-se decência e confurto exteriores, não se entrelaça com as realidades da vida quotidiana. c ) A
mellior espécie de ensino é a que tem em mente o desejo de
mas não ocupam um lugar necessirio na vida mental, neiii conseguir esta interconexáo. Ela coloca o estudante na atitude
desempenham um papel indispensivel no fiincionamento do habitual de procurar pontos de contacto e influências mútuas.
pensamento. Por isso, náo lhes reservam lugar em unia edii-
caçáo liberal, isto é, em uma educação tendo em vista os inte- Resumo. - Dá-se a unificaçáo do3 proccs>os de ciisitio
resses intelectuais. Se acaso nela têm ingresso, é como coii-
cessáo i s necessidades materiais das massas. Seria intolerável na medida em que estes adotam como idéia central a aquisição
que Ihes permitissem invadir a educaçáo das elites. Esta de bons hábitos de pensar. Se, com propriedade, falamos em
"método de reflexão", o iiiiportante a tomar-se em conta é
conclusão dimana irresistivelmente da concepção do espírito que a reflexáo é o método de uma experiência educativa, a
como coisa independente e isolada, mas com a mesma lógica método de educar. Os pontos essenciais do método coincidem,
desaparece quando percel>emos o que é realmente o espírito portanto, com os pontos essenci3is da reflexáo. Estes são:
- isto é, o fator que orienta com determinado fito o desen- primeiro, que o aluno esteja em uma verdadeira situação de
volvimento da experifncia. experiência - que haja uma atividade contínua a interessá-lo
Se é, indiscutivelmeiite, desejável que todos os institutos por si mesma; segunrlo, que um verdadeiro problema se desen-
educativos sejam aparelhados de modo a proporcionar aos volva nesta situasão como um estimulo para o ato de pensar;
terceiro, que ele possua os conhecimentos informativos ne-
cessários para agir nessa situação e faça as observações ne-
cessárias para o mesmo fiiii; quarto, que lhe ocorram suges-
tões para a solução e que fique a cargo dele o desenvolvê-las
de modo beii~ordenado; quinto, que tenha oportunidades para CAPITULO 13
por em prova suas idéias, aplicando-as, tornando-lhes clara a
significação e descobrindo por si ~ r ó p r i oo valor delas.
A ~zatzwezado nzétodo

1. A unidade da matéria e d o método. - r1 trin-


dade, em assuntos escolares, são as matérias do estudo, os
métodos e a administra~áo. Tratamos dos dois primeiros
nos últimos capítulos anteriores. Resta desprendê-los da si-
tuação em que se achavam contidos e examinar-lhes explicita-
mente a natureza. Coameçaremos com a questão do método,
uma vez que é ele que se liga mais estreitamente às coiisi-
derações do Último capítulo. Antes, yoréin, de debater esse
tema, poderá haver vantagem em chamar a atenção sobre uma
das coisas que nossa teoria subentende: a n ~ ú t u aconexão entre
o método e a matéria do estudo. A idéia de que a mente e o
mundo das coisas e pessoas sáo dois domínios distintos e inde-
pendentes - teoria que filosoficainente se chama do dualisiiio
- obriga à conclusáo de que o método e a i~iatériada instrucão
são coisas separadas. A matéria torna-se ent5.o uma con~pleta
classificação sistematizada dos fatos e princípios sobre o mundo
natural e sobre o homem. O domínio próprio do método seria
a consideração dos meios pelos quais essa matéria possa ser
apresentada ao espirito e gravada no mesmo - ou a conside-
ração dos meios com os quais o espírito possa ser externamente
levado a entrar em contacto com essa matéria, de modo a faci-
litar sua aqiiisição e sua posse.
Pelo menos teoricamente pode-se deduzir de uma ciência
do espírito como coisa existente por si mestiia uma teoria
completa de métodos educativos, sem conhecimento algum das
matérias a que os métodos vão ser aplicados. Como a maioria
dos homens que possuem, atualmente, a mais alta proficiência
em vários ramos das matérias de ensino ignoram absoluta-
mente tais métodos, este estado de coisas abre ensejo para
redargüir-se que a pedagogia, coiiio pretensa ciência de niéto-
dos de ensino, é inútil; é mera máscara para ocultar a neces-
terceiro, que ele possua os conhecimentos informativos ne-
cessários para agir nessa situação e faça as observações ne-
cessárias para o mesmo f i m ; quarto, que lhe ocorram suges-
tões para a solução e que fique a cargo dele o desenvolvê-las
de modo hei11 ordenado; quinto, que tenha oportunidades para CAPITULO 13
por em prova suas idéias, aplicando-as, tornando-lhes clara a
significação e descobrindo por si próprio o valor delas.
A natzweza do nzétodo

1. A unidade da matéria e d o método. - -1 trin-


dade, em assuntos escolares, são as matérias do estudo, os
métodos e a administração. Tratamos dos dois primeiros
nos últimos capítulos anterioras. Resta desprendê-los da si-
tuação em que se achavam contidos e examinar-lhes explicita-
mente a natureza. Co~meçaremos com a questão do método,
uma vez que é ele que se liga mais estreitamente às consi-
derações do Último capítulo. Antes, yoréin, de debater esse
tema, poderá haver vantagem em chamar a atenção sobre unia
das coisas que nossa teoria subentende: a nlútua conexão entre
o método e a matéria do estudo. A idéia de que a mente e o
mundo das coisas e pessoas sáo dois domínios distintos e inde-
pendentes - teoria que filosoficaiiiente se chama do dualisiiio
- obriga à conclusáo de que o método e a matéria da iiistrucáo
são coisas separadas. A matéria torna-se ent5o uma completa
classificação sistematizada dos fatos e princípios sobre o mundo
iiatural e sobre o homem. O domínio próprio do método seria
a eonsidera~ãodos meios pelos quais essa matéria possa ser
apresentada ao espirito e gravada no mesmo - ou a conside-
ração dos meios com os quais o espírito possa ser externamente
levado a entrar em contacto com essa matéria, de modo a faci-
litar sua aqiiisiçáio e sua posse.
Pelo menos teoricamente pode-se deduzir de uma ciência
do espírito como coisa existente por si mesiiia uma teoria
completa de métodos educativos, sem conhecimento algum das
matérias a que os métodos vão ser aplicados. Como a maioria
dos homens que possuem, atualmente, a mais alta proficiência
em vários ramos das matérias de eiisino ignoram absoluta-
mente tais métodos, este estado de coisas abre ensejo para
redargüir-se que a pedagogia, coiiio pretensa ciência de niéto-
dos de ensino, é inútil; é mera máscara para ocultar a neces-
sidade em que se encontra o professor, de uin profiindo e do pianista é orientada para realizar a finalidade d o piano como
aciirado cnnlieciiiieiilo da matéria. a ensiiiar. instrumento musical. O mesmo se dá com o método "peda-
Como, poréiii, o ato de pensar é um moviiiiento dirigido gógico". A única diferença é ser o piano um mecanismo
da niatéria para um resultado ulterior, e como a mente ou o construido de caso pensado para um só objetivo, ao passo
espírito é o aspecto deliberado e intencional desse processo, que o material dos estudos é susceptível de indefinido número
radicaln1en:e falsa é a noção daquela solução de continuidade. de aplicações. Mesmo a este respeito o exemplo tem pro-
O fato de serem organizados os conhecimentos ou o objeto de priedade, se considerarmos a infinita variedade de músicas
unia ciência comprova já terem sido eles submetidos à açáo da que o piano pode fazer ouvir e as variações de técnica reque-
inteligência, isto é, foram metodizados. A zoologia, como um ridas pelos diferentes resultados musicais que se podem obter.
ramo sistemático das ciências, apresenta os fatos brutos e espar- Ein qualquer desses casos o método é unicamente um meio
sos de nosso conhecimento ordinário dos animais, após terem eficaz de empregar algum material com algum determinado fim.
sido sujeitos a cuidadoso exame, e a serem deliberadamente Poderemos generalizar estas considerações revertendo à
completados e arranjados para facilitar associações que auxi- concepção de experiência. A experiência, em sua qualidade
liem a observação, a recordação e ulteriores investigações. E m de percepção da associação entre alguma coisa tentada e alguma
vez de fornecer um ponto de partida para o .estudo, assinala coisa em conseqüência disso sentida ou sofrida, é um pro-
um remate. Método significa esse arranjo da matéria para cesso. Independentemente do esforço para orientar o curso
tornar mais eficaz sua utilização. Nunca é o método alguma tomado pelo processo, não h á distinção entre o objeto e o
coisa exterior ao objeto, à matéria. método da experiência. Existe simplesmente uma atividade
E que dizer sobre o método do porito de vista de um que encerra a. ação do indivíduo e a aqão do meio. U m pia-
indivíduo que está a aplicar-se à matéria do estudo? No- nista perfeitamente senhor de seu instrumento não teria ocasião
vamente afirmaremos que não é alguma coisa externa. e de distinguir entre sua contribuição e a do piano. E m quais-
meramente um tratamento eficaz do material - e eficácia quer atividades bem organizadas e desempenhadas sem emba-
aqui significa um tal tratamento que se reduza ao mínimo raços - a patinação, a conversação, a audição de música, o
a perda de tempo e de energia ao utilizar-se o material (com prazer de contemplar-se uma paisagem - não existe a cons-
determinada meta). Podemos distinguir um modo de proceder ciência da separa~ãodo método da pessoa e do material. Nos
e discuti-lo isoladamente; mas esse modo só existe como um brinquedos a que a pessoa se entrega animadamente e com
modo de trata? o material. Método não é a antítese de ma- prazer, ocorre o mesmo fenômeno.
téria de estudo; é a eficaz orientação da matéria para dese-
jados resultados. É a antítese da ação casual e mal consi- Quando refletimos, entretanto, sobre uma experiência em
vez de a estarmos tendo, distinguimos inevitavelmente a nossa
derada - tomando-se mal considerada no sentido de mal
atitude e os objetos perante os quais mantemos essa atitude.
adaptada. Se um homem está + comer, está comendo alimento. Não
Afirmar-se que método signiti,ca um movimento dirigido se divide seu ato,em comer e alimento. Mas se ele empreender
da matéria de estudo para determinados fins, é coisa abstrata. uma análise científica desse ato, essa discriminação é a pri-
U m exemplo esclarecerá melhor o caso, tornando-o concreto. meira coisa que fará. Observará, por um lado, as propriedades
Todo o artista deve ter um método, uma técnica, para fazer o das substâncias nutritivas e, por outro lado, os atos de apro-
seu trabalho. Tocar piano não é bater ao acaso nas teclas. priar-se delas o organismo e digeri-las. Esta reflexão sobre
É um modo ordenado de se utilizarem estas e essa ordem não a experiência dá origem a uma distinção entre aquilo que
é coisa que já exista pronta nas mãos ou no cérebro do pia- experimentamos (a coisa experimentada) e o ato de experi-
nista, anteriormente a haver uma atividade a aplicar-se ao piano. mentar - o como. Dando nomes a estas coisas diferençadas,
A ordem acha-se na disposição dos atos que utilizam o piano, as a essas distinções mentais teremos a matéria e o método, con-
mãos e o cérebro, para conseguir o resultado em vista. A açáo soante nossas expressões. Haverá a coisa vista, ouvida, amada,
odiada, iiiiagiiiada e o ato de ver, ouvir, amar, odiar, inia- melhor k i t o . Isto é unicamente um modo mais rebuscado de
ginar, etc. dizer que se um homem observar com cuidado o desenvolvi-
Esta distinção é tão natural e tão importante para certos mento de diversas plantas, por exemplo, alguiiias das quais
fins, que temos grande propensão e encará-la como uma se- viçam iiiuito, e outras pouco, o u então nada, será ele capaz
paração real e não como uma distinção mental. Então sepa- de perceber as condi~õesespeciais de que depende o melhor
ramos o eu e o meio ou o mundo. Esta separação constitui a desenvolvimento das plantas. Enumeradas estas condições em
raiz do dualismo do niétodo e do objeto a que ele se aplica. série ordenada, constituem o método ou niodo de seu desen-
Isto é, presumimos que conhecer, sentir, querer, etc., sáo coisas volviinento. Não há diferença entre o desenvolvimento de uma
pertencentes ao eu ou espírito em seu insulamento e que planta e o de uma experiência. E m qualquer desses casos não
podem ser aplicadas a uma matéria, também, por sua vez é fácil reconhecerem-se exatamente os fatores que mais con-
independente. Presumimos igualmente que as coisas isolada- tribuem para esse fim. Mas a observação dos casos de bom
das que pertencem ao eu ou espirito têm suas próprias leis de êxito e de tiialogro e coniparaçóes minuciosas e em grande
atuação independentemente das espécies de energia ativa do extensão, auxiliam-nos a descobrir as cansas. Quando dis-
objeto. Supõe-se que essas leis proporcionam o método. Não poiiios essas causas em ordem, temos uni método para agir ou
seria menos absurdo imaginar-se que os homens podem comer uma técnica.
sem comer alguma coisa e que a estrutura e movirncntos das A consideração de alguns maleficios para a educação
maxilas, os músculos da garganta, a atividade digestiva do derivados do isolamento do niétodo e do material tornará
esthmago, etc., não são o que são, por causa do nzaterial a este ponto mais claro.
que se aplica a sua atividade. Do mesmo modo que os órgãos 1 - E m primeiro lugar há es<~iieciiiiento(de que já
do organismo são um prolongamento do próprio mundo em falamos) das situações concretas da vida prática. Não se
que existem as hatérias que os alimentam, também as faculda- pode descobrir um método sem se estudarem casos. O mé-
des de ver, ouvir, amar, imaginar, se associam intrinsecamente todo deriva da observação daquilo que atualmente acontece,
ao material constituído pelo mundo. Elas, verdadeiramente, tendo-se em mira ver se acontecerá melhor na próxima ocasião.
são mais realmente meios pelos quais o ambiente entra ein Mas em coisas de instrução e disciplina há raramente oportu-
experiência e atua, do que atividades independentes que fa- nidades suficientes para as crianças e os adolescentes terem as
zemos aplicar-se âs coisas. A experiência, em suma, não é experiências diretas e normais das quais possam os educadores
uma combinação do espirito com o mundo, do sujeito com o inferir uma idéia do método ou ordem do seu melhor desen-
objeto, do método com a matéyia, e sim uma única interação volvimento. Verificam-se experiências e111 condições de tal
contínua de grande diversidade de energias' (literalmente inu- constrangimento que pouca ou nenhuma luz projetam sobre o
meráveis). curso normal de uma experiência frutífera. "Métodos" têm
Com o intuito de dirigir o curso ou o sentido tomido então que ser autoritariamente reconiendados aos professores,
pela movediça unidade da experiência, traçamos uma sepa- em vez de serem resultado de suas próprias observações inteli-
ração mental entre o como e o que. Ao mesmo tempo em gentes. E m tais circunstâncias, têm eles mecânica uniformi-
que não existe nzodo de andar ou comer ou estudar, acima e dade, pois a presunção é de serem próprios para todos os es-
abaixo do ato efetivo de andar, comer e estudar, há certos píritos. Ao contrário, sempre que se promovem experiências
elementos nesses atos que dão a chave para sua mais perfeita pessoais e flexíveis, proporcionando-se um meio que provoque
regulação ou controle. Dando-se atenção especial a esses ele- ocupações de trabalho ou de jogos, os métodos empregados
inentos eles se tornam mais perceptíveis (ficando de lado variarão c0111 os indivíduos - pois cada indivíduo tem algo de
pelo momento outros fatores). Adquirindo-se uma idéia do característico no seu modo de fazer as coisas.
como a experiência procede, passamos a saber que fatores de- 2 - E m segundo lugar, a noção de niétodos que são
rem ser assegurados ou modificados com o fim de ter ela isolados das matérias de ensino tem a culpa das falsas con-
186 Dewzocracia e educaçóo A natureza do método 187

cepções, já notadas, sobre a disciplina e o interesse. Quando , 4 - E m quarto lugar, sob a influêiicia I n concepçáo do
o modo eficaz de lidarmos com o material é tratado como espírito separado e isolado da matéria, o método propende a
alguma coisa já pronta independentemente do material, existem reduzir-se a. uma árida rotina, à seqüência mecánica de deter-
precisamente três meios possíveis de estabelecer uma relaqão minados passos prescritos. Mal se pode avaliar em quantas
que se presume faltar. Um deles é ntilizar-se a excitação, a aulas as crianças, em suas lições de aritmética e gramática, são
sensação do prazer, é agradar ao paladar. Outro é tornar forçaiias, çob pretexto de seguir-se um método útil, a acompa-
desagradáveis as conseqüências de não se fazer o que se manda; nhar preordenadas fórmul3s verbais. E m vez de serem enco-
usa-se ameaçar com alguma coisa má, para despertar o interesse rajadas a dar-se diretamente a seus traballios, experimentando
pela matéria estranha. Ou apela-se diretamente para o edu- m é t o d o a u e pareçam promissores, aprendendo B distinguir-llies
cando, a fim de esforçar-se, sem lhe dar um motivo para isto. o valor pelas conseqüências produzidas, adota-se a presunçáo de
Precisa-se contar com o imediato empenho da "força de von- que deva ser seguido um método fixo. Presume-se, também,
, tade''. Na prática, entretanto, este método é eficiente apenas ingenuamente, que, se os discipulos fazem suas exposições e
quando se incute o medo de resultados desagradáveis. explicaçóes em certa fornia "analítica", seus liábitos mentais
3 - E m terceiro lugar, faz-se do ato de aprender iim adotarão, com o tempo, a mesma forma. Nada deu mais
fini direto e consciente por si mesmo. E m condições nor- descrédito à teoria pedagógica do que acreditar-se ser função
mais, aprender é um produto e a recompensa de nosso con- dela fornecer aos professores receitas e modelos que se devam
tato com a matéria da atividade. As crianças 1120 resolvem seguir na prática do ensino. A maleabilidacle e a iniciativa na
conscientemente aprender a andar ou a falar. Apenas obe- s o l ~ i ~ ãdos
o prob!emas s5o característicos de qualquer con-
decem a seus impulsos para se coniunicarem e para maior ple- cepçáo em que o método seja o modo de tratar-se um ma-
nitude de relações com outras pessoas. Elas aprendem em terial para atingir-se uma conclusão. G m rígido mecariicisino
conseqüência de suas atividades diretas. O s m~lhoresmétodos é o inevitável corolário de toda a teoria que estreme o espírito
de ensinar-se uma criança, por exemplo, a ler deveni seguir o ou a mente da atividade motivada por um intento ou propósi:~.
mesmo rumo. Tais métodos não levam as crianças a fixarem
a atencão no fato de que têm de aprender alguma coisa e, por 2. Método geral e método individual. - E m suma,
isso, sua atitude não se torna autoconsciente e constrangida. método de ensino é o método de uma arte, de ação inteligen-
Limitam-se a empregar e conduzir sua atividade e com esse I temente dirigida por objetivos. Mas a prática de nenhuma
emprego aprendem: dá-se o mesmo com os melhores métodos das belas-artes é coisa obtida num improviso ou pela inspira-

I
para aprender contas e quaisquer outras matérias. Mas quando çáo. É essencial o estudo das operações e dos resultados
o material não for utilizado para provocar impulsos e hábitos
daqueles que no pissado foram bem sucedidos. Há sempre
com vistas à obtenção de resultados significativos, então será
uma simples coisa para ser aprendida. A atitude do aluno será unia tradição ou .escolas artísticas de processos tão definidos
precisamente ter de aprend6la. Com dificuldade se encontra- que náo só impressionam os que começam como muita vez os
I
riam condições mais desfavoráveis para reações vivas e con- escravizam. E m todos os ramos da arte, os métodos dos
artistas dependem do seu conliecitnento cabal de materiais e
vergentes para o firn em vista. 0 s ataques de frente são ainda I
mais desastrosos no ensino do que na guerra. Isto, porém, não iitensilios; o pintor deve entender de telas, tintas, pincéis e
significa que se deva ensinar aos estudantes, iludindo-os, de saber a técnica da manipulação de todos os seus implenientos.
modo que náo saibam que estão a aprender :I; lições. Sigrii- I A consecução deste coiiheci~nento requer atenção perseverante
fica, sim, que se devem ocupar com estas tendo em vista razões
'I
e concentrada sobre objetos materiais. O artista observa o
ou fins reais, e não apenas como alguma coisa que deva ser efeito de suas tentativas, para ver aquilo que dá bom ou mau
aprendida. O aluno, aprende quando pprcehe o lugar ocupado resultado. A presunção ?e que não existem outras alternati-
pela matéria do estudo no curso de algum emprego de sua vas além de seguir regras determinadas e confiar nos próprios
atividade. predicados inatos, na inspiração do momento e num "irduo
158 Democracia e educação

trabalhar" sem orientação, é desmentida pelos processos usa- delos preparados, como operam eles? Qual o sentido de cha-
dos e m todas as artes. iiiar-se um método de método iiitelectual (ou náo iiiecini-
Coisas como o conheciinento do passado, da técnica cor- co) ? Tometiios, o caso de um médico, como exei~iplo. Ne-
rente, dos materiais, dos meios de cada qual conseguir os nhuma aiividade, mais do que a sua, exige mais imperiosa-
melhores resultados, fornecem o material daquilo a que po- mente conhecimentos de modalidades estabelecidas de diagnós-
deremos chamar m2todo geral. Existe um cabedal de méto- tico e tratametito. Mas, afinal de contas, os casos são se-
dos acumulados, razoavelmente estáveis para se obterem bons ?izellaantes, e, não, idênticos. Por mais autorizada que seja
resultados, cabedal autorizado pela experiência passada e pela a prática existente, é, todavia, preciso, para ser us-da inte-
análise intelectual, e cuja ignorância pode ser danosa ao indi- ligentemente, que se adapte as exigêiicias dos casos parti-
víduo. Mas, como já foi exposto ao tratar-se da formação clilares. Tendo em vista esta circunstâticia, os processos co-
de hábitos, há sempre o risco de que tais métodos se tornem nhecidos indicam ao médico, que procura formar a própria
mecanizados e rígidos, escravizando a pessoa que os empre- opinião, que coisas deve experimentar. Aqueles processos sáo
ga, em vez de serem recursos disponíveis para ela realizar pontos de vista gerais para se levarem avante as investiga-
ções; eles poupam trabalho no exame dos característicos do
seus próprios fins. Mas também é verdade que todo o ino-
caso particular, sugerindo as coisas a que principalmente se
vador que cria coisas duradouras, cujo trabalho é mais do
deva atender. As atitudes pessoais do médico, seus próprios
que uma sensação passageira, utiliza os métodos clássicos mais
que lhe parece ou do que parece aos seus críticos. Ele dá modos (métodos individuais) de encarar a situação em que
se acha envolvido não são, entretanto, subordinados aos prin-
aos mesmos um novo uso e, na proporção em que o faz, trans- cípios gerais dos processos clássicos, e sim facilitados e ori-
forma-os. entados por eles. Este exemplo poderá servir para mostrar
A educação também tem seus métodos gerais. E se a ao professor o valor do conhecimento dos iiiétodos psicoló-
verdade desta observação é mais patente no caso do profes- gicos e dos artifícios empíricos que foram úteis no passado.
sor do que no do aluno, é igualmente verdade no caso deste Quando eles são reprovados pelo seu senso comum, quando
último. Parte de seu ato de aprender, considerável parte se interpõem entre ele, professor, e a situaç30 em que deve
deste, consiste em senhorear os métodos que a experiencia agir, embaraqando-o, são niais do que inúteis. Mas se o pro-
alheia mostrou serem mais eficientes para se adquirirem co- fessor os adotou como auxiliares intelectuais para descobrir as
nhecimentos (1). Estes métodos não são, de forma algu- necessidades, os recursos e as dificuldades das experiências
ma, hostis i iniciativa e originalidade inclividuais - aos meios particulares com que se acha a braços, são de real valor. E m
pessoais de fazer as coisas. Pelo contrário, vigorizain-nos. último recurso, justamente porque tudo depende de seus pró-
Pois há diferença radical entre o mais geral dos métodos e prios modos de reagir, muita coisa depende da proporção que
um:$ regra prescrita. A última é um guia direto para a ele utiliza, em suas próprias reações, dos conhecinientos que
ação; o primeiro atua indiretamente, por meio dos esclare- acresceram aos seus, provenientes da experiência alheia.
cimentos que supre sobre os fins e os meios. Isto é, atua
por intermédio da inteligência e não por obediência a ordens Como já o sugerimos, todas as palavras desta argumeii-
dêdas do exterior. A habilidade de empregar-se mesmo de taçáo se aplicam também diretamente ao método dos alu-
inodo magistral, uma técnica estabelecida, náo garante que nos, a seu modo de aprender. Supor-se que se possam for-
o trabalho seja artístico, pois este depende ainda de uma necer aos estudantes, quer na escola primária, quer nas iini-
idéia animadora. versidades, modelos de métodos a sereiii seguidos para assi-
Se o coiihecimento dos métodos usados pelos outros não tiiilarem e exporem iim assunto, é sujeitar-se a decepções
iios diz diretxnente o que devanios fazer, neiii rios fornece mo- de lamentáveis conseqüências. E m cada caso o aluno terá
siia própria reaçáo. A indicação de métodos estandardiza-
1) Este ponto será des~:iivolvido niais adiaiitr, t.ni um exame dos dos ou gerais usados em casos análogos pelos outros - par-
métodos psicológicos e lógicos.
190 Democracia c cd~~ccr@o A natureza do método 191

ticularmeiite pelos que já estiverem bem exercitados - será e a coticlusão ou juizo resultantes. O s elementos especifi-
valiosa ou maligna conforme tornem, os métodos, a reação cas de iiin método ou modo individual de se haver com um
pessoal mais inteligente ou induzam o aluno a prescindir do problema encontram-se, em última análise, nas tendências ina-
exercício do próprio raciocinio. tas e nos hábitos e interesses adquiridos. O método de uma
Se o que foi dito precedentemente sobre a originalidade pessoa variará do de outra (é esta variaçEo devida e apro-
do pensamento pareceu excessivo, exigindo mais da educação priada) segundo variam suas instintas qualidades originárias,
do que o permite a capacidade do homem comum, o embaraço sua experiência passada e zuas preferências. Aqueles que já
é estarmos ainda sob o pesadelo de uma superstição. Es- observaram as ditas variedades, possuem conhecimentos que
tabelecenlos erroneamente uma ncção geral de espírito ou auxiliarão os professores a cotilpreender as reaqões diferen-
mente e de processo intelectual que são o mesnlo para todos. tes dos alunos, e a guiar essas reações de modo a conseguir-
E m seguida consideranios os indivíduos como se diferissem se maior eficiência. O estudo da criança, a psicologia e o
pela quantidade de espírito ou mente de que são providos. conhecimento do meio social servem de complemento aos co-
E achamos então que as pessoas comuns têm inteligência co- nhecimentos pessoais adquiridos pelo professor. Mas os 1n6-
mum e que só os homeris extraordinários, os homens-exce- todos continuatn a ser o interesse, o contact:, e o modo de
ção, podem ter originalidade. O que distingue o estudante trabalhar pessoais de um indivíduo em relação â matéria do
ordinário do genial é, desse ponto de vista, 3 falta de origi- estudo e jamais se poderão catalogar todas as suas formas
nalidade do primeiro. Mas esta noção do espírito conside- e matizes.
rado de modo geral é uma ficqão. Não é da alçada do pra- Podem-se, entretanto, niencionar algumas atitudes es-
fessor comparar a quantidade de aptidões de um aluno com senciais dos niodos intelectuais eficientes de se agir sobre
a de outro. Isto não tem importância para 3 sua tarefa. O dado material. Entre os mais iiiipoi-tantes estão retitude
que se requer é que cada indivíduo tenlia oportunidades para (directness), a acessibilidade mental (opcn-l7~illdedl1ess).a
empregar suas próprias faculdades e111 espécies de atividade atividade integrada (single-?nindedness ou ?e~lzolelzeartedness)
dotadas de significação. Espírito, método iiiclividual, origi- e a responsabilidade (responsabilify).
nalidade (são termos reversíveis) significam a qualidod~ da
ação intencional, ou orientada para um fim. Se, como mes- 1 - Retitude. É mais fácil expriiuir coiii termos ne-
tres, procedermos com esta convicç.?~,asseguraremos a mani- gativos, do que com positivos, aquilo que se entende pela ex-
festação de mais originalidade, mesmo sexundo o padrão con- pressão retitude. Seus inimigos perigosos são a afetação
vencional de originalidade, do que a obtida atualiiiente.. Iin- (self-consciozis), o eiubaraço e o constrangimento. Estes in-
por a todos um pretenso método uniforme grral é produzir dicam que a pessoa não se interessou imediata e diretaniente
a mediocridade em todos os alunos, exceto iios verdadeira- pela matéria a que aplica a atividade. Alguma coisa interpbs-
mente excepcionais. E niedir-s? a originalidade pela sua dife- se entre ela e a matéria, desviando o interesse para escapa-
rença do comum' dos alunos é impelir à excentricidade esses mentos laterais. Uma pessoa afetada está em parte pensan-
excepcionais. Desta maneira atrofiamos as qualidades distin- do em seu problema, e, em parte, naquilo que outras pessoas
tivas da maioria e, salvo em raros exemplos (como no de pensam sobre o que ela está fazendo. Energia desviada sig-
Darwin), eivamos os raros gênios com uma qualidade malsã. nifica energia perdida e confusão de idéias. Tomar unia ati-
tude não e, de forma algrima, o mesmo que ter consciência
3 . O s caracteristicos d o método individual. - O s da atitude tomada. O primeiro ato é uma coisa espontãnea,
traços mais gerais do nietodo de adquirir conhecimentos fo- ingênua e simples. É sinal de uma relação intima entre uma
ram mencionados no capitulo sobre o ato de pensar. São pessoa e aquilo que ela está fazendo. O segundo implica em
os caracteristicos da situação reflexiva: o problema, a coleta certa artificialidade, embora não seja em todos os casos anor-
e a análise de dados, o planear e a elaboração de sugestões mal. Certas vezes, é o meio mais fácil de corrigir um falso
ou idéias, a aplicacão experiiilental e o ato de p6r eiii prova, modo de lidar com a matéria e de auirientar a eficácia dos
192 Democracia e educapio
A natureza do método 193
I
meios que estão sendo empregados - por exemplo, os jo- 2 - Acessibilidade mental. Conforme vimos, parcialidade
acompanha a existência de interesse, desde que este significa
gadores de golfe, os pianistas, os oradores, etc., precisam em
a participação de alguém, ou seu ato de tomar partido, em
certas ocasiões prestar atenção especial aos próprios movimen-
tos e posições. Mas esta necessidade é ocasional e passa- alguma circunstância. Por isso mesmo, torna-se ainda mais
geira. Nos casos em que isto é eficaz, a pessoa pensa em si necessária uma atitude mental que ativamente acolha as sugestões
mesma, tendo em vista o que vai fazer, como se pensasse e informações relevantes provenientes de todos os lados. NO
capitulo sobre os objetivos já se mostrou que os fins previstos
nym meio, entre outros, para realizar um fim - como no
são fatores no desenvolvimento de uma situação em marcha.
caso de um jogador de tênis exercitando-se em "sentir" um
golpe. Nos casos anormais, a pessoa pensa em si mesma É por meio deles que se regula a direção da atividade. Eles
não como em um dos fatores da execução, mas como em subordinam.se à situação, e não a situação a eles. Não são
fins no sentido d e finalidades ás quais todas as coisas devam
uma coisa distinta - como quando o jogador assume algu-
ma atitude tendo em vista a impressão que ela produzirá nos ser destinadas e sacrificadas. São, enquanto previstos, meios
espectadores, ou fica aborrecido a pensar na má impressão para orientar o evolver-se de uma situação. Atingir o alvo
não é o objetivo futuro do atirador; esse alvo é o fator que
que receia estejam causando seus movimentos.
centraliza o ato presente de atirar. Acessibilidade mental signi-
Confiança é um bom nome para aquilo que é significa- fica estar o espirito franqueado a toda e qualquer consideração
do, aqui, pela expressão retitude. Não Se confunda, porém, que projete luz sobre a situação que precisa ser aclarada e
com autoconfiança, que pode ser modalidade da autoconsci- que ajude a determinar as conseqüências deste ou daquele modo
ência ou afetação - uma espécie de imodéstia. Confiança de proceder. A eficiência para realizar fins previamente es-
não é o nome daquilo que a pessoa sente ou pensa sobre sua t3belecidos como imutáveis pode coexistir com um espírito de
própria atitude; não é introspectiva. Denota antes a retili- visão estreita. Mas o desenvolvimento intelectual significa
ncidade com que a pessoa se aplica ao que se acha a ,fazer. um constante alargamento de horizontes e o conseqüente surgir
Não denota f é consciente na eficácia de sua aptidão, e, sim, de novos objetivos e novas "respostas". Isto não é possivel
f é inconsciente nas possibilidades da situação. Significa o sem uma disposição ativa para adotar pontos de vista que até
pormo-nos à altura das exigências de uma situação. então eram estranhos, sem um ativo desejo de entregar-se a
Já indicamos atrás as inconveniências de se tornarem considerações que modifiquem os propósitos atuais. A con-
os estudantes excessivamente conscientes de estar a estudar servação da capacidade de desenvolvimento é a recompensa
ou a aprender. Quanto mais as condições os levarem a ter dessa atitude intelectual acolhedora. O pior mal gerado pela
essa consciência, menos estarão a estudar e a aprender. En- teimosia e pelos preconceitos é a parada do desenvolvimento,
contram-se em uma atitude mental dividida e dupla. Todos os pois trancam o espirito, tornando-o inacessivel aos novos es-
métodos de um professor que desviem a atenção do aluno tímulos. Espírito francamente acessível significa a conserva<ão
daquilo que ele se acha a fazer, transferindo-a para suas pró- da atitude infantil, e o contrário dessa atitude significa senili-
prias atitudes, dele aluno, em relação ao que está a fazer, dade intelectual prematura.
prejudicam a retilineidade do interesse e da ação. Persistindo 0 s principais inimigos que a atitude da compreensividade
nisso, o discípulo adquire a tendência permanente de descuido, encontra na escola são o excessivo desejo de uniformidade de
de encarar as coisas aereamente, de buscar ponto de partida processos e de obtenção de prontos resultados exteriores. O
para a ação em outra coisa que não o fornecido pela matéria professor que não permite nem encoraja a variedade de modos
do estudo. A dependência de sugestões e orientações estranhas, no se resolverem as questões, coloca antolhos em seus discípulos
um estado de nebulosa .confusão mental, tomam o lugar daquela - restringindo-lhes a visão à única trilha pela qual o professor
segurança que as crianças (e também os adultos aos quais a tem predileção. Provavelmente a causa principal de se apre-
"educação" não falseou o procedimento) apresentam em face ciar a uniformidade rígida dos métodos é que ela parece pro-
das situações da vida. meter rapidez, perfeição, mensurabilidade dos resultados certoS.
194 Democracia e educagáo A natureza do método 195

O zelo pela obtenção de "respostas" exatas explica em grande outros e obter-lhes a aprovação, a educação social, o senso geral
parte a preferência pelos métodos rígidos e mecânicos. O es- do dever e do respeito à autoridade, o receio de punicões,
tudo forçado e intensivo tem a mesma origem e produz o mesmo tudo leva a um semicontrariado esforço p u a conforinar-se
efeito sobre o interesse intelectual vivo e variado. com o que os outros querem, seja "prestar atenção ilição",
Acessibilidade mental (open-mindedness) não é a mesma ou o que for de que se tratar. Os indivíduos "bons", bran-
coisa que vacuidade mental (empty-nzindedness). Pregar i dos, desejam fazer o que esperam que eles façam. Conscien-
porta da casa um letreiro com os dizeres: "Pode entrar; não temente o aluno pensa que está fazendo isso. Mas seus pró-
há ninguém em casa" não equivale a ser hospitaleiro. Mas há prios desejos não foram suprimidos. O que se suprimiu
uma espécie de passividade, de boa-vontade para deixar as foi apenas sua clara manifesta~áo. É enfadonho o esforço da
experiências acumularem-se, sedimentarem-se e amadurecerem, atenqáo voltadi para aquilo que é contrário ao desejo; a
que é essencial ao desenvolvimento. Pode-se apressar a obten- despeito da vontade consciente da pessoa, os desejos latentes
ção de resultados (respostas ou soluções exteriores) mas nunca deteriuinam o curso principal das reflexões e as niais profundas'
forçar os processos evolutivos. Estes, para amadurecerem, reações emocionais. O espírito foge daquilo que é nominal-
exigem seu próprio tempo. Se todos os docentes compreen- mente o seu material e absorve-se naquilo que acha intrinseca-
dessem que pela qualidade dos processos mentais, e não pela mente mais desejável. Disto resulta uma a t e n ~ ã osistemati-
obtenção de respostas certas, é que se mede o desenvolvimento camente dividida, refletindo a duplicidade dos seus desejos.
educativo, dar-se-ia quase que uma revolução nos processos Basta unicaxente recordarmo-nos de quando, nos tempos
do ensino. em que cursávamos a escola, ou mesmo quando mais recente-
3 - Atividade integrada. Muito do que já foi dito so- mente nos dedicávamos a atividades exteriores que não se
bre "retitude" é aplicável iação integrada. Mas o que esta conformavan~com os nossos desejos e propósitos, para com-
palavra aqui procura exprimir é' a plenitude do interesse, a preendermos a predominância dessa atitude da atenção dividida
unidade de objetivo; a ausência de ulteriores objetivos recal- - da mentalidade dupla. Tão acostumados estamos a ela,
c d o s mas operantes, para os quais o objetivo confesso é mera- que admitimos como comprovado ser-nos a mesma, em grande
mente máscara. Significa integridade mental. Absorção no parte, necessária. Pode ser verdade; se o for. mais impor-
assunto, a paixão pela matéria e o pleno interesse nessa matéria, tante se torna o encararmos seus perniciosos efeitos intelectuais.
pelo seu,próprio mérito, a alimentam e fortalecem. Destroem- l evidente a perda de energia mental diretamente utilizável
na o interesse diviso e a distração. quando alguém conscientemente tenta (ou tenta parecer tentar)
Inteireza intelectual, honestidade e sinceridade não são, no dar atenção a uma coisa, quando inconscientemente a imaginação
fundo, coisas intencionais, mas qualidades das nossas reaqões da mesma pessoa se desloca espontaneamente para outro objeto
ativas. Sua aquisição é, naturalmente, estimulada pela intenção
consciente, mas facílimo é, a este respeito, ter-se decepção. O s
desejos são exigentes. Quando as imposições e a vontade
I mais de seu agrado. Mais sutil e mais permanente causa ini-
bidora da eficiência da atividade intelectual, é estimular o há-
bito de enganar-se a pessoa a si mesma, com o confuso senso
alheia Ihes impedem a manifestação direta, eles se encaminham da realidade, que o acompanha. Um duplo julgamento da rea-
com facilidade para canais subterrâneos e profundos. São quase lidade, um para nossos interesses particulares e mais ou menos
impossiveis a inteira submissão e a adoção sincera do modo de ocultos, e outro, confessado, para usar-se em público, ,preju-
proceder exigido por outras pessoas. Podem r e s u l t ~ rrevoltas i dica, na maioria dentre nós, a atividade mental, não a deixando
voluntárias ou tentativas deliberadas de iludir os outros. hlas I tornar-se integral e completa. Igualmente grave é a circunstân-
o resultado mais frequente é um confuso e diviso estado de cia de produzir-se solução de continuidade entre o pensamento
interesse com que a pessoa se engana a respeito de sua própria e a atenção conscientes, e as paixões e desejos impulsivos e
e verdadeira intenção. Experimenta-se servir dois senhores a cegos. A atividade reflexiva em face da matéria de estudo
um tempo. Os instintos sociais, o forte desejo de agradar aos sente-se constrangida e frouxa; a atenção foge para longe.
196 Democracia e educação A natureza do método 197

As coisas para as quais ela foge não são reveladas e tornam-se, cedência as prováveis consequências de algum ato projetado e
por isso, intelectualmente ilícitas; o trato com as mesinas é fur- deliberadamente aceitá-las: aceitá-las, no sentido de contar com
tivo. Por causa disso, não se produz a disciplina que resulta elas na açáo, não se limitando a aceitaçáo a um mero assenti-
de se regularem as reações de acordo com uma investigação mento verbal. As idéias, consoante vimos, são intrinsecamente
deliberada; pior, ainda - o mais intenso interesse e as mais pontos de vista e métodos para conseguir-se a solução de
congênitas atividades da imaginação (porquanto elas se prendem uma situação de perplexidade: previsões utilizáveis para in-
às coisas mais caras para o desejo) são casuais e ocultas. Elas fluir nas reaqões. É fácil de compreender-se que uma pessoa
entram em açáo por meios encobertos e, não sendo submetidas admita a verdade de uma exposição ou creia em uma verdade
a retificações pela consideração das consequências, tornam-se sugerida quando não considerou no que elas subentendem; e
desmoralizantei. que, quando apenas procedeu a um exame rápido e superficial
Não são difíceis de encontrar condições escolares favo- dos fatos ulteriores, se incline à aceitaçáo das coisas como
ráveis a esta divisão do e s ~ í r i t oentre os atos confessados. certas. Observação e conhecimento, crença e assentimento,
públicos e d e cumprimento de deveres sociais, e os íntimos, tornam-se então noines para uma negligente aquiescência em re-
mal regulados e recalcados vôos e divagações da imaginiçáo. lação àquilo que é exteriormente apresentado.
Propende a produzir este efeito aquilo que às vezes chamamos Seria bem melhor que existissem menos fatos e verdades a
"disciplina severa", isto é, a compressão exterior coercitiva.
Produz efeitos semelhantes a promessa de recompensas com
serem ensinados - isto é, menos coisas já admitidas como
I verdadeiras - se um número menor de situações pudesse ser
coisas estranhas ao trabalho a ser feito. Tudo o que torna intelectualmente aproveitado de modo que uma convicção re-
simplesmente preparatória a vida escolar atua neste sentido.
Achando-se os fins fora do alcance presente do aluno, recor-
sultante significasse algo de real - significasse a identificação
do educando com a . espécie de procedimento exigido pelos
re-se a outros estímulos para conseguir-se que a atenção se fatos e pela previsão dos resultados. O s maus resultados mais
vblte para determinadas tarefas. Consegue-se algum resultado, permanentes da inconveniente complexidade das matérias es-
mas os desejos e paixões não tomados em linha de conta pro- colares e da congestáo de estudos e lições não são a esfalfa
curam outras válvulas de escape. Não menos sério, em con- nervosa e o conhecimento superficial que resultam (embora
seqüência, é a exagerada apologia dos exercícios mecânicos sejam coisas graves), e sim o fato de não se chegar a tornar
(drill) destinados a produzir eficiência de ação, independente- claro o que quer dizer e o que envolve o fato de conhecer-se
mente de qualquer emprego de pensamento - exercícios sem * realmente uma coisa e acreditar-se nela. "Responsabilidade
outro objetivo exceto a produção de habilidade automática. A intelectual" significa seguir, a este respeito, rigorosos modelos.
natureza detesta o vácuo mental. Que imaginam os profes- Estes modelos só podem ser criados por meio da prática de
sores que esteja sucedendo ao pensamento e à emoção, quando seguir e agir de acordo com a significação daquilo que já
não se podem expandir, aplicando-se imediatamente a alguma foi adquirido.
espécie de atividade? Se ficassem temporariamente abolidos,
ou apenas insensibi!izados, a coisa não teria tanta importância. Profilndeza intelectual é, por isso, outro nome para a ati-
Mas não desaparecem; não ficam suspensos; não ficam extin- tude que estamos a considerar. Há uma espécie de profundeza
tos a não ser com referência à tarefa ein questão. Eles se- quase puramente material: é a espécie conseguida com exer-
guem seu próprio curso caótico e indisciplinado. O que é cícios mecânicos e exaustivos (drill) de todas as particularida-
inato, espontâneo e vital nas reaçóes mentais, não é utilizado des de um assunto. Profundeza intelectual é ver completa-
nem submetido à prova; e os hábitos formados são tais, que mente alguma coisa. Depende de uma unidade de propósito à
essas qualidades se tornam, cada vez menos, utilizáveis para qual os detalhes ficam subordi~ados,e não de apresentar-se
fins sociais e confessas. uma multidão de detalhes desconexos. Manifesta-se pela fir-
meza com que se desenvolve a plena significação do propósito
4 - Responsabilidade. Responsabilidade, como elemento e não pela atenção, por mais "conscienciosa" que seja, sobre
da atitude intelectual, significa o fato de pesarem-se com ante- os elenlentos da ação imposta e orientada externamente.
Resumo. - Método é a exposição do modo por que
o objeto de uma experiência se desenvolve mais eficaz e fru-
tiferamente. Deriva, por conseguinte, da observação do curso
de experiências em que não se faz distinção consciente entre a
atitude e modo pessoais, e o material a que é aplicada a ativi-
dade. A presunção de que o método seja uma coisa isolada CAPfTULO 14
relaciona-se com a noção da separação do espírito e do eu,
do mundo das coisas. Isto torna o ensino e o estudo formais,
mecânicos, forçados. Quando os métodos são individualizados, A natureza da nzatéria de estudo
podem-se discriminar os aspectos do curso normal de uma expe-
riència que produz bom resultado, devido ao fundo de conhe-
cimentos proveniente das experiências anteriores e às siinilitudes 1. A matéria para o educador e para o educando.
gerais dos materiais utilizados em várias ocasiões. Expressos - Quanto ao que diz respeito, em principio, à natureza da
em relação i atitude do indivíduo, os característicos do bom matéria de estuclo, nada temos a acrescentar ao que já ficou
método sáo retilineidade, plasticidade do interesse intelectual dito. A matéria de estudo são os fatos observados, recordados,
ou vontade de ter o espírito franqueado para aprender, integri- lidos, discutidos, e as id4ias sugeridas no desenvolver-se de
dade de propósito ou objetivo e aceitasão da responsabilidade uma situaçáo que tenha um objetivo. Precisanios dar a este
das consequências da atividade empreendida com o emprego conceito uma significação mais especifica, relacionando-se o
da reflexão. mesmo coni as matérias da instrução escolar, coni os estudos que
constituem o c ~ ~ r r í c ~ iOl o programa.
, Qual a significação de
nossa definição ao aplicarmo-la à leitura, à escrita, à história,
às matemàticas, à Iiistória natural, ao desenho, ao canto, à física,
à química, às línguas modernas estrangeiras e assim por diante?
Recorramos a dois dos pontos que já exarn:.namos em nossa
exposição. O papel do educador na empresa da educaq.50
é proporcionar o ambiente que provoque reayóes ou "respostas"
e dirija o curso do educando. Em última análise, tlido o qile
o ediccador pode fazer é modificar os estirnulos ou as situações,
de mago que das reaçóes resiilte o mais seguramente pos-
sivel a formação de desejiveis atitudes intelectuzis e senti-
mentais. É óbvio que os estudos ou as' matérias do programa
têin muito que ver com a funçáo de fornecer iiiii ambiente.
O outro ponto é a necessidade de um meio ~ocialpara dar
significação aos hibitos formados. Na educzção que deno-
minamos não formal ou assisteniática. a matCria do estudo en-
contra-se diretamente na sua iiiatriz, que é o próprio intercâm-
bio social. 2 aquilo que fazem e dizem as pessoas em cuji
atividade o indivíduo se acha associado. Estt fato dá uma
chave para a compreensáo da matéria da instrui;ão formal ou
sisteiuática.
Existe um vínculo congregador, um elo de ligação nas
lendas, tradições, canções e liturgias que acompanliam os atos
Resumo. - Mktodo é a exposição do modo por que
o objeto de uma experiência se desenvolve mais eficaz e fru-
tiferamente. Deriva, por conseguinte, da observação do curso
de experiências em que não se faz distinção consciente entre a
atitude e modo pessoais, e o material a que é aplicada a ativi-
dade. A presunção de que o método seja uma coisa isolada CAPITULO 14
relaciona-se com a noção da separação do espírito e do eu,
do mundo das coisas. Isto torna o ensino e o estudo formais, A natureza da nzatb~iade estudo
mecânicos, forçados. Quando os métodos são individualizados,
podem-se discriminar os aspectos do curso normal de uma expe-
riência que produz bom resultado, devido ao fundo de conhe-
cimentos proveniente das experiências anteriores e às similitudes 1. A matéria para o educador e para o educando.
gerais dos materiais utilizados em várias ocasiiies. Expressos - Quanto ao que diz respeito, em principio, à natureza da
em relação à atitude do indivíduo, os característicos do bom matéria de estuclo, nada temos a acrescentar ao que já ficou
método sáo retilineidade, plasticidade do interesse intelectual dito. A matéria de estudo são os fatos observados, recordados,
ou vontade de ter o espírito franqueado para aprender, integri- lidos, discutidos, e as idéias sugeridas no desenvolver-se de
dade de propósito ou objetivo e aceitação da responsabilidade urna situaçáo que tenha um objetivo. Precislinios dar a este
das consequências da atividade empreendida com o emprego conceito uma significação mais especifica, relacionando-se o
da reflexão. mesmo coni as matérias da instrução escolar, com os estudos que
constituem 3 ~ u r r í ~ ~Ol oprograma.
, Qual a significação de
nossa definição ao aplicarmo-la à leitura, à escrita, à história,
às matemàticas, à história natural, ao desenho, ao canto, à física,
à química, às línguas modernas estrangeiras e assim por diante?
Recorramos a dois dos pontos que já exam'.namos em nossa
exposicão. O papel do educador na emprcsa da educaq.50
é proporcionar o ambiente que provoque reayóes ou "respostas"
e dirija o curso do educando. Em última análise, tlido o qzce
o adiccador pode fazer é modificar os estiniulos ou as situaçóes,
de modo que das reaçóes resrrlte o mais seguramente pos-
sível a formação rle desejáveis atitudes intelectuais e senti-
meiitais. É óbvio ?ire os estudos ou as matérias do programa
têiii muito que ver com a fnnçáo de fornecer uni ambiente.
O outro ponto é a necessidade de um meio yocial para dar
significação aos hábitos formados. Na educiçáo que deno-
minamos não formal ou asristeniática. a matCria do estudo en-
contra-se diretamente na sua matriz, que é o ~ r ó p r i ointercim-
bio social. R aquilo que fazeni e dizem as :>essoas em cuji
atividade o individuo se acha associado. Estt fato dá uma
chave para a couipreensáo da matéria da instru~áoformal ou
sistertiática.
Existe um vínculo congregador, um elo de ligação nas
lendas, tradiçóes, canções e liturgias que acompanliam os atos
200 Devzocracia e educaçüo A natureza da matéria de estudo 201

e ritos de um grupo social primitivo. Elas representam o ca- principais elementos componentes do curso de estudo ou
bedal de significações, sentidos, ou interpretaqões que ema- currículo.
naram da experiência passada do grupo, que este ama e Este assunto precisa ser encarado do ponto de vista do
quer tanto, que a identifica com a concepção de sua própria professor e do aluno. Para o primeiro, a significação do seu
vida coletiva. Como não fazem parte dos conhecimentos e conhecimento da matéria do estudo, que ultrapassa de muito
habilidades manifestados nas ocupações diárias de comer, caçar, o conhecimento atual dos alunos, é fornecer-lhe craveiras defi-
fazer a guerra ou a paz, fabricar agasalhos, vasilhas de barro,
nidas, padrões certos dos conhecimentos devidamente desen-
cestos, etc., torna-se necessário gravá-los direta e consciente- volvidos, e revelar-lhe as possibilidades das atividades ainda
mente sobre os mais novos do grupo - e, com freqüência, em estado bruto, dos seus alunos. 1 - As matérias dos estu-
como nas cerimônias de iniciação, são gravados em ambiente
dos traduzem sob forma concreta e detalhada a s significações
de grande fervor e funda emoção. Dão-se os grupos primi- da presente vida social cuja transmissão seja desejável. Elas
tivos a muito mais trabalho para conscientemente perpetuar os
tornam manifestos ao professor os elementos essenciais da
mitos, lendas e fórii~ulasverbais sagradas do grupo, do que
para transmitir seus costumes imediatamente úteis, precisamente cultura a ser perpetuada, em uma forma coordenada que o
porque os rime ir os não poderiam ser adquiridos, como os cos- preserva de empregar seus esforços ao acaso, o que provavel-
tumes úteis, na atividade ordinária da vida social. mente sucederia se as significa~óesnão tivessem sido estandar-
dizadas. 2 - O conhecimento das idéias que foram concebidas
Quando o grupo social se torna mais complexo, enrique- no passado como resultado de alguma atividade coloca, por
cido de maior número de habilidades ou aprendizados adqni- outro lado, o educador em estado de compreender a significação
ridos que dependem, quer de fato, quer porque assim o creiam, das reagóes aparentemente impulsivas e sem objetivo dos jovens
de idéias e padrões provenientes da experiência passada, o con- e de fornecer os estíinulos iiecessários para orientá-las, de modo
teúdo da vida social vai-se formulando mais definidamente para a resultarem em alguma coisa de útil. Quanto mais o pro-
intuitos de ensino. Segundo já o fizemos ver, é provável que fessor conhecer música, mais poderá perceber as possibilidades
o principal motivo para esse hábito de examinar consciente- das indisciplinadas tentativas musicais de uma criança. A
mente a vida do grupo e extrair as significa~õesconsideradas matéria de estudo, quando organizada, representa o proveitoso
mais importantes, sistematizando-as em um arranjo coerente, enceleiramento do fruto de experiênci3s como as delas, crianças
seja exatamente a necessidade de instruir os mais jovens, - experiências implicando o mesmo mundo, e energias e neces-
para assim perpetuar-se a vida do referido grupo. Uma vez sidades semelhantes às suas. Não significa a perfeição ou a
iniciado esse trabalho de seleção, formulação e organização, sabedoria infalível, mas é o melhor do que se Iiçpõe para novas
nenhum limite existe para o mesmo. A invenção da escrita experiências ulteriores, que poderão, ao megos por alguns
e da imprensa dá-lhes, por sua vez, imenso impulso. E tão aspectos, vir a ultrapassar 2s realizações encarnadas nos co-
longe vai esse desenvolvimento, que se dissimulam e se enco- nhecimentos e nas obras de arte existentes.
brem finalmente os elos que prendem as matérias do estudo, L
Por outras palavras - do ponto de vista do professor,
nas escolas, aos hábitos e ideais do grupo social. Esses elos,
com efeito, tornam-se tão frouxos que muitas vezes parecem os vários estudos, as diversas disciplinas ou niatérias repre-
faltar, como se a matéria existisse por si mesma e se consti- sentam recursos eficazes, capital iitilizável. Não é, todavia,
tuísse de conheciinentos válidos por si mesmos, e o estudo só aparente o distanciamento, desses estudos, da exp-r iência
fosse o mero ato de aprendê-los pelo seu próprio mérito, inde- dos jovens: é real. A matéria do estudante não é, por essa
razáo, nem o pode ser, idêntica à matéria formulada, cris-
pendentemente de quaisquer conteúdos ou valores sociais, Sen-
do muito importante, por motivos práticos, contrariar esta ten- talizada e sisten3atizada do adulto, isto é, do modo que se
dência, o principal fim de nossa exposição teórica é patentear encontra em livros, em obras de arte, etc. Esta representa as
a conexão que com tanta facilidade perdemos de vista e mos- possibilidades daquela, mas não seu estado atual. Ela entra
trar com alguma minudência o conteúdo e a função social dos diretamente na atividade do especialista e do educador, mas não
202 Democracia e edzhcação A natureza da matéria de estudo 203

na do principiante, o discípulo. A circunstância de náo se


toinar em conta a diferença da iiiatéria sob os pontos de vista desta, as histórias contadas por seus amigos, fornecem os elos
do professor e do estudante G causadora da 111aior parte dos que prendem uns aos outros os seus diversos conhecimentos.
erros no emprego de compêndios e outros niodos de expressão Mas a geografia do geógrafo, daquele em quem já se desen-
dos conhecimentos preexistentes. volveram os elementos dessas experiências menores, é organi-
necessário conhecerem-se concretamente a constituição e
zada sobre a base das relaqões dos fatos uns com os outros -
e não das relações com a sua casa, os seus movimentos corpo-
funções do organismo huiriano, exatamente por cansa da atitude rais e os seus amigos. Para aquele que já aprendeu, a ma-
do professor, em relação i matéria, ser tão diversa da do téria é abundante, cuidadosamente definida e !ogicamente con-
aluno. O proiessor apresenta no estado atual, em ato, o que catenada. Para o que está a aprender é fluida, escassa e
o aluno é unicamente in posse, potencialinente. Isto é, o pro- associada por meio de suas ocupações pessoais (1). O pro-
fessor já sabe as coisas que o estudante só agora está a apren-
blema do ensiiio é conservar a experiência do educando a evol-
der. Por isso, os problemas dos dois são radicalmente diversos. ver em direção iquilo que o kxperiente, o culto, o especialista
Quando empenhado no ato direto de ensinar, o professor deve já sabe. Daí a necessidade de que o professor conheça tanto
estar farniliarizadíssimo com + matéria, mas a sua a t e n ~ ã o
a matéria como as necessidades e capacidades caracteristicas
deve concentrar-se na atitude mental e nas reações do dis-
do estudante.
cip~ilo. Sua tarefa é compreender este últiino em sua relação
com a matéria, ao passo que a atenção do aluno não estará
2. O desenvolvimento da matéria para o educando.
naturalmente em si próprio, mas no tópico a estudar.
para dizer a mesma coisa de modo um tanto diferente: o pro-Ou, - fi possível, sem se forçarem os fatos, estabelecer três
fessor não s e preocupa proprianiente som a matéria e, sim, estágios perfeitamente típicos do desenvolvimento da matéria a
aprender, na experiência do edticando. E m seu primeiro es-
com a interação da mesma com as neces'sid~des e aptidóes
atuais do aluno. Por isso, n5.o basta simplesmente preparo tado, o saber é uma habilidade inteligente - 3 de poder fazer
e erudição. Existem mesmo certos aspectos da cultura e pre- as coisas. Esta espécie de saber revell-se pelo manuseio e
familiaridade da criança com as coisas. E m seguida, este sa-
paro superior na matéria - considerados eni si mesmos -
ber gradualmente se avoluma e aprofiind-i por meio dos conhe-
que servem de estorvo ao ensino eficaz, a menos que a atitude
cimentos ou informafões comunicados. Afinal, aiuplia-se e
habitual do professor seja a de interesse pela interaFáo da
matéria com a experiência pessoal do aluno. Eni primeiro transforma-se em matéria coordenada lógica ou racionalmente
lugar, os conheciinentos do professor estendeu-se indefinida- - de uma pessoa relativamente já competente e especializada
mente para além dos limites das coisas familiares ao aluno. na referida matéria.
Eles em si contêm principias que ultrapassam o entendimento I - O saber que primeiro se adquire e que fica mais
e o interesse do discipulo imaturo. Em si e por si niesinos profundamente gravado é o de conso fazer as coisas - como
podem não representar mais o mundo vivo da experiência
andar, falar, ler, escrever, patinar, andar de bicicleta, fazer
do discipulo do que os conhecinlentos de um astrônomo sobre
funcionar um maquinismo, calcular, guiar um cavalo, vender
Marte representam para uma criancinha o conhecimento do
objetoç, tratar com as pessoas e assiin por diante, indefinida-
quarto em que se encontra. E m segundo lugar, o método de mente. A tendência popular de considerarem-se os atos instin-
organização da matéria na ciiltura acabada e superior, difere
tivos adaptados a um fim, como uma espécie de saber miraculo-
do método daquele que a inicia. Não é verdade que a expe- so, é, injustificável, prova da forte propeilsáo de identi-
riência das crianças seja incoorderiada, constando apenas de
fragmentos isolados. Acha-se organizada de acordo com cen-
tros de interesse diretos e práticos. Por exenlplo, a casa da 1) Como os homens instruidos devem ainda continuara instrcir-se,
criança é o centro coordenador de seus conhecimentos geográ- compreende-se que estes contrastes são relativos e, nao. absolutos.
Mas, pelo menos nas primeiros pstigios do aprendizado, eies sao
ficos. Seus passeios na localidade onde mora, as viagens fora praticamente impartantiasimos.
204 Democracia e educação A natureza da m z t é ~ i ade estudo 205

ficar-se o domínio inteligente dos meios de agir com o saber. outras coisas mais especificas de acordo com as ocupações de
Quando a educação, sob o influxo de uma concepção escolás- cada um. O conhecimento das coisas no sentido intimo e
tica do saber, que tudo ignora exceto fatos e verdades cientifi- emocional sugerido pela palavra familiaridade é o resultado de
camente formulados, não reconhece que a matéria educativa as empregarmos com um objetivo. Atuamos com ou sobre
primária ou inicial está sempre em uma manifestação de ativi- uma coisa com tanta freqüência, que podemos prever como ela
dade que implique o uso do corpo e a manipulação de matérial, agirá e reagirá - tal é a significaçáo de estar familiarizado.
a matéria educativa é isolada das necessidades e objetivos do Estamos prontos a pôr-nos etn contacto com coisas familiares;
educando e converte-se, destarte, exclusivamente, em coisa a ser elas não nos apanham despercebidos nem nos pregam peças
decorada e reproduzida quando o exijam. Ao invés disto, o inesperadas. Esta atitude provoca um senso de harmonia ou
conhecimento do curso natural do desenvolvimento sempre se de amizade, de desembaraço e clarividência - ao passo que
vale de situações que implicam aprender por meio de uma ati- as coisas com que não estamos acostumados a lidar são estra-
vidade, aprender fazendo. As al'tes e ocupações constituem o nhas, alheias, frias, remotas, "abstratas".
estigio inicial do currículo, porquanto correspondem i fase em
que a c r i a n ~ adeseja saber como proceder para a realização de I1 - Mas é provável que falar analiticamente sobre esta
seus fins. primeira fase do conhecimento obscureça a sua compreensão.
Nela se incluem virtualmente todo o saber, todos os nossos
O s modos populares de indicar saber sempre exprimiram a
conhecimentos que não resultam de deliberado estudo especial.
associaçáo deste com habilidade, capacidade executiva, o que
O s modos de agir com determinados intuitos subentendem
foi esquecido pelas filosofias acadêmicas. Penetração e poder contacto, com coisas, e também com pessoas. É necessário que
( k e n and can) são expressóes aliadas. Atencáo significa o se adaptem os instintos de comuni~caçãoe os hábitos de socia-
cuidado com alguma coisa, no sentido conjunto de afeiçáo e de
bilidade para mantermos relações eficazes com as outras pes-
procurar. o beneficio da coisa. Mind, além de espírito, signi-
fica seguir instruções no agir, como: uma criança atende soas; com isto um grande acervo de conhecimentos sociais
(mninds) a sua mãe - e ter cuidado com alguma coisa, como: resulta. Como uma conseqüência desta intercomunicação apren-
demos muito com os outros. Eles nos falam de suas próprias
uma ama cuida (~lzinds)do peqiienito. Ser atencioso, respei-
toso (thoughtfull, considerate), significa dar atenção aos de- experiências e das experiências que, por sua vez, outros Ihes
sejos das outras pessoas. Apreensão tanto quer dizer - medo comunica'ram. N a proporção em que a pessoa se interessa
de consequéncias indesejáveis. como o ato intelectual de enten- mais ou menos por estas comuni~cações, a matéria destas tor-
der. Possuir bom senso ou juizo 6 conhecer o procedimento na-se parte de sua própria experiência. As associações ativas
reclamado por uma situação; discernimento r i o é fazer dis- com outras pessoas constituem um elemento tão íntimo e vital
tinções pelo gosto de fazê-las. exercício reprov5vel como o das de nossos próprios interesses, que impossivel é traçar nítida
distinções e análises da escolástica e sim a intima compreensão delimitaçáo, que nos habilitasse a dizer: "Aqui finda minha
de uma coisa com referência iação. Sabedoria jamais perdeu experiência: ali começa a tua". Na medida em que nos asso-
sua conexão com a conveniente orientação da vida. Somente ciamos em emp~eendimentoscomuns, as coisas que os outros
em educação, e nunca na vida do agricultor, do marinheiro, do nos comunican~como efeito de sua participação particular na
negociante, do médico ou pesquisador de laboratório, saber empresa fundem-se imediatamente com a experiência resul-
significa primariamente um lastro de informações separadas tante de nossa própria participação. O ouvido é órgão para
da açáo. aquisição de experiência, do mesmo modo que a vista ou a mão.
Aplicarmos a atividade a coisas de modo inteligente re- A vista serve-nos para lermos relatos daquilo que se passa
sulta em conhecermo-las ou etn nos familiarizarmos com elas. além de seu horizonte. Tanto influem no resultado de nossas
As coisas que melhor conhecemos são aquelas que mais usamos, ações as coisas afastadas no espaço e no tempo, como as que
como cadeiras, mesas, pena, papel, roupas, alimento, facas e podemos cheirar e manejar. Se elas nos interessam realmente,
garfos, para mencionarmos algumas de uso comum - ou toda a exposição que nos auxilie, ao termos de tratar com as
206 Denzocracia e educação A natureza da nintéria de estudo 207

coisas próximas a que elas se ligam, torna-se elemento de nossa riores; e, para,determinar a significação de saber, de fato e
experiência pessoal. de verdade, ele costuma referir-se a esses despojos e, não às
O nome usualmente dado a esta espécie de matéria é armas da conquista e ao ato de abalançar-se a combater contra
informação. O papel da comunicaçáo em nossos atos pessoais o desconhecido.
fornece-nos um critério para estimar o valor pedagógico do Se esta identificação do saber, com as proposiçóes que
material informativo. Entra ele naturalmente em alguma ques- enunciam informações, se impòs até a lógicos e filósofos, não é
tão em que o educando está interessado? Ajusta-se aos conlie- de surpreender que a mesma idéia tenha quase dominado a
cimentos mais diretos do educando, de modo a aumentar-lhes a educação. O s "cursos de estudos" compõem-se em grande

i
eficácia e aprofundar-lhes a significação? Se satisfizer estes parte de informaçóes distribuidas pelos vários ramos ou dis-
dois requisitos, será educativo. O cabedal de coisas ouvidas ciplinas, e cada qual destes é subdividido em lições que apresen-
ou lidas tem importância - e, quanto maior for, melhor - tam, seriadamente, partes destacadas do acervo total. No sé-
$fias somente se o cduca~tdodele necessitar e o puder aplicar culo dezessete esse sortimento ainda era assaz pequeno para
e m alg2i~izasitztação dele, educando.
Mas náo é tão fácil satisfazer estes requisitos na prática
quanto o foi enunciá-los teoricamente. A extensão, nos tem-
pos atuais, da área de intercomunicações; a invenção de apa-
I que os homens ide3lizassem reuni-lo eiii uma enciclopédia.
Agora acha-se tão volumoso, que é evidente ser impossível um
só homem assenhorear-se de todo ele. INas o ideal educativo
não se deixou afetar por isso. A aquisição de um pouco de
rellios e instrumentos para se conhecerem as partes longínquas informações em cada ramo de estudo, ou pelo meros em dado
do céu e os acontecimentos antigos da história; o baratea- grupo escolhido, continua a ser o principio básico da orglnizaçáo
mecto dos meios, como a imprensa, para registrar e divulgar dos programas, desde as escolas elementares até as universidades,
informações - verdadeiras ou pretensas informações - cria- sendo as partes mais fáceis destinadas aos primeiros anos, e
ram um imenso volume de matéria comunicada. B muito mais as mais difíceis aos Ultimos.
fácil mergulhar nelas o espírito do educando do que fazer que
influam n l s experiências diretas dele. Muito frequentemente, As queixas dos educadores de que o saber não contri-
essas inforina~õesconstituem um outro mundo, estranho e alheio bui para formar o caráter nem influi no procedimento, os pro-
ao mundo de nosso conhecimeiito pessoal. O único problema testos contra o siber de memória, contra o atocho de conheci-
do estudante é aprender para fins escolares, para dar lições e mentos informativos, contra as preocupações insistentes com
obter promoções;as partes constitutivas desse mundo estranho. os "fatos" ou coisas já feitas ou ocorridas, contra o gosto pelas
Provavelmente a significaçáo mais corrente da palavra saber, distinções sutis e regras e principias mal compreendidos, tudo
para a niaioria das pessoas, hoje, é exatamente a de cabedal isso provém desse existente estado de coisas. Saber de se-
de fatos e verdades asseveradas pelos outros; é o material en- gunda máo, saber que não é nosso, mas dos outros, tende a
contrado nas f i l x e filas de atlas, enciclopédias, histórias, bio- tornar-se meramente verbal. Nada se objeta a que as infor-
grafias, livros de viagens e tratados científicos, das prateleiras mações sejam expressas i,om palavras; a comunicação ope-
das bibliotecas. ra-se necessariamente por meio de palavras. Mas na proporção
em que o comunicado não possa ser incorporado à experiência
O imponente vulto desse iuaterial influiu inconsciente-
mente nas noções dos homens sobre a natureza do próprio existente de quem aprende, converte-se em simfiles fialaz~ras,
saber. Coiisideram-se saber as esposi~õesnu enunciações em isto é, em puros estímulos sensoriais, desprovidos de signifi-
que se cristalizaram os conhecimentos, isto é, os resultados do caqão; nesse caso ele atua para provocar reações maquinais, a
interesse aplicado ativamente a problemas. Consideram-se habilidade de utilizar os Órgãos vocais para repetir as coisas
como colihecimentos ou saber os registros de conhecimentos, ensinadas, ou de usar a mão para escrever ou para fazer
'C

independentemente de sua função como resultados de inves- resumos".


tigações e recursos para ulteriores investigações. O espírito Dispor-se de informações é achar-se apetrechado para algu-
do homem é aprisionado pelos despojos de suas vitórias ante- m a coisa; é dispor-se da matéria necessária para aplicar-se
208 Democracia e educacio A naturem da matéria de estudo 205,

eficazmente a atividade a um problema e para dar sentido e Já temos insistido bastante em dizer que é experimen-
orientação i pesquisa da solusão e à própria solução. O s conhe- talmente que se prova o valor dos conhecimentos ou dos dados
cimentos informativos são materiais em que nos podemos ba- e das idéias; que em si mesmos eles são hipotéticos ou provisó-
sear como estabelecidos, certos, seguros, em uma situação du- rios. Nossa propensão a acreditar e afirmar prematuramente,
vidosa. São uma espécie de ponte para o espirito, em sua pas- nossa aversão à suspensão de julgamento, são sinais de que
sagem da dúvida para a descoberta. Seu papel é o de inter- tendemos naturalmente a dispensar o processo da verificação.
mediários intelectuais. Eles condensam e registram em forma Contentamo-nos com apticações superficiais e imediatas sem
utilizável os resultados apurados da experiência anterior da largueza de vistas. Se seu resultado é mais ou menos satis-
humanidade, como meio de interpretar e iluminar o sentido de fatório, logo tios deixamos supor que nossas presunções se
novas experiências. Quando se diz a uma pessoa que Bmto confirmaram. Mesmo no caso de mau êxito inclinamo-nos a
assassinou César, que a duração do ano é de trezentos e sessenta pôr a culpa, não na inadequação e inexatidão de nossos dados
e cinco dias e seis horas, ou que a razão do diâmetro de um e reflexões, mas em nossa iná sorte e na hostilidade das cir-
circulo em relação à circunferência deste é igual a 3,1415..., cunstâncias. Acusamos, pelas más consequências, náo ao erro
essa pessoa recebe, em verdade, uma coisa que é conhecimento de nossos planos e a nossa incompleta investigação das condiqões
e s ~ b e rpara os outros, mas que para ela é um estímulo para (obtendo, por esse meio, material para uma revisão dos planos
conhecer, para saber. Sua aquisição de saber depende de sua e estimulo para ampliar as últimas investigações) mas aos fados
reação àquilo que lhe foi comunicado. adversos. Chegamos, mesmo, a ufanar-nos pela firmeza com
que nos apegamos a nossas convicções a despeito do iuau re-
3 . Ciência, o u saber racionalizado. - Ciência é sultado que elas produziram.
o nome do saber em sua mais caracteristica forma. Ela re- A ciência representa a salvaguarda da espécie humana
presenta, de certo modo, o resultado final do aprendizado contra este pendor natural e o mal decorrente do mesmo. Ela
- o termo deste. O que é conhecido, em tal caso, é o que
consiste nos instrumeiltos e métodos especiais que a huma-
é certo, seguro, assente, aquilo que dispomos; é antes aquilo
nidade lentamente criou coiii o fim de orientar a reflexão
com que pensamos, do que aquilo sobre que pensamos. Ern sob condições tais que são verificados seus processos e resul-
sua acepção nobre, conhecimento distingue-se da opinião, da
tados. fi artificial (é uma arte criada) e não espontânea;
conjetura, da especulação e da mera tradi~áo. E m se tratando aprendida, e não inata. Devem-se a este fato o papel único e
de conhecimentos, tomam-se.as coisas coma certas; são deste
modo e não de outro modo duvidoso.. Mas a experiência inapreciável da ciéncia na educação e tambéni os perigos que
faz-nos saber que há diferenqa entre a certeza intelectual da ameaçam seu uso adequado. Sem a iniciação no espírito
científico ninguém se apossa dos melhores instrumentos que
matéria do estudo e a nossa certeza. Fomos feitos, por assim
dizer, para crer; a credulidade é natural. O espirito indiscipli- a humanidade inventou para orientar eficazmente o raciocínio.
nado é refratário ao estado de suspensão e de hesitação in- Sem essa iniciação uma pessoa não só se limita a proceder a
telectual; ele propende a afirmar, gosta das coisas não con- investigações e a estudos sem utilizar os melhores instrumen-
fusas, bem definidas e trata-as como tais sem a devida garantia. tos existentes para esse fim, como também deixa de compreen-
der a plena significação do saber. Pois ela não se familiariza
Prontamente fazemos das coisas habitualmente admitidas, das
apreciações comuns e do que se harmoniza com os nossos com os caracteristicos que diferenciam a opinião da convicqão
fundamentada. Por outro lado, porém, a circunstância de que
desejos, outras tantas pautas para a aferição da verdade. A
ignorância d á origem a erros arraigados e correntes - que a ciência representa o aperfeiçoamento !do saber em condiçóes
de técnica altamente e~~ecializadas,torna seus resultados, con-
são, para a ciência, inimigos piotes do que a própria ignorância.
Um Sócrates é levado por isso a declarar que reconhecer a siderados em si mesmos, afastados da experiência ordinária -
própria ignorância é o começo do eficaz amor à sabedoria, e afastamento comumente designado com a palavra "abstrato".
um Descartes a dizer que a ciência nasceu da dúvida. Quando este isolamento aparece na instrução, as informações
científicas ficam ainda mais expostas aos perigos existentes de
210 Democracia e educa~ãa

apresentação como coisa formal, como "ideais feitas", do que água tem estas relaçóes, como que é constituida por dois átomos
quaisquer outras espécies de informações. de hidrogenio combinados com um de oxigênio. Mas para o
A ciência foi definida, aqui, como método de investigar e f i w ~ fiarti~ular de orientar as descolierfns tendo em vista veri-
verificar. A primeira vista esta concepção parece contrária ficafão de fatos, estis últimas relaçóes tèin importância essen-
à concepção corrente de que ciência sejam conhecimentos orga- cial. Por conseguinte, quanto mais se encarece a organização
nizados e sistematizados. Essa colisão, todavia, é apenas apa- como característico da ciência, mais se reconhece a importáncia
rente, e desaparece ao completar-se a definição ordinária. O priniacial do iilétodo para a defiiiiçáo da ciência. Pois o método
que distingue a ciência não é a simples organização e sim a define a espkie de organizaqão em virtude da qual a ciência
espéci~de organização, efetuada com métodos adequados, das é ciência.
descobertas já submetidas à prova. Os conhecimentos de um
agricultor sistematizam-se na proporção em que ele seja com- 4. A matéria d o estudo, e m s u a natureza social.
petente. Sua organização é feita sobre a base das relações - E m nossos próxiinos capitulos examinaremos várias ati-
entre meios e fim - são organizados praticamente. Sua vidades e estudos escolares, coino estágios sucessivos da evo-
coordenação como saber (isto é, no sentido de conhecimentos lução dos conheciiilentos que acabamos de expor. Resta-nos
devidamente provados e confirinados) é acessória à sua orga- dizer poucas palavras sobre a matéria de estudo em seu aspecto
nização, tendo em vista garantir as colheitas, beneficiar o social, u n a vez que nossas observações precedentes focalizaram
gado, etc. A organização científica é diversa porque tem principalmente seu aspecto intelectual. Até no mais real saber
outros fins. A organização cientifica da matéria é a organi- há diferen~asde amplitude e profundidade como as pode haver
zação que tem particularmente em vista orientar com bom nos dados e idéias relevantes para prohlemas reais e moti-
êxito a empresa da descoberta, à empresa de investigar e saber vados par objetivos. Isso, porque .há diferenças de alcance
como um empreendimento especial. social dos objetivos e de importância social dos problemas.
Uma referência à espécie de segurança que a ciência pro- Com o grande lastro de possíveis materiais a serem selecionados,
porciona lançará luz sobre este ponto. É uma segurança ra- é importante que a educação (especialmente em todas as SUIS
cional, uma garantia lógica. O ideal da coordenação cientifica fases que não sejam as mais especializadas) adote para essa
é, por conseguinte, que todas as concepções e afirmações se- seleção o -critério do valor social.
jam de tal natureza, que umas continuem outras e conduzam a Todas as informações e matérias científicas sistematizadas
outras. 0 s coiiceitos e as proposições subentendem-se e re- foram obtidas em condições de vida social e transmitidas por
foryam-se mutuamente. Esta dupla relação de "conduzir para meios sociais. Mas isto náo prova que tudo seja de igual
alguma coisa e confirmar alguma coisa" é o que significamos valor para o fim de formar-se o espirito e prepararem-se as
com os terinos lógico e racional. Kossa idéia comum sobre pessoas para membros da sociedade atual. O plano de um
a água 6 mais útil para seus usos ordinários, para beber-se, currículo deve tomar em conta a adaptação dos estudos às
lavar, irrigar, etc., do que sua noção química. Sua noção necessidades da vida atual em sociedade; a escolha deve ser feita
como HZOé superior sob o ponto de vista de seu uso e funçáo com o fito de melhorar a vida que levamos em comum, de modo
na pesquisa científica. Ela enuncia a natureza da água de que o futuro seja melhor que o passado. Além disso, deve-se
modo a relacioná-la ao conhecimento de outras coisas, indicando planejar o curriculo colocando-se em primeiro lugar as coisas
a quem lhe compreende a significação como se chegou a esse essenciais, e, em seguida, as que constituem requintes. Coisas
conheciinento e seu alcance sobre outras partes do conhecimento essenciais sáo as socialmente mais fundamentais, isto é, as
da estrutura dos corpos. Para falar-se rigorosamente, ela nào relacionadas com a atividade compartida pelos grupos mais
indica as relações objetivas da água mais do que as indicaria a extensos. E secundárias são as que representam as necessidades
exposição de que a água é transparente, fluida, sem gosto nem de grupos especializados e trabalhos técnicos. Existe verdade
cheiro, servindo para matar a sede, etc. É t i o verdade que a no dizer-se que a educação deve primeiro ser humana e só
depais profissional. Mas os que assim se exprimem têm fre-
212 Democracia e educação -4 natureza da ncatéria de estudo 213

quentemente tio espírito, ao proferir a palavra humano, só Resumo. - -2 matéria da educaçáo cqnsiste prin!.!.
uma classe altamente especializada: a dos homens instruidos que cialmente nas significações que proporcionam sentido e con-
conservam as tradições clássicas do passado. Eles se esquecw teúdo à presente vida social. A continuidade da vida social
de que a matéria se humaniza na proporção em que se relaciona decorre de que a passada experiência coletiva contribuiu coni
com os interesses comuns dos homens, em sua qualidade de muitas dessas significações para a atividade atual. Estes fa-
homens. tores crescem em núniero e em importância à medida que a
A conservação das sociedades democráticas depende, par- vida social se torna mais complexa. Por isso, tornam-se ne-
ticularmente, do costume de organizar-se um curso de estudos cessárias seleção, formulação e organização especiais para o
de critério largamente humano. A democracia não pode flo- fim de serem convenientemente transmitidas às novas gera-
rescer quando os principais critérios para a escolha das maté- cões. Mas este processo tende a converter a matéria do en-
rias educativas são os fins utilitários estreitamente concebidos sino em alguma coisa de valor por si mesma, independente-
para as massas, e, quando se escolhem para a instrução mais mente de sua função de incentivar a compreensão das signifi-
casões encerradas na presente ex~eriknciados imaturos. Mui
elevada dos outros poucos, as tradições de uma classe instruída
especialmente acha-se o e(!ucador exposto à tentaçáo de con-
especializada. A noção de qne os elementos essenciais da
siderar que sua tarefa é desenvolver a capacidade de apro-
educação elementar são os três R (ler, escrever e contar) ( I ) , priação ou aquisição da matéria e reproduzi-la em exposições
esteia-se na ignorância das coisas essenciais requeridas para definidas, independentemente da organização da mesma nas
a realizaçáo dos ideais democráticos. Presume-se, assim, in- atividades dos educandos, em sua qualidade de membros sociais
conscientemente, serem irrealizáveis estes ideais; presume-se a desenvolverem-se. Mantém-se o princípio em sua significação
que no futuro, assim como no passado, terem "ilm meio de eficiente parido o educando começa com ocupações ativas de
vida" deve significar, para a maioria dos homens e mulheres, origem e utilização social e adquire uma compreensão científica
fazer coisas não importantes, nem livremente escolhidas, ou dos materiais e leis implicados nas mesmas, mediante a assimi-
nobilitantes pira aqueles que as fazem; coisas que obedecem a lação, em sua experiência mais direta, das idéias e fatos comu-
fins desconhecidos para aqueles que as fazem e que são exe- nicados por outras pessoas de experiéncia maior que a sua.
cutadas sob a direçso de outras pessoas, tendo-se em vista uma
recompensa pecuniária. Para a preparação de grande número
de indivíduos para essa espécie de vida, e só com este intuito, é
que é essencial a eficiência maquinal no ler, escrever e contar,
juntamente com a obtenção de certa destreza muscular. Tais
condições tainbém eivain de iliberalidade a educação denomi-
nada liberal. Elas implicam uma cultura um tanto parasitária,
adquirida i custa de ficar-se privado da clarividência e dis-
ciplina que derivam do interesse pelos mais importantes pro-
blemas comuns da humanidade. Um programa de estudos
que tenha em vista as responsabilidades sociais da educação,
deve apresentar situações cujos problemas sejam relevantes
para a vida eni sociedade e em que se utilizem as observações
e conhecimentos para desenvolver a compreensividade e o in-
teresse sociais.

1) Três R, eni inglés, se originam de rending, luriting o~rd


rcckoning. (N. do T.).
O jogo e O trahallzo 21 5

ções de cooperação que dão emprego social aos conhecimentos


utilizados. E m suma, os fundamentos para se dar aos jogos e
ao t m a l h o ativo um lugar definido no curriculo são inte-
lectuais e sociais, não constituindo eles, apenas, expedientes
temporários ou prazeres passageiros. Sem alguma coisa desta
natureza, impossivel seria assegurar a normalidade de uin eii-
sino eficaz, isto é, a aquisição de conhecimentos como uma
O brinqzredo ou o jogo E o trabalho $1.0 expansão de atividades tendo seu próprio fim, em vez de sim-
curriculo ples tarefa escolar. Mais detidamente considerados, o jogo
e o trabalho correspondem, ponto por ponto, aos caracteristi-
cos da fase inicial do ato ,de aprender, que consiste, como o
1. O papel das ocupações ativas na educação. - vimos no Último capitulo, em aprender como fazer as coisas
Parte como conseqiiência dos esforços dos reformadores da e no familiarizar-se com as coisas e processos aprendidos ao
educação, parte devido ao crescente interesse pela psicologia fazê-las. É sugestiva a circunstância de os gregos. até o raiar
infantil e parte pela experiência direta nas escolas, os pro- da consciência filosófica, eiilpregarem a mesma palavra techizé,
gramas ou cursos de estudo sofreram consideráveis modifi- para designar a arte e a ciência. Platão explicou siia noção
do saber baseando-a em uma análise dos conhecimentos dos
cações na última geraçáo. A conveniência de tomar-se como
ponto de partida a experiência e aptidões dos educandos e de sapateiros, carpinteiros, mÚsicos, etc., salientando que a arte
se aproveitarein as mesmas para esforço da ação educativa, deles (uma vez que não seguisse meramente a rotina) encer-
levou a adotarein-se espécies de atividade, nos jogos e nos rava um fim, o dominio do material ou da coisa a. que apli-
trab31hos, semelharites àquelas a que se entregam fora da cavam a atividade, o coinando dos instrumentos e u1i.a deter-
escola as criancas e os adolescentes. As "faciildades" gerais minada ordem no trabalho - o que tudo tinha de ser apren-
e já formadas da teoria antiga, a psicologia moderna deu como dido, para seus misteres serem habilidades ou artes inteligentes.
substituto uiii griipo complexo de impulsos e tendências instin- Sem dúvida, a circunstincia de que as crianças se entre-
tivas. A experiência demonstrou que quando se tem. oportu- gam habitualmente a brinquedos e trabalhos fora da escol1
nidade de por em jogo. com atos materiais, os impulsos na- pareceu a muitos educadores uma razão para que se iiiteres-
turais da criança, a ida à escola é para ela uma alegria, mlnter sassem na escola com coisas pol~rinentediversas. O tempo
a disciplina deixa de ser um fardo e o aprendizado é mais fácil. dos trabalhos escolares parecia precioso em excesso para que
elas o enipregassem a fazer coisas que certo fariam de qual-
Algumas vezes, talvez, recorre-se aos brinquedos, jogos e quer forinz. Esta razão é de peso para alcumas condições
ocupaç0es construtivas somente por essas razões. tendo-se prin- sociais. Antieamente, por exemplo, as ocuprições extra-esco-
cipaliiiente eiu vista repousar do tédio e fadiga do trahalho lares proporcionavam uma definida e valiosa preparaqão in-
escolar "regular". Não há, contudo, motivo para usá-los me- telectual e moral. Por outro lado, os livros e tudo o que se
ramente como distraçóes agradáveis. A observação da vida relacionasse cnni eles craiii i-aros e de difícil iitiliza~5o: cons-
mental eviden'ciou o valor fundamental das tendências inatas tituíam a Única válvula de escape em um amhiente limitado
para exploraçóes, para a manipulação de instrumentos e ma- e rude. Quando se verificavam tais condicões. muito pode-
teriais para constru~ões, para a expressão de alegria, etc. ria dizer-se a favor da convergência da atividade escolar para
Quando exercícios sugeridos por estes instintos entram num os livros. Todavia. na maior pai-te das sociedades hodiernas
regular programa de estudos, o aluno dá-se a eles totaliiiente, a situação é mui diversa. As espécies de trahallio a que os
reduz-se a separação artificial entre a vida na escola e fora menores podem dedicar-se, principalmente nas cidades, são
da escola, surgem motivos para dar-se atenção a maior varie- grandemente antieducativas. Coniprova este asserto o fato
dade de processos claraiiiente educativos, e formam-se associa- de constituir dever social a proibiqáo de os menores traba-
21 6 Denzocracin e educação O jogo e O trabalho 217

lharem. Por outro lado, baratearam e divulgaram-se tão uni-


versalmente os trabalhos impressos, e tanto se multiplicaram telectuais e à fornlaçáo de tendências sociáveis. Que signi-
as oportunidades para a cultura intelectual, que a velha espé- fica este princípio?
cie de trabalho livresco está longe de ter a força que costu- Em primeiro lugar, ele repele certas práticas. As espé-
mava possuir. cies de atividades em que os educandos se limitam a seguir
determinadas prescrições e ordens, ou em que reproduzam sem
Mas não devemos esquecer-nos de que um resultado edu-
modificação certos modelos preparados, podem dar habilidade
cativo é um subproduto dos brinquedos e dos trabalhos, na
muscular, mas não exigem a percepcão e elaboração de fins,
maioria das condições extra-escolares. 1í coisa acidental e, nem (o que, por outras palavras, vem a dar na mesma coisa)
não, primacial. Por conseqüência, o desenvolvimento educa- permitem o emprego da reflexão para a seleção e a adapta-
tivo resultante é mais ou menos casual. Muitas espécies de ção de meios. Erraram neste ponto não somente o treino
trabalhos participam dos defeitos da atual sociedade industrial
- defeitos quase fatais a um conveniente desenvolvimento. manual ou os chamados trabalhos manuais senão também mui-
tos exercícios tradicionais do jardim de infància. Além disso,
Os jogos tendem a reproduzir e 'fortalecer não só as excelèn-
cias como também a rudeza do ambiente da vida dos adultos. as oportunidades de os alunos se enganarem tornam-se um re-
quisito acessório. Não que os erros de execução sejam sem-
Torna-se, portanto, função da escola conseguir um ambiente
em que os jogos e os trabalhos se orientem para o escopo pre desejáveis, mas porque o excesso de cuidado n a escolha
do material e artifícios que impedem o aparecimento dos en-
de facilitar o desejável desenvolvimento mental e moral. Não sejos de errar cerceia a iniciativa, reduz os atos de julgar a
basta que nela se introduzam brinquedos e' jogos, trabalhos
um mínimo, e obriga ao uso de métodos tão afastados das si-
manuais e exercícios manuais. Tudo depende do modo por tuações complexas da vida, que a habilidade ganha será pouco
que forem empregados estes recursos.
aproveitável. É grande verdade . o tenderem as crianças a
exagerar suas possibilidades de execução e preferir projetos
2 . Ocupações proveitosas. - A simples cataloga- que se acham além das mesmas. Mas a limitação das apti-
ção das espécies de atividade que já penetraram nas escolas dões é coisa que tem de ser aprendida; aprende-se, assim co-
indica a riqueza do terreno disponível. Há trabalhos com mo outras coisas, com a experiência das conseqüências. Gran-
papel, papelão, madeira, couro, barbante, argila e areia, e de é o perigo de que as crianças queiram realizar projetos mui
Metais, com ou sem aparelhos e instrumentos ou máquinas. complexos, cuja conseqüência será simplesmente atrapalha-
Os processos empregados são dobrar, cortar, furar, medir, rem-se e, não só produzirem resultados inferiores ( o que im-
modelar, fazer moldes e modelos, aquecer e esfriar, e as apli- porta pouco) como também adotar padrões inferiores ( e isto
cações próprias de instrumentos como martelos, serrotes, muito importa). Mas será do professor a culpa se o educan-
limas, etc. Excursões, jardinagem, cozinhar, costurar, impri- do não perceber no devido tempo a deficiéucia de suas realiza-
mir, encadernar livros, tecer, pintar, desenhar, cantar, drama- qões, e desse modo não tiver um estímulo para tentar dedicar-
tizar, contar histórias, ler e escrever - como trabalhos ativos se a exercícios que aperfeiçoem suas aptidões. Enquanto isso,
com finalidades sociais ( e não como simples exercícios para será mais importante manter-se vivida uma atitude criadora e
adquirir proficiència que futuramente seja usada) além de uma construtora, do que assegurar-se um perfeito resultado exte-
inumerável variedade de brinquedos e jogos, constituem algu- rior, fazendo o aluno entregar-se a trabalhos regulados com
mas espécies de ocupação. muito rigor e rninúcia. Pode-se insistir no bem acabado e
O problema do educador é fazer que os alunos se dedi- na perfeição de detalhes das partes de algum trabalho com-
quem de tal modo a essas atividades que, ao mesmo tempo plexo que estejam ao alcance das aptidões do educando.
em que adquiram habilidade manual e eficiência técnica e en- I
Vê-se não só no material fornecido, como também co
contrem satisfação imediata nesses seus atos, e juntamente se conteúdo das ordens do professor, uma inconsciente falta de
preparem para habilitação ulterior, sejam essas atividades su- confiança na experiência natural do educando. O professor
bordinadas à eduracáo - isto é, à obtenção de resultados in- exagera na regulação exterior dos atos daquele. O receio do
O jogo e o traballio 219

material bruto patenteia-se nos laboratórios, nas oficinas de a proporcionar conhecimentos sobre os cubos, as esferas, etc.,
trabalhos manuais, nos jardins de infância de Froebel e na e a criar certos hábitos de manipulação do material (pois tu-
casa da infância de Montessori. O que esses institutos for- do deve sempre ser feito "deste modo assim assim") jiilgan-
necem são materiais que já tenham sido subtnetidos ao tra- do-se que a falta de objetivos mais vitais seja compensada pelo
ballio aperféiçoador do espirito: exigência que tanto se re- pretenso simbolismo do material empregado. Reduz-se o treino
vela no material das ocupações ativas como nos livros de es- manual a uma série de atos ordenados, atos que se destinam a
tudos acadêmicos. É certo que esse material influi nos atos assegurar a perícia no uso de uin instrumento depois de outro,
dos discipulos, evitando que cotiietam erros. Mas falsa é a
nocão de que o discípulo que trabalhi com esse material absor-
e a habilidade técnica nos vários elementos da construção -
como suas diferentes articulações. Alega-se que os alunos de-
verá a inteligência originariamente empregada para seu fa-
vem saber como usar os instrumentos antes que empreenda111
brico. Só principiando com o material bruto e submetendo-o
fazer qualquer coisa - no pressuposto de que, enquanto a
a manipulaqões intencionais ele adquirirá a inteligência conti-
fizessem, os alunos náo poderiam aprender o dito uso.
da no material confeccionado. hja prática, a preferéncia exa-
gerada pelo material já preparado conduz â predileção exage- A justa insistência de Pestalozzi sobre a iitilização ativa
rada pelas propriedades matemáticas, por isso que à inteli- dos sentidos, em substitiiição ao método de fazer decorar pa-
gência interessam as propriedades físicas do tamanho, forriia lavras, concretizou-se, na prática escolar, em esquemas para
e proporcões das coisas, e as relações que derivam das mes- "liqões de coisas" destinadas a familiarizar os discipulos coni
todas as qualidades das coisas escolhidas. O erro é o mes-
mas. Mas estas propriedades apenas ficam sendo conlzecidas
quando sua percepção é o produto da atividade com desígnios mo; em todos esses casos presume-se que se devem conhecer
que reclainem a atenção para elas. Quanto mais huniano for as propriedades dos objetos antes que estes possam ser inteli-
o desigtiio, ou quanto mais se aproximar dos fins providos gentemente usados. O fato é que os sentidos são usados nor-
de interesse da experiencia quotidiana, mais real será o co- malmente no curso do inteligente uso das coisas (isto é, do
nhecimento. Quando o intuito da atividade se limita a veii- uso com um objetivo) desde que as qualidades percebiilas se-
ficar a existência dessas qualidades, o conhecimento resul- jam fatores com que devamos contar para a realização de
tante é meramente técnico. nosso intento. É prova disto a atitude diversa de um me-
Dizer-se que as ocupações ativas devem interessar-se pri- nino a fabricar, por exemplo, um papagaio, a atender i tex-
macialmente pelos todos, é enunciar de outro modo o mesmo tura fibrosa e outras qualidades da madeira, ao tamanho, ângu-
los e proporções das partes, e a de outro menino em uma
principio, que vimos analisando. Todavia, os todos para fins
liçáo de coisas sobre uin pedaço de madeira, na qual unica-
educativos não são questãio de todos físicos ou materiais. In- mente a madeira e suas propriedades constituem o assunto
telectualmente, a existência de um todo depende de algum in-
teresse; ele é qualitativo, é a plenitude do interesse desperta-
do por uma'situaçk. Exagerado desejo de dar proficiência
I da lição.
O fato de náo se compreender que unicamente o deseii-
mecânica independente de um objetivo atual, leva a planeja- volvimento funcional de tima situaqáo constitui um "todo"
mento de exercicios sem um fim consciente à vista. Nos la- para os efeitos da inteligência, foi a causa das falsas noções
boratórios fazem que o trabalho consista em obterem-se me- que prevaleceram na instrução relativamente ao simples e ao
didas exatas com o fim de adquirir-se o conhecimento das uni- complexo. Para a pessoa que vai exercer sua atividade sobre
dades fundamentais da física, ser11 o contacts com problemas um material, a coisa simples é o seu objetivo - o uso que
que dêem importância a essas unidades; ou em atos destina- ela deseja fazer do material, utensilio ou processo técnico, por
dos a facilitar o emprego de aparelhos para experiências. mais conlplicado que seja o processo da execução. A unida-
Adquire-se a técnica independentemelite do objetivo da desco- de de objetivo e o conjunto dos detalhes que ela suhentende
berta e da verificação, que, só ele, daria significação àquela. conferem simplicidade aos elementos com que o aluno contará
O s exercícios do jardim de infância são regulados de modo na execusão. Ela fornece a cada qual uma significação úni-
220 Democracia e educa~Jo O jogo e o trabalho 221

ca de acordo com o serviço que vai prestar em toda a referi- como um agradável Ela proporciona meios de
da execução. Finda esta, as qualidades e relações coustituti- conhecer o lugar que ocupavam a agricultura e a horticultura
vas da atividade empreendida tornam-se seus elementos, pos- na história da humanidade e qual o que ocupam na presente
suindo cada qual uma significação definida. A falsa noção organização social. Praticada em um ambiente regulado edu-
referida coloca-se no ponto de vista do especialista ou do téc- cativamente constitui meio para se fazer o estudo dos fatos
nico, para quem, exclusivamente, é que existem elementos; do desenvolvimento das plantas, da química do solo, do pa-
isola-os, a esses elementos, da atividade empreendida com uma pel da luz, do ar e da umidade, dos animais daninhos e
finalidade e apresenta-os aos principiantes como sendo as coi- úteis, etc. Nada existe no estudo da botáuica elementar que
sas "simples". não possa ser trazido à baila, associado de modo frutífero aos
Mas é tempo de chegarmos a conclusões positivas sobre cuidados com o desenvolvimento das plantas. E m vez de per-
este assunto. Além da circunstàucia de que as ompaqões ati- tencer essa matéria a um estudo particular denominado bo-
vas representam coisas a fazer, e não estudos, sua significação tânica, pertencerá i vida, e encontrará, além disto, suas corre-
educativa está na circunstância de poderem representar situa- lações naturais com os fatos do solo, da vida animal e das
ções sociais. Os interesses comuns e fundamentais dos bo- relaçóes humanas. A proporção que os estudantes se desen-
mens convergem para o alimento, a habitação, o vestuário, os volvem, notarão problemas interessantes que poderão elucidar,
móveis caseiros e as coisas referentes ?A produyão, à troca e pelo amor à descoberta, independentemente de seu originário
ao consumo. Representando por igual as necessidades da vida interesse direto pela jardinagem - problemas relacionados
e o adorno com que as necessidades foram revestidas, eles fa- com a germinação e a nutrição dos vegetais, com a produ-
lam profundamente aos instintos, e saturam-se de fatos e ção de frutas, etc., realizando-se, assim, a transição para as
princípios providos de qualidade social. investigações intelectuais, empreendidas deliberadamente.
Acusar as várias atividades da jardinagem, de tecer, das I3 claro que o mesmo exemplo se aplicará ás outras
construções em madeira, dq nlanipulação de metais, do co- ocupações escolares - trabalhos em madeira, cozinha e assim
zinhar, etc. - que conduzem estes interesses humanos fun- por diante. É oportuno mencionar-se que na história da
damentais para a vida escolar - de terem unicamente valor humanidade as ciências se desenvolveran? gradualinente, por
como ganha-pão, de serem puramente "utilitários", é deixar intermédio das clçupações sociais úteis. A física se desenvol-
de compreender a sua importincia. Se as multidões huma- veu lentamente com o uso de instrumentos e de máquinas;
nas nada encontram habitualmente em suas ocupações in- o importante ramo da fisica chamado mecânica atesta com o
dustriais a não ser males que devem ser sofridos em henefi- seu nome a sua associação originária. A alavanca, a roda,
cio da conservação da existência, a culpa não é daquelas o plano inclinado, etc., figuram entre as primeiras grandes
ocupações e sim das condições em que são levadas a efeito. descobertas intelectuais da espécie humana e não são menos
A importância' continuamente crescente dos fatores eco- intelectuais pelo fato de terem sido feitas quando se pro-
nômicos na vida contemporânea torna mais necessário que a curavam meios de realizar fins práticos. O grande progres-
educação Ihes revele o conteúdo científico e o valor social. so cientifico da eletricidade, na ultima geraçáo, associou-se
Pois nas escolas não se dedicam os alunos àquelas ocupações estreitamente, como efeito e como causa, à aplicação da ener-
com o intuito de lucros pecuniários e sim por seu próprio gia elétrica como meio de cou1unicaçã0, transporte, iluminaç,áo
conteúdo. Livres de associações estranhas e da premência de de cidades e de casas, e mais econômico fabrico de produtos.
necessidade de ganhar o salário, elas fornecem modalidades Além disso, estes fins são sociais; e o fato de se acharem
de experiência dotadas de valor intrínseco; são em verdade intimamente associados à noção de lucros particulares não é
qualitativamente liberais e humanas. devido a alguma coisa que lhes seja peculiar e sim por te-
Não é indispensável, por exemplo, que se ensine a jar- rem sido desviados para o uso dos particulares - circuns-
dinagem com o intuito de preparar futuros jardineiros ou tância que investe a escola da atribuição de restabelecer-lhes
a conexão. no espírito das próxitnas gerações, com os inte-
222 Democracia e educafõo O jogo c o trabalho 223

resses cientificos e sociais do povo. De modo análogo, sur- dições, é mais apropriado esse modo de proceder para a aqui-
giu a química dos processos de tingir, alvejar, de trabalhos sição de conhecinlentos, do que o de formular isolados ra-
em metais, etc., e nos tempos recentes teve inúmeros outros ciocínios lógicos. Desenvolveram-se as experimentações nos
usos novos na indústria. séculos dezessete e seguintes e tornaram-se o nlodo autorizado
As matemáticas são agora ciências altamente abstratas; de conquistar conhecimentos quando os interesses dos homens
a geometria, porém, significa, ao pé da letra, medição d a convergiram para a questão do dorninio da natureza para fins
terra: o uso prático dos números para contas, a fim de con- hun~anos. As ocupações ativas em que se fazem aplicações
servar sinais das coisas, e para medir, é hoje mais impor- sobre coisas materiais com o propósito de produzir mudanças
tante ainda do que nos tempos em que os inventaram para úteis, foram a mais importante introdução ao método expe-
esse fim. Tais considerações (que se poderiam duplicar na rimental.
história de qualquer ciência) não servein de argumentos para
pleitear-se uma recapitulayáo da nistória da humanidade, nem 3 . Trabalho e jogos. - Aquilo quc i h a ~ n a n ~ o s
para se permanecer muito tempo no estágio primitivo dos mé- ocupações ativas, tanto compreende os jogos como o traba-
todos grosseiros. Mas indica111 as possibilidades - maiores lho. E m sua significação intrinseca, jogos e indústria ou tra-
hoje do que nunca ainda o foram - de utilizar as ocupa-
balho não são absolutamente coisas tão contrárias, como se
ções ativas conio oportunidades para estudos cientificos. As julga com freqüência; qualquer vivo contraste que haja entre
oportunidades são igualmente iiunierosas quanto ao aspecto
social, quer encarando-se a vida coletiva humana em seu pas- essas duas coisas será devido somente a indesejáveis condições
sado, quer no futuro. O caminlio mais direto para os prin- sociais. Ambos subentendem fins conscienteniente demanda-
cipiantes se iniciarem na ciência do governo e em economia dos, e seleção e adaptaçjo de materiais e processos destina-
politica e instrução civica, encontra-se no conhecimento do dos a conseguir os desejados fins. A diferença entre os dois
papel e da função das ocupações industriais na vida social. é em grande parte a de duração de tempo, influindo na co-
Até para estudantes de mais idade, as ciências sociais não
I nexão direta dos meios coin os fins. Nos jogos ou brinque-
seriam tão abstratas e formais se as tratassem menos conio I dos o interesse é mais imediato - fato este que frequente-
ciências (menos como definidos corpos de conhecinlentos) e I mente assinalamos dizendo que neles a atividade é o seu pró-
mais no seu material direto, tal como se encontra na vida , prio fim, em vez de um resultado ulterior. É exata esta
quotidiana dos agrupamentos sociais de cuja vida o estudante assevera~ão, mas será falsamente interpretada se quisernlos
participa. I
com isso significar que a atividade dos jogos é momentânea,
A relação das ocupações com o método da ciência é pelo não dispondo de elementos para previsões, nem de continuida-
nieiios t i o intima como com o material, o conteúdo dela. Os de. A caça, por exemplo, é unia das espécies mais comuns
séculos em que havia lentidão nos progressos da ciência fo- das diversões dos adultos; e neste caso é clara a existência da
ram aqueles em que os doutos sentiam desprezo pelas coisas i previsão e da orientaçáo da atividade atual por meio daquilo
e processos da vida prática, especialmente pelos referentes às que se tem em vista. Se uma atividade for seu próprio fim,
ocupações manuais. Por conseguinte, esforçavam-se para de- ! no sentido de que o ato de dado ?nomeyto é por si mesmo
duzir de principias gerais os conhecimentos - quase como 1 completo, será piirai~lentenaterial ; n,5o terá si:iiificação. Nesse
se os tirassem de suas próprias cabeças por meio de raciocí- caso, ou a pessoa faz movimei~tosirreflexivos, procedendo ce-
nios lógicos. Parecia tão absurdo que os conhecin~entospu- gamente, talvez imitativainente, ou se apresenta em estado de
dessem provir dos atos coin e sobre as coisas materiais (exem- excitação que esgota sua capacidade espiritual e o sistema ner-
plo: pingar-se ácido em uma pedra para ver o que resulta) voso. Ambos esses resultados podem ser notados em algumas
como se proviessem do fato de espetar a sovela e fazer pas- 1 espécies de jogos de jardim de infância, nos quais a idéia si111-
sar um fio encerado num pedaço de couro. Mas o surgir bólica é tão elevada que só o adulto te111 consciência dela. A
dos métodos experimentais provou que, regulando-se as con-
1 menos que as criancas concebarn a esse respeito al,.uma idéia
224 Democracia e educacFo O jogo e o trabalho
própria, mostram-se em relação a esses simbolos como que
em transe hipnótico ou limitam-se a corresponder a uma ex- tar a pessoa a ter a consciência e a medida de suas próprias
aptidões. Quando as crianças reconhecem que o "fazer de
citaçáo direta.
conta" não passa de "fazer de conta", o artificio de imagi-
O que desejamos concluir dessas observações é que os nar que os objetos sejam isto ou aquilo torna-se, por si, de-
jogos têm um fim, no sentido de uma idéia orientadora que masiado sin~plespara estimular uma ação intensa. Basta
dá sentido aos atos sucessivos. As pessoas que estão a jo- observar o aspecto das crianças que estão verdadeiramente
gar não se acham apenas a fazer alguma coisa (simples mo- brincando, para notar-se que sua atitude é a de absorverem-
vimentos físicos); elas estão experimentando fazer ou con- se inteiramente no brinquedo; a absorção não pode continuar
seguir alguma coisa, atitude esta que implica previsões de re- quando as coisas já não proporcionam adequado estímulo.
sultados que estimulain as suas reações atuais. Náo obstante Quando resultados razoavelmente remotos e de caráter
o resultado previsto é mais um ato subseqüente do que a pro-
definido sáo antevistos e se empregam esforqos persistentes
dução de uma mudança especial nas coisas. Por conseqüên- para consegui-los, os jogos ou brinquedos transformam-se em
cia, o jogo é livre e plástico. Quando se deseja conseguir trabalho. Bem como os jogos, este significa atividade com
determinado resultado exterior, tem-se que se demandar o fim
com alguma persistência, a qual deverá ser maior na medida um objetivo e não difere dos mesmos pelo fato de ser a ati-
em que o resultado em vista for complexo e requerer longa vidade subordinada a unz resultado exterior e sim porque a
idéia de um resultado a conseguir ocasiona uma atividade
série de adaptações intermediárias. Quando o ato em vista mais duradoura. Requer maior continuidade de atenção e
é uma outra atividade, náo se torna preciso prever coisas re-
maior emprego da inteligência para a escolha de adaptação
motas e é possível modificá-lo fácil e frequentemente. Se a dos meios necessários. Desenvolver o que estamos dizendo a
criança está fazendo um barquinho, ela se acha a visar um só
este respeito, seria repetir o que ficou exposto ao tratarmos
objetivo, devendo orientar grande número de seus atos para dos objetivos, do interesse e da reflexão. É pertinente, po-
essa idéia única. Se, porém, estiver a "brincar de barqui- I rém, indagar-se porque é tão corrente a opinião de que o tra-
nho", poderá modificar, quase que à vontade, o objeto que
lhe serve de barquinho e introduzir no brinquedo os novos 1 balho subentende a subordinação da atividade a um ulterior
resultado material.
elementos que a fantasia lhe sugerir. A imaginação faz o
que quer, com cadeiras, blocos de madeira, folhas, gravetos, A forma extrema desta subordinaçáo, isto é, o trabalho
para que sirvam ao objetivo de continuar o brinquedo. i1 penoso, a tarefa, oferece-nos uma chave para a solu~ãodo
caso. A atividade, em tais condições de corrpulsáo ou coa-
Desde os primeiros tempos da vida da criança não se
notam, entretanto, periodos exclusivos de brinquedos e de ção externa, náo é feita por dar-se alguma significaçáo ao
que se está fazendo. A atividade náo satisfaz por si mesma;
trabalhos e, sim, unicamente, um maior relevo em um ou ou-
tro. Há resultados determinados que até as crianças mui no- ela é um simples meio de evitar-se algum castigo ou de ga-
nhar-se, com a sua conclusão, alguma recompensa. Suporta-
vas desejam conseguir, esforçando-se para esse fim. Basta se o que é desagradável para evitar-se outra coisa ainda mais
para isso, à falta de outra coisa, seu ardente desejo de com-
desagradável ou para garantir-se uma paga prometida por
partilhar das ocupações dos demais. A s c r i a n ~ a s querem outrem. E m condiqóes econ6micas não livres, sempre existi-
"ajudar", anseiam por praticar os atos dos adultos que pro- rá este estado de coisas. O trabalho manual ou industrial
duzem modificações exteriores: pôr a mesa, lavar pratos, apresenta pouca coisa em que se empreguem os sentimentos
cuidar dos animais, etc. Elas gostam de fazer seus próprios ou a imaginação; sáo séries de aturados esforços mais ou me-
brinquedos e aperelhos. A proporçáo que vão crescendo, per- nos maquinais. Só o desejo de ver completo o seu trabalho,
de para elas o interesse a atividade que não produz resultados é que pode manter a pessoa em sua atividade. Mas, se o fini
tangíveis. O s brinquedos convertem-se então em peraltices fosse intrínseco à ação assaria a ser o fim desta - uma
e, como tais, caso se habituem a elas, prejudicam-se-lhes o parte de seu próprio curso. Por esta causa, ele proporcio-
moral. O s resultados concretos são necessários para habili- naria ao esforço um estímulo mui diverso daquele que sur-
226 Democracia e educagão O jogo e o trabalho 227

ge da idéia de resultados que nada tém que ver com a ativi- bilidade e conhecimentos dos materiais, instrumentos e leis
dade manifestada. Como já ficou exposto, a ausência de do esforço quando nos dedicamos às atividades por si mes-
compressão econômica nas escolas abre ensejo para reprodu- mas. O fato de serem de natureza social dá às aptidões e
zirem-se as situações industriais da vida adulta em condições conhecimentos adquiridos a faculdade de se tornarem aplicá-
em que a atividade se manifeste tendo em vista a si pró- veis a situações extra-escolares.
pria. Se em alguns casos o lucro pecuniário resultar de uma fi importante não equiparar a distinção psicoiógica entre
atiuidade, embora não seja o principal motivo desta, essa cir-
o brinquedo e o trabalho, com a distinção econômica entre
cunstáncia pode perfeitamente reforçar a significação da
os mesmos. Psicologicamente, o característico que define o
ocupação. brinquedo ou jogos não é o servirei11 de divertimento nem a
Nos lugares em que existe o tipo de trabalho semelhante falta de objetivo. fi a circunstância de ser o objeto a idiia
ao trabalho compulsório ou à precisão de executar tarefas por de desenvolver-se mais atividade no iuesmo sentido, sem se
imposição externa, persiste a necessidade dos jogos, mas ten- definir a continuidade de ação no sentido de visar resulta-
de a ser perversora. O curso ordinário da ação não pro- dos futuros. Quanto mais complexa se torna a atividade,
porcibna estinlulo adequado aos sentimentos e à imaginação. mais significativa se torna, pela maior, atenção aos resulta-
Por isso, na hora de lazer há a imperiosa necessidade de to- dos especiais conseguidos. Deste modo ela se transforma gra-
das as espécies de meios que os estimulem; recorre-se aos jo- dualmente ein trabalho. An~basas coisas são igualinente livres
gos a dinheiro, as bebidas, etc., ou, em casos menos extre- e providas de n~otivagãointrínseca, separadas das falsas con-
mos, a divertimentos menos perniciosos, a tudo o que faz dições econômicas que tendem a transformar os jogos em
passar o tempo produzindo imediata sensação agradável. Re- excitações ociosas para a classe abastada e o trabalho em
creação, conforme a palavra o indica, é o recobramento da esforço desagradável para os pobres. O trabalho é psicolo-
energia. Nenhuma exigência da natureza humana é mais im- gicamente apenas uma atividade que conscientemente implica
periosa, ou menos poderá deixar de ser satisfeita. É abso- a atenção voltada para as cotisequências como partes de si
lutamente falsa a idéia de que essa necessidade possa ser su- mesma; torna-se trabalho coinpulsório quando as consequên-
primida; e a tradição puritana, que não a reconhece, acarre- cias são exteriores à atividade, conio fins para os quais a ati-
tou consideráveis males. Se os trabalhos escolares não pro- vidade é unicamente um meio. O trabalho associado com a
porcionarem ensejo para recreações salutares e não exercita- atitude do jogo é arte - se iião pela designa(50 convencio-
rem a aptidão para procurá-las e encontrá-las, os instintos nal, pelo menos em qualidade.
recalcados se expandirão por toda a espécie de válvulas ilici-
tas, às vezes abertamente, outras confinados nas fantasias
imaginativas. Nenhuma responsabilidade da educação é mais
séria do que a de fornecer adequada provisão de lazeres re-
creativos - não só no direto beneficio da saúde, como tam-
bém, e mais ainda, se possivel, para produzirem duradouros
efeitos nos hábitos do espirito. A atitude artística, novamente
o dizemos, é que satisfaz esta exigência.

Resumo. - No capitulo antecedente vimos que o


material inicial do conhecimento é o contido no aprender a
fazer as coisas de modo direto. O equivalente educacional
deste principio é o uso coerente de ocupações simples que
provoquem a manifestasão das aptidões dos educandos e re-
presentem modos gerais de atividade social. Adquirimos ha-
A geografia e a lzistória 229

siderados no capítulo precedente, é que são os instrumentos


mais diretos para atingir-se tal extensão de significações.
Quando se desenvolvem em condições convenientes, elas são
ímãs que reúnem e retêm um acervo infinitamente vasto
de considerações intelectuais. Fornecem centros vitais para
CAPITULO 16
o recebimento e a assimilação de conhecimentos informati-
vos. Quando estes são fornecidos em massa apenas como
A siglzificação do geogvafia e da história informações a serem retidas por si próprias, tendem a es-
tratificar-se sobre a experiência vital. Mas, entrando como
fatores em uma atividade empreendida pelo seu próprio mé-
1 . Extensão d a significação d a s atividades primá- rito - quer como meio, quer para a amplias50 do conteúdo
rias. - Nada é mais singular d o que a diferenca entre do objetivo - são verdadeiramente informadoras. A com-
uma atividade em seu caráter meramente físico e a riqueza preensão direta das coisas funde-se com aquilo que foi in-
de significaçóes que pode vir a ser extraída dela própria. Ex- formado ou objeto da informação de outrem. A experiên-
teriormente, um astrônomo olhando por um telescópio é se- cia individual torna-se então capaz de apropriar-se, de reter
melhante a uma criança que olhasse pelo mesmo instrumento. os resultados da experiência do grupo a que o indivíduo per-
E m ambos os casos há uma disposição de vidro e metal, um tence - inclusive o: resultados dos sofrimentos e provações
olho e uma pequena pinta remota de luz. Todavia, em algum em longos trajetos de tempo. E não há ponto fixo de sa-
momento crítico, a atividade do astrônomo poderia estar con- turação além do qual a absorção seja impossível. Quanto
centrada a observar o surgir de um mundo, e ter como con- mais a pessoa apreende e percebe, tanto maior será a sua
teúdo significativo tudo o que se conhece sobre o céu estre- capacidade para assimilação ulterior. Com as curiosidades
lado. Sob o ponto de vista material, o que o homem fez novas surgem novas receptividades e com o acréscimo adqui-
neste globo em seu progresso da selvageria â civilização não rido de conhecimentos surgem novas curiosidades.
passa de mero arranhão em sua superfície, arranhão não per- As significações com que os atos se enriquecem dizem
ceptivel a uma distância pequena, relativamente ao alcance respeito à natureza e ao homem. Isto é um evidente truís-
do nosso próprio sistema solar. Mas, em sua significação mo que adquire, contudo, significação quando traduzido em
aquilo que tem sido realizado mede a distância entre a civili- equivalentes educacionais. Significa, então, que a geografia
zação e a selvageria. Embora as atividades, materialmente e a história fornecem material que criam o fundo de quadro
consideradas, tenham mudado alguma coisa, pequena 6 essa e perspectiva intelectual para aquilo que de outra forma se-
mudança comparada com a magnitude e a extensão das sig- riam simples ações estreitamente pessoais ou meras modali-
nificações atribuídas àquelas atividades. Não há limite para dades de perícia técnica. A cada aumento da possibilidade
a significação que um ato possa vir a possuir. Tudo de- de locar nossos próprios atos em suas relações de tempo e
pende do contexto de relações percebidas na qual o ato es- espaço, corresponde uma possibilidade de lhes aumentar a
teja localizado; o alcance da imaginação para conceber rela- significa$io e o conteúdo. Damo-nos acordo de que não
ções é ilimitado. somos cidadãos de nenhuma insignificante aldeia a o desco-
brirmos no espaço a cena de que somos participantes e a con-
A vantagem adveniente para a atividade do homem, do tinuidade da manifestação de esforços no tempo, da qual so-
apreender e descobrir significações, torna sua educação dife- mos herdeiros e continuadores. Desta maneira nossas ordi-
rente do fabrico de um utensílio ou do adestramento de um nárias experiências quotidianas cessam de ser coisas do mo-
animal. Estas coisas aumentam a eficiência, mas não de- mento e adquirem consistência duradoura.
senvolvem a significa~áodas coisas. A importáncia educa-
tiva das ocupações constituídas pelos jogos e trabalhos con- Mas se a geografia e a história forem ensinadas como
matérias já feitas e sistematizadas que um indivíguo estuda
A geografi+ e a história 23 1

simplesmente porque o mandaram à escola, é natural que os princípios da mecânica. Cozinhar é utilizar-se o calor e
aprenda igualmente grande número de conliecinientos, mas a água para alterar as relações químicas dos alimentos ma-
sobre coisas remotas e estranhas à experiência quotidiana. teriais; essa operação influi na assimilação do alimento e no
Divide-se a atividade e criam-se dois mundos distintos em desenvolvimento do corpo. Tudo o que os cientistas mais
que, em períodos alternados, empregamos iiossa atividade. doutos conhecem sobre física, química e fisiologia não basta
Nenhuma transmutaçáo se efetua; a experiência ordinária para tornar perceptíveis todas essas conseqüências e relações.
não se enriquece ein sigiiificaçáo apreendendo as relações A tarefa da educação, di-10-emos uma vez mais, é fazer
entre aqueles mundos; aquilo que se estuda não é vivifica- que tais atividades se manifestem de tal modo, e em tais
do, nem torna00 real, pela inclusão direta em uma ativi- condições, que tornem essas relaçóes o mais perceptíveis pos-
dade. Nein seqiier a experiência ordinária continua a ser sível. "Estudar geografia" é aumentar a faculdade de per-
o que era, isto é, limitada, inas eficaz? viva. Ao contrário, ceber as relações espaciais, naturais, de um ato ordinário;
,c aprender história" é essencial para aumentar a capacidade
ela perde algo de sua iiiobilidade e sensibilidade às sugestões;
é asfixiada e posta à margem por unia sobrecarga de co- de reconhecer as relaqões humanas do mesmo ato. Pois o
i~liecii~iei~tos iiiassiiiiilados. Desaparece sua maleável capa- que chamamos geografia como estudo concateiiado é sim-
cidade de reagir e seu vigilante anseio de novas significações, plesmente o conjunto de fatos e princípios descobertos pela
de mais larga compreensão. Um mero aciimulo de conhe- experiência de outros homens acerca do meio natural em que
ciinentos, separado dos interesses diretos da vida, petrifica o vivemos, em coiiexáo com o qual os atos particulares de nossa
espírito; sua elasticidade desaparece. vida têm uma explicação. Do mesmo modo, a história co-
Norinalmente toda a atividade, em que alguétn se etiipe- nio estudo coordenado é unicamente o corpo de fatos co-
nha pelo seu próprio valor, projeta seu alcaiice para além nhecidos sobre as atividades e sofrimentos dos grupos so-
de siia esfera imediata de ação. Ela não espera passiva- ciais nos quais se insere, em perfeita continuidade, a nossa
mente que lhe forneçani conhecin~entos que lhe acresçam a própria vida e com os quais se iluminam e se esclarecem os
significaçZo; procura-os. A curiosidade não é uma coisa nossos próprios costumes e instituições.
isolada e casual, e si111 a conseclüência iiecessária do fato de
qiie uina esperiêiicia é utiia ioisa nióvel e em marcha, bus- 2. A natureza complementar d a história e d a geo-
cando toda a espécie de relações coiii oulras coisas. A grafia. - A história e a geografia - incluindo-se nesta
ciiriosidade é apenas o desejo de perceber essas relaçóes. Última, por motivos que serão em pouco meiicionados, as
Compete aos educadores proporcionar um ambiente em que ciências naturais - são por excelência os estudos escolares
esse alcance maior de uma experiência possa ser fartamen- inforinativos". O exame dos seus materiai? e do método
'C.

te estirniilado e eficazmente maiitido em constante atividade. de seu uso patentearão que a diferença entre a penetraçáo
Em certas espécies de ambiente a atividade pode ser de tal dessas informações na experiência viva e atual, e sua mera
modo constringida que a única significaçáo que lhe fique acuinulação em montes isolados, depende de atenderem esses
seja a de seu direto e tangível resultado isolado. Uma pes- estudos à interdependência do homem e da natureza, inter-
soa pode coziiihar, trabalhar ou passear, e as conseqüências dependência que proporciona a esses estudos sua justifica-
resultantes náo conduzirem o espírito a mais do que as con- ção. E m nenhum outro, porém, é inaior o perizo de que
seqüências dos atos de cozinhar, trabalhar ou passear no sen- o conteúdo dos estudos seja aceito como apropriado aos fins
tido literal - ou físico. No entanto, as conseqüências des- educativos, simplesmente p o r g e se tornou um hábito ensi-
ses atos são providas de longo alcance. Caminhar suhen- ná-lo e aprendê-lo. Considera-se como fantasia vá a idéia
teticle u ~ i i deslocaiiiento e a reação da resistência da terra, de haver para isso uma razão filosófica, que é a capacidade
de operar esse material uma valiosa transformação da expe-
cuja vibração se faz sentir onde quer que exista matéria.
riência- ou como parolagem retumbante ein apoio daquilo que
Coinpreende a estrutura das pernas e do sistema nervoso, e
já foi feito. As palavras "história" e "geografia" sugerem
232 Democracia e educacão '
A geografia c a história 233

unicamente as matérias tradicionalmente ensinadas nas esco- dar esta definição do qiie apresentar especificadarneiite a
las. O volume e a variedade dessas matérias desanimam matéria geográfica em suas rela~óes vitais com a vida hu-
os que tentam ver em que realmente consistem, e como po- mana. A habitação, as empresas, os triunfos e os fracas-
dem ser ensinadas para cumprirem sua missão na experi- sos dos homens são as coisas que justificani a inclusão dos
ência dos alunos. Mas a menos que a idéia de que existe dados da geografia no material educativo. RIas para man-
uma diretriz unificadora e social na educação seja uma pre- ter reunidas essas duas coisas é necessária uma imaginação
tensão ridícula, matérias de tão grande vulto nos programas, rica de conhecimenios e culta. Se esses elos se romperem,
como a história e a geografia, devem exercer uma funFão a geografia apreselita-se como aquela moxinifada de fragnien-
geral no desenvolvimento de uma experiência verdadeira- tos descoiiexos que com tanta freqüência vemos. Antolha-
mente socializada e intelectualizada. Deve-se empregar a des- se um verdadeiro saco de retalhos, uma miscelinea de coi-
coberta desta função como um critério para se experimentar sas intelectuais: aqui, a altura de uma montanha, acolá o
e selecionar os fatos e os métodos do seu ensino. curso de um rio, a quantidade de ripas fabricada em tal
cidade, a tonelagem da marinha mais além, os limites de
Já ficou exposta a função da matéria da história e da
geografia: é enriquecer e dar expansão aos contactos mais um município, a capital de um país.
diretos e pessoais da vida fornecendo-lhes seu contexto, seus Vista como a morada do homem, a terra humaniza-se e
apoios ou fundamentos e sua perspectiva e horizonte. A unifica-se; mas, encarada coiiio ii~iscelánea de coisas, ela
geografia põe em relevo aspectos físicos e a história aspec- fragmenta-se e torna-se inerte para a imaginação. A geo-
tos sociais, mas as duas salientam a mesma coisa, isto é, a grafia é matéria que apela essencialmente para a imagina-
$50 - até mesmo para uni certo romantismo. Ela traz o
vida do homem em sociedade. Pois esta vida social, com
prestígio maravilhoso que se associa ás aventuras, às via-
suas experiências, métodos e meios, suas realizaçóes e ma- gens e às explorações. A variedade de povos e ambientes,
logros, não é coisa que fique nas nuvens nem n o vácuo. É seu contraste coni as cenas que nos são familiares, forne-
na terra que ela se desenrola. O cenário da natureza não
cem intensos estíniulos, sacodem o espirito, fazendo-o sair
tem para com as atividades sociais a mesma relação que da inonotonia das coisas corriqueiras. E ao mesmo tempo
um cenário de teatro tem com uma representação dramáti-
em que a geografia local ou de nossa pátria é o ponto de
ca; ele entra nos acontecimentos sociais que constituem a partida natural para o deseiivolvimento reconstrutivo do
história. A natureza é o ambiente desses acontecimentos. ambiente natural, é tainbéin o ponto de partida intelectual
Ela fornece os estímulos originários; apresenta obstáculos e para nos mergulharmos no desconhecido, e não um fim etii
proporciona recursos. A civilização é o domínio progres- si mesmo. Quando não for tratada assim como base para
sivo de suas várias energias. Quando nos esquecemos des- nos projetar no vasto mundo que lhe fica aléiii, o estudo da
ta interdependência do estudo da história, que põe em re- corografia local torna-se tão inerte como a i lições de coi-
levo o elemento humano, com o estudo da geografia, que sas que se limitam a sumariar as propriedades de objetos
salienta o elemento natural, a história degrada-se tornan- familiares. A razão é a mesma. A imaginação não é ali-
do-se uma lista de datas, comum apêndice de acontecimen- I
mentada, e sim mantida rasteira a recapitular, catalogar e
tos rotulados de "importantes"; ou entáo converte-se em esmiuçar o que já é conhecido. Mas quando os tapumes fa-
fantasia literária- pois na história puramente literária o miliares que assinalam as divisas dos proprietários da aldeia
ambiente natural é apenas uma encenacno teatral. se converteni em sinais que despertem a coinpreensáo do
A geografia, por sua vez, exerce influência educativa que sejam os liniites das grandes nações, até esses referidos
revelando a conexão entre os fatos naturais e os eventos so- tapumes esplendem de significação. A luz solar, o ar, as
ciais e suas conseqüências. A clássica definição da geogra- águas correntes, as desigualdades da superfície da terra, as
fia como descrição da terra em seu caráter de morada do ho- 1 várias indústrias, os funcionários públicos e seus deveres
- tudo isto se encontra no ambiente local. Se os tratar-
mem exprime a realidade educacional. É mais fácil, porém,
i
A geografia e a história 235

mos como se sua significaçso começasse e findasse nesses dos sabem que o estudo das ciências naturais tem sofrido
limites, constituiriam apenas fatos curiosos a serem laborio- nas escolas pela sua fragmentação, devido I tratar-se iso-
samente aprendidos. Coiilo instrumentos para se dilatarem ladaiiiente grande número de pontos. Estudam-se, por
os limites da experiência, incluindo em seu objetivo povos
e coisas que de outra forma seriam estranhos e ignorados, exemplo, as partes de uma flor independentemente do estu-
transfiguraili-se. A luz solar, o vento, a água corrente, o do da flor como órgão da planta; a flor, independentemente
comércio, as relações políticas, são coisas que vêm de longe da planta; a planta, independentemente do solo, do ar, da
luz, nos quais e por meio dos quais ela vive. O resultado
e conduzem o pensamento até longe. Seguir-lhes o curso é a inevitável inércia educativa das coisas para as quais se
é alargar os horizontes do espírito, não asfixiando este com
informações s ~ ~ p é r f l u les sim refazendo e eiuprestando nova chama a atenção e com as quais, por estarem isoladas, a
imaginação não se estimula. Tão grande é a falta de in-
significaçáo ao que antes era corriqueiro e tacitamente aceito
teresse, que já foi seriamente proposto fazer-se reviver o
por si mesmo. animismo, encarnando-se as coi~ase fenômenos naturais em
O inesnio principio coordena, no estudo da geografia, mitos, com o fim de atraírem e reterem a atenção. E m ca-
os seus ramos ou aspectos que tendem a tornar-se especia- sos inúmeros, recorreu-se a persoiiificações niais ou menos
lizado~ ou separados. A geografia matemática ou astronô- inócuas. O método era inepto, mas demonstrava a real ne-
mica, a fisiográfica, topográfica, política e comercial, têm cessidade de atmosfera humana. O s fatos se partem e di-
todas elas, as suas exigências. Como poderão ajustar-se? videm em fragmentos, desde que sejam retirados do seu
Por justaposigões exteriores que ponham dentro um bocado
próprio contexto. Deixani de pertencer à terra; não ficam
de cada tiina? Não se pode encontrar outrc meio a não localizados em qualquer parte dela. Para contrabalançar isso,
ser o lembrarmo-nos constantelilente de que o centro de g a - recorre-se a associaqões artificiais e sentimentais. O remédio
vidade educacional é o aspecto cultural ou humano da ma-
téria do estudo. Olhando deste centro, todo o material será verdadeiro é tornar-se o estudo da natureza um verdadeiro
mais ou menos importante, conforme seja mais ou menos estudo da fiatureza e não de meros fragmentos tornados sem
necessário para ajudar a apreciar-se a significação das ati- signiiicaSão, por haverem sido retirados das situaçóes que os
produziram e nas quais eles atuam. Tratando-se a natureza
vidades e relações humanas. As diversidades de civilização
nas regiões frias e tropicais, as invenções especiais, indus- como um todo, como a terra em suas relações, caem os fen0-
triais e políticas dos povos das regiões temperadas náo po- menos em suas conexões naturais de simpatia e associação
dem ser compreendidas sem se ter em vista a terra como com a vida humana, tornando-se desnecessários os sucedâneos
parte do sistema solar. Por uma parte, as atividldes eco- artificiais.
nómicas influenciain profundamente as relaqões sociais e a
~rganizaçãopolitica, e, por outra, são o reflexo das condi- 3 . A história e a presente vida social. - A segre-
ções físicas. As esl~ecializ~~óes nesta3 matérias são para gação que mata a vitalidade da história é o resultado de divor-
os especialistas; mas siia interacáo interessa o homem, lia I ciá-Ia dos presentes aspectos e interesses da vida social. O
sua qualidade de ser da atividade social. I passado em sua qualidade de passado é coisa que já não nos
Incluir o estudo da natureza no da geografia parece, I importa. Se fosse totalmeilte coisa ida e passada, só haveria
indubitavelinente, violentar as coisas; ao pé da letra, é isso para com ele uma atitude razoável: deixar que os mortos en-
uma verdade. Mas sob o ponto de vista educativo existe terrem seus mortos iYas o conhecimento do passado é a
apenas urna realidade, e é pena que na prática Ihes sejam ! chave para a compreensão do presente. A história trata do
dados dois nomes. pois a diversidade de nomes tende a en- passado, mas esse passado é a história do presente. Um es-
cobrir a identidade de significação. Natureza e terra de- tudo inteligente da descoberta, das explorações. da colonizaçáo
veriam ser tertiios equiva!entes. de modo que fosse a mes-
ma coisa dizer-se estudo da terra e estudo da natureza. To- i
I
da América, das primeiras migrações para o este, da imi-
graçáo, etc., seria o estudo dos Estados Unidos de hoje: do
236 Democracia e educagão A geografia e a história 237

pais em que agora vivemos. Estudá-lo no processo de sua sua aparente consolidação, constituem quase insuperável obstá-
forinação é o meio de tornar claras e compreensíveis as coisas culo para se ver claro sua natureza. Recorrer-se aos tempos
que por excessivamente complexas não poderiam ser direta- primitivos para fornecer os elementos fundamentais da pre-
mente eiitendidas. O método genético foi talvez a principal sente situação em forma imensamente simplificada, é o mesmo
realização científica da Última metade do século dezenove. que desmanchar um tecido muito coinplexo e tão próximo da
Seu princípio é que o meio de projetar luz em algum resultado vista que não se pode ver o seu desenho, para que apareçam
complexo é rastrear o processo de sua produqão - acoinpa- as linhas mais gerais e mais grosseiras do padrão. Não pode-
nhá-Ia nas sucessivas fases de seu desenvolvimento. Seria mos simplificar as condiqões atuais pela experimentação deli-
unilateralidade aplicar este método à história, como se ele berada, n a s se recorrernlos ao viver primitivo ele nos apresen-
tivesse em vista unicamente o truismo de que o presente estado tará a espécie de resultados que pediriamos a uma experiência.
social não se pode separar de seu passado; y i s é igualmente Ficam assim reduzidas as relações sociais e as modalidades da
verdade que os sucessos passados não terão significação se os atividade coordenada à sua expressão mais simples. Quando,
destacarmos do viver atual. O verdadeiro ponto de partida porém, se olvida este objetivo social, o estudo da vida primitiva
da história é sempre alguma situação atual com os seus limita-se a dar relevo aos aspectos sensacionais e excitantes
problemas. da selvageria.
Este principio geral lmde, em breves palavras, ser exa- A história primitiva, além disso, conduz-nos à história da
minado, consideraiido-se seu alcance em certo núinero de casos. indústria. Uma das principais razões para remontarinos às
O método biográfico é geralmente recomendado como o meio condições primitivas a fim de desdobrarmos o problema em
natural de iniciação no estudo da história. As vidas de grandes fatores mais perceptíveis, é poderinos compreender como fo-
homens, de heróis e condutores de homens, corporificam e ani- ram resolvidos os problemas fundani'entais de buscar subsistên-
mam episódios históricos que de outra forma seriam abstratos cia, abrigo e proteção; e com o ver-se como foram solvidos
e incompreensíveis. Condensain ein quadros vivos séries com- nesses tempos remotos da espécie huinana tem-se alguma idéia
plexas e emaranhadas de problemas que se estenderam em do longo percurso que precisou ser vencido e das sucessivas
tamanha extensão de espaço e de tempo, que só um espirito invenções por meio das quais progrediu a cultura humana. Não
grandemente exercitado pode acompanhá-los e destrinçá-los. será preciso entrar-se em discussóes a respeito da interpre-
Não se pode pór em dúvida a exatidão psi,cológica deste prin- tação econômica da história, para compreender-se que a his-
cípio. Mas incorrer-se-á em falta se forem postos em exa- tória industrial .da espécie humana projeta luz em dois iinpor-
gerado relevo os atos de alguns poucos individuos, sem se tantes aspectos da vida social, de um modo como possivelniente
relacion~remesses atos com as coiidiçóes sociais representadas nenhuin outro aspecto da história poderia fazer. Ela faz-nos
por eles. Se ao escrever-se unia biografia se relatassem apenas conhecer as sucessivas invenções por meio das quais a ciência
os atos de um lioinem isolados das condições que os produzirain teórica foi aplicada ao domínio da natureza, ein beneficio da
e com referência ás quais esses atos eram reações, não se teria segurança e da prosperidade da vida social. Revela-nos assim
um estudo de história, pois 1150 haveria um estudo da vida as sucessivas causas do progresso social. E, por outro lado,
social, que é o resultado de unia associação de indivíduos. pateiiteia-nos as coisas que esseiicialiriente interessam todos os
Seria como limitar-nos a recobrir de açúcar certos conheci- homens em geral - as ocupaçóes e os valores referentes ao
mentos de natureza iriforrriativa, para os fazermos ser mais ato de ganhar a subsistência. A história econômica ou indns-
facilmente engolidos. trial trata da atividade, da carreira e do êxito do hoineui comum,
como não o faz nenhum outro ramo da história. A coisa mais
Muita atenção se tem dado, também, ultimamente, à importante que todos os individuos devenz foze.~C manter-se; a
vida primitiva como introdução ao estudo da história. Também coisa mais iinportante que a sociedade deve fazer é obter de
este processo pode ser bem ou mal empregado. O aparente cada indivíduo sua eficaz contribuição para o bem-estar geral e
caráter definitivo e a complexidade das presentes condi~ões,.
velar para que seja dada a cada um sua justa retribuição.
A geografia e a história 239

A história económica é mais humana, mais democrática e, tica que não progrediu com a descoberta de melhores métodos,
por isso, de infliixo mais liberal do que a história politica. Ela ou então que a inteligência, com exceção de certa manifestação
não se preocupa com a ascensão e a queda de principados e po- de sagacidade pessoal, é desprezível fator histórico. Certo náo
deres, mas com o desenvolvimento da verdadeira liberdade, por existirá melhor modo de incutir uma idéia exata do papel
meio do dominio da natureza efetuado pelo homem comuin, que desempenhado na vida pelo espirito ou inteligência do que o
é para quem existem os poderes e os principados. estudo de uma história que patenteia como toda a evolução da
A história industrial oferece, também, um meio mais di- humanidade, da selvageria até i civilização, dependeu das
reto de aproximarmo-nos da compreensão das relações intimas descobertas e invenções intelectuais, e a extensáo em que os
das lutas, vitórias e malogros do homem com a natureza, fatos, que ordinariamente figuratn mais abundantemente em
do que a história politica - para náo se falar na militar, para trabalhos sobre história, foram derivativos laterais ou mesmo
a qual a história política resvala com tanta facilidade quando é obstáculos a serem superados pela inteligência.
posta ao nível da compreensão de crianças. Com efeito, a Ensinada por este modo, a história teria mni naturalmente
história industrial é essencialmente a exposiçáo do modo por valor ético no ensino. Uma visão inteligente das formas atuais
que o homem aprendeu a utilizar-se das energias naturais, desde da vida associada é necessária para um caráter cuja moralidade
os tempos em que ele explorava principalmente a energia mus- seja mais do que uma inocência incolor. O conhecimento da
cular dos outros homens, até estes tempos, em que, se não história auxilia tal visão. Ele é um instrumento para anali-
I
na realidade, pelo menos em perspectiva, a influência sobre re- sar-se a urdidura da presente vida social, e para tornar conhe-
cursos naturais é t i o grande, que habilita os homens a estender cidas as forças que criaram os seus padrões. A significação
sobre eles um dorninio comum. Quando se omitem a história moral da história está no seu poder de cultivar uma inteligência
do trabalho e os modos de usar o solo, as florestas, as minas, de socializada. É possível utilizá-la como uma espécie de reser-
domesticar e criar animais, de cultivar plantas, o fabrico e a vatório de anedotas destinado a inculcar lições morais especiais
distribuição de produtos, a história tende a tornar-se meramente sobre tal virtude de tal vício; mas semelhante ensino é menos
literária - um romance sistematizado de uma humanidade um uso ético da história do que um e s f o r ~ opara criar itnpres-
mítics vivendo eni si mesma em vez de viver na terra. sões morais por meio de um material mais ou menos autêntico.
Talvez que o mais desprezado ramo da história, na educa- Na melhor das hipóteses produz uma temporária exaltaçáo
~ á ogeral, seia o intelectual. Estamos apenas coi~le~ando a emocional; e, na pior, grosseira indiferença a esses esforços
compreender que os grandes heróis que fizera111 a hunianidlde moralizantes. O auxilio que a história poderá prestar a uma
progredir não foram seus políticos, generais, nem diplomatas, compieensão mais inteligentemente aguda e viva das presentes
e sim os cientistas descobridores e inventores que puseram na condições sociais de que os indivíduos participam, será sua per-
mão do homem os instrumentos de uma experiência regulada e manente e construtiva base moral.
progressiva e os artistas e poetas que celebrara111 suas lutas,
vitórias e derrotas em linguagem pictórica, plástica ou escrita, I
Resumo. - É próprio da experiência compreender
toruandò sua significação acessível aos demais. Liriia das van- elementos que podem projetar-se muito além daquilo que pri-
tagens da história industrial como história da progressiva meiro é notado ço~iscientemente nela. Trazer essas conexóes
adaptação, feita pelo homem, das forças naturais para usos ou relaFões à luz da consciência dá relevo à significação da
sociais, é a oportunidade que ela proporciona para se fazerem experiência. Toda a experiência, por mais trivial que à pri-
conhecer os avanços dos ii~étodose resultados do conliecimeiito. meira 5ista possa parecer, é capaz de assumir ilimitada riqueza
Atualmente, todos esiaiiios habituados a elogiar eiii termos gc- de significação, amplificando sua série de associações percebi-
rais a inteligréiicia e a razáo e a salientar sua importância bá- 1 das. A comunicação normal com outras pessoas é o caminho
sica. Mas as alunos que fizeram o convencional estudo da Iiis- mais curto para efetuar-se este desenvolvimento, pois ela vin-
tória julgam que a i~iteligêcciahuniana é uma qiiantidade está- cula os resultados da experiêilcia do grupo, e, até, da huma-
nidade, com a experiência imediata de um indivíduo. Por
comunicação noriiial significa-se aquela con~iinicaçáo em que
existe um interesse compartido, comum, de modo a haver o
duplo anseio de dar e receber. Ela é o contrário de conta-
rem-se ou exporem-se as coisas simplesmente para gravá-las
sobre outrem, para o fim de verificar de quanta coisa é capaz
de reter de memória e de reproduzir literalmente. C A P I T U L O 17
A geografia e a história são os dois grandes recursos
escolares para produzir o aumento de significação de uma As ciências no currículo
experiência direta e pessoal. As ocupaçGes ativas descritas
no capítulo antecedente têm, no espaço e no tempo, esse
alcance sobre o que diz respeito tanto à natureza como ao
homem. Se não forem ensinadas por iiiotivos exteriores ou 1 . O lógico e o psicológico. - Por ciência, con-
como meras espécies de habilidade, seu principal valor edu- forme ficou dito, significamos aquele saber proveniente dos
cativo será fornecer os can~inhosmais diretos e interessantes métodos de observaçáo, reflexão e verificação deliberada-
para o mundo mais vasto de significações contidas na his- mente adotados para assegurar conhecimentos certos e pro-
tória e na geografia. A história torna explícitos os elementos vados. Ciência subentende um esforço inteligente e perseve-
humanos implícitos, e a geografia as relações naturais; mas rante para rever as convicções correntes a fim de excluir dela?
estas duas matérias são dois aspectos do mesmo todo vivo, o que é errôneo, aumentar-lhes a exatidão, e, acima de tudo,
unia vez que a vida humana associada se processa na natu- dar-lhes tal forma, que se tornem o mais manifestas possível
reza, que não é seu cenário acidental, e sim o material e o as mútuas dependências dos vários fatos. Ela é, como todo o
meio de se operar seu desenvolvimento. conhecimento, um resultado da atividade de levar a efeito certas
mudanças no ambiente. Mas em seu caso a qualidade do conhe-
cimento resultante é o fator causal, e não um incidente da ativi-
dade. Lógica e pedagogicamente a ciência é a perfeição do
conhecimento, é sua Última fase. I
Ciência, em suma, significa compreensão d o conteúdo
lógico de todo o conhecimento. A ordem lógica não é forma
imposta ao conhecimento, mas a sua forma adequada quando
tornado perfeito ou definitivo. Pois significa que a exposição
da matéria está feita de tal modo que patenteia a quem a
compreende as premissas de que precede e as conclusões a que
leva. Assim como com poucos ossos um zoólogo recompõe um
animal, também pela forma de uma afirmação matemática ou
física o especialista na matéria pode fazer uma idéia do sistema
de verdades em que ela tem o seu lugar.
Para o não experiente, porém, esta forma perfeita é um
tropeço. Precisamente porque a formulação da matéria é
feita para promover o conhecimento como um fim em si
mesmo, ficam ocultas suas conexões com a matéria da vida
quotidiana. Para o leigo aqueles ossos constituem meras coisas
curiosas. Enquanto ele não tiver assimilado os princípios de
zoologia, seus esforços para concluir daqueles ossos alguma i
240 Democracia c edzcco~ão

comunicação normal significa-se aquela con1uiiicaçáo em que


existe um interesse conlpartido, comum, de modo a haver o
duplo anseio de dar e receber. Ela é o contrário de conta-
rem-se ou exporem-se as coisas simplesmente para gravá-las
sobre outrem, para o fim de verificar de quanta coisa é capaz
de reter de memória e de reproduzir literalmente.
A geografia e a história são os dois grandes recursos
C A P I T U L O 17
1
escolares para produzir o aumento de significação de uma
experiência direta e pessoal. As ocupaçyes ativas descritas
A s ciências no curm'cuZo 'I
no capitulo antecedente tèm, no espaço e no tempo, esse
alcance solire o que diz respeito tanto i natureza como ao
homem. Se não forem ensinadas por inotivos exteriores ou 1. O lógico e o psicológico. - P o r ciência, con-
como meras espécies de habilidade, seu principal valor edu- forme ficou dito, significamos aquele saber proveniente dos
cativo será fornecer os caminhos mais diretos e interessantes métodos de observação, reflexão e verificação deliherada-
para o mundo mais vasto de significações contidas na his- mente adotados para assegurar conhecimentos certos e pro-
tória e na geografia. A história torna explicitos os elementos vados. Ciência subentende um esforço inteligente e perseve-
humanos iinplicitos, e a geografia as relações naturais; mas rante para rever as convicções correntes a fim de excluir dela?
estas duas matérias são dois aspectos do mesmo todo vivo, o que é errôneo, aumentar-lhes a exatidão, e, acima de tudo,
uma vez que a vida humana associada se processa na natu- dar-lhes tal forma, que se tornem o mais manifestas possivel
reza, que não é seu cenário acidental, e sim o material e o as mútuas dependências dos vários fatos. Ela é, como todo o
meio de se operar seu desenvolvimento. conhecimento, um resultado da atividade de levar a efeito certas
mudanças no ambiente. Mas em seu caso a qualidade do conhe-
cimento resultante é o fator causal, e não um incidente da ativi-
dade. Lógica e pedagogicamente a ciência é a perfeição do
conhecimento, é sua Última fase.
Ciência, em suma, significa compreensão d o conteúdo
lógico de todo o conhecimento. A ordem lógica não é forma
imposta ao conhecimento, mas a sua forma adequada quando
tornado perfeito ou definitivo. Pois significa que a exposição
da matéria está feita de tal modo que patenteia a quem a
compreende as premissas de que precede e as conclusões a que
leva. Assim como com poucos ossos um zoólogo recompõe um
animal, também pela forma de uma afirmação matemática ou
física o especialista na matéria pode fazer uma idéia do sistema
de verdades em que ela tem o seu lugar. I
Para o não experiente, porém, esta forma perfeita é um
tropeço. Precisamente porque a formula~ão da matéria é
feita para promover o conhecimento como um fim em si
mesmo, ficam ocultas suas conexiies com a matéria da vida
quotidiana. Para o leigo aqueles ossos constituem meras coisas
curiosas. Enquanto ele não tiver assimilado os princípios de
zoologia, seus esforços para concluir daqueles ossos alguma 1
242 Denzocrucia e educação A s ciências no cur~iculo 243

coisa serão casuais e cegos. Do ponto de vista de quem vai campo de conhecimentos, e evitar a corifusáo mental e displi-
aprender ciências, ar; fórmulas cieutificas são o ideal a atingir cência intelectual decorrentes do estudo de matérias de signi-
e não ponto de partida para o aprendizado. Entretanto, na ficação exclusivamente simbólica. Como os alunos, em sua
prática da educação, é frequente começar-se esse aprendizado grande maioria, não se vão tornar cientistas especializados, é
com rudimentos de ciências, um tanto siinplificados. A con- muito mais importante que adquirem algum conhecimento da
sequên,cia fatal disso é o divórcio entre a ciência e a experiência significação do método científico, do que se limitarem a re-
significativa. O discípulo aprende símbolos sem a .chave de produzir exaustivamente e de segunda mão os resultados atin-
sua significação. Adquire um lastro técnico de conhecimentos gidos pelos cientistas. Quanto ao "programa dado" ou à
informativos sem a aptidão para descobrir suas relaçóes com "matéria ensinada", os estudantes não irão, talvez, tão longe,
os objetos e atos que lhe são familiares - amiúde adquire mas o que aprenderem aprenderão segura e inteligentemente.
simplesmente um vocabulário especial. E pode-se asseverar que os poucos que se tornarem cientistas
Sentimos a forte tentação de presumir que a apresentação terão tido melhor preparação do que se tivessem mergulhado
da matéria em sua forma perfeita fornece uma estrada re31 em uma grande massa de conhecimentos puramente técnicos,
para se aprender. Que haverá de mais natural do que supor e expostos simbolicamente. Com efeito, aqueles que chegam a
que se possam poupar o tempo e o esforço dos imaturos, e pro- tornar-se cientistas eméritos são os que pelas suas próprias
tegê-los contra erros desnecessários, começando do polito a aptidões conseguem evitar em seu percurso os riscos do esco-
que chegaram os investigadores e os especialistas? O resul- lasticismo tradicional.
tado acha-se registrado abundantemente na história da educação.
O aluno começa a estudar ciências em compêndios nos quais a Dolorosa é a visão do contraste entre as esperanças dos
matéria foi coordenada de acordo com o critério do especialista. homens que há uma ou duas gera~õesse esforçaram, com
Alinham-se desde o começo conceitos técnicos acompanhados grandes obstáculos, para garantir na educação um lugar para
a ciência, e o resultado geral atingido. Perguntando-se
de definições. Desde logo expõem-se leis e, com elas, no
máximo, algumas poucas indicações do modo por que se che-
i HERRERT SPENCER 1' 111 a espécie 111ais valiosa de conhecimen-
gou a descobri-las. Os alunos aprendem "uma ciência", em
i! tos, chegou B conclusão de que, sob todos os pontos de vista,
vez de aprenderem o moclo científico de tratar o material faini- o preferível é o conhecimento cientifico. Mas nesta afir-
liar da experiência ordinária. O método de estudantes supe- m a ç ã o se subentendia inconscientemente dever o conhecimento
riores predomina no ensino das academias; abaixo destes, nos cientifico ser transmitido como tal, como saber formulado, feito
cursos, secundários, usa-se uma aproximação daquele ensino; e acabado. Não tomando ern conta os processos pelos quais
e assim pela escala abaixo, com as supressões necessárias para a matéria de nossa atividade ordinária assume forma cienti-
que se torne mais fácil a matéria. fica, esqueceu o único método mediante o qual a ciência é ciência.
O método cro~~olbgicoque começa com a experiência E m matéria de instrução procedeu-se, com excessiva frequên-
cia, de maneira análoga. Mas não existem propriedades má-
do educando e desenvolve, baseado nela, os processos próprios
da investigação científica, é com freqüência chamado "psico- gicas na matéria exposta em forma científica tecnicamente
lógico", para distinguir-se do método lógico, dos competentes correta. Quando aprendida nestas condiçóes, torna-se um las-
tro inerte de conhecimentos. Demais disso, o modo por que
ou especialistas. A aparente perda de tempo com este método
é mais do que compensada pela qualidade superior do conhe- é exposta distancia-a mais do fecundo contacto com a experiên-
cia, do que o faz o modo narrativo próprio da literatura. Não
,cimento e interesse vital asseguraclos. O aluno pelo menos se conclui, por isso, fossem injustificadas as exigências por
compreende aquilo que está a aprender. Além disso, adotando
para a solução dos problemas escolhidos dentre o material com instrução científica, pois a iiiatéria assim ensinada n6o era
que o aluno está familiarizado os métodos por ineio dos quais ciência para o aluno.
os cientistas chegaram ao seu saber aperfeicoado, ele, aluno, Nem O contacto coin as coisas e os exercicios de labora-
se torna apto para, por si só, avir-se com o material de seu tório, emhora levem grande vantagem ao uso de compêndios
244 Democracia e educagão

organizados em forma dedutiva, bastam para se sdtisfazer cando as coisas a que se referem e sim mostrando o modo por
essa necessidade. Sem embargo de fazerem parte indispeil- que os ditos instrumentos atuam quando empregados como
sável do método científico, não constituem por si o método elementos da técnica do conhecimento.
científico. Mesmo sendo as coisas e os objetos materiais tra-
tados com aparelhos científicos, podem estar dissociados entre Até o círculo, o quadrado, etc., da geometria, apresentam
si e nos processos em que forem manipulados e alheados e diferenqa dos quadrados e círculos de nosso conhecimento
desconexos com a matéria e os processos usados fora da escola. familiar e, quanto mais nos adiantamos na ciência matemática,
maior se torna a distância entre ela e as coisas empiricas que
Os problemas que forem resolvidos serão somente problemas cada dia vemos. Desprezam-se as qualidades que não con-
da ciência, isto é, que ocorrerão unicamente aos já iniciados na
tribuem para o desenvolvimento do conhecimento das relaçóes
ciência respectiva. A atenção pode voltar-se para a mera espaciais e acentuam-se a s apropriadas para este fim. S e
aquisição de habilidade em manipulações técnicas. sem relacionar alguém levar esse estudo suficientemente longe, verá que até
os exercicios de laboratório com algum problema atinente A as propriedades significativas para o conhecimento espacial
matéria do estudo. Existe algumas vezes um ritual de instru- cedem o lugar àquelas que facilitam o conhecimento de outras
ção de laboratório, como o h á nas religiões pagãs (1). coisas - talvez o conhecimento das relaçóes gerais dos nú-
Já mencionamos, incidentemente, que a exposição científica meros. E,mesmo já não se verá, nas definiçóes conceituais,
ou a forma lógica exige o uso de sinais ou símbolos. Esta nada que possa sugerir formas, dimensões ou direções espa-
consideração aplica-se, naturalmente, a todo o uso da lingua- ciais. Não quer isto dizer que elas sejam irreais invençóes
gem. Mas, na linguagem comum, o espírito vai diretamente imaginárias, mas indica que as qualidades físicas imediatas
do simbolo para a coisa significada. T: tão estreita a associação ' foram transformadas em instrumentos para um fim especial
dos símbolos com as coisas familiares, que o espírito não se I - o fim da organização intelectual. Em toda a máquina o
detém nos mesmos. Usam-se os ditos sinais apenas para estado primitivo do material é modificado porque seu uso é
subordinado a certo fim. O importante não é o material em
substituir coisas e atos. Mas a terminologia cientifica apre-
senta um emprego adicional para eles. Destinam-se, conforme
I sua forma originária, e sim em sua adaptação a um fim. Não
I
vimos, não a substituir as coisas diretamente em seu uso prá- se conhece uma máquina enumerando-se todas as peças que
tico na nossa experiência, mas a substituir as coisas dispostas entram em sua estrutura e sim sabendo-se as utilidades das
em um sistema cognitivo ou lógico. E m última análise, natu- mesmas, e podendo-se dizer porque são usadas desse modo.
ralmente, eles indicam as coisas de nosso conhecimento comum. ' Semelhantemente, terá conhecimento das concepções matemá-
Mas, imediatamente, não as designa diretamente, em suas si- ticas somente quem vir os problemas em que elas entram e sua
tuações comuns, e sim convertidas ou traduzidas em termos utilidade especial para resolver esses problemas. "Conhecer"
de pesquisa científica. Atomos, moléculas, fórmulas químicas, definisões, regras, fórmulas, etc., é o mesmo que conhecer as
as proposições matemáticas no estudo da física -
todas estas partes de uma máquina sem saber qual o seu emprego. Tanto
coisas têm primeiramente valor intelectual ou lógico, e só indi- em um caso como em outro a significaçáo ou conteúdo inte-
retamente valor empírico ou experimental. Representam ins- I lectual encontra-se no papel que o elemento desempenha no
trnmentos para os trabalhos da ciência. Como no caso de outros sistema de que faz parte.
instrumentos, sua significação só pode ser aprendida com o uso.
Não podemos procurar compreender-lhes a significaçáo indi- 2 . A ciência e o progresso social. - Admitindo-
se que o desenvolvimento do conhecimento direto adquirido em
1 ) Quanto ao método eficaz, confronte-se com o que se disse atrás, ocupaçóes de interesse social seja conduzido a uma perfeita
a respeito do valor dos problemas surgidos em trabalhos de jardinagem, forma lógica, surge a questão de saber o papel que esse conhe-
em oficinas, etc. Deve-se considerar o laboratório mmo um recurso cimento desempenha na experiência. A resposta, geralmente,
adicional a fim de promrcionar condiç6es e expedientes para a melhor
investigasão Bessos problemas. é que a ciência marca a emancipação do espírito do seu emprego
:m fins ordinários e torna possível a sistemática investigação
246 Democracia e educação

de novos fins. É o fator do progresso na ação. Considera-se O progresso da ciência já modificon em suficiente lati-
às vezes o progresso como consistindo em avizinharmo-nos dos tude o pensamento humano sobre a finalidade de nossi exis-
fins que buscamos. Mas esta, é uma forma inferior do pro- tência, e sobre os bens de mais valor para ela, para dar alguma
gresso, pois requer unicamente melhoria de meio de ação ou idéia da natureza dessa responsabilidade e dos modos de seu
de aperfeiçoamento técnico. A modalidade mais importante de desencargo. Influindo eficazmente na atividade humana, a
progresso consiste no enriquecimento dos objetivos anteriores e ciência derribou as barreiras materiais que antigamente sepa-
na formação de novos fins ou objetivos. Desejos e aspirações ravam os homens e dilatou imensamente o âmbito do inter-
não existem em quantidade fixa, nem progresso significa apenas câmbio social. Ela acarretou, em formidável escala, interde-
um aumento de satisfação. Com o incremento da cultura, e pendência de interesses. Trouxe consigo a sólida convicção
os novos triunfos do domínio da natureza, manifestam-se da possibilidade do domínio da natureza no interesse da huma-
novos desejos e a exigência de novas espécies de satisfaqão, pois nidade, levando assim os homens a encarar o futuro, em vez
a inteligência descobre para a açáo novas possibilidades. Este de fitar o passado. Não foi mera coincidència a concomitância
surto de novas possibilidades leva-nos a procurar novos meios do ideal do progresso com o desenvolvimento da ciência. Antes
de execução e deste modo opera-se o progresso - ao mesmo deste desenvolvinlento os homens colocavam os tempos áureos
tempo em que a descoberta de coisas ainda não utilizadas nos na antiguidade remota. Agora eles encaram o futuro com a
sugere novos objetivos e novos fins. firme convicção de que a inteligência convenientemente utilizada
A grande quantidade de invenções conseqüentes ao nosso pode acabar com males qiie dantes se julgavani inevitáveis.
domínio intelectual dos segredos da natureza testemunha que Subjugar as moléstias assoladoras não é mais um sonho; e
a ciência é o ineio principal de nlelhorarmos progressivamente não é mais utópica esperança de supriinir a pobreza. A ciência
os meios de açáo. A maravilhosa transforniação da produção familiarizou os homens com a idéia do desenvolvimeiito a tra-
e da distribuiqão conhecida como a revolução industrial é zer, na prática, melhoria gradual e contínua da condição comum
fruto da ciència experimental. Vias férreas, navios a vapor, da humanidade.
motores elétricos, telefone e telégrafo, automóveis, aeroplanos O problema da eficácia educacional da ciência é, por-
e dirigíveis são provas brilhantes da aplicação da ciência à vida. tanto, o de criar e nutrir uma compreensão e uma plena con-
Mas nenhuma dessas invenções teria grande importância sem vicção da possibilidade da direção, por intermédio dela, das
as milhares de invenções menos sensacionais por meio das quais coisas humanas. O método científico, tornado em hábito por
a ciência da natureza se introduziu em nossa vida quotidiana. meio da educação, significará nossa emancipação dos métodos
Deve-se considerar, entretanto, que os progressos assim autoritários e da rotina criada por eles. A palavra "empirico"
realizados foram em grande extensão puramente técnicos; de- em seu uso vulgar não significa "associado à experii~~entação"
ram, antes, meios mais eficazes de satisfazer desejos preexis- mas, antes, grosseiro e irracional. Sob o influxo de condições
tentes, do que modificaram a natureza dos objetivos humanos. criadas pela não existência da ciência experimental, todas as
Não existe, por exemplo, civilização moderna alguma que, filosofias dominantes no passado consideravani a experiência
sob todos os pontos de vista, seja igual à cultura grega. A como coisa oposta à razão e ao que é verdadeiramente ra-
ciência é ainda excessivamente recente para se ter incorporado cional. Conhecimentos eriipíricos significavam os conhecimen-
às atitudes imaginativas e, emocionais dos homens. Estes se tos acumulados por numerosos exen~plospassados, sem a inte-
movem mais rápida e seguramente para a realização de seus ligente compreensão dos princípios de qualquer deles. Dizer
fins, mas tais fins continuam sendo, em grandíssima extensão, que a medicina era empirica, significava que não era cientifica,
o que eram antes das luzes da ciencia. Esta circunstância in- e sim uma prática baseada em observaqóes acumuladas de mo-
veste a educação da responsabilidade de utilizar a ciência de léstias e efeitos de remédios usados mais ou menos ao acaso.
modo a modificar a habitual atitude de imaginação e sentimento, Essa espécie de prática esteia-se necessariamente na "sorte"; o
em vez de fazê-la, a ciência, simples extensão dos nossos bom êxito depende do acaso. Isto conduz à decepção e ao
braços e pernas. charlatanismo. A indústria "empiricamente" dirigida impede
as realizações construtivas da inteligência; limita-se a imitar mente como ocorre, há muita coisa que, embora possa ser
servilmente os modelos estabelecidos no passado. Ciência importante para o individuo envolvido na experiência, é pe-
experimental significa a possibilidade de se utilizar a expe- culiar e irreproduzível. Sob o ponto de vista da ciência, este
riência passada como servidora e não como senhora do espírito. material é acessório, ao passo que os aspectos largamente
Ela significa que a razão atua dentro da experiência, e não além compartidos por outros fatos, os aspectos comuns com esses
desta, para dar-lhe uma qualidade inteligente ou racional. A outros fatos, ou gerais, são essenciais. Tudo o que na situaqáo
ciência é a experiência a tonar-se racional. O efeito da ciên- é Único, não é aproveitável para as outras pessoas, por de-
cia é, destarte, mudar as idéias dos homens sobre a natureza pender das particularidades do individuo e da coincidência das
e possibilidades inerentes à experiência. Ao mesmo tempo circunstâncias; de modo que, se aquilo que é comum não
ela muda a concepção sobre a razão e sobre a atuação dela. for abstraido e fixado por um simbolo conveniente, pode vir-
E m vez de ser uma coisa além da experiência, remota, apartada, tualmente todo o valor da experiência desaparecer, depois de
interessada por uma região transcendental que nada tem que ver terminada ela. Mas a abstração e o uso de termos específicos
com as coisas vividas, é considerada como nascida da expe- para registrar o resultado dessa abstração põem permanen-
riência; é o fator por tileio do qual as experiências passadas temente o valor da experiência de um individuo à disposição
são purificadas e convertidas em instrumentos para as desco- da humanidade. Ninguém poderá prever particularizadamente
bertas e para o progresso. quando ou como ela possa ulteriormente ser usada. Quando
A palavra "abstrato" tem significação, antes pejo- efetua suas abstrações, o homem de ciência é como um fa-
rativa na linguagem popular, sendo usada não só para signi- bricante de instrumentos, que não sabe quem os usará nem
ficar o que é abstruso e difícil de compreender, como tamhéin quando. Mas os instrumentos intelectuais têm poder de
o que fica mui distante da vida real. Mas a abstração é um adaptação infinitamente mais flexível do que os utensílios
elemento indispensável para a direção reflexiva da atividade. mecânicos.
As situações não se repetem exatamente. O hábito trata as A generalização é o complemento da abstração. É o uso
ocorrências novas como se elas fossem idênticas às velhas; de uma abstração aplicando-se a novas experiências concretas
isto basta, naturalmente, quando o elemento diverso ou novo - é sua ampliação para esclarecer e guiar novas situações.
pode ser desprezado para nossos fins atuais. Mas quando o I É necessária a referên,cia a estas possíveis aplicações, para a
elemento novo requer atenção especial, cair-se-á em reações abstração ser frutífera, e não um estéril formalismo com
puramente casuais, a menos que se recorra à abstração. Pois finalidade em si mesmo. A generalização é um recurso essen-
a abstração seleciona deliberadameute da matéria das expe- cialmente social. Quando os homens identificavam seus in-
riências anteriores aquilo cue se considera útil para a com- teresses exclusivamente com os interesses de um grupo limi-
preensão das novas. Significa a transferência consciente de tado, suas generalizações eram, correspondentemente, restritas.
uma significação contida na experiência passada, para ser usa- Seu , n n t o de vista não permitia um descortino amplo e livre.
da em uma nova experiência. Ela é a verdadeira "artéria" I O s pensamentos dos homens confinavam-se em um exíguo es-
da inteligência, do ato de intencionalmente tornar-se uma expe- paço e um breve tempo - limitando-se aos seus próprios
riência aproveitável para orientar outra. costumes estabelecidos, considerando-os a medida de todos os
A ciên,cia realiza, em larga escala, esse reelahorar da valores possíveis. A abstração e a generalização cientificas
matéria da experiência anterior. Visa libertar a experiência equivalem a assumir-se o ponto de vista de todos os homens,
de tudo o que é puramente pessoal e estritamente imediato; sejam quais forem seus lugares no tempo e no espiço. Esta
aspira a destacar tudo o que aquela tem de comum com a emancipação das condições e manifestações das experiências
matéria de outras experiências e que, por ser comum, pode concretas contribui para o remoto, para o "abstrato" da
ser reservado para uso ulterior. É, portanto, indispensável ciência, mas contribui, igualmente, para o seu vasto e livre
fator para o progresso social. E m toda a experiência, exata- campo de novas e fecundas aplicações práticas.
250 Democracia e educagão As ciências 120 cunículo 251

O s termos e as proposições registram, fixam e comu- 3 . O naturalismo e o humanismo n a educação. -


nicam aquilo que foi abstraído. Uma significação extraida Existe uma tradição escolar pela qual se opõem a ciência, de
de uma dada experiência não pode ficar siispensa no ar. um lado, e a literatura e a história, do outro, nos programas
Deve adquirir habitação e lugar. O s nomes dão às signifi- de estudo. A controvérsia entre os representantes das duas
cações abstratas uma localização e corpo materiais. A for- correntes é, historicamente, fácil de explicar. A literatura, a
mula$ão não é, por isso, um subproduto; ela é essencial para linguagem e uma filosofia literária entrincheiraram-se em todos
completar-se a obra do pensamento. H á individuos que sa- os institutos superiores de ensino antes que surgisse a ciência
bem muitas coisas que não podem exprimir, mas esse conheci- experimental. A última, naturalmente, precisava abrir o seu
mento permanece prático, direto e pessoal. Um indivíduo pode caminho. Nenhum interesse fortalecido e protegido renuncia
usá-lo para si mesmo; pode ser capaz de agir eficazmente, uti- prontamente ao monopólio que possua. Mas a presunção, de
lizando-o. O s conhecimentos dos artistas e daqueles cujo qualquer dessas correntes, de que a linguagem e os trabalhos
trabalho é de natureza executiva acham-se com freqüência literários têm, exclusivamente eles, a qualidade de humanidades,
nessas condições. Mas é pessoal, intransmissivel e, por assim e de que a importância da ciência é puramente material, é uma
dizer, instintivo. Para alguPm formular a significaçáo de noção falsa que tende a jarretar o uso pedagógico dos dois
uma experiência deve tomar conscienciosame~ite em conta a estudos. A vida humana não se passa em um vácuo, nem a
experiência das outras pessoas. Deve tentar achar um ponto natureza é um simples palco preparado para a representação de
de vista que inclua tanto a experiência alheia como a sua um drama. A vida humana está vinculada aos processos da
própria. De outra forma, sua comunicação não poderá ser
natureza; seu curso para o triunfo ou para a derrota depende
compreendida. Falará uma linguagem que ninguém, a não do modo por que a natureza nela entre. O poder de dirigir o
ser ele, compreenderá. Assim como a arte literária consegue homem deliberadamente sua própria .atividade depende dp sua
o máximo êxito expondo as experiência de modo que tenham aptidão de dominar, para utilizá-las, as energias naturais;
significação' vital para as outras pessoas, o vocabulário das aptidão que por seu turno depende da compreensão dos pro-
ciências é destinado. em outra forma, a exprimir a si~nificação cessos da natureza. Sejam o que forem as ciências naturais
das experiências em simbolos que conhecerão todos os que para o especialista, elas são, para fins educativos, o conheci-
estudarem as ciências A formulação estética revela, dando-lhe mento das condiçóes da atividade humana. T e r consciência do
realce, a significaçáo das experiências que as pessoxs já ti- ambiente em que se desenrola o intercâmbio social, e dos meios
veram; a formulação cientifica provê-nos de instrumentos para e obstáculos ao seu desenvolvimento progressivo,. é possuir
construirmos novas experizncias com significações novas. conhecimentos de qualidade perfeitamente humanista. Quem
E m suma: a ciència representa o papel da inteligência, no ignora a história da ciência, desconhece as lutas por meio das
planejar e regular novas experiências desenvolvidas sistemá- quais a humanidade passou, da rotina e do capricho, da SU-
tica e intencionalmente, e na escala permitida pela emancipação jeiçzo supersticiosa à natureza, dos esforços para usá-la magi-
das limitações do hábito. Ela é o único instrumento do pro- camente, para o autodominio intelectual. É grande verdade
gresso consciente (distinto do acidental). E se a sua gene- que se pode ensinar a ciência como uma série de exercícios
ralidade, seu distanciamento das condições individuais, confere formais e técnicos. Isto sucede sempre que os conhecimentos
a ela certo tecnicismo e segregação, muito diferem estas qua- sobre o mundo se tornam um fim em si mesmos. A cir-
lidades das especulações meramente teóricas. As últimas es- cunstincia de tal espécie de instrução não proporcionar cultura,
tão em permanente divórcio da prática; as primeiras separatn-se não é, entretanto, prova de ser o estudo da natureza contrário
temporariamente da prática para conseguir mais amplas e livres ao interesse humanista e, sim, a prova de errada atitude
aplicações em ulteriores atividades concretas. H á uma estéril educacional.
espécie de teoria que é contrária à prática; mas a teoria lidi- O fato de não se gostar de empregar os conhecimentos
mamente científica influi na prática como fator de sua expansão científicos do modo como eles atuam nas ocupações humanas
e de sua orientação, para n w a s possibilidades. é um remanescente da cultura aristocrática. A noção de ser O
252 Democracia r educacáo A s ciências no curriculo 253

conhecimento "aplicado" coisa um tanto menos nobre do que o incentivar o tacanho esnobismo de uma classe douta - cujas
conhecimento "puro", era natural em uma sociedade em que prerrogativas são coisas acidentais devidas às oportunidades
os escravos e servos faziam todos os trabalhos úteis e em que de que com exclusivismo dispõe. O s conhecimentos são hu-
a indústria obedecia a padrões estabelecidos mais pelo costume manistas por sua qualidade, não por se referirem às criações
do que pela inteligência. A ciência, ou o conhecimento mais humanas do passado, mas por causa da sua eficácia para a
elevado, identificava-se então com a teoria pura, indepen- expansão da inteligência e da simpatia humana. Toda matéria
dentemente de qualquer aplicação na vida prática; e os conhe- que produz este resultado é humana e toda aquela que não o
cimentos relativos às artes úteis achavam-se marcados com produz não é nem mesmo educativa.
estigma igual ao da classe que as exercia (veja-se mais adiante
o cap. XIX). A idéia de ciência assim gerada, peísistiu mesmo Resumo. - A ciência representa a revelação dos fato-
depois que a própria ciência adotou os instrumentos das artes,
res cognitivos da experiência. E m vez de contentar-se com
empregando-os para o desenvolvimento dos conhecimentos, de-
uma simples afirmação daquilo que é aconselhável para a
pois para o surto da democracia. Tomando-se. porém, a teo- experiência pessoal ou comum, ela aspira a uma enunciação
ria puramente em sua qualidade de teoria, aquela que diz res-
peito à humanidade é de mais significação para o homem do que revele as fontes, fundamentos e conseqüências de uma
convicção. A consecução deste objetivo reveste de caráter
que a referente ao mundo puramente material. Adotando-se lógico suas afirmaçoes. Pedagogicamente é de notar-se que
o critério de implantar conhecimentos por meio de uma cultura
os caracteristicos lógicos do método, desde que pertengam à
literária, i parte das necessidades práticas do comum dos ho- matéria que atingiu elevado grau de elaboraqão intelectual,
mens, os partidários da educação científica se colocam em des- são diferentes do método de quem aprende, que é a passagem
vantajosa situação estratégica. Quanto mais esposem a idéia em ordem cronológica de uma espécie mais grosseira de expe-
da citncia, adequando-a ao seu método experimental e L trans- riência para outra intelectualmetite mais apurada. O s que
formações de uma sociedade democrática e industrial, menos ignoram este fato tratam a ciência como simples acervo de
dificuldade terão para mostrar que as ciências naturais são conhecimentos informativos que são menos interessantes e
mais humanistas do que um pretenso humanismo que baseia mais remotos do que os conhecimentos ordinários, por serem
seus programas educacionais nos interesses especializados de expressos em vocabulário inusitado e técnico. A função que
uma classe ociosa. a citncia tem de exercer no currículo é a que já exerceu em
Com efeito, segundo já expusemos, os estudos de huma- benefício da espécie humana - a emancipaçáo dos acidentes
nidades tornam-se estéreis quando considerados antagônicos locais e temporais da experiência e o desvendamento de pers-
ao estudo da natureza. Eles tendem a reduzir-se a estudos pectivas intelectuais não obscurecidas pelos acidentes do hábito
exclusivamente literários e linguisticos, que por seu turno ten- e predileção pessoais. Associam-se a esta função os caracte-
dem a cifrar-se nos "estudos clássicos", no estudo de idiomas res lógicos da abstração, da generalizaçáo e formulação defi-
que já não se falam mais. Pois os idiomas modernos podem nida. Libertando uma idéia da situação particular em que se
evidentemente ser usados e, por isso, incidem sob o mesmo originou, e dando-lhe um alcance mais amplo, os resultados da
anátema. Seria difícil encontrar-se na história coisa mais experiência dos indivíduos são postos à disposição de todos os
irrisória do que a prática educacional que considera exclusi- homens. Assim, em Última análise, e do ponto de vista filo-
vamente "humanidades" o conhecimento do grego e do latim. sófico, a ciência é o órgão do progresso social geral.
A arte e as instituições gregas e romanas contribuíram tanto
para a nossa civilizaqão que sempre será oportuno procurar
conbecê-Ias. Mas considerá-las estudos humanos por exce-
lência subentende o abandono voluntário das possibilidades dqs
matérias que em educasão são acessíveis às massas e tende a
Valores educacionais 255

diata". Ela é o contrário da experiência direta, imediata, da


qual participamos vitalmente sem a intervengáo de coisas subs-
titutas, intermediárias. Conforme vimos, é muito limitado o
campo dessa experiência pessoal, vitalmente direta. Se náo
fosse a intervenção de elementos que representam coisas ausen-
CAPITULO 18 tes e distantes, nossa experiência quase se nivelaria com a
dos irracionais. Cada passo da selvageria para a civilização
Valores educacio~zais depende da intervenção de meios que dilatem o circulo da
experiência simplesmente imediata e lhe comuniquem mais
profunda e mais ampla significação, relacionando-a com coisas
As considerações decorrentes de uma análise de valores que podem unicamente ser representadas ou simbolizadas.
educacionais já foram produzidas ao tratarmos dos fins ou Esta é sem dúvida a causa da propensão de identificarem-se
objetivos e dos interesses em educação. O s valores específicos as pessoas incultas com as iletradas - tão dependentes nos
habitualmente debatidos em teorias educacionais coincidem com achamos das letras para eficazes experiências representativas
os fins ou objetivos a que habitualmente se dá grande impor- I ou indiretas.
tância. São coisas como a utilidade, a cultura, os conheci- Mas ao mesmo tempo ( e isto tivemos repetidas ocasiões
mentos informativos, a preparação para a eficiência social, a de ver) h á sempre o perigo de que o s símbolos não sejam
disciplina ou capacidade mental, e assim por diante. Dos verdadeiramente representativos, de que, em vez de realmente
aspectos que dão valor a estes objetivos já tratamos em nosso evocaremas coisas ausentes e remotas, de modo a introduzi-las
exame da natureza do interesse, e não há diferença, por exem- na experiência presente, os intermediários verbaig de repre-
plo, em falar-se da arte como de um interesse ou em referir- sentação se tomem um fim por si mesmos. A educação for-
mo-nos a ela como a um valor. Acontece, porém, que a mal acha-se particularmente exposta a este perigo, resultando
discussão dos valores centraliza-se comumente na consideração com grande freqüência recebermos com as "letras" também
dos vários fins para os quais são Úteis as matérias particulares um espírito meramente livreseo, a que vulgarmente chamam
dos programas. Isto constituiu parte da tentativa de justi- de "acadêmico". E m linguagem familiar, a expressão "senso
ficar o ensino dessas, matérias, assinalando-se a importante do real" é usada para exprimir a importância e o calor do
contribuição trazida pelo seu estudo para a vida. U ~ n aapre- contacto de uma experiência direta, em contraste com a quali-
I dade remota, pálida e friamente isolada de uma experiência
ciação e análise explícita dos valores educacionais proporcio-
nam-nos, assim, ensejo para retomar por um lado a anterior representativa. As expressões "real compreensão" e "apre-
discussão dos objetivos e interesses, e, por outro lado, a dis- ciação" (ou legitinta apreciaçáo) são denominações mais pre-
I
cussão do currículo, apresentando-os em conexão entre si cisas da sensagáo de realidade de alguma coisa. Não é pos-
sível definirem-se essasltidéias a não ser com expressões sinô-
nimas como "fazer sentir alguma 'coisa", "ter-se a impressão
1. A natureza d o senso d o real o u da apreciação do real", pois o único meio de apreciar-se o que quer dizer a
direta. - Grande parte da nossa expericncia é indireta; experiência direta de alguma coisa é ter essa experiência.
depende de símbolos intermediários entre nós e as coisas, Trata-se da diferença entre o ler-se a descrição técnica de
simbolos que substituem ou representam estas. São coi5as uma tela e ver-se a tela - ou entre vê-la e sentir a emoção
diferentes haver-se estado na guerra, ter-se compartilhado causada por ela; entre conhecer equações matemáticas sobre a
de seus perigos e trabalhos, e ouvirem-se ou lerem-se des- luz e sentir-se extasiado pelos maravilhosos jogos de luz em
crições dela. Toda a linguagem, todos os símbolos são instru- alguma paisagem nevoenta.
mentos para a transmissão da experiência indireta; em liti-
Corre-se assim o perigo de ver-se a tendência da técnica
guagem técnica, a experiência obtida por essa forma é "me-
e de outras formas puramente representativas usurpar a es-
256 Democracia e educarão Valores educacionais 257

fera das apreciações diretas; noutras palavras - a tendência de valores eficazes ou reais (para diferençarem-se dos no-
de presumir-se que os alunos têm alicerces de conhecimento minais) ; o lugar da imaginação nas apreciações; e o lugar das
direto das situações, suficientes para suportarem a superestru- belas-artes nos cursos de estudos.
tura da experiência representativa erigida pelas fórmulas ver-
bais dos estudos escolares. Não é simplesmente caso de quan- 1 - A natureza dos padrões de valores. Todos os
tidade ou volume. A experiência direta é mais uma questão adultos adquiriram, no decurso de sua experiência e educa-
de qualidade; deve ser de tal espécie que se relacione fácil e são certas medidas do valor de várias espécies de experiências.
fecundamente com o material simbólico da educação. Antes que Aprenderam a considerar como coisas moralmente boas a ho-
o ensino possa coiii segurança começar a comunicar fatos e nestidade, a amabilidade, a perseverança e a lealdade; e como
idéias por meio de sinais, a escola deve proporcionar situações valores estéticos, certos clássicos da literatura, da pintura, da
autênticas ou verdadeiras, nas quais a participaqão pessoal do música e assim por diante. Não somente isto ; mas aprenderam
educando incuta a compreensão da matéria e dos problemas também certas regras para estes valores: a regra áurea para
que a situação promove. Sob o ponto de vista do educando a moral; a harmonia, o equilíbrio, etc., a proporcionalidade de
as experiências resultantes terão valor por si mesmas; e, do elementos nas obras estéticas; a objetividade, a clareza, a
ponto de vista do professor, serão também meios de suprir a sistematização, nos trabalhos intelectuais. Estes princípios
matéria necessária para a conlpreensão da instrução que se são tão importantes, por equivaleretii a padrões para aferirem
transmite por "sinais" e símbolos, e de provocar as atitudes o valor das novas experirncias, que os pais e professores
de receptividade mental necessária para o interesse pela ma- sempre tendem a ensiná-los diretamerite aos jovens. Eles se
téria simbolicamente transmitida. esquecem do perigo de que os padróes assim ensinados sejam
f i o esboço que fizemos da teoria da "matéria" educativa, meramente simbólicos, isto é, grandemente convencionais e
a exigência destes fundamentos de conlpreensão ou apreciaqão vcrbais. Para o indivíduo agir sem obedecer aos padrões cor-
é satisfeita pelos jogos e ocupações ativas concretizando si- rentes, é preciso que ele tenha pessoalmente e especificamente
tuações típicas. Nada precisa ser acrescentado ao já dito, a ,'apreciado" quais as coisas profundamente significativas em
não ser que, embora se tratasse ali, da matéria da educação dadas situações concretas. Um indivíduo pode ter aprendido
primaria, na qual é mais evidente a necessidade dos conhe- alguns característicos são convencionalmente apreciados na
~ T I P
cimentos da experiência direta, esse principio se aplica a
música; pode ser capaz de conversar com certa propriedade
fase primária ou elementar de ,qualquer matéria. A primeira I
é básica função dos trabalhos de laboratório, por exemplo, em sobre música clássica; pode até sinceramente acreditar que
curso secundário ou nos cursos superiores, em um novo campo
de estudos, é familiarizar diretamente o estudante com certa
I
I
aquelas qualidades constituam seus próprios paradigmas mu-
sicais. Mas se em seu passado o que ele se habituou a ouvir
série de fatos e problemas - fazer que eles os "sintam". A e a realmente apreciar foram ragtinbcs, suas craveiras para
aquisição de técnica e de métodos para obter e provar gene- julgar músicas se fixarão ao nível dos ragti~ires. O que ele
ralizações é, em principio, secundária ou posteripr a conse- pessoalmente aprendeu a apreciar lhe determiiia mais forte-
guir-se "apreciação". Quanto às atividades da escola pri- mente a atitude do que o que lhe for ensinado como coisa que
mária, cumpre ter-se em mente que o designio essencial não é seja mais conveniente dizer-se; sua atitude mental habitual
divertir e nem transmitir conhecimentos com o mínimo de desa- assim fixada cria sua "norma" real para a apreciação de
grado do aluno, nem adquirir habilidades - embora possam músicas em suas experiências subseqüentes.
estes resultados acres'cer como subprodutos - mas alargar e Poucas pessoas, provavelmente, contestarão a veracidade
enriquecer o campo da experiência, e conservar alerta e eficaz desta afirmativa quanto ao bom gosto em música. mas a
o interesse pelo progresso intelectual. mesma coisa se dá com as idéias sobre moral e sobre valores
Tratar-se da apreciação proporciona ensejo para enuii-
ciarmos os ires seguintes princípios: a natureza dos padróes
1 intelectuais. Um adolescente que teiilia tido repetidas expe-
riências da plena significação do valor da benignidade para
i
com as outras pessoas, terá sua mentalidade formada por essas vida ein que sáo vitalulente apreciadas as significações dos
experiências, que lhe servirão de craveira do valor d o trata- fatos, das idéias, dos princípios e dos problemas.
mento generoso para com os demais. Sem esta apreciação vital,
o dever e a virtude da práti.ca do altruísmo, ensinados a ele
2 - Deve-se distinguir a compreensão apreciativa das
experiências simbólicas ou representativas. Mas não se de-
como modelos, continuarão a ser meros simbolos que ele não ve distinguir do trabalho da inteligência ou entendimento.
poderá transformar devidamente em realidades. Seu "conhe- S ó uma reação pessoal envolvendo imaginação consegue
cimento" é de segunda mão; é apenas o conliecimento de que possivelmente proporcionar a compreensão até de "puros"
outras pessoas julgam ser o altruismo uma excelência, e que o fatos. E m todos os domínios a imaginação é o meio de efe-
estimarão no grau em que manifestar ter essa virtude. Desta tuar-se a apreciação. A participação da imaginação é a
maneira surge o divórcio entre os padrões declarados de alguém Única coisa que faz a atividade deixar de ser mecânica. In-
e seus verdadeiros padrões. Uma pessoa pode ter consciência felizmente é muito comum identificar-se o imaginativo com
dos resultados desta luta entre suas inclinações e suas 'opiniões o imaginário, de preferência a identificá-lo com um conhe-
teóricas; sofre com o conflito entre o fazer o que realmente cimento vivo e intimo do pleno alcance de uma situaçáo.
lhe agrada e o cue aprendeu a fazer para ter a aprovação dos Isto conduz a terem-se em exagerada conta as histórias de
outros - mas, daquele divórcio ela não tem consciência. O fadas, os mitos, os siinbolos fantasistas, as poesias e coisas
resultado é uma espécie de hiprocrisia inconsciente, de instabili- rotuladas como "belas-artes" como agentes para o desenvol-
dade das disposiqões de espírito. Senielhantemente, um dis- vimento da imaginaçáo e da apreciaçáo; e o esquecimento
cipulo que se viu a braços com alguma confusa situaçáo inte- da visão imaginativa em outras matérias conduz a métodos
lectual e conseguiu esclarecer-lhe as obscuridades e chegar que reduzem em grande parte a instrução a uma aquisição
a um resultedo objetivo, compreenderá o valor da clareza e não imaginativa de habilidades especializadas e a uma acumu-
da objetividade. Ele tem um padrzo com que pode contar. lação de informações. A teoria e, também, em certa exten-
A'fesnio que o exercitem exteriormente a assimilar certas no- são, a prática, já progrediram bastante para reconhecer que
ções de análise e divisão da matéria e que lhe ministrem a atividade dos jogos é imaginativa. Mas ainda se costuma
inforniações sobre o valor destes processos como operações considerar essa atividade como um periodo especial e bem
lógicas estandardizadas, a significação das normas chamadas definido do desenvolvimento infantil e esquecer o fato de
lógicas serão para ele outros tantos conhecimentos informa- que a diferença entre o jogo e aquilo que se considera ati-
tivos externos, como, para assim dizermos, os rios da China, vidade séria não é a diferença entre presença e ausência
a menos que de algum modo as adquira, em alguma ocasião, de imaginação, mas a diferença das matérias com que a ima-
com sua própria apreciação pessoal. Ele pode ser capaz de ginação se acha ocupada. O resultado é um exagero ma-
eniinciá-!as, .mas essa enunciaçáo será uma repetição maquinal. léfico dos periodos fantásticos e "irreais" dos brinquedos e
Há, por isso, sério equivoco em considerar-se a aprecia- um rebaixamento desastroso das ocupações sérias a uma efi-
ção como se confinando em coisas como a literatura, a pin- ciência rotineira apreciada simplesmente pelos seus resulta-
tura e a música. Seus dominios são tão vastos como a obra dos exteriores e tangíveis. Aproveitamento passa a signifi-
d3 própria educação. A formação de hábitos será coisa pu- car as espécies de coisas que uma bem planejada máquina
ramente maquinal, a menos que os hábitos sejam também pode fazer melhor do que um ser humano; e deixa-se esque-
gostos - n~odos habituais de preferir e apreciar alguma cido no trajeto o efeito principal da educação, que é a cria-
ção de uma vida rica de significação. Sucedem-se os de-
coisa, um operante senso da excelência. Com estes funda-
vaneios e as fantasias indisciplinadas que outra coisa não são
mentos pode-se asseverar que o encarecimento, tantas vezes
que o efeito da insopitável in,aginação desligada e divor-
manifestado nas escolas, da "disciplina" exterior das notas e ciada do interesse por aquilo qne se esteja a fazer.
recompensas, das promoçóes e não promoções, é o reverso da
O único meio de se escapar aos métodos mecânicos de
circunstância de não se voltar 3 atenção para ris sitiiações da ensino é iim adequado reconhecimento do papel da imagina-
260 Democracia e educaç6o

ção como legítimo intermediário para a compreensáo de to- volverem pronunciadamente no sentido de darem elevado
das as espécies de coisas que ficam além do campo da rea- apreço As qualidades qiie falani imediatamente ao bom gosto,
cão física direta. O relevo dado neste livro à atividade, de tornam-se belas-artes.
acordo com as tendências da educação contemporânea, será E m uma de siias significações, apreciaçáo é antónimo
desnorteador se não se reconhecer que a imaginaçáo, tanto de depreciação. Denota valor aumentado, intensificado -
como o movimento muscular, é parte normal e integradora e não um valor simplesmente, e muito menos (como a de-
da atividade humana. O valor educativo dos trabalhos ma- preciação) um valor mais baixo e degradado. Este realce
nuais e dos exercícios de laboratório, assim como o dos jo- das qualidades que tornam qualquer experiência ordinária
gos, depende da extensão em que auxiliam a dar o senso da atraente, apropriável (capaz de ser plenamente assimilada)
significação daquilo que se está fazendo. São eles, de fato, e proporcionadora de prazer. constitui a funqáo primária da
se náo nominalmente, dramatizações. Importante é seu va- literatura, da música, do desenho, da pintura, etc., na edu-
lor utilitário para a aquisição de hábitos de habilidade a cação. Elas não são agentes exclusivos de apreciaçáo (apre-
serem usados para a obtenção de resultados tangíveis, mas ciation) no sentido mais geral desya palavra, e sim os agen-
não quando divorciados da função apreciativa. Se não fos- tes principais para uma apreciação intensificada e inspirada.
se o exercício da imaginaçáo, não haveria caminho para se Nesta natureza as belas-artes são, náo só intrínseca e dire-
ir da atividade direta ao conhecimento representativo - pois tamente causadoras de prazer, como servem, também, um
é pela imaginação que os símbolos são traduzidos em signi- objetivo que fica além delas próprias. E m grau saliente têm
ficação imediata e integrados em uma atividade limitada, de I a função de toda a apreciação no fixar o bom gosto e criar
forma a estendê-la e enriquecê-la. Quando a imaginação > craveiras para aferir-se o valor de experiên,cias ulteriores.
criadora representativa se torna simplesmente literária e mí- Elas produzem descontentamento se as condições não se acham
I â altura de seus padrões e criam a exigência de meios que se
tica, os símbolos se convertem em simples meios de provo- D elevem a esse nível. Revelam profundas e numerosas signi-
car reações físicas dos órgáos da palavra. D ficações em experiências que, se não se desse isso, seriam
3 - Na exposição feita precedentemente nada de ex- medíocres ou triviais: isto é, fornecem órgãos de visão.
plícito foi dito sobre o papel da literatura e das belas-artes Além disço, em sua plenitude representam a concentração e
no ensino. A omissão deste ponto foi intencional. De co- a perfeição de elementos do bem que de outra forma fica-
111eço diremos não haver separacão nítida entre as artes Úteis riam dispersos e incompletos. Selecionam e focalizam os ele-
ou industriais e as belas-artes. As atividades mencionadas mentos capazes de dar prazer, elementos que tornam qual-
no capítulo XV contêm em si os fatores que depois se dife- quer experiência diretamente agradável. Não são superflui-
renciam eiii belas-artes e artes úteis. Por exigirem emo~óes dades ou luxos de educação e, sim, manifestações do que so-
e imaginaçáo, as artes úteis possuem as qualidades que carac- mente dá valor a qualquer educação.
teriza~~? as belas-artes. Pelo requererem método ou habili-
dade, da adaptação dos instrumentos ao material com perfei- 2. Os valores dos estudos. - A teoria dos valo-
. ç k sempre crescente, encerram o elemento técnico indispen- res educacionais subentende não só o estudo da natureza da
sável à produção artística. Sob o ponto de vista do produto, apreciação para fixar a medida das subseqüentes avaliações,
oii do trabalho artístico, elas são, naturalmente, deficientes, mas também o estudo das direções especiais em que ocor-
embora, mesmo a este respeito, quando hajam compreendido rem essas avaliações. Dar valor (to mlue) significa prima-
real apreciaçáo, tenham frequentes vezes um encanto rudi- cialmente apreciar-se, ter-se em estimação; mas em segundo
mentar. Como experiências, elas têm qualidades artísticas e lugar quer dizer apreçar, avaliar no sentido de dar o preço
estéticas. Quando as suas atividades são julgadas pelos seus ou de calcular o valor. Isto é, significa no primeiro senti-
produtos e pelo valor socialniente utilizável desses prodiitos, do o ato de termos em estima alguma coisa, de nos ser cara
tornam-se artes úteis ou indiistriais. No caso de se deseii- essa coisa, e também de julgar a natureza e a grandeza de
262 Democracia e edt~cação

seu valor, comparado coiii alguma outra coisa. No Ultimo estiver nessa ocasião c0111 tiiuita fome ou farto de ouvir niii-
sentido, é avaliar ou calcular o valor. Essa distinção coin- sica, naturalmente dará mais valor à alimentação. Considr-
cide com a feita algumas vezes entre valores intrínsecos e rando-se em abstrato ou em geral, fora das necessidades de
instrumentais. O s valores intrinsecos não são objetos de jul- uma situaçáo particular em que se deverá fazer uma escolhi,
gamento, não podem (por serem intrínsecos) ser comparados não existem, porém, graus ou categorias de valores.
ou considerados maiores ou menores, melhores ou piores. São Seguem-se a isso algumas conclusões sobre os valores
inavaliáveis, inestimáveis; e, se alguma coisa for inestimável, educacionais. E a primeira é que não podemos, em questáo
não será nem mais nem menos do que outra coisa também de matérias de estudo, estabelecer uma hierarquia de valores.
inestimável. Deparam-se, entretanto, ocasiões em que é ne- É inútil tentar dispô-las em uma ordem que começasse com a
cessário escolher, em que precisamos abandonar uma coisa de menor valor e findasse com as de valor máximo. Sem-
para tomar outra. Esta' circunstância cria uma ordem de pre que um estudo tenha função Única ou insubstituivel na
preferência, um maior e um menor, um melhor e um pior. As experiencia e determine um enriquecimento caracteristico da
coisas que já foram julgadas pelo seu valor terão de ser esti- vida, seu valor será intrinseco ou incomparável. Como a
madas em relação a uma terceira coisa, a algum fim ulterior. educação não é um meio para 'se viver, e sim se identifica
Relativamente a este, elas são meios, ou valores instrumentais. com o ato de se viver uma vida fecunda e inerentemente sig-
Imaginemos um homem que i s vezes se deleita a pales- nificativa, o único valor que em última análise se possa
trar com os amigos, outras a ouvir música, outras a tomar estabelecer como tal é precisamente o proprio processo de
suas refeições, outras a ler um livro, outras a ganhar di- viver. E isto não é um fim ao qual os estudos e atividades
nheiro e assim por diante. Sob o ponto de vista aprecia- estejam subordinados como meios; é o todo de que eles são
tivo, cada uma destas coisas é um valor intrinseco. Ocupa elementos. E o que foi dito sobre a apreciação significa que
determinado lugar na vida; serve seu próprio fim, e não po- todo o estudo deve ter em algum de seus aspectos essa últi-
de ter substituto. Não se pode pensar em comparar os va- ma significação. Tanto é verdade sobre a aritmética como so-
lores das mesmas, nem, por conseguinte, em avaliá-las; cada bre a poesia que em algum lugar e alguma ocasião devem
qual, como bem específico, é o que é, e não se pode dizer constituir um bem apreciado por si mesmo - como uma ex-
mais do que isto. Em seu próprio lugar, nenhuma é um periência agradável, em sunia. Se não for assim, quando so-
meio para alguma coisa além de si mesma. Mas pode haver brevierem o lugar e a ocasião de seiem usadas como meios
alguma situação em que entrem em competência ou conflito, ou instrumentos, deixarão de proporcionar muitos de seus be-
em que precisemos fazer uma escolha. Surge então a com- neficio~;pois, nunca tendo sido compreendidas ou apreciadas
paraqão. Já que é necessário escolher-se, precisamos conhe- por si mesmas, alguma coisa se terá perdido de sua capaci-
cer as respectivas exigências de cada competidora. Que se dade como recurso para outros fins.
pode dizer a respeito de tal ou tal coisa? Avaliada outra Conclui-se igualmente que, quando comparamos os va-
vez, que oferece ela em cornparaçáo com alguma outra possi- lores dos estudos, isto é, quando tratamos estes como meios
bilidade? O fato de surgirem estas questões significa que para alguma coisa além deles próprios, o critério para sua
aquele determinado bem já não é mais um fim em si mes- conveniente avaliação deve ser buscado na situação especial
mo, não é mais um bem intrinseco. Pois, se o fosse, suas em que vão ser usados. O modo de habilitar um estudau-
exigências seriam incomparáveis, imperativas. A questáo que te a apreender o valor instrumental da aritmética não é fa-
se agita agora é quanto à sua condição de meio para reali- zer-lhe uma preleção sobre os benefícios que dela advirão
zar outra coisa que será então o elemento inavaliável dessa em um futuro remoto e incerto, mas levá-lo descobrir que
situação. Se um homem acabou de tomar sua refeição, ou se o bom êxito daquela determinada coisa em que ele se inte-
em regra ele se alimenta bem e é raro o ensejo de ouvir mú- ressa depende de sua aptidão para utilizar-se dos números.
sica, provavelmente preferirá ouvir música a comer. Na si- Segue-se ainda que a tentativa de atribuírem-se diversas
tuação referida, a maior contribuição será a da música. E se espécies de valor aos diferentes estudos foi um erro, a des-
Valores educacionais 265

peito do tiiuito tempo dedicado recentemente a essa emprei- também materiais que eles podem utilizar em coisas de inte-
tada. As ciências, por exemplo, terão todas as espécies de resse imediato. Como o currículo está sempre sohrecarrega-
valores, que dependerão da situacão em que elas entrarem co- CIO com as matérias que a tradição nos legou e com outras
mo meios. Para alguns pode ser militar o valor da ciência, que representam unicamente a iniposiçáo de alguina pessoa
servindo para reforçar os meios para a agressão ou a de- ou de alguni grupo de pessoas de influência, por motivo de
fesa; para outros, técnico, coiiio instrumento para a exe- alguni fim de seu agrado, couvéni submeter-se o mencionado
cução e a engenharia; ou então comercial - para auxiliar curriculo a uma constante fiscalizaqão. critica e revisão, para
a ter-se bom êxito em negócios; em optras condições será ter-se a certeza de que está realizando seus verdadeiros obje-
seu valor filantrópico, pelo serviço que prestar para se ali- tivos. Além disso, há sempre a probabilidade de que o cur-
viarem os sofrimentos humanos; ou pode ser exclusivamente ri,culo ou programa represente os valores dos adultos, de
convencional - quando estabelece a condicão social de aos das crianças e adolescentes, ou dos alunos
alguém conio pessoa "instruida". O fato é que a ciência é da geração antecedente e não os dos alunos dos tempos atuais.
útil a todos estes fins e que seria arbitrariedade tentar fixar I
Dai a maior necessidade de exame critico. Mas estas consi-
algum deles como seu fim "verdadeiro". Aquilo de que po- deraqóes não significam que ter dada matéria valor estimulante
demos estar certos é que, em matéria de educação, se deve I (intrinseco ou instrumental) para o aluno, seja a mesma
ensinar a ciência como um f i m em si mesma na vida do es- coisa que ter ele a consciência do valor dessa matéria ou
tudante - como uma coisa que tem valor por causa de sua ser capaz de dizer para que é Útil seu estudo.
própria e exclusiva contribuição intrínseca para a experiên-
Eni primeiro lugar, desde que algum ponto interesse
cia da vida. Primariamente deve ela ter "valor estimativo",
valor, de apreciação. imediatamente o estudante, desnecessário é perguntar qual
a utilidade do mesmo. Esta pergunta só pode ser feita a
Considerando-se alguma outra coisa que, como a poesia, respeito dos valares instrumentais. Coisas boas não são boas
pareça estar no pólo oposto, aplicar-se-ão essas mesmas obser- para algu+n fim; são simplesmente boas. Qualquer outra no-
vaqões. Pode suceder que nos tempos atuais o principal va- ção a esse respeito conduziria ao absurdo. Pois seriam in-
lor da poesia consista no prazer que nos proporciona em ho- findáveis as perguntas acerca das coisas instrumentais, coi-
ras de lazer. Mas isto significará mais uin estado de de- sas cujo valor estaria eni ser úteis para alguw fim, a não
gradação do que uma coisa necessária. A poesia, no passa- ser que em algum ponto se encontre alguma coisa intrinse-
do, esteve associada à religião e à moral; foi útil ao intento camente boa, boa por si própria. Para uma criança sadia
de fazer-nos penetrar no misterioso segredo das coisas. Teve que sinta fome, o alimento, eiii sua situação, é o bem; não
considerável valor patriótico. Homero para os gregos era precisaremos trazer-lhe à consciência os fins a que se des-
uma Bíblia, um código de moral, uma história e uma inspi-
tina o alimento para proporcionar-lhe o motivo para comer.
ração nacional. Ein todo caso, pode-se dizer que a educação O alimento ein conexão com seu apetite já é o motivo. A
que não conseguir fazer a poesia tornar-se iim recurso para
mesma coisa se dá em relação aos estudantes que têm sede
os trabalhos da vida, assim conio o é para, os seus lazeres, intelectual de conhecer muitas coisas. Nem eles nem o pro-
terá qualquer coisa que se lhe diga , ou, então, a poesia
fessor poderiam possiveliiiente predizer com exatidão os fins
será uma poesia artificial.
que o aprendizado irá realizar no futuro; nem, enquanto per-
Aplicam-se as mesmas considerações ao valor de uni es- dura essa ânsia de saber, é aconselhável tentar especificar va-
tudo ou de dada parte de uni estudo com referência à sua lores particulares que possam provir do estudo de determina-
motivação. As pessoas responsáveis pela organização dos pia- das matérias. A prova de que nula coisa é boa está no fato
nos dos estudos e do ensino devem ter razóes para afirmar de o aluno "responder" a ela; sua "resposta" é uso. Sua
que os estudos e as matérias respectivas tanto fornecem dire- 6'
resposta" à matéria mostra que essa matéria tem função
tamente elementos para enriquecer a vida dos alunos, como I em sua vida. Não i. acertado dizer-se, por exemplo, que O

I
i
I
!
latim tenha valor per se, em abstrato unicamente em sua qua-
lidade de estudo, como justificação suficiente para o seu en- .ida se justifica por si mesma, e de que as utilidades de-
sino. Mas é igualmente absurdo afirmar-se que, se o pro- terminadas que possam ser apontadas só se justifican? por
fessor ou o aluno não puderem indicar para o estudo de dada aumentarem o conteúdo de experiências da própria vida.
matéria algum determinado uso futuro, faltará a justificação
do valor desse estudo. Se os discípulos estão verdadeira- 3 . A segregação e a organização dos valores. -
mente interessados no estudo do latim, isto por si é uma fi, naturalmente, possível, classificar de modo geral os vários
aspectos valiosos da vida. Existe mesmo alguma vantagem
prova de que ele possui valor. O mais que a pessoa se sinta
autorizada a perguntar em tais casos é se, em vista da exi- nessa classificação para se conseguir uma revista suficiente-
güidade do tempo disponível, não seria mais avisado estudar mente ampla dos objetivos, para dar mais amplitude e plas-
outras coisas de valor intrínseco, que, além desse, tivessem ticidade i empresa da educação. Mas é grande erro consi-
também maior valor instrumental. derar esses valores como fins últimos a que se subordinem
os atos concretos da experiência. Eles não são outra coisa
Isto nos conduz ao assunto dos valores instrumentais - além de generalizações mais ou menos adequadas de valores
coisas que se estudam por causa de algum fim q u e se acha
além delas. Se uma criança está enferma e seu apetite não concretos. Saúde, riqueza, eficiência, sociabilidade, utilidade,
a . estimula a comer quando lhe apresentam o alimento, ou se cultura, felicidade são vocábulos abstratos que condensam nu-
seu apetite se perverteu de modo a fazê-la preferir balas a merosas coisas particulares. Considerar essas coisas como
carne e legumes, é aconselhável a referência consciente aos craveiras para a aferição do valor das matérias e processos
resultados. É necessário torná-la consciente das conseqüèn- de educação concretos, é subordinar a uma abstração os fatos
cias para se justificar o valor positivo ou negativo de certas concretos de que se originou a abstração. Elas não são, em
coisas. Ou, em outros casos, o estado de coisas pode ser su- nenhum sentido verdadeiro, padrões para a avaliação; estes
ficientemente normal e entretanto o individuo não se inte- se encontram, consoante já vimos, nos atos reais zspecificos
ressa por alguma matéria, porque não compreende quanto a que formam o gosto e habituam a preferências. Têm, con-
apropriação de alguma coisa intrinsecamente boa depende do tudo, significação como pontos de vista elevados sobre as
interesse ativo por aquilo que é apresentado. E m casos tais, particularidades da vida, donde se examina o catnpo para
é claramente sensato dar-se a consciência dessa relação. E m se ver como se distribuem as partes que o coiistitiietn e se
regra,. o que é desejável é apresentar-se a matéria de tal mo- as mesuias estão bem proporcionadas.
do que ou tenha valor imediato e dispense justificação, ou Nenhunia classificação pode ter mais do que uin valor
então se perceba ser um meio de realizar alguma coisa de va- provisório. A c!ue se segue pode, por exemplo, ser de algii-
lor intrinseco. Um valor instrumental terá nesse caso o va- ma utilidade. Podemos dizer que a espécie de experiência
lor intrinseco de ser um meio para conseguir-se um fim. para a qual o trabalho das escolas contribui é assinalada:
Poder-se-á perguntar se parte do interesse pedagógico pela capacidade de execução eu1 face dos recursos e obstá-
atual pelo problema do valor dos estudos não será excessivo culos encontrados (eficiência) ; pela sociabilidade, ou inte-
ou muito exíguo. Antolha-se is vezes ser um esforço la- resse pelo contacto direto com outras pessoas; pelo gosto
borioso para jzistificar o ensino de matérias que não atuam estético ou capacidade de apreciar a excelência artística em
já para fim algum direto ou indireto na vida dos alunos. algumas, pelo menos, de suas formas clássicas; pelo irií.todo
Outras vtzes a reação contra o atravancamento inútil do es- intelectual ou interesse educados para alguma espécie de rea-
pírito parece chegar ao ponto de supor que matéria ou coisa lização científica; e pela sensibilidade aos direitos e preten-
alguma pode ser ensinada a não ser quando o professor possa sões alheias (o que equivale a ser-se consciencioso). E e n -
indicar alguma bein definida utilidade futura, ou quando o Lora estas co~isideraçõesn.Zo sejam padrões de valores, são
alimo a veja por si niestii~~,esquecen<lo-se do fato que n critérios úteis para o exaine, para a critica e para a melhor
coordena$ão dos niétodos existentes e matéria3 da educação
268 Democracia e educação Valoves educacionais 269

A necessidade destes pontos de vista gerais é maior, por ralelismo com a noção fundamental de catalogar os valores
causa da tendsncia de segregar os valores educacionais, em especiais das matérias isoladas. Mesmo quando se estabe-
virtude do mútuo isolamento das várias atividades da vida. lece algum fim como padrão d e valor (pcr exemplo: a efi-
Predomina a idéia de que os diversos estudos representam ciência social ou a cultura) verificar-se-á com frequência ser
espécies destacadas de valores, e de que se deve, portanto, apenas um rótulo verbal sob o qual se compreendem vários
organizar o curriculo, reunindo-se vários estudos, até haver- elementos desconexos. E embora a tendência geral seja atri-
se atendido a snficiente variedade de valores independentes. buir maior variedade de valores a dado estudo do que o faz
A seguinte citação não emprega a palavra valor, mas encerra o trecho que citamos, a circunstância de tentar-se arrolar
a noção de programas organizados tendo-se em vista a idéia certo número de valores, atribuindo-os a esta ou àquela ma-
de que existe certo número de objetivos isolados a serem téria, e de mencionar-se o grau de cada valor possuído por
demandados, e de que os estudos adquirem valor por se re- determinado estudo, põe em relevo a desintegração educacio-
ferir cada qual a seu fim respectivo. nal que essa circunstância subentende.
c,
Educa-se a inemória com a maioria dos estudos, mas O fato é que tais tabelas de valores dos estudos são
principalmente com o de linguas e história. Apura-se o bom poderosa mas inconsciente justificação do curriculo com que
gosto por meio dos estudos mais adiantados de línguas e me- os professores estão familiarizados. Geralmente concorda-
lhor áiiida pela literatura inglesa; a imaginação com o ensino se com o ensino das matérias dos cursos existentes e depois
superior de todas as linguas, mas principalmente com a poe- toca-se a atribuir valores às mesmas, como razão snficiente
sia grega e latina; a observacão, com os trabalhos cientificos para serem ensinadas. Dizem, por exemplo, que as mate-
de laboratório, posto que sirvam um tanto de exercício as máticas têm valor disciplinar para habituar o aluno i exati-
prirheiras fases do estudo do latim e do grego; quanto à ex- dão da exposição e ao rigor do raciocinio; possuem valor
pressão, ein primeiro lugar vêm as con~posições em grego e utilitário para nos exercitarmos nos cálculos exigidos pelo
latim e depois as composições em nossa língua; no referente comércio e pelas artes; valor cultural para ampliar a ima-
ao raciocínio abstrato, as matemáticas ficam quase sós, e ao ginaçáo, ao tratarmos das relações mais gerais das coisas;
e até valor religioso pela sua concep~ãodo infinito e idéias
raciacínio concreto, vêm primeiro as ciências naturais e de-
associadas. Mas é claro que as matemáticas não operam
pois a geometria; quanto ao senso social, têm a precedência esses resultados por serem dotadas de miraculosos poderes
os historiadores e oradores gregos e romanos, e depois a his-
denominados valores; elas terão estes valores se e quando
tória geral. Por isso, o menor curso que desejar ser com- operarem esses resultados e não de outra maneira. Essas
pleto, deve abranger o latim, um idioma moderno, uin pouco considerações, por vezes, auxiliam um professor a ter mais
de história, iim pouco de nossa literatura e uma ciência na- vasta visáo dos resultados que se podem conseguir com o
tural". estudo das tnatemáticas. Mas infelizmente a tendência é
Há muita coisa, neste trecho, sem interesse para o nosso julgar-se o que foi dito como significando, quer atuem o u
ponto de vista e que deve ser suprimida, para o tornarmos não atuem, poderes inerentes às matérias do ensino, dando-
mais claro. Essa exposição revela o espírito acanhado da lhes assim uma rigida justificafáo. Se não atuarem, não
tradição pedagógica seguida pelo autor. Nota-se ai a sua se põe a culpa no modo por que foram ensinadas as maté-
sólida convicção de existirem "faculdades" a ser exercitadas rias e sim na indiferença e rebeldia dos alunos.
e um interesse preponderante pelas línguas antigas; há um Esta atitude para com as matérias é outro resultado da
relativo desprezo da terra em que vivem, e do corpo que concepção da experiência ou da vida como uma colcha de
sucede aos homens carregarem consigo. Todavia, fazendo retalhos de interesses independentes que existem lado a lado
concessóes âs matérias que disto tratam ( e mesmo quando e se limitam mutuamente. Os que estudam política estão
as desprezam inteiramente) encontranlos muita coisa em familiarizados com a teoria da limitação e equilíbrio dos po-
nossa filosofia educacional contemporânea que mantém pa- deres governamentais. Adnlitc-se existirem funções separa-
Valores cd~icacio~ioii 271

das e independentes, como a legislativa, a executiva, a jndi- se percebe que após tudo isso não se satisfazem as exigên-
ciária, a administrativa, e que tudo correrá bem se cada umá cias de uma integral experiência da vida, não se atribui essa
delas limitar as demais, criando assim um equilíbrio ideal. falta à separação e limitação excessiva do ensino das iiiaté-
Há uma filosofia que poderia também chamar-se teoria da rias do programa; e por isso a'reorganizaçáo do sistema edu-
limitaqão e equilíbrio da experiência. A vida apresenta va- cativo náo se baseia no reconhecimento dessas circunstâncias.
riedade de interesses. Abandonados a si mesmos, eles ten- Acham que a falta deve ser suprida introduzindo-se no curso
dem a entrar em conflito. O ideal é designar um domínio outra espécie de estudos ou criando-se escolas de outra es-
especial para cada um, até ser coberto todo o terreno da ex- pécie. E m regra, os que se mostram contrários a essa acumu-
periência, e em seguida tratar de fazer que cada qual se laçáo de matérias, e conseqüente superficialidade e confu-
mantenha dentro.de suas linhas divisórias. Representam esses são, recorrem habitualmente, tambéml a um critério mera-
interesses a política, as ocupações práticas, as diversões, a mente quantitativo; pensani w e o remédio é suprimirem-se J
arte, a ciéncia, as profissões liberais, o polido trato social, a numerosas matérias consideradas supérfluas, e voltar-se ao
fruiçáo de lazeres. Cada um deles divide-se em vários ra- boi11 e velho curriculo de leitura, escrita e contas, da edu-
mos: as ocupações práticas em trabalhos manuais, cargos cação elementar. e ao igualmente velho e boiii currículo de es-
executivos, trabalhos de guarda-livros, de vias férreas, bancos, tudos clássicos e matemáticos, na educação secundária e su-
agricultura, indústria, comércio e assiiii por diante, em rela- perior.
ção aos mais ramos. Uma educaçáo ideal proporcionaria Este fato, naturalmente, tem explicação histórica. Vá- I
meios de satisfazer estes interesses separados, como os ninhos
de um pombal. E quando observamos as escolas, tem-se a
iinpressão de que elas adotain este aspecto da natureza da
vida adulta e empreendem a tarefa de satisfazer suas exi.
rias épocas do passado Liverain suas lutas e seus interesses
característicos. Cada uma dessas , grandes épocas deixou
após si uma espécie de depósito cultural, como um sedimen-
to geológico. Estes depósitos penetraram nas instituições edu-
1
gências. Admitem que cada interesse seja uma espécie de ins- cacionais sob a forma de estudos, de cursos diferentes, de
I
tituição fixa a qual deve corresponder alguma coisa nos pro- diferentes tipos de escolas. Coiii a rápida mudança dos in- 1
I
gramas escolares. Este programa deve, por isso, conter um teresses políticos, cientificos e econômicos no século passado,
tanto de educação, cívica e de história sob o ponto de vista necessária se tornou uma provisão de valores novos. Em-
político e patriótico; alguns estudos de utilidade prática; UIII bora os cursos mais antigos resistissem, tiveram de desistir,
pouco de ciências naturais; um pouco de arte (principal- pelo menos nos Estados Unidos, de suas pretensões mono-
mente literária, como é natural) ; um tanto de diversúes; um polizadoras. Esses cursos, todavia, não tiveram reorganiza-
pouco de educação moral - e assim por diante. E notar- dos seu conteúdo e objetivo; foram apenas reduzidos em
se-á que grande parte da agitação dominante, das discussões quantidade. Os novos estudos, que representavam os novos
e ,controvérsias a respeito do ensino, se relaciona com a pro-
iiiteiesses, não foram aproveitados para transformar o mé-
porção em que é necessário serem atendidos esses interesses
todo e objetivo de toda a instrução: foraiii apenas encaixa- i
e c0111 OS esforços para garantir no curso, a cada um deles, dos nela conio um acréscin~o. O resultado é um conglomera-
siia parte devida; ou, se isto não parecer praticável no regime
do, cujo cimento consiste no iiiecanismo dos programas e i
escolar dominante, assegurar ciirsos novos e independentes I
dos horários escolares. Surgem daí o esquema de valores
para satisfazer essa necessidade. E com essa inultidão de
e os padrúes de valores a que já nos referimos. I
educações fica esquecida a educação.
O resultado inevitável é o congestionainento dos cursos, Esta situaçáo eiii educaçáo representa as divisóes e se-
t a supertensáo mental e a confusão dos alunos, e uina es- parações realizadas na vida social. A variedade de interes-
treita especialização fatal ao verdadeiro ideal educativo. Mas seu, que assiiialaria uiria experiêiicia rica e bem equilibrada, i
estes maus resultados encaminham habitualmente a mais coi- foi fracionada e confiada a institi~i~óesseparadas, de fina-
sas da inesiiia espécie, procura<las como reniédio. Quando lidades e iiiétodos diversos e iiidcpeii:lrntrs. Ocupaçfies prá-
272 Democracia c edwcaciio

ticas são ocupaqóes práticas, cièncias naturais são cièncias


V o l a c s educacionais 273

resses sem pagarinos o tribiito do isolan~ento das matérias?


I
naturais, arte é arte, política é política, intercâmbio social é Como adquirir o individuo habilidade de execução com a sua
intercâmbio social, nioral é iiioiãl, recreações são recreações, inteligência em vez de o ser à custa de sua inteligência? Co-
e assim por diante. Cada qual dessas coisas possui terreno mo poderão a arte, a ciência e a política fortalecer-se umas
distinto e independente, com seus objetivos peculiares e seus às outras para uma rica têmpera do espírito, em vez de cons-
peculiares modos de proceder. Cada qual contribui para as tituírem metas dernaiidadas à custa umas das outras? Como
outras somente externa e acidentalmente. Todas elas cons- podei11 os interesses da vida e os estudos que os fortalecem
tituem o todo da vida, exclusivaniente por justaposição e enriquecer a experiência comiim dos hoiiiens em vez de afas-
acrescentamento. Que se espera das ocupaqões práticas a tá-los uns dos outros? Trataremos nos últimos capitulas dos
11ão ser que produzam dinheiro para ser usado na produção l>roblemas de reorganização que essas perguntas levantam.
de iiiais dinheiro, para o susteiito de quem trabalha e de sua
família, para comprar livros e quadros, entradas de concer- Resumo. - E m sua essência, os elementos incluídos
tos que proporcionem cultura, e para empregar-se no paga- e111 um exame dos valores já foram estudados na discussão
mento e impostos, em doiiativos de caridade e em outras coi- anterior sobre os objetivos e os interesses. Mas como se I
sas de valor ético e social? Como achariaiii desrazoável es- discutem, geralmente, os valores eduracioiiais, em relação às
perar que as ocupações práticas incrernentassein por si mes- virias matérias do curriculo, nossas coiisiderações sobre o
mas a cultura da imaginação, no sentido de sua amplitude e objetivo e o interesse foram aqui resuiiiidas sob o ponto de
aperfeiçoamento; que tivessem diretamente, e não por meio vista dos estudos especiais.
do dinheiro que proporcionam, o objetivo de serviço social A expressão dar valor ( t o valuc) tem duas significa-
como o seu principio aiiimador e fossem dirigidos como eni- qões completamente diversas. Por uma parte, denota a 1l
preèndimentos proveitosos à própria organização social 1 A atitude de dar apreço a uma coisa por si mesma ou intrinse- I
mesma coisa, aizatetis ~~zuta~xrdis,
pode ser dita sobre a ativida- caineiite. É o nQme de uiila experiência plena ou campleta.
de exercida na arte, nas ciêticias naturais, em política ou em Xeste sentido eqtiivale a apreciação. Mas to value (avaliar)
religião. Cada uma se especializou não somente nos recur- também signifi,ca um ato distintamente intelectual - ato de
sos de qiie se utiliza e no tempo que exige, como também comparar e julgar - de avaliar. Ocorre isto quando há
pelo seu escopo e pelo espirito que as orienta. Inconscieu- falta de experitncia plena direta, e surge a questão de qual
temente nosso curso de estudos e nossas teorias sobre os va- das várias possibilidades de uma situaçáo deva ser preferida
lores educativos dos estudos refletem essa divisão de inte- coiu o fiiii de coiiseguir-se uma plena realização ou uma
resses. experiência vital.
O lmnto crítico de uma teoria de valores educacionais Xão deveremos, no entanto, dividir os estudos dos 1x0-
é, portanto, a unidade oii integração da experiência. Como gramas em apreciativos, que são os que nos interessam pelo
poderá esta ser plena e variada sem perder a unidade de valor intrínseco, e instrumentais, que nos interessam por te-
espírito? Coiiio ser iiiia e iiiestiio assim náo exígua nem rem valor ou finalidade além de si próprios. A criação de
monótona em sua unidade? Ein Última análise, a questão padrões de valores convenientes em qualquer matéria depen-
de valores e de um padrão de valores é a questão moral da de da compreensão da sua contribuição para a significaqá;,
organização dos interesses da vida. Educ,acionalmente~ a imediata da experiência, isto é, para a sua direta apreciação.
questão diz respeito 1 organizaqáo de escolas, matérias e A literatura e as belas-artes têiii valor particular porque re-
métodos que atuem para a consecução de amplitude e ri- presentam a apreciação em seu mais alto grau - uma com-
queza de experiência. Cotiio podere~iios conseguir alarga- preensão elevada das significa~õespor meio da seleção e da !
mento de perspectiva ou liorizoiites sem sacrifício da efi- concentraqão. hlas toda a matéria, por alguiii aspecto de
ciência da eseciiçáo? Coniu colisegiiir diiersidade de inte- seu desenvolvimento, possiii qiinlidad~ estética para o indi- I
vídiio nela interessado.
I
A, contribuição, na experiência, para iniediatos valores
intrínsecos, é o único critério para determinar os valores ins-
trumentais e derivados nos estudos. A tendência a atribuir
valores distintos a cada estudo e a considerar o currículo em
seu conjunto como uma espkcie de agregado formado pela
justaposição de valores isolados, é o resultado do isolamento
dos grupos e classes sociais. Por essa causa, é tarefa da
educaçáo, em um grupo social democrático, lutar contra esta
segregação, para que os vários interesses possam mutuamen-
te reforçar-se e influenciar-se.
1. A origem d o antagonismo. - O isolamento dos
objetivos e valores que estivemos a considerar conduz a anta-
gonismos entre eles. Provavelmente o mais profundo de to-
dos, 112 história da educação, é entre a educação como pre-
paro para um trabalho Útil e a educaçáo para unia vida de
lazeres. As siiiiples expressões "traballio útil" e "lazeres"
confirmaiii a asseveração já feita de que a segregago e a
colisão dos valores não são coisas propriamente destes e sim
refletem unia divisão na vida social. Se as duas funções -
conseguir-se um meio de vida pelo trabalho e desfrutar cul-
tamente as oportunidades de lazer - fossem distribuídas
igualmente entre os diversos membros de uma comunidade,
não ocorreria a ninguém a idéia de existir qualquer conflito
de instituições e fins educacionais necessários ao desenvol-
vimento dessas duas funções. Patentear-se-ia por si mesmo
que a questão seria saber como a educação poderia contri-
buir eficazmente para ambas as coisas. E malgrado al-
guém pudesse achar que algumas matérias educativas contri-
buem principalmente para um dos resultados e, outras maté-
rias, para o outro, seria evidente dever-se ter o cuidado de
assegurar-se a fusão das duas coisas, confonne as condições
o permitissem - isto é, a educação que tivesse mais direta-
mente em vista os lazeres deveria reforçar o mais possível
a eficiência e a fecundidade do trabalho, ao passo que a que
visasse o trabalho útil deveria criar hábitos sentimentais e
intelectuais que conduzissem a um nobre aproveitamento dos
lazeres.
Estas considerações gerais são em grande parte justifi-
cadas pelo desenvolvimento histórico da filosofia educacio-
nal. A separação entre a educaçáo liberal e a educação pro-
fissional e industrial remonta aos tempos da Grécia e se de-
rivava claramente dos fundamentos dn divisáo entre a classe
iiieiii ocupa L I lugar iiiais elel-adn na escala dos seres aili-
dos que precisavain trabalhar para viver e a dos que se acha-
vam forros desta iiecessidade. A idéia de que a educação riiados. Ele participa. iiiii tanto, das fuiições dos vegetais e
liberal dada aos homens da última classe é intrinsecamente dos aiiitiidis : a nutritiva, a reprodiitora e a iiiotora. Mas, a
mais elevada do que o adestramento servil da primeira, re- função distirctiva do lioiiieiii é a razão, destinada à conteni-
flete a circunstância de socialmente ser uma dessas classes plaçáo do espetáculo do universo. Por essa causa, a finali-
livre. e outra escravizada. Esta não só trabalha para sua dade propriamente humana é o mais completo exercicio pos-
própria subsistência, como também para proporcionar à on- sível desta característica prerrogativa humana. A vida de
tra clisse meios de subsistir sem se empenhar em ocupações observação, meditação, reflexão e especulação considerada
que toiliam quase todo o tempo, e que não são de natureza como um fim em si mesma é a própria do homem. Além
a exigir o emprego da inteligência ou a recompensá-la. disso, procede da razão o domínio dos mais baixos elemen-
tos da natureza liumana - os apetites e os impulsos ativos
Torna-se desnecessário dizer que unia certa quantidade e motores. Sendo naturalmente gananciosos, insubmissos.
de trabalho será sempre indispensável aos homens. 0 s se- aiiiantes dos excessos. visando unicamente a própria sacie-
res humanos necessitam viver e a renovação dos recursos para clade. eles. qiiaiiclo si~jeitos aus ditames da razio. observam
a vida exige que trabalhemos. Mesmo que insistamos em a tiiodera<áo - a lei da medida - e servem a fins deseja-
serem meralilente materiais e, por conseqüência, intrinseca- veis.
inente de mais baixa espécie, os interesses associados ao
ganha-pio, do que os associados com a fruição de lazeres Tal é a situasão sob o ponto de vista psicológico e teó-
livres de trabalhos, e eii~boraadmitamos existir algo de absor- rico, e do modo perfeitaniente adequado com que Aristóteles
vente e rebelde lios iiitrresses materiais, que os impele a lu- a expôs. Mas este estado de coisas reflete-se na constitui-
ção das classes humanas e, por isso, na organização da so-
tar para usurpar o lugar pertencente aos iiiteresses ideais
mais elevados, isto não nos levaria a equecer (deixando-se ciedade. Só em número de pessoas relativamente pequeno
de lado o fato de existirem classes socialmente separadas) a é a f u n ~ ã oda razão capaz de atuar como lei da vida. No
comum do povo predoniiiiain as funções da vida vegetativa
espécie de educação que habilita os homens a exercerem mis- e animal. Sua energia intelectual é tão fraca e inconstante
teres de utilidade prática. Levar-nos-ia, antes, a ter escru- que com freqüência é sobrepujada pelos apetites e paixões
puloso cuidado a respeito desses misteres, de modo a serem corpóreas. Essas pessoas não são verdadeiramente fins eni
os homens adestrados para tornarem-se eficientes neles, e, si mesilias, pois só a vida racional constitui a última fina-
mesmo assim, mantê-los em seu lugar; a educação trataria de lidade. Assim como os vegetais, os animais e os instru-
fazer que evitássemos os males resultantes de Ihes permitir- mentos inateriais, elas são meios,, são recursos para atiiigirem-
inos desenvolver-se ao abmclono erii antros obscuros. So- se fins albm delas próprias, embora se diferenciem daqueles
tiiente quando uma separação destes interesses coincide com por terei11 iiiteligência bastante p r a desempenhar com certo
a divisão eni uma classe superior e outra inferior, é que se critério as tarefas que Ihes são confiadas. 1í assim que, por
encara com desprezo, considerando-a uma indignidade, a sua natureza, e não apenas pela convenção social, existem
preparação para os labores Úteis : circuiistâiicia qiie condiiz
,
escravos, isto é, meios para servirem aos fins de outras pes-
à conclusão de que é produto da ordem social a rígida iden- soas (1). A numerosa classe dos artífices, sob importante
tificação do trabalho coni os interesses materiais, e a do la- aspecto, está em piores condisões que a dos próprios escra-
zer com os interesses ideais. vos. Bem como estes Últimos, eles servem fins que Ihes
Os corolários educacioiiais da situação social formula- são exteriores; mas, não gozando de íntima assoc<ação coni
dos há niais de dois niil anos exercerani tanta iiifluêiicia e a classe livre siiperior, a exemplo dos escravos domésticos,
reconhecem tão clara e logicainente as conseqüências da divi-
são em classes trabalhadoras r não trabalhadoras, que me- 1) Aristóteles iiáo aiirina qiic haja coincidência entre a classe
rrceni especial niençZo. De ncor~lo com essas idéias O Iio- dos escravos de fato e das escravas por sua natureza.
278 Brniocracia c &~!ICOC~O
Ti nbnlho e ln-ri. 279

coiiservani-se ein iiiais baixo iiivel de excclèiicia. .4léiii disso,


até que ponto deverão os jovens exercitar-se a tocar instru-
as niulheres são tanihCiii iiicliiídas entre os escravos e os ar-
tesáos como fatores animados e itistruiiientais de produção n~eiitos. Sua resposta é rliie a prática e a proficiência nessa
e reprodução de recursos para se desfrutar uma vida livre direção é tolerável desde que seu fim seja conduzir à apre-
ciação, isto é, a compreender o valor da música e deleitar-se
e racional. com ela quando tocada por escravos ou profissionais. Se o
Individual e coletivamente existe um abismo entre sim- fim do aprendizado f o r profissional, a música decai do nível
plesmente viver e viver dignamente. Para alguém viver dos estudos liberais para o dos profissionais. Seria o mes-
dignamente deverá primeiro viver - e o mesmo se dá com mo que aprender-se a cozinhar, diz Aristóteles. O próprio
as coletividades sociais. O tempo e energia gastos mera- interesse liberal pelas obras de arte depende da existência
mente para viver, para ganhar meios de subsistência, des- de uma classe mercenária de profissionais que restringiram
falcam a utilização dos mesmos em atividades de inerente O desenvolvimento de sua personalidade à realização do ideal
significação racional. Além disso as atividades de ganhar a da obtenção de habilidade mecânica para a execução das
vida desadaptam o homem para a vida racional. Meios são referidas obras de arte. Quanto mais alta for a atividade,
coisas mesquinhas; o útil é servil. A verdadeira vida só é mais puramente mental será; e quanto menos elevada for,
possível na proporção em que se satisfaçam as necessidades maior será seu contacto com a s coisas materiais ou com o
materiais sem esforço e sem que estas exijatii atenção. Por corpo humano. Quanto mais puramente mental, mais inde-
isso utilizam-se os escravos, os artífices e as mulheres para pendente será, ou mais se bastará a si mesma.
fornecerem meios de subsistência a fim de que outros, os Estas Últimas palavras trazem-nos à lembrança que, mesmo
adequadamente equipados de inteligência, possam viver uma os que vivem vida racional, Aristóteles os divide em superiores
vida de lazeres dedicados a coisas de valor intrínseco. e. inferiores. Pois há unia distinção nos fins e nas asões
A estas duas espécies de ocupações, com sua diferen- livres, conforme na vida de alguém seja utilizada a razão, ou
ciação de atividades servis e livres, correspondem dois tipos seja a razão seu ambiente. Exemplo: o cidadão livre que se
de educação: a baixa ou mecânica e a liberal ou intelectual. dedica à vida pública da comunidade, tomando parte na di-
Adestram-se algumas pessoas em exercícios práticos conve- reção dos negócios desta e granjeando honras e distinção pes-
nientes para a a q u i s i m da capacidade de fazer as coisas, da soal, leva uma vida associada à razão. Mas o pensador, o ho-
habilidade de usar os utensílios mecânicos destinados a criar mem que se dedi'ca a investigações científicas e especulações
conforto material e a prestar serviqos pessoais. Este ades- filosóficas, trabalha, por assim dizer, na razüo e não, simples-
tramento é mera questão de hábito e de habilidade técnica; mente, com a razüo. Por outras palavras - até a atividade do
efetua-se pela repetição e freqüência de emprego e não pela cidadão em suas relações cívicas repassa-se uni tanto do estigma
reflexão ativa e educadora. A educação liberal visa exer- dos trabalhos práticos, da atividade exterior ou meramente
citar a inteligência para sua função peculiar: conhecer ou sa- instrumental. Esta contaminação é patenteada pelo fato de
ber. Quanto menos este conhecimento se relacionar com coi- que a atividade e a excelência cívicas necessitam do auxílio de
sas práticas, com o fazer ou produzir coisas, tanto mais ade- outrem; uma pessoa não pode, isoladamente, devotar-se à vida
pública. Todas as necessidades, todos os desejos, subentendem,
quadamente se empregará nele a inteligência. Com tal coe-
rência Aristóteles traça a divisória entre a educação para os aliás, na filosofia de Aristóteles, um elemento material; im-
misteres inferiores e a liberal, que inclui aquilo a que atual- plicam falta, privação; dependem, para satisfazer-se, de algu-
mente chamam "belas-artes" - a música, a pintura e a es- nia coisa exterior a si próprios. Já uma vida puramente in-
cultura, no que diz respeito a sua prática, na mesma classe telectual, um indivíduo a leva por si mesmo, em si mesmo:
das artes servis. Elas subentendem fatores físicos, prática se outrem lhe presta auxílio, é este mais acessório do que
perseverante e resultados exteriores. R e f e r i n d ~ s e ,por exem- intrínseco. Na vida abstrata, a razão, conhecendo, atinge a
plo, à educação musical, ele propõe a questão de saber-se plenitude de sua própria maiiifestacão. O conhecimento pelo
conhecimento, o saber pelo' saher, independentemente de qunl-
r j w r al>licação prática. só isto é indepeiidêiicia ou autesufi-
para obter habilidade mecinica, seni que se tivesse em vista
ciência. Por isso só é verametite liberal ou livre a educação
que coiircrte a laciildaile de conhecer eni iiiii f i i i i por si mesino, seu efeito ulterior sobre a capacidade de paitiçiparem de unia
vida digna deste nome. Também tinha ele toda a razáo
sem referêiicia a atos práticos e nem iiiesino aos deveres
quando chegou a afirmar que "todos os trabalhos mercenários,
civicos. assim como os que prejudicam as condições do corpo, são
mecinicos desde que privam a inteligência de lazeres e digni-
2 . A situacão atual. - Se a concepção de Aristó- dade", isto é, quando as ocupações de ganhar a vida, de fato,
teles representasse unicamente a opinião pessoal de Aristó- privam a inteligência das condições necessárias ao seu exercicio
teles, seria ela apenas uma curiosidade histórica mais ou menos e, assim, de sua dignidade. A falsidade de suas afirmativas
iiiteressante. Serviria como exemplo da falta de simpatia hu- está no identificar uma fase dos costumes sociais com uma
mana ou das proporções em que pode a pedantaria acadêmica iiecessidade natural. Mas unia opinião diferente sobre as re-
coexistir com extraordinários dotes intelectuais. Mas Aris- lações do espírito com a iiiatéria, do espírito com o corpo, da
tóteles unicamente descreveu com clarividência, e sem a infide- inteligência com os serviços sociais, somente será melhor que
lidade sempre resultante da confusão mental, o espectáculo da a de Aristóteles quando contribuir para fazer cair em desuso
vida que tinha i sua frente. Desnecessário é dizer-se que de essa idéia antiquada, na diresão atual da vida e da educação.
seus tempos para cá a situação social iiiudou grandemente. Assistia toda razão a Aristóteles ao admitir a inferioridade
Mas apesar dessa rnudanp, apesar da abolição da escravidão e subordinação da simples habilidade de execução e da sim-
legal e da propagação das idéias democráticas, malgrado os ples acumulação de produtos exteriores ao entendimento, à
progressos da ciência e da educasão geral (pelos livros, jor- apreciação simpática e ao livre exercício do pensamento. Se
nais, viagens e relações sociais gerais, assim como pelo ensino havia erro era no presumir a separação necessária dessas duas
das escolas), ainda reinanesce bastante da bipartição da socie- coisas: em supor a existência de um divórcio natural entre a
dade eni uma classe douta e outra indouta, em uma trabalhadora
eficiencia para produzir coisas úteis e para prestar serviços, e
e outra ociosa, para tornar seu ponto de vista bem esclarecedor,
o pensamento ou a reflexão auto-orientadora; entre saber
de modo a criticar-se por meio dele ou nele a separação entre significativo e eficiência prática. Dificilmente melhoraremos
a cultura e a utilidade na ediicação atual. Atrás da distinção as coisas se nos limitarmos a corrigir seu equivoco teórico, to-
intelectual e abstrata que figura na discussão pedagógica do
lerando o estado social de coisas que originou e confirmou sua
assunto, surge, assim, uma distinção social entre aqueles cujas concepção. Mais perderemos do que ganharemos na mudança
ocupações exigem um mínimo de reflexão auto-orientadora e
da servidão para a cidadania livre, se o mais valioso resultado
de apreciação estética, e os que se interessam mais imedia-
da mudança for apenas um aumento da eficiência mecânica
taiiiente yelas coisas da inteligência e pela regulaçáo da ati- dos instrumentos humanos de produção. Será antes perda que
vidade alheia.
proveito chegarmos a considerar a inteligência um meio de
Aristóteles tinha certamente toda a razão ao dizer que dominar a natureza por intermédio da ação, se nós permitirmos
r c toda a ocupação, arte ou estudo, merece denominar-se me-
que perdure um estado ininteligente e de escravidão para aqne-
cânica se tornar o corpo, a alma ou a inteligência das pessoas les que diretamente extraem utilidades da natureza, deixando
livres inaptos ao exercício e à prática da excelência". A força a inteligência que os dirige ser privilégio exclusivo dos distantes
desta asseveração aumenta quase infinitamente quando nos cientistas e capitães da indústria. Só ficaremos em situação
damos acordo de que, presentemente, segundo as chamamos, de honestamente criticar a divisão da vida em funções sepa-
todas as pessoas são livres, à exceqáo de relativamente poucas. radas e da sociedade em classes separadas, na proporção em
Pois quando o comum dos homens e todas as mulheres eram que nos livrarmos da responsabilidade de perpetuar as práticas
considerados servos pela natureza tanto de seus corpos como educativas que exercitam o maior número para ocupações que
de seus espíritos, não havia confusão intelectual nem hipocrisia exigem unicamente habilidade produtora e poucos para adqui-
moral no dar-lhes unicamente unia educação que os preparava rirem conhecimentos que são ornatos e requintes ciilturais.
Eni suiiia, para sermos capazes de ultrapassar a filosofia ,,tas niatérias elementares, conio leitura, escrita e contas. O
grega sobre a vida e a educação, não basta variarmos na ado-
resultado é um sistema em que os elementos "cultural" e "uti-
ção de símbolos abstratos que signifiquem livre, racional e digrio.
litário" formam um agregado não organizado, do qual o
Também não é bastante operar uma mudança de sentimentos
no tocante à dignidade do trabalho, e à superioridade de uma primeiro elemento não é utilizável para os fins sociais domi-
vida laboriosa sobre a daqueles que em seu isolan~entogozam nantes e o segundo não desenvolve a imaginação ou a fa-
de uma independência que se basta a si mesma. Importantes culdade da reflexão.
como são estas mudanças teóricas e emocionais, elas só se Na situasão a nós legada pelo passado, há um curioso
completarão quando se refletirem no desenvolvimento de uma entrelaqamento, até no mesmo estudo, de concess0es ao utili-
sociedade verdadeiramente democrática, s'ociedade em que todos tarismo, e de um resíduo de elementos destinados, dantes,
exclusivamente i preparação para a vida de lazer. O elemento
tomem parte em serviços de utilidade prática e todos des-
frutem nobres ócios. Não é a simples mudança dos conceitos "utilitário" está nos motivos atribuidos ao estudo, e o "libe-
da cultura - ou mentalidade liberal - e dos serviços sociais, ral" nos métodos de ensino. O resultado desse amálgama é
talvez menos satisfatório do que se fosse mantido em sua
que requer uma reorganização educacional - necessita-se, sim,
da transformação educacioiial para fazer que produzam plenos pureza um ou outro dos dois princípios mencionados. O
e manifestos resultados as mudanças realizadas na ordem so- motivo admitido popularmente para que os estudos dos quatro
cial. A crescente emancipação politica e económica das "mas- ou cinco primeiros anos consistain quase exclusivamente em
sas" chegou até à educação; efetuou o desenvolvimento de Vrn leitura, escrita, ortografia e aritmética, é, por exemplq, que
regime escolar comum, público e livre, de educação. Destruiu saber perfeitamente ler, escrever e iazer contas é indispen-
a idéia de que o saber é monopólio dos poucos predestinados pela sável para as pessoas progredirem em suas carreiras. Estes
estudos são tratados como simples. instrumentos para a obten-
natureza a dirigir os negócios públicos. Mas a revolução foi
incompleta. Prevalece ainda da idéia de que uma educa@o ção de empregos remunerados ou para ulteriores progressos na
verdadeiramente cultural ou liberal nada tem de comum, pelo continuação dos estudos) conforme os alunos continuem ou
menos diretamente, com a atividade industrial, e de que a não continuem a cursar escolas. Reflete-se essa atitude no
educação adequada para as massas deve ser útil ou prática, em relevo posto em "exercicios" e prática para se conseguir ha-
um sentido que contraria o desenvolvimento da apreciação e bilidade automática. Se volvermos a atenção para o ' ensino
da emancipação intelectual. entre os gregos, veremos que desde os primeiros anos a aqui-
sição de habilidade se subordinava o quanto possível à assimi-
Como conseqüência disto, nosso atual sistema de edu- lação de textos literários providos de significação estética e
cação é um misto incoerente. Conservam-se certos estudos e moral. A coisa principal era a matéria estudada e, não, dar-se
métodos na suposição de serem particularmente liberais, to-
mando-se principalniente a palavra "liberal" na sentido de - ao aluno um instrumento para subseqüente uso. Todavia, o
isolamento desses estudos da aplicação prática, sua redução a
inútil para fins práticos. Este aspecto é especialmente visível
naquilo que se denomina educação superior, isto é, a das artifícios meramente simbólicos, representa, na escola atual,
uma sobrevivência do ideal de uma educação liberal divorciada
academias e preparação para estas. Mas, também, se insinuou do utilitarismo. Uma adoção completa do ideal da utilidade
nos cursos elementares e domina em grande extensão seus pro-
teria levado a uma instruqáo que vinculasse os estudos a si-
cessos e objetivos. Por outro lado, foram feitas certas con- tuações a que eles fossem diretamente necessários e às quais
cessões às massas que precisam esforpr-se por ganhar sua fossem imediata e, não, remotamente úteis. Será difícil encon-
subsistência, e ao papel mais vultoso da atividade econômica
trar-se no curriculo tima só matéria cujo ensino não apresente
na vida moderna. Apresentam-se estas concessões nas es- os maus resultados de unia associação dos dois ideais antagó-
colas e cursos especiais profissionais, nos cursos de engenharia, nicos. Recomei~dam-seas ciências naturais por sua utilidade
de artífices, nos cursos comerciais, nos cursos vocacionais e
~)revocncionais;c hciii nssini no intuito com que se ensinam prAtjca, liias são ensinadas de modo a afastá-las de aplica~óes
pr:iticns. Flor oiitro lado, justifica-se teoricamente o ensino de
Trobolho c Ialer 285

música e literatura pelo seu valor cultural, iiias depois, ao serein ai, etn jogo considerações geográficas e politicas de extensão
ensinadas, insiste-se principalmente em fazer adquirir especiais quase infinita. Era natural que PLATÁO combatesse o ensino
técnicas de habilidade. da geometria e da aritmética para fins úteis devido às suas
Se houvesse menos espirito de transação entre os dois poucas aplicações práticas, e por serem estas desprovidas de
ideais, e menos confusão resultante, se analisássemos c0111 conteúdo e da mais mercenária qualidade. Mas como suas
mais cuidado as significações de cultura e de utilitarismo, utilizaçóes sociais s e ampliaram e divulgaram, seu valor "li-
muito mais fácil seria organizar um curso que, ao mesmo beralizante" ou "intelectual'' e seli valor prático atingiram
tempo, fosse utilitário e liberal. Só uma espécie de superstição \ proximamente o mesmo nivel.
nos faz crer que as duas coisas são necessariamente antagô- Seni dúvida o fator que nos impede da reconhecer e
nicas, de modo que dada matéria não é liberal por ser útil, eiiipregar plenamente a ideiitificaçáo destas duis coisas é cons-
e outra é cultural por ser inútil. Verificar-se-á que em geral tituído principalniente pelas condições em que em grande es-
a instrução que, visando resultados utilitários, sacrificar o
cala o trabalho ainda é feito. A invenção das máquinas
desenvolvimento da imaginação, o apuro do gosto e a profun-
didade da atividade intelectual - valores cult~iraisindubita- auiiientoii a quantidade de lazeres que se tornam possíveis
iiiesmo qan:lo se está a trabalhar. Já é lugar-comum dizer-se
velinente - também rio mesmo grau limitará a utilização da-
que a aquisiqáo de habilidade, sob a forma de hábitos auto-
quilo oue foi aprendido. Não é que se torne totalmente niiticos, liberta o espirito: possibilitaiido-lhe o entregar-se a
desproveitosa, e sim porque sua aplica~ãose restringe às ati-
vidades rotineiras em que uma pessoa se empenha sob a di- espPcies mais elevadas de reflexão. Algo da mesma natureza
verificou-se com a introduqáo das operações mecanicamente
reção de outrem. As espécies restritas de habilidades não automáticas na indústria. Estas podem aliviar o espirito, per-
podem ser úteis além de si mesmas; toda a espécie de aptidão
mitindo-lhe refletir sobre outras coisas. Mas quando restrin-
obtida com o aprofundamento dos conhecimentos e aperfeiçoa-
gimos a educação dos trabalhadores manuais a alguns poucos
metito da facnldade de julgar pode ser facilmente usada eni
anos de estudo, dedicados, na sua maior parte, ao aprendizado
situaçóes novas e fica sob nossa direção pessoal. Xáo foi a do uso de simbolos rudimentares em detrimento do apren-
simples circunstância de terem certas atividades utilidade $0-
dizado de cièncias naturais, literatura e história, deixamos de
ria1 e econômica que as fez parecer servis aos gregos e sim O
preparar os espiritos dos trabalhadores para tirarem vantagens
fato de, em seu tempo, essas atividades associadas diretaiuente
dessas oportunidades. Mais importante é o fato de a grande
ao ato de ganhar-se a subsistência não serem a manifestação de
uina inteligência edncada, nem exercida por causa de uma maioria dos trabalhadores não conhecer as finalidades sociais
de seu labor e não ter nele um interesse direto pessoal. Os
apreciação pessoal de sua significação. Na proporçáo em que
os trabalhos agricolas e de ofícios eram rotineiros, empregados resultados que eles obtêm coiu seu esforço náo são o objetivo
para a obtenção de resultados exteriores aos espiritos dos de stras agõcs e sim unicamente o objetivo de seus superiores.
que os exerciam, tornavam-se iliberais - mas somente nessa Eles não fazem livre e inteligentemente o seu trabalho e siiii
tendo em vista o salário a ganhar. Esta é a circunstância
proporqão. Mudou-se agora a situação intelectual e social
desses trabalhos. Os elementos que na indústria eram for- que torna iliberal o seu trabalho e esse efeito é o que torna
necidos simplesmente pelo costume e pela rotina foram subor- iliheral e imoral qualquer educação destinada unicamente a dar
ainados lia maioria das profissões e oficios a recursos pro- habilidade para tais trabalhos. A atividade não é livre porque
x~enientes das investigações científicas. As mais inlportantes não é livremente que se participa da mesma.
ocii~:~ções de nossos tempos representam as niateniáticas, a fi- Kão obstante, existe já oportuliidade para dar-se uiiia
sica e a quiniica aplicadas e delas dependem. "ilargou-se tão ediicação que, tendo em mira, em traços mais salientes, o
indefinidamente a superficie povoada do globo influeilciada trabalho, recoiiciliará i cultura liberal com a educação so-
pela produção econóinica, e influindo no consuiiio, que entram. cialmente íitil, com a aptid5o de compartir, eficientemente e
com prazer, ocupações produtivas. E tal educação tenderá por manter a separação educacional, com transigências mútuas
si mesma a eliminar os males da presente situaçáo econômica. qu: muitas vezes diminuem a eficácia das medidas educacit-
Quanto mais interesse ativo tiverem os homens pelos fins a O problema da educação em uma sociedade democra-
que obedece a sua atividade, tanto mais livre e voluntária será tica é acabar com esse dualismo e organizar um curço de esty-
essa atividade, perdendo sua exterior qualidade forçada e servii, dos que torne a reflexão, para todos, um guia no livre exerclclo
ainda que continue a ser o mesmo, o aspecto material de seu da atividade prática e faqa que os lazeres sejam a recompensa
modo de trabalhar. Naquilo que se chama política, a organi- da aceitação da responsabilidade dos serviços práticos. de
zação social democrática adota medidas para a participação Dreferência a ser um estado em que se goze da isenção destes
imediata na direção social, mas no terreno econômico a direção
continua exterior e autocrática. Daí a separação entre a ín-
tima atividade mental e a aqão física externa, da qual é o
reflexo a distinção tradicional entre o liberal e o utilitário.
Uma educação que unificasse a atitude mental dos n~enibros
da sociedade contribuiria muito para unificar a própria !
sociedade.

Resumo. - Da segregação dos valores educacionais


de que tratamos no último capítulo, a mais importante k a
entre a cultura e ti utilidade. Pensa-se com freqüência que a
distinção seja intrínseca e absoluta, quando ela realmente é
histórica e social. Sua mais remota formulasão consciente
operou-se na Grécia e baseava-se lia circunstância de que a
verdadeira vida humana era vivida somente pelos poucos que
subsistiam à custa dos resultados do trabalho alheio. Esta
circunstância influencioii a doutrina psicológica das relações
entre a intelighcia e o desejo ou apetites, entre a teoria e a
prática. Encarnou-se na teoria política de uma divisão per-
manente dos seres humanos em pessoas capazes de viver a
vida da razão e, por esse motivo, tendo seus próprios fins, e
pessoas capazes unicamente de ter apetites e de trabalhar, pre-
cisando, por isso, orientar-se pelos fins impostos por outras
pessoas. No terreno pedagógico, as duas distinqões - a psi-
cológica e a politica - orignararn a separaçãu entre a educa-
ção liberal, que serve a iima vida auto-suficiente de lazeres
dedicados ao saber pelo saber, e a preparação utilitária e prá-
tica para as ocupações mecânicas, prepara950 desprovida de
conteúdo intelectual e estético.
Embora a situa~ãopreseiite seja radicalinente oulra na
teoria e esteja iiiuito mudada na prática, os fatores históricos
do antigo estado de coisas ainda perduran? o bastante para
Estudos it~tclectuais c esttrdos práticos 289

tradicão coiiio padrões para o conheciiiieiito e a conduta.


Buscando coisa que o s substituísse, acharam que só a razáo
era o verdadeiro guia da crença e da atividade. Como os
costumes e a tradição se identificavam com a experiência, in-
C A P I T U L O 20 feria-se diretamente que a razão era superior i experiência.
Demais disso, a experiência, não se mantendo nessa posição
subordinada, que lhe era própria, tornava-se o grande ohstá-
clllo ao reconhecimento da verdadeira autoridade da razão.
Cotno os costumes e as crenqas tradicionais mantiiih~m os
homens no cativeiro, a Iiita da razáo pela sua legitima sii-
1. O antagonismo entre a experiência e o verda- premacia só poderia ser ganlia mostrando-se a natureza itie-
deiro conhecimento. - Assim como s e contrapõem o tra- rentemente instável e insuficiente da experiência.
balho para ganhar a vida e o gozo de lazeres, também se faz A afirmação de Platão de que os filósofos deveriam ser
o iilesino com a teoria e a prática,a inteligência e a ação, o os reis será melhor compreendida como a afirmaçâo de que
saber e o fazer. Estes Últimos antagonismos promanam, os negócios hunianos deveriam ser regulados pela iiiteligên-
indubitavelmente, das mesmas condições sociais qiie geram a cia racional e não pelos hábitos, apetites, impulsos instinti-
primeira oposição; mas determinados problemas de educação vos e emuçóes. A primeira assegura o reinado da unidade,
relacionados com eles tornam desejável examinar claramente as da ordem e da lei; as últimas sigttifi,cam multiplicidade e
conexões e a pretensa separação entre o saber e o fazer. discórdin, oscilações irracionais d e , um estado a outro.
Tem longa história a noção de que os conhecimentos Não é preciso ir lotige para se descobrirem os funda-
provêiii de fonte mais elevada que a atividade prática, e pos- iiientos da identificaçáo da experiêiicia com a insatisfatória
suem valor iiiais elevado e mais espiritual. Na exposição condição das coisas, o estado de coisas representado pela
csnsciente desta matéria, a história transporta-tios às concep- tiiera preponderância dcs costunies. O incremento do co-
ções de experiência e de razão formuladas por Platão e Aris- iiiércio e das viagetis, as colonizaqões, tnigrações e guerras
tóteles. Malgrado as grandes divergências, sob muitos pon- dilatarani o horizonte intelectual. Verificou-se que os cos-
tos de vista, entre estes pensadores, eles concordavam em tumes e as crenças dos diferentes povos divergiam conside-
identificar a experiência com os interesses puramente práti- raveliiiente. As pertnrbaç6es civis tornaram-se habituais em
cos; e, por ~onse~liência, tendo como alvo os interesses ma- Atenas; as fortunas da cidade pareciam ter-se entregue às
teriais e como órgão o corpo humano. Por outro lado, o co- lutas de facçóes. Coincidindo o aumento dos lazeres com
nhecimento existia por si mesino, livre de associações com a a ampliação dos horizontes, muitos novos fenômenos da na-
prática, e tinha como fonte e órgão um espírito perfeita-' tureza passaram a atrair a atenção e a estimular a curiosi-
iiietite itnaterial; as suas relações eram com os interesses es- dade e as especulações. A situação tendia a pôr em dis-
pirituais ou ideais. Ainda mais - a experiência, sempre su-
cussão a existêiicia ou náo existência de qualquer coisa cons-
bentendia falta, necessidade, desejo; nunca se bastava a si tante e universal nos dominios da tiatureza e da sociedade.
tiiestiia. O conhecimento racional, entretanto, era completo
Ora, a razáo era a faculdade coiii que se apreeiidiani o prin-
e compreensivo, em si mesnio. Por isso a vida prática se eii-
cípio e a essência universais, ao passo que os sentidos eram
,contrava em uma condição de perpétuo fluxo, ao passo que os órgáos que percebiam xs ~niiclaii~as - o iiistivel e o va-
ao coiiheciment0 ititelectual o qite interessava era a verdade
eterna. riado em contraste com o perniaiiente e o uniforme. O re-
sultado do trabalho dos sentidos, conservado na memória e
Esta lortc alititese relacioiia~a-se com o fato de ter a na imaginação, e empregado com a habilidade conferida pelii
Iilosoiin ;tteiiiense coiiieçado pela critica aos costumes e a hábito, constituía a experiência.
290 Democracia e edircngEo Estildus ii~telecttiair c estudos pizilicus 291

O mellior da experiência é, por esta forma, rcpresenta- <Iciii à realidade das coisas e sini às relações das coisas com
do pelos vários trabalhos manuais - pelas artes da paz e os nossos prazeres e sofrimentos, à satisfaqão das necessi-
da guerra. O sapateiro, o tocador de flauta, o soldado, so- dades e ao bem-estar do corpo. São apenas importantes
freram a disciplina d a experiência para adquirirem suas ha- para a vida corpórea, que é unicamente um substratuni fixo
bilidades. Quer isto dizer que os Órgãos do corpo, especial- para u n ~ avida mais elevada. A experiência tem, assim, um
mente os dos sentidos, tiveram repetidos contactos com as caráter definidamente material; tem que lidar com as coisas
coisas, e que o resultado desses contactos foi conservado e fisicaç em relação com o corpo.
consolidado até se conseguir a aptidão para prever e a ha- Ao invés disso, a razão ou a ciência apega-se ao ima-
bilidade prática. Tal era a significação essencial do termo. terial, ao ideal e ao espiritual. Há qualquer coisa de mo-
"empírico". Este termo sugeria conhecimentos e habilidades ralmente perigoso na experiência, como o sugerem as pala-
náo baseados no co~ihecimentodos principias, e sim nos re- vras sensual, carnal, material, mundano, ao passo que a ra-
sultados de grande número de tentativas isoladas. Continha zão e o espírito puros significam qualquer coisa de moral-
a idéia agora encerrada na expressão "método de experiència iiiente estimável. Além disso, a experiência está ligada a
e erro" insistindo especialmente sobre o taráter mais ou me- uma inelutável conexão com o mutável, com o inexplicavel-
nos aleatório das expeiiências. E m relação à faculdade de mente incerto, com o múltiplo e com o vário. Seu material
direção, de regulaçáo ou controle, isto equivalia ao método é por natureza variável e inseguro. É anárquico, por ser
rotineiro e autoritário. Se as novas circunstâncias se asse- instável. O homem que confia na experiência ignora aquilo
melhassem i s passadas, tudo poderia correr muito bem; mas com que pode contar, porquanto ela varia de pessoa a pes-
quanto mais diferissem das Últimas, mais provável se tornava soa, dia a dia, paia não se dizer nada de pais a pais. A
o mau êxito. Mesmo hoje, dizer que um médico é empiri- conexão dela com .o L'múltiplo'', com várias coisas particula-
co, é significar que lhe falta educação científica e que ele res, produz o mesmo efeito e também acarreta conflitos.
procede baseando-se meramente naquilo que sucedeu apren- Somente o único, o uniforme, assegura coerência e har-
der com os tratamentos feitos ao acaso, em sua clinica ante- monia. DI experiência surgem lutas, conflitos de opiniões
rior. Precisamente porque a "experiència" era desprovida de e de atos, no indivíduo e entre indivíduos. Da experiência
ciêricia e de razão, tornava-se difícil fazê-la produzir os me- não pode provir nenhum padrão de certeza, porque é da
lhores de seus humildes frutos. O emplrico degenera facil- própria natureza da experiência fomentar todas as espécies
mente no charlatão. Ele ignora onde principiam ou acabam de crenças contrárias, como o provam as variedades de cos-
seus conhecimentos e, por isso, ao sair de suas condiqões ro- tumes locais A conseqüência lógica é de que é bom e ver-
tineiras, começa a afirmar aquilo que não pode justificar, dadeiro para dado indivíduo tudo aquilo que sua experiên-
a confiar na sorte e na sua habilidade de se impor i confi- cia o leva a crer seja verdadeiro e bom em determinado
anqa alheia - enfim, a "trucar de falso". Além disso, pre- tempo e lugar.
sume que por ter aprendido uma coisa sabe outras, assim Mas, por seu lado, a prática incide necessariamente nos
como os artífices comuns, na antiga Atenas, supunham que domínios da experiência. O ato de fazer é originado por ne-
podiam e sabiam tratar dos negócios domésticos, da educação cessidades e aspira a uma mudança. Produzir ou fazer é
e da politica por terem aprendido a fazer as coisas particula- modificar alguma coisa; consumir é modificar também. To-
res de seus ofícios. A experiência, portanto, está sempre a dos os caracteres prejudiciais das mutações e da variedade
oscilar à beira da pretensão, do fingimento, do cultivo das se prendem ao fazer, ao passo que o conhecer é tão perma-
aparências, ao contrário da razão que se apega sempre à rea- nente como seu objeto. O conhecimento, a apreensão inte-
lidade. lectual ou teórica de urna coisa acha-se partanto, fora do
Desse estado de coisas os filósofos logo tiraram certas domínio das vicissitudes. do acaso e da diversidade. Nada
generalizações. Os sentidos se relacionam com os apetites, falta à verdade; ela é inacessivel às perturbaçóes do inundo
com as necessidades e com os desejos. Eles não se pren- dos sentidos. Ela trata do eteriio e do universal. E o mun-
ou restolho do mesmo. O resultado educativo foi apenas &ias convenientes. Desse iiiodo Helvécio, talvez o mais
confirmar a exclusão dos trabalhos ativos da escola, salvo extremado e coerelite dos sensacionalistas, proclainou que a
quando empreendidos para fins simplesmente utilitários - ediicação podia fazer tudo - que ela era onipotente. Den-
tro da esfera da instrução escolar o empirismo exerceu fun-
para a aquisiqão, por meio de exercicios intensificados
(dvill), de certos hábitos. E m segundo lugar, o interesse ção diretamente benéfica protestando contra a mera instru-
pela experiência como meio de basear a verdade em obje- ção livresca. Se o cunhecimento provém das impressões
tos, na natureza, levou a considerar o espirito como sendo feitas em nós pelos objetos naturais, impossível será pro-
puramente receptivo. Quanto mais passivo o espírito, mais porcionar conhecimentos sem XI uso dos ohjetos que impres-
verdadeiras serão as impressões que os objetos lhe causarem. sionam o espírito. As palavras e todas as outras espécies
Pois, para assim dizermos, tomar o espírito uma iniciativa, de símbolos lingiiísticos, não havendo a anterior apresenta-
seria, no genuíno processo do conhecer, eivar o verdadeiro cão dos objetos a que possam estar associadas, veiculam
conhecimento - contrariar seu próprio intuito. O ideal era uni,camente as sensações de sua própria forma e cor - o
que indubitavelmente não é espécie muito instrutiva de co-
um máximo de receptividade.
nhecimento. O sensacionalismo era uma arma e m . extremo
Como em geral eram denomi~adas sensações as im-
eficiente para combater as teorias e opiniões fundadas to-
pressões causadas no espírito pelos objetos, o empirismo tor- talmente na tradição e na autoridade. Em relação a todas
-
nou-se a doutrina sensacionalista isto é, uma doutrina que levanta a questão: Onde se acham os objetos reais donde
identificava o conhecimento com a recep~ãoe a associação
recebemos essas idéias e convicções? Se tais objetos não
das impressões sensoriais. E m John Locke, o empiricista
podiam ser aoresentados, explicavam-se as idéias como o
que teve maior influência, encontramos esse sensacionalisino resultado de falsas associações e . combinações. O empiris-
atenuado pelo reconhecimento da existência de certas facnl- mo insistia também num elemento de primeira mão. A im-
dades mentais como o discernimento, a comparação, a abs- pressão deve ser feita em mim, no meu esplrz'to. Quanto
tração e a generalização, que concatenavam o material dos mais nos apartamos desta fonte de conhecimentos direta e
sentidos em formas definidas e organizadas, as quais origi- de primeira mão, mais numerosos são os mananciais de erros
navam por si mesmas novas idéias, tais como as concepções e mais vagas as idéias resultantes.
fundamentais da moral e das matemáticas. Mas alguns de Como se poderia esperar, esta filosofia era fraca sob 0
seus sucessores, principalmente na França, nos fins do sé- ponto de vista da realidade. Naturalmente, o valor dos
culo XVIII, levaram essa doutrina a seus extremos limites; objetos naturais e dos contactos de primeira mão nZo de-
eles consideravam o discernimento e a faculdade de julgar pendia de ser verdadeira essa teoria. Adotados nas escolas,
como sensa~ões peculiares produzidas em nós pela presenp eles exerceriam s u a ' função, mesmo que fossem completa-
conjunta de outras sensações. Locke, em relago ao con- mente errôneas as idéias sobre o modo por Que atuavam.
teúdo de idéias do espirito ou da mente, asseverara que esta A este respeito não poderia haver queixas. Mas o sensa-
é um pedaço de papel em branco ou uma tabula de cera sem cionalismo influenciou também o modo por que eram usados
coisa alguma gravada por ocasião do nascimento (uma tabula os objetos naturais e impediu de colher-se todo o bom re-
rasa), mas dotada, entretanto, de atividades que se aplica- sultado possível desse emprego. As "lições de coisas" ten-
vam ao material recebido. O s referidos sucessores france- diam a isolar a atividade dos sentidos e torná-la um fim
ses de Locke negaram essas faculdades ou poderes, fazen- em si mesma. Quanto mais se isolasse o objeto, mais iso-
do-os todos emanar também das impressões recebidas. lada ficaria a qualidade sensorial e mais distinta seria a im-
Segundo já observamos, esta noção era incentivada pe- pressão sensorial como unidade elementar do conhecimento.
lo novo interesse pela educação como meio de reforma so- Essa teoria não s6 atuava no sentido deste isolamento me-
cial. Quanto mais vazio for o espirito no começo, mais po- cânico que propendia a reduzir a instruçao a uina espécie
deremos fazer dele o que qtiisermos, submetendwo às influ- de ginástica fisica dos órgãos dos sentidos (que seria hoa
296 Democ~acia e educação
Estiidos ilifclcctiiais e estiidus práticos 297
conio clualquer ginástica dos órgãos do corpo, porém não
niais do que isto), coino tambéin para o abandono da re- sidade intelectual, é coisa aceitável. Mas coiiio conteúdo to-
flexão. De acordo com essa teoria, desnecessária era a re- tal do conhecimento da geografia, será ensino fatalmente
flexão associada à observação dos sentidos; com efeito, no restrito. De niodo exataiiieiite análogo, grãos de feijão,
terreno estritamente teórico, essa reflexão seria impossivel, l>auzinhos e fichas podeiii ter utilidade para auxiliar a com-
exceto depois, porquanto refletir consistia simplesmente em l>reeiisão das relaçóes numéricas ; sendo, porém, eniprega-
combinar e separar as unidades sen8oriais que foram rece- dos com outro fim que não seja auxiliar o raciocínio - a
bidas sem qualquer participação do ato de julgar. apreensão da significação - tornam-se um obstáculo para
Na realidade, e naturalmente, nenhum plano de educa- o desenvolvimento da compreensão da ,aritmética; imobili-
ção de base puramente sensorial foi nunca sistematicamen- zariaiii o desenvolvimento eu1 um baixo plano, o plano dos
te praticado, pelo menos após os primeiros anos da infân- siiiibolos iiiateriais específicos. Assim como a espécie hu-
cia. Suas evidentes deficiências foram causa de recorrer-se mana criou siiiibolos especiais coma instrumentos para o
a ele simplesmente para encher ou dar conteúdo ao conhe- cálculo e raciocinio mate~iiáticos, porquanto o uso dos de-
cimento "racionalista" (isto é, o conhecimento de definições, dos como simholos numéricos já se tornara insuficiente, o
regras, classificações e modos de aplicacão transmitidos em individuo deve progredir dos siiiibolos concretos para os
forma de símbolos) e como expediente para emprestar maior abstratos - isto é, siiiibolos cnja significação é compreen-
r , .interesse" a simbolos estéreis. dida somente por intermédio da reflexão conceitual. E a
pessoa absorver-se em excesso, no comeqo, com os objetos
Três, pelo menos, são os graves defeitos do empirismo
sensacionalista como filosofia educacional do conhecimento. fisicos dos sentidos, embaraça esse desenvolvimento.

a ) O valor histórico dessa teoria era critico; foi o dis-


c) No fundo do empirismo sensacioiialista encontra-se
iiiiia psicologia completamente falsa do desenvolvimento iileti-
solvente das convic~õesdominantes sobre o mundo e as ins-
tal. Experiência, em verdade, são as atividades instintivas
tituicões politicas. Foi uni órgão destruiclor ao criticar dog- e impslsivos em suas interações com as coisas. Até as "ex-
riias resistentes. Mas a obra da educação é construtora, e,
não, critica. Ela não supõe existentes anteriormente velhas periências" de uni infante não consisteni em receber passiva-
crenças a serem eliminadas o11 revistas, mas a necessidade mente as iriipressões das qualidades de um objeto e si111 nos
de organizar, desde começo, as novas expericncias, em há- efeitos que os atos de segurar, atirar, pisar, rasgar, etc.,
~produzeniiiiini objeto e o efeito coiisequeiite d e s ~ eobjeto na
bitos intelectuais o mais corretos possível. O sensaciona-
direção de sua atividade. Fundamentalmente (conforme O
lismo é altamente impróprio a essa tarefa construtora. O rereiiios iilais poriiieiiorizada~i~eiite)a antiga noqão da ex-
espírito, a compreensão, denotam reações L significacóes,
periência coiiio coisa prática é mais fiel à realidade dos fa-
e, não, r e a ~ õ e s a estimulas físicos diretos. E significação
só existe quando referente a um plano de ação em que o tos do que sua noção moderna coiiio um modo de conhecer
conhecimento não seja identificado com uma combinacão de par meio de sensaqões. O esquecimento dos profundos ele-
mentos ativos e motores da experiência é um defeito fatal
impressóes sensoriais. Educacionaliiiente aplicada, essa teo-
ria conduz ao exagero das simples excitações fisicas ou, en- dessa filosofia empirica já. hoje, tradicional. Nada é mais
tão, a mera acumulação de objetos e qualidades isoladas. <lesiiiteressante e meciiiico do que planos de lições de coi-
sas que ignoram e desprezam, o mais possiv~l, a propensão
h ) A s impressões diretas têm a vantagem de ser de natural de aprender as qualidades das coisas por meio do eiii-
primeira niáu mas, ao mesmo tempo, a desvantagem de ser
pregri cleslas para se tclitnr fazer alguiua coisa coiii elas.
de categoria limitada. Conhecer o educando diretamente o
meio natural de que está rodeado, de modo a dar realidade fi óbvio, por coiisrguiiite, que. iiiestiio se a filosofia da
a idéias sobre as partes da terra além do alcance dos seus experiên,cia riprt.sentad:i pelo eriipirismo iiioderiio tivesse ti-
sentidos, e tamhém conio iiieio de'ilcspertar-se-lhe a ciirio- (lo iii:iis grral :iceitacá<, reiirica do que a que teve, iin~i l ~ , ' -
1lrri:i fornecer nina satisfatória filosofia do processo de
Esfiidos infelccfiiois c estirdos priit~cos 299
aprender. Sua influência educativa limitou-se a introduzir ,'
um novo fator no antigo currículo, com modificaçóes aces- &sws l ) e ? ~ ~esigeni
i~s criino resposta" r a qiir rssns ])rssn;is
sórias dos estudos e métodos anteriores. Fez dar-se mais fazem em "respostas" aos atos delas, crianças. E a coni-
consideração à observação das coisas diretamente e por meio binação daqihilo que as coisas nos fazem (não por gravarem
de fotografias e gravuras, e reduziu a importância dada ao qualidades em um espírito passivo) modificando nossos atos,
sinibolismo verbal. Mas seu terreno próprio era tão exíguo, favorecendo alguns deles e resistindo e embaraçando a ou-
que se tornavam indispensáveis inforinações complementares tros, e daqiiilo que nelas podemos fazer, produzindo-lhes no-
de matérias fora do alcance da percepção sensorial e de ma- vas mudanças, é o que constitui a experiência.
térias que apelassem mais diretamente para a reflexão. Por A mesma coisa nos ensinam os métodos científicos que,
couseqüència, não reduziu o campo dos estudos informativos a partir do século XVII, revolucionaram nossos conhecimen-
e abstratos ou "racionaiistas". tos. Pois esses métodos não são outra coisa além da ex-
perinieutagáo feita sob certas condições deliberadamente con-
troladas. Pareceria absurdo para os gregos que uma ativi-
3. A experiência como experimentação. - Já indi-
dade semelhante i do sapateiro, por exemplo, a fazer furos
camos indiretamente que o empirismo sensacionalista não re-
em um couro, ou a usar cerol agulha e fio, pudesse dar urn
presenta a idéia de experiência à luz da psicologia moderna,
conhecimento adequado do mundo. Antolhava-se quase um
nem a idéia de conhecimento sugerida pelo moderno pro-
axioma que, para adquirirmos verdadeiros conhecimentos, de-
cesso científico. E m relaqão a primeira, esquece a importân- veríamos recorrer aos cunceitos provenientes de uma razáo
cia primacial de "respostas" ativas que consistem no uso das superior à experisncia. Mas a adoção d o inétodo experi-
coisas e no aprender as propriedades destas por meio da mental significava precisamente que tais operações, feitas em
descoberta das conseqüências de seu uso. Afigura-se-nos que condições determinadas e observadas, seriam exatamente os
cinco minutos de observação, sem idéias preconcebidas, do meios pelos quais poderiamos obter e pôr em prova idéias
modo por que uma criança nova adquire conhecimentos, bas- fecundas sobre a natureza. Por outras palavras: só era ne-
tariam para destruir a noção de que ela se acha passiva- cessário regular um ato, como o de derramar um ácido so-
mente a receber impressões de qualidades já definidas de som, bre um metal, com o fim de se saber alguma coisa (em vez
cor, dureza, etc., pois o dbservador veria que a criança rea- de praticar-se o mesmo ato tendo-se em mente um resultado
ge aos estímulos com os atos de segurar, alcançar as coisas, comercial) para descobrir-se uma lei com a qual de entáo
etc., com o fim de ver que resultados derivam da sua "res- por diante a ciência da natureza pudesse contar. As per-
posta motora" à estimulaçãa sensorial; ver-se-ia que aquilo cepções sensoriais eram em verdade indispensáveis, mas de-
que a criança aprende a conhecer não são as qualidades iso- via-se confiar menos nessas percepções em sua forma natu-
ladas e sim o "comportamento" que se possa esperar de ral ou costumada, do que na velha e antiga ciência. Náo
uma coisa e as mudanças nas coisas e pessoas que se espere se deviam mais considerar essas sensaçóes como encerrando
sejam produzidas por um ato. Noutras palavras, são as re- em si alguma "forma" ou "espécie" de natureza universal,
lações, aquilo que a criança aprende. Até qualidades como rebuçadas em uma máscara sensorial, da qual devessem ser
a cor vermelha, u m som agudo, a criança discrimina e iden- extraídas por meio do pensamento racional. Pelo contrário
tifica tomando como base as atividades que elas provocam e - a primeira coisa a fazer era n~odificare estender os da-
as conseqüências efetuadas por essas atividades. Aprende- dos da percep~áo sensorial: atuar sobre objetos dados com
mos que os objetos sáo duros ou macios descobrindo por as lentes do telescópio e do microscópio, e por toda a espé-
meio da experimentação ativa aquilo que eles respectiva- cie de artifícios exp?rimentais. Realizar isto de forma a
mente fazeni e aquilo que pode ser ou 1150 pode ser feito despertar novas idbias (hipóteses, teorias) exigia ainda mais
com eles. De niodo análogo, as crianças adquirem conheci- idéias gerais (coino as das iiiatemiticas) do que as de que
nientos sobre as pessoas descol~rindo quais s2o os atos que dispunha a ciencia antiga. hIas j i náo se julgava que estas
coiicepqóes gerais pr~~orcionavaiiipor si niesinas o conhe-
300 Democracia e educação Estiidos iiitelecfuais c cstridos práticos 301

cimento. Erani recursos auxiliares pai-a se iniciareiii, pros- I - A experibicia consiste primariamente eiii relações
seguirem e interpretarem as investigações experimentais e ativas entre um ser humano e seu ambiente natural e social.
para se formularem os seus resultados. Em alguns casos, a iniciativa parte do lado do ambiente; os
O resultado lógico dessas idéias é uma nova filosofia esforços do ser humano sofrem certas frustrações e desvios.
da experiência e do conhecimento, filosofia que não mais Em outros casos, o procedimento das coisas e pessoas do
póe a experiência em oposiçáo com os conhecimentos e expli- ambiente leva a desfecho favorável as tendências ativas do
cações racionais. A experiência deixou de ser unia simples indivíduo, de modo que, afinal aquilo que o individuo sofre
recapitulação daquilo que no passado foi feito de maneira oii sente são as co~iseqüências que tentou produzir. Exata-
niais ou menos casual; ela é a ol-iservação e o controle de- mente na proporçáo eni que se estabeleceni conexões entre
liberado daquilo que se faz para se tornar aquilo que nos aquilo que sucede a uma pessoa e o que ela faz em respos-
acontece, e aquilo que fazemos às coisas, o mais fértil pos- ta, e entre aquilo que u pessoa faz a seu meio e o modo por
sivel de sugestões (ou de significações sugeridas) e um que esse meio lhe corresponde, adquirem significação -os
meio de pôr em prova a validez das sugestóes. Quando o atos e as coisas que se referem a essa peswa. Ela aprende
ato de tentar ou experimentar deixa de ser cego pelo instin- a conhecer-se e também a conhecer o mundo dos homens e
to oii pelo costume, e passi a ser orientado por u m obietivo das coisas. A educação praticada intencionalmente (ou es-
e levado a efeito com medida e método, ele torna-se razoá- colar) deveria apresentar um ambiente em que essa intera-
vel - racional. Quando aquilo que sofremos das coisas, ção proporcionasse a aquisição daquelas significações que
aquilo que sentimos quando sujeitos a elas, cessa de ser o são tão importantes, que se tornam por sua vez eni instru-
produto de iiieras circunstâncias casuais; quando se trans- mentos para a ulterior aquisição de conhecimentos (V. Cap.
forma em unia conseqüência de nossos esforços anteriores XI).
empregados com determinado objetivo,. torna-se racional-
Segundo já foi repetidamente salientado, a atividade ex-
niente significativo - esclarecedar e instrutivo. O antayo- tra-escolar manifesta-se em condições que não foram propo-
nismo entre o enipirisnio e o racionalisnio deixa de ter co-
mo apoio as condi~õeshumanas que dantes lhe davam s i p i - sitadamente adaptadas para incentivar a função da compreen-
são e a formação de eficazes atitudes mentais. Na propor-
ficação e relativa justificação.
$0 em que se produzem, os resultados são genuinos e vitais,
Por si iiiesico é evidente o alcance desta transforniação mas apresentam-se limitados por todas as espécies de circuns-
sobre a oposição entre os estudos puramente práticos e os
tâncias. Algumas tendzncias permanecem totalmente sem
puraniente intelectuais. A distinsão não é intrínseca e, sim,
direção e seni desenvolvimento; para outras, deparam-se ape-
dependente de condições e de coiidições que podem ser re-
nas estímulos ocasionais; outras adquirem hábitos de rotina
guladas. As atividades práticas podenr ser intelectualmenfc
em detrimento dos objetivos da iniciativa e inventividade ricas
restritas e triviais. Mas sê-10-50 tanto mais quanto forem
niais rotineiras, feitas por imposição da autoridade e tendo de recursos. A função da escola não é transportar os ado-
eiii vista zlnicnwsente alguns resultados exteriores. Mas a lescentes de uiil ambiente ativo para outro de um estudo
I
infância e a adolescência, as fases em que se frequenta a inerte dos registros daquilo que os outros homens aprende-
escola, são justamente o tempo em que se torna possivel ram, e sim levá-los de um ambiente de atividades relativa-
dar-se algnéni a elas com diferente disposição de espirito. mente casuais (casuais em relação i compreensão e i inteli-
Desnecessário é reproduzir a matéria dos capítulos prece- gência que possam proporcionar) para outro de atividades se-
dentes sobre o ato de pensar e a evolução da matéria, edu- lecionada~,tendo em vista servir de guias para o aprendiza-
cativa desde as trabalhos e hrin'quedos infantis até a maté- do. U m ligeiro exame dos métodos aperfeiçoados que já se
ria logiratiiente organizada. No entanto, o assunto deste ca- mostraram eficazes para a educação revelará que eles se ape-
pitulo e o do anterior auineiitam 3 ignificaçiío daqiielas con- gam, mais ou menos conscientemente, ao fato de que os es-
clusões. tudos "intelectuais", em vez de se oporem aos trabalhas ati-
Estfrdos ii~teleciirais c cstr~dus práticos 303

vos, representam a intelectualização desses trabalhos práticos. fecundos e não meramente produtores de coisas exteriores.
Resta-nos apreender mais solidamente esse principio. Se em muitos casos, atualmenté. ele redunda unicamente na
ar(uisiçáo de um modo adicioii:;l de perícia técnica, deve-se
I1 - As mudanfas que se operam no conteúdo da vida isto, a ficar ainda em grande escala, soiiiente como um re-
social facilitam consideravelmente a sele@.o da espécie de ati-
ciirso isolado, do qual os professores não se utilizam, a não
vidade que intelectualizará os brinquedos e os trabalhos es- ser quando os alunos têm, em sua maioria, idade excessiva
colares. Ao termos presente no espírito o ambiente social dos 11;~raauferirem todas as vantagens que o iii~s1110pode p r o p r -
gregos e dos povos medievais, em que as atividades práticas cionar; mesmo então, esses aliinos tem de se dedicar a outros
que pudessem ser exercitadas com bom êxito eram eiii sua estudos em que os ~iiétodos tklicioiiais isolam a iiiteligên-
maioria de espécie rotineira e inferior, e até de natureza ser- cia da atividade.
vil, não nos surpreenderemos de que os educadores desses
tempos as houvessem desdenhado como impróprios para culti- Resumo. - O s gregos foram induzidos a filosofar
varem a inteligência. Mas o caso é diferente hoje, tempo em pela crescente incapacidade de seus costumes e crenças tra-
que até os serviços doméstims, os da agricultura e da indús- dicioiiais para lhes regularem a vida. Foram assim leyados
tria, assim como os de transportes e comunicações, estão re-
a criticar os costumes mostrando-se-lhes contrários e a pro-
passados do espírito da ciéncia aplicada. fi verdade que mui- curar outra fonte de autoridade para siia vida e suas cren-
tos dos que atualmente se dedicam a eles não têm consciên-
ç a s Eles desejavam, para estas últimas, nina craveira ra-
cia do conteúdo intelectual de que seus atos peçsoais depen- cional, e identificavam com a experiência os costumes que
dem. Mas esta circunstância apenas produz o efeito de acres- se tinhani mostrado insatisfatórios suportes daquelas ; por
centar mais uin motivo para que o ensino escolar se utilize
isso, fora111 levados a pUr em claro antagonismo a razão e
dessas atividades, de modo a habilitar a próxima gerasão a a esperiència. Quaiito niais se exaltava a prinieira, mais se
adquirir uma compreensão que falta, geralmente, em nossos d,egradara a segunda. Vina rez que a experiêticia era iden-
dias, podendo, assim, conduzirem-se seus traballios, não mais
tificada com aquilo <pie os lioniens fazem e sofrem nas par-
cegamente, mas com inteligência.
ticulares e mutáveis contingências da vida, sua atividade prá-
I11 - Todavia, o golpe mais direto contra a tradicional tica também participou dessa depreciação filosófica. Esta
separação entre o fazer e o saber, e contra o prestigio tra- influência concorreu com outras muitas para encarecer, na
dicional ' dos estudos puramente "intelectuais", foi desferido educação superior, tqdos os métodos e assuntos que exigiam
pelo progresso da ciência experimental. Se este progresso a menor utilização da observação dos sentidos e da ativida-
demonstrou algo, foi que não existem as coisas que se cha- de corpórea. A época atual iniciou uma revolução cariir;i este
rnaiil verdadeiro conhecimento e fecunda compreensão, ex- ponto de vista apelando para a esperiência e atacando os
ceto como resultado do fuzer. A análise e redisposiqáo de chaitiaclos conceitos puraiiiente racioiiais, sob o fuiidamerito
fatos, indispensáveis ao evolver dos conhecimentos, à pos- de necessitarem eles do lastro das experihcias coiicretas, pais
sibilidade de dar explicações e à s verdadeiras classiiicaç0es, do contrário não passariam de meras rnanifestaçses de pre-
não se podem conseguir apenas mentalmente - apenas no coticeitos, de interesses de classe iiistitiicionalizados, que se
interior da cabeça. O s homens, se quiserem descobrir algu- dec1:iravaiu racionais para se protcgereni a si iiiesnios. Mas
ma coisa, fii.[~cisnrt&fnzer alg!rn!n coisa àos objetas; precisarii viria-; çircitiistàrici:i~ Icy:iratii t;iiitlii.iii a c<,iibi<lçrnr-se n es-
alterar as coitrlic;óes destes. Esta i. a Iiç30 do método do Ia- 1i~iêtici;rc < i i i i ~ >p w u cunlieciiiieiilu, 1120 toiiiarido eiii coIlt3
horatório e a liç5o que toda, n ediicaçZo deve apreiider. O seus iiitriiisecos aspectos ativos e eriiocioriais, e a identificj-la
método do lzòoratório é a descoberta das condições sob as coiii iiiiia passiva recepçáo de "sensações" isoladas. Por isso,
quais o labor e o trabalho podem torriar-se ititelectualrnente a iuri@o ediiclicioti;il etctii;ida por esta nova teoria foi res-
trita, prii:cipalmeiite por ter de coiiibater uni tanto do espi-
rito livresco dos métodos anteriores; ela não realizou uma
reorganização coerente.
Enquanto isso, os progressos da psicologia, dos métodos
industriais e do método experimental das ciências, tornaram CAPÍTULO 21
explicitamente desejável e possivel outra concepção da expe-
riência. Essa outra teoria restabeleceu a idéia dos antigos de
que a experiência é primacialmente prática e não cognitiva - Estmdos fisicos e estzldos socinis: izatzrralisnzo c
consistindo em fazer e sofrer as conseqüências daquilo que Izi~~+zanisrno
se fez. Mas a teoria antiga transformou-se, por se haver
compreendido que a atividade prática pode ser dirigida de
forma tal a abranger como seu próprio conteúdo tudo aquilo Já aludimos ao conflito e con~peti~áo entre as ciências
que a reflexão sugerir, e desse modo a produzir conhecinien- naturais e os estodos literários por iiiii liiiyar nos progra-
tos bem comprovados. A "experiência" então cessa de ser mzs. A soluqão conseguida, a t t agora, consiste e m s u a essên-
empirica e torna-se experimental. A razão deixa de ser uma cia na transigência um tanto niecinica, pela qual se divide
faculdade remota e ideal, e significa todos os recursos por o c a m p entre os estudos que tèiu cori:o ol~jeto a natureza
meio dos quais a atividade se torna fecunda em significaçóes. e os que têm coino objeto o lionie~ii. Esta situaçZo apre-
Pedagogicamente, esta mudança significa para os estudos e senta-nos, assiiii, outro exemplo do ajustaiiiento exterior dos
para o método de ensino o plano desenvolvido nos capítulos valores educacionais e dirige a atençáo para a filosofia da
antecedentes. conex5o das coisas naturais com as coisas Iiii~natias. Pode-
se dizer, de um modo geral, que essa divi.sáo na educação
é um reflexo das filosofias dualistas. Consideran~se o es-
pírito e o inundo como dois reinos independentes em sua
existência, tendo UIII com O outro apenas certos pontos de
contacto. Decorre dai naturalmente que cada esfera de exis-
tência tenha seti próprio e separado grtipo de estudos rela-
cionado com ela; é mesmo natural que a expansão dos estii-
dos científicos seja encarada coin descunfianqa, coino assina-
lando a tendência de invadir, a filosofia materialista, os do-
niinios do espírito. Soda a tcoria educativa que tenha em
vista algum plano de educasão mais uiiificado clo que esses,
até agora existentes, encontra-se na necessidade de examinar
a questáo da relação do homem com a natureza.

1. O s antecedentes históricos d o estudo de huma-


nidades. - 2 digna de nota a circunstância de a filoso-
fia grega clássica não apresentar este problema com seu
aspecto nioderno. Sócrates, em verdade, parece ter pensa-
do que a ciência da natureza não era coisa nem acessível,
nem muito importante. O principal a conhecer é a nature-
trita, priiicipalmeiite por ter de coiiibater uni tanto do espi-
rito livresco dos métodos anteriores; ela não realizou uma
reorganização coerente.
Enquanto isso, os progressos da psicologia, dos métodos
industriais e do método experimental das ciências, tornaram CAPITULO 21
explicitamente desejável e possível outra concepção da expe-
riência. Essa outra teoria restabeleceu a idéia dos antigos {Ic
que a experiência é primacialmente prática e não cognitiva - Estudos fisicos e estztdos sociais: nafzrralisfqzo c
consistindo em fazer e sofrer as conseqüências daquilo que Izt~manisnzo
se fez. Mas a teoria antiga transformou-se, por se haver
compreendido que a atividade prática pode ser dirigida de
forma tal a abranger como seu próprio conteúdo tudo aquilo Já aludimos ao conflito e competi~ao entre as ciências
que a reflexão sugerir, e desse modo a produzir conhecinien- naturais e os estudos literários por tiin Iiiyar nos progra-
tos bem comprovados. A "experiência" então cessa de ser inzs. A soliiqáo consegiiida, até agora, consiste em siia essên-
empírica e torna-se experimental. A razão deixa de ser uma cia na transigência um tanto mecânica, pela qual se divide
faculdade remota e ideal, e significa todos os recursos por o campo entre os estudos que têiii coiiin ol~jeto a natureza
meio dos quais a atividade se torna fecunda em significaqóes. e os que têm coi~io objeto o lionieiii. Esta situa60 apre-
Pedagogicamente, esta mudança significa para os estudos e senta-nos, assiin, outro exemplo do ajuçtaniento exterior dos
para o método de ensino o plano desenvolvido nos capítulos valores educacionais e dirige a atenção para a filosofia da
antecedentes. conexio das coisas naturais com as coisas Iiiiinatias. Pode-
se dizer, de um modo geral, que essa divizá;, na educação
é um reflexo das filosofias dualistas. Consideram--se o es-
pírito e o inundo coino dois reinos independentes em sua
existência, tendo iim com o outro apenas certos pontos de
contacto. Decorre dai naturalmente que cada esfera de exis-
tência tenha seu próprio e separado grupo de estudos rela-
cionado com ela; é mesmo natural clue a expansão dos estu-
dos cientificos seja encarada com descaniiansa, coino assina-
lando a tendência de invadir, a filosofia n~aterialista,os do-
niinios do espírito. Toda a teoria educativa que tenha e111
vista algum plano de educaqão mais uiiificado do que esses,
até agora existentes, encontra-se na necessidade de examinar
a questão da relação do homem com a natureza.

1. O s antecedentes históricos d o estudo de huma-


nidades. - R digna de nota a circunstância d e a filoso-
fia grega clássica não apresentar este problema com seu
aspecto nioderno. Sócrates, ern verdade, parece ter pensa-
do que a ciência da natureza não era coisa nem acessível,
nem muito importante. O principal a conhecer é a nature-
za e o fim do homem. Desta conhecimento depende tudo o siijeita às suas leis, que Ihes seria impossível pensar em es-
que tem profunda significação - toda a obra moral e so- tabelecer um conflito entre o homem e a natureza. Entre-
cial. Não obstante, Platão faz o conhecimento do ho*em tanto, dois fatores concorreram para pôr em mais relevo, no
e da sociedade depender do conhecimento dos aspectos es- último período dos antigos tempaç, os estudos literários e
senciais da natureza. Seu principal trabalho, A Repúlilica, humanistas. U m era o caráter cada vez mais tradicional e
é, ao mesmo tempo, um tratado sobre moral, sobre organi- emprestado da cultura; outro, a propensão da vida romana
zação social e sobre a metafisica e a ciência da natureza, para a politica e para a retórica.
Desde que ele aceita a doutrina socrática de que o perfeito As conquistas gregas da civilização eram nativas, origi-
desenvolvimento moral depende do conhecimento racional, nais, mas a civilização dos alexandrinos e romanos provinha
vê-se forpdo a examinar a natureza do conhecimento. E de povos estraageiros. Por conseqüência, ela se volvia para
como admite a idéia de que o fim Último do conhecimento as fontes de que a obtivera, em vez de observar diretamente
é a descoberta do bem ou finalidade do homem, e lhe desa- a natureza e a sociedade, em busca de material para a refle-
grada a convicç50 socrática de que tudo o que sabemos é xão e de motivo de inspiração. Nada temos melhor a fazer
a nossa própria ignorância, ele associa o exame do bem do que citar a palavras de Hatch para indicar as consequên-
para o homem à consideração sobre o bem ou fim essenciais cias disso para a teoria e a prática da educação: "Por uma
da própria natureza. Impossível é tentar determinar a fi- parte, a Grécia perdera seu poder político, e por outra pos-
nalidade humana sem tomar em conta o fim supremo que dá suía em sua maravilhosa literatura uma herança inaliená-
lei e unidade à natureza. Fica assim em perfeita coerên- vel.. . E r a natural que ela se voltasse para as letras. E r a
cia coni sua filosofia o fato de subordinar ele os estudos li- também natural que o estudo das letras se refletisse na ora-
terários (sob o nome de música) às matemáticas e ,à física, tória.. . O comum dos homens, no mundo grego, tendia a
assim como à lógica e à metafisica. Mas, por outro lado, insistir naquele conhecimento da literatura das gerações pas-
o conhecimento da natureza não é um fim em si mesmo; ele sadas e naquele hábito do cultivo da palavra, coisas de que
é um estágio necessário para levar o espírito a ter acordo desde então se falou comumente como sendo a educação.. .
do fim supremo da existência como lei d a ações humanas A nossa própria provém dessa, por tradição direta. Foi
conjuntas e individuais. Para usar a fraseologia moderna - assim criada uma moda que até recentemente dominou em
os estudos naturalistas são indispensáveis, mas eles se fazem todo o mundo civilizado. Preferimos o estudo da literatura
no interesse das fins humanistas e ideais. ao da natureza, porque os gregos assim o fizeram e porque
Aristóteles vai mais longe, com referência aos estudos quando os habitantes de Roma e das províncias romanas
naturalistas. Ele subordina as próprias relações civicas dos resolviam educar seus filhos, utilizavam-se de professores
homens a vida puramente cognitiva. O mais alto fim do ho- gregos e seguiam as pegadas dos gregos (1).
mem não é humano e sim divino - a participação do conhe- A chamada tendência prática dos romanos aruava na
cimento aplica-se ao que é universal e necessário, e encontra, mesma direçso. Buscando as idéias gregas registradas na
por isso, matéria mais adequada na natureza do que nas tran- sua literatura, eles não somente tomavam o atalho mais cur-
sitórias coisas humanas. Se considerarmos mais o que os to para conseguirem um desenvolvimento cultural, como tam-
filósofos defendiam, na vida grega, do que afirmaqóes parti- bém procuravam precisan~ente as espécies de matérias e mé-
culares dos seus escritos podemos tudo resumir consignando todos adequados a seus talentos administrativos. Por seu gê-
que tão excessivo interesse sentiam o s gregos pela livre in- nio prático não enveredavam para a conquista e domínio da
vestiga~ãodos fatos naturais e pelo gozo estético das coisas natureza, mas para a conquista e domínio dos homens.
da natureza, e tão fundamente conscientes se sentiam da ex-
tensão eiii que a sociedade se acha arraigada na natureza e 1) A i,~fiuê,ici<i dar.< iildins e c o ~ l i i i r i <~I I~C ! , ~ > ~ s < ~ Y ? O iclrejo
cristã, páps. 43-44.
Estudos fisicos c csfi~dossociais 309

No trecho citado, Hatch dá muita coisa como histori- da perfeição e sistematização lógicas do escolasticisino consi-
camente provada quando afirma que estudamos mais litera- derado em seu aspecto mais caracteristico. Abstraindo-se da
tura do que a natureza, porque assim o faziam o s gregos, frouxidão do método e da exposição, a única diferença é que
e os roiiianos, os quais estudavam com os gregos. Mas nos agora as geografias, histórias, botânicas e astronomias pas-
séculos iuterinediáríos qual foi o elo da cadeia? Esta per- saram a fazer parte da literatura, consagrada pela autorida-
gunta faz-nos pensar que a Europa bárbara se limitou a re- de, a ser transmitida aos alunos.
produzir em maior escala e niaior intensidade a situação dos
Como conseqüência, perdeu-se a tradição grega em que
teinpos dos roinanos. E, coiii efeito, tiiiha que ir à escola
para obter civilização greco-romana; com isto, tamhém sua um interesse hniuanista era eiiipregado como base para o iu-
cultura era mais de enlpréstitno do que desenvolvida por ela teresse pela natureza, e eiii que o cunheciiuento da natureza
era utilizado para fundamentar os fins e objetivos mais ca-
própria. Não somente suas idéias gerais e educação artísti-
ca, senão também os modelos de suas leis, provinham dos racteristicamente humanos. A vida passou a basear-x na
autoridade e não na i~rtureza. E s t a Última era, antes, o alvo
trabalhos escritos de outros povos. E sua dependência aumen-
tou ainda com o s dominantes interesses teológicos desse pe- de coi~sideriveis suspeitas. Era arriscada a conteniplação
dela, por tender a privar o homem da f é nos documentos
ríodo. Pois as autoridades para as quais a Igreja apelava
em que já se acliavam registradas as narnias do viver. Além
eram livros escritos ein linguas estrangeiras. Tudo concorria disso, apenas pela observação se 'poderia conhecer a nature-
para identificar o estudo com o aprendizado linguistico e
para tornar a linguagem dos doutos uma linguagem literária za: e a observação apelava para os sentidos - que eram
em vez da lingua materna. puramente materiais, ein oposiçSo a um espírito puramente
imaterial. Ademais, a utilidade d o , conhecimento da natureza
Todavia o pleno alcance deste fato nos escapará até re-
conhecermos que estas matérias de estudo obrigavam a recor- era meramente material e secular; referia-se ao bem-estar cor-
poral e temporal do liomein, ao passo que a t r a d i ~ ã oliterá-
rer-se ao nzétodo dialético. O escolasticismo foi frequente-
mente tido desde os tempos do renascimento das ciências co- b ria se referia siia felicidade espiritual e eterna.
mo termo pejorativo. Mas tudo o que ele significa é o mé- I
todo das Escolas ou dos Escolásticos ou homens das Esm- 2. O moderno interesse científico pela natureza.
Ias. Este n~étodo,e111 sua essência, nada mais é do que uma I - O movimento do século XV, deiioniiriado Renascença,
sistematização altamente eficaz dos processos de ensino e de foi caracterizado por uin interesse novo pela vida presente
estudo apropriados à transmissão de corpos de verdades im- do homem e, de acordo com isso, por um interesse novo
pelas suas relações c ~ i na natureza. E r a ~ I I I I movin~entona-
postos pela autoridade. Quando a literatura, mais do que a
natureza e a sociedade contemporâneas, é que fornece o ma- turalista, no seiitido de que se insiirgia contra o interesse
terial do estudo, devem-se adequar os métodos para defini- sobrenatural dominante. 6 possível que o influxo do retor-
rem, exporem e interpretarem a matéria recebida, de prefe- no à literatura grega, clissica e pagã, corno causa dessa mu-
dança espiritual, tenha sido exagerado. Certo essa transfor-
rència a investigar, descobrir e inventar. E, no fundo, aquilo
que se chama escolasticismo é a plena e coerente formulação mação era precipuameilte um produto das condições daque-
e aplicação dos métodos próprios para a instrução, quando les tempos. Mas rião há dúvida de que homens instruídos,
o material desta já se acha preparado, e pronto a ser trans- saturados dos novos pontos de vista, se voltavam ansiosa-
mitido, em vez de ser alguma coisa que os estudantes de- mente para a literatura grega, buscando apoio e reforyo con-
vam descobrir por si mesmos. Enquanto as escolas ensina- geniais para as suas próprias idéias. E ein considerável ex-
rem por compêiidios e se basearem iio princípio da autoridade tensão esse interesse pelas idéias dos gregos não era simples-
e da aquisição, de preferência ao da descoberta e investiga- mente por siia literatura, mas tamhéin pelo espírito que nela
#o, seiis métodos seráo escolásticos - desprovi<los, porém, se manifestava. A liherdade espiritual, o senso da ordem e
Estudos fincos e estudos sociazs 311

da beleza da natureza, que animavam a expressão da alma mens, tornandeos mais aptos para estudar e expor os textos
grega, incitavam os Iioinens a pensar e a observar similar- em que se firmavam. Tornou-se tal a procura de homens
mente, sem estorvos. A história da ciência do século XVI capazes de defender a f é escolhida contra a sua adversária,
mostra que as ciências naturais em seu alvorecer tomaram de propagar essas idéias e prevenir-se contra as mútuas usur-
de empréstimo, em grande extensão, seus pontos de partida, paçóes de seus domiuim, que não há exagero em dizer que,
ao novo interesse pela literatura grega. Conforme disse Win- pelos meados do século XVII, o ensino de línguas nos giná-
delband, a nova ciência da natureza era filha d o humanismo. sios e universidades foi euvolvido e arrebatado pelo renas-
A noção favorita desse tempo era - ser o homem um mi- cido interesse teológico, para ser usado como instrumento de
crocosmo do universo. educação religiosa e de controvérsias eclesiásticas. Desta
Esta circunstância faz surgir outra vez a questão de sa- maneira, a derivação do ensino das línguas, tal qual existe
ber-se como foi que a natureza e o homem se separaram de- na educação hodierna, não se entronca diretamente na Re-
pois com a incisiva diferenciação entre a linguagem e a lite- nascença, mas em sua utilização para fins teológicos.
ratura de um lado, e as ciências do outro. Podem-se suge- c) As próprias ciências naturais eram então concebi-
rir quatro razões. das de modo a avivar o contraste entre o homem e a natu-
a ) A antiga tradição se entrincheirava solidamente nas reza. Francis Bacon é um exemplo quase perfeito da união
instituições. A politica, a legislação e a diplomacia continua- dos interesses naturalistas e humano. Adotando os métodos
vam necessariamente ccmo ramos de literatura criada pela da observação e da experimentação, a ciência ia renunciar i
autoridade, pois as ciências sociais não se desenvolveram se- tentativa de "antecipar-se à natureza" - de impor-lhe no-
não quando os métodos da física e da química (para nada ~ ó e spreconcebidas - para transformar-se em sua humilde
dizer sobre os da biologia) se achavam já muito adiantados. interprete. Obedecendo intelectualmente à natureza, o ho-
A mesma coisa é grandemente verdadeira em relação à his- mem aprenderia a dominá-la praticamente. "Saber é poder".
tória. Além disso, bons métodos para o ensino de línguas Este aforismo significava que por meio da ciência o homem
estavam muito desenvolvidos; tomava seu partido a inércia dominaria a natureza, aproveitando as energias desta para a
dos costumes acadêmicos. Assim como a este novo interesse realizaqáo de seus próprios fins. Bacon atacou a antiga ci-
pela literatura, especialmente a grega, não se permitiu, a prin- ência e a antiga lógica por servirem unicamente para con-
cipio, ingressar nas universidades organizadas escolasticamen- trovérsias, visando a vitória da argumentação, em vez de ter
te, assim, também, quando nelas penetrou, foi para ficar de em mira a descoberta do desconhecido. Mediante o novo
mãos dadas com os estudos mais antigos a colaborar no re- método de pensar estabelecido em sua nova lógica, ia des-
duzir ao mínimo a influência da ciência experimental. O s pontar a era da expansão das descobertas e essaç descober-
homens que ensinavam raramente eram conhecedores das ci- tas iam frutificar em invenções em benefício dos homens.
ências; os de competência científica trabalhavam em labora- Iam estes renunciar aos seus inúteis e intermiG>eis esforços
tórios particulares e por intermédio das academias que pro- para se dominarem uns aos outros, empenhando-se de cola-
moviam pesquisas, mas não tinham a organização de insti- boração na tarefa de subjugar a natureza no interesse da
tutos de ensino. Além disso, era ainda poderosa a tradição humanidade.
aristocrática que olhava com desprezo as coisas materiais, os
E m linhas gerais, Bacon profetizou a direção dos sub-
sentidos e os trabalhos das mãos.
seqüentes progressos. Mas ele "antecipou" esses progressos.
b ) A rebeliáo prutestaiite. acarretou consigo imenso Não previu que a ciência nova ia por longo t e m p ser uti-
acréscimo de interesse pelas discussões e controvérsias teo- lizada no interesse dos velhos objetivos de exploração huma-
lógicas. Tanto uma como outra facção apelava apenas para na. Pensou que ela daria rapidamente ao homem novos fins.
documentos escritos. Cada qual delas precisava educar ho- Ao contrário disto, a ciência pós à disposição de uma casta
Estudos fisicos e estzidos sociais 313

os meios de realizar seus velhos fins d e prosperar à cuita tiatureza como tendo fins ou, em liiiguagem técnica, como
de outra classe. Segundo' ele previu, irevolu~ãodos méto- teleológicos. .-I nova ciêiicia negava a realidade de todas
dos científicos sucedeu-se unia revolução industriãl. Mas esta as qualidades em existêi~cia real ou objetiva. O s sons, as
revolução está precisaiido de muitos séculos para criar uma cores, os fins, tinto os bons como os maus, eram conside- .
nova nientalidade. O feudalismo viu-se condenado à m6rte rados puramente subjetivos -- como simples impressões no
pelas aplicações da nova ciência, pois elas transferiram o po- espírito. A existêilcia objetiva era eiitão tratada como teii-
der da nobreza proprietária para os ceiitros maiiufatureir6s. do unicamente aspectos quantitativos - como constituída
Atas o lugar do feudalisnio foi mais ocupado pelo capitalis- de "massas" em muviineiito, sendo sua única diferença o
mo do que por um humanismo social. A produção e o co- fato de que em dados poiitos do espaço havia ii~aioraciimu-
mércio se desenvolveram como se 2 ciência nova iião encer- Iasão do que em outros, e de que em alguiis lugares o mo-
rasse uma lição de moral, e 'si111 unicamente lições técnicas vimento era mais rápido do que ein outros. Na falta de
sobre a economia na produçáo e utilização' dos lucros na sa- distinções qualitativas, faltava à natureza variedade siçnifica-
tisfação de interesses egoístas. E r a natural que estd aplica- tiva. Encarecia-se a uniformidade e r i o a diversidade; su-
çáo da ciência fisica (que era a mais claramente perceptível) punha-se que o ideal era a descoberta de uma fórmula ma-
desse mais força aos humanistas declarados, que clamavam temática única, aplicável diretamente a todo o universo, fór-
ser a ciência materialista em suas tendências. Ela deixava mula de que se pudesse deduzir toda a aparente variedade dos
um vazio no que dizia rqpeito aos interesses caracteristica- fenómenos. Isto é o que significa uma filosofia mecanista.
mente humanos que se eiicontram para além do ganhar, .ajun- Tal filosofia nZo representa o verdadeiro escopo da
tar e gastar diiiheiro; e as línguas e a literatura alegaram, ciência. Ela toma a técnica pela. própria coisa; o rnecanis-
em suas pretensões, serem elas que podiam encher esse vazio mo e a teriiiinologia pela realidade; o método pela sua ma-
e representar os interesses morais e ideais da humanidade. téria. A ciência cunfiiia suas afirmaçóes nas condiçóes que
d ) Deliiais disso, a filosofia que se declarava baseada nos habilitam a prever e a regular o curso dos acontecimen-
na ciência, que se dizia a representante acreditada da signi- tos, abstraindo das qualidades desses acoiitecimentos. Dai
ficação legítima da ciência, ou era de tiatureza &alista, as- sua natureza niecinica e quantitativa. Mas pela circunstân-
sinalada por nítida distinção entre o espírito (qiie caracte- cia de não as tomar em conta não as exclui da realidade,
rizava o l~omem) e a matéria (que constit~iía a natureza), nem a s relega em unia região puramente mental; fornece
ou francamente iiiecánica, reduzilido i uma iliisão os traços apenas meios utilizáveis pzra a realização de fins. Deste
próprios da vida humana. No primeiro caço, justificava-se modo, ao passo que o progresso d? ciência foi, de fato, au-
a alegação de serem certos estudos os possuidores particu- iiieiltando o poder do hoiiiem sobre a natureza, possibilitan-
lares de valores mentais, e indiretaniente corroborava-se a do-lhe assentar suas caras finalidad'es em base mais sólida do
pretensão, que eles tinham, de superioridade sobre os de- que as que até então tiveraiii, e taiiibém a diversificar quase
mais, porquanto os seres huiiianos propenderiam a encarar à vontade suas espécies de atividade, a filosofia que preten-
as coisas humanas como as mais importantes, pelo menos dia forniular suas realizaçóes reduzia o mundo a uma estéril
para eles. No último caso, a filosofia provocava uma rea- e monótona redistribuição da matéria no espaço. Por essa
ção que projetava dúvida e suspeita sobre o valor da cién-
cia fisica, dando ensejo a que a tratassem como inimiga dos
I causa, o efeito imediato da ciência moderna foi acentuar o
dualismo da matéria e do espírito e por esse meio tornar os
mais elevados interesses humanos. estudos físicos e os hunianistas como dois grupos sem co-
nexóes mútuas. Desde que a diferença entre o melhor e O
-4 ciência grega e a inedieval aceitavam o mundo em pior se prende às qualidades da experiência, a filosofia cien-
sua variedade qualitativa e consideravam os processos da tifica que as excluir do genuíiio canteúdn da realidade dei-
314 Democracia e educayóo
Estudos fâsicos e estudos sociais 315
xará de lado o que é de mais interesse e importância para
o gênero humano. Quanto aos estudos liunianistas e naturalistas, portanto,
a educação deveria tomar como ponto de partida esta intima
3 . O atual problema educacional. - A experiên- interdependència. Sua meta não seria conservar a ciência
cia, em verdade, não conhece separação alguma entre os in- como um estudo da natureza separado da literatura, conside-
teresses humanos e um mundo puramente mecânico e fisico. rada como re,cistro escrito dos interesses humanos, senão
A morada do homem é a natureza; a execu@o de seus in- criar a mútua fecundacão das ciências naturais e das várias
tuitos e objetivos depende das condições naturais. Sepa- disciolinas humanas como a história, a literatura, a economia
rados dessas condições, eles tornam-se sonhos vazios e vôos. política e a política.
ociosos da fantasia. Sob O ponto de vista da experiência Pedagogicamente esse problema é mais simples do aue,
humana e, portanto, da tarefa educativa, toda a distinção por um lado, tentar ensinar as cièncias como meras compila-
que se possa justificadaniente fazer entre a natureza e o ções técnicas de informações e de modos técnims de mani-
homem será uma distinçãu entre as condições com que de- pulação material; e, por outro lado, ensinar humanidades co-
vemos contar para a elaboração e execução de nossos obje- mo matérias isoladas. Pois tal processo estabelece uma se-
tivos práticos, e esses próprios objetivos. Esta filosofia tem paração artificial na experiência dos discípulos. Fora da es-
a sanção de toda a teoria do desenvolvimento biológico, que cola estes encontram os fatos naturais e os princípios em
iiiostra serem o homem e a natureza um todo continuo e não conexão com as várias modalidades de atividade humana.
ser ele iiiii estrangeiro que penetre de fora nos processos da E m todos os atos sociais de que eles participaram, precisa-
última. É corroborada pelo método experimental científico, ram conhecer o material e o processo exigido por ele. Ini-
o qual nos mostra que os conhecimentos se desenvolvem por ciar a vida escolar com a ruptura desta associação íntima
meio das tentativas para se dirigirem às energias físicas, de é secionar a continuidade d o desenvolvimento mental, fazer
acordo com as idéias sugeridas pelo contacto com as coisas o educando sentir indescritível irrealidade em seus estudos e
privá-lo dos motivos normais para interessar-se neles.
naturais no esforço de torná-las socialmente úteis. Cada
-
passo avante nas ciências sociais as matérias denominadas Não há dúvida de que tais devem ser as oportunidades
-
história, política, economia politica, sociologia revela que da educação, que possam ter ensejo propicio todos os que se
achem dispostos a adquirir aptidões especializadas nas ciên-
a s questões' sociais apenas são inteligentemente resolvidas na
proporção em que empregarmos o método de coligir dados, cias, para se dedicarem a seu cultivo e tornando-as as ocupa-
ções particulares de siia vida. Mas atualmente o aluno com
conceber hipóteses e pôr a estas em prova na atividade, mé-
freqüência só pode escolher entre duas coisas: começar estu-
todo que é a caracteristica das ciências naturais; e na pro-
porção em que nos utilizarmos, em beneficio do incremento dando os resultados de especializaçóes anteriores, com uni
do bem-estar social, dos conhecimentos técnicos proporciona- material, portanto, estranho a suas experiências quotidianas,
ou comeqar por uma miscelânea de estudos da natureza, cujo
dos pela física e pela química. 0 s métodos adiantados de se
material é apresentado ao acaso e não conduz a coisa alguma
solverem os complexos problemas da loucura, do alcoolismo, em particular. O hábito de iniciarem-se alunos de academias
da pobreza, da saúde pública, dos planos das cidades, da con- em matérias científicas issladas, como é adequado ao homem
serva~ãodos recursos naturais, da utilização eficaz de insti- que deseja g a n j e a r competência em determinado terreno,
t u i ~ ó e sgovernamentais para fomento do bem públim sei11 o desce, também, aos cursos secundários. Aos alunos destes
enfraquecimento das iniciativas pessoais, tudo demonstra nossa últimos ministram apenas um ensiiio mais elementar daquelas
dependência direta, nos niais importantes interesses sociais, mesmas coisas, com as dificuldades aplainadas e a matéria
dos métodos e resultados das cisncias ~iaturais. trazida ao nível de sua suposta aptidão. A razáo deste pro-
cedimento esti niais em seguir-se a tradição, do ílue no cons-
316 Denzocrncia e edztcapio Estzidos físicos c esiicdos sociais 317
I
ciente apego à filosofia dualista. Mas o efeito é o mesmo mentação, até os discípulos chegarem ao conhecimento de
que s e produziria se o intuito fosse inculcar a idéia de que alguns princípios fundanientais, apreendendo-os nos trabalhos
as ciências que tratam da natureza nada tivesse~il que ver práticos que lhes s á ~familiares.
com o homem, e vice-versn. Grande parte da relativa ine- A opinião algumas vezes expendida de que é marear
ficácia do ensino das ciências' para aqueles que nunca clie- "pureza" da ciência o estudarmo-la em sua encarnação ativa,
gam a ser cientistas especializados, é o resultado da separa- em vez de o fazermos pela alistraçáo teórica, fundamer.ta-se
çjo inevitável que se produz quando se c o m e p com matéria em um erro de apreciação. O fato é oue toda a matéria é
tecnicamente organizada. Mesmo se todos os estudantes fos- cult,ural na proporção em que a assirnilainoç ein seu campo
sem embriões de cientistas especializados, seria problemático o mais amplo possível de significações. A percepção das
constituir tal ensino o procesFo de mais eficácia educativa. significações depende da percepção das conexões da situaqáo
Ele é, certamente, desac,mselhi~~el.ao consicl.erar-se que a total. Ver um fato ou uma lei cientifica não só nas suas
grande maioria dos que estudam se interessam pelo aprendi- relações humanas, como também nas suas relações fisicas e 1
zado das ciências unicamente pelo efeito destas sobre seus técnicas, é ampliar-lhes a significação e repassá-los de maior
hábitos mentais - tornando-os mais alerta, de maior permea- valor cultural. Sua direta aplica$o ecotiòmica, se por eco-
bilidade mental, mais inclinados a tentar aceitar e pôr em nómica significainos representando valor monetário, é acessó-
prova a s idéias propostas ou sugeridas - e para compreen- ria e secundária, embora faça parte de suas conexões atuais.
fier melhor o ambiente de sua vida quotidiana. Muito a miú- O importante é que o fato seja apreendido eni suas conexões
do o aluno sai dos cursos com umas tinturas de conhecimen- sociais - em sua função na vida.
tos muito superficiais para serem científicos, e técnicos em Por o u t r o lado, "humanismo"' significa, tio fundo, es-
excesso para se aplicarem i atividade ordinária. tar-se impregnado por um inteligente senso dos interesses
É hoje mais fácil do que em tempo algum o foi a uti- humanos. Para o homem, o interesse social, identificável em I
lizayão da experiência para assegurar o progresso nos obje- sua mais íntima acepqão ao interesse moral, é necessariamen-
tivos e métodos cientificos, mantendo ao mesmo tempo estes te o interesse supremo. O s conhecimentos sobve o ho~?zenc,
Últimos associados com interesses humanos familiares. A sobre o seu passado, o conhecimento familiar de seus do-
experiência usual, hoje, de todas as pessoas das sociedades cumentados trabalhos escritos, podem ser uma aquisicá0 tão
civilizadas, est5 intimamente associada aos processos e resul- técnica como a acuniulação de particularidades fisicas. O s
tados industriais. Estes, por sua vez, são outros tantos ca- homens podem tyabalhar de vários modos, ganhando dinheiro,
sos da ciência aplicada. As máquinas a vapor, fixas ou para adquirindo pericia em manipulações de laboratórios, ou reu-
transportes, os motores elétricos ou a gasolina, os automó- nindo uma pruvisão de fatos sobre questões lingüísticas, ou
veis, o telégrafo e o telefone, fazem parte, diretamente, da sobre a cronologia de produções literárias. S e essas ativida-
vida d a maioria dos indivíduos. O s alunos de pouca idade des não reagirem para ampliar a visão imaginativa da vida,
já estão praticamente familiarizados com essas coisas. Não ficarão no mesmo nível dos trabalhos infantis. Tais ocupa-
só as ocupações profissionais de seus pais dependem de apli- ções Zem a letra da atividade, mas não lhe têm o espírito.
cações cientificas, como tambéni os trabalhos caseiros, a con- Prontamente se degeneram na acumulação do avarento e o
servação da saúde, as coisas vistas na rua, representam con- homem passará a orgulhar-se do que tem, e não da signifi- I
quistas científicas e estimulam o interesse pelos princípios caqão que encontra nas coisas da vida. Estudo humano é
científicos relacionados coni elas. O evidente pnnto de plr- todo aquele feito de modo a aumentar o interesse pelos va-
tida pedaxógico para a instrução cientifica não é ensinar coi- lores da vida; é todo o estudo que acarrete maior sensibili- I
sas rotuladas como ciência, e sim utilizar as ocupações e re- &de em relação ao bem-estar social e maior aptidão para
cursos familiares para orientarem a observaç50 e a experi- promover esse bem-estar.
Estudos fisicos e csttidos sociois 319

O espírito humanista dos gregos era nativo e intenso, As mudanças resultantes de tomar-se mais em conta a
mas de estreito campo de visão. Todos os que se achas- indústria e o que possa interessar aos meios de subsistên-
sem fora da esfera helênica eram bárbaros e despreziveis cia são com freqüência anatematizadas como ataques à cul-
tirante a possibilidade de serem outros tantos inimigos. Ape- tura herdada do passado. Mas um descortino educacional
sar de penetrantes as observações e especulações sociais dos mais compreensivo conceberia a atividade industrial como um
pensadores gregos, não há uma palavra nos escritos que nos fator para tornar os recursos intelectuais mais acessiveis às
deixaram para indicar que sua civilização não se fechava massas e dar maior solidez à cultura daqueles que dispõem
em si mesma e não s e bastava a si mesma. Não havia, apa- de mais recursos. E m suma - quando consideramos, por
rentemente, suspeitas de achar-se o seu futuro i mercê do um lado, a relação intima da ciência com o desenvolvimento
desprezado alienígena. Dentro da comunidade grega o inten- industrial, e, por outro lado, entre a cultnra literária e esté-
so espírito de sociabilidade era limitado pela circunstância de tica e a organização social aristocrática, perceben~os a razão
sua mais alta cultura alicerçar-se em um substrato de es- do antagonismo dos estudos científicos técnicos com os apii-
cravidão e de subordinação econômica - castas necessárias rados estudos literários. E nos vemos em face da necessi-
à existência do estado, consoante o disse Aristóteles, mas dade de acabar com essa separaqáo em educação, se a socie-
não constituindo lídiinas partes do mesmo. O desenvolvi- dade for verdadeiramente democrática.
mento das ciências originou uma revolução industrial que pôs
diferentes povos em contato tão íntimo uns com os outros, Resumo. - O dualismo filosófico entre o hometn e
por obra da colonização e do comércio, que de modo algum a natureza reflete-se na divisão dos estudos em naturalista
uma naqão poderá olhar outras com desprezo, nenhum país
e humanistas, com tendência a circunscrever os últiinos aos
poderá entreter a ilusão de que sua prosperidade é coisa que trabalhos escritos do passado. Este dualismo não é caracte-
se decida totalmente em seu interior. A mesma revolução
rístico das idéias gregas (como o eram outros traços que já
extinguiu a servidão agrícola e criou uma classe mais ou me-
nos organizada de trabalhadores de fábricas com direitos po- indicamos). Em parte surgiu da circunstância de que a cul-
líticos reconhecidos e que pleiteiam um papel acentuado na tura de Roma e da Europa medieval não era uma cultura
dire@o da indíistria - aspirações que merecem a atenção nativa e sim mais ou menos diretamente tomada de emprés-
simpitica de muitos da classe abastada, devido a ter ficado timo da Grécia, e em parte porque as coudiçóes política e
esta em mais estreito contacto com as classes menos afortu- eclesiástica insistiam enfaticamente na dependência e subor-
nadas, em virtude da supressão das barreiras que as sepa- dinação à autoridade dos conhecimentos antigos transmitidos
ravam. por escrito até aqueles tempos.
Pode-se formular este estado de coisas dizendo-se que E m seus primórdios, a ciência moderna profetizou uma
o antigo humanismo esqueceu de seu campo de aqão as con- restauração das relações íntimas entre a natureza e a hu-
dições econóiuicas e industriais. Por conseguinte, era uni- manidade, pois ela considerava o conhecimento da natureza
lateral. A cultura, em tais circunstâncias, representava inva- o meio de garantirem-se o progresso e o bem-estar huma-
riavelmente a perspectiva intelectual e moral da classe que nos. Entretanto, as mais imediatas aplicaçóes da ciência
assumia a direção social. Uma tal tradição como cultura, é, foram antes no interesse de uma só classe, do que no do
segundo vimos, aristocrática: ela encarece mais aquilo que comum dos homens; e as formulaçóes filosóficas da doutrina
diferencia as classes, do qiie os interesses fundamentais co- científica tendiam a extremá-ia, curiio mcraiileiite material, d~
muns. Teni seus padrões no passado, pois seu objetivo é homem coma ente espiritual e imaterial, 9 3 , n i-;-ii'i.l!-
antes preservar o já adquirido do aue estender o mais possí- pirito a uma ilusão subjetiva. Em vista disso, em ed:~::.~-,
vcl seu campo cultural. a t'cndência foi tratar as ciências coiuo um corpo isolado dc
320 Democracia e educação

estudos consistentes em informacões técnicas sobre o mundo


fisico, e considerar os estudas literários mais antigos como
distintivamente humanistas. A exposição feita anteriormente
da verdadeira evolução do saber e de um plano educacional
de estudos baseado nela está destinada a suprimir essa sepa-
ração e a fazer conhecer o lugar do estudo das ciências na-
turais nas coisas humanas. O individuo e o mzrndo

1. O espírito, como puramente individual. - Já.


examinamos as influências que causaram a separação entre
o trabalho e os lazeres, o saber e o fazer, o homem e a na-
tureza. Essas influências tiveram como resultado fracionar
em vários estudos as matérias educativas. Também foram
formuladas por várias filosofias que extremaram o corpo do
espírito, os conhecimentos te6rico.s e os práticos, o mecanis-
mo fisico e a finalidade ideal. Quanto ao aspecto filosófico,
estes vários dualismos culminam ein uma separação bem
acentuada entre espíritos individuais e o mundo, e, por isso,
desses espíritos entre si. Embora a relação desta atitude
filosófica com o processo educativo não seja tão patente co-
mo a dos pontos considerados nos três últimas capítulos, há
certas consideraçUes pedagógicas correspondentes a ela; tais
são o antagonismo qiie se ~uliõeexistir entre a niatéria do
estudo (o elemento representante do mundo) e o método (o
elemento representante do espírito), bem como a propensão
de tratar-se o interesse como coisa puramente privada, sem
associação intrínseca com a inntéria estudada. Além de seus
influxos secundários sobre a educação, mostrar-se-á neste
capitulo que a filosofia dualista do espírito e do mundo su-
bentende uma errónea concepção das relações entre os conhe-
cimentos e os interesses sociais, entre o individualisino e a
liberdade, e entre a direção social e a autoridade.
A identificação do espírito com o eu individual e deste
último com uma consciência psíquica particular, é relativa-
mente moderna. Tanto na Grécia como nos tempos medie-
vais a regra era considerar-se o individuo como um instru-
mento por cujo intermédio se manifestava uma inteligência
divina e universal. O individuo não era propriamente o
C'
conhecedor", o agente do conhecimento; este era a "Razão",
320 Democracia e educacão

estudos consistentes em informações técnicas sobre o mundo


físico, e considerar os estudas literários mais antigos como
distintivamente humanistas. A exposição feita anteriormente
da verdadeira evolução do saber e de um plano educacional
de estudos baseado nela está destinada a suprimir essa sepa- C A P I T U L O 22
ração e a iazer conhecer o lugar do estudo das ciências na-
turais nas coisas humanas.
O indivlduo e o mundo

1. O espírito, como puramente individual. - Já.


examinamos as influências que causaram a separação entre
o trabalho e os lazeres, o saber e o fazer, o homem e a na-
turrza. Essas influências tiveram como resultado fracionar
em vários estudos as matérias educativas. Também foram
formuladas por várias filosofias que extremaram o corpo do
espírito, os conhecimentos teóricos e os práticos, o mecanis-
mo fisico e a finalidade ideal. Quanto ao aspecto filosófico,
estes vários dualismos culminam ein uma separação bem.
acentuada entre espiritos individuais' e o mundo, e, por isso,
desses espíritos entre si. Embora a relação desta atitude
filosófica com o processo educativo não seja tão patente co-
mo a dos pontos considerados nos três íiltimus capítulos, há
certas consideraçóes pedagógicas correspondentes a ela; tais
são o antagonismo que se -ul>óe existir entre a nateria do
estudo (o elemento representante do mundo) e o método (o
elemento representante do espírito), beiii como a propensão
de tratar-se o interesse como coisa puramente privada, scm
associação intrínseca com a in2téria estudada. Além de seus
influsos secundários sobre a educaçzo, mostrar-se-á neste
capitulo que a filosofia dualista do espírito e do mundo su-
bentende uma errônea concepqão das relações entre os conhe-
cimentos e os interesses sociais, entre o individualismo e a
liberdade, e entre a direcáo social e a autoridade.
A identificação do espírito com o eu individual e deste
último com uma consciência psíquica particular, é relativa-
inente moderna. Tanto na Grécia como nos tempos medie-
vais a regra era considerar-se o indivíduo como um instru-
mento por cujo intermédio se manifestava uma inteligência
divina e universal. O indivíduo não era propriamente o
8'
conhecedor", o agente do conhecimento; este era a "Razão",
322 Democracia e educação O individuo e o mundo 323

que se manifestava por meio dele. Se o indivíduo a contra- mente individual. Por esta razão, nbs vemos, quanto ao as-
riasse era em perigo próprio e só em detrimento da verda- pecto pedagógico, reformadores educacionais como Montaigne,
de. O preconceito, o erro e as opiniões substituíam o verda- Bacon, Locke, profligarem de então por diante todo o conhe-
deiro conhecimento na proporção em que o indivíduo, e não cimento adquirido "de ouvido" e afirmarem que, mesmo que
a razão, "conhecia". N a vida grega, a observação era agu- aquilo em que se acreditava fosse verdadeiro, não seria ver-
da e alerta; e o pensamento era livre quase até o ponto de dadeiro conhecimento, exceto çe o houvesse originado, e posto
chegar-se a desvairadas especulações. De acordo com isso, em prova, a experiência do indivíduo. A reação contra a
as conseqüências da teoria eram unicamente as decorrentes autoridade em todas as esferas da vida, e a intensidade dessa
d a falta de um método experimental. Sem esse método, os luta. cheia dos mais vivos obstáculos, pela liberdade de ação
indivíduos não podiam dedicar-se ao conhecimento, nem ter e de investigação, levou a dar tal importância As observa-
suas idéias retificadas pelos resultados das investigações dos ções e idéias pessoais, que teve isto como efeito insular o es-
pírito e apresentá-lo como separado do mundo a ser conhecido.
outros. Sem outras pegsoas os submeterem assim i prova,
os espiritos dos homens não tinham responsabilidade intelec- Este isolamento se espelhou no grande desenvolvimento
tual; os resultados seriam aceitos por sua natureza estética, do ramo da filosofia conhecido pelo nome de epistemologia
por sua qualidade agradável ou pelo prestígio daqueles que - a teoria do conhecimento. A identificação do espirito com
os obtiveram. N o período medieval, era ainda mais humilde o eu, e a apresentação do eu como uma coisa independente e
que se basta a si mesma, criou tão grande abismo entre o es-
a atitude dos indivíduos em face da verdade; supunha-se que pírito ou o conhecedor, e o mundo, ou o conhecido, que surgiu
os conhecimentos importantes eram revelados por Deus, nada a questão de saber-se como era possível qualquer espécie de
sobrando para os espíritos dos homens, a não ser o dedica- conhecimento. Dado um sujeito - o conhecedor, - e um
rem-se a esses conhecimentos impostos pela autoridade. Além objeto - a coisa a ser conhecida, totalmente separados um
desses aspectos mais conscientemente filosóficos dessas cor- do outro, era necessária arquitetar-se uma teoria para explicar
rentes de idéias, jamais ocorre a alguém identificar o espí- como podiam entrar em mútuas relações, de modo a tornar-se
rito com o eu pessoal, onde quer que as crenças sejam trans- possível um legítimo conhecimento.
mitidas pelo costume. Este problema, juntamente com o seu aliado - o da
No período medihico havia um individualismo religio- possibilidahe de atuar, o mundo,sohre o espírito, e este atuar
so. O mais profundo interesse da vida era a salvação da sobre o mundo - tornaram-se a preocupação quase exclusiva
dos filósofos. As teorias que afirmam não podermos conhe-
alma individual. Nos últimos tempos da Idade Média este
cer o mundo como realmente ele é, e sim unicamente as
individualismo latente encontrou formulação consciente nas
impressões causadas por ele no espirito, a de que não existe
filosofias nominalistas, que consideravam a estrutura do co- mundo além do espírito do indivíduo, e de que o conhecimento
nhecimento como uma coisa formada no interior do indiví- é apenas uma certa associação dos estados de espirito, foram
duo por meio de seus atos e de seus estados mentais. Após produtos dessa 'preocupa@io. Não nos interessa diretamente
o século XVI, com o surgir do individualismo económico e . . mas a circunstáncia de tais so-
a verdade dessas assercões:
político, e com o desenvolvimento do protestantismo, o s tem- luçóes extremas terem sido largamente aceitas serve a de-
pos achavam-se maduros para se encarecerem o direito e o monstrar a extensão em que o espírito se desprendeu do
dever do individuo de obter conhecimentos por si mesmo. mundo das realidades. O crescente uso do termo "consciên-
Isto conduziu à opinião de que o conhecimento é totalmente cia" como equivalente de espírito, no pressuposto de existir
adquirido por meio de experiências pessoais e particulares. um mundo interior de estados e processos conscientes, inde-
Como conseqüência disso, julgou-se ser, o espirito, fon- pendentemente de qiialquer relação com a natureza e a socie-
te do conhecimento e seu detentor, coisa de formação inteira- dade, mundo interior mais verdadeiro e mais imediatamente
De+nocracia e educação O individuo e o mundo 325

conhecido do que qualquer outra coisa, comprova a mesma devidamente em meros costumes que eram mais seguidos às
circunstância. E m suma: o individualismo prático, ou a luta cegas do que inteligentemente. E o método experimental e
pela niaior liberdade do pensamento na ação, foi transmutado de observação restringia-se a essas matérias "práticas", mac-
em subjetivismo filosófico. tendo-se acentuada distinção entre a atividade prática e o
conheciineiito teórico da verdade. (Veja-se o Cap. XX.) O
2. O espírito individual como agente de reorga- aparecimento de cidades livres, o desenvolvimento das viagens,
nização. - Deveria ser evidente que essas correntes iilo- das explorações e do comércio, a evolução de novos métodos
sóficas desvirtuaram a significação do movimento prático. para produzir coisas para o conforto e efetuar trabalhos, fi-
E m vez de ser-lhe a cópia, foi a sua deturpação. O s ho- zeram os homens voltar-se resolutamente para seus próprios
mens iião 'se esforçavam empós do absurdo de libertar-se da recursos. O s reformadores da ciência como Galileu, Des-
sua coricxão çoin a natureza ou entre si. Lutavam para con- cartes e scus sucessores empregaram métodos análogos para
seguir maior liberdade na gzatureza e na sociedade. Queriam verificarem coisas reierentes à natureza. O interesse pelas
dispor de maior poder para iniciarem mudanças no mundo descobertas tomou a lugar do interesse pela sistematização e
das coisas e de seus semelhantes; de maior amplitude de "comprovação" das idéias recebidas.
movimento, e, por conseguinte, de maior liberdade de obser- Uma interpretayáo filosófica exata dessas correntes teria,
vayóes e idéias exigidas por esse movimento. Não pretendiam verdadeiramente, de dar relevo aos direitos e à responsabi-
isolar-se do mundo e, sim, uma conexão mais íntima com o lidade do indivíduo para adquirir pessoalmente conhecimentos
mundo. Desejavam conceber idéias de primeira mão sobre e verificar pessoalmente suas convicções; fossem quais fossem
ele. em vez de as receberem da tradição. Queriam mais es- as autoridades que afirmassem a veracidade destas. Mas isto
treita união com os seus iguais, de modo que se pudessem não deveria isolar o indivíduo do mundo, nem isolar - teori-
influeiiciar reciprocamente com eficicia maior, e associar suas camente - os indivíduos uns dos outros. Seria fácil perce-
atividades respectivas visando objetivos comuns. berem que u!na tal desconexáo, tal ruptura da continuidade,
No que dizia respeito a . suas convicções, sentiam qiie negaria antecipadamente as possibilidades de êxito de seus
muitas coisas que passavam por serem conhecimentos eram esforços. O fato é que todo o individuo se desenvolveu e
apenas as opiniões acumuladas do passado, ein parte absurdas sempre deverá desenvolver-se em um meio social. Suas "res-
e em parte corretas, mas que essa própr;i parte verdadeira postas" tornam-se inteligentes ou adquirem significação sim-
não podia ser compreendida quando aceita por influxo da plesmente porque ele vive e age em um meio de significaqões
aiqtoridade. fi pessoalmente que os homens devem observar, e valores reconhecidos como. tais. Pelo intercâmbio social,
conceber suas teorias e submetê-las à prova. Este método era tomando parte em atividades quc encarnam convicções, ele
a única allernativa deixada pela imposição do dogma como gradualmente adquire espírito próprio. A concepção de es-
verdade, processo que reduzia o espírito ao ato formal de pírito como uma coisa isolada que o indivíduo possui está
limitar-se a aquiescer às verdades como tais. polarmente oposta à verdade. O indivíduo cria o espírito,
desenvolve a mente na proporção em que o c.mhecimento das
Esta é a significação daquilo que às vezes se chama
substituição do método dedutivo de conhecer, pelo método coisas se acha corporficado na vida que o cerca; o eu não é
um espirito isolado a criar novos conhecimentos por sua conta
experimental indutivo. E m certo sentido, os homens sempre própria.
empregaram o método indutivo no tocante às coisas de inte-
resse prático imediato para eles. A arquitetura, a agricultura, Há, contudo, uma distinyão válida entre o conhecimento,
a indústria, etc., precisaram estribar-se na observação das ati- que é objetivo e impessoal, e o pensamento, que é subjetivo
vidades das coisas naturais, e as idéias sobre tais matérias e pessoal. E m determinado sentido, conhecimento é aquilo
eram, em certa extensão, retificadas pelos resultados conse- que admitimos como verdadeiro. É o que se acha certo, defi-
guidos. Não obstante, mesmo em tais coisas confiavam in- nido, estabelecido, ao nosso dispor. Naquilo que conhecemos
perfeitamente não é necessário pensar. E m linguagem co-
326 Democracia e educação

mum, é coisa certa, segura. E isto não significa a simples


impressão de certeza. Não denota um sent;mento e, sim, dúvida de que as idéias novas estão sempre a surgir, mas uma
uma atitude prática, a prontidão para agir sem reserva ou ter- sociedade governada pelo costume não encoraja seu desen-
giversação. Naturalmente, podemos estar enganados. Aquilo vo~vimento. Pelo contrário - tende a reprimi-las, por se
que se toma como conhecimento - um fato e verdade - pode desviarem das idéias dominantes. E m comunidade dessa es-
em dada ocasião não ser tal. Mas tudo o que se admite sem pécie, torna-se siispeito o homem que encare as coisas dife-
se pôr em dúvida, tudo o que se considera verdade assente em rentemente dos otikros; persistir, para ele, será geralmente
nossas mútuas relações e em nossas relações com a natureza, fatal. Mesmo quando não é tão rigorosa a censura social das
é o que, em dado tempo, chamamos conhecimento. Ao invés opiniões, as condições sociais podem deixar de proporcionar os
disso, o ato de pensar começa, conforme vimos, pela dúvida recursos requeridos pelas novas idéias.para o seu adequado
ou incerteza. Ele representa uma atitude indagadora, busca- desenvolvimenlo; ou poderão deixar de dar apoio e recom-
dora, investigadora, em vez de o ser de domínio e posse. pensa materiais aos que as houverem concebido. Dai o per-
Mediante seu processo crítico o verdadeiro pensamento é re- maaecerem corno simples fantasias, românticos castelos no ar,
visto e ampliado, e são reorganizadas nossas convicções sobre ou especu:açóes sem objetivos.
determinados estados de coisas. A liberdade de observação e de imaginaçáo subentendida
E claro terem sido os Últimos poucos séculos um período na moderna revolução científica não foi facilmente assegu-
rada; foram precisas lutas para consegui-la; muitas pessoas
típico de revisão e reorganização de convicções. Mas os ho- sofrerzm por sua independência intelectual. Mas, apesar de
mens, em verdade, não se desembaraçaram de todas as crenças
a eles transmitidas, referentes às realidades da existência, para tudo, a moderna sociedade européia permitiu e em seguida
partirem de novo, tomando apenas por base exclusivamente encorajou deliheradamente, pelo menos em alguns campos de
aqão, as rezçáes individuais que se desviavam daquilo que é
suas sensações e idéias particuiares. Mesmo que o quisessem, prescrito pelos costUmes. As descobertas, as pesquisas, as
não poderiam ter feito isso; e, caso tivésse sido possivel
fazê-lo, O Único resultado teria Sido o verem-se reduzidos a investigações em novos terrenos, as invenções, chegaram por
fim a ser moda social ou de certo modo toleráveis.
uma imbecilidade geral. Eles tomaram como ponto de par-
tida os conhecimentos admitidos como tais e investigaram cri- Entretanto, segundo j i notamos, as teorias filosbficas
ticamente os fundamentos em que eles se assentavam; obser- não se contentaram de conceber o espírito do indivíduo como
varam as exceções; empregaram novos artifícios mecânicos o eixo em torno do qual girava a reconstrução das crenças,
para esclarecerem os dados incompatíveis com aquilo em qiie mantendo assim a continuidade do indivíduo com o mundo da
acreditavam; recorreram 3 imaginação para conceber um natureza e de seus semelhantes. Elas consideraram o espírito
mundo diferente daquele em que seus antepassados tinham do individuo como uma entidade separada, completa em cada
depsitado a confiança. E r a um trabalho fra,mentário, a va- pessoa e isolada da natureza e, por isso, dos outros espíritos.
rejo. Cada problema era atacado por sua vez. O resultado Por essa causa, um legítimo individualismo intelectual, a ati-
líquido de toda essa revisão de valores equivalia, contudo, a tude de revisão crítica das crenças antigas, atitude que é in-
uma revolução das anteriores c o n c e ~ ó e ssobre o mundo. O dispensável ao progresso, foi expressamente formulado como
que ocorreu foi a reorganização dos hábitos intelectuais ante- um individnalismò moral e social. Quando a atividade do in-
riores, reorganização infinitamente mais eficiente do que o dividuo, partindo das crenças costumadas, se e s f o r ~ apor
cerceamento repentino de todas as conexões com o passado. transformá-las de modo a obter a aquiescência zeral, não existe
oposição entre o individual e o social. As variações inte-
Este estado de coisas sugere uma definição do papel do
individuo, ou do eu, no conhecimento, isto é, a redireção ou lectuais do individuo ria ohservação, na imaxinaçáo, na iu-
venção e no ato de julgar são simplesmente os fatores do
reconstrução das convicções admitidas. Toda a idéia nova, progresso social, exatamente como a conformidade com os Xá-
toda a concepção das coisas diferentes da autorizada pela bitos é o fator da conservacão social. Mas quando se consi-
crença corrente, tem sua origem em um individuo. Não há dera o conhecimento como coisa que se origina e evolui dentro
d o individuo, os el+s que vinculani a vida mental de alguém den;onstrado que as possibilidades de beneficiar a nós huma-
à de seus semelhantes são ignorados e negados. nos são maiores e mais seguras quando nos confiamos a u m a
Quando se nega a qualidade social das operações niei~tais responsabilidade surgida dentro do próprio processo da inves-
individualizadas. surge o problema de encontrar conexões que tigação, a "autoridade" estabelece à parte um domínio sagrado
u n a m o individuo n seus iguais. Implanta-se o individualismo da verdade que deve ser defendido contra as incursóes das
moral c o m a separação consciente de diferentes centros da variações de crenças. Educacionalmente pode-se não insistir
vida. Ele t e m suas raizes n a noçáo de que a consciêticia de muito nas verdades eternas e sim n a autoridade d o livro e d o
cada pessoa é totalmente particular, é u m continente fechado professor, mas não se desencorajam menos as variações in-
e m si mesmo, intrinsecamente independente das idéias, desejos dividuais.
e propósitos de qualquer outra pessoa. M a s quando os ho-
mens agem, eles o f a z e m e m u m niundo público e comum.
-
I1 Outro método é o denominado às vezes racionalismo,
o u intelectualismo abstrato. Acredita-se e m u m a faculdade
A teoria dos espíritos conscientes isolados e independentes lógica formal distinta da tradição, da história e de todas as
deu origem ao seguinte problema: Desde que sentimentos, matérias de estiido concretas. Esta faculdade da razão é do-
idéias e desejos nada t ê m que ver u n s com o s outros, coino tada d o poder de influenciar diretamente a conduta. C o m o
podem ser regulados para benefício social ou público os atos ela trata unicamente c o m formas gerais e impessoais, quando
q u e deles prornanam? Desde que a consciência é egoísta diferentes pessoas obram de acordo com as noções lógicas,
como podem ter lugar os atos que interessam a outras pes- suas atividades são exteriormente coerentes. N ã o pode haver
soas? A s filosofias morais que adotaram essas premissas dúvidas sobre os servi$os prestados por esta filosofia. Foi
produziram quatro modos típicos de solucionar-se a questão. uni poderoso fator para a critica negativa e demolidora das
I- Um dos métodos representa a sobrevivência da doutrinas qne apenas tinham a eschdá-Ias as tradições e os in-
teresses de classes; habituou os homens à liberdade de exame
antiga situação criada pela autoridade, c o m as concessões e
transigências que a evolução das coisas tornou absolutamente e à noção de que se devem submeter as crenças ao critério da
inevitáveis. O s desvios e diferenciações que caracterizam u m razáo. Solapou o poder dos preconceitos, das superstiçóes e
individuo são ainda encarados com suspeita; eles são, e m prin- da força bruta, acostumando os homens a confiar n a argu-
cípio, provas de perturhaçóes, revoltas e corrupções d o indi- mentação, na discussão e na persuasão. Contribuiu para haver
clareza e ordem na exposição das idéias.
viduo não p i a d o exteriormente pela autoridade. Mas o fato
é que, como coisa não ahrangida por este princípio, o indi- M a s a sua infliiência f o i maior n a destruição das velhas
vidualismo intelectual é tolerado e m certos terrenos técnicos falsidades d o que na criação d e novos vinculos e associações
- e m matérias como as matemáticas, a fisica e a astronomia. entre os homens. S u a natureza formal e vazia, devido a
e nas invenções técnicas delas resultantes. Mas nega-se a conceber a razão como algilnia coisa conlpleta por si mesma,
aplicabilidade de tal método L matérias inorais, sociais, jurí- independentemente da matéria, sua atitude hostil para com
dicas e politicas. E m tais matérias o dogma t e m ainda a as instituições históricas, siia indiferença pelas influências dos
supremacia; certas verdades eternas, tonadas conhecidas pela hibitos. dos instintos e das emo@es como fatores ativos n a
revelação, intuiçáo .ou. sabeboria de nossos antepassados, esta- vida, deixaram-na impotente para a sugestão de fins e n l ~ t o d o s
belecem limites intransponiveis à observação e especulação in- específicos. A lógica, nuamente, por iiiiportante que seja
dividuais. O s males que afligem as sociedades são produzi- para ordenar e criticar a matéria e m apreGo, não ~ o d eextrair
dos pelos esforços dos individuos indisciplinados para ultra- matéria nova de si iiiesma. N a educação, o fato correiativo
passar essas divisas. Entre as ciências fisicas e as morais a esse é confiar-se e m regras e gerais já prontos
ficam as ciências intermediárias da vida, cujo território é só para assegurar coiicordância, não se tratando de ver se os
a contragosto cedido à liberclade de investigação, sob a pressão mesmos e as idéias dos alunos se harmonizam realmente
dos fatos consumados. Embora a história d o passado tenha entre si.
-
111 Ao mesmo tempo em que evoluía tia França esta
quia e de casos policiais, e de que ela reconhecia apenas vín-
filosofia racionalista, a Inglaterra apelava para o interesse
pecuniários entre os homens. É evidente ser o equiva-
pessoal do indivíduo, com o fito de assegurar a unidade exte- desta doutrina o uso das recompensas agra-
rior dos atos que derivavam das isoladas fontes das consciên- lente
dáveis e punições desagradáveis.
cias. As disposições legais, principalmente penais, e os regu-
lamentos governamentais deviam ser de tal natureza, que evi- IV- A filosofia caracteristicamente alemã seguiu por
tassem que os atos procedentes dos sentimerttos particulares de outra vereda. Partiu das idéias que eram essencialmente a
uma pessoa colidissem com os sentimentos de outras. A edu- filosofia racionalista de Descartes e de seus sucessores fran-
cação devia incutir nos individuos a compreensão de que a ceses. Mas ao passo que a filosofia francesa, bem conside-
não interferêiicia nos sentiinentos alheios e certo grande in- rado tudo, desenvolveu a idéia da razáo em antagonismo com
teresse positivo pelo bem-estar dos mesmos eram necessários a concepção religiosa de um espírito divino residente nos in-
para uma pessoa poder tentar coin segurança atingir a própria divíduos, a filosofia alemã (como em HEGEL) fez uma sín-
felicidade. Deu-se muita importância, entretanto, ao tráfico tese das duas coisas. A razão é absoluta. A natureza é a
mercaiitil como meio harmonizador do procedimento dos in- mzáo corporificada. A história é a razão em seu progressivo
divíduos. Nesse tráfico cada qual visa satisfazer suas pró- expandir-se no homem. Um indivíduo só se torna racional
prias necessidades, mas só pode auferir benefícios fornecendo ,quando assimila o conteúdo da racio~alidadeda natureza e das
alguma comodidade ou prestando servicos a outrem. Desta instituições humanas. Pois uma razáo absoluta não é, como
maneira, visando o aumento de seus próprios estados de cons- a razão do racionalismo, puramente formal e vazia; para ser
ciência agradáveis, uma pessoa contribui para esse mesmo absoluta, deve ter todo o conteúdo incluido em si.
estado das outras. Desta maneira o verdadeiro problema não é o de disci-
Também neste caso não há dúvida de que essa opinião plinar a liberdade do indivíduo, de modo a resultar certa
exprimia e incentivava uma elevada noção dos valores da proporção de ordem e concórdia social, mas o de conseguir-se
vida consciente, e o conhecimento de que ein última análi- a liberdade individual mediante o desenvolvimento das con-
se as organizações institucionais deveiii ser julgadas pelas vic~õesindividuais de acordo com a lei universal encontrada
suas contribuições em prol da intensificação e da ampliação na organização do Estado como Razão objetiva. Esta filo-
dos domínios da experiência consciente. Ela tambéin fez sofia é chamada comumente idealismo absoluto ou objetivo;
muito para salvar o trabalho manual, a indústria e os artificios melhor, porém, seria denominá-la, pelo menos para fins peda-
mecânicos, do desprezo em que os tinham as sociedades ba- gógicos, idealismo institucional. Ela idealizava as instituições
seadas na dominação das classes não trabalhadoras. Por estes históricas concebendo-as como encarnações de uin espírito
dois meios a referida filosofia estimulou um interesse social absoluto imanente. Não resta dúvida de que esta concepção
mais vasto e democrático. Mas achava-se eivada da estreiteza exerceu poderosa influéncia para salvar a filosofia, nos co-
de vistas de suas premissas fundamentais: a doutrina de que meços do século dezenove, do individualismo isolado etii que
os individuos agem tendo em mira seus próprios prazeres e caíra na Franqa e na Inglaterra. Serviu também para toinar
sofrimentos, e de que os atos chamados generosos e altruístas a organização do estado mais construtivamente interessada nas
não são mais do qne meios indiretos de proporcionar-se e coisas de interesse público. Deixou menos terreno para o
assegurar-se o próprio bem-estar. Por outras palavras - acaso, menos para a simples convicção lógica individual e para
patenteou as conseqüências inerentes a toda a teoria que re- a influência dos auto-interesses particulares. Levava a inte-
presenta a vida mental conio uma coisa encerrada em si mesma ligência a influir na direção dos negócios públicos; frisava a
em vez de se constituir de tentativas para redigir e readaptar necessidade de uma educação nacionalmente organizada no
interesse da unidade nadonal. Sancionou e promoveu a liber-
os interesses comuns. Considerou a união entre os homens
como uma questão de cálculo exterior. Justificou a des- dade de investigação em todos os pormenores técnicos dos
denhosa asseveraqão de Carlyle, de que era doutrina de anar- fenômenos naturais e históricos. Mas, em toda a matéria
moral, tendia, em última análise, a restabelecer o principio da
Democracia e educqão O idividuo e o m u d o 333

autoridade. Essa teoria fez mais para a eficiência da orga- Mas quando se percebe que ambas as idéias significam a qua-
nização, do que qualquer outro tipo de filosofia dos preceden- lidade de participação intelectual manifestada na ação, desa-
temente mencionados, mas não dava margem à livre modifi- parece o suposto antagonismo entre essas duas coisas. Liber-
cação experimental dessa organização. A democracia polí- dade, em sua essência, significa o papel desempenhado pelo
tica, com seu reconhecimento do direito de o individuo desejar
e resolver tomar parte na readaptação até mesmo da consti-
ato de pensar - que é pessoal - no aprendizado: significa
iniciativa intelectual, independência na observação, invenção ju-
tuição fundamental da sociedade, era coisa desconhecida para diciosa, previsão de conseqüências e engenho na sua adaptação.
essa corrente filosófica.
E como são estes os aspectos mentais do procedimento,
não se podem separar a necessária manifestação da indivi-
3 . Equivalentes educacionais. - Não é necessário dualidade - ou liberdade - e a opor'tunidade para a livre
considerar em suas minúcias o reflexo, na educação, dos vá- prática de movimentos fisicos. A imobilidade corporal for-
rios defeitos existentes nesses diversos tipos de filosofia. çada pode ser desfavorável à compreensão de algum problema,
Basta dizer que, em geral, a escola foi a instituição que pa- à ação de empreender as obsewaçóes necessárias para defi-
tenteou com maior clareza o antagonismo que se presumia ni-lo e para a execução dos atos que póem em prova as idéias
existir entre os métodos de ensino puramente individualistas sugeridas. Muita coisa já foi dita sobre a importância da
e a atividade social, e entre a liberdade e a disciplina social. atividade individual em educação, mas essa concepção com
Esse antagonismo refletia-se na ausência de ambiente e moti- grande freqüêncta se restringiu a alguma coisa meramente in-
vos sociais para aprender, e na consequente separação, na
prática escolar, entre método de ensino e métodos de adminis-
terna- coisa que excluía o livre uso dos órgãos sensoriais e
motores.
tração; e nas poucas oportunidades proporcionadas para se Aqueles que se encontram no estágio do aprendizado por
maiiifestarem as variações individuais meio de simholos, ou os que estão empenhados em desenvolver
Quando O aprender é um dos aspectos de empreendi- o conteúdo de um problema, ou a idéia preliminar para um
mentos ativos que subentendem mútuas trocas. o influxo so- emprego mais acurado da atividade reflexiva, podem neces-
cial penetra no íntimo do processo de estudar. Faltando esse sitar de pouco perceptível liberdade de ação. Mas o ciclo
fator social, aprender equivale ao transporte de alguma maté- total das atividades do aluno exige oportunidades para . a in-
ria apresentada a uma consciência puramente individual, e não vestigaçáo e a experimentação, para tentar realizar as suas
há razão para que esse aprendizado dê uma orientação mais idéias sobre as coisas, e descobrir o que poderá fazer com os
social aos estados mentais e emocionais. materiais ou recursos disponíveis. E isto é in~conllntivelcom
Entre os partidários e os adversários da liberdade lia a excessiva restrição da atividade corporal.
escola, nota-se a tendència de identificá-la coti~a ausência de Considerou-se às vezes a atividade itidividlial como signi-
direção social ou, algumas vezes, com o simples não cons- ficando deixar o indivíduo trahalhar por si inesino ou isolado.
trangimento físico de movimentos. Mas a essência da exi- Para se conseguir calma e concentração, 6 verdadeiramente
gência de liberdade é a necessidade de condições que habilitem preciso não se ter a necessidade de atentar-se para outra c o i s ~
o individuo a dar sua contribuição pessoal aos interesses de além daquilo que se está fazendo. As criaiiças, bem c01110 as
uin grupo, e a compartir as atividades deste de tal modo que pessoas adultas, precisam de lapsos de tempo de isolamento,
sua orientação social seja o resultado da própria atitude meu- calculados judiciosamente. Mas o tempo, o lugar e a quan-
tal do indivíduo, e não uma coisa imposta por meio da auto- tidade desse trahalho isolado é questão de detalhe, e não de
ridade. principio. Não . h á . oposição orgánica entre trabalhar com
Como aquilo que com freqüência se chama disciplina e outras pessoas e, ao' mesmo tempo, trabalhar individualmente.
"governo" só se relaciona com o lado externo da conduta, Pelo coutrárió- certas aptidões do indivíduo não se manifes-
uma significação similar foi dada, como reação, à liberdade, tam a não ser com o estimulo de sua associa<;ão com outras
pessoas. Dizer que a criança deva trabalhar isolada e não
coletivamente coiii o fim de sentir-se livre, e poder desenvolver vista das pessoas adiantadas, eles as fazem sob seu próprio
sua personalidade, é noção que julga a individualidade pela ponto de vista, sempre que Ihes for ministrado verdadeiro
distância espacial, considerando-a uma coisa física. ensino. b) No processo ordinário por que alguém se fami-
Como fator a ser respeitado na educação, a individualidade liariza com matéria já conhecida por outros, até alunos bem
tem significação dupla. Eiii primeiro lugar, uma pessoa é men- novos reagem de modos inesperados. Existe alguma coisa
talmente um indivíduo somente quando tem seu propósito e seu nova, e não capaz de ser prevista mesmo pelos educadores de
problema próprios e realiza suas próprias idéias. A frase mais experiência, nos modos por que se entregam ao seu
"pensar alguém por si mesmo" é um pleonasmo. Pois não trabalho e nos modos particulares com que as coisas os
pensar por si mesmo, não é pensar. Somente por meio de impressionam. Com muita freqüência tudo isto é desprezado
suas próprias observações, reflexões, e elaborando e verifi- como não tendo importância; 'e os alunos são forqados a re-
cando as sugestões pessoalmente, pode um aluno amplificar e petir a matéria da mesma forma com que os mais velhos a
retificar aquilo que já sabe. Pensar é ato tão individual concebem. O resultado é deixar de ser u n d o e orientzdo
como digerir o alimento. E m segundo lugar, existem varia- tudo aquilo que é instintivarhente original na individualidade,
ções de pontos de vista, de predileções por objetos e de modos tudo O que diferencia uma pessoa de outra. Ensinar deixa
de execiição, de pessoa a pessoa. Quando se reprimem essas então de ser um processo educativo para o professor. No
variacóes no pretenso interesse da uniformidade, tentando-se máximo ele se limita a aperfeiçoar a técnica de que já dispõe;
adotar um molde Único para os modos de estudar e dar liqáo, não obtém novos pontos de vista; deixa de experimentar
resultam inevitavelmente a confusão mental e a artificialidade. qualquer cooperação intelectual. Tanto o ensinar como o
Destrói-se aos poucos a originalidade, solapa-se a confiança na aprender propendem a tornar-se coisas convencionais e nie-
própria aptidão para pensar e incute-se uma dócil submissão cinicas, aptas a ocasionar fadiga nervosa para o docente e
às opiniões alheias, para que as idéias não se desmandem. o discípulo.
Maior é o dano agora, do que quando toda a comunhão era A medida que aumenta a maturidade e que o estudante
governada pelas opiiiiões consuetudinárias, devido ao contraste dispõe de maior cabedal de experiéncia para tratar de um novo
entre os tnétodos de ensino na escola e os niétodos usuais assunto, reduz-se o campo da mais ou menos casual experi-
fora dela. mentação física. A atividade restringe-se ou especializa-se
Não se pode negar que o progresso sistemático das des- em certos canais. Para os ollios de outras pessoas, o estu-
cobertas científicas principiou quando se permitiu aos indi- dante parece estar em posição de completa quietude física
víduos (permissão que depois se tornou em incitamento) porque suas energias se concentram na atividade nervosa e
uti!izareni suas próprias peculiaridades de reaqão para com a nos aparelhos associados áa vista e dos órgãos vocais. Mas
matkria a tratar. Se, como objeção, se alegar que tia escola pelo fato de ser esta atitude uma prova de intensa concen-
os ;rlunos são incapazes de tal originalidade e por isso devem tração mental da parte r10 educatido, não se segue que deva
limitar-se a aprender e a reproduzir as coisas já conhecidas ser apresentada como modelo para os estudantes que ainda
pelos melhores informados, a resposta será dupla: a ) Nosso precisam descobrir seus próprios iiiétodos intelectuais de
interesse é pela originalidade de atitude, que equivale à "res- aprender. E mesmo no adulto essa atitude não constitui o
posta" espontânea da individualidade própria de alguém, e ciclo todo da energia mental. Ela assinala uiii período inter-
não pela originalidade avaliada pelo seu produto. Não se iiiediário, suscetível de ser prolongado coiii o crescente se-
pode esperar que os jovens façani descobertas originais rela- iihorear-se de uma matéria, iiias sempre compreendido entre
tivas a fatos e leis compen<liarloç nas ciências tiatiirais e hu- um periodo anterior de atividade orgânica ~iiaisgeral e patente
iiianas. Mas não é desrazoável pretender que o eshido se e um período ulterior de pór em prática o que foi apreendido.
faça eni tais condições que a atitude do estudante seja per- Se, entretanto, a educacão reconhecer a união do espirito
feitaiiiente a de quem está a faier verdadeiras descobertas. e do corpo na aquisição dos conheciinentos, não seremos
Eiiihora os estudantes iil~atiiros i120 ns façani sob o ponto de obrigados a insistir sobre a necessidade da liberdade visível
336 Denzocracia e edzccacão O indivíduo e o mundo 337

ou exterior. Basta identificar a liberdade implicada no en- Embora as filosofias criadas para resolvei estas questões 1
sino e aprendizado com o ato de pensar por meio do qual se não afetassem diretamente a educação, as presunções nelas
estende e apura aquilo que uma pessoa já sabe e acredita. subententidas manifestaram-se na separação frequentemente
Se a atenção se focalizar nas condições favoráveis para se feita entre os estudos e o governo e entre a liberdade da indi-
conseguir a manifestação do eficaz ato de pensar, a liber- vidualidade e sua sujeição a outrem.
dade se manifestará por si mesma. Intelectualmente livre é o Relativamente à liberdade, o importante é ter-se em I
I
indivíduo que se vê a braços com uma questão, a qual, por ser mente que ela designa mais uma atitude mental do que a II
realmente uma questão, lhe excita a curiosidade e estimula sua ausência de restrição exterior de n~ovimentos, mas que esta
ânsia de obter conhecimentos que o auxiliem a solvê-la - e qualidade espiritual não pode desenvolver-se sem grande pro-
que dispõe de recursos que permitam a ' realização de seu in- dução de movinientos p3ra os atos de explorar, experimentar,
tento. Toda a iniciativa e imagiitação que ele possui serão aplicar, etc. Uma socied.ade esteada nos costumes utilizará
postas em ação e dirigirão seus impulsos e hábitos. Seus as variações individuais até certo limite, cou:urmeniente aos
próprios fins orientarão seus atos. De outro modo, sua apa- seus usos; a uniformidade é o principal ideal no interior de
rente atenção, sua docilidade, seu ato de decorar e de repro- cada classr.. Unia sociedade progressiva considera preciosas
duzir a matéria, serão eivados de servilismo intelectual. Ne- as variações individuais desde que nelas encontre meios para
cessita-se desse estado de servidão mental para dixiplinar as seu próprio desenvolvimento. Por conseguinte, uma sociedade
massas em uma sociedade em que se espera do maior número democrática deve, em sua interferência na educnção e coerente
que não tenham objetivos ou idéias próprias, e sim que recebam com seu ideal, permiter a liberdade intelectua! e a mauifes-
as ordens dos poucos detentores da autoridade. Esse estado tação das várias aptidões e interesses.
de coisas não é o adequado a uma sociedade que pretende ser
democrática.

Resumo. - O verdadeiro individualismo é o fruto


do afrouxamento da compreensão da autoridade dos costu-
mes e tradições como padrões de c r e n p s e "certezas". A
parte exemplos esporádicos, como o da altitude do pensa-
mento grego, ele é manifestação relativamente moderna. Não
queremos dizer que não tenham sempre existido diferenciações
individuais, e sim que uma sociedade, em que predominam
costumes conservadores, os reprime, ou pelo menos, não os
utiliza nem estimula. Entretanto, por vários motivos o novo
individualismo foi interpretxdo filosoficamente, não como
significando o desenvolvimento de fatores para se reverem e
transformarem as crenças anteriormente aceitas, mas como a
afirmação de que o espírito de cada indivíduo era completo
em seu isolaniento de qualquer outra coisa. No terreno teó-
rico da filosofia isto originou o problema epistemológico: a
questáo da possibilidade de alguma relação cognitiva entre o
indivíduo e o mundo. Praticamente, essas idéias suscitaram
o problema de uma consciència puramente individual atuando
em beneficio dos interesses gerais ou sociais - o problema da
direção social.
Aspectos vocacionois da educagáo 339

conseqüências que acarretam, e Úteis às pessoas a nós asso-


ciadas. O contrário de uma vocaçáo ou de uma carreira não
é o gozo de lazeres nem cultura, e sim, quanto ao lado pessoal,
a falta de objetivo, o capricho, a ausência de enriquecimento
CAPfTULO 23 acuinulativo de experiência; e, quanto ao social, a ostentação
ociosa e a dependencia parasitária de outrem. Ocupação é
o termo concreto para exprimir continuidade. Ela subentende
Aspectos vocacionais da educação o desenvolvimento de capacidades artísticas de todas as espé-
cies: de aptidão científica especial, de cidadania prestante,
assim como ocupações profissionais e de negócios, para nada
1. A significação d a vocação. - Nos tempos atuais dizer quanto ao labor mecânico ou às atividades empreendid~s
o conflito das teorias filosóficas focaliza-se na discussão do com o intuito do ganho.
papel e função próprios dos elementos vocacionais na educação. Devemos evitar não só a limitação da idéia de vocação
A simples afirmação de que importantes divergências entre às ocupações que produzem coisas imediatamente tangíveis
as concep$ões filosóficas fundamentais têm sua principal ço- para nosso conforto, como também a noção de que as vo-
lução associada a este ponto, pode causar incredulidade: parece cações são distribuídas de modo exclusivo - uma e somente
tão grande a distância entre os termos remotos e gerais em uma para cada pessoa. Impossível seria essa restrita especia-
que as idéias filosóficas são formuladas e as particularidades lização; nada seria mais absurdo do que tentar educar o s :
práticas e concretas da educação vocacional! Mas uma re- indivíduos tendo em vista, para eles, só uma espécie de ativi-
vista dos fundamentos intelectuais implícitos dos antagonis- dade. Primeiro, porque cada indivíduo tem, necessariamente,
mos, --
. . em educaqão, do trabalho e dos lazeres. da teoria-- e- ri.
pratica, do corpo e do espirito, dos estados mentais e do
várias ocupações, em cada uma das quais deverá adquirir in-
teligente proficiência; e, segundo, porque uma ocupação perde
mundo, mostrará que eles culminam na antítese das educações sua significação e tomará o caráter rotineiro na proporção em
vocacional e cultural. Pela tradição a cultura liberal tem sido que a isdlarem de outros interesses.
associada às noções de gozo de lazeres, de conhecimento pu- I - Ninguém é unicamente um artista, sem poder ser
ramente contemplativo e de uma atividade espiritual indepen- outra coisa além disso; pois, quanto mais uma pessoa se
dente do uso ativo dos órgãos corporais. A idéia de cultura aproximasse' daquela condição, tanto menos desenvolvida
também tendeu, por último, associar-se com um aoilro e rp-
.. a----
iinamento educativo meramente individual, com o cultivo de
- -- seria como ser humano; tornar-se-ia uma espécie de mons-
truosidade. Ela deverá, pelo contrário, e m algum dos perio-
certos estados e atitudes de consciência, independentemente dos de sua vida, ser membro de uma família; ter amigos
de direção ou serventia sociais. Foi uma válwla de escape e companheiros; sustentar-se a si fnesma ou ser sustentada
à primeira (direção social) e um alívio à necessidade da por outros, e, por isso, seguir alguina carreira prática; ser
última (serviço social). componente de alguma agreiniação politica organizada, etc.
S ã o fundamente entrelaçados estão estes dualismos filo- Naturalmente dizemos ser sua vocação alguma das atividades
sóficos com toda a matéria da educação vocacional, que é ne- que a diferenciam das outras pessoas, de preferência aquela
cessário definir-se a significação de vocaçáo um tanto preci- que tem em comum com elas. Mas não deveremos condes-
samente, a fim de evitar-se a impressão de que uma educa- cender em deixar-nos sugestionar por palavras ao ponto de
são centralizada nela seja restritamente prática, senão mera- esquecer e virtualmente negar suas outras atividades ao con-
mente pecuniária. Uma vocação não significa outra coisa siderarmos os aspectos vocacionais da educaqão.
senão uma tal direção das atividades da vida, que todas elas I1 - Como a vocação artistica de um hoiiem é apenas
se tornam perceptivelmente importantes para nós, devido às o aspecto consideravelmente especializado das suas múltiplas
340 Democracia e educação Aspsctos vocacionais da educação 311

e variadas atividades vocacionais, sua eficiência no seu caráter sendo favorecidos com o melhor serviço que a referida pessoa
de artista (eficiência no sentido humano) é determinada pela poderia prestar-lhes. Acredita-se geralmente, por exemplo,
associação da referida atividade com outras suas atividades. que o trabalho escravo, em última análise, é prejudicial até
Uma pessoa deve ter experiência, deve viver, para que sua sob o ponto de vista puramente econômico - que não há
arte seja mais do que um trabalho técnico. Ela não pode estímulos suficientes para dirigirem as energias dos escravos,
encontrar a matéria de sua atividade artísaca dentro de sua o que redunda em perda e desperdício. Além disso, como a
arte; esta deve ser a expressão daquilo que sofre e goza em atividade dos escravos se restringia a certas ocupações a eles
outras de suas relações - o que, por seu turno, depende da inlpostas, muitas de suas aptidões ficavam desaproveitadas
vivacidade e simpatias de seus interesses. para a comunidade, constituindo, isso, grande perda. A es-
Aquilo que é a verdade em relação à arte, é-o também cravidão apenas ilustra mais clara e iusofismavelmente o que
em relação a quaisquer outras ocupaqõ~s especiais. Existe, acontece quando um individuo não faz o trabalho a que o impe-
sem dúvida - em concordãncia geral com a natureza do há- le sua inclinação. E não poderá nunca buscá-la, nem encon-
bito - a tendência de cada vocação distinta se tornar mui trar-se a si mesmo verdadeiranlente enquanto se desprezarem
predominante, exclusiva e absorvente em seu aspecto espe- as vocações e se mantiver para todos um ideal convencional
cializado. Isto significa dar-se atenção à habilidade ou pro- de cultura essencialmente idêntico.
ficiência técnica, à custa do sentido ou significação. E por PLATÃO estabeleceu o princípio fundamental de uma fi-
isso mesmo, não é função da educaçáo estimular essa tendên- losofia pedagógica, ao afirmar ser tarefa da educação des-
cia, e sim defender-se contra ela, de modo que o investigador cobrir o que cada pessoa pode fazer bem, e exercitá-la para
científico não se torne simplesmente um cientista, nem o senhorear-se dessa espécie de excelência, pois esse desenvol-
professor simplesmente um pedagogo, nem o padre um homem vimento asseguraria, também, do modo mais harmônico, a sa-
que apenas usa batina, e assim por diante. tisfação das necessidades sociais. Seu erro não estava nesse
seu princípio qualitativo, mas em sua limitada concepção das
2 . O papel dos objetivos vocacionais n a educação. vocaçíies necessárias a sociedade - estreiteza de visão que
- Tendo em mente o vário e complexo conteúdo da vocação teve como reação obscurecer sua percepção da infinita varie-
e o vasto quadro sobre que se projeta uma vocação deter- dade de aptidões de que os vários indivíduos são dotados.
minada, consideraremos agora a educação r~laiivamente a 2 - Uma ocupação é uma atividade seguida e conti-
essas mais características atividades de um individuo. nua visando um fim. Por isso, a educaçáo por m i o de
1 - Uma ocupação é a Única coisa que estabelece ocupações associa em si, mais do que qualquer outro mé-
equilíbrio entre a capacidade distintiva de um indiví-luo e todo, a maioria dos fatores conducentes ao saber. Ela põe
os serviços sociais do mesmo. Descobrir aquilo que uma em jogo os instintos e os hábitos; é inimiga da receptividade
pessoa está mais apta a fazer, e assegurar uma oportunidade passiva. Tem um fim em mira; provoca e exige a pro-
para fazê-lo, é a chave da felicidade. Não há maior tra- dução de certos resultados. Por isso, ela apela para a inte-
gédia para um individuo do que deixar-se de descobrir sua ligência; exige que a idéia de um fim seja firmemente man-
verdadeira aptidão na vida, ou verificar-se qiie houve desvio tida, de modo que a atividade não seja rotineira ou arbitrá-
dessa aptidão congênita, e que as circunstâncias o forçaram ria. Desde que o desenvolvimento da atividade deva ser
a um trabalho em desacordo com as próprias inclinações. progressivo, conduzindo de um estágio a outro, requer, em
Ocupação acertada significa simplesmente aquela que uma todos os estágios, observação e engenho para superar os
pessoa, pelas suas tendências, é apta a desempenhar, agindo obstáculos e descobrir e r e a d a ~ t a rmeios de execução. E111
com o mininlo de atrito e com o máximo de satisfação. No suma - uma ocupação feita em condições em que o alvo
respeitante a outros membros da comunidade, esta adequação seja mais o exercício da atividade do que simplesmente o
da atividade de uma pessoa significa, naturalmente, que estão seu produto exterior, greenche os reqiiisitos que já foram
342 Democracia e educaçüo

enunciados ao tratarmos dos objetivos, d o interesse e da re-


Aspectos vocacionois da educnç~io
313
1
flexão (V. Cap. VIII, X, X I I ) . sultado, pois pode originar desgosto, aversão e negligência)
mas isso sucederia em detrimento das qualidades de observa-
Uma ocupação é também necessariamente um princípio
ção "gilante e do planejar coerente e inteligente que tornam
organizador para as informações e idéias, para o conheci-
uma ocupaçáo intelectualmente compensadora.
mento e o desenvolvimento intelectual. Ela fornece um eixo - E m uma sociedade governada autocraticamente é fre-
a que se prende uma variedade imensa de detalhes; faz que
diferentes experiências, fatos, dados informativos, se coorde- qüente um propósito consciente de evitar-se o desenvolvimento
da liberdade e da responsabilidade individual; alguns poucos
nem entre si. O advogado, o médico, o investigador de labo-
ratórios sobre qualquer ramo da química, o pai, o cidadão $aneiam e ordenam, os demais seguem as instruções, cingin-
interessado pela sua própria localidade, têm um constante e do-se aos estreitos limites demarcados para seus esforços.
eficaz estimulo para observar e relatar aquilo que se relaciona Embora esse plano pedagógico possa fortalecer o prestígio e as
vantagens de uma classe, é evidente que restringe o desen-
com o seu interesse. Inconscientemente, movido por sua volvimento da classe inferior; diminui, dificulta e limita, para
ocupação, ele apreende todos os conhecimentos relevantes para
a classe dominmnte, as oportunidades de aprender por meio da
sua atividade, apossando-se dos mesmos. A vocação atua experiencia; e por esses dois modos entrava o desenvolvimento
como o ímã para atrair e o visco para prender. Tal orga- da sociedade considerada como um todo.
nização do conhecimento é vital, poroue é originada pela
necessidade; e de tal modo se manifesta e ajusta na ação, que A única alternativa a adotar-se é que toda a primeira
nunca se conserva inerte. Nenhuma classificaçáo, seleção e preparação para as vocaçóes deve ser mais indireta que di-
arranjo de fatos, conscientemente feitos para fins puramente reta, isto é, fazer o discípulo dar-se às ocnpaçóes ativas acon-
abstratos, poderá comparar-se em solidez ou eficácia com os selháveis, a esse tempo, pelas suas necessidades e interesses
organizados pelo vivo estímulo de uma ocupação; em compa- pessoais. Só por este meio podem o educador e o educando
ração com o influxo desta, aqueles são formais, superficiais fazer a descoberta das genuínas aptidões pessoais, de modo a
e frios. poder-se fazer para o último a escolha conveniente do tra-
balho especial a que se dedicará mais tarde, na vida prática.
3 - A única preparação adequada para as ocupações é A descoberta das capacidades e aptidões será. além disso, unl
a feita por meio d e ocupações. O princípio já exposto neste processo constante, enquanto prosseguir o desenvolvimento.
livro (V. Cap. V I ) , de que o processo educativo é seu pró- Opinião convencional e arbitrária é a que entecde que a des-
prio fim, e de que a única preparação suficiente para futuras coberta do trabalho a escolher-se para a vida adulta deverá
responsabilidades depende de se ter em vista o mais possível ser feita, uma vez por todas, tendo-se em vista alguns dados
a vida imediatamente presente, aplica-se plenamente aos particulares. Uma pessoa, por exemplo, descobriu em si o
aspectos vocacionais da educação. A vocação predominante interesse intelectual e social pelas coisas respeitantes à enge-
de todos os seres humanos, em todas as épocas da vida, é seu nharia e resolve, em conseqüência, escolher essa carreira. Na
desenvolvimento intelectual e moral. Vê-se nuamente este fato melhor das hipóteses, isto apenas circunscreve o campo de
na infância e na adolescência, com sua relativa emancipação da orientação para o desenvolvimento ulterior. É uma esphcie
premência economica. Predeterminar alguma futura ocupa- de esboço grosseiro de um mapa a ser usado para a direção
ção para a qual a educação seja rigorosamente uma preparação, I d3 atividade futura. isso seria o mesmo que descobrir-se
é reduzir as possibilidades do desenvolvimento atual do edu- uma profissão do modo como Colomho descobriu a América,
cando e desse modo prejudicar a adequada preparacão para o 1 ao aportar às suas costas. Ficam por se fazerem explorações
futuro trabalho que lhe seja conveniente. Repetindo o princi- ulteriores de modo infinitamente mais particularizado e e r -
pio para o qual tantas vezes tivemos necessidade de apelar, tenso, Se os educadores conceberem a orientação vocacional,
diremos que aquela preparação poderá produzir uma habili- como uma coisa que leva a uma escolha definitiva, irreparável
dade maquinal rotineira (longe está de ser garantido esse re- e completa, é provável que tanto a educação como a vocação
escolhida se tornem rígidas, embaraçando a evolução ulterior.
Asgectos z'ocacionair da educação 315

Quando se dá senielhante coisa, a carreira escolhida conser-


remuileração. Se quisermos, porém, preocupar-nos com pa-
vará a pessoa interessada em permanente p o s i ~ ã osubalterna,
lavras, diremos que a direção de coisas de interesse social,
executando o que determina a inteligência de outros, que te- quer politicas, que econômicas, quer na guerra ou na paz, sá0
nham ocupações que lhes permitem mais flexibilidade de
oc~ipaçõesou vocações como qualquer daquelas outras; e, no
açáo e de reajustamento. Embora o uso ordinário da lin- passado, auanrlo a educaçáo não ficava completamente sujeita
guagem possa não permitir chamar-se escolha de uma ocupação
A tradição, as escolas superiores também tiveram em mira,
para mais tarde essa flexível atitude de reajustamento para sobretudo, preparar para aquelas atividades. Além disso, a
com certo grupo de atividades, isso, de fato, é que é verda-
ostentação, o adorno da pessoa, as espécies de relações e diver-
deiramente escolha. Como até os adultos devem acautelar-se sóes sociais que dão prestigio, e o dispêndio de dinheiro, foram
para que suas ocupações não lhes paralisem a atividade e os
convertidos, também, em ocupações ou vocaqões bem defini-
fossilizem, a educação precisa, certamente, ter cuidado p a r i das. O s institutos de ensino de nível mais alto foram incons-
que a preparação vocacional dos adolescentes seja de tal espé- cientemente organizados a fim de contribuírem para o prepa-
cie, que Ihes permita uma contínua reorganizaçáo de objetivos rado nessas ocupações. Até presentemente, aquilo que se cha-
e de métodos. ma educação superior é para certa classe (muito menor do
que dantes) simplesmente a preparação para se dedicar eii-
3 . Oportunidades e perigos atuais. - N o passa- cazmente Aquelas atividades.
do a educaçáo foi, muito mais de fato, do que de nome, Sob outros pontos de vista, existe em grande escala, nos
vocacional. trabalhos de espécie mais elevada, uma preparação para seu
I - A educação das massas era nitidamente utilitária. ensino e para i n v e s t i ~ a ~ õ eespeciais.
s Por uma singular su-
Chamavam-lhe mais aprendizado do que educa~ão,ou, entáo, perstição, foi considerada não vocacional e mesmo como espe-
o ensino por experiência. As escolas dedicavam-se a o ensino cialmente cultural a educação que,se consagra principalmente
de leitura, escrita e contas, na proporção em que as espécies i preparasão para a ociosidade elegante, para o ensino, para
de trabalho exigiam seu conhecimento. A fase da educação atividades literárias e para cargos que envolvem mando. A
extra-escolar consistia em consagrar-se o aluno a alguma es- educação literária que indiretamente é própria para se versarem
pécie determinada de trabalho sab a direção de outrem. A s as letras, quer se trate de livros, de artigos de jornais ou
duas coisas completavam-se; tanto o trabalho escolar em seu colahora~ão em revistas, está particularmente sujeita a essa
caráter restrito e formal fazia parte do aprendizado de uma superstição; muitos professores e autores preconizam uma
profissão, 'como aquilo que propriamente tem o nome de educação cultural e humana para contrastar com a predomi-
aprendizado. nância das educações práticas especializadas, sem reconhecer
que suas próprias educações, que eles chamam liberais, con-
I1- A educaçáo das classes dominantes era, em extensão sistiram principalmente na ~reparaçáopara seus misteres par-
considerável, vocacional; - apenas sucedia que sua prepa- ticulares. Dá-se isto simplesmente porque eles contraíram o
raçáo para o mundo e para a vida de prazeres não se hábito de considerar seu próprio trabalho essencialmente
chamava profissional. Pois só se falava em vocações ou cultural e de esquecer as possibilidades culturais das outras
empregos com referência a ocupações que subentendiam tra- profissões. No âmago destas distinções está indubitavelmente
balho manual, n trabalho tendo em vista uma recompensa o influxo da tradição, que considera mais como profissões as
ou seu equivalente em dinheiro, ou a prestação de serviços espécies de atividade em que uma pessoa é responsável por
pessoais a determinadas pessoas. Durante muito tempo, por seu trabalho para com um patrão, do que aquelas em que a
exemplo, as profissões de cirurgião e de médico quase se ni- responsabilidade é para com o último "patráo", isto é, a
velavam com as de criado ou de barbeiro - em parte por comunidade.
terem como objeto o corpo humano e em parte por serem Existem, entretanto, causas manifestas para o atual en-
prestações de serviço a determinadas pessoas, com o fito da
carecimento consciente da ed~~c:~a~ão vocacional - da atitude
Aspectos vocacionais da educação 347

de tornar expresso e voluntário o conteúdo vocacional que E m compensação, a ciência pagou a indústria com juros
dantes ficava implicito. acumulados. Como consequência, as ocupações industriais
1 - En1 primeiro lugar, há nas comunidades deinocrá- têm um conteúdo intelectual infinitamente maior e possibili-
ticas um auiilento da estima por aquilo que se relaciona com dades culturais infinitamente maiores do que costumavam ter.
os trabalhos manuais, com as ocupações comerciais e com a Torna-se imperativa a necessidade de uma educafão que
prestação de serviços tangiveis à sociedade. E m teoria espe- familiarize os operários com os fundamentos e alcance cien-
ra-se que agora os homens e as n~ulheres façam alguma tíficos e sociais de sua atividade, porque os que n5o a tiverem
coisa em troca do amparo intelectual e econômico que Ihes recebido degradar-se-ão inevitavelmente ao papel de apêndi-
é dado pela sociedade. Exalta-se o trabalho; a prestação de ces das máquinas com que trabalham. No velho regime,
serviços é apregoadíssimo ideal moral. Embora ainda se todos os trabalhadores de dado ofício tinham conhecimentos
admirem e invejem muito aqueles que podem levar existência e inteligência aproximadamente iguais. Estreitos eram os li-
ociosa e de ostentação elegante, os melhores sentimentos mo- mites dentro dos quais se desenvolviam seus conhecimentos e
rais condenam semelhante vida. É mais geralmente reconhe- inteligência profissional, porque o trabalho era feito com ins-
cida, do que o costumava ser, a responsabilidade social pelo trumentos que ficavam sob o direto manejo do obreiro.
emprego do tempo e da capacidade pessoal. Agora este tem que se adaptar à sua máquina, em vez de
seus instrumentos se adaptarem aos objetivos dele. Ao
2 - E111 segundo lugar, as vocações especificamente
mesmo tempo em que se multiplicaram as possibilidades inte-
industriais ganharam consideravelmente em importância, de
lectuais da indústria, as condições tendem a fazer que a in-
século e meio para cá. A indústria e o comércio já não são dústria, para as grandes massas, seja menos um recurso edu-
coisas domésticas e locais e, por consequência, mais ou menos
cativo do que o era nos tempos da produção manual para os
acidentais - e, sim, mundiais. Neles se emprega o melhor mercados locais. A responsabilidade da compreensão das pos-
das energias de um número cada vez maior de pessoas. 0 s sibilidades intelectuais inerentes ao trabalho se devolve, assim,
industriais, os banqueiros e os capitães de comércio substituí-
para a escola.
ram, praticamente, a antiga nobreza territorial hereditária na
direção dos negócios sociais. O problema do reajustanzento 4 - E m quarto lugar, a aquisição de conhecimentos
social é fra+tcamente i?tdustrial, entendendo-se com as relações tornou-se, na ciência, mais experimental, menos dependente
do capital e do trabalho. O grande desenvolvimento de im- da tradição literária e menos associada com os métodos dia-
portância social dos grandes processos industriais pôs ine- Iéticos de raciocinar, e com símbolos. O resultado é que a
vitavelmente em destaque questões sobre as relações do ensino matéria não só apresenta maior conteúdo científico do que
escolar com a vida industrial. Uma tão vasta readaptaçáo costumava possuir, como também maior oportcnidade para o
social não poderia ocorrer sem pór em xeque uma educação indivíduo familiarizar-se com o método pelo qual se adquirem
herdada de condições sociais diferentes, e sem propor à edu- conhecimentos. É claro que o comum operário das fábricas
cação novos problemas. se encontra sob compressão econòmica mui direta para ter
ensejo de granjear conhecimentos, em comparação com as
3- E m terceiro lugar, há o fato já repetidamente men- pessoas que trabalham em laboratórios. Mas, nas escolas, o
cionado de que a indústria deixou de ser, em sua essência, o contacto com as máquinas e com os processos industriais pode I
processo empírico, rotineiro, estabelecido pelo costume. Sua ser produzido em condições em que o principal interesse cons-
técnica é agora tecnicológica, isto é, baseada em maquinarias ciente do educando seja compreender as coisas. A separação
resultantes de descobertas matemáticas, físicas, químicas,
entre a oficina e o laboratório, onde se satisfazem estas con-
bacteriológicas, etc. A revolução econômica estimula a ciên- dições, é grandemente convencional; o laboratório tem a van-
cia com a proposição de problemas a solver-se e com o ter tagem de permitir que alguém se entregue ao interesse inte-
originado maior respeito intelectual pelos recursos mecânicos.
lectual que um problema pode sugerir; a oficina, a vantagem
348 Democracia e educacüo

de pôr em destaque o alcance social do principio científico, de que a educação perpetue as velhas tradições em beneficio de
assim como, para muitos discípulos, provocar um mais vivo alguns poucos escolhidos, e que efetue sua adaptação As novas
interesse. condi~õeseconômicas mais ou menos sobre a base da capitu-
5 - Finalmeilte, os progressos operados na psicologia lação em face dos aspectos não transformados, não raciona-
do ensino, em geral, e na psicologia da criança, em particular, lizados e não socializados de nosso defeituoso regime industrial.
coincidem, nas suas conseqüências, com a crescente importân- Para dizer-se em termos mais concretos: há o perigo de que
cia da indústria para a vida. Pois a psicologia moderna sa- na teoria e na prática se interprete a educação vocacional como
lienta a importância radical dos primitivos instintos não adqui- sendo a educação para ofícios, ou como sendo a chamada
"educaçáo profissional", isto é, como meio de conseguir-se efi-
ridos, de explorar, experimentar e "tentar as coisas". Ela ciência técnica para futuras atividades especializadas.
revela que o aprendizado não é obra de uma coisa já completa
denominada espírito e sim que o espírito é ele próprio uma A educasão tornar-se-ia então um instrumento para per-
organização das capacidades originárias em atividades pro- petuar, imutável, a existente ordem industrial da sociedade,
vidas de significação. Como já vimos, para os alunos de mais em vez de atuar como meio para a sua transformação. Não
idade o trabalho serve tanto para o desenvolvimento educativo é difícil de definir-se, de modo formal, essa desejada trans-
das atividades brutas inatas como os brinquedos para os mais formação. Ela significa uma sociedade em que todas as pes-
novos. Mesmo assim, a passagem do brinquedo para o tra- soas se ocupem com alguma coisa que torne a vida das outras
balho deve ser gradual, não exigindo uma mudança radical de pessoas mais digna de ser vivida, e que por conseguinte torne
atitude, mas pondo em ação os elementos dos brinquedos, acres- mais perceptíveis os elos que ligam os indivíduos entre si -
cidos de uma reorganização contínua, a bem de um maior do- e que suprimem as barreiras que os distanciam. Ela denota
mínio dos mesmos. um estado de coisas em que o interesse de cada um pelo
O leitor observará que estes cinco pontos resumem vir- próprio trabalho seja livre e inteligente, e gerado pela afinidade
desse trabalho com as aptidões dos indivíduos. É inútil dizer
tualmente os principais debates da parte anterior deste livro.
T a ~ t oprática como filosoficametite, a chave da presente si- que estamos longe desse estado social; e, no sentido literal e
quantitativo, poderemos, talvez, jamais atingi-lo. Mas, em
tuacão educacional está em uma gradativa reconstrução do
material e dos métodos escolares, de modo a utilizar as várias principio, as espécies de n~udançassociais já operadas orien-
niodalidades de atividades que caracterizam ocupaçóes ou vo- tam-se nessa direção. Agora, mais do que nunca, existem
abundantes recursos para essa realização. Dada a vontade
cações sociais, e a Ihes revelar o conteúdo intelectual e moral.
Esta reconstrução deve relegar os métodos puramente literá- inteligente para tal empresa, nenhuns obstáculos insuperáveis
rios - inclusive os compêndios - e os métodos dialéticos ao se lhe atravessarão no caminho.
papel de instrumentos auxiliares necessários para o desen- O triunfo ou o mau êxito nessa realização depende mais
volvimento inteligente de atividades contínuas e cunlulativas. da adoção de métodos educativos apropriados a efetuar essa
transformaçáo, do que de qualquer outra coisa. Pois essa
Mas a nossa análise salientoti o fato de que esta reorga-
nização edncativa não pode realizar-se tentando-se meramente mudança é essencialmente a mudança da qualidade da atitude
mental - uma mudança educativa. Isto não significa que
dar preparo técnico para as indústrias e profissões do modo
como são exercidas atualmente, e muito menos limitando-nos podeinos transformar o caráter e o espírito com instrução
a reproduzir nas escolas as existentes condições industriais. e exortações diretas, independentenlente da transformação das
condições industrial e política. Essa concepção colidiria coni
O problema não é tornar as escolas outros tantos apêndices da
indústria e do comércio, e sim utilizar os fatores da indústria a nossa idéia básica de que o caráter e o espírito são atitudes
para tornar a vida escolar mais ativa, mais cheia de signifi- criadas pelas nossas "respostas", pela nossa cor+respondência
em atividades sociais participadas. Significa, sim, ,que deve-
cações imediatas, mais associada à experiência extra-escolar. remos criar nas escolas uma do tipo de sociedade que
O problema não é de fácil solução. Há o perigo permanente desejaríamos realizar; e, formando os espiritos de acordo com
Aspectos vocacionais da educação 351

esse tipo, modificar gradualmente os principais e mais recal- ciação intelectual e mais acurado exame das condições, pois
citrantes aspectos da sociedade adultn.
- implica a direção e combinação de grande número de diver-
Sentimentalmente antolhar-se-á rudeza o dizer-se que o sos fatores, ao .passo que a atividade dos que se interessam
maior mal do presente regime não está na pobreza, nem i10 apenas pelos saiários se restringe a certos movimentos mus-
sofrimento que ela acarreta, e sim na circunstincia de tantas culares diretos. Mas não deixará de existir uma limitação
pessoas terem empregos em desacordo com seus gostos, em- da inteligência aos processos técnicos, não humanos nem lihe-
pregos que exercem unicamente pela recompensa pecuniária rais, se o trabalho não se repassar da significa~ão de seu
- > .
que deles auferem. Pois tais ocupações Drovocam mriitas ve-
zes a aversão, a má vontade, negligência e indiferença pelo
~~~ ~ ,
alcance social. E quando o espirito animador é o desejo do
lucro particular ou do poder pessoal, essa limitação é também
trabalho. Nem o coração do homem, nem seu espírito se inevitável. O fato é que a vantagem da imediata simpatia
acham nesse trabalho. Por outro lado, aqueles que não so- social e de disposição larga e humana é gozada muitas vezes
mente estão muito mais providos de bens de fortuna, como pela classe economicamente desfavorecida, que não experi-
também têm excessivo, se i120 monopolizador dominio sobre mentou os insensibilizadores efeitos da direção unilateral da
a atividade do maior número, são excluídos do intercâmbio atividade alheia.
social igualitário e geral. Sentem-se estimulados oaro SP en-
- - -- -..
tregarem aos prazeres e i ostentação; procuram- ressarcir-se
1
É provável que todo o plano de educaçáo vocacional,
que tome como ponto de partida o regime industrial ora
desse afastamento por meio da impressão que podem causar existente, adote e perpetue suas divisões e fraquezas, tornan-
de disporem da força, de bens mais abundantes e da faculdade
do-se destarte um instrumento para encarnaçáo do dogma
de fruírem mais prazeres. feudal da predestinação. O s que se acharem em condições
Seria perfeitamente possível a um plano de educação de satisfazer os seus desejos, exigirão uma profissáo liberal
vocacioiial concebido em estreitos moldes perpetuar esta di- e cultural, e que prepare para o exercício do poder os adoles-
visão de uma maneira rígida. Tomando o ponto de vista centes pelos quais diretamente se interessarem. Dividir o
de algum dogma de predestinaçáo social, presumiriam que sistema, e dar a outros, em posições menos favorecidas, uma
alguns deveriam continuar como simples ganhadores de salá- educação consistindo unicamente em uma preparação profissio-
rios em condições seinelhantes às presentes; por isso, visariam nal especial, é tratar a escola como um fator para transfoir a
simplesmente dar-lhes aquilo que chamam educasão profissional uma sociedade nominalmente democrática a antiga distinção
- isto é, maior eficiência técnica. É verdade que, infeliz- entre trabalho e gozo de lazeres, entre cultura e ocupações
mente, há falta muitas vezes de proficiência técnica, a qual é, práticas, entre espírito e corpo, e entre classe dirigente e
certamente, a todos os respeitos, desejável - não só para a classe dirigida.
obtençáo de melhores produtos por menor custo. senão também
Semelhante educação vocacional não levará, inevitavel-
pela niaior felicidade que se encontrará no trabalho. Pois mente, em linha de conta as humanas conexões científicas
ninguém se interessa por aquilo que apenas sabe fazer a meio.
Mas há grande diferen~aentre uma proficiência limitada ao e históricas das matérias e processos a que se aplica. Incluir
trabalho imediato e uma competência que abranja a compreeii- tais coisas em uma restrita educação prática, seria perder
são do alcance social do referido trabalho; entre a eficiênria tempo; o interesse por elas não seria "prático". Elas são
para executar planas alheios e a para formar seus próprios reservadas aos que dispõeni de lazeres - lazeres advenientes
da superioridade de recursos econômicos. Tais coisas seriam
~+O
I S. Nos tempos atiiais, a deficiência intelectual e eiiio- inesmo perigosas aos interesses da classe doii~inante, susci-
cional tanto caracteriza a classe dos einpregadores como a
dos empregados. Ao mesnlo tempo ein que a última só se tando descontentamento ou ambições superiores "à condição"
iiiteresli em suas ocupações pelo dinheiro que lhe rendem, dos que trabalham sob a direção de outrem. Mas uma edu-
pode a vi:ão da priiueira restringir-se ao lucro e ao poderio. caqão que reconheça a plena significação inteiedual e social
Estes últimos interesses siibentenden~ geralmente niaior iiii- de uma vocação incluiria em si a instrução sobre os antece-
dentes históicos das condições atuais, o

"MAE M DEUS"

BIBLIOTECA A
Filosofia da educacão 355

assim dos que colimam simplesmente a conservação dos cos-


tumes estabelecidos. Foram consideradas democráticas essas
sociedades, devido à maior liberdade concedida a seus compo-
nentes e à necessidade consciente de incutir nos indivíduos um
interesse conscientemente socializado, em vez de confiar-se
CAPITULO 24 principalmente na força dos costumes que atuam sob a di-
reção de uma classe superior. A espécie de. educação apro-
priada ao desenvolvimento de uma sociedade democrática foi
Filosofia da educação então manifestamente tomada como critério para uma ulterior
análise, mais,particularizada, da educação.

1. Revisão critica. - Apesar de estarmos tratan-


I1 - Viu-se que esta análise, baseada no critério de-
mocrático, subentendia o ideal de uma continua reconstruqão
do da filosofia da educação; ainda não demos uma definição ou reorganização da experiência, de natureza a aumentar a
de filosofia, nem houve explícito exame da natureza de uma reconhecida significação ou conteúdo social da mesma, e a
filosofia da educação. Este assunto é agora abordado com aumentar a capacidade de procederem os individuos como
uma exposição sumária da ordem lógica seguida nas dis- custódios orientadores desta reorganizqão (V. Caps. VI-VII).
cussões anteriores para o fim de patentear as conseqüências
Esta distinção foi em seguida usada para delinear os caracte-
filosóficas nele contidas. Depois empreenderemos sucinto res respectivos da matéria de estudo e do método. Ela também
exame, em moldes mais especificamente filosóficos, das teo- determinava sua unidade, uma vez que o método de estudar
rias do conhecimento e de moral subentendidas nos diversos e aprender sobre esta base é precisamente o movimento cons-
ideais educacionais, quando postos em prática. cientemente dirigido para a reorganização da matéria da expe-
O s capítulos antecedentes dividem-se logicamente em riência. Foram desenvolvidos sob este ponto de vista os prin-
três partes. cípios essenciais do método e da matéria do ensino (Caps.
I - Os primeiros capitulos tratam da educação como XIII-XIV).
necessidade e função sociais. Seu propósito é delinear os I11 - A exce~áo de críticas acessórias destinadas a
aspectos gerais da educação como o processa por meio do esclarecer os princípios pela força do contraste, esta fase
qual os grupos sociais mantêm sua existência contínua. da discussão considerou coisa assente o critério democrático
Mostrou-se que a educação é o processa da renovação das e sua aplicação à vida social presente. Nos capítulos subse-
significações da experiência, por meio da transmissão, aci- qüentes (Caps. XVIII-XXIII) consideramos as presentes
dental em parte, no contacto ou trato ordinários entre os limitações de sua realização atual. Verificou-se que surgiam
adultos e os mais jovens, e em parte intencionalmente ius- essas limitações da noção de que a experiência consiste em
tituída para operar a continuidade social. Viu-se que este uma variedade de domínios ou interesses segregados uns dos
processo subentende a direção e o desenvolvimeato dos in- outros, tendo cada qual seu valor, seu material e seu método
divíduos imaturos e do grupo em que eles vivem. independentes e próprios, em colisão uns com os outros, sendo
Essas considerações foram formais, por não tomarem que, quando cada um é mantido convenientemente limitado
especialmente em conta as qualidades do grupo social inte- pelos demais, formam uma espécie de "equilíbrio de pode-
ressado - a espécie de sociedade que visa sua própria per- res" na educação. Procedemos então a uma análise das vá-
rias ilações subentendidas por esta segregação. Sob o ponto
petuação por meio da educação. A discussão geral do assunto
foi em seguida particularizada, aplicando-se aos grupos sociais de vista prático, achou-se que se originavam nas divisões da
intenciouatmente progressivos e que visam a maior variedade sociedade em classes e grupos mais ou menos rigidamente
de interesses reciprocamente compartidos, diferençando-se demarcados; por outras palavras, no estorvo, à plenitude e
Filosofia da educaçüo 357

maleabilidade da interaçáo e intercâmbio sociais. Viu-se que problemas de que trata, e salientamos que esses problemas
estas soluções de continuidade social encontra~ramsua formu- se originam dos conflitos e das dificuldades da vida social.
lação intelectual em vários dualismos ou antíteses -como os Tais problemas são coisas como as relações entre o espirito e
do trabalho e do gozo de lazeres, da atividade prática e inte- a matéria, o corpo e a alma, a humanidade e a natureza
lectual, do homem e da natureza, da individualidade e da física, o individual e o social, a teoria (ou conhecimentos)
associação, da cultura e da vocação. e a prática (ou ação). Os sistemas filosóficos que formu-
Nesse exame verificamos que estes diferentes resulta- lam estes problemas espelham os caracteristicos e as dificulda-
dos têm seus equivalentes em forniulações já feitas em vá- des principais das práticas sociais contemporâneas. Tornam
rios sistemas filosóficos clássicos, e que encerram em si os manifestamente consciente aquilo que. os homens chegaram a
principais problenias da filosofia - tais como os do espirito pensar, em virtude da qualidade de sua experiência corrente,
e da matéria, do corpo e do espirito, do espírito e do ~ i u n d o , sobre a natureza, sobre eles próprios e sobre a realidade que
da indivíduo e suas relações com os outros indivíduos, etc. em sua concepção encerra ou governa essas duas coisas.
Subjacentes a estas várias separações notamos que o pres- Como poderíamos então esperar, a filosofia foi geralmente
suposto fundamental era a separação entre o espírito ou definida de modo a implicar uma certa totalidade, generalidade
mente e a atividade que exigisse condiqões físicas, órgãos e última causalidade (ultimateness) da matéria e do niétodo.
corpóreos, recursos materiais e objetos naturais. Em con- A respeito da matéria a filosofia é uma tentativa para com-
seqüência, e para solução do problema, indicava-se uma filo- preender, isto é, reunir as várias particularidades do mundo
sofia que reconhecesse a origem, o papel e a função do espí- e da vida em um todo Único que seja uma unidade, ou, como
rito e m unza atividade que influencia e d i + = o ambiente. nos sistemas dualistas, reduzir a pluralidade de particulari-
Completanios assim o circuito e retornamos As con- dades a um número pequeno d e princípios finais. N o refe-
cegções da primeira parte deste livro, tais conio a continui- rente à atitude do filóçofo e daqueles que aceitam .suas con-
dade biológica dos inipulsos e instintos humanos com as clusões, há o esforço para conseguir-se uma visão da expe-
energias naturais, a dependência em que o desenvolvimento riência o mais unificada, coerente e completa possível. Este
do espirito se acha da participação em atividades conjuntas aspecto é expresso pela palavra "filosofia" - amor à sabe-
com um objetivo comum, a influência do ambiente físico doria. Sempre que a filosofia foi encarada a séno, pre-
por meio da sua utilização no ambiente social, a necessidade i suiniu-se que ela significava conseguir uma sabedoria que
da utilização das varirções individuais de desejos e pensa- I influenciasse o procedimento e a direção da vida. Testemunha
mentos para uma sociedade que se desenvolva progressiva-
I isto a circunstância de que quase todas as antigas escolas
I filosóficas eram também modos de viver organizados, sendo
mente, a unidade essencial do método e da matéria, a con-
tinuidade intrínseca dos fins e dos meios, o reconhecimento requerido, daqueles que aceitavam seus dogmas, adotar certos
I modos distintivos de proceder; também o comprovam a íntima
de ser, o espirito ou a mente, o ato de pensar que percebe e
associação da filosofia com a teologia da Igreja Romana na
submete à prova as significações do comportamento. Estas Idade Média, sua frequente associação com interesses reli-
concepções se coadunam com a filosofia que vê a inteligência
como a reorganização, com um fim, mediante a ação, do giosos, e, nas crises nacionais, sua associação com as lutas
material da experiência, e não se harmonizam com qualquer políticas.
das filosofias dualistas mencionadas. Esta direta e intima conexão da filosofia com uma visão
da vida, a diferencia da ciência. Os fatos particulares e as
leis da ciência influem evidentemente na conduta. Eles su-
2. A natureza da filosofia. -
A nossa próxima gerem coisas a fazer ou a não fazer e sugerem meios de
tarefa é extrair e tornar explícito o conceito de filosofia
implícito nessas considerações. Já, virtualniente, descreve- execução. Quando a ciência, ~ o r é m ,não significa simples-
mos a filosofia, embora sem a definirmos, mencionando os mente um catálogo dos fatos particulares descobertos sobre
o mundo e sim uma atitude grral para com este - encaraii-
Democracia e edr~cacão Filosofia da educação 359

do-se essa atitude como distinta das coisas especiais a fazer ser a faculdade de se sofrer sem se queixar. Esta signifi-
- ela passa a ser filosofia. Pois tal disposição profunda cação é mais uma homenagem prestada i influência da filo-
representa uma atitude, não para com esta ou aquela coisa, sofia estóica, do que um atributo da filosofia em geral. Mas
nem mesmo para com a soma das coisas conhecidas, e sim a mesma se justifica na proporção em que sugerir que toda a
para com as considerações que dirigem a conduta. característica da filosofia é a faculdade de aprender, de extrair
Por isso não se pode definir a filosofia tendo-se ein significações até das desagradáveis vicissitudes da vida e
vista apenas o objeto dos conhecimentos. P o r esta razáo, transformar aquilo que foi aprendido em aptidão para con-
consegue-se mais prontamente uma definição de concepções tinuar a aprender. Uma interpretação análoga é aplicável à
como generalidade, totalidade e Última causalidade (ultima- generalidade e à última finalidade (ultimnteness) em filoso-
teness) encarando-se a atitude para como o mundo que elas fia. Tomadas ao pé da letra, são pretensões absurdas indi-
denotam. E m sentido literal e quantitativo, esses termos não cativas de insânia. dltima finalidade não significa, contudo,
se aplicam à matéria do conhecimento, pois a plenitude e a que a experiência esteja finda e esgotada e sim a disposição
última finalidade acham-se fora de alcance. Impede-as até de atingir níveis mais profundos de significação - penetrar
a própria natureza da experisncia, como processo contínuo e abaixo da superfície e descobrir as relações de todos os acon-
mutável. E m sentido menos rígido, aplicam-se mais à ciência tecimentos ou objetos e apegar-se a elas. Analogamente, a
do que à filosofia. Pois, para encontrar os fatos deste mundo atitude filosófica é geral no sentido de ser adversa a tomar
e as suas causas, 6 claro que deveremos recorrer às matemá- as coisas isoladamente; intenta colocar um ato no todo a que
ticas, 5 física, à química, à biolo+, à antropologia, à histó- pertence - e Que lhe dá sua significação.
ria. etc., e não i filosofia. As ciências é que compete dizer de vantagem identificar a filosofia com o ato de
quais as generalizações admissíveis sobre o mundo e quais, pensar enquanto distinta do conhecimento. O conhecimento,
especificamente, são elas. Mas quando perguntamos que es- isto é o conhecimento fundamentado, é ciência; ele repre-
pktie de atitude permanente ativa para com o mundo as reve- senta as coisas que foram estabelecidas, ordenadas, dispostas
lações cientificas exigem de n6s, estamos a formular uma racionalmente. Quanto ao ato de pensar, aplica-se a coisas
questão filosófica. em perspectiva. .E ocasionado por uma incerteza e visa dis-
P o r este prisma, "totalidade" não significa a tarefa sipar uma perturbação. Filosofia é pensar o que aquilo que
impossível de uma acumulação quantitativa. Quer antes dizer é conhecido requer de nossa parte - qual a atitude de
coerência de u m modo de reagir em face da pluralidade das corfrespondência que ele exige. uma idéia do que é
coisas que acontecem. "Coerência" não significa identidade possível, e não um registro de fatos consumados. Por essa
completa, pois, como a mesma coisa não acontece duas vezes, razáo é hipotética, assim como todo o ato de pensar. Ela
a repetição exata de uma reação subentende algum mau ajus- assinala alguma coisa a ser feita - alguma coisa a ser ten-
tamento. Totalidade significa continuidade - o prossegui- tada. Seu valor não está em proporcionar soluções (o que
mento de um primeiro hábito de agir com a readaptação ne- só pode ser conseguido com a ação) e sim em analisar as di-
cessária para conservá-lo vivo e em evolução. Ao revés de ficuldades e sugerir métodos para nos avirmos com elas. Po-
significar um completo plano de ação apriorístico, significa a de-se quase definir a filosofia como o pensamento que se tor-
manutenção do equilibrio em uma multidão de atos diversos, nou consciente de si mesmo - que generalizori seir lugar,
de forma que cada um tome a si~nificaçãode outro ato e dê função e valor na experiência.
também significação a outro. Toda a pessoa de espírito Mais especificamente surge a exigência de uma atitude
franqueado e sensível a novas percepqóes e que profunda e "total" por existir a necessidade de integrar na ação os vários
responsavelmente lhes percebe as relações entre si, terá, na interesses em conflito, da vida. Não é perceptível a neces-
proporção em que o fizer, atitude filosófica. U m dos sen- sidade da filosofia quando os interesses são tão superficiais
tidos populares de filosofia é a calma e a longanimidade em que facilmente se fundem, ou quando não são suficientemente
face dos obstáculos e das perdas sofridas; supõe-se, mesmo, organizados para entrar em mírtuo conflito. Mas quando,
360 Democracia e educaçáo

por exemplo, o interesse científico se contrapõe ao religioso, tude mental fundamental para com o inundo, seria o caso de
ou o económico ao científico ou estético, ou quando o interesse acreditar-se haver insinceridade ou falta de seriedade.
conservador pela ordem existente entra em conflito com O Uma comunidade que se dedica a atividades industriais,
progressivo interesse pela liberdade, ou quando o institucio- de grande atividade em negócios e no comércio, não verá
nalismo se embate com o individualismo, nasce um estímulo provavelmente as necessidades e possibilidades da vida do
para se descobrir algum ponto de vista mais compreensivo, mesmo modo que outra de alta cultura estética e pouca
donde as divergências possam ser harmonizadas, e possa ser iniciativa para aproveitar mecanicamente as energias naturais.
restaurada a compatibilidade ou continuidade da experiência. Uma agremiação social de história perfeitamente continua
Muitas vezes um indivíduo pode harmonizar para si reagirá mentalmente a uma crise de maneira mui diversa da
próprio essas colisões; circunscreve-se a área do conflito dos de uma sociedade que já tenha sentido o abalo de abruptas
objetivos e o indivíduo cria suas grosseiras acomodagões. soluções de continuidade. Embora se Ihes apresentem os
Estas filosofias caseiras são legitimas e muitas vezes adequa- iiiesmos dados, elas os avaliarão diversamente. Mas as dife-
das. Mas não resultam em sistemas filos0ficos. Surgem rentes espécies de experiências, correspondentes aos vários
estes quando as exigências mutuamente discrepantes de dife- tipos de vida, impedem que os mesmos dados se apresentem,
rentes ideais de conduta atingem a sociedade como um todo e e conduzem, por conseguinte, ainda mais a nina divergente
torna-se geral a necessidade de reajustamento. escala de valores. Mesmo a similitude dos problemas é com
Estes traços explicam algumas coisas trazidas amiúde freqüência mais uma questão de aparência do que de fato,
como objeções contra as filosofias, tais como o papel repre- devido a se tra~sferiremvelhas divergências (com as formu-
sentado nestas pelas especulações individuais e sua diversidade laqões dos tempos em que surgiram) para as novas dificulda-
des contemporâneas. Mas, sob certos pontos de vista fun-
contraditória, assim como a circunstância de que a filosofia
parece ocupar-se repisadamente e sempre com as mesmas damentais, as mesmas condições de vida reproduzem-se de
tempos em tempos, apresentando unicamente as modificações
questões diversamente anunciadas. Não há dúvida de que
todas essas coisas caracterizam mais ou menos as filosofias devidas à mudança de contexto social, inclusive a evolução das
históricas. Mas sáo tanto objeções i filosofia, quanto i natu- ciências.
reza humana, e, mesmo, ao mundo em que a natureza humana O fato de stirgirem os problemas filosóficos quando
está colocada. Se existem patentes incertezas na vida, as dificuldades na vida social se tornam largamente generali-
filosofias devem refletir essas incertezas. S e existem dife- zadas e sentidas, conserva-se dissimulado porque os filósofos
rentes diagnósticos da causa de uma perturbação, e diferentes se tornaram uma classe especializada que usa uma linguagem
alvitres para a removerem, isto é, se o conflito de interesses técnica, diferente daquela com que o comum do povo se refere
encarnar-se mais ou menos em diferentes grupos de pessoas, a essas dificuldades. Mas sempre que um sistema adquire
é natural que existam divergentes filosofias rivais. influência, pode-se descobrir sua conexão com um conflito de
Com'referência àquilo que já aconteceu, o de que se i7teresses que reclamam algum programa de adaptação so-
cial. A este ponto aparece a intima relação entre a filosofia
necessita é suficiente evidência para que haja acordo de opi- e a educayão. O fato é que a educação oferece um terreno
niões e certeza. E então torna-se coisa de verdade indiscuti-
vel. Mas com referência ao que seja acertado fazer em de- vantajoso para se penetrar na significação humana (para di-
terminada situação complexa, é razoável e inevitável haver ferenciar-se da significação técnica) das discussõ~sfilosóficas.
Quem estuda a filosofia "por si mesnia" corre sempre
debates, precisamente por ela inda ser indeterminada. Não
se pode esperar que uma casta dominante e que vive em meio o perigo de tomá-la como um exercício de agilidade intelectual
ao conforto conceba uma filosofia da vida igual i da casta ou de severa disciplina - como coisa dita pelos filósofos
que se refira só a eles. Mas quando as conclusões filosóficas
que luta penosamente pela sua subsistência. Se os que pos-
suem e os que na0 possuem riquezas tivessem a mesma ati- são confrontadas com a espécie de disposição mental a que
correspondem, ou com as difereiiças que operam na prática
Democracia e edncagão Filosofia da educação 363

educativa quando influem sobre ela, as situações que elas for-


dimentos sociais. Seria impossível que ela tivesse bom êxito
mulam nunca são as coisas remotas de nossa vista. A teoria nessas tarefas, sem equivalentes educacionais sobre o que se
que não influencia a atividade educativa é uma teoria artificial.
O ponto de vista educacional habilita-nos a encarar os proble- devesse fazer ou não fazer. Pois a teoria filosófica não
mas filosóficos no terreno em que eles surgem e lutam, na sua dispõe a e uma lâmpada de Aladim para fazer surgir de repente
os valores que ela "constrói" intelectualmente. Nas artes me-
própria casa, por assim dizer, local em que a sua aceitação ou
cânicas, as ciências tornam-se meios de tratar as coisas de
rejeicáo resulta em uma diferença na prática.
modo a utilizar suas energias para objetivos determinados.
Se quisermos conceber a educação como o processo de Por meio das artes educativas a filosofia pode engendrar mé-
formar atitudes fundamentais, de natureza intelectual e sen-
todos para utilizar as energias dos seres humanos de acordo
timental, perante a natureza e os outros homens, pode-se
com as concepções sérias e profundas sobre a vida. A edu-
até definir a filosofia como a teor% geral da educayão.
cação é o laboratório onde as distinções filosóficas são con-
Sempre que uma filosofia não se limitar a permanecer simbó-
cretizadas e postas i prova.
lica - ou verbal - ou um deleite sentimental para poucos,
ou então como meros dogmas arbitrários, seu exame da expe- É sugestiva a circunstância de ter-se a filosofia euro-
riência passada e seu programa de valores devem influir na péia originado (entre os atenienses) sob a compreessão di-
conduta. A agitação popular, a propaganda, a ação legis- reta das questões educacionais. Tendo-se em vista a espécie
lativa e administrativa, são eficientes para produzirem a men- dos assuntos de que tratava, a primitiva história da filosofia,
talidade que uma filosofia indica como desejável, mas somente desenvolvida posteriormente pelos gregos na Asia Menor e
no grau em que são educatiws - isto é, ein que modificam na Itália, é mais um capitulo da história das ciências natu-
a atitude mental e moral. E na melhor das hipóteses esses rais do que da filosofia, no sentido em que esta palavra é
métodos são prejudicados pelo fato de serem usados com pes- hoje tomada. Tinha por objeto a natureza e especulava sobre
soas cujos hábitos j i se acham muito firmados, ao passo que o modo por que as coisas surgem e mudam. Mais tarde os
a educação dos adolescentes tem um melhor e mais livre professores ambulantes, conhecidos como sofistas, começaram
campo de atuação. Por siia vez, a atividade escolar propen- a aplicar os resultados e os métodos dos filósofos da natureza
derá a tomar-se empirica e rotineira se seus objetivos e mé- a conduta humana.
todos não forem animados por uma visão ampla e gene- Quando os sofistas, que foram o primeiro corpo de
rosa de seu papel na vida contemporânea, visáo que é pro- professores profissionais na Europa, instruíam os jovens so-
porcionada pela filosofia. bre a virtude, sobre as artes políticas e sobre a direqão do
A verdadeira ciência sempre subentende praticagnente os estado e das coisas domésticas, a filosofia começou a tratar
fins que a comunidade t e m interesse em realizar. Isolada das relações do individual com o universal, com alguma classe
desses fins, será indiferente, por exemplo, que suas descober-
tas sejam para curar moléstias ou propagá-las, para aumentar
compreensiva ou com algum grupo - das relações do homem
com a natureza, da tradição com a reflexão, do conhecimento
os meios de conservar a vida ou fabricar material bélico que com a ação. Perguntavam eles: Pode-se aprender a virtude,
a destrua. Se a sociedade se interessar m a i s por uma destas que é reconhecida como a mais alta das excelências? Que é
coisas do que pela outra, a ciência mostra o meio de conse- aprender? Este ato se relaciona com o conhecimento. Que
gui-la.. A filosofia tem, assim, dupla tarefa; a de criticar os é, então, o conhecimento? Como se consegue este? Será por
objetivos existentes com relação ao estado atual da ciência, meio dos sentidos, ou do aprendizado de alguma espécie de
indicando os valores que se tornaram obsoletos em vista dos atividade prática, ou da razão que se submeteu a uma disci-
novos recursos disponíveis e quais os que são meramente sen- plina lógica preliminar? Como aprender é conseguir conhe-
timentais por não constituírem meios para a realização daque- cer, esse ato implica a passagem da ignorância para a sabe-
les objetivos; e também a de interpretar os resultados da doria, da privação para a ~lenitude,da deficiência para a per-
ciência especializada, e m seu alcance sobre os futuros empreen- feição, do não ser para o ser, segundo o modo grego de for-
364 Dsnzocracia e educaE& Filosofia da educaçüo 365

mular a questão. Como é possível essa transição? É a mu- tradicionais, é devido à completa mudança da vida social, pa-
dança, o vir a ser, o desenvolvimento, coisa realmente pos-
ralela aos progressos da ciência, a revolução industrial e ao
sível? Se assim for, como sucede isso? E, supondo-se res- desenvolvimento da democracia. Não se podem efetuar essas
pondidas estas questões, qual é a relação da instrução, do mudagas na vida prática sem uma reforma educativa de
conhecimento, com a virtude? acordo com ,elas, sem levar os homens a perguntar-se que
Esta Última pergunta levava a suscitar o problema da idéias e ideais existem implicitos nessas transformações so-
relasáo da razão com a açáo, da teoria com a prática, uma ciais, e que mudanças elas requerem nas idéias e ideais herda-
vez que a virtude claramente residia na acão. , - . -A- f a c * ~ l A = A - dos das velhas e dessemelhantes culturas. Incidentemente em
de conhecer, a atividade da razão, não era o mais nobre todo este livro e, explicitamente, nos Últiuios poucos capítulos,
atributo do homem? E, por conseguinte, a atividade pu- estivemos precisamente examinando o modo por que estas
ramente intelectual não era a mais alta de todas as excelên- questões afetam as relações do espírito com o corpo, da teoria
cias, sendo secundárias, comparadas com ela, as virtudes de com a prática, do homem com a natureza, do individual com
se cumprirem os deveres de bom vizinho e de bom cidadão? o social, etc. E111 nossos Últimos capítulos retomaremos a s
Ou, por outro lado, não seria esse celebrado conhecimento considerações anteriores em suas relaçóes - primeiro com a
intelectual mais do que uma vazia e vá pretensão, desmo- filosofia do conhecimento e em seguida com a filosofia
ralizadora do caráter e destruidora dos laços que reúnem os da moral.
homens na vida social? A única verdade, por ser a única
moral, náo era ganhar-se a suhsistência mediante o hábito Resumo. - Após uma recapitulação destinada a sa-
pautado nos usos da comiinidade? E a nova educaçáo não lientar as conseqüências filosóficas implicadas nas discussões
era antipatriótica por estabelecer novos padrões, rivais das anteriores, definimos a filosofia como a teoria geral da edu-
arraigadas tradições sociais? cação. Dissemos ser a filosofia uma modalidade do ato de I
No decurso de duas ou três gerações tais questões se pensar, o qual, como todo o ato de pensar, tem sua origem
afastaram de seu originário alcance prático relacionado à edu- naquilo que é incerto na matéria da experiência, e visa re-
cação, passando a ser discutidas por si mesiiias, isto é, como conhecer a natureza da perplexidade e arquitetar hipóteses
matéria da filosofia encarada na qualidade de um ramo inde- para que, posta em prova pela ação, se esclareça seu conteúdo.
pendente de investigayóes. Mas o fato de que a corrente do O pensamento filosófico caracteriza-se pela circunstância de
pensamento filosófico europeu surgiu como a teoria do pro- as incertezas com que ele se avém se basearem em condiçóes e
cesso educacional testifica com eloqüência a intima associa- objetivos de natureza social e geral, decorrentes de um conflito
ção da filosofia e da educação. A "filosofia da educação" de interesse organizados e de exigências institucionais. Como
não é a aplicação exterior de idéias já feitas a um sistema de o único meio de conseguir-se uma readaptaçáo harmônica das
prática escolar que tivesse origem e meta radicalmente diver- tendências opostas é a modificação da atitude emocional e in-
sas: é apenas uma formulação explícita dos problemas da telectual, consiste a filosofia etn uma formulação explícita
formação de uma mentalidade reta e de bons hábitos niorais, dos vários interesses da vida e na proposta de pontos de vista
tendo-se em vista as dificuldades da vida social contemporânea. e de métodos mediante os quais possa efetuar-se um melhor
A mais profunda definição de filosofia que se possa dar é a de equilibrio dos interesses. E uma vez que a educação é o
ser a teoria da educação em seus aspectos mais gerais. processo por intermédio do qual se podem operar as transfor-
A reconstrução da filosofia, a da educação e dos ideais maçóes necesxrias, não permanecendo estas como mera hi-
pótese do que desejável, conseguimos justificar a afirmaqão
e métodos sociais, caminham, assim, de mãos dadas. Se é de que a filosofia é a teoria da educação e esta a sua prática
verdade que existe, nos tempos atuais, uma necessidade espe-
cial de reconstrução educati-?a, se essa necessidade toma deliberadamente empreendida.
urgente uma revisão das idéias básicas dos sistemas filosóficos
Teorias do conhecimento 367

brio de fatores e valores segregados que já descrevemos


(V. Cap. XVIII). N a presente exposição limitar-nos-emos a
formular com a terminologia filosófica várias concepqóes anti-
téticas encerradas na teoria do conhecimento.
CAPITULO 25 E m primeiro lugar, há o antagonismo do conhecimento
empírico com o conhecin~ento superior racional. O prinieiro
relaciona-se com os atos de cada dia, servem os fins do co-
Teorias do conhecimmto mum dos indivíduos, que não se dedicam a pesquisas inte-
lectuais especializadas, e suas necessidades cifram-se em algu-
ma espkcie de conexão ativa com o meio imediato. Esse
1. Continuidade versus dualismo. - Criticamos conhecimento é menosprezado, se não desprezado, como
nas páginas precedentes algumas teorias do conhecimento. puramente utilitário e destituído de significação cultural. Já
Sem embargo de suas mútuas diferenças, todas concordam o conhecimento racional supõe-se que seja alguma coisa que
no aspecto fundamental que as contrasta com a teoria que se relaciona com a realidade de um modo supremo e intelectual;
temos defendido. Esta última presume continuidade; as e que a ele nos dedicamos por ele próprio, tendo em vista,
outras formulam ou subentendem certas divisões, separaqões em Última análise, o conhecimento puramente teórico, não
ou antíteses, chamadas tecnicamente de dualismos. Encon- degradado pela sua aplicação à conduta. Socialmente, essa
tramos a origem destas divisões nas sólidas e altas muralhas distinção corresponde à distinção entre a inteligência das
que extremam os grupos sociais e as classes dentro de iim classes trabalhadoras e a das classes doutas que não precisan~
grupo, como as distinções entre ricos e pohres, homens e preocupar-se com os meios de subsistência.
mulheres, pessoas nobre e de baixa condição, e entre os que Filosoficamente, a diferença gira em torno da distinção
mandam e os que são mandados. entre o particular e o universal. A experiência seria um
Estas barreiras significam ausência de fáceis e livres re- agregado de particulares mais ou menos isolados, os quais
lações sociais. Esta ausência equivale ao estabelecimento de deveríamos conhecer separadamente. A razão ocupar-se-ia
diferentes tipos de modos de vida, cada qual tendo matéria, com os universais, com os princípios gerais. com as leis,
objetivo e padrões de valores próprios. Cada qual dessas que pairam sobre o lastro de particularidades concretas. No
condiqões sociais deve formular-se em uma filosofia dualista, terreno pedagógico supõe-se que o aluno deva aprender, por
se a filosofia refletir fielmente a experiência. Quando se um lado, uma série de conhecimentos informativos especiais,
supera esse dualismo - como o fazem formalmente muitas os quais valem por si mesmos, e, por outro, precise familia-
rizar-se com certo número de leis e de relaçóes gerais. A
filosofias - este fato só se pode verificar apelando-se para
alguma coisa mais elevada do que aquilo que se encontra na geografia, do modo como frequentemente a ensinam, exem-
experiência, para um salto até algum domínio transcendental. plifica o primeiro caso; e as matemáticas, quando ultrapassam
o aprendizado rudimentar das contas, o segundo. Para todos
Mas negando nominalmente a dualidade, estas últimas teo-
rias a restabelecem de fato, pois terminam na divisão entre os fins práticos, elas representam dois mundos independentes.
as coisas deste mundo como sin~plesaparências e a inatingível Outro antagonisn~o é sugerido pelos dois sentidos da
esséncia da realidade. palavra "saber". Por uma parte, saber é como que o total
Enquanto essas divisões persistem e outras se lhes daquilo que se conhece, do modo como é ensinado pelos livros
e pelos homens instruídos. É uma coisa exterior, uma acuinu-
acrescentam, cada qual deixa seu vestígio no sistema educa-
cional, até que, considerado em seu conjunto, o plano de lação de dados, como um armazenar de mercadorias em um
depósito. A verdade existe já preparada em algum lugar.
educação se converte em um depósito de vários fins e pro-
cessos. O resultado é aquela espécie de limitação e eqnilí- Estudar é então o processo com que um indivíduo absorve
o que se acha armazenado.
368 Democracza e educação Teorias do conhecimento 369

E m outro aspecto, saber significa uma coisa que su- sistemática do interesse, e, ao mesmo tempo, a necessidade
cede ao indivíduo quando ele estwla. h uma operação ativa de recorrer-se na prática, com a maioria dos alunos, a recom-
e praticada pessoalmente. O dualismo, aqui, é entre o conhe- pensas e punições estranhas e inoperantes, com o fim de in-
cimento como uma coisa exterior, ou, como lhe chamam muitas duzir as pessoas que possuem no corpo um espirito (assim
vezes, objetiva, e o ato de conhecer como coisa puramente como na roupa têm um bolso) a aplicar esse espirito às ver-
interna, subjetiva, psíquica. Existe, por uma parte, um corpo dades que devem ser conhecidas. Por isso temos o espetáculo
de verdades, já preparado; e, por outra parte, um espirito de educadores profissionais malsinarem o apelo ao interesse,
já formado e equipado com a faculdade de conhecer - para ao mesmo tempo em que afirmain com grande entono a ne-
o caso de querer utilizá-la, o que muitas vezes é singularmente cessidade de recorrer-se a exames, notas, promoções e re-
desagradável. A separação, que não raro vem à baila, entre provações, prêmios e ao tradicional sortimento de recompensas'
matéria de estudo e método, é o equivalente educacional deste e castigos. O efeito deste estado de coisas para destruir o
dualismo. Socialmente, a distinção se prende à parte da vida senso de humor do professor ainda não foi alvo da atenção
que fica sujeita à autoridade, e à parte em que os indivíduos merecida.
têm liberdade de progredir.
Todas essas separações culminam na existente entre
Outro dualismo é o da atividade e passividade do co- conhecer e fazer, teoria e prática, entre a mente como fim
nhecimento. Supõe-se muitas vezes que poderemos conhe- e alma da ação, e o corpo como Órgão e meio dessa mesma
cer as coisas puramente empíricas e materiais recebendo-lhes
ação. Não repetiremos o que ficou dito sobre a origem
as impressões. Essas coisas físicas se gravam de certo modo deste dualismo na divisão da sociedade em uma classe que
no espirito ou chegam por si mesmas à consciência, por in-
trabalha com os músculos para a subsistência material e outra
termédio dos órgãos dos sentidos. Presume-se, pelo contrá- classe que, isenta da compressão 'económica, se dedica às
rio,, que o conhecimento racional e o conhecimento das coisas belas-artes e à direção social. Nem é necessário referirmo-nos
espirituais brotam de uma atividade iniciada n o interior do
de novo aos males educacionais que nascem dessa separação.
espirito, atividade que melhor se exercita conservando-se apar-
Contentar-nos-emos com sumariar as forças que tendem a
tada de todo o contacto maculador dos sentidos e dos objetos
evidenciar a insustentabilidade desta concepção e a substitui-la
exteriores. A distinção entre o aprendizado pelos sentidos, pela idéia da continuidade.
pelas lições de coisas, exercícios de laboratório - e as puras
idéias encerradas em livros e assimiladas (segundo se pensa) I - O progresso da fisiologia, e da psicologia associada
por uma milagrosa fonte de energia mental, é uma perfeita à mesma, mostrou a conexão da atividade mental com a do
manifestação desse antagonismo, em educação. Socialmente, sistema nervoso. Com grande freqüência se deteve a este
ele reflete uma separação entre os que são dominados por in- ponto o reconhecimento da referida conexão; o antigo dua-
teresses diretos pelas coisas e os que têm a liberdadp de lismo da alma e do corpo foi substituído pelo do cérebro e do
adquirir cultura. restante do corpo. Mas o fato é ser o sisteiiia nervoso apenas
Também é comum ã afirmação de existir antagonismo um mecanismo especializado para inanter todas as funyões
do corpo em ação conjunta. Em vez de estar isolado dessas
entre a inteligência e as emoções. As emoções são conce-
bidas como coisas meramente particulares e pessoais, sem co- funções, como o órgão do conliecimento .separado dos órgãos
nexões com o trabalho, da pura inteligência, de apreender fatos de reação motora, é o órgão por cujo intermédio eles exercem
sua interação reagindo mutuamente uns aos'outros. O cére-
e verdades - com a exceção Única, talvez, da curiosidade
intelectual. A inteligência é pura luz; as emoções são um bro é essencialmente o órgão que efetua as adaptações recí-
calor perturbador. 0 s espíritos voltam-se, de dentro para procas dos estímulos recebidos do ambiente entre si e com
as respostas ou reações ao mesmo ambiente. Note-se que o
fora, para a verdade; as emoções voltam-se, de fora para
dentro, para considerações de vantagens e perdas pessoais. ajustamento é recíproco; o cérebro não só habilita a atividade
orgânica a lidar com qualquer objeto do ambiente em resposta
Deste modo em educação existe a já observada depreciação
Democracia e educacão

a um estimulo sensorial, como também essa resposta determina espectador do mundo, noção essa que vai de psr com a idéia
aquilo que será o próximo estimulo. Veja-se, por exemplo, o de ser, o ato de conhecer, uma coica completa por si mesma.
que sucede a um carpinteiro quando está a aplainar uma Pois a teoria do desenvolvimento orgânico significa que a
tábua ou a um gravador com sua placa - ou em qualquer criatura viva é uma parte do mundo, aquinhoando de suas
outro caso de uma atividade continua. Ao mesmo tempo em vicissitudes e de sua boa sorte, só conseguindo segurança em
que cada ato motor se adapta ao estado de coisas existente sua precária dependência quando se identifica intelectualmente
indicado pelos Órgãos dos sentidos, essas respostas motoras com as coisas que a cercam e prevê as c~nsec~iiências futuras
engendram o próximo estímulo sensorial. daquilo que está a suceder e molda sua própria atividade de
Generalizando-se este exemplo: o cérebro é o meca- acordo com essa previsáo. Se o ser vivo, que está a adquirir
nismo para uma constante reorganização da atividade, de experiência, participa intimamente das atividadrs do mundo a
modo a manter-lhe a continuidade, isto é, a fazer nos atos que pertence, o conliecimento é um modo de participar dessas
futuros. as modificações requeridas pelo que já ficou feito. atividades, modo valioso, na proporção em que se mostra
A continuidade' do trabalho do carpinteiro diferença-o de operante. Ele não pode ser a contemplação ociosa de uin
uma repetição rotineira de movimentos idênticos e da ati- espectador desinteressado.
vidade casual, em que não existe a acumulação de resulta-
dos. O que torna a atividade continua, seguida ou concen- I11 - O deseiivolvimeiito do método experimental como
trada é que cada ato anterior prepara o caminho para os meio de adquirir-se conhecimento e ter-se a certeza de que
atos subseqüentes, ao mesmo tempo em que estes últinios é conhecimento, e não mera opinião - método de descoberta
tomam em conta os resultados já conseguidos - que são a e verificação, é a grande força restante, pare efetuar-se a
base de toda a sua responsabilidade. Nenhuma pessoa que transformação da teoria do conhecimento. O método expe-
já tenha verificado em sua plenitude os fatos da associação rimental tem dois aspectos. a) Por UIII lado, ele signific?
do ato de conhecer com o sistema nervoso, e do sistema que não temos o direito de chamar alguma coisa conhecimento,
nervoso com a readaptação contínua da atividade para satis- exceto quando nossa atividade produziu de fato certas rnu-
fazer a novas condições, duvidará de que o ato de conhecer danças físicas nas coisas, as quais concordam com a concepção
se prende â atividade reorganizadora, em vez de ser uma adotada e a confirmam. Na falta dessas mudanças especiais,
coisa completa por si mesma, isolada de toda a atividade. nossas idéias são unicamente hipóteses, teorias, sugestões,
conjeturas, e só podem ser adotadas para se fazerem tentativas
I1 - O desenvolvimento da biologia, com sua desco- e serem usadas como indicação de experimentações a serem
berta da evolução, confirma esta lição Pois a significação feitas. b ) Por outro lado, o método experimental de pensar
filosófica da doutrina da evolução reside principalmente em significa que o pensamento tem utilidade, que ele é útil exata-
pôr em relevo a continuidade das formas orgânicas mais mente no grau em que a previsáo de consequêiicias futuras é
simples e mais complexas, até chegar-se ao homem. O de- feita baseada na observação completa das condições presentes.
senvolvimento dos organismos vivos começa com estruturas A experimentação, por outras palavras, não equivale a reações
que tornam clara a adaptação entre o meio e o organismo, e cegas. Essa atividade de acréscimo - é acréscimo com refe-
em que se acha reduzido ao minimo aquilo que se pode rsncia àquilo que foi observado e que agora é previsto - é
chamar espírito. A medida que a atividade se torna mais em verdade um fator inevitável de nosso procedimento, mas
complexa, coordenando maior número de fatores no espaqo e não constitui experimentação a não ser quando se notam as
no tempo, a inteligência desempenha um papel cada vez mais consequências e se usam estas para se fazerem predições e
saliente, porque é maior o lapso de tempo futuro para aplicar planos em similares situaqões futuras. Quanto mais se per-
sua previsáo e para formar planos. cebe a significação do método experimental, tanto mais nossas
O efeito disto sobre a teoria do conhecimento é sfastar tentativas de tratar de certo modo os recursos e os obstácul~s
a nocão de ser ela a atividade de um mero observador ou materiais que se nos deparam subentendem o uso anterior da
372 Democracia d educaçáo Teorias do conhecimento 373

inteligência. Aquilo a que chamamos magia era, relativamente cismo, transcendentalisn~o, pragmatismo, etc. Muitos forani
a muitas coisas, o método experimental do selvagem; mas, por nós criticados por se relacionarem com problemas peda-
para ele, experimentar era experimentar sua sorte e, não, suas gógicos já discutidos. Interessamo-nos por eles por implica-
idéias. O método científico experimental é, ao contrário. uma rem desvios do método que deu provas de maior eficiência
experimentação de idéias; por isso, mesmo quando pratica- para a aquisição de conhecimentos, pois o exame de desvios
mente - ou imediatamente - não dá resultado, i intelectual, torna mais claro o verdadeiro lugar do coiihecimento na
frutífero, pois aprendemos com os nossos maus êxitos, quando experiência. E m suma, a funçáo do conhecimento é tornar
nossos esforços são profundan~enterefletidos. uma experiência livremente aproveitável em outras experiêii-
O método experimental é novo como recurso cientifico cias. A palavra "livremente" assinala a diferença entre o
- como meio sistematizado de adquirir conhecimentos, em- principio do conhecimento e o do hábito. O hábito significa
bora velho como a vida, em seu caráter de artifício prático. que um indivíduo sofre uma modificação por meio de expe-
Por isso não é de surpreender que os homens não tenham riência, modificação que cria uma predisposição para uma
reconhecido todo o seu alcance. E m sua maioria eles atri- ação mais fácil e eficaz, na mesma direção, no futuro. Assim,
buem-lhe importância para certas coisas técnicas e puramente tem ele também a função de tornar uma experiência apro-
físicas. Tomará ainda muito tempo, sem dúvida, o conse- veitável em experiências subseqGentes. Dentro de certos li-
guir-se a compreensão segura de que ele também se aplica a mites, desempenha eficazmente essa funqão. Mas o hábito,
originar e provar idéias sobre matérias sociais e morais. O s separado do conhecimento, não presta serviços no caso de
homens ainda querem o apoio do dogma, das crenças impos- mudança de condições, de novidades. A previsão de niu-
tas pela autoridade, para se livrarem do embaraço de ter de danças não faz parte de seu campo de ação, pois o hábito
pensar e da responsabilidade de dirigir sua atividade pela presume a semelhança essencial de uma situação nova com
reflexão. Eles tendem a fazer sua reflexão cifrar-se ao ato outra antiga. Por conseguinte, ele muitas vezes desnorteia,
de escolher, para adotá-lo, algum dos sistenias rivais de dogmas. ou se atravessa entre uma pessoa e o bom desempenho de sua
Por essa razão, segundo o disse STUARTMILL, as escolas tarefa, exatamente com a habilidade, apenas habitual, do me-
prestam-se mais para formar discípulos do que pesquisadores. cânico, de nada lhe serve quando ocorre alguma coisa ines-
Mas é certo que todo o progresso da influência do método perada no funcionamento da máquina. Mas um homem que
experimental contribui para o descrédito dos métodos pura- entende sua máquina é um homem que sabe o que deve fazer.
mente literários, dialéticos ou de imposições pela autoridade, Ele conhece as condições em que dado hábito produz bom re-
para estabelecer crenças ou convicções, métodos que domina- sultado e acha-se em situação de introduzir mudanças que
ram nas escolas do passado. E contribui ainda para trans- adaptem o referido háhito às novas condições.
ferir-lhes o prestigio para os métodos que proporcionarem um
Por outras palavras - o. qonhecimento é uma per-
interesse ativo pelas coisas e pessoas, orientados por objetivos
cepção dfs conexões de um objeto, que o torna aplicável eni
de crescente alcance no tempo e abrangendo mais larga ordem dada situação. Para produzir um exeniplo extremo: ao ve-
de coisas no espaço. Oportunamente a teoria do conhecimento rem um cometa os selvagens reagem do modo como est5o
será derivada da prática que inelhor proporcionar conheci- afeitos a proceder quando outros acontecimentos ameaçam a
mentos; e em seguida essa teoria será empregada para aper- segurança de suas vidas. Assim como tentam amedrontar
feiçoar os métodos que se mostrarem menos eficazes. os animais ferozes ou seus inimigos gritando, tocando tam-
bores, brandindo armas, etc, usam também o mesmo pro-
2 . Escolas de -método. - Existem vários sistemas cesso intimidador para fazerem o cometa afastar-se. Para
filosóficos de concepções caracteristicamente diversas sobre nós esse processo é claramente absurdo - tão absurdo, que
o método de conhecer. Alguns se chamam escolasticismo, deixamos de observar que os selvagens estão apenas inci-
sensacionalismo, racionalismo, idealismo, realismo, empiri- dindo em um hábito, e patenteando as deficiências desse há-
374 Democracia e educação Teories do conhecimento
375
bito. A razão Única de não procedermos de maneira análoga
é que não tomamos o cometa como uma coisa isolada, des- Embora o conteúdo do conhecimento seja aquZlo que
conexa, e sim vemo-lo em suas conexões com outras coisas. aconteceu, aquilo que foi considerado como perfeito, e, *r
Localizamo-lo, conforme o dizemos, no sistema astronômico. isso, como estabelecido e seguro, ele se refere ao que é futuro
Reagimos às suas conexões e não simplesmente ao fato ime- ou se acha em perspectiva. Pois o conhecimento propor-
diato. Deste modo, nossa atitude para com ele é muito mais ciona o meio de compreender-se aquilo que ainda está su-
livre. Podemos encará-lo, por assim dizer, por qualquer dos cedendo ou que vai suceder (ou de dar-se-lhe significaqáo).
Os conhecimentos de um médico são as coisas que ele des-
ângulos fornecidos por suas associações. Podemos pór em cobriu pessoalmente e as que aprendeu pelo estudo das coisas
jogo, se o julgarmos avisado, os hábitos apropriados a qual-
que outras pessoas verificaram e registraram por escrito. Mas
quer das coisas couexas com ele. Deste modo nos avimos isto para ele E conhecimento, porque lhe proporciona recursos
indiretamente, e não imediatamente, com um fato novo - por
para interpretar as coisas desconhecidas que se lhe deparem,
meio dos recursos da invenção, do engenho. Um conheci- para completar os fatos parcialmente conhecidos com os su-
mento idealmente perfeito apresentaria tal tecido de intercone-
xões, que qualquer experiência passada apresentaria algum geridos fenómenos conexos, para prever o provável futuro
ponto de vista vantajoso para encararmos o problema que se deles e, de acordo com isso, fazer seus próprios planos.
nos deparasse em alguma nova experiência. E m suma: ao Quando o conhecimento não é usado para dar signifi-
passo que iim hábito, separado do conhecimento, nos propor- cação iquilo que não a tem e que gera perplexidade, ele
ciona um único método fixo de ação, o conhecimento signi- desaparece totalmente da consciência ou entãio se torna um
fica poder-se fazer selecão dentre uma série muito mais objeto de contemplação estética. Grande é a satisfação que
ampla de hábitos. sentimos ao examinarmos a simetria e a ordem dos conheci-
mentos adquiridos, e esta satisfação é legítima. Mas seme-
Podem-se extremar dois aspectos desta .utilização mais
geral e mais livre das experiências anteriores para as expe- lhante atitude contemplativa é estética, e não intelectual. É
riências subseqüentes. a mesma pspécie de prazer que fruímos ao ver um quadro
artístico ou uma bela paisagem. Nada importaria se o objeto
1 - Um deles, o mais tangível, é um poder maior de da contempla~ão fosse totalmente diverso, uma vez que ti-
domínio. O que não pode ser feito diretamente, fazemo-lo vesse a mesma organizasão harmoniosa. Nem mesmo impor-
indiretamente; ou podemos estabelecer barreiras entre nós e taria se fosse totalmente inventado cotiio diversão ou fantasia.
as conseqüências indesejáveis; ou refugirmos a estas, se não A aplicabilidade de alguma coisa ao mundo não significa a
pudermos afastá-las. Os verdadeiros conhecimentos têm aplicabilidade àquilo que já é passado e findo - o que fica
todo o valor prático de qiie em quaisquer circunstâncias os hábi- fora de questão pela natureza do caso; significa aplicabilidade
tos eficientes são providos. ao que está ainda sucedendo, ao que ainda n i o está estabele-
cido no cenário mutável de que fazemos parte. A circunstân-
2 - Mas ele também acresce o sentido, a significaçáo cia de deslembrarnios tão facilmente este característico, e de
experimentada de uma experiência. Uma situaqão em que considerarmos como conhecimento a exposição daquilo que já
reagimos caprichosa ou rotineiramente tem apenas um míni- passou e está fora de nosso alcance, provém de admitirmos a
mo de significação consciente; dela nada extraímos de natu- continuidade do passado e do futuro. Não podemos conceber
reza mental. Mas sempre que o conhecimento entra em ação um mundo em que o conhecimento de seu passado não seja
para determinar uma nova experiência, existe uma recompensa útil para prever seu futuro e dar-lhe significaqáo. Deixamos
-
mental; mesmo se praticamente deixarmos de conseeuir o do-
minio necessitado, teremos a satisfação de haver esperinlen-
de ver as relações com o futuro exatamente porque estas se
acham tão inevitavelmente implícitas.
tado significativamente, em vez de nos limitarmos a reagir
Mesmo assim, muitas das escolas filosóficas sobre mé-
fisicamente. todos, já mencionadas, negam virtualmente aquilo que dei-
Teouias do conhecimento 377
xam de ver: Elas consideram o conhecimento como coisa
completa em si mesma, independentemente de sua utilizacão juntamente. Quanto mais confusa por uma situação mais
deverá ser esclarecida; precisará ser decomposta em detalhes
para tratarmos daquilo que ainda vai ser. E é esta omissão determinados do modo o mais acurado possivel. Fatos e
que as vicia e as faz esposar métodos educacionais condenados
qualidades especificas constituem os elementos do problema
por uma adequada concepção do conhecimento. Pois basta
lembrarmo-nos daquilo que se considera, L vezes, nas escolas, a ser tratado, e essa especificação opera-se mediante os órgãos
como aquisição de conhecimentos, para se ter acordo de sua dos sentidos. E m um problema que se apresenta eles podem
bem chamar-se particulares, pois são fragmentários. Como
falta de relações frutíferas com a experiência possuída pelos
estudantes - e da amplitude com que se parece acreditar nossa tarefa é descobrir-lhes as conexões e reconlbiná-los,
que constitui conhecimento a mera apropriação da matéria eles são para nós, a esse tempo, coisas parciais. Precisamos
armazenada em livros. Embora a niatéria aprendida consti- dar-llies significação, pois, do modo como se apresentam, ca-
tuísse conhecimentos verdadeiros para aqueles que os des- recem da mesma. Tudo o que é fiara ser conhecido, cuja
cobriram e de cuja experiência eles faziam parte, nada há significação se vai patentear ainda, apresenta-se como par-
na mesma que a converta em conhecimentos para os discípulos. ticular. Mas o que já é conhecido, se for reelaborado para
Se a matéria não frutificar na própria vida do indivíduo, o o fim de torná-lo aplicável à apreensão intelectual de novos
mesmo seria ensinarem-se coisas sobre o planeta Marte ou particulares, é geral em sua função. Sua generalidade está
sobre qualquer país do mundo das fantasias. em sua função de estabelecer conexões entre aquelas coisas
No tempo em que se desenvolveu o método escolástico, que, se n5o fosse isso, ficariam desconexas. Todo o fato é
ele tinha importância para as condiqões sociais existentes. geral se dele nos valermos para dar significação aos elementos
E r a um método para sistematizar e dar a sanção da razão de uma nova experiência. A "razão" é precisamente a apti-
à matéria imposta pela autoridade. Esta matéria era de tão dão de fazer a matéria da experiência anterior levar a perceber
grande importância, que vitalizava as definiçóes e sistema- a significação da matéria de uma nova experiência. Uma
tizações a que a submetiam. Nas condições atuais o método pessoa é racional no grau em que habitualmente tem clarivi-
escolástico significa, para a maioria das pessoas, um modo dência para ver um evento, que imediatamente lhe incide nos
de conhecer destituído de conexões especiais com qualquer sentidos, não como uma coisa isolada, mas em conexão com
matéria determinada. Subentende o fazerem-se distinfóes, a experiência comum da humanidade.
definições, divisões e classificações pelo simples ato de se
fazerem - sem objetivo algum para a experiência. A opi- Sem os particulares, do modo como são discriiuinados
pelas respostas ativas dos órgãos dos sentidos, não existe ma-
nião de que o ato de pensar é uma atividade puramente psi-
quica, teudo suas próprias formas que se aplicam a qualquer terial para o ato de conhecer, nem para o desenvolvimento
matéria como um sinete em uma substância plástica, e a idéia intelectual. Sem localizar esses particulares na contextura
aí envolvida e que se chama lógica formal, são, em sua essên- das significa~ões extraidas da experiência mais ampla do
cia, o método escolástico generalizado. A doutrina da dis- passado - sem o uso da razão ou da reflexão - os parti-
ciplina formal em educação é o equivalente natural desse culares são meras excitações ou irritaçóes. O engano aná-
método. logo das escolas sensacionalista e racionalista é deixar de
verem que a função do estimulo sensorial e da reflexão é
As teorias contrárias sobre o método de conhecer, a que relativa à reorganização da experiência por meio da aplicação
se dão os nomes de sensacionalismo e de racionalismo, cor- do antigo ao novo, mantendo, por esse meio, a continuidade
respondem, respectivamente, a dar-se extremo relevo ao par- ou coerência da vida.
ticular e ao geral - ou, por um lado, a meros fatos e, pelo
outro, a meras relações. No verdadeiro conhecinietito há A teoria do método de conhecer exposta nestas páginas
uma função particularizadora e outra generalizadora atuando pode ser denominada pragmática. Sua feição essencial é
manter a continuidade do ato de conhecer com a atividade
378 Democracia e educagão Teorias do conhecimento 379

que deliberadamente modifica o ambieute. Ela afirma que o De modo análogo, uma vez que a democracia é, em
conhecimento em seu sentido estrito de alguma coisa possuída rincipio, partidária do livre intercâmbio, da continuidade
consiste em nossos recursos intelectuais- em todos os hábi- Lcial, ela deve adotar uma teoria do conhecimento que veja
tos que tornam a nossa ação inteligente. Só aquilo que foi neste o meio pelo qual uma experiência é proveitosa para dar
organizado em nossas disposições mentais, de modo a capa- dire@ e significação a outra. O s progressos recentes em
citar-nos a adequar o meio às nossas necessidades e a adaptar fisiologia, em biologia e na lógica das ciências experimentais
nossos objetivos e desejos à situação em que vivemos, é real- fornecem os instrumentos intelectuais específicos exigidos
mente conhecimento ou saber. para o desenvolvimento e a formulação de uma tal teoria.
O conhecimento não consiste em alguma coisa de que s e u equivalente pedagógico é associar a aquisição de conhe-
temos cansciéncia atual, mas nas disposições de espírito que cimentos nas escolas com atividades ou ocupaçóes exercidas
conscientemente adotamos para compreender o qtie atualmente num ambieute de vida social.
sucede. O conhecimento, como ato, traz alguma coisa de
nossos estados mentais à consciZlncia com o fim de extinguir
uma incerteza, concebendo a conexão entre nós e o inundo
em que vivemos.

Resumo. - As separaçóe6 que embaraçam o livre e


pleno intercâmbio social reagem tornando unilateral a com-
preensão e o ato de conhecer dos membros das classes sepa-
radas.,. Aqueles cuja experiència se refere a utilidades que
não se relacionam com a finalidade mais ampla que eles
servem, são virtualn~ente empiristas; e os que gozam a con-
templação de um cabedal de significações para cuja produção
eles não cooperam ativamente, são virtualmente racionalistas.
O s que ficam em contacto direto com as coisas e visam
adaptar imediatamente suas atividades a elas são, de fato,
realistas; e os que insulam as significaç6es dessas coisas e
a s colocam em um mundo religioso ou, como se diz, espi-
ritual, apartado das coisas, são, de fato, idealistas.
O s que se interessam pelo progresso, e se esforçam para
mudar as crenças recebidas, dáo realce ao fator individual no
ato de conhecer; e aqueles cuja principal função é opugnar
as mudanças e conservar as verdades recebidas, encarecem o
universal e o estabelecido, e assim por diante. O s sistemas
filosóficos com suas teorias opostas sobre o conhecimento
apresentam uma formulação expressa dos traços caracteristi-
cos desses isolados e unilaterais segmentos da experiência -
unilaterais porque os obstáculos ao intercâmbio social impe-
dem que a experisncia de um indivíduo se enriqueça e complete
com a de outros em situações diferentes.
Teorias do moral 381

atos e resultados exteriores, cada uma dessas coisas isolada


da outra.
A ação com um objetivo é deliberada; ela subentende
um fim conscientemente previsto e a operacão mental de
pesar os prós e os contras. Subentende também um estado
CAPITULO 26 corisciente de desejo de atingir o fim. A escolha deliberada
de um objetivo e de uma disposição definitiva do desejo
Teorias de moral tomani tempo. Durante esse tempo, fica suspensa a ativi-
dade. Quem não tomou uma decisão não sabe o que fazer.
Por conseqüência, protela o mais que pode a prática de atos
definidos. Pode-se comparar sua disposição de espirito com
1. O interior e o exterior. - Como a moralidade a de um homem a refletir para pular um valo. Se ele tivesse
diz respeito à co~iduta,todos os dualismos estabelecidos entre a certeza de poder fazê-lo ou de não o poder, ocorreria em
o espirito e a atividade devem refletir-se na teoria da moral. qualquer das duas direções uma atividade definida. Já que
E coino as forniulaçóes da separação, na teoria filosófica da está a refletir, é porque se acha e& dúvida; ele hesita. Du-
moral, são usadas para justificar e idealizar as práticas ado- rante o tempo em que se quedou suspenso um modo de
tadas na educação,moral, é oportuno uni breve exame critico proceder deliberado, sua atividade se limitou às espécies de
a respeito desta matéria. É um lugar-comum da teoria edu- redistribuições de energia dentro do organismo, que preparam
cacional a afirmação de que a formação do caráter é urii um determinado procedimento. Ele mede com o olhar a lar-
ohjetivo que se compreende na instrução e disciplina escolares. gura do valo; contrai os músculos para ter cochecimento da
Por isso importa ficarmos em guarda contra uma concepção energia física de que seus Órgãos dispóem; observa se há
das relaçóes da inteligência com o caráter que embarace a outros meios de transpor o obstáculo, refleti: na importância,
realização desse objetivo, e vigilantes ouanto i s condições para ele, de se achar do outro lado do niesmo. Tudo isto
a serem proporcionadas para atingir-se esse objetivo. significa uma acentuação do estado consciriite, um balanço das
O primeiro obstáculo que se nos depara está no fato próprias atitudes, possibilidades, desejos, etc.
de as idéias morais correntes ciiidireni o curso da atividade É claro, porém, que o ato de ~~ubmeterem ao conheci-
em dois fatores contrários com frequtncia chamados res- mento consciente estes fatores pessoais constitui parte da ati-
pectivamente o interior e o exterior, ou o espiritual e o nia- vidade total em seu desenvolvimento no tempo Não há um
terial. Esta divisão é uma culminação do dualisiiio. do espirito primeiro procedimento que seja puramente psíquico, seguido
e do mundo, da alma e do corpo, do fim e dos iiieios, que ex-abrupto de ootro físico, radicalmente diverso. O proce-
tantas vezes já notamos. dimento é contínuo, passando de um estado incerto. diviso,
Eiii moral ele toma a forma de uma nítida rleiiiarcaçZo hesitante, para outro estado mais determinado ou completo.
entre o motivo da ação e suas consequi.ocias e entre o A atividade, a princípio, consiste principalmente em I
caráter e a conduta. Considerain-se o motivo e o caráter certos estados dt- tensão e certas adaptaçóes dentro do orga-
como uma coisa puramente "interna", existindo csclusiva- nismo; quando se coordenam em uma atitude unificada, o
I
ni5nte na consciência, ao passo que as conseqüências e a organismo age como um todo - empreende-se uma a ~ ã o
conduta são consideradas conio exteriores ao espírito - sendo definida. Podemos distinguir, naturalmente, a fase mais ma-
que a conduta se entende simplesmente com os nioviiiientos nifestaiiiente consciente da atividade contínua, coiiio sendo
ocasionados pelos motivos, e as consequências com aquilo que de natureza mental ou psíquica. Mas isto apenas serve para
acontece como resultado. Diferentes escolas identificam a fazer reconhecer-se o mental e o psiquico coino significando
moral quer com o estado interior do espírito. quer com os o estado indeterminado, formativo, de uma atividade que em
Democracia e educaçào

sua plenitude implica o emprego de energia exteriorizada para nas teorias que estabelecem nítida separação entre o espírito
modificar o ambiente. como coisa interior e a conduta e as consequ&ncias como coisas
São importantes nossos pensanentos, observações, gostos ,implesmente exteriores.
e aversões conscientes porque representam atividades incipien- Pois a separa~ãopode ser mais do que um incidente na
tes, nascentes. Elas realizam sei destino resultando, depois, experiência de um indivíduo particular. As condições so-
em atos especiais e perceptíveis. E esses incipientes reajus- ciais podem ser tais, que façam uma dada classe voltar-se
tamentos orgânicos em germe são importantes por constituírem para seus próprios perjamentos e desejos sem empregar os
nosso único modo de fugir do domínio dos hábitos rotineiros meios para que estas idéias e aspirações possam ser usadas
e dos cegos impulsos. São atividades providas de nova signi- para reorganizar o ambiente. E m tais condições, os homens
ficação no processo do desenvolvimento. Por isso, há nor- vingam-se, por assim dizer, do meio estranho e hostil, culti-
malmente um acentuar-se da consciência pessoal sempre que vando desprezo por ele e dando-lhe nome pejorativo. Eles
nossos instintos e hábitos já formados se encontram tolhidos buscam refúgio e consolo em seus próprios estados d'alma, em
pelas novas condições. Nós nos voltamos, então sobre nós suas próprias imaginações e desejos, aos quais exalçam, di-
mesmos, para reorganizarmos nossas atitudes antes de nos zendo-os mais reais e mais ideais do que o desprezado mundo
empenharmos em um determinado e definitivo modo de pro- exterior. Na história tem havido períodos assim. Nos pri-
ceder. A não ser que abramos caminho com a força bruta, meiros séculos da era cristã, os sistemas morais de mais
deveremos modificar nossos recursos orgânicos para adaptá-los influência - o estoicismo, o cristianismo monástico e popular
aos aspectos característicos da situaçáo em que nos encontrar- e outros movimentos religiosos - ganharam impulso sob o
mos. A deliberação e o desejo conscientes, que precedem uma influxo de tais condições. Quanto mais era recalcada a ação
franca atividade, constituem, então, os métodos pessoais de que poderia concretizar os ideais dominantes, mais se con-
rqadaptação implicados em uma atividade eu1 condições de sideravam auto-suficientes a vida interior e o cultivo de ideais
incerteza. - como a própria essência da moralidade. Julgava-se moral-
Todavia não se mantém sempre este papel do espírito na mente indiferente o mundo externo a que pertence a ação.
atividade contínua. A imaginação é estimulada pelo desejo Tudo estava em ter-se o motivo racional, mesmo se esse motivo
de alguma coisa diferente ou pela aversão ao dado estado de não fossem uma força que atuasse no mundo. Muito dessa
coisas, aversão motivada pelo embaraço ao bom êxito da ati- mesma situação apresentou-se na Alemanha nos fins do século
vidade. A representação mental de um estado de coisas di- dezoito e no século dezenove; ela levou KANTa insistir sobre
verso nem sempre atua incentivando o apuro de observação a boa vontade como o único bem moral, sendo a vontade
e a memória para encontrar-se uma solução para a dificuldade. considerada uma coisa completa em si mesma, independente-
Salvo o caso de uma atitude disciplinada, a tendência é para mente da ação, e das mudanças ou conseqüências efetuadas no
a imaginação abrir vôo. E m vez de se embaraçar com os mundo. Mais tarde levou a todas as idealizaçóes das ins-
obstáculos a praticabilidade de seu objeto a imaginação per- tituições existentes, como sendo a corporificação da razão.
mite que este se desenvolva, devido ao imediato sentimento de A moral puramente interior das "boas intenções", de se
satisfaç50 que ele proporciona. Quando encontramos óbices terem boas disposições independentemente do que as mesmas
para a expansão, _com bom êxito, de nossas energias, devido a produzirem, provocou naturalmente uma reação. Esta é ge-
um ambiente natural ou social impróprio para a mesina, o ralmente conhecida como hedonismo ou utilitarismo. Afir-'
processo mais fácil é construir castelos no ar, fazendo-os mou-se, com efeito, que a coisa moralmente importante não
substituir uma realização que nos daria o trabalho de pensar. é aquilo que o homem tem na sua consciência, e sim aquilo
Por isso, em meio à nossa plena atividade inclinamo-nos a que ele faz - as consequ6ncias que derivam de seus atos,
isso e crianlos um mundo imaginário no espírito. Esta so- as mudanqas que ele efetivamente produz. A moralidade
lução de continuidade entre a reflexão e a conduta se reflete iriterior foi acoimada de sentimental, arbitrária, dogrnática,
354 Democracia e educwão - Teorins de moral 385

subjetiva - por permitir ao homem o dignificar e defender a qualidad~ de uma atividade que tenha conseqüências espe-
qualquer dogma que se harmonizasse com seus interesses ciais, e não por constituírem um domínio isolado, da cons-
pessoais ou qualquer idéia caprichosa, considerando-a intuição ciência íntima.
ou ideal da consciència. Aquilo que entra em linha de contq
são os resultados, a conduta; só eles proporcionam uma 2 . O õntagonismo entre o dever e o interesse. -
craveira para a moralidade.
provavelmente não haverá antagonismo que mais frequen-
A moral comum, e por isso também a das escolas, se- temente se apresente em matéria de moral do que o existente
melha-se a uma incongruente transação entre essas duas entre o agir de acordo com os "principios" ou de acordo
teorias. Por um lado, faz-se grande cabedal de certas dis- com o "interesse". Proceder de acordo com os princípios
posições sentimentais; o indivíduo 'deve ter "boas intenções" é proceder desinteressadamente, em obediência a uma lei
- e, se isto suceder, se ele for possuidor de uma legitima geral superior a todas as considerações pessoais. Proceder de
consciência emocional, pode forrar-se à responsabilidade de
acordo com o interesse é, segundo se alega, proceder egoisti-
apresentar bons resultados dela na conduta. Mas, por outro camente, tendo em vista, unicamente, vantagens pessoais.
lado, desde que se devam fazer certas coisas tendo-se em vista
as conveniên'cias e necessidades de outras pessoas, e da Neste caso, o individuo atende às conveniências do momento,
ordem social em geral, insiste-se muito na prática de deter- de preferência a dedicar-se à reta observância dos ditames da
minados atos, independentemente de ter o individuo algum moral. A falsa idéia do interesse subjacente nesta oposição
interesse com os mesmos, ou de sua compreensão daquilo que já foi criticada (V. Cap. X) ; agora serão considerados alguns
aspectos morais da questão.
deve fazer. Precisa tirar boas notas; precisa ter o nariz
voltado para o quadro-negro; necessita obedecer; deve adqui- A chave para a solução desta matéria encontra-se no fato
rir hábitos úteis; deve aprender a dominar-se - sendo todos de os partidários do "interesse" usarem habitualmente na
esses preceitos entendidos de modo a dar mais importância às controvérsia a expressão "interesse próprio". Partindo das
imediatas coisas tangíveis que se devem fazer, independente- premissas de que, se não houver interesse por um objeto ou
mente do estado de espirito e do desejo com que forem feitas, idéia, não haverá força motivadora, eles chegam à conclusão
e independentemente, por isso, de seu efeito sobre outras. de que, mesmo quando uma pessoa declara estar procedendo
atividades menos evidentes. de acordo com um principio ou com o sentimento do dever,
ela realmente procede dessa forma porque "em seus atos
Esperamos que a anterior discussão da matéria tenha existe alguma coisa" para ela. As premissas são verdadeiras,
suficientemente elucidado o método por meio do qual se mas a conclusão é falsa. E m resposta, alega a outra escola
evitam estes dois males. Resultará algum desses males ou que, sendo o homem capaz de geiierosa abnegação, e, mesmo,
resultarão anibos sempre que os indivíduos, jovens ou de de proceder com espírito de sacrifício, também o será de pro-
mais idade, não se possam dedicar a um empreendimento. ceder sem interesse. Também são verdadeiras as premissas,
progressivamente acumulativo, em condições em que empe- e errônea a conclusão. E m ambos os casos o erro está na falsa
nhem seu interesse e apliquem sua reflexão. Pois só nesses noção da relação entre o interesse e o eu individual.
casos é possível que a atitude do desejo e da reflexão seja
um fator orgânico para a conduta manifesta. Dada uma ati- Presumem as duas correntes que o eu é qualquer coisa
vidade continua, que encarne o interesse do próprio educando, de fixo ou feito e, por essa causa, isolada. Como conse-
da qual se deva obter um resultado determinado e à qual não qüência aparece o rígido dilema de proceder-se no interesse
bastarão os hábitos rotineiros nem a prática de atos em ohe- próprio ou sem interesse. Se o eu for uma coisa fixa, já
diéncia a orientayões impostas ou a improvisos do capricho, existente antes da a@o, proceder por interesse significa tentar
são inevitáveis a manifestação do desejo consciente e a da senhorear-se de mais coisas para o individuo - seja fama,
reflexão deliberada. São inevitáveis por serem o espirito e ou aplausos das outras pessoas, poder sobre outrem, lucro
Teorias de +nora1 387

pecuniário, ou prazer. A reação contra esta opinião, que se lembra esta palavra, veremos que elas têm dois aspectos es-
considera uma céptica detracão da natureza humana, leva treitamente associados.
então à opinião de que os homens que procedem nobremente o 1.' - O eu generoso identifica-se conscientemente com
fazem absolutamente sem interesse. Mas qualquer espírito toda a série de relações implicadas em sua atividade, em vez
imparcial verá claramente que um homem sempre se interessa de traçar nítida linha divisória entre ele próprio e as con-
no que está fazendo, pois do contrário não o faria. U m siderações excluídas como estranhas ou indiferentes; 2.0 -
médico q u e persevera em assistir um doent- acometido de ele readapta e expande suas idéias passadas sobre si mesmo,
peste, com perigo quase certo de sua própria vida, deve impregnando-as das novas conseqüências, quando estas se tor-
achar-se interessado no eficaz exercício de sua profissão - nam perceptiveis. Quando o médico inicia a carreira pode
mais ainda do que na conservaqão da sua própria vida. não pensar na hipótese de alguma epidemia de peste; pode
Mas é deturpar os fatos pretender que esse interesse não ter-se identificado conscientemente com o trabalho nessas
não passe de máscara para o interesse em alguma coisa que condiqões arriscadas. Mas se ele tem um eu a desenvolver-se
ganhará, prosseguindo em seus trabalhos costumados - seja normalmente, uma 1:ersonalidade em crescimento, ao descobrir
dinheiro, reputação ou virtude; l u e seja apenas um meio que a carreira que escolheu comporta esses riscos, admite-os
para um ulterior fim egoísta. Desde o momento em que voluntariamente como partes integrantes de sua atividade. O
reconhecermos que o eu não é uma coisa já feita e completa, eu mais amplo, devido à inclusão em vez da rejeição dessas
e sim uma coisa em foriiiação contínua por meio da escolha relações, significa um eu que se ampliou para aceitar respon-
da atividade, a situasão se esclarecerá totalmente. O inte- sabilidades não previstas antes.
resse de um homeni em continuar seu trabaltio com rism da Nessas crises de readaptação - e a crise tanto pode ser
própria vida significa que seu eu se encontra nesse trabalho; leve como grande - pode dar-se um conflito provisório dos
se finalmente renunciasse a este, preferindo sua segurança ou "princípios" como o "interesse". Está na natureza de um
seu conforto pessoais, quereria isto dizer que preferiu ser hábito tornar mais fácil o modo costumado de proceder. E
essa outra espécie de eu. O equívoco está em distinguir o é próprio da natureza da readaptaçáo do hábito exigir um
interesse d o eu e supor que este último seja o fim para o qual esforço desagradável - alguma coisa à qual o honiem deve
o interesse pelos objetos, pelos atos e pelas outras pessoas seriam deliberadamente apegar-se. I'or outras palavras - exist? a
meros meios. O fato é que o eu e o interesse são dois nomes tendência de identificar o eu com (ou de tomar interesse em)
para designarem uma coisa Única; a espécie e a intensidade do aquilo a que uma pessoa está habituada, e de afastar o espírito
interesse ativamente tomado por alguma coisa revela e mede com aversão ou imitação quando sobrevém uma coisa ines-
a qualidade do eu existente. Basta ter-se em mente que in- perada que requer desagradável modificação do hábito. Como
teresse significa a identifica~no ativa e operanfe do eu com no passado essa pessoa cumpriu o dever sem precisar enca-
certo objeto, para cair por terra aquele pretenso dilema. 1
rar essa desagradável circunstância, por que não continuar
O não-egoísmo ou altruísmo, por exemplo, não significa como dantes? Ceder a esta tentação significa restringir e
falta de interesse por aquilo que se faz (isso representaria isolar a idéia do eu - tratá-lo como coisa completa, que não
apenas uma indiferença de máquina), nem o fato de não se desenvolve mais. Todo o hábito - fosse qual fosse sua
se tomar em conta o eu - o que produziria ausência de eficiência no passado - que se chegou a implantar, pode
dignidade e de caráter, Empregada em qualquer parte, fora trazer consigo, a qualquer tempo, esta tentação. Proceder-se
desta controvérsia teórica particular, a expressão altruísmo guiado por princípios em uma tal emergên,cia não é proceder-se
I
refere-se à espécie ou qualidzde de fins e de objetos que
habitualmente interessam determinado homem. E se passar- 1
I
de acordo com um princípio abstrato ou com o dever, num
sentido lato; é agir-se dc acordo conz o principio de u m
mos uma revista mental tias espécies de interesse que nos czcrso de ayão, em vez de ngir-se de acordo conz circunstâncias
1
388 Democracia e educacão Teorias de nzoral 389

ocasionais que a acompanharam. O principio orientador da Apresenta-se a razão como uma faculdade de onde procedem
conduta de um médico é o seu objetivo e influxo animador: o a s mais altas intuições morais; e dizem, às vezes, como na
cuidado para com os doentes. O principio não é aquilo que teoria. kantiana, ser ela que proporciona o Único e genuíno
justifica uma atividade e, sim, é apenas outro nome para a motivo n~oral. Por outro lado, o valor da inteligência con-
continuidade da atividade. Se a atividade, pelas cons-uên- creta, da inteligência relativa à atividade de cada dia, é
cias que acarretar, for indesejável, proceder de acordo com constantemente menosprezado, e mesmo deliberadamente de-
um principio abstrato será agravar o mal. E o homem que traído. Pensa-se com freqüência que a moral seja uma coisa
se orgulha de proceder obedecendo a principios, assemelhar- com a qual nada têm que ver os conhecimentos ordinários.
se-á, muito provavelmente, àqueles que insistem em agir de Julga-se que o conhecimento moral seja uma coisa à parte e
"seu próprio modo", sem aprender com a experiência qual que a consciência (consn'ence) seja coisa radicalmente diversa
o melhor modo de agir. Ele imagina que alguns principios do fato de ser-se consciencioso (conciousness). Esta separa-
abstratos justificam seu modo de proceder sem reconhecer ção, se válida, tem importância essencial em educaçáo. A
que esses principios (no caso concreto) precisam de jns- educaçáo moral nas escolas é praticamente inoperante quando
tificação. fixamos o desenvolvimento do caráter como o supremo fim, e
Admitindo-se, no entanto, que as condiqões escolares se- ao mesmo tempo tratamos a aquisição de conhecimentos e o
jam de natureza a proporcionar ocupações desejáveis, é o in- desenvolvimento da inteligência, que necessariamente ocupam
teresse pela ocupação como um todo - isto é, em seu desen- .a maior parte do horário exolar, como nada tendo que ver
volvimento contínuo, seguido - que mantém o discípulo a com o caráter. Com uma tal base, a educaqão moral fica
inevitavelmente reduzida a certa espécie de lições de cate-
trabalhar, malgrado as distrações temporárias e os obstáculos
desagradáveis. Quando não existir uma atividade que tenha cismo ou de moral.
crescente significação, apelar para os principios será puro Ora, lições "de moral" significam, como matéria do
verbalismo, ou uma espécie de orgulho obstinado, ou um curso escolar, o ensino daquilo que outras pessoas pensam
apelo a considerações estranhas, revestidas de um título sobre a virtude e o dever. Só têm alguma importância na
dignificante. proporção em que os educandos já estejam animados de um
respeito simpático e elevado pelos sentimentos alheios. Sem
É certo existirem conjunturas em que cessa momenta- este respeito, não terá mais importância sobre o caráter d o
neamente o interesse e a atenção afrouxa, tornando-se ne- I que o estudo das montanhas da Asia; com um respeito servil,
cessário reforçá-los. Mas o que faz uma pessoa perseve- aumenta-se a dependência em r e l a ~ á oa outros individuos, e
rar em árduos esforços não é a fidelidade a um dever abstrato I atira-se, aos investidos de autoridade, a responsabilidade pela
e sim o interesse pela sua ocupação. 0 s deveres são os atos I conduta dos educandos. O fato é que o ensino direto de
especiais necessários ao desempenho de uma função - ou,
em linguagem comum, para a pessoa fazer o seu trabalho. I moral será capaz unicamente nos grupos sociais em que ele
faz parte do domínio autoritário de poucos, sobre o maior
E homem. verdadeiramente interessado em seu trabalho é o número. Mas a eficácia do ensino não será devida propria-
que se sente capaz de resistir a um desalento temporário, de mente à sua qualidade de matéria ensinada, e sim ao apoio
perseverar em face de obstáculos, de aceitar os ossos do ofício: que lhe dá todo o regime do qual faz parte. Intentar con-
para ele torna-se um interesse resistir às dificuldades e dis- seguir semelhantes resultados de lições sobre moral, em uma
trações, e vencê-las. ! sociedade democrática, será confiar em mágica ou em sen-
3 . Inteligência e caráter. - U m paradoxo digno i timento.
de nota se associa muitas vezes L discussões sobre moral. Na outra extremidade da escala está o ensino socrático-
Por um lado, há uma identificação d o moral com o racional.
i
1
platônico, que identifica o conhecimento e a virtude - que

[L.'
-r -
390 Democracia e educação

afirma que o hotnetn não pratica conscientemente o mal, e-


sim por ignorar o bem. Esta doutrina é geralmente comba-
,$io;
Teorias de nzoral

Com efeito, "bem" será uma palavra vazia se não con-


391
I
tida com o fundamento de que nada é mais comum do que tiver a experimentada em situações como as que
mencionamoç O conhecimento de que outras pessoas devem
uin homem conhecer o bem, e niesmo assim praticar o mal:
e que o necessário não é o conhecimento, e sim o hábito e a saber determinada coisa leva-nos a proceder de modo a obter
a que outros dão a determinadas ações, ou pelo
prática ou a prática e o motivo. Aristóteles, com efeito,
apressou-se a atacar o ensino platônico, sob fundamento d e menos a dar às outras pessoas a impressão de que estamos de
acordo com elas; mas, não há razáo para que tal conhecimento
que a virtude moral se assemelha a uma arte como a medicina;
um médico com muita prática de clinicar é preferível a outro conduza à iniciativa pessoal e à fidelidade às crenças atribuídas
a essas outras pessoas.
de conhecimentos teóricos, mas sem prática no respeitante a
doenças e remédios. A questão está, porém, no saber o que Não é preciso, por consequencia, disputarmo-nos sobre
quer dizer conhecimento, na significação de conhecimento. a verdadeira significação do termo conhecimento. Para os
fins pedagógicos basta notarem-se as diferentes qualidades
A objeção de Aristóteles não tomava eiil conta a base abrangidas por aquele único nome, para se compreender que
do ensino de PLATÃ.~, que era a de que o homem não pode é o conhecimento adquirido de primeira mão, mediante as
compreender teoricamente o bem senão depois. que durante exigências da experiência, que influi de modo significativo
anos se habitua à prática e observa rigorosa disciplina. O na conduta. Se um aluno se limitar a aprender em livros
conhecimento do bem não era, coisa a aprender-se em livros coisas que siinplesmente se relacionem com as lições escolares,
ou com outras pessoas e sim conseguida por meio de pro- e com o fim de reproduzir o que aprendeu, quando chamado
longada educação. Era a recompensa final e o fastígio de^ à lição, esse conhecimento produzirá algum efeito sobre deter-
uma experiência madura da vida. minada espécie de condzrta - isto é, de repetir as coisas lidas,
Independentemente da atitude assumida por PLATÃO, é quando outras pessoas lho pedirem.
fácil perceber-se que o termo conhecimento é usado para Não é de estranhar que esse "conhecimento" não exerça
designar as coisas não só quando delas se teve compreen- grande influência na vida extra-escolar. Mas isto não é ra-
são pessoal íntima e vital - pela convicção adquirida e zão para extremar-se o conhecimento da conduta, e sim para
provada na experiência - como também por meio do apren- se menosprezar essa espécie de conhecimento. O mesmo se
dizado de segunda mão e grandemente simbólico daquilo q u e pode dizer do conhecimento referente apenas a uma especia-
outras pessoas criem que elas sejam - isto é, por informa- lidade isolada e técnica; ele modifica a atividade, mas so-
ções desvitalizadas e remotas. Desnecessário é dizer que esta mente dentro de seus exiguos limites. O problema da edu-
última espécie não garante a boa conduta, não influi pro- cação moral nas escolas identifica-se, em verdade, com o
fundamente no caráter. Mas se o conhecimento significar problema de assegurar o conhecimento - o conhecimento
uma coisa análoga à nossa convicção quando experimentamos associado ao sistema de impulsos e de hábitos. A utilização
e verificamos se o açúcar é doce e o quinino é amargo, muda que se fará de qualquer fato conhecido depende, com efeito,
o caso de figura. Toda a vez em que um homem se senta de suas associações. O conhecimento da dinamite, que tenha
em uma cadeira e não sobre o fogão, e sai com guarda-chuva um arrombador de cofres, pode ser, verbalmente, idêntico ao
quando chove, ou consulta médico quando enferma - ou, que dela tenha um quimico; mas, de fato, é diferente, pois é
em suma, pratica algum dos mil atos que constituem sua vida obtido em conexão com objetivos e hábitos diversos e por
diária, ele mostra que conhecimentos de uma certa espécie isso tem conteúdo diverso.
encontram aplicação direta na conduta. Há todas as razões Nossa discussão anterior sobre a matéria do estudo como
para supor-se que o conhecimento do bem por esse modo se derivando da atividade direta com um objetivo imediato en-
manifeste também de maneira análoga, isto é, conduzindo a corpando-se com o enriquecimento das significações encon-
392 Democracia e educação Teorias de moral 393

tradas na geografia e na história, para depois chegar aos


conhecimentos coordenados cientificamente, baseou-se na idéia todos os nossos atos, mesmo se não pensarmos em seu alcance
de manter uma conexão vital entre o conhecimento e a ati- ,,ial na ocasião em que os praticarmos. Pois cada ato, pelo
vidade. Aquilo que é aprendido em uma ocupação que tenha princípio do hábito, modifica nossa mentalidade - fixa certas
um objetivo e implicando cooperação com outras pessoas é espécies de propensões e desejos. E é impossível dizer quando
conhecimento moral, quer o considerem, ou não, consciente- hábito, que deste modo foi robustecido, pode *r influência
mente como tal. Pois ele cria um interesse social e confere direta e perceptível em nossa associação com os outros homens.
a compreensão necessária para tornar esse interesse eficaz na Certos traços de caráter têm conexões tão claras com
vida prática. Precisamente porque os estudos do programa, as nossas relações sociais, que os chamapios "morais" por
representam padrões para a vida social, eles constituem os excelência- o amor à verdade, a honestidade, a castidade,
a amabilidade, etc. Mas isto apenas significs que são cen-
órgáos para iniciação nos valores sociais. Como meros estu-
dos, escolares, seu aprendizado tem unicamente valor técnico. trais, comparados a algumas outras atitudes: que acarretam
Adquiridos em condições em que se tenha acordo de sua im- consigo outras atitudes. São por excelência morais, não por
portância social, eles originam o interesse moral e desenvol- serem isolados e exclusivos, mas por se relacionarem táo
vem a compreensão moral. Além disso, as qualidades de es- intimamente com milhares de outras atitudes que não re-
pírito ou de mente que enumeramos ao tratar dos métodos de
i -
explicitamente e para as quais talvez nem
aprender são todas, intrinsecamente, qualidades morais. A temos nomes.
acessibilidade mental, a sinceridade, a largueza de vistas, a Chamar-lhes virtudes em seu isolamento, se assemelha-
atividade integral (thoroughness), o pressuposto da respon- ! ria a tomar o esqueleto pelo corpo vivo. O s ossos têm,
sabilidade para desenvolver as conseqüências das idéias aceitas, sem dúvida, importância, mas sua importância está no fato
I
são, todas essas coisas, característicos morais. de suportarem outros órgãos do corpo, de modo a torná-los
3 hábito de identificarem-se os característicos morais
i capazes de atividade integrada e eficaz. E o mesmo é verdade
com a conformidade externa às normas impostas pela auto- I em relação às qualidades de caráter que especialmente deno-
minamos de virtudes. A moral se interessa nada menos do
ridade pode levar-nos a desconhecer o valor ético daquelas
atitudes morais; mas tal hábito tende a r e d ~ z i ra moral a que por todo o caráter, e esse caráter total se identifica com
uma rotina inerte e maquinal. Por conseguinte, mesmo o homem em todo o seu feitio e manifestações concretas.
quando produz resultados morais, esses resultados são mo- Ter-se virtude não significa terem-se cultivado exclusivamente
ralmente indesejáveis - sobretudo em uma sociedade de- alguns poucos traços mencionáveis pelos nomes; significa
mocrática, onde tanta coisa depende das atitudes individuais ser-se plena e adequadamente aquilo que se é capaz de chegar
e pessoais. a ser, por meio da associação com outras pessoas em todas
I -.funcóes da vida.
as
4 . O social e o moral. - Todas a s separncíies que -4s qualidades moral e social do procedimento são, em
estiven~oscriticando e que as idéias sobre educação expen- últinia análise, idênticas uma à outra. Dizer que a aferição
didas nos capítulos antecedentes são destinadas a evitar - do valor da administração, dos programas e dos métodos de
ensino lias escolas é feita pela extensão com que forem ani-
originam-se de considerar-se a moral muito limitadamente
- dando-se-lhe, por um lado, um piegas aspecto sentimental, mados de espirito social, não será mais do que repetir expres-
sem relações com as capacidades eficazes para fazer-se o que samente o conteúdo de nossos capítulos precedentes, relativa-
é socialmente necessário e, por outro lado, exagerando-se em mente à função social da educação. E o maior perigo que
excesso a convenção e a tradição, de modo a restringir a ameaça o trabalho escolar é a ausência de condições que tor-
moral a uma lista de determinados atos estabelecidos. O nem possível a impregnação de espírito social; e este é o
fato é que a moral tem a mesma latitude que as nossas rela- máximo escolho de uma eficiente educação moral. Pois este
cões com os outros homens. E potencialmente isto inclui espirito só pode estar ativamente presente quando se satis-
fazem certas condições:
394 Democracia e educação

I - E m primeiro lugar, a vida na escola deve ser como


fúgio e consolo para o espírito; achamos que os interesses
em uma sociedade, com tudo o que isto subentende. A com- ,tuais são desprezíveis e indignos de atenção. E m regra, po-
preensão social e os interesses sociais só se podem desen-
volver em um meio genuinamente social, onde exista o rém, a principal razão para o insulamento da escola está na
mútuo dar e receber, na construção de uma experiência ausência de um meio social ligado a ela, meio que tornaria
o estudo uma necessidade e um prazer - e este insulamento
comum. O s conhecimentos informativos sobre as coisas po-
dem ser adquiridos em relativo isolamento, por a l g u b que torna os conhecimentos adquiridos na escola inaplicáveis à
dantes tenha tido suficientes relações com outras pessoas, de .ida e, por isso, estéreis para a formafáo d o caráter.
modo a aprender a linguagem. Mas compreender a signifG Assiste a uma estrrita e moralista apreciação da moral
caçiu dos sinais linguísticos é coisa completamente diversa. a culpa de não reconhecermos que os objetivos e valores
Isto implica, para um individuo, uma contextura de trabalhos desejáveis na educação sáo todos eles morais. i\ disciplina,
e jogos, associado a outros indivíduos. o desenvolvimento natiiral, a cultura, a eficiência social, são
A defesa contida neste livro, da educação por meio de caracteristicos morais - são traços de um individuo que é
atividades construtoras contínuas, estriba-se no fato de que digno membro da sociedade que a educação tem em mira
elas abrem ensejo para restabelecer-se um ambiente social. fazer prosperar. Diz 11111 velho rifão que não basta um homem
ser bom: ele deve ser bom para almma coisa. Essa alguma
E m vez de uma escola localizada separadamente da vida,
como lugar para se estudarem lições, teremos uma sociedade coisa para que o h o m ~ mdeve ser bom é a capacidade de
em miniatura, na qual o estudo e o desenvolvimento sejam os viver como membro" da sociedade, de modo que aquilo que
incidentes de uma experiência comum. Campos de jogos, ofi- recebe dos outros para sua vida se equilibre com sua contri-
cinas, salas de trabalho, laboratórios, não só orientam as ten- buição para a vida dos outros. Aquilo que ele recebe e dá
dências ativas naturais da adolescência, como também signi- como ser humano, como ser dotado de desejo;, sentimentos e
ficam intercâmbio, comunicação e cooperação - tudo isto idéias, não são bens exteriores e sim um expandir-se e um
atuando para aumentar a percepção de conexões. aprofundar-se da vida consciente - uma compreensão mais
intensa, disciplinada e ainpla das significações.
I1- Deve haver continuidade entre o aprendizado es-
O que nzaterzalnzente ele recebe e dá são, na maioria dos
colar e o extra-escolar. Deve existir livre interação entre
os aprendizados. Isto só é possível quando existem numero- casos, oportnnidades e meios para a evoluqão da vida cons-
sos pontos de contacto entre os interesses sociais de um e de ciente. De outra forma, não haveria dar neui tomar, e sim
outro. Poder-se-ia conceber a escola como um lugar em que uma deslocaç50 das coisas no espaço, semelhante ao ato de
houvesse espírito de associação e de atividade comnartida. se revo!ver a água e a areia com uma bengala.
sem que, entretanto, sua vida social representasse ou copiasse, A disciplina, a cultura, a eficiência social, o aperfeiçoa-
quer o mundo existente além das paredes da escola, quer a mento individual, a melhoria do caráter, são apenas aspectos
do desenvolvimento da capacidade de nobremente participar-se
vida de um mosteiro. Ai se desenvolveriam o interec~ee
------"---
compreensão sociais, mas não serianl utilizáveis -fora -
da escola;- de uma tal experiência bem equilibrada. E a educação não
não seriam transportáveis para o exterior. A separação pro- é um simples meio para essa vida. A educação é essa vida.
verbial entre os habitantes da cidade e o cultivo da segregação Manter a aptidão para essa educação é a essgncia da moral.
acadêmica atuam neste sentido. Também pode haver t k Pois vida consciente, vida conscienciosa, é um continuo re-
grande apego à cultura do passado, que chegue a formar um começar.
espírito social antiquado, fazendo o individuo sentir-se mais
à vontade na vida de outros tempos, do que na de seu próprio. Resumo. - O mais importante problema da educa-
Uma educação francamente cultural acha-se particularmente $%amora! nas escolas diz respeito às relações entre o co-
exposta a este perigo: um passado idealizado torna-se o re- nhecimento e a conduta. Pois se o ensino recebido num curso
regular não influenciar o caráter, será iniitil conceber-se O
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3% Democracia e educacão

fim moral como o. fim unificador e culminante da educação.


Quando não há intima conexão orgânica entre os métodos e
materiais do conhecimento e o desenvolvimento moral, recor-
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- C- O-L-E -G -I O- r

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re-se necessariamente a lições e métodos disciplinares parti-


culares; o conhecimento não se integra no viver pelos meios INDICE ANAL~TICO
usuais da ação e da compreensão de seu alcance, e a moral se
torna moralística - isto é, um programa de aquisi~ão de
uma lista de virtudes conside:adas isoladamente. ~ b ~ o l u t ideal
o , filosófico do, 61, cial, 30-36; idéia de Rousseau
64, 73. da educação à parte do, 128;
As duas teorias que principalmente se prendem à sepa- Abstragão, nas teorias de Locke, campos de fortissimas influèn-
ração entre o ensino e a atividade, e, portanto, entre o ensino 293. cias inconscientes, 18-19; es-
e a moral, são aquelas que separam a atitude e os móveis Abstrato, bom e mau sentido tudo do, um guia para o mé-
internos- o elemento pessoal consciente - e os atos como do, 248-249, 250, 253. Ver
Ieml~ém Concreto.
todo individual, 190-191. Ver
também Dualismos; Escola
coisas puramente físicas e externas - e que estabelecem anta- Acão desinteressada, interpre- como um ambiente especial;
gonismo entre agir por interesse e agir de acordo com prin- tação coinum da, 385. Estímulos.
cipios. Essas duas separayóes são evitadas em um plano edu- Acomodacão, uma forma de Amabilidade, natureza moral da.
cacional em que o aprender seja a conseqüência de atividades adaptação, 50, 53, 54. Ver 393.
tonrl>éi>t Hábito. Amor à verdade, natureza mo-
ou ocupa~ões continuas que tenham uma finalidade soual e Adestraniento vo. ensino ediica- rol do, 393.
utilizem o material de situações tipicamente sociais. Pois ti^, 14, 31-32. Ver também Animais, educação dos, 13-14.
nessas condições a vida escolar torna-se uma modalidade de Educacáa. Antíteses, ver Duaiismos.
vida social, uma sociedade em miniatura, em intima interação Aiirninistração escolar, seu de- Aplicação, na teoria de Herbart.
ver para prover facilidades 77.
com outras modalidades extra-escolares da existéncia associada. adequadas, 105; a medida do Apreciacão. a natureza da, 254-
Moral é toda a educação que desenvolve a capacidade de parti- seu valor, 393; como forma- 273, 273-274; tão larga no es-
cipar-se eficazmente da vida social. Ela forma um caráter dora de um trio com os méto- COPO mmo na cducação 259.
Apreciação estética, como é
que não somente pratica os atos particulares socialmente ne- Alma
dos vç.
e acorpo,
matéria.
380;181.
substituída determinada pelo ambiente,
cessários, como também se interessa pela continua readaptaçáo pelo cérebro "S. o restante do 19-20,
que é essencial ao desenvolvimento e ao progresso. O inte- corpo. 396. V t r também Dua- ~ ~ ~ ~ ~primeiríssima
d i ~ ~ dfor- o .
resse para aprender-se em todos os contactos com a vida é o lismos. ma do, 8; a educaçáo vocacio-
interesse essencialmente moral. Altruísmo, verdadeiro e falso na1 do passado, 344.
significado, 386-387. A n ~ s r ó r r ~ ~teorias
s. educacio-
Aluno, falsa idéia da palavra, nais de, 277-280; concepçáo de
153. experiência e razão, 288; na
Ambiente, da adulto os. ambieo- relação entre o homem e a
te da criança, 54-55; troca rir. natureza, 306-307; verdades
escolha, como educativo, 20. permanentes na sua filosofia,
24, 39, 301; controlado por 280.281; antagonismo ao en-
seres vivos. 1-2, 67; funçáo sino de Platãa, 390. Ver tam-
do, 13-20. 24. 25-28. 29-30, 32. bém ten nas: Dualismo; Gre-
39-43, 60, 123, 137. 325; em gos ; Filosofia; Platáo; Só. I
relação ao hábito, 50-51, 56-57, 'cratos; Sofistas.
199: visão de Herbart do. Arte, como exemplificadora do
77-78; reiacão com a heredi- ideal do interesse. 148, 227;
tariedade, 81; teoria de sua o uso da, 226. Ver também i
interferência com o desenvol- Belas-Artes ; Música; Pin-

i
vimrnto, 61. 73: nitureza e tvra.
significado, 11-17, 24. 30-36: Artificialidade do estudo esco-
rrlac.50 estreita da física e so- lar, 177.
3% Democracia e educacão

fim moral como o fim unificador e culminante da educação.


Quando não há intima conexão orgânica entrz os métodos e
materiais do conhecimento e o desenvolvimento moral, recor-
re-se necessariamente a lições e métodos disciplinares parti-
culares; o conhecimento não se integra no viver pelos meios f NDICE ANALÍ TICO
usuais da ação e da compreensão de seu alcance, e a moral se
torna moralística - isto é, um programa de aquisição de
uma lista de virtudes consideradas isoladamente. Absoluto, ideal filosófica do, 61, cial, 30-36; idéia de Roursean
64, 73. da educação à parte da, 128;
As duas teorias que principalmente se prendem à sepa- Abstração, nas teorias de Locke, campos de fortissimas influèn-
ração entre o ensino e a atividade, e, portanto, entre o ensino 293.
-... cias inconscientes, 18-19; es-
e a moral, são aquelas que separam a atitude e os móveis Abstrato, bom e mau sontido tudo do, um guia para o mé-
internos - o elemento pessoal consciente - e os atos como do, 248-249, 250, 253. Ver todo individual, 190-191. Ver
também Concreto. também Dualismos; Escola
coisas puramente físicas e externas - e que estabelecem anta- A ~ ã o desinteressada, interpre- como um ambiente especial;
gonismo entre agir por interesse e agir de acordo com prin- tação cainum da, 385. Estimulas.
cipio~. Essas duas separaqóes são evitadas em um plano edu- Acomodação, uma forma de Amabilidade, natureza moral da,
cacional em que o aprender seja a conseqüência de atividades adaptação, 50, 53, 54. Ver 393.
tamDé+rr Hábito. Airor à verdade, natureza mo-
ou ocupações contínuas que tenham uma finalidade social e Adestran~ento vs. ensino ediica- r 4 do, 393.
utilizem o material de situações tipicamente sociais. Pois tivo. 14, 31-32. Ver tambéns Animais, educacão dos, 13-14.
nessas condições a vida escolar torna-se uma modalidade de Educacão. Antitcses, ver Dualismos.
vida social, uma sociedade em miniatura, em íntima interaçáo Aiministracão escolar, seu de- Aplicação, na teoria de Herbari,
com outras modalidades extra-escolares da existência associada. ver pera prover facilidades ...
77
adequadas, 105; a medida do Apreciacão, a natureza da, 254-
Moral é toda a educação que desenvolve a capacidade de parti- seu valor. 393; como forma- 273, 273-274; tão larga no es-
cipar-se eficazmente da vida social. Ela forma um caráter dora rlc um trio com os méto- capo como na educação 259.
que não somente pratica os atos particulares socialmente ne- dos e a matéria. 181. Apreciação estética, como é
Alnia vs. carpa, 380; substituída determinada pelo ambiente,
cessários, como também se interessa pela contínua readaptaçáo pelo cérebro vs. o restante do 19-20.
que é essencial ao desenvolvimento e ao progresso. O inte- corpo. 396. Ver também Dua- Aprendizado, primeiríssima for-
resse para aprender-se em todos os contactos com a vida é o lismos. ma do, 8; a educa60 vocacio-
interesse essencialmente moral. Altruismo, verdadeiro e falso na1 do passado, 344.
significado, 386-387. ARIST~TELES. teorias educacio-
Aluno, falsa idéia da palavra, nais de, 277-280: concepção de
expericncia t: razão, 288; na
Ambiente, do adulto vs. ambien- relação entre o homem e a
te da criança, 54-55; troca o s . natureza, 306-307; verdades
escolha, como educatiua, 20. permanentes na sua filosofia,
24. 39, 301; controlado por 280-281; antagonismo ao en-
seres vivos. 1-2, 67; função sino de Platão, 390. Ver tam-
do. 13-20. 24, 25-24. 29-30, 32. bém Atenas: Dualismo; Gre-
39-43, 60, 123, 137, 325: em pos; Filosofia; Platão; Só.
relação ao hábito, 50-51, 56-57, 'cratos: Sofistas.
199: visão de Herbart do. Arte, como exemplificadora do
77-78: relaçáo com a heredi- ideal do interesse. 148, 227;
tariedade, 81; teoria de sua a uso da, 226. Ver também
interferência coin o desenvol- Belas-Artes ; Música; Pin-
vimrnto, 61, 73: nlturezs e tvia.
sianificado, 11-17, 24. 30-36: Artificialidade do estudo esco-
rflacão ostreita da física e so- lar, 177.
398 De$lzocracia e educação

Aspecta Cultural de qualquer Atividades, como suas significa-


estudo, o centro educacional para a continuidade d o ho- Renascenp, 310; definição.
ções se desenvolvem, 228-229, mem e da natureza, 314, 356,
da gravidatc, 234. 239, 253; industriais, real- 210, 241, 247, 251, 251-252.
Aspectos vocacionais da edu- 370-371 ; para desigual dom 253; generalidade, totalidade e
mente culturais, 319; mecâni- natural, 127-128.
cação, 338-352, sumário, 352- cas, 52; causa das, 155-156; última causalidade da, 258;
35.3 Boa vontade, o principal elemen- como oposição entre o h o m m
práticas, condições que as re- to componente da eficiência
Associação humana, o que 5u- duzem, 176, 300; escolares, e a natureza, 311-312. 313:
social, 131-132. como passando para a filo:
bentende a, 87-92. sob condições controladas, Botânica, conexão m m a vida,
Atenas, condições Em, iniluindo 301. Ver também Ocupações, sofia, 357-358; como conheci-
no-221. mento racionalizado, 208-211,
nz filosoiia, 289, 303. Ver ativas.
também Aristóteles ; Duaiis- Atividades Manuais, medida do 247-248; conilito com a reli-
mos; Filosofia; Platão ; Só- valor educativo, 260; unilate- Campanha napoleónica, influên- gião. 359-360; como meio do
crates ; Sofistas. ral, uso das, 177. cia na educação, 101-102. progresso social, 245-250; sua
Atenção, o remédio para a falta Ato de pensar, na educacão, Campo de jogas escolares, uso espécie de valor dependente da
nomentânea da, 388. Ver tam- 167-179, 190-191, 341-342, 355, do, 394. situação, 264, 362-363.
bém Interesse. sumária, 179-180; e experiên- Capacidade, duplo' significado da Ciências, sociais e escola, 222-
Atividade, a expansão (liberta- cia, 152-165, 168, 355, sumário, palavra, 44; como ensinar a 223; sujeitas ao mesmo mé-
ção) da, 114; imaginjção, tão' 165-166; vs. conhecimento, limitação da, 216-217, 218. todo das ciências naturais, 314.
boa quanto músculos envolvi- 174, 325-326, 359-360, 363-364; Capacidade, mental, 272-273. Civilização, seus fatores, 39-40.
dos, 259-260; coma oposta ao filosóiico, diferenciacão do ato Capacidade industrial, como um Coisas vs. relações, 156-158, 165.
conh~cimento - concepção de pensar em geral, 365; pou- objetivo da educação, 129-130. Comércio, como f o r p socializa-
primária, 286.292 ; teoria mo- pado pila confiansa no dogma, Carncidades, irregular desenvol- dora, 330. Ver também Ne-
derna, 292-298; vç. espírito, 372; um mada social de proce- vimento das. 126. Ver tam- gócios; Trabalho vs. Lazer ;
380, 383; O antagok-smo re- der, 13; exercicio no, como um bém Disposição; Instintos. Vocacão.
, ~ ~ . ~
conciliado, 381-382, 395-396; iim do trabalho escolar, 167, Capital vs. trabalho, a problema Complexo Os. Simples, falsa no-
motivo divorciado das canse- 179-180. Ver tombém Razão; do dia, 346-347. Ver também ção de, 219-220.
quencias, 380, 383-384; vs. Pensamento. Dualismos. Compreensão recíproca, signifi-
passividade no saber, 367; ii- Atos, todos sociais, 392-393 Capitalismo, após a rwoluçáo cacão da. 16-17.
sica, razão histórica para sua Autocracia, Objetivo da educa- industrial, 311-312. Gamunicação, definisão, 10, 239-
negligência na educação supe- ção na, 343. .Caráter, o objetivo da instrução 240; sempre educativa, 5 6 ,
rior, 303; útil, definida e ilus- Autoridado vs. Liberdade, 321, escolar e disciplina, 380, 395- 10; estendendo o significado
trada, 381; como relacionada 337, 368; confiada em salvar 396 ; definição, 349-350; deii- da experiência, 239-240; tor-
aos estímulos, 26-27, 69. Ver a perturbação do pensamento, nicão do caráter cuja edu- nando pt.aível a continua60
também Atividade Caprichosa; 371-372. cação deveria formar, 395- da sociedade, 2-6, 10; critério
Rotina. 396; porque não é desenvol- do seu valor, 206.
Atividade caprichosa, contrasta- Bacon, Francis, seu apelo à vido pela educação escolar,
172, 207-208; como é desen- Comunidade, definição, 4-5 ;
da com a atividade educativa experiència, 292-293; atitude volvido pela educação primi- condições que tornam possí-
ou experiência, 84-85, 341, Parti com a verdade, 323; vel, 25-26; não um só corpo
união do naturalismo e huma- tiva, 9 ; vs. conduta, 380, 395-
374; com continuidade, 369- 396; vs. inteligência, 388, 392, mas muitos, livremente liga-
370, 384-385; com a açáo peii- nismo, 311-312. 395-396. Ver também Condu- dos, 22-23, 87-90.
sativa, 159-160, 169; iatal Belas-Artes, ponto de vista de t a ; Disposição; Dualismor. Concepção democrática na edu-
para o objetivo, 110; negada Aristótcles, 278-279; logar no cação, 87-106, sumário, 106-
pela objetivo educacional, 341, currículo, 260-261, 273; vs. Castidade, natureza moral da,
393. 107, 354-355.
pelo conhecimento, 374-375. artes indiistriais. 257-259, 260. Concreto, precisa progredir para
Ver tamútm Atividades; Ati- Ver também Arte. Cérebro.. funcáo
, do. --.
--, 369-170
vidade. Cerimónias de Iniciação, seur o abstrato, 296-297. Ver tam-
Belas-Artes vs. Artes Indus- propósi:os, 7-8, 2W. bém Abstrata.
Atividade individual, no sentido triais, 257, 258, 260. Charlatanismo, empirismo dege-
estreito e largo, 333-334. Condições económicas, atuais,
Benwolencia, freqüenteniente di- nerado, 247-248, 290. V w tendências das, 104-105; edu-
Atividade integrada, uma ca- tatorial, 131-132. também Emvirismo. cação, um meio de reforma,
racterística do bom método, Bioliogia, sua contribuição para Ciência. aplicada us. "pura", 285.
194.196, 198; um? qualidade uma teoria democrática do
moral, 392 . conhecimento, 379; testemunha
251-252, 317; objetivo, 248, Condiçks industriais vs. com-
254 253, 254; sua aurora na dicóes educacionais, 284.285.
Democracia e edwação

Conduta. como é determinada


pelo conhecimento, 390-392.
Consciência, definiçáo, 112;
acentuada pelo bloqueio dos
Costume, critica do, bases da
filosofia Ateniense, 288, 289,
racterística moral 395. ver
também ~ducaç<i:
395-396; relação com a filo- instintos e hábitos, 382: n ã o 303. Cultura espiritual, porque
sofia, 356-358, 365. Ver tam- independente, 153; como ter- Costumes, definição, 50, 57. Ver mente inútil. 13.7
bém Caráter; Disposição. mo equivalente a "espirito", também Acomodação; Hábi- Cultura liberal ou P ~ U C ~ vm ~~,,,
Conexões de um objeto, torna- 323-324. to; Hábitos. também Aspecto cultural;
das evidentes pela educação, Consciência moral vs. consciên- Credulidade, inclinação humana E+:ação cuiturai; cultvra.
231; como determinando res- cia. 389; instituições da, 384. para a, 208-209. Curiosidade, causa e efeito, 229;
posta a ele, 373-374; meios Consenso, origem, 5. Crença, superficial, negando res- natureza 230, 368.
para o aprendizado. 394. Consoquèncias da ação, vs. seus ponsabilidade, 197. Currículo, em relação aos ,h;<-
Confiança, uma característica motivos, 380, 383-384, 395-396. Crenças, vs. Conhecimento, 371 ; tivos e interesses. 254-273;
do bom método, 192. Ver também Dualismos. revisão depois da Idade Me- sumário, '273-274; lugar do
Conformidade, não equivalente a dia, 326-327, 336. jazo e trabalho no, 214.226;
uniformidade, 54-55; a esdn- Conservantiçmo vs. Progressi-
vismo, 359-362, 367-368, 378- Crescimento, Intelectual, adulto, sumário, 22ó-227;
cia da educação na filosofia vs. infantil, 83; capacidade para o planejamento, 211-213,
de Hegel, 63-64. 379; na educaçáo, 75-86. para, condições da conserva- falsos padrõrs para sua com-
Conhecer vs. Fazer. Ver Fazer Continuidade, das coisas inani- Cão, 193; atenção à s candi- posição, 268-273; razóes para
ws. Conhecer. madas. 1 ; da vida social, ~ Õ e s do, necessárias na edu- constante critica e reviszo,
Conhecimento, como um objeto 31-32; dos seres com seus cação, 11; definição, 44, 193; 265: medida do seu valor, 393.
de contemplação estética, 375- ambientas, 12, 314; vs. Dua- divórcio entre o processo e o
376; vs. ideais. 371 ; definiçáo, lismo, 366-373. Ver também produto, 81-82; idéia de Froe- Democracia, verdadeira, caraete-
373-374; como derivado de Dualismos. bel, 62-63, 73: requisitos para, risticas, da 93-95, 106, 132-
fazer, 203-205, 213-215, 226- Controle, como uma função da 193, 377-378, 395-396; voca- 133, 281-582, 337, 348-350, 353,
227; concepções primárias do educação, 25, 43, 83, 374-375, ção um principio organizador 378-379, 392; critério para o
antagonismo, 288-292 ; teoria 378-379; meios do, 35-36, 42, do, 342; intelectual e mo- ccrriculo na, 211-212, 319,
moderna, 292-303, 301; expe- 67-68; resultante em cresci- ral, a vocação universal, 320: dever da educação na,
rimental, 347-348, 371; falsa mento. 1-2; na teoria de Her- 342-343 ; moral, sua relação 129-131, 273-274: humanismo
concepção da, 143; razão bart, 76; vs. liberdade, 321, com o conhecimento, 395-396. da ciência na, 251-252; teoria
para, 149; ftinção, 373; rela- 336-337; social. indireto vs. Ver também Desonvnlvim~ntn. vnoria do conheciminto na,
ção com o ft?turo, 375-376; vs. direto, 28-29, 30, 42; variável, Educação como Crescimen- 379; reorganização da educa-
hábito, 373; como tornado hu- importância do, 48-49, 56-57. to. Educação como desdobra- ção requerida na, 281-282, 286,
manista, 252-253; vs. apren- Ver também Conservantismo; mento. 364: crescente resoeito
. . por to-
der, 163.164, 363-364, 367-368; Liberdade; Individualidade. Crescimento, pelo controle do do trabalho na, 346.
como pragmaticamente defini- Coardenação das respostas, 68, ambiente, 1-2; irregularidade Dependência, uma capacidade
da. 377-378; racionalizado co- 69. 72. do, 126-127. positiva, 45-47; hábito da de-
mo ciência, 208-211; escolar, Cristandade, como refiigio do pendència das "deixas", 61.
falta de capacidade funcio- G r p o e Espírito, antagonismo mnntln. 3x1 Ver também Infincia prolon-
nando, 375-376; vs. interesses do, 154, 157-158. 165, 179. 321, Critério, da matéria, 72, 273- gada.
sociais, 321 ; teorias do, 366- 338: 352, 356-357, 368-369; na 274; de uma sociedade, 89- Descartes, a filosofia de, 331,
378 ; sumário,, 378-379 ; fins e teoria de Aristóteles, 280; 102, 106. Ver também Pa- 329-330; e a rejeição da tra-
meios ambos do ato de pensar, interdeoe -.
Ar,=,or . , 325.
dicão. - - ~

162, 173-174, 325-326, 359, Cultura, como objetivo da edu- Desenho, sua função prim&ri,a
363; verdadeiro e de 2.= mão, cação, 132-134. 254. 255: a,. na educação, 260-261. Ver
390-392; relação com a virtu- mário, 134-135: ca&a d á s di- também Arte.
de. 388-392, 395-396; vocação, Corpo vs. Alma, antagonismo ferenças na, 38-41; vs. cfi- Desenvolvimento, coma objetivo
um principio organizador do, do, 379, 380. Ver também ciência, 132.134, 134-135, 148- da educação, 122-129, 134; i"-
342. Ver também Dualismos. Dyalismos; Físico vs. Psí- 149, 352-353, 356, 363, 367; terpretada como desdabraqen-
Conhecimento abstrato, 209 auico. explicação histórica e social to. não como crescimento,
Conhocimenta moral, escopo do, Cosmopolitismo, a tendència d o do antagonismo, 149-150, 275- 60, 73; substituída pela idéia
392, 395-396. século VIII, 98; como foi 280, 286-287, 366-367; idéia de disciplina, 101-102; suata-
Conhecimento objetivo vs. s u b j e exoresso por Kant, 102-103; tradicional da, 133, ,338; para do, uma causa do, 53-54, 55,
tivo, 137, 325-326, 368. Ver defeitos do, 104-105; submisso ser modificaria, 105; definição 56-57, 194; desenvolvimento
também Interno vs. externo. ao nacionalismo, 100-101. da verdadeira, 135; uma ca- natural, sua relação com a
cultura, 132; uma carzcteris- do, 139-140, 141.142, 150-151, Dramatizaçán, valor no trabalho ou guia; 25-42, 354; suinário,
tica moral. 395. 195; uma característica moral, escolar, 177. 42-43; como seu próprio f i m
" Desenvolvimento cspontãneu", 395; externa e divisão do es- Dualismo, como disciplina for- 53-55, 56, 342; a essencia d a
teoria de Rousseau, 125. pirito, 196; substitutos pr6- mal, 66-67, 70-71, 74; vs. mn- 78, 342; camo formação, 75-
Deus, identificado por Rousseau prios para, 214, 258-259; para tinuidade, 366-372, 378-379. 78; sumário, 86; como cresci-
com a natureza, 124-125. ser modificada na educação Dualismos, resultados educacio-
~~- mento, 44-56. 58, 60, 354; su-
Devaneio, um meio de animar, democrática, 105; para apare- nais, 321 ; origem e recurso, mário, 56-57; como nacional
259. cer no caráter, 380. Ver tam- 356; reflexões nas teorias da e social, 100-106. 107; como
Dever vs. interesse, 385-388, bém Disciplina Formal; Go- moral, 380. Ver também Ati- necessidade da vida, 1-10, 11,
3953%. verno; Escola; Interesse. vidade e conhecimento; Ati- 354; sumário, 10; na filosofia
Diferenças de classes, na filo- Disciplina Formal, a equivalente vidade vs. espirito; Autorida- de Platãa. 94-98. 103, 106-107.
sofia de Platãa, 94-98, 103- do método escolástico, 376; de vs. liberdade; Corpo vs. es- 130; do século XVIII, 98-100,
104, 106, 286, no feudalismo, doutrina, exposta, 65-67. criti- pírito; Corpo vs. Alma; Ca- 106-107; Ultima r ~ l a ç ã ocom a
132; no século XVIII, 99. cada, 67-73, 74; como uin va- pital vs. trabalho; Caráter vs. filosofia, 361-365; parque a
127, 128, n l ; na filosofia de lar educacional, 254, 268-269; Conduta; Caráter vs. Inteli- prática prende-se à filosofia,
Hegel, 64-65, no momtnto, remédio para seus males, 144- sentia; Conservantisma vs. 41-42; camo preparação, 58:
90-91, 104-105, 149, 178, 276, 145, 147-148; valor dos es- Progressivisnio; Cultura vs. 60, 354; sumário, 73; con-
281-282, 285-286, 343; n8 tudos particulares, 268-269. Eficiência; Disciplina vs. In- cepção prospectiva vs. retros-
mundo educacional, 149. 271- Ver tanibéni Disciplina; Edu- teresse; Fazer vs. Conhecer; pectiva da, 86; como recapi-
273, 273-274; no conilito das cação. Dualismo; Dever 7s. Inte- tulação e retrospecção, 78-82;
ciências puras e aplicadas, Disposição, definição da, !2, resse; Emoções vs. Intelecto; sumária, 86; como uma fun- ,
348-349; na distinção entre o 358: em relacão à democracia. Fins vr. meios; Ambiente vs. ~ ã osocial, 3, 10, 11-23, 42-43,
conhecimento racional e em- 105; capacidade para melho- Hereditariedade ; Experiência 87, 103-104, 106, 354; sumário,
pirica, 367; em vários outros rar a s condições sociais, 149; vs. Conhecimento ; Ilábito vs. 24; como meio de reforma so-
dualismos, 356, 366, 378-379; habitual, um dos padrões reais Conhecimento; Humanismo vs. cial, 100, 149.150, 285-286,
o perigo que a educação vo- fixos, 258-259 ; fundacão da Naturalismo; Indivíduo e o 294-295, 349-350, 353; como
cacional pode perpetuar, 130, capacidade para desenvolver, mundo; Individualidade vs. desdobramento, 60-65 75, 354;
350-352 ; posribilidade que po- 49, 50; influerciada peloí atos, Institucionalisma; Estudos In- sumário. 73; d~finiçõesvaria-
dem remover, 352-353. Ver 393, pela associação, 23-24, 30, telectuais vs. Estudos Práti- das, 9, 11, 50, 53; definição
também Situação social. 36, pelo uso das condições fí- cos; Interno vs. Externo; técnica. 83-84, 86; contraste
Diferenças, individuais. Ver In- sicas, 34, 36, pelas escolas, 4. Método Lógico vs. Método com as concepções unilaterais,
dividualidade; Variações, In- 23; mental e moral. como Psicológico; Homem e natu- 85; a mais alta visão da. 395.
diviáuais. mudar a, 199, 349; efeito da reza; Matéria vs. Espírito; Ver também Educação Cultu-
Dificuldade, grau próprio da. matéria sobre a, 75; social, ?todo vi. a objeta da maté- ral ; Educação elementar; Dis-
em um problema, 172. meios de alcance, 42. 216-223, ria; Natureza vs. Criação; ciolina Formal ; Educação Su-
Direcão, como uma função,
educação, 25-42;
+ 226. Ver também Caráter. Conhecimento objetivo vs. perior; Educação Informal;
sumario. Divisão do espirito como um re- Conhecimento subjetivo; par- Educação Moral ; Educação
42-43: canacidade da. desen- sultado do mau método, 194- cular vs. Geral ; Filosofia; Primitiva; Instrução; Educa-
volvida pela experiência edu- 196. Fisico vs. Psiquico; Prática ção Vocacional.
cativa, 83-84, 374-375. 378- vs. Teoria; Racionalismo vs. Educação compulsória, sistema
379; social, modalidades da, Dogma, um apoio para poupar
pensamento, 372. Empirismo ou sensacionaiis- da, primeiramente empre~ndi-
28-36, 42. mo; Ato de pensar e expe- da pelos alemães, 103-104,
Discernimento, nas teorias de Donaldson, citado, na irregula- riência; Pensamento vs. Co- Educação Cultural ou Liberal,
Locke, 294, na dos seus su- ridade da crescimento, 126- nhecimento. um dos perigo da, 394-395;
cessores, 294 127. como é tomada não liberal,
Disciplina, como objetivo da Dor e prazer. como ação regu- Economia, para ser incluída na
212; então chamada realmente
educação, explicação social da, ladora, 330-331; em relação educação vocacional, 351. vocacional, 344-346. Ver tam-
149; tentativa para reconeiliá- ao objetiva, 138-139; como Educação, como conservadora e bém Cultura; Estudos Inte-
Ia com a cultura, 101-102; vs. foi explicada por Herbart. Progressiva, 75-86 ; sumário, lectuais vs. estudos práticos;
interesse, 136-150, 355; sumá- 76: como motiva, 59-60, 185- 86; concepção democrática na, Aspectos vmacionais da Edu-
rio, 150-151: falsa concep6o 186, 196. Ver também Pena- 87-106; sumário, 106-107; im- casão.
da, 145, 146: origem desta lidades e recompensas; Pu- portância em uma democracia, Educação elementar, inconsistên-
concepçáo, 165-186; significa- nição. 285-286, 319; como direcão cia da, 282; utilitarismo es-
404 DemocmciB e educagáo fndice airnlLtiro 405

treito da. 149. 212. Ver tam- Egofsmo da infància, 25, 46-47. Escolas do método, 372-378, su- Estados alemães, Herbartianis-
.. Elementos, não necessariamente mário. 378-379. mo nos, 78-79; a favor da
Educação Formal, seu lugar, simples, 219-220. Escolasticismo, sua natureza e educacão mantida pelo Esta-
6-m: seus perigos, 8-10, 255; Emoções, em relação ao ambion- influência na educação, 308- do, 100-101, 103-1012.
critério do valor, 57. Ver te, 137; vs. intelecto, 368-369. 309, 372-373. 376. Estimulo, fcnçáo diretiva do,
também Educação; Disciplina
Formal ; Escola.
Ver também Dualismos.
Empírico. dois significados de,
Escravidão, desperdício na 341 ; 26-27: relacão externa oara .~~

ponto de vista de Aristóteles, com respòsta. 50, n l ; como


Educação indireta, ver Educa- 217-248; como equivalente a é modificado pela resposta.
ção informal. " e x p e r i h i a e erro" e norma
ao que concerne à, 318.
67-69.
Escrover à máquina, como ilus-
~ ~

Educaçáo Industrial, ver Educa- empirica, 290. Estímulos, escolha das, 42, 50-
cão Vocaciohal. Empirismo, deieitos da, 295-298; tração da natureza du espírito, 51, 69; o bruto 7,s. o seleto e
Educação moral. na escola, 389, uma escola de método, 272, 143-144. pesado, 39; encontrados na
394-395, 39.5-396. Ver Edu- 376-377, 378; seus serviços Escrita, invenção da, efeito na situação atual. 27-28. 38, 42,
cacão. B instrucão escolar, 294-295, edi~cação,200. 59; para serem modiiicadas
Educação prática, ver Vocação, 303: transformada em sensa- Espectador vs. participador, ati- pelo professor, 199.
etc. cionalismo, 393-394. Ver tam- tude do, 136-137, 370.371, Estoicisino, 358-359, 383.
Educação primitiva, 7-8, 18, 39- bém Dualismos: Charlatariis- Espírito, definiçáo, 35, 111, 349- Estudo da criança, como modifi-
40. Ver ro»ibént CerimOnias mo; Racionalirmo vs. Em- 350; doutrina de sua identi- cando o curso da estudo, 214,
de iniciação. pirismo. dade em todas a s pessoas, 348; como um guia para o
Educação pi~hlica, sistema da, Eniulação, relacionada ao con- 127-128, 189-190; coma é for- método individual, 190. Ver
pdos alemães, 103. trole, 30-31. mado antes da vida escalar, também Psicologia.
Educação superior, disciplina ou Enganos, dris cri:nças, como útil 35; como é "Formado" pela Estudo da cikcia, 241-253,
cultura estreita na. 179; in- no traballio escolar, 217-218. educação, 75, 76, 86; não uma 351, 355, sumário 253; bases
consistência da, 252-283. Ver Ensino, essencial à cantinuaçáo entidado independente, 142.145, históricas do desprezo para
também Educacão. da sociedade, 4-6; a limitação 151, 153, 156-157; como pu- com. 292:. seu golpe ao prostí-
Edccação utilitária, ver Estu- da sua capacidade, 18-19; três ramente individual, 321-324; gio dos estudos "intelectuais",
dos intelectuais vs. estiidos tipos de, 179-180. 336; individual, como agente 302; metoda impróprio, 242,
práticos; Trabalho vs. lazer ; Entendimento. como meio de da reorgariiraçáo, 324-332, 244, 251, 253-234, 286, 316.
Voca~ão,etc.. controle, 33, 35, 35-39. 42-43. 356; restrição ou perversão V E I totrrbém Método experi-
Educacio vocacional, premãtura, do, t49; " objetivo'*, 63-64; mental ; Experimentação; Tra-
precisa ser indireta, 314-352; Epistrmologia, desenvolvimento balho de laboratório; Método
<Ia. 323-324, 366. considerado como puramente
somente para habilidade, 285, receptivo, 293-294; socializada, lógico; Mélodo como defini-
343. 318-349; concepção -S. Equilíbrio. da capacidade na dor de ciencia.
crluracáo. 269-271. 355: dos definição, 36, como é alcança-
trrita e larga da. 351-352, 352- do, 131-132; a métado da di- Estuda da natureza. parte da
353; opartunidadrs e perigos intereises, como alcançar me- geografia, 231. 234-235.
liiar, 365. reção social, 35-36. Ver tam-
atiiais, 130. 344-352. 352.353; bént Dualismos. Estudo, dois sentidos da, 368.
valor social da. 220-221. V r r Escola. a ligação do intervalo Estudo, dois significados do,
tnlrrl>illi Cultura z's. eficien- entre ela e a vida, 214, 256, Espirito social. o dosiderato do 367-368; necessidade do pro-
cia : Orupa(6es inrli~striais; 391-395, 395-396; liberdade vs. trabalho escolar, 393-394; con- cesio, 4-6; O processo não
Estudos intelectuais <,S. estu- controle social na, 331, 333, dições esca'ares necessárias um fim isolado, 186, 192; re-
dos práticos; VocaçZo. etc. 335-337; sua maior necessida- Para, 394-395; simpatia social, lação do processo com o co-
Eficiência, Científica. driir;iç.ío, de na momrnta. 43; origem, 8 ; como ampliador do penia- nhtcimento, 163-164, 363-364;
182': a visão mais larga d q intuito e a niaia be!o produto mento, 161-162. Ver t ~ m b é m passividade rs. atividade no,
91
..-'TL <li educação, na, 55; como um DiSposição. 368, 396; na escola, estudo
Eficiência Social. como ohiftivo amhienti especial. 20-23, 24, Espifitual, ver Físico vs. Psí- contínuo com estudo extra-es-
da educacáo, 101-102, 129.132, 199, 212, 216. 301-302, 379; quico. colar, 394, 395.396. Ver tam-
134-135, 254. 272; definiç5o. uma rapacidade fortalecedora Estado, ajuda a alunas necessi- bém Dualismos; Fazir vs.
131, 134: ideal drmocritico qs. e int~gradara, 23; um meio tados. 105; caráter orgânico Conhecer ; Conhecimento.
ideal aristocr5tico. da 132.133: relativamente superficial da do, 101-102; regul-mentaqão Estcdos informativos por exce-
uma característica moral. 395. edircaçãn. 4, 10, Ver também das escolas privadas. 103-101; Igncia, 231.
Ver também Cultura vs. Eíi- Ambiente: Educação formal manuten~áo da educação, 100- Estudos, Intelectuais vs. Práti-
ciência. Esrola Púhlica Americana, uma 106, 107: fi'orofia do, 331. cos, 288-303 ; sumário, 303-304.
Egoísmo, 386 força assimiladora, 23. Ver também Sociedzde. Ver também Educacio Cuitu-
406 Democracia s e d w a c á o

a 1 ; Dualismos ; Educagáo Vc- matura. 288-292, 303 ; teoria homem e a natureza, 312-314, Goethe, apreciagáo das institui-
cacional. moderna, 32-298, 299, 304; 318-319; natureza da, 356-365, ções, 63.
Estudos. mau resultado da mm- medida de valor, 153; mediata silmário, 365; íntima relacão
plicação e congestão, 197; Gosto. como 6 determinado pele
vs. imedlata. 254-256; nature- m m a educagão, 361-365. Ver ambiente, 19-20.
intelectuais", recente refor- za da, 152-158, 165, 179, 297. também Aristóteles; Atenas;
ma nos, 302; isolados, 147- 298, 300-301, 304; sua quali- Gregos, apreciação das institui-
Dualismos; Platão; SÓcrates; ções, 64; identificação da arte
148; na típica classe escolar, dade para ser mudada pela Sofistas.
nominal vs. real, 172; origem, educação, 11, 24, 15; do aluno. e ciência, 215; explicação d o
Filosofias, morais, e a socia- sucesso na educação, 154. d a
7: tradicionais, modificação não para ser adotada, 168, lizacão do indivíduo. 328-332.
necessária, 105; uma razão 184-185. 256; reconstrução d a eminkncia intelectual e artís-
Finalidade da experiência. defi- tica, 40; individualistas, 336;
para suas persistências. 145- 85-86; na classe escokr, como nida, 359.
146; valores dos, 261-267, Sugestão na recente reforma. relação entre inteligência e
Fins, vs. meios, 114-115, 380; em desejo nas suas filosofias, 277,
273-274. Ver também. Ma- no curso do estudo, 214; IU- continuidade com c i meios.
teria.
.~ gar da ciência na, 245-250; 286, entre o homem e a na-
~

356 ;. em relação a o interesse, tureza, 305, 319; distinção en-


Estudos Práticos, ver Estudos provando a cnidade do objeto 138-140, 150; vs. resultados,
intelectuais vs. estudos prá- e do método, 183-184. Ver tre educação liberal e educa-
108-109. Ver também Dua- ção utilitária, 275-280, 284,
ticos. também Atividade: Atividade lismos.
Eu, não fixada mas formando-se Caprichosa; Dualismos ; Mé- 284-285, 286; ambiente social
Físico vs. Psíquico, 380, recan- dos, 302; v i ~ ã o do espírito,
continuamente. 385-386 : e in- todo Experimental: Experi- ciliadas, 381-382. Ver também
teresse, dois nomes para o mentação; Reconstrução; Ro- 321-322; os primeiros filóso-
Corpo e espírito; Corpo vs. fos, 363. Ver também Aris-
mesmo fato, 386; consciência tina; Pensamento e Expe- alma: Dualismos.
do, um inimigo para o bom riência. tótelei ; Atenas ; Dualismos.
Fiske, John, e a doutrina da in- Guerra, como força educativa,
métoda, 191-192; controle da, Experimentação, 298-303, 304. fáncia urolongada, 48, nl.
como dever moral, 384. Ver Ver também Experiência. E-93; como a educação pode
tanzbém Indivíduo e o mun- Focalizar, um aspecto da ação prevenir, 106; Européia, em
Exterior vs. interior. 380-385. diretiva, 27, 42, 68.
do; Interesse vs. dever 396. Ver também Dualismos; 1916. usada na ilustração dos
ou princípio Atividaele-indivi- Objetivo. Formulacio, valor da, 249-250, processos do pensamento, 159-
dual, etc.. 253. 162, 163-164.
Europa bárbara. sua cultura não Faculdade Psicológic+ 268-269. Froeliel, importância dos prin-
um produto nativo, 319; in- Ver também Diaciolina For- cípios naturais do crescimento, Habilidade, fundamento próprio,
fluência na educação, 308, mal. 126.127; força vs. debilidade 229, 259-260, 284; perigo do
309. Ver também Feudalis- Faculdades, mmo explicadas por de, 62-63, 73. treinamento para, 1 9 6 , 218-
mo; Idade Média. Herbart. 75-76: na teoria de 219; como um fim do trabalho
Evolução, biológica, e o idealis- Locke, 66, 6 i , 71, 74. Galileu, e a rejeição da traâição. escolar, 167, 177, 303: inierior
mo .de Hegel, 63-65; como " Fases Formais", no ensino, ""* à compreensão, 280-281, 299;
JL3.
confirmandri a' prova da can- 76-77. Generalidade da matéria e do limitada quando baseada na
tinuidade, 373-372. Fazer vs. Conhecer, 321, 257, método, 357, 358, 359. mera hábito, 84-85, 89, 343,
Exzmes, a neces5idade dos, 369. 262-263, 269; relação tornada 372-373; estreita vs. larga,
Generalização, nas teorias de 284-285: como libertadora d o
Exercícios seriados e intensivos, clara pela ciência experimen- Locke, 294; valor da. 249, 253.
para formar hábitos, 293-294; tal, 302-303, 304. Ver tam- Geografia como um estudo, de- espírito para o ato de pen-
importância excessiva 54-55, bém Atividade; Dualismos ; sar, 285; transferência da, 69.
finida, 231, 232; geografia do-
196; fragilidade dos, 150. Conhecimento como derivado méstica, 233-234: como in- Hábito, vs. conhecimento, 372-
Experiência, utilização nas re- de fazer. cluindo o estudo da natureza, 374: vs. princípios, 387-388.
centes experiências, 374, 373- Felicidade, a chave para a, 340. 231, 534-235. Ver também Dualismos; Cos-
375; teoria da limitação e do Feudalismo, divisão de classes Geogrgfia e história, sujeitos tumes.
equilíbrio, 269-270, 355, 365; no, 132; condenado pela ciên- complementares, 231-235, 240; Hábitos, cegos, 31-32; bloquea-
continuidade através da reno- cia, 314. Ver também Europa males do uso mecánico da, dos, conscienciosamente acen-
vação, 2-3, 10; individual, bárbara; Idade Média. 229-230; si;as significações, tuados, 382; comum compreen-
como absorve a experiência Fichte. relacão entre o indivíduo 228-240, 255; sumário, 239- séo da palavra, 51-53, 54;
dos outros, 6, 8, 229 239-240, e o ~ s t a d b 1112-104.
, 240; principio que governa a formação nos animais, 13,
253, 255: como é danificada Filantropia como torná-la cons- escolha da materia na. 231-232. nos seres humanos, 14, 51;
pelo ensino mecánico, 230; vs. trutiva, 353. Z34. Ver também história. como manifestações do cres-
mnhecimenta, concepção pre- Filosofia, e o conflito entre o Geral, ver Particular vs. Geral. cimento, 49-53, 56-57.
408 Democracia e educação índice 'analitico 409

Hatch, citzdo na influ~neiagre- Humanismo vs. Naturalismo na Iddividualidade, dupla significa-


ga, 307: critica. 308. Intelectualismo, abstrato, 329.
educação, 251-253, 305-320, çáo, 334-335; da essência da, Inteligência vs. Cariter, 388.392,
Hedanismo. 383-384. 352-353. Ver também Dua- 132, vs. institvcionalismo, 360- 395-396; não liberal, 149.
Hegel, doutrina do absoluto, lismos. 362; reconhecimefito da, no
62, 63-64, 73-74; relaçáo entre Humor, senso de, do professor, trabalho escolar, 142-143; vs. Interesse, como controle social,
o indivíduo o o estado, 102- destruido, 369. 33-35; dividido. causa e resul-
controle social, 321, 336-337. tados do, 194.196; falsa idéia
104; a filosofia de, 331-332. Ver tamhém Dualismos.
He:vécio, crente na onipotência I h d e Média. ambiente social, de. 137-139. 321. 385-386;
Individualismo econômico e polí-
da educacão. gem da falsa concepção do,
. . 295. 302; opiniões da, 321-322. tico, 322; na filosofia de 185-186; sua relacão com as
Herhart, teoria das aprcsenta- Ver ta~nb/nt Europa bárbara. Locke, 66; nioral, 328; inter-
Ideal individualista do século pretaçáo filosófica do, 325- condições da .ocupação. 342:
cães. 73-77, 86; critica de, bases filosóficas da deprecia-
77-78, 86 . XVIII, 98-100, 103-104, 106- 326, 366; propósito do, 378- $50 do, 369; outro nome
Herder, apreci;çáo das institui- 107: como foi enunciado por 3 i 9 ; religioso, da Idade Mé-
Kant, 102-103. Para "eu", 386 Ver tcmbérn
cães, 63. dia, 322-323; Verdadeiro, sua Atençáo; Disciplina vs. Inte-
Idealismo, 372-373, 378; insti- origem, 336.
Herditariedadz, falsa idéia da, resse: Dever vs. Interesse;
tucional. 102. 103-101. 107. Individuo, o, seu papel no co-
80-81 : relação com a ambion- Ver tamhém Institucionalis- nhecimento, 326-327; e o
Dualismos.
te, 81-82. mo; Instituições. Interesso individual, 384, 385.
mundo, 321-336, 338. 356, 357,
Hipóteses, no niétoda científico, Idéias, não diretamente comcni- 363 ; sumário, 336-337. Interesses, questão marrl da
299. cAveis, 176; definição, 176-177, Indústria, agora cientifica, 346- organização dos. 272-273; pa-
Hi5tória. aproximação biográ- 197; uso no ato de pensar, 348, 353. ra ssrem aprendidos no mo-
fica. 236: definição. 231 : eco- 174: vs. palavras, 157-158. Infância, prolongada, doutrina monto próririo. 126-127. Ver
nômica ou industrial. 237-238; Ignorância, importincia do re- da, 48-49. Ver também De. também Objetivos: Valores.
valor ético da. 238-239; inte- conhecimento da, 208. pendência. Interesses econômicos, zis. Inte-
lectual. 2.38: métodos do en- Igreja, influência na educação, Infância, um estada positivo e, resses científicas, ou estéticos,
sino, 236.239; como r~lacinna- 308. 319; conflito com a ciên- não, negativo, 44-45, 53, 58. 359-362.
da à present: vida social, 235- cia. 359-360. Inferência, natureza da. 174 . Int~resses estéticos, v$. econò-
239: vida. primitiva cama inç- Iletrado, como equivalente a in- Iniciativa, desenvolvida pela micos, 359-361.
trl.ç.50 à, 236-237: para ser culto. 259. oportunidade do enzalos, 217; Interior vs. Exterior, 380-385,
incluida na educaçáo vocacio- lmaginaçáo, como efetuada por deficiéncia para desenvolver, 395-396. Ver também 'Dua-
nal, 351. Vfr também Geo- Si mesma, 6 ; o meio -da 54, 74; importância na demo- lismos; Objetivo.
grafia e História. apreciação, 259; agentes para cracia, 94-95, 107. Invenc6es, devidas i ciência,
Homrm P a n:iturera. o, du:lis- o desenvolvim-nto. 259-260; Instintos, bloqueada, consciência 245-247.
mo do. 321. 356-357. 363; in- abrindo vôo, 382.383, acentuada, 382 ; tratamento Invcntiva. perdida pela discipli-
terdenpridênria. 231. 232. 251, Imaginativo us. Imaginário, 259. impróprio das, 54. Ver Capa- na formal, 74.
314-315: orirpm da idéia de Imaturidade, significado da, 44- cidades ; Disposição.
separação, 310-314, 319, 356; 45, 50, nl, 54, 55, 56, 58; van- Institrcionalismos vs, Individua- Jardim da Infinria. m-teria1
r ~ u n i ã opron:etida pelo apare- - da. 79.
taaem lidade. 359-362. próprio para. 217-218: ioros,
cimento da riência. 319-320, Imitação, como está rekcionsda Instituições, m á s e boas escalas, tamhém simhólicos. 223.224;
ainda nZa r~alilada no curri- com o controle, 30-31; dos 129: na filosofia de Hegel, técnico, defeitos do, 168-169,
rulo. 305. Ver também Dua- 63-65; a medida de sous vala- 717,
fins vs. dos meias, 38-39; e
lismos. ~sicologia social. 36-39. res, 7-8; a fortaleza da tra- Jardins, valor no trabalha es-
Homem "práiicn'' vs. homem dição humanista. 310. colar, 178. 220-221. 244. nl.
Imprensa. inven~ãoda, efeito na
de teoria e cultura. 149. educaçáo, 200. Instruçáo e caráter, 380, 395- Jogo, e a~reciaçáo,256: diieren-
Honertidado, int~l-rtual,como 6 396: como meio da educaçjo, te do trabalho, 223.225. 226-
Impressões sensoriais vs. m n h e 227; 348, da peraltice. 224;
perdida. 1?4-195; natureza cimento livresco, 368; essen- 75; exposi@a do problema
m o r a l da. 392. da, 144-145. j o m e trahalho no curricu'a.
cial para conhecer e crescer. Integridade, iriiel~ctual, como é 214-226; 355. 391; sumário,
'Hiimanidade, o ideal dos filb- 377-378; como usadas na ex-
sofos do si.culo XVIII, 98, perdida, 194-195. 226.227. 228-229. Ver fom-
perimentação, 299; e educaçáo bém Trabalho.
101. 1051105: como foi encn- superior, 303; cso excessiva Intelecto vs. Emoções, 368-369.
ciada wr Kant. 102-103; de- Ver tambéh Dualismos. Jogos, dramáticas, na educação
das, 172-173. Ver também primitiva. 8 ; no trabalho es-
feitos da concewão. 104-105. Empirismo; Observação. Inteleciualidad?, unilateral, 141,
151. colar, 178.
410 Democracia e edaca~âo

Jogos, valor no trabalho escolar, Lógica, formal, uma generalia- 368; unidade dos dois 181-187, Moralidado, camo afetada pelo
177-178. $50 do método escolástico, 376. 198, 356; totalidade do, 357, ambiente, 19; diferentes con-
Juízo, como foi concebido pelos 358-359. 359-360; tradicional, cepções da, 380, 383-385; a
seguidores de Locke, 294; de- Maneiras, como são fixadas 105; última causalidade do, essência da, de um ponto de
senvolvido pela oportunidade pelo ambiente, 19. 357, 358, 358-359. Ver tam- vista, 383; essência verdadei-
de cometer enganos, 217. Matemática, seu valor como bém Dualismos; Método Ex- r a da, 395-396; comum, uma
matéria de estudo, 269. perimental ; Método lógico. transacão, 384. Ver também
Kant, apreciação das institui- Materialismo us. Eficiência So- Método educativo d o conheci- Moral.
ções, 63-64; divórcio entre a cial, 133. Ver também Rea- mento, substituindo o método
moralidade e conduta, 383; o lismo. Motivagão, como é influenciada
dedutiva, 324-325. pelas ocugaçóps ativas na es-
ideal individualista cosmopoli- Matéria, coma incluindo ocupa- Método Experimental, relaç5o
ta de, 102-103; razão do único cola, 214-215, 226-227; pela
Ções ativas e jogo, 255.256; com ocupações, 222-223, 251; vocação extra-escolar, 342 ;
niotivo moral próprio, 389. das ocupagóes ativas pode ser conseqiiênciai da falta do, na em relação a o interesse, 137;
acadêmica, 217-218; definição, Grécia, 322; origem, 222-223; na eficiência científica, 91-92.
Lazer, coma aposto ao trabalho 142-143, 182; desenvolvimento como transformando a filoso-
para ganhar a vida, 288-292. da, 391-392; como desenvol- fia da experiència, 206. a teo- Motivo da a ~ ã ovs. suas con-
Ver também Dualismos; Tra- vendo disposição. 75; genera- ria do conhecimento, 371-372, seqüências, 380, 383-384, 395-
balha vs. Lazer. lidade e totalidade e última 378-379. Ver também Expe- 396.
Leitura, na teoria da disciplina causalidade da, 356-357, 358- rimentação. Trabalho de La- Motivas. artificiais, 59-60, 196.
formal, 69-70, 70-71. 359. 359-360; importância da- boratório; Método Lógico; Mulheres. classificação Aristo-
Lessing, apreciação das insti- da por Herbart a, 76, 77, 86; Método, como definindo cién- télica das. 278.
tuicões, 63. isolada, males da, 147-148; 151, .
cia: Ciência. Mundo, ver c Indivíduo e o
Liberdade, econ6mica, resulta- 366; natureza da, 147, 151, Método Lógico vs. Psicológico, mundo.
dos da falta da, 149; na escola, 199-212, 355, sumário, 213; da 241-245, 252-253, 315-317. Miisica, sua função primária na
verdadeira e falsa, 335 336- educação primitiva, 199-200. Ver também Dualismos; Mé- educação, 261i-261; tratamento
337; vs. preocupações com a Ver também Método vs. má- todo Experimental ; trabalho !81. Ver também
da, 283-281.
ordem, 359-361. Ver também téria; Estudos. de laboratório; Mét.>do. caino Arte ; Belas-Artes.
Autoridade; Conservantismo; Matéria vs. Espírito, 142-145, dofinidor de ciência; arganiza-
Controlc ; Dualismos ; Indivi- 181. 280-281. 356. 357. Ver ção da matéria. Natural (normal) vs. natural
dualidade.
~~ ~~ ~
também ~ualismo;. Métodos, a mcdida de seus va- (físico).
,. 122.
Lições de coisas, us. conheci- Mediocridade, produzida pelo lores, 189-190, 393. Naturalismo, VPT Humanismo vs.
mento livresco, 368; defeito método geral uniforme, 190. Métodos dialéticos, influência na naturalijmo.
das 219, 295, 297. Meio de subsistência, como opos- educação, 303-304; mudança Natureza anti-social, do homem.
Limiar da consciência, 75, 76. to ao lazer, 288-292. Ver gradual doi 347.318. 349; nwada. 25-26: da quadrilha
também Trabalho as. Lazer. dando caminho a o método ex- ou-corrilho, 92.
Linguagem, aquisição de uma Meios, ver Fins us. Meios. perimontal, 372-373. Natureza, e o objetivo da edu-
modalidade do desenvolvim&n- Método, definição, 181, 192; cação, 121-129, 355; sumário,
to educativo, 123-124; como Métodos rotineiros, origem e re-
dialético, 308-309 ; essências sultados, 186-187. 134.135 ; como foi concebida
uma ampliição d a educagão, do, 167-179; sumário, 179-180; por Kant, 102, por J.-J. Rous-
41-42, 43, 254-255, 394; camo Mill, John Stuart, sobre o tra-
geral e individual, 187-190, balho das escolas, 372. seau, 98, 122-323; educação de
veicula do, conhecimento, 15- 198; generalidade do, 357, acordo com, 98-100, 101-103,
17; hábitos fixados pelo 358; genético, o princípio do, Montaigne, atitude para com a
verdade, 323. 107; vs. criação, 128-134.
ambiente, 19; como demons- 236; Herbart 76-77; indivi- Ver também Dualismos: He-
trando relação entre heredi- dual, características do, 190- Montessori, sistema, crítica do reditariedade em relação ao
tariedade e ambiente, 81; 197, 198; do ato de aprender material usado, 217-218, da ambiente ; Homem e natureza.
como meio da direção social, e do ato de ensinar, 188, 189- técnica, 168. Notas, sistema de, porque tèm
35, 43. 190; mecânico, 187-189; cau- Moral, sua identificacão com o tanta impartáncia. 258; neces-
Literatura, seu lugar no progra- sa, 54, 155-156, 193, 198; re- racional, 389, com a social, sidade do, 369.
ma. 260-261, 273 ; tratamento médio, 259-260; escolar vs. 392-395. Ver também Mora-
inconsistente da: 283-284. extra-escolar. 334; escolas do, lidade; Moral. Obediência, como dever moral,
Locke, e a disciplina formal, ffi- 372-378; shmário, 378-379; Moral. teorias da, 380-395; su- 384.
68, 294; atitude para com a como drfinidor da ciência, miria, 395-396. Ver tamblm Objetivo, condições que tornar.
verdade, 323. 210-211, 241; vn. matéria, 321. Moral. um objetivo possível, 109-110;
412 Democracia s educaçòo

a natureza do, 108-112, 115- Ocupações Industriais recente "Pesquisa original", pelas crian- "Principio". verdadeir0 signiii-
117, 119, 193. 395, 396. aumento na importância, 346- p s , 175, 190, 334-335; em cado do, 388. Ver também
Objetivo da Educação, em si, 347, 348, 353. todo ato de pensar, 162. Dualismos ; Dever.
não existe, 116; como foi ado- Ordenar, um aspecto d a aqão di- Pestalozzi, e a s leis naturais do Problema, da disciplina, origem
tado em diversas épocas, 121- retiva, 27, 42-43, 69, n 1. desenvolvimento, 126; o tra- do, 154; educacional, atual,
122; defoitos e necessidades do Organização da matéria, da balho de, 100; formação do 314-319, 319-320; do próprio
tempo refletido no objetivo criança, 202-203 ; do adulto, seu trabalho. pelos seus alu- aluna, vs. professor ou com-
202-203. Ver também Método nos, 219. pêndio. 170.
adotado, 121, 137. Professor e aluno, relaçóes reci-
Lógico vs. Psicológico. Pintura, sua função primária
Objetivos na educação, discussão na educação, 261 Ver tanrbém procas entre, 77, 175-176.
geral, 108-119, 355; sumário,
119; choque dos objetivos ex-
Orgznização psicológica do co-
nhecimento pela vocagão, 342.
Ver também Lógica.
.~
A r t e Belas-Artes.
--... ~ ~-~~~
Platão, filosofia educacional de,
Profundeza, intelectual vs. fi-
sica, 197; uma qualidade mo-
plicados, 149; não i~rnecidos 94-98, 106, 106-107, 130, 341; ral, 392.
pela capacidade inata do ho- õrgãos aperceptivos, na teoria
conhecimento como baseado no Progresso, social, idéia estreita e
mem, 124; gerais, uso dos, de Herbart, 76. larga do, 245-246; idéia de
Orientacão como função da edu- fazcr, 215, como virtude, 389;
121, 134, 267; em relação ao relação entre o homem e a Hegel, 363-364; como resulta-
interesse, 137, 150; isolados, cação, 25-43. natureza, 306 opiniões, a res- do da ciència, 245-250.
origem dos, 366; sociais, ne- Orientação, vocacional, própria peito de aritmética e geome- Propósito, em ielação ao inte-
cessidade de concepção mais e imprópria, 343-341. tria, 284-285; a respeito de resse, 136-137. Ver tanzbbin
clara, 104; conflito com os Originalidade, da atitude vs. experiéncia e razão, 288, Objetivo.
nacionalistas, 104, 107; voca- originalidade dos resultados, 289, 292.293. Ver também Psicologia, como modificadors
cianais, seu lugar na educa~ão, 334; do pensamento, 190. Aristóteles ; Atenas; Dualis- da curso do estudo, 214; como
339-344, 353. Ver também mos; Gregos; Filosofia; Só- guia ao método individual,
Interesses; Valores. Padrões, convencionais vs. indi- crates; Sofistas. 190-191: falsa. do ensino, 31.
Objetivo nacionalista da educa- viduais, 59; os padrões gregos Plasticidade, definição, e conse- 36; do empirismo sensaciona-
cão, conflito com o social, e a experiência, 290-291 ; como quèncias, 47-48, 50, nl, 56-57. lista, 297-298 ; moderna vs.
101. 107. são determinados pelo ambien- Poesia, o valar da, 264. faculdade psicológica, 214, vi-
te, 19-20; isolados, 366; natu- Política, incluída na educação são da educação vocacional,
Observação superficial, 197; o reza dos. 257-259. 267, 273-274. 348-349, 353; social, e imita-
adestramento da, 71-112. Ver rocacianal, 351-352.
Ver tambérn Critério. Potencialidade, duplo significado ção, 36-39. Ver lostbém Es-
também Experiência como Palavras vs. idéias, 157. tudo infantil.
exp~rimcntação; Laboratórios; da palavra, 44.
Participador us. observador, Psicologia, provando interdepen-
Trabalho d: laboratório; Ini- Pragmatismo, 373, 377-378. dència do espírito e corpo,
pressões Sensitivas. 370-371 ; atitude do, 136-137.
Particular, as. geral, 376-378: Prática vs. teoria, 149, 250, 252, 369-370, 378-379.
Obstinaç4o, vs. vontade 140. vs. iiniversal, 367. V m lom- 321, 325, 338, 352, 357, 363- Psíquico, uer Fisico vs. psíquico.
Ver também Querer.
~- bétii Dtralirmnr.
.. 364, 369; concepção primá- Punição, para despertar interes-
ria, 286-287, 288-292, 299, vi- se, 141-142; sistema da, 60.
Ocupação, sua contribuição à Passividade us. atividade no sáo moderna, 292-298; prática
vida, 271-272; Ver também saber, 368. Ver lombém Dar e prazer;
educacional e tooria, 41-42. Puniçóes e recompensas.
Comércio; Trabalho vs. La- Pedagogia, acusação contra, 181- Ver também Dualismos.
zer ; Vocação. 182; uma rarão para a seu Punições e recompensas, bases
descrédito, 187; "mole", 138. Prazer, ver Dor e prazer. filosóficas para, 368-369; V f r
O c ~ p a ~ õ e sativas,
, e o funda-
Preconceitos, um resultado dos, também Dor e prazer; Puni-
mento da apreciação, 256; Pensamento, ampliado par meio ção.
função básica das, 256; rela- da simpatia social, 161-162. 193.
ções das, 239-210; lugar na Ver tn*ttbém Razão; Ato de Premios, necessidade das, 369. Racionalismo, 329-330, 372-373;
educação, 214-216, 220-223; pensar. Ver também Punicães e re- vs. emoirismo ou sensaciona-
226-227, 228-229, 369, 378, Perfeição, coma alvo, 61. compensas. lismo, j76-378, 379. Ver tam-
395-396; proveitosas para o Perguntas. das crianças, na ea- Preparação, educação como, 58- bém Dualismai ; Razão.
uso escalar. 216-223., 302: ~. cola e iara dela, 170-171; su- 60, 354; sumário, 73-74; fases Razão, primariamente conside-
. .~ sociais.~, inteloctuali-
ocuoacoei ~

zadas, 302; e conhecimento


~~~~~ ~~ gestivo. 61-62.
Personalidade, alto valar da, vs.
da, na teoria de Herbart. 74
Presente, importância de viver
.--- - --
n d a como a~ funcán
-~ ~~~ ..~-
~ hcmana~~~

primordial, 277, o único guia


~

moral, 392, 395-396. Ver rnm- eficiência social, 132-133, 134- no, 5860, 73, 79, 81-82, 86, adequado da . atividido, 289,
bCm Atividades; Atividade. 135. 342. 303; com? faculdade distinta.
330; concepção moderna da, Reorganização, wer Remw- Seleção, das respostas, 68.
304, 377, essencial ao cresci- Situa~ão social, hostil, evadida
tNÇáO. Sensacionalismo, ver Empirisma
mento e ao conhecimento, 377. Reprodução, como continuadom pelo subjetivismo, 383, reação.
Sentimentos. em relação à moti- 383-384; atual, o m i o r mal,
Ver também Racionalismo; do processo da vida; 1-2, 10. vação, 137.
Ato de pensar ; Pensamento. 350-351 ; inconsistência da,
Repliblica, de Platão, 306. Sentir, uma modalidade do mm- 280-286. Ver tombém Classes
Reajustamento, modalidade do. Responsabilidade, as bases da, portamenta, 13. distintas.
382. 370; fugida pela confiança no Seres, distinção entre os anima-
Realismo, 372-373, 378-379. V ~ T Social, idêntico ao moral, 392-
dogma, 372; como uma ca- dos e os inanimados, 1-4. 393, 395.
também Materialismo. racterística do método, 196- Serviço, social, pode faltar sim-
Realização, a natureza da, 254- Sociedade, espirito anti-social
197, 198; como aumentar o patia no, 131. "a, 5. 92793, 106; meios de
261. senso de, no rico, 353. ~&nifica$áo, como atos vêm a
Receptividade mental, meios de sua continuidade, 3, 10. 11;
Resposta, efetiva, definida, 169- ter, 15-17, 23, 83-84, 86, 374, d e ~ ó t i c a ,defeitos da. 90-92;
provocar a, 256; envolvida no 170; relacionada aos estímulos, 378; como partes dc um ato
bom método. 193, 198; uma meios de formação, 5: ideal,
26-27, 67; somente para estí- mental, 31, 32, 296. constituição e condiçó~s da,
qualidade moral, 392; uma mulos selecionados, 50-51. 88, 349-350, 353; não um cor-
disposição filosófica, 358-359. Significaçóes das atividades, ex-
Retitude, uma característica do tensão das, 228-229, '239-240, po, mas muitos. Z-23, 87-89:
Recompensas, ver Pnnições e re- como organismo, 64-65 : tra-
compensas. método individual, 191-192, 253, 395.
198. Simbolos, perigo no uso dos, tamento das variações indivi-
Reconstrução, como a função da duais, 337. Var também Dis-
educação, 11, 23, 82-86, 86; da Retrospecçáo, educação como. 255-256; perigo e valor dos,
educação necessária, 348-349, .
70227
, 244-245, 249 ; dependència da tinção de classes; Estado.
Sócrates. e a natureza do co-
364.365; da edccaçáo, da fi- Retrospecto, valor do, 166. imaginação, 2643; Froebelianos,
Resultados, em contraste com 62-63, 73-74; relação de Her- nhecimento. 389-391; e a re-
losofia, da sociedade, toda in- lação do homem com a natu-
terdependente, 364, 365 ; da so- OS fins, 105-109; em rehção bart para com, 77; instrumen-
a o interesse, 137. tos da experiência indireta, reza, 305-306.
ciedade dependente da reor-
ganização educacional, 352- Revolta protestante, e hutnanis- 254-255; o aprendizado torna- Sofistas, os primeiros professo-
353, também da legislação e da se agora menos dependente res profissionais, 363.
mo, 310-311.
administração, 353. Ver tam- dos, 348, 349; necessidade na Spencer, Herbert, atitude p a r i
Revolução Industrial. causa da, cultura adiantada, 9 ; uso no com a ciência, 243.
bÉm Reformadores. 312; coma necessitada de rc-
Recreação, significação e neces- empirismo sensualista, 296, Subjetivo, wer Objetivo vs. sub-
construção educacional, 364- 296-297. jetivo.
sidade da, 226. 365; como ampliadora do hu-
Reflexão, wer Razão; Ato de manisma, 318. Similitude, causa da, 38; defini-
pensar ; Pensamento. Romanos, influência na educa- da e ilustrada, 4, 32-31; moda- Tensão nervosa do trabalho es-
Reforma, educacional, ?ler R:- ção, 288-308, 319. lidade da obtensia, 12 colar, causas da, 154-155, 197.
construção. da educação Simpatia, inteligente, principal 270-271. 335.
Reformadores. educacionais, re-
centes transformações efetua-
Rotina, contrastada com conti-
nuidade, 369, com a ação edu-
cativa, 84-85; com a acão re'
elemento da eficiència social,
131-132, 134-135; para ~ e r "-
Teoria da recapitulação, 78-79,
'L'.
dai na curso do estudo. 214- feita construtiva pela educa- Teoria, ver Prática v ~ teoria.
.
flexiva, 159.160, 169; negada ção vocacional, 353; como ato
216, 301-302. Ver tavnbém pelo objetivo vocacianal. 341. Teorias da moral, 380-395, su-
Recanstrusão. pelo conhecimento, 374-375. de pensar crescente, 161-162. mário. 395-396.
Regra, prescrita, ws. método ge- Ver também atividades; Ati- Simples vs. complexo, falsa no- Tipos de escolas, explicação his-
ral. 188. vidade.
ção de, 219-220.
Sinceridade, qualidade moral,
. 271.
tórica dos.
- --
Relações das coisas, não para se- Totalidade da materia e da mé-
Rousseau, e educação para a a- 392. todo, 357, 358-359, 359-360.
rem separadas das percepções, dadania, 100, n 1 ; na educacão
156-158. 165. Sistema da educação, compulsó- Trabalho dc labaratório. função
,,atura[, 122.129; influência de ria e oficial, inicialmente en-
Relações não-sociais dentro do Platáo em, 98; visão das cai- básica em u m novo campo,
grupo social, 5. Ver também contrado na Alemanha, 103; 256; valor educativo, 177-178,
diçóes sociais, 64. atual, como mistura incoerente, 394; medida do, 259-260; con-
Anti-social.
282-283, 286-287. disáei próprias, 302-303; ma-
Religião, seu conflito com a Saúde, um objetivo da educa* Sistema dualistico, origem do, terial, 218-219; tempo, 303.
ciencia, 359-360. 125-126. 176-178; propósito da, 356-357. Ver também Método EA *ri-
Renascimento do estudo, 308; Schiller, apreciaçáo das inntihii- S i s t ~ m a nervoso. função do, mental; Experimentação; :&-
características. 309-310, 311. ções. 63. 369-370. todo lógico; Mét0.l. como de-
finidor da ciência; Ciência, 261-267. Ver também Obje-
método impróprio. tivos; Interesses.
Trabalho. e trabalho compulsó- Valores, Intrínsecos vs. Instru-
rio, 226, 348. Ver também mentais, 261-262, 274.
Trabalho; Jogo e trabalho. Valores, Instrumentais 0s. In-
Trabalho Infantil, prevencáo um trinsems, 261-263, 25'3.274.
dever social. 215-216. Variagóes, individuais, ver Indi-
Trabalho vs. Capital, o problema vidualidade.
do dia, 345417; vs. lazer, 275- Variedade Mental, vs. acessibili-
286. 321. 338, 352, 356, 368, dade, 193-194.
369; sumário, 286-287. Ver Verdade, atitude antiga e medie-
também Dcalismas; Lazer. val para a, 322; atitude mais
Tradiçáo, revolta prematura con- tardia, 324-325 ; sobrevivincia RELAÇAo COMPLETA DAS OBRAS
tra, 288389, 303, 324, 336; e da atitude primária, 368.
os sofistas, 363-364; literária, Vida, conteúda vário do termo,
2, 13; como significando cres- DE
o enfraquecimento da, 347-348,
348-349. cimento, 55-56, 56-57; conce-
Transcondentalismo, 366, 372- bida como uma colcha d t re- "ATUALIDADES IJEDAGÓGICAS"
373. talhos. 269-270; renovação da,
1-4, 10, 11; interpretacio es-
Transferência do adestramento, tática us. dinimica. 60-61:
69, 70, 72. como um desdobramento; 66.
Transmissão da vida, 1-4, 10;
dos costumes sociais comple-
Vida primitiva, como introducão 1 - Fernando de Azevedo, 14 - Sylvio Rabello, Psicolo-
para a história 236-237. .Vouos camiiihos e novos gia do desenho infantil
xos, 8-9, 10.
Treino Manual. tradicional, de-
Virtudc, relacáo para com a fins 15 - A. M. Aguayo, Didática
ação e conhecimento, 363-364; da escola noua
feitos do, 217; material pró-
pria para, 217-218, 219. Ver
para o conhecimento, 388-392,
395-396; p1er.a significacão da,
2 - John Dewey, Conto peri-
samos
3 - Anísio Teixeira, Educo-
16 --
A. Carneiro Leão, O en-
sino das lánguas uiuas -
taivzbánt Edicação Vocacional. 393~
çõo progressiva seu valor e a sua orienta-
Vocacáo. significado da, 338-340, 680 ci~rtláfic~i
Uniformidade da procedimento, 357-353: como organizasão d o 4 - Ed. Claparède. A educa-
o mal de um excersc de impor- conheciment, de alguém, 342: ção funcio!znl 17 - Delgado de Carvalho, So-
tãncia, 193-194; n i o o equiva- sentido e s t r ~ i t o e largo da, 5 - Afrânio Peixoto, Nocães ciologia aplicada
lente da conformidade, 54. 331-340, 352-353. Ver tontbétn d e história da educação 18 - A. M. Aguayo, Pedaga-
Universal, 7,s. particular, 339, Negócios ; Comércio; Traba- 6 - Delgado de Carvalho, gio cientáfica. Psicologia
376-378. Ver também Dua- lho vs. lzrer. Sociologia educacional e direcõo da aprewdiza-
lismos. Vontade, apelar para a, como 7 - Arthur Ramos, Educaçùo gcnr
Uso e signifiudo das coisas, 31. estimulo para o esforço, 186; c psgchorialgse 19 - Aristideç Ricardo, Biolo-
Utilitarismo. na educaçáo ele- dofini~ão, 146, 150-151; dife- 8 - Adalbert Czerny, 0 me- gia aplicada à edt6cação
mentar, 149; ria moral, 384. rença essencial entre fraca e dico e a educaçõo da 20 - Aristides Ricardo, Nu-
forte, 140-141; dois fatores crianço cães de higiene escolar
Valor. dois significados de, 261- na, 140-141. 9 - A. Almeida Júnior. A 21 - John Dewey. Democracia
262, 273-274. Vorstellungen, 75. escola pitoresca P outf'os P r'ducc~ão
Valores educacionais, 254-273, trabalhos 22 - Fernando de Azevedo, A
sumário, 273-274. 355-356: sei Windelband, na relayão da ciên- 10 - Celso Kelly, Educa~õo educacão e szus proble-
gregacão e orzanizaçáo 'dos, cia para com o humanismo, rociol mas
267-273; de certos estudos, 310. 11 - Henri Piéron, Psicologia 23 - Sylvio Rabello, Ps~cholo-
do comportamento gia da itifa~icie
12 - Henri Wallan, Pt'incibios 24 - J. Melo Teixeira, M.
de psychologra applicada Mendes Campos e outros,
13 - Djacir Menezes, Dicio- Aspectos futtdomentair da
nário psico-pedagógico educagão
25 - Euclides Roxo, A ninfr- 46 - Fernando de Azevedo, 68 - R. Valnir C. Chagas Di- 89 - Fernand-Lucien Mueller.
iiiática fia cdt~coção se- dática especiol dc linguns História de psicologio
Scgiiindo twe1< cnfitiltlio
ciilidório nioderrias 90 - Glenn;M. B'lair, R. Stew-
47 - Theobaldo Miranda San- 69 - Ro'ger Cousinet, A edti-
26 - Sylvio Rabello, -4 vrepl.e- tas, Noções de filosofia art Jones e Ray H. Simp-
seittnção do telripo fio cnçào fiorio son, 'Psicolog~p edircncio-
dn edricnçâo 70 - Henry E. Garrett, Gra~t-
criatiçn na1
48 - José dr Almeida, Noções des c.rperimerzfos da pri-. 91 - Paul Osterrietli, Fazer
27 - Afrânio Peixoto, Evisi- de psicologia aplicada ò cologia
nar o nisinar oddtos [Pcqi<oin intro-
educação 71 - Lorenzo Luzuriaga, His- dttção d psicologia educa.
28 - Ariosto Espinheira, Arte 49 - I. L. Kandel, Educação tóvia da educacão Oiiblico cional]
.Pobi~lnr
. e cducacáo coniporoda 72 - A. Almeida ~ t n i o ; , E a 92 - George k. Miller e ou-
29 - Onofre de Arruda Pen-
teado Jr., Fzrndame~itos
50 - Theobaldo Miranda San-
tos, Noções de sociologia
escola primária? . . tros, Ensino e oproidico-
73 - Gaston Mialaret, Nova gew lias escolas ntédicos
do iiietiiodo edecocio~zal pedagogia cientifica 93 - William C. Marse e G.
30 - 1-oemy da Silveira Ru-
dolier, Introdu~üo ò psi-
51 - Fernando de Azevedo, 74 - Paul Foulquié e Gérard Max Wingo, Lcitzivas de
A s zt~~ivcrsidades
no mz<n- Deledalle, A psicologio psicologia edzicacional
cologia edi~cocioiinl do de anratihã contenlporânea 94 - Geraldo Bastos Silva. A
31 - Milton da Silva Radri- 52 - A. Carneiro Leáo, Ado- 75 - J. Leif e G. Rustin. Pe- educaçáo secundária
gues, Educação compo- lescência c j'ua cducoção dagogia geral 95 - Fr. de Hovre, Ensaio de
radn 53 - Lorenza Luzuriaga, A 76 - John Dewey, Vida e edii- filosofia pedagógica
32 - Guerino Casassanta. Jor- pedagogia cotrtrmpor8neo cnção 96 - O. Frota-Pessoa, Rachtl
tinir escolnres 54 - M:A. Bloch, Filosofia 77 - Lorenro Luzuriaga, Pe- Gevertz e A. G. da Silva.
33 - .4. Carneiro Leão, Iiifro- da educação nova dagogia social e polifica Como ensinar cisricias
dt~ção à ndministroção 55 - Paul Foulquié, As esco- 78 - Arthur T . Jersild, Psi- 97 - Arnould Clausse, Inicia-
escolor las novas cologia da adolescência ção ds ciências da edu-
31 - Paul Monroe, Histdria 56 - Lorenro Luzuriaga, Pe- 79 - Nicholai Hans, Edt~co- cação
da edzrcação dagogia cão comparada 98 - Albert Collctte, Itttrodir-
35 - A Almeida Júniar, Bio- 57 - Anísio Teixeira. Edvca-
80 1 Santiago Hernández Ruiz, çao d $psicologia dinj-
logia edircacional Psicopedagogia do intc- mira
cão para a de+izocracio
36 - Paul Guillaume, A for- resse 99 - Alexandre Vexliard, Pe-
s i o ~ á odos hábitos
58 - Camille Mélinand, h'o 81 - Paul Guillaume, Psicolo- dagogia comparada
cóes de psicologia aplico- gia da fonna
37 - Arthur Ramos, A crian- 100 - Erneçt R. Hilgard e Ri-
do d educação 82 - Armand Cuvillier, Pe-
ça-problema chard C. Atkinson, Ipi-
38 - Francisco Venância Fi- 59 - Lorenzo Luzuriaga, Hzs- queno z,ocnbzdório da lin- trodução d psicologio
lho, A cducação e sei, tória da educaçâo e da gua filosófica 101 - Charlotte M . Flemirig,
npnr~lhomenro moderno pedagogia 83 - Paul Osterrieth, Intro- Psicologia do eiisino
39 - Arthur J. Jones, A edu- 60 - Paul Guillaume. Matic~al duçào à psicologia da 102 - George Z. F. Beieday,
carão dos lideres de Psicologia criança Método comparado eiit
40 - Fernando de Azevedo, 61 - C. M. Fleming, Psicolo- 84 - Rafael Grisi, . Didática educacão
Jfeihe e nova politicu gia social da educação nlinimn 103 - Hans Aebli, Didático
41 - J . Roberto Moreira. Os 62 - Roger Cousinet, A for- 85 - Robert S. Ellis, Psicolo- psicológica
~ i s t e m a s ideais de edw fiação do educador gia cducocio+ial 104 - J . Leif, Inspiraçúcs c
coçâo 63 - André Fauché, A pedo- 86 - Félicien Challaye, Pe- tendências viovos do edti-
42 - Theabaldo Miranda San- gogia das matcmhticas q u e m história das grott- CBÇ~O
tos, Noções de psicologia 64 - Anísio Teixeira, A edu- des filosofias
87 - Iva Waisberg Bonow e
105 - Daniel E. Grifiiths, 1'eo-
educacional co@ e o crise brasileira ria da od+rzinistrocâo es-
43 - Theobaldo Xiranda San- 65 - A. Almeida Júniar, Pro- outras, Psicologia cduco- colar
tos. Nocõer de históvio blemas do nisino suDerior cional e desenvolvimento 106 - John L. Phillips Jr., Ori-
- ~ - - - ~ ~ ~ ~ ~ . hztmano (Marii~alde h a - gens do intelecto: a reo-
ballios práticos de psico-
~

44 - René ~ i a r d O
, método da pedagogia na de Pioget
dos testts 67 - Robert S. Waodworth e logia educacional) 107 - May V. Seagoe, O pro-
45 - Ary Lex, Biologia edu- Donald G. Marquis, Psi- 88 - Maurice Det,esse, As fa- cesso da aprendiaagem e
cologia ses da @ducacáo a prática escolar
108 - Mauríce Debesse e ou- 124 - Olivier Reboul, Fiiosofio
tras, Psicologia da trion- da edr&caçáo
ça \(do noscimento d ado- 125 - Alain Beaudot, A criati-
lescência) vidade nn escola
109 - Dante Moreira Leite 126 - Jerome S. Bruner. O
(org.), Desenvolvimento processo da educacüo
do crtanra t
127 - Antoine Léon, Psicope-
110 - Oswaldo Frota-Pessoa e dagogia dos adultos
outros, Piologia aplicada
h educado 128.- Anísio Teixeira, Pequena
111 - Oswaldo Frota-Pessoa e introdurüo ò filosofia do
outros, Biologia aplicodu educarüo
6 saide 129 - M. Vial, E. Plaisance, J .
112 - Roger Cousinet, A for- Beauvais, Os meus alu-
marno do educador e a nos
pedagogia da aprendiaa- 130 - Anísio Teixeira, Educo-
gem çáo nüo i privilégio
113/120 - Maurice Debesse, 131 - John Dewey, Experiência
Garton Mialaret e outros, P ed~lcarüo
Tratado das ciências pe-
dagógicas ( 8 701s.) 132 - Anísio Teixeira, Educa-
121 - Gilbert Leroy, O diálogo r á ~no Bmsil
em educapio 133 - Jean Chiteau e colabora-
122 - Anna Bonboir, O método dores, Os grandes peda-
dos testes em pedagogia gogistas
123 - W . Kemeth Richmond, 134 - Lucien Brunelle, A nóo-
A reuolu~üono ensino diretidade

irnplesso na
planimpress gráfica e editora
rua anhaia, 247 - s.p.

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