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BANCA EXAMINADORA
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Profº. Ms. Reinaldo dos Santos Barroso Junior
____________________________________________
Prof.ª Ms. Mairton Celestino da Silva
_____________________________________________
Prof.ª Ms. Felipe da Cunha Lopes
Em memória a esses anjos que se foram em
meio a minha jornada acadêmica, às minhas
duas tias, Edite Maria do Rosário Pereira e
Maria do Rosário Oliveira Souza, que foram
tias maravilhosas em minha vida. Tia,
obrigado por tudo, pelos conselhos, as horas
de conversas juntos nos alpendres, à sombra de
uma mangueira, na cozinha saboreando um
delicioso café, espaços estes maravilhosos na
casa de cada uma de vocês, esses momentos
ficarão eternizados em meu céu de
lembranças.
Em memória também de dona Lúcia Gomes,
uma grande amiga que me dava conselhos e
me ajudou bastante nesta minha jornada
universitária, meu muito obrigado pelo seu
carinho.
DEDICATÓRIA
A Deus, este ser supremo que me fez criatura vossa, sendo nele que encontrei
forças para seguir minha caminhada quando eu já estava ficando fraco em meio as batalhas
que surgiram na minha vida tentando me impedir na finalização deste trabalho de conclusão
de curso.
A toda minha família que desde quando entrei na universidade ainda em 2012.1,
foram às primeiras pessoas a me apoiar. Meus pais, meus heróis, meu tudo, papai Vicente
Macambira de Sousa e mamãe Rosa Maria do Rosário vocês são a razão do meu viver, a meus
irmãos Antonio Cleison Menezes, Claudiney Macambira, Claudenir Macambira, Claudecir
Macambira e minha irmã Claudinéia Macambira, esta mana que desde que iniciamos a nossa
jornada acadêmica vem sendo uma parte do meu porto seguro que me acompanhou nesta
batalha. Juntos compartilhamos momentos de alegrias, de dores e perdas, mas sempre um
dando forças ao outro enquanto estávamos longe de casa, longe do meu querido interior, o
povoado Lagoinha, município de Sigefredo Pacheco-PI.
A minha linda e querida sobrinha, Esmeralda Melo Menezes, pequena menina que
me traz grande alegria ao estar perto dela, juntamente com seus maninhos Marcos Vinícius
Portela e Antonia Thaemy, meus lindos, titio ama muito vocês. Ah! E chegou a mais nova
Macambirazinha na família a Isabela Macambira, filha de Kelly de Almeida com meu irmão
Claudecir Macambira. Adrielson Monteiro e Tailton Jhony Oliveira, tio não se esqueceu de
vocês não viu! Meus xodós, crianças que me faziam sentir bem quando já não encontrava
sentido para lutar.
AGRADECIMENTOS
(Filipenses 4,13)
RESUMO
Este trabalho traz uma discussão sobre a escravidão, tendo como base os inventários
piauienses de três proprietários Benedito José do Rego (1846), Archangela Pulguna Castelo
Branco (1852) e Simplício da Silva Cardoso (1852), todos da cidade de Campo Maior, sertão
do Piauí. Os escravos relacionados nos inventários foram coletados e analisados a partir de
suas caracterizações físicas e de identificação de procedência, observando os diferenciais de
valores, destacando como podem ter recebido nomes, eventuais profissões, cicatrizes e outras
tipificações que lhes diferenciavam e influenciariam suas avaliações nos documentos.
This research is a discussion of slavery, based on the Piaui inventories of three owners:
Benedito Jose do Rego (1846), Archangela Pulguna White Castle (1852) and Simplicio da
Silva Cardoso (1852); all of the city of Campo Maior, backcountry Piauí. Slaves related in
inventories were collected and analyzed from yours physical characterization and origin
identification, noting the differences in values, close as may have received names, possible
professions, scars and other typifications that differentiated and influence them their
assessments in document
INTRODUÇÃO........................................................................................................................15
1. PENSANDO A ESCRAVIDÃO...........................................................................................18
1.1. Da África para o mundo: a escravidão no Brasil..........................................................20
1.2. As diversas formas de punir o cativo.............................................................................22
1.3. “Escravidão branda”.......................................................................................................23
1.4. Os trabalhos dos cativos..................................................................................................26
1.5. A escravidão no Piauí......................................................................................................28
CONSIDERACOES FINAIS...................................................................................................55
REFERÊNCIAS.......................................................................................................................57
FONTES...................................................................................................................................57
BIBLIOGRAFIA.....................................................................................................................57
15
INTRODUÇÃO
Este trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro temos uma discussão
conceitual sobre como ocorreu à prática escravista desde sua origem no continente africano
até chegar ao Brasil e como ela se firmou nas terras do novo mundo até chegar a Província do
Piauí, e se estendendo para outras regiões como a cidade de Campo Maior. Além de trazer
uma breve discussão sobre a falsa ideia de que no Piauí existiu uma “escravidão branda”,
expressão afirmada por alguns teóricos como Tânya Brandão (1999), para confrontar esta
afirmação é possível destacar os recentes trabalhos lançados por pesquisadores como Mairton
Celestino da Silva, Francisca Raquel da Costa e Débora Laianny Cardoso Soares, que trazem
novas visões sobre como ocorreu à escravidão no Piauí. Será abordado também sobre as fugas
e punições dos cativos que não aceitaram o escravismo.
No segundo capítulo, serão feitos comentários sobre os inventários que foram as
fontes usadas nesta pesquisa, onde se apresenta o documento e como ele funciona, como se dá
as distribuições dos bens dentro do inventário, além de apresentar quem são os inventariantes
e os inventariados. Outro ponto levantado neste trabalho é o fato de um dos donos dos
inventários ser uma mulher, filha de uma das grandes famílias de renome da cidade
pesquisada, onde se buscou informar como ela teve acesso aos documentos, e como obteve
seus bens registrados, pois a mulher no século XIX já tinha liberação para registrar seus bens
desde o século XVIII.
Na obra, Campo Maior Origens - uma análise histórica e documental do início da
povoação de Campo Maior do historiador Marcus Vinícius Costa Paixão, lançada em 2015, o
autor nos afirma por meio de documentos algumas mulheres tendo acesso a esses documentos
antes mesmo do século XIX, essas mulheres tinham acesso a esses documentos quando as
mesmas se tornavam viúvas, ou sendo de família rica. Na pesquisa em questão o enfoque será
dado para Archangela Pulguna, que além de ter conseguido registrar seus bens, chega a ter
mais cativos que um dos senhores, no caso o Benedito José do Rego (1846).
Com a análise dos documentos pesquisados, buscamos uma forma de
problematizar e tentar entender como foi à escravidão no século XIX na cidade de Campo
Maior. Além disso, trago uma discussão de como estava o mundo, o Brasil e o Piauí na época
estudada, que decorre dos anos de 1846 a 1852, sendo estes o recorte de minha pesquisa.
E no último capítulo, adentrando as análises a partir das fontes encontradas no
APEPI1, será feita a apresentação de cada inventário por meio do uso de tabelas, sendo estas
criadas por mim para facilitar a compreensão da quantidade de escravizados de cada
1
Arquivo Público do Estado do Piauí – APEPI, casa Anísio Brito localizado na capital Teresina.
17
proprietário ou proprietária, já que nas fontes não encontramos somente homens tendo seus
bens registrados, e sim também temos a figura da campomaiorense, Archangela Pulguna
Castelo Branco.
Outros enfoques centrais na pesquisa não será descrever todos os bens dos
inventariados, como a quantidade de moveis, talheres, extensão de terras, nem quantas
cabeças de gado estes senhores e senhoras tinham. O objetivo será para com a figura dos
escravizados que aparecem nestas documentações, pois com eles será possível compreender o
processo de flutuação dos preços, a participação dos cativos nas fazendas e possíveis
atividades, como também perceber as etnias que se constituíram no Piauí, como exemplo os
escravizados com a denominação “Cabra” que apareceu nas verificações de dois dos
inventários pesquisados. Na lógica escravista local, esta é a primeira vez que cativos “Cabras”
aparecem em documentações referentes a essa denominação na cidade de Campo Maior. Vale
ressaltar que os “Cabras” já aparecem em obras referentes ao Piauí no geral em obras como,
Mott (1985) e Sousa (2012), nesta última principalmente na cidade de Teresina.
E a partir desta nova denominação foi feita uma discussão de quem classificava
essas etnias ou nações para os cativos que aqui chegaram ou nasceram, como nos casos dos
Crioulos, Mulatos e os “Cabras”.
18
1. PENSANDO A ESCRAVIDÃO
A vida dos escravizados era uma vida de total filiação aos seus senhores. No caso
do uso dos filhos dos escravizados nesta instituição percebemos que o individuo já nascia
como cativo. Na obra de Paul Lovejoy (2012), o autor nos enfatiza que o simples fato de ser
escravizado, permitia lhes o direito de seus futuros filhos também serem escravizados. Isso
era um direito do senhor de escravizados já que o mesmo era o dono de seus pais que eram
cativos e que por vez, a propriedade do seu senhor quando gerasse um filho este também já
nascia na condição de ser um novo cativo dentro do sistema.
A escravidão não se limitou a África, pois com o auxílio das novas rotas
marítimas ganhou novos rumos se estendendo para regiões da Europa e para as terras do Novo
Mundo. Foi assim que a escravidão se expandiu, tendo sua presença marcada em várias
regiões do globo.
Como o Brasil era uma nova terra que estava em colonização, nela se concentrou
o maior número de africanos traficados. Muitos escravizados desembarcaram nos principais
portos brasileiros, como por exemplo, nos portos da Bahia, Rio de Janeiro e no Maranhão e
desses espaços foram se expandindo para outras regiões, como para a Província do Piauí. Os
cativos que vieram para o estado podem ter vindos diretamente dos portos maranhenses por
rotas ainda não descobertas.
Muitos escravizados africanos que saíam dos seus países já vinham com destino
certo, já que muitas civilizações do mundo usaram e dependeram de seus trabalhos para a
manutenção de trabalhos mais pesados e rudimentares, no caso do Brasil não foi diferente, a
mão de obra escravizada foi usada para desbravar as novas terras, a força do africano estava
inserida principalmente nas plantações; primeiramente foi usada no extrativismo do pau-
brasil, depois, no cultivo da cana-de-açúcar, nos campos de algodões, nas plantações de café,
e nas áreas de mineração, pois as novas terras precisavam gerar riquezas para a Coroa
Portuguesa.
20
Perto dos fins desse século, os habitantes dos cinco continentes, pela primeira vez
desde que o homo sapiens dispersou da África pré-histórica, entraram
irregularmente em contato contínuo uns com os outros (DRESCHER, 2011, p. 50).
A partir dos novos contatos e uma busca dos navegantes por novas terras e
riquezas para as Coroas Portuguesa e Espanhola, através da expansão das novas rotas de
comércio foi permitido que a instituição escravista ganhasse novos caminhos fazendo com
que prosperasse e se desenvolvesse cada vez mais, saindo da África para a Europa e o Novo
Mundo no qual se tornava a América, sendo ela a base da economia onde era praticada.
No Brasil, a mão de obra escravizada estava ligada às formas de produção, sendo
utilizada para diversas atividades como na área agrícola, pastoril, e especialmente nas
plantações de cana-de-açúcar, depois estendendo se para o café e o algodão. Também esteve
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presente nas zonas urbanas por meio dos escravizados que eram vendidos nas ruas, só que não
eram todos os tipos de cativos que trabalhava na cidade. Dependia muito de como era a vida
deles na fazenda, se fossem obedientes tinham condição de sair para trabalhar na cidade, mas
sob as ordens do seu senhor, pois era necessário gerar lucros para o seu dono.
Caso fossem os cativos que resistissem, estes continuavam a trabalhar nas
lavouras, mesmo sabendo fazer outro tipo de atividade não ligada as terras, pois se os
escravizados desobedientes fossem para a cidade poderiam facilitar suas fugas. E ter cativos
era uma aquisição cara para a época em questão, porém, depois de adquirido, seu tempo de
trabalho seria gastos na lavoura, em pequenos e grandes serviços de construções, afazeres
domésticos, na lida com a terra e a agropecuária.
Vários cativos trabalharam nas terras sabendo fazer outro tipo de trabalho e estes
eram chamados de escravizados especializados, estes eram também os mais caros. A condição
de ser escravizado fazia com que obedecessem e desempenhasse diversos tipos de trabalho
dentro da economia que o Estado necessitava produzir, pois existiam os escravizados do eito,
que eram os das lavouras onde trabalhavam diretamente com as terras. Os cativos domésticos
desenvolviam trabalhos dentro da casa grande e os escravizados de ganho eram os que
trabalhavam nas ruas das cidades. Como exemplos têm os aguadeiros e os vendedores. Tanto
cativos como as cativas, em sua maioria, estavam mais ligados na área rural nas Fazendas
Nacionais, onde era cultivada a cana-de-açúcar e algodão, ou então nos cafezais.
O Brasil foi um importante produtor de cana-de-açúcar e café durante o seu
processo da colonização e no pós-colonização. Foi nesse período que a escravidão teve um
maior tempo de existência, logo, foram mais de três séculos de violências cometidos contra os
povos africanos. Os senhores de engenho tiveram grandes riquezas através das mãos
africanas, e tudo isso ocasionado em busca da economia; além da questão econômica, ter um
escravizado para a época significava ter um bom status, pois era sinal de riqueza e ter um alto
poder econômico. Por uma questão puramente econômica, a escravidão não só foi implantada
como também legitimada nas terras da Província do Piauí, e esta legitimação contou com o
apoio da Igreja e o Estado fazendo que com esta legitimidade o país pudesse receber cada vez
mais a mão de obra africana (BRANDÃO, 1999).
22
Nestes mais de três séculos a escravidão foi praticada por meio de diversos tipos
de atos punitivos. O uso de mecanismos para reprimir estes escravizados se faziam presentes
desde sua saída ainda na África, quando embarcavam nos portos africanos, tendo que se
despir da sua humanidade, do sujeito que eles eram em seu continente, para aceitar e obedecer
à nova vida que lhes era imposta nas novas terras, tendo que ficar submetido a um senhor e a
este devendo adequar sua “propriedade” as leis e regras que o Novo Mundo lançava em suas
mãos.
A trajetória de violências praticadas contra os escravizados aconteciam ainda
durante o tráfego, alguns chegavam doentes e outros até morriam na viagem, seus corpos
eram jogados no mar; as péssimas condições de higiene que o navio oferecia causavam isso,
já que eram mal alimentados e as embarcações superlotadas. Ao chegarem aos portos
brasileiros, eram descidos dos navios para serem vendidos. Nesta nova etapa da sua vida os
cativos sofriam em muitos casos a separação de suas famílias, pois existiu essa prática na
escravidão, aqui apareceu a figura dos senhores de escravizados, sendo estes em alguns casos
os principais responsáveis por essa separação.
Quando chegavam às fazendas das casas grandes, eram colocados em senzalas
que não traziam o mínimo de conforto. Um lugar quente e desproporcional para a quantidade
de escravizados; a alimentação continuava a ser precária; nas senzalas os cativos considerados
rebeldes pelos senhores eram colocados acorrentados como forma de puni-los por causa das
desobediências. Esse foi um meio comum de repressão para evitarem as fugas constantes que
ocorriam nas fazendas, pois ao desobedecer a seu dono o escravizado ficava a cabo de severos
castigos exercidos pelo feitor que recebia as ordens do seu senhor contra os cativos infratores.
Muitas vezes o próprio feitor também era um negro, um ex-cativo que passava para o lado dos
senhores de engenhos. Nesta lógica permite-se pensar que para ele, o feitor, isso possa ter sido
um jeito diferente de resistir ao sistema, mesmo tendo que ser a favor do branco, no caso o
senhor de escravizados.
Os castigos poderiam ser de diversas formas, e uma das mais utilizadas era o uso
das chibatadas, que acontecia enquanto o escravizado desobediente estava amarrado ao tronco
feito de madeira e colocado ao centro na frente da senzala onde todos os desobedientes
sofriam as punições. Elas ocorriam nestes espaços para que tudo o que se fizesse contra os
cativos como forma de punir alcançassem as vistas de todos os demais escravizados e que isso
23
viesse a servir como formas de mecanismos de repressão para aqueles que tentassem resistir.
Existiu também o tronco retangular que ficava no chão onde eram colocados as mãos e os pés
dos cativos, este foi outro meio de mostrar o que poderia vir a acontecer aos escravizados
desobedientes, podendo ficar com as mãos e os pés presos (FREYRE, 2006).
de dar nomes aos seus indivíduos pesquisados, no caso, isso quando se está estudando a
escravidão. O exemplo destacado abaixo da obra de Mairton Celestino nos comprova isso:
Nesta citação tirada da obra Batuque na rua dos negros: cultura e política na
Teresina da segunda metade do século XIX, de Mairton Celestino (2014), encontram-se
passagens a respeito do nome do cativo e ainda da sua profissão, que não era comum nos
primeiros escritos sobre a escravidão aqui no Piauí, pois os escravizados não recebiam seus
nomes, mas no caso destacado o cativo, além de seu nome, também temos o tipo de atividade
que desenvolvia. Nas obras de Mott (1985) e Tânia Brandão (1999) o destaque maior foi dado
para as atividades ligadas para as criações de gados.
Assim como o cativo Antonio Francisco Ribeiro, muitos desenvolveram outros
tipos de trabalhos na cidade de Teresina, como os considerados livres. Mairton Celestino
(2014) ainda nos mostra as contribuições da população escravizada para a sociedade piauiense
e em especial para os teresinenses em meio às construções de prédios na cidade durante a
transposição da capital em 1852, quando a mesma ainda funcionava em Oeiras. Essa
discussão sobre a transposição da capital será expandida no segundo capítulo desta pesquisa.
Voltando para a obra de Mairton, ainda é possível observar que através dos batuques em
determinadas ruas da capital é notável o conhecimento de uma parcela da população
escravizada e livre que faziam de seus batuques um modelo de resistência contra o escravismo
e suas ordens vigentes (SILVA, 2014).
Mairton Celestino assim como Francisca Raquel Costa nos falam também dos
escravizados que resistiram ao escravismo reivindicando seus direitos. Aqui pode-se destacar
o escravizado Manoel lutando por seus direitos diretamente com o seu senhor, “Manoel, que
pertencia ao Sr. Major Antonio José de Araújo Bacelar, Manoel foi conduzido à cadeia por
reivindicar junto ao seu senhor o direito de adquirir sua carta de alforria” (SILVA, 2014, p.
63). Além deste cativo, Francisca Raquel da Costa (2014), na sua dissertação Escravidão e
conflitos: cotidiano, resistência e controle de escravos no Piauí na segunda metade do século
XIX, nos fala de vários homens e mulheres escravizados que buscaram formas de resistir ao
sistema vigente. Diferentemente do escravizado Manoel na obra de Mairton Celestino que foi
diretamente ao seu senhor lutar por seus direitos, Francisca Raquel fala das resistências
25
empreendidas pelos escravizados querendo sair da escravidão por meio das fugas, por
exemplo,
Assim fez o escravo Anastácio, pertencente aos herdeiros do padre Pedro, da vila de
Batalha; como também o escravo do Tenente-coronel Balduíno, Manoel David, que
tinha 18 anos de idade e fugiu da localidade Cocos do Termo de Marvão, sendo há
dias procurado por seu senhor, que oferecia a gratificação de “cinquenta mil réis”
pela sua captura (COSTA, 2014, p. 61).
Aqui destacamos parte da obra em que aparece a escravizada Victoria, uma cativa
que buscou a justiça para denunciar a sua senhora, mas ao final do processo o que ocorreu foi
que de um lado tiveram peritos afirmando serem aquelas marcas na cativa sendo de castigos
excessivos. Já na outra análise, os peritos disseram que achavam não serem aquelas marcas
sinais de castigos. A autora afirma que os escravizados buscavam seus direitos por meio do
sistema judiciário para se defender de crimes praticados por seus senhores, mas ao tempo em
que buscavam ajuda para si através deste sistema judicial, de vítima os cativos passavam para
o papel de agressor, e assim o que era para garantir direitos a quem buscasse a justiça, este
mesmo meio sempre servia como forma de afirmar ainda mais que o escravizado era sempre o
26
Em tópicos anteriores foi comentado um pouco dos trabalhos cativos nas lavouras,
na cidade e um pouco sobre os serviços domésticos. A partir de agora será trabalhado mais
este último tema.
Na casa grande era bem presente a escravidão na figura dos escravizados
domésticos, que desenvolviam diversas atividades, sendo eles responsáveis por cuidar da casa
e da alimentação. Na casa grande as escravizadas cuidavam principalmente da sinhá e da sua
filha, a sinhazinha. Para a filha do senhor, era sempre colocada uma mucama, que eram
negras cativas de estimação que auxiliavam nas tarefas domésticas ou acompanhavam pessoas
da família, principalmente as sinhás-donas, para ficar todo tempo ao lado da menina ou de sua
mãe.
Segundo nos fala Gilberto Freyre, na sua obra, Casa grande e senzala: formação
da família brasileira sob o regime da economia patriarcal (2006), o autor enfatiza que era por
meio da mucama que a sinhazinha escutava suas primeiras histórias de amor, sexo, dentre
outras. Freyre ainda fala que a mucama era também mais que o médico e o padre, pois era ela
quem sabia das dores e das confissões da sinhazinha. Os senhores de engenho acabavam
27
utilizando esta mão de obra, principalmente, para trabalhos domésticos, como, por exemplo,
ser cozinheiras, arrumadeiras, amas de leite, e mucamas (HEILBORN; ARAÚJO;
BARRETO, 2010).
Como as africanas viviam dentro da casa de seus algozes, estavam mais sujeitas a
sofrerem maus tratos tanto do senhor por meio do abuso sexual, como por parte da senhora
através dos castigos após a descoberta do envolvimento entre a escravizada e o seu senhor. As
relações entre as cativas e seus senhores ocorriam dentro da casa grande, mas ao chegar aos
ouvidos da senhora, a escravizada sofria as punições. A senhora punia a cativa de várias
formas que variavam desde castigos comuns tipo mandar dá-lhes chicotadas enquanto a cativa
ficava amarrada ao tronco até aos castigos mais extremos que chegavam até a deixar a
escravizada deficiente e era possível acontecer outras bem piores como mandar furar os olhos
das escravizadas (FREYRE, 2006).
Dentro do regime ocorreram diversos tipos e jeitos dos escravizados se revoltarem
contra o novo modo de vida imposto, como nos apresentou Silva (2014), Costa (2014) e
Soares (2014), mas para os escravizados era um pouco difícil, e várias circunstâncias
existiram que dificultavam estas revoltas, o próprio caso de estarem em terras estranhas era
uma destas circunstâncias, pois como fazer revoltas em lugares desconhecidos? Isso para eles
era como se estivessem em desvantagem, mas mesmo assim ainda existiram aqueles cativos
que se rebelaram e empreenderam fugas para outros estados ou para as matas, tentando não
aceitar esta vida de escravizado.
Os africanos que foram escravizados tinham a dificuldade em se revoltar por não
ter um conhecimento das terras que agora habitavam. O modo de viver por aqui também era
diferente do modo que viviam na África, sem contar que ao perceber que em algumas
fazendas se ouvia casos de rebeldia de escravizados contra seus senhores, o meio que estes
senhores tiveram foi tentar mostrar que estas revoltas eram um crime contra o senhor. É como
nos fala Francisca Raquel da Costa em sua obra, Escravidão e conflitos, que muitos
escravizados que buscaram se rebelar contra esta forma de vida, tentaram buscar novas
alternativas que poderia aliviar um pouco a sua forma de viver. Existem relatos de casos mais
extremos em que vários escravizados chegaram a cometer suicídio para se livrar deste regime,
dentro da historiografia há uma discussão acerca desta afirmação, pois existem teóricos que
concordam já outros que discordam desta prática de rebeldia (COSTA, 2014).
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A escravidão foi às bases da economia para o país e isso só foi possível porque ao
chegar ao Brasil, foi logo se espalhando para as outras regiões que tinham terras para o cultivo
de café ou cana-de-açúcar. Mas no Piauí a escravidão se destaca com a produção e criação na
área pastoril, pois nas terras piauienses também existiu a escravidão, que também ocorreu no
seu início na tentativa de se utilizar a mão de obra dos indígenas que existiam por aqui, mas
como não foi possível, pois aqui funcionou a mesma lógica do restante do Brasil, necessitou-
se trazerem escravizados africanos para o Piauí (CHAVES, 1998).
Os estados do Maranhão, Bahia ou do Rio de Janeiro foram os pioneiros no
recebimento de escravizados africanos em seus portos. Foi deles que o Piauí recebeu a mão de
obra escrava, e como o estado ainda se encontrava em processo de colonização, foram
desenvolvidas atividades ligadas à agropecuária, como a criação de gado bovino vacum e
cavalar sendo esta a principal atividade econômica desenvolvida na época, passando a ser
uma marca do Piauí com os “corredores de gado”.
O fato de muitos historiadores como Tânia Brandão ter pensado que por nessas
terras tenha existido a “escravidão branda”, nega que a mesma nas terras piauienses também
foi cruel. O que contribuiu em mostrar que no Piauí a escravidão pudesse ter sido branda ou
que não existiu tal sistema tão violento foi o fato de falar sobre a presença do vaqueiro nas
fazendas nacionais, e pouco ter citado que muitas vezes quem estava à frente do comando dos
gados eram os escravizados, mas em documentações esta figura do cativo, vem como se ele
fosse um vaqueiro branco e livre, e estando ele sempre atrelado a figura do vaqueiro branco,
dificultou a separação em vaqueiro branco e livre do vaqueiro cativo, pois vemos isso quando
Tanya Brandão afirma “Embora existissem escravos vaqueiros” (BRANDÃO, 1999, p. 106).
O que se observa desta atividade é que ser o vaqueiro em muitas vezes eram os escravizados
africanos que assumiam estas tarefas nas fazendas, sendo eles os responsáveis para manter a
economia do Piauí através dos trabalhos tanto nos campos como também nas cidades. Foi à
pecuária extensiva que teve mais êxito e que caracterizou a colonização da Província do Piauí.
A escravidão, assim como em várias regiões do Brasil, como no Maranhão, Bahia,
Minas Gerais e São Paulo, ocorreu de diversas formas desde sua origem, seja ela da Europa,
da África ou quando veio para o Brasil. À escravidão no Piauí não teve uma forma única, suas
particularidades de região para região onde as mesmas aconteciam, podendo nela está
29
presentes diferentes nações2 ou etnias3 africanas que se fizeram presentes nestas terras, como
também escravizados especializados ou não em determinados trabalhos que produziram
riquezas para seus senhores de engenhos piauienses.
O que se sabe ao certo é que a escravidão foi uma “instituição” que prosperou
devido a sua legitimação por conta do Estado e da Igreja, sem falar ainda que foi por meio de
sua expansão pelos mares que a escravidão ganhou seu lugar nas terras onde desembarcou,
ganhando forças e se firmando como uma “instituição” que rendeu lucros, tornando-se as
bases econômicas de vários países como no caso citado, o Brasil, e que depois de se fixar no
país se espalha por regiões da nação brasileira chegando também ao Piauí e as suas Freguesias
e Vilas.
Como no caso específico desta pesquisa veremos a presença dos escravizados
africanos na Freguesia de Santo Antonio do Surubim e como essa freguesia era muito grande,
uma parte dela virou a atualmente cidade de Campo Maior, foco desta pesquisa no século
XIX. Estes cativos que produziram grandes riquezas para seus senhores de engenho
campomaiorenses através de trabalhos nas lavouras como também na criação do gado bovino
vacum e cavalar através dos inventários de três proprietários que residiram em Campo Maior
entre os anos de 1846 a 1852.
2
Segundo o dicionário Houaiss, deriva da palavra nação, comunidade humana, fixada em sua maioria num
mesmo território. Língua, origem e história comuns, assim como uma cultura também comum, caracterizam
geralmente uma nação. Nação é um termo vago; a nacionalidade existe porque um determinado grupo se
considera formador de uma nação.
3
Segundo o dicionário Houaiss, são grupo de pessoas que, embora possua a mesma origem ou história, tem
diferenças de origem sociocultural, como: idioma, religião, hábitos ou comportamentos. Termo comumente
usado para se referir à semelhança biológica, caracterizada pelo compartilhamento da mesma raça e/ou cultura.
(Etm. etno + ia)
30
nascidos a partir da data da lei que foi no dia 28 de setembro de 1871; a Lei do Sexagenário
que concedia liberdade apenas aos escravizados com mais de 65 anos, que já não dispunham
de tanta força e disposição para enfrentar as péssimas condições de trabalho a mando dos
senhores de engenho. Esta lei foi promulgada em 28 de setembro de 1885. E por fim tivemos
a Lei Áurea que tornou libertos todos os cativos do Brasil.
Ainda no ano de 1852, ano este em que temos registrado dois inventários, sendo
um da senhorita Archangela Pulguna Castelo Branco e o outro do senhor Simplício da Silva
Cardoso, após as análises, foi observado que os mesmo são do mesmo ano em que aconteceu
a transposição da capital do Piauí para Teresina, pois antes deste ano ficava em Oeiras, logo
depois passando para a cidade de Teresina. Sousa (2012) e Silva (2014) em seus trabalhos
falam desta mudança, pois a localização da capital em Oeiras era muito criticada por causa da
distância entre as outras cidades, e em estudos perceberam que a capital do estado deveria
estar em um local mais centralizado, ficando escolhido entre estes a cidade de Teresina.
Sousa (2012) e Silva (2014) ao problematizarem sobre a transposição da capital
de Oeiras para Teresina, também mostram as contribuições que os escravizados deixaram para
a sociedade teresinense, pois a mão de obra negra se fez presentes em diversas construções na
cidade, entre elas prédios públicos e privados na capital, além dos trabalhos desenvolvidos nas
fazendas. A cidade de Teresina recebeu em seu seio tanto cativos como libertos onde:
senhores para boa parte destas construções, pois erguer uma capital tão rápido como
aconteceu com a capital Teresina necessitava de muita mão de obra escravizada e livre. O que
se imagina é que alguns dos cativos dos três inventários analisados também foram enviados
para a construção da capital, pois eram duas cidades próximas e ambas com uma grande
marca da presença de escravizados, e na fundação da capital os cativos trabalharam em
diversos tipos de construções como ajudantes de pedreiros, carpinteiros, além de extrair e
carregar pedras, barro e madeira para as obras (SOUSA, 2012) e (SILVA, 2014).
cavalar, nos inventariados foram heranças deixadas a seus parentes pelos inventariados e
nestes documentos temos registradas grandes quantidades destes tipos de gado.
As terras de Campo Maior eram ricas em água e até mesmo a quantidade de rios
como o Poti, Jenipapo, Longá e Surubim, estes rios faziam desta região um espaço propício
para a agricultura e pecuária, tornando-se muito atrativas para o estabelecimento das fazendas.
O custo da mão de obra era baixo já que como base era a escravidão e isso é percebido ao se
contabilizar a quantidade de escravizados presentes nos três inventários, quantidades esta de
63 cativos que ao longo deste capítulo serão mais conhecidos. Foram os cativos que
desenvolveram as atividades nas fazendas. A força do escravizado sempre esteve presente
nestes espaços, além das marcas deixadas através das construções de prédios que fazem parte
da história de Campo Maior (PAIXÂO, 2015).
O uso dos inventários foi uma prática comum no Piauí durante o século XIX, pois
foram através destes tipos de documentos que os senhores e senhoras tinham suas heranças
registradas, como seus bens que poderiam ser imóveis, mobília, terras, gados, ferramentas,
roupas e escravizados. Vale ressaltar nos escritos que o último item que é apresentado faz
referência aos cativos, pois anterior a eles tudo o que o senhor avaliava era tido como mais
importante, mesmo sendo a mão de obra escrava a que sustentava sua fazenda sendo a base
econômica do senhor, e este não a considerava como importante, pois para eles o cativo não
passava de uma mercadoria.
É comum em pesquisas que se utilizam inventários, descrever o que representa
cada “artigo” no documento, por exemplo, o que a historiadora Antonia da Silva Mota (2012)
fez em sua obra, “As famílias principais de poder no Maranhão colonial”, ela utilizou um
esboço de itens do que se tinha nas fortunas maranhenses para entender a fortuna da sociedade
maranhense que estava sendo pesquisada. Para uma melhor compreensão, ela descreveu os
bens por itens como,
A partir do modelo que Antonia Mota utilizou para caracterizar estes itens e
perceber as fortunas maranhenses, temos a presença destes mesmos itens nos três inventários
pesquisados, mas no caso, o enfoque dado será para os escravizados dos senhores e da
senhorita da cidade de Campo Maior entre os anos de 1846 e 1852.
Foi perceptível observar itens destacados existentes nas divisões dos inventários
piauienses na descrição de cada item que aparecia na fonte, ao longo do processo em que os
inventariados começam a se reconstruir para o pesquisador, mostrando por meio do título o
que possuíam cada um dos proprietários. No caso de querer determinar as posses do senhor
para classificá-lo como rico, bastava perceber se em seu testamento era descrito as
quantidades de suas propriedades, em alguns casos o senhor além de ter mais de uma fazenda,
alguns deles ainda possuíam casas na cidade, mas no caso dos inventariados de Campo Maior,
esta última pratica não foi encontrada (MOTA, 2012).
A prática de documentar os bens era uma característica das famílias mais
abastardas, já que as mesmas possuíam muitos bens. Mas não eram todas as famílias que
tinham acesso a este tipo de registro, pois não foi encontrado nos documentos analisados que
famílias das classes populares tiveram algum tipo de registro. As famílias de elite eram quem
estavam mais habituadas com determinada prática, por isso os inventários foram mais
presentes no cotidiano das famílias mais ricas.
Antes da análise do inventário da senhorita Archangela Pulguna Castelo Branco,
pensava-se que a mulher estaria reclusa a este tipo de documentação. Pensando por um viés
em que para a época pesquisada a mulher não teria tal autonomia, mas sim, antes mesmo da
senhorita Archangela Pulguna, Marcus Paixão (2015) já nos apresenta várias mulheres tendo
seus bens registrados ainda no século XVIII, como exemplo, “as senhoras Izabel Ferreira de
Azevedo (1792) e Perpétua... (1776)” (PAIXÃO, 2015, p.53), o que nos faz perceber que a
citada senhorita Archangela Pulguna Castelo Branco teve seus bens registrados também por
compor uma das grandes famílias da região, no caso os Castelo Branco.
O ato de fazer o inventário ocorria quando o inventariado estava próximo da sua
morte, e este querendo registrar seus bens como forma de assegurar a sua família que deixaria
sua herança, o inventariado mandava fazer o documento que funcionava como um testamento.
Nele, a pessoa que estava fazendo o inventário era o inventariado e as pessoas do cartório
eram os inventariantes. Segundo Priscilla Bitar D’Onofrio, advogada sócia do escritório
35
poderiam responder devido a sua idade. Nas documentações estudadas apareceu também a
figura de um padre exercendo essa função, especificamente no inventário de Archagela
Pulguna Castelo Branco (MOTA, 2012).
Diz Francisco Barbosa Ferreira filho legitimo dos falecidos João Barbosa Ferreira e
D. Archangela Pulguna Castelo Branco que tinha falecido nesta vila em fins do ano
de 1840 em principio do de 1841, sua irmã Arcangela Pulguna Castelo Branco, e
acontecido que até hoje não se tinha feito o respectivo inventario o sempre requerer
aberta a fortuna. Dele sendo para isso citado os herdeiros reservados, Simpliciano
Barbosa Ferreira por ser como procurador do tenente Pacifico José da Silva, e dos
órfãos João Barbosa Ferreira, e dona Guiomar Jardina Castelo Branco; Augusto
Barbosa Ferreira, e o major Francisco Fernandes da Silva que moram nesta mesma
vila (APEPI. Autos Cíveis de Inventários. Cx: 0048).
37
citado para o leitor compreender a presença da grande influência destas famílias para o
desenvolvimento local (MELO, 1983).
A discussão sobre qual família haveria começado desenvolver a freguesia é
comentada também na obra do historiador Marcus Vinícios Costa Paixão, na qual o mesmo
mostrar que as duas famílias tiveram sim grande participação no desenvolvimento local, mas
não se esquecendo de valorizar a figura dos negros escravizados e dos indígenas que também
tiveram grande participação na construção e desenvolvimento da região da Freguesia de Santo
Antonio, não ficando o seu mérito somente para as famílias Castelo Branco e Bernardo de
Carvalho, pois várias outras famílias contribuíram para o desenvolvimento da cidade
(PAIXÂO, 2015).
Archagela Pulguna obtida na soma dos seus escravizados foi no valor de 2.940 (dois contos
novecentos e quarenta mil réis).
O último inventário analisado foi o do senhor Simplício da Silva Cardoso, era um
homem que através de sua documentação parece ter sido um dos grandes senhores de
escravizados destas terras, mesmo não sendo parente de nenhuma das famílias citadas que
detinham a fama de serem ricas na cidade de Campo Maior, como no caso dos “Castelo
Branco” e dos “Bernardo de Carvalho”. Para a época em estudo, ter muitos escravizados
significava que determinado senhor era muito rico ou até mesmo considerado possuidor de
um status invejável.
Por meio das análises dos três inventários pode-se perceber que foram
contabilizados ao todo 63 escravizados entre homens, mulheres e crianças, e assim como as
obras da atualidade, como as citadas no primeiro capítulo desta pesquisa, as de Mairton
Celestino, Francisca Raquel Costa e Débora Cardoso, ambas de 2014, também foram
mostrados os escravizados com seus nomes, idades dentre outros detalhes que as fontes
informaram sobre os cativos que viveram em Campo Maior no século XIX. A
problematização sobre os dados foi feita conforme citado no inicio deste capítulo.
No inventário de Benedito José do Rego, é possível observar fatos que necessitam
de grande atenção para com o caso do escravizado Francisco, pois no documento original não
apresentando a sua etnia, nem idade, e ainda ao lado do seu nome se encontra dizendo que o
mesmo tem carta de liberdade. Não se diz quem a deu, mas o fato desta notificação de ser um
escravizado com carta de liberdade, ou melhor, já ser um liberto, necessita de maiores
detalhes, para que assim como os herdeiros devam perceber que o motivo dele não ter um
valor específico ao lado do seu nome lhe garantirá que na hora da partilha dos bens o seu
direito não mais como um escravizado, mas sim como um ex-cativo, sendo livre e venha a ser
assegurado por meio deste registro, pois a documentação para Francisco nos deixa uma
dúvida quanto se o mesmo era cativo ou livre?
Florinda é outra escravizada que não apresenta a sua etnia, mas está avaliada no
valor de 400 mil réis, a quantia anotada gira em torno da sua idade que é de 21 anos, e ter uma
cativa com esta faixa etária na fazenda poderia lhe render mais escravizados. A cativa Ana
Crioula tem seu registro com a idade de 70 anos, seu valor era 40 mil réis, preço este
destinado por causa da sua velhice, sendo velha não teria mais serventia para o trabalho
pesado nem na casa grande e nem no “eito”, ou seja, no trabalho com a terra. Maria Crioula,
embora tendo 35 anos tenha o mesmo valor que a escravizada Ana Crioula, e isto se da
porque a mesma se encontra cega, e assim como o cativo Fernando Crioulo do inventário de
Archangela Pulguna Castelo Branco os mesmos tinham registro de baixo valor por causa de
sua cegueira. Para os senhores de escravizados, possuírem cativos cegos em suas fazendas não
44
era bom já que se buscavam altos lucros com as suas “mercadorias” e estas estando cegas não
lhe renderiam lucros, apenas gastos.
No inventário (1846) o caso de Maria Crioula não foi diferente com o fato de o
seu baixo valor poder ter ligação com o tipo de enfermidade que possuía, pois a cativa não
poderia ser inserida em nenhuma forma de trabalho. O fato era que tinham que colocar outra
escravizada saudável para cuidar da cativa cega. O escravizado Justino, de 03 anos, também
não tem identificado sua etnia e ainda diz-se doente, mas não se especifica sua enfermidade,
apesar do mesmo se encontrar avaliado em 80 mil réis, chegando a valer até mais que Ana e
Maria Crioula. Isso pode ser interpretado porque ambas escravizadas já eram velhas, e ainda,
uma delas estava doente, Maria Crioula era cega. O cativo Justino ainda era novo e dias a
frente, quando este já estivesse um escravizado adulto, chegaria a valer bem mais caro para o
seu senhor, podendo gerar uma boa mão de obra para o trabalho na fazenda, pois a força
africana foi a base das atividades nas fazendas.
No inventário de Archangela Pulguna Castelo Branco, a escravizada Esculastica
não se tem registro de qual nação pertencia, sua idade era de 02 anos e a mesma estava
avaliada em 140 mil réis, isso é uma coisa comum nestes inventários, os escravizados que são
da faixa etária de 01 a 15 anos chegam a ter um valor bem alto. Vale ressaltar que quanto
mais o cativo estivesse sadio, mais bem avaliado ele seria, como é o caso do escravizado
Antonio Crioulo de 40 anos avaliados em 300 mil réis, e a frente do seu registro se encontra a
notificação afirmando que este cativo estava sadio.
Já Fernando Crioulo que com 25 anos estava avaliado em 70 mil réis era por
causa dele está com dois tipos de enfermidades tanto nos olhos como nos peitos, pois nesta
idade os escravizados costumam valer bem mais caros, não se descreve aqui o que causou
determinadas enfermidades no sujeito, o que podemos pensar é que grande partes destas
enfermidades adquiridas por tais escravizados eram resultados de desobediências praticadas
contra as ordens dos seus senhores ou em alguns casos acidentes com ferramentas durante a
execução dos trabalhos nos campos.
Ainda no inventário da senhorita Castelo Branco, encontramos a situação de saúde
definida para 06 escravizados, porém os outros não foram mencionados como estavam de
saúde, mesmo não falando como estavam estes escravizados quanto a sua saúde deduzimos
que talvez estivessem saudáveis, pois os valores que trazem aqueles escravizados que estavam
doentes o seu valor era muito baixo em relação aos outros que não trazem sua condição física
45
definida, estes estavam avaliados nos valores de 140 a 400 mil réis, assim supomos que
também estavam bem de saúde.
Um caso que merece destaque para estes documentos é que ao se falar dos
escravizados nos inventários é interessante ver que quando estes traziam algum tipo de
enfermidades, eles eram comercializados por um valor mais baixo daqueles que eram sadios.
Já nos casos dos cativos “especializados”, ou seja, aqueles que tinham bom êxito em
determinados tipos de trabalhos, chegavam a ser avaliados a preços bem altos. Nos
documentos nenhum dos cativos foi destacado em qual atividade estavam inseridos, isso faz
com que se permita pensar que de uma maneira geral os cativos em sua maioria desenvolviam
trabalhos ligados especificamente à criação e cuidado com o gado, sendo tanto cativos
homens como as mulheres.
Os senhores de escravizados, sabendo destas especificidades destes cativos, já se
sabiam onde colocá-los para trabalhar, e a maioria dos escravizados africanos que chegaram
já tinham seus trabalhos específicos, como por exemplo, nos afirma o historiador Reinaldo
dos Santos Barroso Junior, “os africanos oriundos dos portos de Cacheu e Bissau,
reconhecidamente exímios cultivadores de cereais afinal possuíam mais de três milênios de
experiência” (BARROSO JÚNIOR, 2009, p. 87). Como estes cativos se mostravam
dominadores de tamanhas práticas com trabalhos com o arroz, despertavam nos senhores de
escravizados a vontade de possuir cativos deste tipo para a sua fazenda, pois ter um
escravizado especializado em determinada atividade já era uma garantia para o seu dono de
que tamanho investimento em poucos anos lhes seriam restituídos.
Dos 12 escravizados da senhorita Castelo Branco registrados em seu documento,
temos 08 deles identificados como Crioulos, 02 Cafur que é o mesmo que Cafuzo, e ainda um
Mulato e uma que não tem identificada sua etnia, que é o caso da escravizada Esculastica, o
que se fez pensar no porquê de tal classificações. A faixa etária dos cativos de Archangela
Pulguna são de 01 a 40 anos, no caso das crianças escravizadas há uma diferença de valor
entre as cativas Candida Crioula de 10 anos e a Predicanda Cafur de 09 anos, que embora
mais nova, Predicanda Cafur chega a valer mais que Cândida Crioula, e isso se dá por causa
das diferenças de etnia, pois a etnia Cafur significa nascido de preto com mulata, sendo já
uma filho de escravizados em terras brasileiras.
É importante destacar, ainda, que no inventário de Archagela Pulguna a situação
entre dois de seus escravizados que se encontram enfermos, como é o caso de Fernando
Crioulo que estava doente dos olhos, apesar de sua idade de 25 anos, foi avaliado em 70 mil
46
réis por causa desta sua enfermidade, e o escravizado Lucio Mulato de 16 anos que também se
encontra doente, só que este avaliado em 300 mil réis. A diferença era que a sua moléstia era
na perna e por isso são 230 mil réis avaliados a mais que o escravizado Fernando Crioulo
(cego), pois a enfermidade deste escravizado não tem cura e para o seu senhor este cativo era
um escravizado inútil, pois que no trabalho do dia a dia a visão era muito necessária. A partir
disso pode-se perceber que as próprias diferenças de determinados graus de enfermidades
também definiam o valor dos cativos.
Sobre a questão de enfermidades dos escravizados no inventário de Simplício da
Silva Cardoso, os únicos escravizados que aparecem doentes são os cativos Garcia Africano,
Mauricio Crioulo e Francisco Longá Crioulo que estão descritos como “quebrados”. Assim
como os outros dois inventários de (1846) e (1852), não se dá informação sobre como
adquiriram as doenças, nem se referem em qual parte do corpo o sujeito “está quebrado”, mas
ressalta que suas idades variam entre 48 a 55 anos de idade, e para a idade apresentada
mostrava que para escravizados homens que passavam a maior parte do tempo trabalhando
nas lavouras, já não teriam mais tanta condição física para o trabalho braçal que a atividade no
campo exigia. No caso de Joaquim Muniz Africano estando com a perna inchada ainda
custava 240 mil réis fugindo a regra para os três outros cativos citados.
Um fato a ser observado para o inventário do senhor Simplício Cardoso é que
entre seus 44 escravizados só apareçam 04 estando em estado de enfermidades. Não se tem
registro de nenhum escravizado cego. A faixa etária de seus cativos era de 01 a 16 anos, ele
possuía 21 escravizados nestas idades, todos eram homens, embora que ainda crianças,
aparentemente filhos de escravizados mais velhos.
O documento não fala sobre fugas, pois o hábito de se utilizar das fugas para
resistir ao sistema escravocrata, na historiografia brasileira mostra que a maioria das
enfermidades que os escravizados possuíam era em decorrência de castigos de fugas na
tentativa de resistir ou de não querer fazer o que seu senhor mandava (COSTA, 2014).
No inventário de Simplício da Silva da para observar que a composição dos
cativos na sua maioria eram homens, e isso faz com que o valor de sua fortuna gerada pelos
valores da soma dos seus escravizados seja alto, pois de cativas ele só tinha duas e que
estavam velhas demais para os trabalhos. Ainda sobre valores, deve-se destacar o valor de 02
escravizados: um é o cativo Calito Crioulo e o outro é o Augusto Crioulo que estão ambos
com 35 anos de idade e avaliados em 500 mil réis, no documento não há registro de
47
especificidade no caso de desenvolverem algum outro tipo de trabalho para que os mesmos
estivessem valendo esta quantia.
Há relatos em obras como Barroso Júnior (2009) que trata sobre o que foi
mencionado. Para ele, dependendo do que o escravizado fazia de específico em determinada
atividade, poderia valer mais que os outros, ou então dependendo do lugar de onde vinham,
mas no caso específico dos dois cativos citados são Crioulos e estes cativos já eram os
nascidos nas Américas. Não se tem descrito em que área específica de trabalho estes se
destacavam, a não ser que o valor de 500 mil réis estivesse associado ao fato dos mesmos
escravizados ser de propriedade de pessoas mais abastardas, pois seguidos de seus nomes
temos uma notificação ao lado como “oficial de Firmino” para Augusto e “oficial capitão”
para Calito, levantando a ideia de que um pertença ao Oficial Firmino e o outro a um capitão.
O que ainda chama atenção para o inventário de Simplício Cardoso é o fato da
pouca presença de mulheres escravizadas na fazenda deste senhor, levando também em
consideração que as duas que aparecem já são de idades avançadas. Pelo que parece o senhor
Simplício não deixava com frequência que se formassem famílias escravas em sua fazenda,
isso pode ser percebido até mesmo na falta de mais mulheres no seu inventário. A obra de
Freyre (2006), problematiza sobre possíveis relações entre os escravizados dentro das
senzalas, sendo que através disso se formaram muitas famílias escravas nos cativeiros e no
caso de Simplício da Silva era evidente a tentativa de evitar estas formações familiares para
não ter complicações nem trabalho na hora de efetuar as vendas e trocas comerciais de seus
escravizados entre outros senhores da região de Campo Maior.
Pela quantidade de escravizados homens na fazenda de Simplício da Silva, seus
trabalhos estariam mais voltados para as atividades nas plantações, com a própria criação de
gado bovino vacum e cavalar nas áreas pastoris. Os escravizados homens estavam mais
propícios a trabalharem nas lavouras, ou cuidando do gado, já que por aqui a principal
atividade que desenvolvia a região era a plantação, ou o cultivo da terra e a criação bovina,
característica esta que o Piauí carrega quando se fala em colonização destas terras. Cabe-nos
aqui no presente momento não generalizarmos sobre dizer que somente o cativo estava
trabalhando nas lavouras, pois Lima (2005) em sua obra fala tanto dos cativos quanto das
cativas em trabalhos no campo, mostrando que elas também foram presentes no campo além
de suas marcas na cozinha da casa grande, elas também puderam estar na lida com o gado
vacum e cavalar.
48
E como bem mencionado, Campo Maior foi um lugar com terras muito propícias
para a criação de gado, seus verdes pastos, e suas terras banhadas pelos rios, fez com que aqui
este tipo de atividade, a pecuária extensiva ganhasse grande destaque, segundo Tânia Brandão
(1999) e Luis Mott (1985) esta atividade não necessitava de muita mão de obra para este tipo
de trabalho, já que um vaqueiro era suficientemente bom para cuidar de 30 a 40 cabeças de
gado e em muitos casos não era só o vaqueiro quem cuidava deste tipo de trabalho, Solimar
Lima em sua obra Braço forte: trabalho escravo nas fazendas da nação no Piauí: 1822-1871
(2005) nos enfatiza que a força da mulher escravizada também esteve presente nas atividades
do campo, esta não ficava somente na cozinha da casa grande ou em trabalhos nas ruas como
no caso as escravizadas de ganho ou as vendedoras, Solimar Lima (2005), mostra que a figura
da cativa foi muito além do que pensamos, pois dos diversos trabalhos executados pelos
cativos muitos destes também foram feito por elas.
Como foi apresentado por meio de tabelas, foi possível visualizar quem eram os
escravizados, pois nelas conhecemos o seu nome, a etnia que pertenciam, a sua idade, que
para o senhor de escravizados era de suma importância saber qual a idade do cativo, já que
pela idade os proprietários de terras poderiam percebe se o escravizado ou a escravizada
estavam aptos para o trabalho tanto nas lavouras como na casa grande. Além destas
informações vinha descrito o sexo e a cor ligado a questão da etnia, pois em nenhum
momento foi destacado cativo como preto, já que todos os escravizados eram negros. Em
alguns casos estava presente sua condição para o trabalho. O valor em que o cativo estava
avaliado dependia muito de como ele estava fisicamente, podendo também vir descrito se o
mesmo tinha enfermidades ou não, o que fazia com que seus valores flutuassem.
Outro fato relevante foi que, embora Benedito José do Rego sendo homem, ele
chega a ter menos escravizados que a senhorita Archangela Pulguna Castelo Branco, pois a
mesma em seu inventário tem registrado 12 escravizados e Benedito Rego tinha 07
escravizados, sendo um com carta de alforria, o que nos faz pensar se o mesmo era livre ou
cativo? Archangela Pulguna chega a ter 05 escravizados a mais que o senhor Benedito e isso
se da pelo fato da senhorita Archangela compor uma das famílias mais ricas que fizeram
morada na Vila de Campo Maior, além de ser uma família com grandes influências na região.
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O fato de Archangela Pulguna fazer parte da família dos Castelo Branco foi o que
nos fez perceber o porquê desta jovem senhorita ter tido seus bens registrados em um
testamento, pois antes mesmo da época em questão, a figura da mulher já tinha acesso a estes
documentos, como mencionado na obra de Paixão (2015) essa visão de que para algumas
mulheres o “ser mulher” estava mais reclusa ao espaço do lar, não se acentuou para a
senhorita Castelo Branco.
Nas documentações temos registros em que se tem a presença de mulheres tendo
seus bens registrados nos mostrando que o acesso delas foi bem antes, pois no século XVIII já
existia essa prática de mulheres registrarem seus bens e não precisavam serem viúvas, elas
tiveram acesso aos documentos por pertencerem a famílias de elite, e é o que acontece com a
senhorita Archangela Pulguna, que era uma mulher de família abastarda para o período em
estudo, por isso a mesma teve seus bens registrados (APEPI. Autos Cíveis de Inventários. Cx:
0048).
Na maioria dos casos que aparecem nos inventários de Benedito José do Rego e
Archangela Pulguna Castelo Branco ao se falar da enfermidade de determinados escravizados,
não se diz como estes cativos adquiriram tamanha doença, por exemplo, o cativo da senhorita
Archangela Pulguna Castelo Branco, o escravizado Fernando Crioulo, estava doente dos olhos
e dos peitos, mas não se diz como ele chegou a adquirir tal doença. Observando a condição
em que o cativo vivia, muitas destas doenças que eles tinham ou vinham a adquirir eram
resultados dos maus tratos realizados pelos capatazes ou feitores, o qual se dava a tarefa de
executar as ordens de seus senhores por meio da aplicação de severos castigos nos
escravizados que desobedecessem as ordens do sistema. Os castigos eram aplicados pelo
feitor que era o braço direito do senhor de engenho.
Dentre alguns dos valores em que os escravizados estavam avaliados, o que
chamou a atenção também foram para as cativas na faixa etária de 18 a 21 anos que eram
avaliadas em 400 mil réis, por exemplo, as cativas Eulalia Crioula de 18 anos do inventário de
Archangela Pulguna e Florinda de 21 anos do inventário de Benedito José do rego, que
chegam a valerem mais que alguns escravizados, e com isso pode-se indagar que ter uma
escravizada desta idade na sua fazenda era muito importante para o senhor, porque além de
trabalhar na casa grande ainda poderia ser uma escravizada propícia a ser uma gestora de mais
escravizados para a sua fazenda, já que aos olhos do senhor de engenho ter este tipo de cativa
na sua fazenda era uma garantia de fazer com que seus novos escravizados estariam
garantidos.
50
Pois após chegar á fazenda adquiria o sobrenome do seu proprietário, e aquele que
era livre, passava a não ter mais a sua liberdade. Tudo a respeito de tal cativo era decidido por
um dono, o qual antes não tinham, e isso era o que os condicionavam a ser “propriedade” de
uma pessoa, era destituir do “ser livre” para viver sob o julgo de um dono.
51
Portanto, com o cruzamento dos dados obtidos através destes três inventários
analisados foram encontrados 63 escravizados, não se diz de onde vieram estes cativos, mas
por meio de obras como a de Seymour Drescher (2011) e Barroso Junior (2009) pode-se
enfatizar que muitos dos escravizados que chegaram vieram de diferentes regiões da África,
mas em nenhum momento isto foi descrito nos documentos, e pelo que se pode afirmar
muitos dos cativos identificados nestes papéis eram filhos de escravizados trazidos da África,
sendo, portanto, gestados e nascido já no Brasil.
O próprio fato de quase metade dos escravizados de Simplício Cardoso que são
crianças já aponta para este dado, pois sendo escravizados nascidos aqui no Brasil e o tráfico
negreiro tendo sido abolido ainda em 1850 com a Lei Euzébio de Queiroz, que fazia proibição
da comercialização da mão de obra africana para o nosso país, pode-se concluir que estes ou
eram filhos de outros cativos ou chegaram nos últimos navios antes da proibição.
Dos 63 cativos encontrados, ainda foi dado destaque para os 14 escravizados que
tem a denominação “Cabra ou Cabra Claro” e com isso foram identificados uma nova etnia
nas terras dos carnaubais, a mesma já tinha presença em outras cidades como Teresina e
Piracuruca. A partir desta nomenclatura percebe-se que o título foi usado na documentação
para os filhos já nascidos de africanos no Brasil, seguidos dos demais termos como Crioulo,
Mulato e Cafuzo, mas esses três últimos citados juntamente com o termo Africano já haviam
aparecido em outros documentos que foram analisados, como no caso de documentos do
Arquivo Histórico Ultramarino, o “Projeto Resgate” trabalhados no Grupo de Estudos Afro -
GEA/NEÁFRICA/PI, onde estes quatros tipos aparecem com mais frequência.
Para o termo “Cabra e Cabra Claro” que se seguiu para 14 escravizados
encontrados nos dois inventários piauienses. Foi a primeira vez que foram encontrados em
documentos que falam sobre Campo Maior, mas nem todos os cativos tiveram sua
identificação mencionada nos documentos, por exemplo, a cativa Esculastica da senhorita
Archangela Pulguna; Francisco e Florinda de Benedito Rego e de Simplício Silva os cativos
Lino e Liberato não se mostrou a qual etnia pertenciam.
A falta de informações para com os escravizados nos inventários nos faz perceber
a necessidade de um estudo mais avançado acerca destes 14 escravizados “Cabras”
encontrados, tanto no inventário do senhor Benedito José do Rego com três cativos “Cabras”,
quanto no documento de Simplício da Silva Cardoso com 11 cativos “Cabras”, e trazendo esta
discussão vem à tona a necessidade de uma busca em melhorar este estudo frente à
identificação de “Cabra” para os 14 escravizados.
52
Pode-se perceber que se trata de mais uma etnia ou nação que mistura
África/Brasil vindo a se constituiu aqui no Brasil, pois os mesmos escravizados que são os
“Cabra e Cabra claro” podem ser filhos de Mulatos (índio) com a Preta (escravizada). Mott
(1985) e Sousa (2012) falam deste tipo de cativos, mas não trazem uma discussão maior, o
que se faz afirmar que estes sejam filhos de escravizados que já viviam no Brasil.
Em dois dos inventários analisados na pesquisa foi possível ver registrados qual
etnias os cativos pertenciam, e a partir disso pode-se perceber se o cativo vinha ou não de
alguma região da África, pois os cativos e cativas encontrados na fonte a partir da
nomenclatura recebida, como a de Africano, Mulato, Crioulo, Cafuzo e Cabra, é possível
fazer a indagação que estas nações ou etnias foram criadas ou constituídas aqui no Brasil, pois
segundo nos enfatiza o historiador Barroso Junior (2009):
A partir da discussão que Barroso Junior (2009) nos apresenta da para ter a noção
de que essa tipologia designada para os cativos foi usada para nomeá-los, mas que não tem
nenhuma relação com a sua identidade, e sim por causa dos portos onde os mesmos eram
embarcados para cruzar o Atlântico. Esse nome que recebia era levado para as documentações
como foi citado, no caso de certidões de batismo e casamento quando o seu senhor os
registrava e além deste:
Com esses dois exemplos de nomenclatura criados para os africanos que foram
escravizados, percebe-se que para a etnias dos “Cabra”, a mesma só foi percebida quando ela
veio seguida da “cor” do cativo descrito nessa documentação do APEPI. Mas, assim como
foram criadas etnias para os escravizados da África, a tipologia “cabra” foi criada para
identificar os escravizados nascidos no Brasil, pois a presença de cativos cabras se fez
presente não só no Piauí no século XIX, desde 1784 já tinha presença deles em Pernambuco e
na Bahia.
53
Além dos nomes recebidos pelos cativos referentes às suas etnias nos portos, para
os escravizados denominados “Crioulos” também foi criado suas características para tal
identificação, pois os “Negros nascidos na América Portuguesa eram costumeiramente
denominados crioulos” (BARROSO JUNIOR, 2009, p.106), e assim se percebe que o cativo
Crioulo assim como os “Cabras” eram mestiços e filhos de africanos já nascidos no Brasil,
onde nestes tipos de etnias, tanto o Crioulo como o Mulato, estavam presentes em várias
regiões da nação brasileira, coisa que também aconteceu com os “Cabras”, pois a sua
existência apareceu nestes inventários da cidade de Campo Maior no século XIX, e em
anúncios de jornais do Piauí na obra de Sousa (2012) e em algumas descrições de Mott
(1985), mas isso não foi exclusividade do Piauí, pois em outros estados brasileiros os cabras
se fizeram presentes.
E assim se percebe que os cativos identificados nestes inventários como “Cabras”
tiveram sua presença também na Província do Piauí, pois a há registro da presença destes
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cativos com a denominação de cabras em outros lugares, seus principais responsáveis por
definir tal nome foram os colonizadores portugueses e europeus, e na província seguiu-se esta
prática com os padres nas igrejas quando eram feitos registros nas documentações paroquiais.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir destes três inventários pode-se perceber que ainda se tem muito a
descobrir sobre estes escravizados, não só nos inventários, mas a partir deles buscar percebê-
los em outras documentações como registros de batismo ou casamento, ou até mesmo
registros de óbito, e com este tipo de documento que foi usado na pesquisa, os mesmos se
inserem para o estudo dos escravizados não só em Campo Maior no século XIX, mas em todo
o Piauí. Com isso pode-se ver que ainda existem muitas lacunas a serem preenchidas sobre a
escravidão nas terras dos carnaubais, e com a oxidação em alguns dos documentos temos a
omissão de algumas informações tornando ainda mais difícil compreender como foi esse
sistema nas terras campomaiorenses.
No caso dos três inventários analisados as únicas informações que apareceram
foram sobre o nome dos escravizados, a nação, a idade, o sexo, o preço e no caso do
escravizado estar enfermo ou são eles descreviam ao lado do documento ou junto com a
descrição geral. Estas foram as informações mais encontradas nos três documentos estudados.
Sobre outras indagações: se estavam casados ou solteiros? Em que trabalhavam?
Feitas ainda no início deste trabalho a respeito dos escravizados, não existe este tipo de
informação, pois ao que se percebe o mais importante era saber se a “mercadoria” estava em
boas condições, e o que se observa com isso é uma grande lacuna que existe referente a tais
informações que ainda necessitam de mais pesquisas.
Por meio das análises destes inventários foi observado que ainda existe uma
grande problemática em descrever informações sobre os escravizados que chegaram ao Piauí,
pois muitas das informações que são necessárias não se encontram nestes documentos. Como
nos casos encontrados, fala-se de escravizados, do seu sexo, da sua idade, de seus valores,
mas em alguns casos não se sabe de onde veio escravizado, pois nestes documentos o
essencial para os senhores era descrever como estavam suas “mercadorias” se estas estavam
em perfeitas ou em más condições de uso, pois isto era um fator de grande influência na
avaliação de sua propriedade, sendo que se este tivessem enfermidades, poderia ter certeza
que seu valor correspondia a seu estado físico.
Portanto, além destas informações, foi possível perceber também que sobre a nova
etnia ou nação encontrada nos documentos dos inventariados de Campo Maior, que foram os
escravizados “Cabras”, os mesmos tiveram também sua presença nas terras da Província do
Piauí, pois a sua existência já vinha sendo afirmada desde Luiz Mott (1985) seguida de outras
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obras como Sousa (2012), e quem os classificaram foram os colonizadores, sendo que esta
prática se seguiu para todos os que nasceram nas terras piauienses e no caso em estudo, para
os campomaiorenses, e confirmar a presença destes cativos aqui foi possível por meio dos
inventários do século XIX que se inseriram nesta pesquisa para problematizar as propriedades
negras na escravidão da região dos carnaubais.
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REFERÊNCIAS
FONTE
BIBLIOGRAFIA
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