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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ- UESPI

CAMPUS HERÓIS DO JENIPAPO- CAMPO MAIOR


LICENCIATURA PLENA EM HISTÓRIA

CARLIELTON MACAMBIRA DE SOUSA

PROPRIEDADES NEGRAS: OS ESCRAVIZADOS NOS


INVENTÁRIOS DE CAMPO MAIOR EM MEADOS DO
SÉCULO XIX.

Campo Maior - Piauí


Dezembro de 2015.
CARLIELTON MACAMBIRA DE SOUSA

PROPRIEDADES NEGRAS: OS ESCRAVIZADOS NOS


INVENTÁRIOS DE CAMPO MAIOR EM MEADOS DO
SÉCULO XIX.

Monografia apresentada ao curso de Licenciatura


Plena em História da Universidade Estadual do Piauí,
como requisito parcial e obrigatório para a obtenção
do grau de Licenciado em História.

Orientador: Profº. Ms. Reinaldo dos Santos Barroso


Junior.

Campo Maior- Piauí


Dezembro de 2015.
CARLIELTON MACAMBIRA DE SOUSA

PROPRIEDADES NEGRAS: OS ESCRAVIZADOS NOS INVENTÁRIOS DE CAMPO


MAIOR EM MEADOS DO SÉCULO XIX.

Monografia apresentada ao curso de Licenciatura


Plena em História da Universidade Estadual do
Piauí, como requisito parcial e obrigatório para a
obtenção do grau de Licenciado em História.

Orientador: Profº. Ms. Reinaldo dos Santos


Barroso Junior.

Aprovada em:_____ de _________ de 2015.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________
Profº. Ms. Reinaldo dos Santos Barroso Junior

____________________________________________
Prof.ª Ms. Mairton Celestino da Silva

_____________________________________________
Prof.ª Ms. Felipe da Cunha Lopes
Em memória a esses anjos que se foram em
meio a minha jornada acadêmica, às minhas
duas tias, Edite Maria do Rosário Pereira e
Maria do Rosário Oliveira Souza, que foram
tias maravilhosas em minha vida. Tia,
obrigado por tudo, pelos conselhos, as horas
de conversas juntos nos alpendres, à sombra de
uma mangueira, na cozinha saboreando um
delicioso café, espaços estes maravilhosos na
casa de cada uma de vocês, esses momentos
ficarão eternizados em meu céu de
lembranças.
Em memória também de dona Lúcia Gomes,
uma grande amiga que me dava conselhos e
me ajudou bastante nesta minha jornada
universitária, meu muito obrigado pelo seu
carinho.
DEDICATÓRIA

A Deus, este ser supremo que me fez criatura vossa, sendo nele que encontrei
forças para seguir minha caminhada quando eu já estava ficando fraco em meio as batalhas
que surgiram na minha vida tentando me impedir na finalização deste trabalho de conclusão
de curso.
A toda minha família que desde quando entrei na universidade ainda em 2012.1,
foram às primeiras pessoas a me apoiar. Meus pais, meus heróis, meu tudo, papai Vicente
Macambira de Sousa e mamãe Rosa Maria do Rosário vocês são a razão do meu viver, a meus
irmãos Antonio Cleison Menezes, Claudiney Macambira, Claudenir Macambira, Claudecir
Macambira e minha irmã Claudinéia Macambira, esta mana que desde que iniciamos a nossa
jornada acadêmica vem sendo uma parte do meu porto seguro que me acompanhou nesta
batalha. Juntos compartilhamos momentos de alegrias, de dores e perdas, mas sempre um
dando forças ao outro enquanto estávamos longe de casa, longe do meu querido interior, o
povoado Lagoinha, município de Sigefredo Pacheco-PI.
A minha linda e querida sobrinha, Esmeralda Melo Menezes, pequena menina que
me traz grande alegria ao estar perto dela, juntamente com seus maninhos Marcos Vinícius
Portela e Antonia Thaemy, meus lindos, titio ama muito vocês. Ah! E chegou a mais nova
Macambirazinha na família a Isabela Macambira, filha de Kelly de Almeida com meu irmão
Claudecir Macambira. Adrielson Monteiro e Tailton Jhony Oliveira, tio não se esqueceu de
vocês não viu! Meus xodós, crianças que me faziam sentir bem quando já não encontrava
sentido para lutar.
AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus pela oportunidade de estar concretizando meu sonho em


me formar em professor, esta profissão que para mim é uma das mais especiais. Em meio às
dificuldades que a vida me colocou, o Senhor sempre me ensinou a confiar nele, e quando
pensava em desistir lembrava-me desta frase que carrego comigo desde o colegial: “Tudo
posso naquele que me fortalece” Fl. 4,13.
A todos da minha família que me apoiaram nesta luta, a meus pais queridos Rosa
Maria do Rosário e Vicente Macambira de Sousa, que souberam suportar a saudade e que
entenderam os motivos das minhas não idas para casa durante alguns dos finais de semana,
quando eu ficava aqui em Campo Maior por causa dos trabalhos da UESPI.
As meus irmãos, meus sobrinhos, afilhados, a minha vozinha Raimunda Maria do
Rosário, grande exemplo de mulher, a matriarca da minha família, as minhas tias Maria José
do Rosário, “tia Zeza”, tia esta que me acompanhou nesta jornada aqui em Campo Maior
desde minha chegada à cidade ainda em 2010 fazendo cursos técnicos. Tia Zeza, a senhora foi
meu anjo da guarda quando eu estava longe de casa. Outras tias que agradeço muito são tia
Lourdes Tomaz, “tia Bolusca”, Antonia Tomaz “Mãetotonha”, Zildete Oliveira “tia Dete”,
Fátima Tomaz, Francisca Sampaio “Mãe Francisca”, Alice de Castro “tia Pepeta”, Tia Luiza
Marques e família, o tio Francisco das Chagas, tio José Pereira, e a todos os primos e primas.
A meus padrinhos (batismo) Maria de Nazaré Silva e José Bandeira, (crisma)
Maria da Paz e José Zacarias, (fogueira) Francisca Ibiapina e Edmar Ibiapina.
A meus compadres e comadres Délia Araújo e Manoel Portela, Tamires Oliveira e
Marcelo Santos.
Aos meus afilhados Arlindo Neto Portela e Thomaz Santos Oliveira.
Ao meu orientador Reinaldo dos Santos Barroso Junior que me apoiou muito e
sempre tirava um tempinho na sua agenda para me orientar nesta pesquisa. Agradeço pela
parceria durante esses 2 anos de orientação e amizade tanto em sala de aula como no grupo de
pesquisa, pois o resultado final da minha pesquisa teve influências suas, afinal ninguém nessa
vida chega a nenhum lugar sozinho. Sei que algumas vezes tivemos alguns atritos, mas qual
relação isso não acontece? O que importa é que encerramos um ciclo e demos início a outro.
Por fim, obrigado de coração por tudo, serei sempre grato a ti cara, pois contigo aprendi
muitas coisas para vida pessoal e profissional, que o Senhor te abençoe e ilumine seus passos,
sei que foi um pouco difícil lapidar essa pedra bruta que foi eu. Valeu cara.
Ao professor Felipe da Cunha Lopes, pois foi através dele que tive acesso a
documentação de minha pesquisa quando o mesmo passou ao professor Reinaldo Barroso,
sendo estas a base de minha pesquisa.
Aos meus grandes amigos do interior que me ajudaram a conquistar este sonho,
agradeço a família Félix na pessoa da tia Lucimar e Domingos, grandes vizinhos que sempre
estavam me apoiando; a família Sampaio na pessoa de Raimundo Martins Sampaio Neto
“Neto Sampaio” e sua esposa Maria da Conceição Sampaio “Ceicinha”, tia Analina Sampaio
e Raimunda Sampaio “tia Mundica” e a seu esposo Carlos Chuíba, sem o apoio de vocês
nessa jornada eu não teria conseguido. Neto meu parceiro, as caronas, as ajudas foram o que
me deram suporte para permanecer na luta, vocês serão sempre lembrados na minha vida.
A Hellen Carla Silva e Kelve Silva filhos de Carlos Chuíba e tia Mundica, a meus
primos Kelson Alves e Talison Oliveira, pois juntos dividimos casa de aluguel durante um
bom período e assim tive grandes momentos ao lado de vocês.
A todos os meus ex-professores do interior (Lagoinha) estes foram os que me
deram a base de uma educação.
Ao Francisco Barba e família, “Chico Barba” que sempre me ajudou, ele com
seus filhos Carlos Augusto e Fabrício Teixeira que vinham em seu ônibus fazendo o trajeto da
Lagoinha para Campo Maior de segunda a sexta e tinham muita paciência comigo nas
viagens.
A família Melo Paz, na pessoa de dona Líbia e seu Francisco “Negão” e suas
filhas Gislayne e Gislene, vocês foram muito especiais para mim desde a minha chegada à
cidade, foram pessoas que contribuíram muito em minha formação com os incentivos de
estudar e enfrentar um curso superior.
Aos amigos que conquistei ao chegar aqui em Campo Maior que foram muitos,
como a família de dona Lina Rocha, mãe de Francília Rocha “A especial”, duas pessoas muito
especiais na minha vida, seres divinos que me davam muita força e compartilhava comigo
momentos de saudades e alegrias.
A dona Maria do Carmo Vasconcelos, essa mulher que foi sempre presente em
minha jornada acadêmica e sempre me ajudou com conselhos e “misturas” para os almoços.
A família Oliveira, especialmente o “trio”, na pessoa de Glênia, Gerlândia e
Gleidiana juntamente com seus esposos, filhos e filhas, vocês me garantiram muitos
momentos especiais, demos muitas risadas juntos.
A Francisca Sousa “Kinha” pessoa gentil e muito engraçada, uma grande amiga
que me ajudou bastante, imprimiu muito dos meus trabalhos quando eu não tinha condição
para tal fim, e sempre tinha palavras de carinho que me animavam na caminhada.
A família da dona Simone Assis, suas filhas Eduarda Vitória e Ana Carla Assis,
seu neto João Guilherme e seu genro Fábio, pessoas maravilhosas.
As famílias de dona Maria do Amparo e seu Joaquim Ibiapina, a dona Maria de
Nazaré e seu esposo Vera Cruz, grandes amigos, estes foram anjos em minha vida.
A família Frota na pessoa de seu Antonio Frota, ex morador da Lagoinha, um
senhor maravilhoso que passei muitas tardes de conversas em sua casa junto com sua filha
Elaine Frota.
A família de seu Erisvaldo e dona Jucilene Neves, juntamente com suas filhas
Erica Sanara e Eline Sayonara, obrigado pelo apoio, e as diversões durante os congressos em
São Luís – MA, vocês são demais.
Aos meus colegas que conquistei na minha turma “maluca”, esta turma 2012.1 foi
show na UESPI. Marcou muito minha vida, juntos vivemos grandes momentos de viagens,
brincadeiras, alguns atritos é claro, afinal ninguém consegue agradar a todos, mas destaco
aqui os amigos mais afins como, Camila Macêdo (para mim ainda é da turma viu minha
linda), Maria de Lourdes “Lurdinha” (transferiu curso para Teresina), Luana Chaves, Janice
Alencar, Daniela Pereira, Gisele Lima, Maria Cecília Borges, Paulo Rangel, Kleiton William,
e a turma de Capitão de Campos, Ana Paula Sousa, Keylla Fernanda, João Paulo Sousa,
Francisco das Chagas Lopes e Marcos Silva, mas em especial da turma, Francisca Maria
Neves “Fransquinha”, Naomy Pontes e Lara Jéssica Nóbrega, três meninas maravilhosas que
Deus me deu como amigas que às vezes classifico-as como “maninhas de sangue”,
compartilhamos grandes momentos de confidências, brincadeiras e loucuras. Amizades assim
que não se explicam, simplesmente existem. Obrigado meninas por tudo.
A todos os membros do grupo de pesquisa, Grupo de Estudos Afro -
GEA/NEÁFRICA/PI fundado pelo meu orientador em 2014.1, mas em especial a Francisca
Neves, Lara Jéssica Nóbrega, Paulo Martins e Ricardo Melo, pois juntos fomos o co-
fundadores deste grupo, e juntos tivemos grandes momentos de aprendizagem, brincadeiras,
mas também muito trabalho com aqueles documentos do Arquivo Histórico Ultramarino –
AHU da Torre de Tombo de Lisboa. Osmar Cardoso, Poliany Maria Oliveira e Rafael
Rodrigues, os novos membros, galera que chegou ao grupo com muita dedicação, parecem até
que já haviam iniciado juntos com os demais na fundação do grupo.
Aos companheiros e companheiras do Pibid Interdisciplinar Travessias Atlânticas,
coordenadoras, supervisoras e bolsistas, pois na minha jornada vocês também contribuíram
com o profissional a qual almejo ser no futuro. Os textos discutidos nos grupos de trabalhos
me ajudaram bastante na temática da minha pesquisa.
Eu não poderia deixar de falar de outra grande amiga que a universidade me deu
que foi Jéssica Luana Silva, menina meiga, talentosa, um ser humano que se tornou muito
especial em minha vida, dividiu muitos momentos bons comigo durante os cursos de extensão
na UESPI, foram nestes momentos que falávamos de nossas vidas, anseios para o futuro e
trocávamos dicas sobre algumas leituras, comentávamos sobre nossas fontes de pesquisas,
valeu grande menina, você mora aqui no meu coração.
A Letícia Nóbrega e Larissy Nóbrega (irmãs de Lara Jéssica Nóbrega), dois anjos
de pessoas, meninas de grande estima, carinhosas e muito divertidas, vocês me ajudaram
muito com suas palavras de conselhos e carinho.
A todos os meus professores e professoras que tive durante esses quatro anos de
curso, pois nos repassaram grandes experiências de suas vidas como profissionais em sala de
aula, mas destaco aqui a figura de uma mulher que foi e é meu grande exemplo de professora,
Rebeca Hennemann Vergara de Souza, para mim, uma das melhores professoras que já tive
em toda minha vida. Obrigado Rebeca, por ter ampliado meu campo de visão, por ter me
ajudado a desconstruir boa parte de meus pré-conceitos, todos estes frutos de uma educação
fragilizada por culpa do sistema educacional.
Rebeca sua chegada ao Campus Heróis do Jenipapo em 2012.1 sacudiu meus
pensamentos, meu modo de ver a vida, sacudiu também o Campus com suas atividades e
dando a ele realmente uma vida universitária, obrigado por ter me feito ver a universidade não
como uma ampliação do meu ensino médio, um “escolão”, mas uma instituição que pode
formar cidadãos críticos. Obrigado por ter me mostrado que sim, eu sou cidadão, eu posso
lutar por meus direitos! Pois, tivemos juntos em algumas lutas por nossa UESPI e o PIBID.
Sua figura de profissional é para mim uma esperança e um sonho de um dia eu como seu
aprendiz me espelhar nesta grande mestra que você foi em minha formação acadêmica.
Obrigado por ter estado comigo e com minha irmã (Claudinéia Macambira) durante duas
grandes perdas que tivemos de nossas tias, você não sabe, mas suas palavras foram
fundamentais para aceitar aquelas perdas, costumo dizer que de 100% de minha formação
acadêmica 95% foram influências suas, “Valeu Guria” rsrsrs.
As minhas “maninhas de república” Claudinéia Macambira, Kassiane Reis, Erlane
Oliveira e Maria Oneide Oliveira que juntos trocamos várias experiências de vida acadêmica
nestes quase dois anos de convivência na república “Coruja_Clio”. Aos visitantes, Rafael
Rodrigues, Francisco Wilson Oliveira e Rubens Urquiza que sempre davam uma passadinha
na república e discutimos bastante sobre assuntos tanto do dia a dia como da universidade,
compartilhamos de grandes momentos de alegrias, “vacas gordas” tempos bons de fartura,
mas também nas pindaíbas durante as “vacas magras” iii, essa quando insistia em querer ficar
com agente, não desgrudava, esse era o momento de “contar moedinhas”.
Também agradeço as “tias do lanche” na UESPI, a dona Maria e a dona Lourdes
Sousa, pessoas especiais que sempre estavam ali prontas para saciar minha fome depois de
longas horas de aulas, trabalhos no Campus ou na sala do GEA/NEÁFRICA/PI. Também
agradeço ao seu Josenias Morais, “o senhor das xeroxs”, pois foram muitos os momentos de
descontração e conversas com esse senhor enquanto o mesmo xerocava as apostilas. Das tias
da limpeza destaco aqui dona Margarida e dona Lúcia, pessoas muito legais; Outro senhor que
menciono aqui é o seu Ribamar “seu Riba” senhor simples e trabalhador, às vezes quando
batia a saudade de papai, eu saia da sala e passava a admirá-lo lembrando de meu paizinho,
que assim como seu “Riba” era muito dedicado no que fazia.
A família Pierrot (uma loja daqui do centro da cidade) na pessoa de Airton Frota,
Eulália Rocha, dona Maria do Amparo Oliveira, Adriely Rafaelle Almeida e André Ferreira,
amigos estes que convivi bastante quando ainda não estava na universidade, mas ao saberem
que eu tinha passado no vestibular em 2012, me apoiaram muito, vocês foram demais.
Aos amigos dos grupos de orações como, Terço dos homens na pessoa de Rogério
Portela, Encontro com a Misericórdia Divina na pessoa de seu Francisco Oliveira e dona
Eliete Oliveira, ambos do bairro de Fátima; ao pessoal do Encontro de Jovens com Cristo –
EJC e ao grupo Jovens Adoradores do Rei – JAR do bairro São João em Campo Maior; Ao
grupo de jovens da minha comunidade, Jovens Revolucionários Unidos a Cristo – JRUC, pois
foram nestes grupos onde encontrei forças quando as circunstâncias da vida queriam me fazer
desistir, neles eu reencontrava forças para levantar e seguir em frente depois de rasteiras que a
vida me dava.
Enfim, gostaria de agradecer a todos que de uma forma direta ou indiretamente
contribuíram com a minha formação docente, afinal, ninguém neste mundo chega a lugar
nenhum sozinho. Meu muito obrigado a todos, hoje posso dizer: Sou professor de história! E
vocês fizeram parte dessa vitória.
“Tudo posso naquele que me fortalece”.

(Filipenses 4,13)
RESUMO

Este trabalho traz uma discussão sobre a escravidão, tendo como base os inventários
piauienses de três proprietários Benedito José do Rego (1846), Archangela Pulguna Castelo
Branco (1852) e Simplício da Silva Cardoso (1852), todos da cidade de Campo Maior, sertão
do Piauí. Os escravos relacionados nos inventários foram coletados e analisados a partir de
suas caracterizações físicas e de identificação de procedência, observando os diferenciais de
valores, destacando como podem ter recebido nomes, eventuais profissões, cicatrizes e outras
tipificações que lhes diferenciavam e influenciariam suas avaliações nos documentos.

Palavras- Chave: Escravidão. Inventários. Identificações escravas.


ABSTRACT

This research is a discussion of slavery, based on the Piaui inventories of three owners:
Benedito Jose do Rego (1846), Archangela Pulguna White Castle (1852) and Simplicio da
Silva Cardoso (1852); all of the city of Campo Maior, backcountry Piauí. Slaves related in
inventories were collected and analyzed from yours physical characterization and origin
identification, noting the differences in values, close as may have received names, possible
professions, scars and other typifications that differentiated and influence them their
assessments in document

Key-words: Slavery. Inventories. Slave Identificatons.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................................15
1. PENSANDO A ESCRAVIDÃO...........................................................................................18
1.1. Da África para o mundo: a escravidão no Brasil..........................................................20
1.2. As diversas formas de punir o cativo.............................................................................22
1.3. “Escravidão branda”.......................................................................................................23
1.4. Os trabalhos dos cativos..................................................................................................26
1.5. A escravidão no Piauí......................................................................................................28

2. 1852 – CAMPO MAIOR EM UM CONTEXTO DE LIBERDADE...................................30


2.1. De parte da Freguesia à Vila: a cidade de Campo Maior no século
XIX...........................................................................................................................................32
2.2. Os documentos analisados...............................................................................................33
2.3. Senhores de escravizados nos carnaubais......................................................................36

3. AS PARTICULARIDADES DOS ESCRAVIZADOS NOS INVENTÁRIOS PIAUIENSES


DE MEADOS DO SÉCULO XIX: O CASO DE CAMPO
MAIOR.....................................................................................................................................38
3.1. Os escravizados nos inventários campomaiorenses......................................................38
3.2. O perfil dos escravizados nos inventários campomaiorense........................................43
3.3. As particularidades de cada inventário.........................................................................48

CONSIDERACOES FINAIS...................................................................................................55
REFERÊNCIAS.......................................................................................................................57
FONTES...................................................................................................................................57
BIBLIOGRAFIA.....................................................................................................................57
15

INTRODUÇÃO

O enfoque deste trabalho é proporcionar uma discussão sobre a presença escrava


no Piauí a partir da cidade de Campo Maior. A pesquisa se deu com um acervo documental
diversificado, com ênfase em três documentos e inventários, a partir dos quais se buscou fazer
a caracterização dos escravizados em meados do século XIX. Na pesquisa utilizamos o nome
escravizado para nomear os cativos, pois os africanos não eram escravos, mas sim, foram
escravizados.
Os inventários foram coletados no Arquivo Público do Estado do Piauí - APEPI
casa “Anísio Brito”, na capital Teresina. O primeiro inventário analisado foi o do proprietário
Benedito José do Rego (1846), e logo depois vem o da senhorita Archangela Pulguna Castelo
Branco (1852), e por fim o do senhor Simplício da Silva Cardoso (1852).
O ponto de partida será algumas referências sobre a escravidão ainda na África até
sua expansão ao Brasil, e além disso, através das fontes, tenta-se responder a algumas
questões tipo: Como a escravidão ocorreu? De quais portos vieram os escravizados do Piauí?
Quais trabalhos eram desenvolvidos pelos cativos no Piauí? Se esta instituição se estendeu, a
quais lugares da Província do Piauí? Quais as etnias encontradas aqui na cidade de Campo
Maior?
Estas são perguntas norteadoras que podem levar a compreender a temática da
escravidão no norte do Brasil e em localidades periféricas como a cidade de Campo Maior
onde ela poderia ter deixado suas marcas.
O interesse pela temática de estudos afro é antigo. Entretanto, diferente de quando
ingressei na universidade, o objetivo era pesquisar sobre a capoeira como forma de
resistência, mas as dificuldades com a pesquisa levou-nos a mudar para o estudo da liberdade
escrava no século XIX, mas novamente mudei de tema. Isso foi incrementado com a
participação no Grupo de Estudos Afro – GEA/NEÁFRICA/PI, que foi fundado no Campus
Heróis do Jenipapo, ainda em abril de 2014 pelo professor Reinaldo dos Santos Barroso
Junior, que na oportunidade fez com que fossem aprofundadas leituras e discussões com os
demais membros do grupo sobre esta temática. O coordenador do grupo adquiriu um acervo
documental com o professor Felipe da Cunha Lopes, e de lá para cá “essa criança” ganhou
corpo e resultou neste trabalho.
16

Este trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro temos uma discussão
conceitual sobre como ocorreu à prática escravista desde sua origem no continente africano
até chegar ao Brasil e como ela se firmou nas terras do novo mundo até chegar a Província do
Piauí, e se estendendo para outras regiões como a cidade de Campo Maior. Além de trazer
uma breve discussão sobre a falsa ideia de que no Piauí existiu uma “escravidão branda”,
expressão afirmada por alguns teóricos como Tânya Brandão (1999), para confrontar esta
afirmação é possível destacar os recentes trabalhos lançados por pesquisadores como Mairton
Celestino da Silva, Francisca Raquel da Costa e Débora Laianny Cardoso Soares, que trazem
novas visões sobre como ocorreu à escravidão no Piauí. Será abordado também sobre as fugas
e punições dos cativos que não aceitaram o escravismo.
No segundo capítulo, serão feitos comentários sobre os inventários que foram as
fontes usadas nesta pesquisa, onde se apresenta o documento e como ele funciona, como se dá
as distribuições dos bens dentro do inventário, além de apresentar quem são os inventariantes
e os inventariados. Outro ponto levantado neste trabalho é o fato de um dos donos dos
inventários ser uma mulher, filha de uma das grandes famílias de renome da cidade
pesquisada, onde se buscou informar como ela teve acesso aos documentos, e como obteve
seus bens registrados, pois a mulher no século XIX já tinha liberação para registrar seus bens
desde o século XVIII.
Na obra, Campo Maior Origens - uma análise histórica e documental do início da
povoação de Campo Maior do historiador Marcus Vinícius Costa Paixão, lançada em 2015, o
autor nos afirma por meio de documentos algumas mulheres tendo acesso a esses documentos
antes mesmo do século XIX, essas mulheres tinham acesso a esses documentos quando as
mesmas se tornavam viúvas, ou sendo de família rica. Na pesquisa em questão o enfoque será
dado para Archangela Pulguna, que além de ter conseguido registrar seus bens, chega a ter
mais cativos que um dos senhores, no caso o Benedito José do Rego (1846).
Com a análise dos documentos pesquisados, buscamos uma forma de
problematizar e tentar entender como foi à escravidão no século XIX na cidade de Campo
Maior. Além disso, trago uma discussão de como estava o mundo, o Brasil e o Piauí na época
estudada, que decorre dos anos de 1846 a 1852, sendo estes o recorte de minha pesquisa.
E no último capítulo, adentrando as análises a partir das fontes encontradas no
APEPI1, será feita a apresentação de cada inventário por meio do uso de tabelas, sendo estas
criadas por mim para facilitar a compreensão da quantidade de escravizados de cada

1
Arquivo Público do Estado do Piauí – APEPI, casa Anísio Brito localizado na capital Teresina.
17

proprietário ou proprietária, já que nas fontes não encontramos somente homens tendo seus
bens registrados, e sim também temos a figura da campomaiorense, Archangela Pulguna
Castelo Branco.
Outros enfoques centrais na pesquisa não será descrever todos os bens dos
inventariados, como a quantidade de moveis, talheres, extensão de terras, nem quantas
cabeças de gado estes senhores e senhoras tinham. O objetivo será para com a figura dos
escravizados que aparecem nestas documentações, pois com eles será possível compreender o
processo de flutuação dos preços, a participação dos cativos nas fazendas e possíveis
atividades, como também perceber as etnias que se constituíram no Piauí, como exemplo os
escravizados com a denominação “Cabra” que apareceu nas verificações de dois dos
inventários pesquisados. Na lógica escravista local, esta é a primeira vez que cativos “Cabras”
aparecem em documentações referentes a essa denominação na cidade de Campo Maior. Vale
ressaltar que os “Cabras” já aparecem em obras referentes ao Piauí no geral em obras como,
Mott (1985) e Sousa (2012), nesta última principalmente na cidade de Teresina.
E a partir desta nova denominação foi feita uma discussão de quem classificava
essas etnias ou nações para os cativos que aqui chegaram ou nasceram, como nos casos dos
Crioulos, Mulatos e os “Cabras”.
18

1. PENSANDO A ESCRAVIDÃO

A escravidão moderna foi um regime praticado em países da África como Guiné


Bissau, Angola, Moçambique entre outros desde o século XVI. O escravismo teve um maior
desenvolvimento principalmente naquele continente, acontecendo de diferentes formas, sendo
as guerras o modo mais comum, pois era por meio das lutas entre os reinos que o vencido e
seus cidadãos se tornavam escravizados do reino vencedor. Assim os vencidos eram frutos
das lutas entre os reinos, devendo também a sua total obediência aos seus vencedores.
Nos embates entre os povos, o medo maior entre eles era perder a sua liberdade,
passando a ser propriedade de um senhor, tendo que ser submetido a castigos, já que “a
escravidão quase sempre tinha início por meio de violência, que reduzia a posição de uma
pessoa de uma condição de liberdade para uma condição de escravo” (LOVEJOY, 2002, p.
32). Como enfatiza o autor, a escravidão era uma prática exploratória comum entre os povos,
mas depois de inserida no sistema, a mesma foi se modificando e se tornando uma
“instituição” legitimada pelo Estado e pela Igreja, as duas principais representações das
massas da época, que inclusive reforçaram a existência desta prática, buscando assim mostrar
que o direito dos “superiores” era submeter os “inferiores”. Nesta lógica, o europeu se tornou
o ser “superior” e o africano o “inferior”, sendo este último, digno dos mais diversos castigos,
pois, eles “eram seres sem salvação”, e só restavam ser escravizados (SOUSA, 2012).
A escravidão moderna saiu do âmbito de escravizar por meio de lutas para punir o
africano como uma condição de sua vida, ou seja, virar um cativo porque era um africano, e
foi assim que ela veio a ser desenvolvida, praticada e levada a países da Europa e das
Américas. O negro perdia a sua liberdade em todos os sentidos, desde o direito de ir e vir,
passando ser determinado pelo seu senhor, e acabavam sendo colocados como uma
“mercadoria”, pois era assim que esses seres humanos eram visto pelas classes mais
abastardas, e com isso o sujeito escravizado passou a ser explorado. Nestes termos:

A escravidão era uma forma de exploração. Suas características específicas,


incluíam a ideia de que os escravos eram uma propriedade; que eles eram
estrangeiros, alienados pela origem ou dos quais, por sanções judiciais ou outras, se
retirara a herança social que lhes coubera ao nascer; que a coerção podia ser usada à
vontade; que a sua força de trabalho estava à completa disposição de um senhor; que
eles não tinham o direito à sua sexualidade e, por extensão, às suas próprias
capacidades reprodutivas; e que as condições de escravos era herdada, a não ser que
fosse tomada alguma medida para modificar essa situação (LOVEJOY, 2002, p. 29-
30).
19

A instituição escravista fazia dos escravizados meras propriedades de seus


senhores, sem que tivessem direito a nada, apenas o dever de cumprir ordens. Sendo estas
impostas por seus donos, o escravizado não tinha o direito de reclamar, pois é como nos fala
Seymour Drescher (2011):

No momento da aquisição, e frequentemente pelo resto de suas vidas, elas eram


pessoas subordinadas com direito limitados nas sociedades em que viviam e
morriam. Seus corpos, seus tempos, seus serviços e, muitas vezes, seus filhos
estavam disponíveis aos outros, como fontes de trabalho, prazer e controle, ou como
objetos de violência (DRESCHER, 2011, p. 5).

A vida dos escravizados era uma vida de total filiação aos seus senhores. No caso
do uso dos filhos dos escravizados nesta instituição percebemos que o individuo já nascia
como cativo. Na obra de Paul Lovejoy (2012), o autor nos enfatiza que o simples fato de ser
escravizado, permitia lhes o direito de seus futuros filhos também serem escravizados. Isso
era um direito do senhor de escravizados já que o mesmo era o dono de seus pais que eram
cativos e que por vez, a propriedade do seu senhor quando gerasse um filho este também já
nascia na condição de ser um novo cativo dentro do sistema.
A escravidão não se limitou a África, pois com o auxílio das novas rotas
marítimas ganhou novos rumos se estendendo para regiões da Europa e para as terras do Novo
Mundo. Foi assim que a escravidão se expandiu, tendo sua presença marcada em várias
regiões do globo.
Como o Brasil era uma nova terra que estava em colonização, nela se concentrou
o maior número de africanos traficados. Muitos escravizados desembarcaram nos principais
portos brasileiros, como por exemplo, nos portos da Bahia, Rio de Janeiro e no Maranhão e
desses espaços foram se expandindo para outras regiões, como para a Província do Piauí. Os
cativos que vieram para o estado podem ter vindos diretamente dos portos maranhenses por
rotas ainda não descobertas.
Muitos escravizados africanos que saíam dos seus países já vinham com destino
certo, já que muitas civilizações do mundo usaram e dependeram de seus trabalhos para a
manutenção de trabalhos mais pesados e rudimentares, no caso do Brasil não foi diferente, a
mão de obra escravizada foi usada para desbravar as novas terras, a força do africano estava
inserida principalmente nas plantações; primeiramente foi usada no extrativismo do pau-
brasil, depois, no cultivo da cana-de-açúcar, nos campos de algodões, nas plantações de café,
e nas áreas de mineração, pois as novas terras precisavam gerar riquezas para a Coroa
Portuguesa.
20

1.1. Da África para o mundo: a escravidão no Brasil

No Brasil, a implantação da escravidão aconteceu desde 1534 com a colonização


portuguesa. Os colonizadores necessitavam de mão de obra para explorar as terras
encontradas, e como na África já existia a escravidão a Coroa Portuguesa começou a praticar
o tráfico de africanos para que os trabalhos pesados fossem realizados por eles. Na cultura da
época os africanos poderiam ser escravizados devido a sua condição de serem africanos, e isso
era permitido já que era legitimado pela Igreja e pelo Estado.
O Brasil passou a ser o país que mais recebeu mão de obra africana desde o século
XVI. Foram mais de 4.800 escravizados que aqui chegaram por meio do tráfico negreiro. A
expansão desta “instituição” escravista só foi possível através das rotas marítimas descobertas
pelos navegantes, Cristovão Colombo, Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral. Segundo o
autor Seymour Drescher “durante o curso do século XV, os navegadores europeus
dramaticamente abriram vilas de circulação marítima entre os oceanos Atlântico, Índico e
Pacífico” (DRESCHER, 2011, p. 49), dessa forma permitido, por este meio, viajar inúmeras
embarcações, contendo dentro de suas divisões os africanos, tanto homens como mulheres e
crianças, que seriam destinados a trabalhar como escravizados, visando o lucro para a Coroa
Portuguesa. As regiões de onde mais vieram os cativos, segundo Seymour Drescher (2011),
foram da Angola, Alta Guiné, Moçambique e Luanda, e logo depois esta prática foi expandida
para outros locais da África.
O Tráfico Negreiro foi um comércio praticado primeiramente pelos europeus,
onde milhares de africanos foram forçados a sair de suas terras para viver no Novo Mundo.

Perto dos fins desse século, os habitantes dos cinco continentes, pela primeira vez
desde que o homo sapiens dispersou da África pré-histórica, entraram
irregularmente em contato contínuo uns com os outros (DRESCHER, 2011, p. 50).

A partir dos novos contatos e uma busca dos navegantes por novas terras e
riquezas para as Coroas Portuguesa e Espanhola, através da expansão das novas rotas de
comércio foi permitido que a instituição escravista ganhasse novos caminhos fazendo com
que prosperasse e se desenvolvesse cada vez mais, saindo da África para a Europa e o Novo
Mundo no qual se tornava a América, sendo ela a base da economia onde era praticada.
No Brasil, a mão de obra escravizada estava ligada às formas de produção, sendo
utilizada para diversas atividades como na área agrícola, pastoril, e especialmente nas
plantações de cana-de-açúcar, depois estendendo se para o café e o algodão. Também esteve
21

presente nas zonas urbanas por meio dos escravizados que eram vendidos nas ruas, só que não
eram todos os tipos de cativos que trabalhava na cidade. Dependia muito de como era a vida
deles na fazenda, se fossem obedientes tinham condição de sair para trabalhar na cidade, mas
sob as ordens do seu senhor, pois era necessário gerar lucros para o seu dono.
Caso fossem os cativos que resistissem, estes continuavam a trabalhar nas
lavouras, mesmo sabendo fazer outro tipo de atividade não ligada as terras, pois se os
escravizados desobedientes fossem para a cidade poderiam facilitar suas fugas. E ter cativos
era uma aquisição cara para a época em questão, porém, depois de adquirido, seu tempo de
trabalho seria gastos na lavoura, em pequenos e grandes serviços de construções, afazeres
domésticos, na lida com a terra e a agropecuária.
Vários cativos trabalharam nas terras sabendo fazer outro tipo de trabalho e estes
eram chamados de escravizados especializados, estes eram também os mais caros. A condição
de ser escravizado fazia com que obedecessem e desempenhasse diversos tipos de trabalho
dentro da economia que o Estado necessitava produzir, pois existiam os escravizados do eito,
que eram os das lavouras onde trabalhavam diretamente com as terras. Os cativos domésticos
desenvolviam trabalhos dentro da casa grande e os escravizados de ganho eram os que
trabalhavam nas ruas das cidades. Como exemplos têm os aguadeiros e os vendedores. Tanto
cativos como as cativas, em sua maioria, estavam mais ligados na área rural nas Fazendas
Nacionais, onde era cultivada a cana-de-açúcar e algodão, ou então nos cafezais.
O Brasil foi um importante produtor de cana-de-açúcar e café durante o seu
processo da colonização e no pós-colonização. Foi nesse período que a escravidão teve um
maior tempo de existência, logo, foram mais de três séculos de violências cometidos contra os
povos africanos. Os senhores de engenho tiveram grandes riquezas através das mãos
africanas, e tudo isso ocasionado em busca da economia; além da questão econômica, ter um
escravizado para a época significava ter um bom status, pois era sinal de riqueza e ter um alto
poder econômico. Por uma questão puramente econômica, a escravidão não só foi implantada
como também legitimada nas terras da Província do Piauí, e esta legitimação contou com o
apoio da Igreja e o Estado fazendo que com esta legitimidade o país pudesse receber cada vez
mais a mão de obra africana (BRANDÃO, 1999).
22

1.2. As diversas formas de punir o cativo

Nestes mais de três séculos a escravidão foi praticada por meio de diversos tipos
de atos punitivos. O uso de mecanismos para reprimir estes escravizados se faziam presentes
desde sua saída ainda na África, quando embarcavam nos portos africanos, tendo que se
despir da sua humanidade, do sujeito que eles eram em seu continente, para aceitar e obedecer
à nova vida que lhes era imposta nas novas terras, tendo que ficar submetido a um senhor e a
este devendo adequar sua “propriedade” as leis e regras que o Novo Mundo lançava em suas
mãos.
A trajetória de violências praticadas contra os escravizados aconteciam ainda
durante o tráfego, alguns chegavam doentes e outros até morriam na viagem, seus corpos
eram jogados no mar; as péssimas condições de higiene que o navio oferecia causavam isso,
já que eram mal alimentados e as embarcações superlotadas. Ao chegarem aos portos
brasileiros, eram descidos dos navios para serem vendidos. Nesta nova etapa da sua vida os
cativos sofriam em muitos casos a separação de suas famílias, pois existiu essa prática na
escravidão, aqui apareceu a figura dos senhores de escravizados, sendo estes em alguns casos
os principais responsáveis por essa separação.
Quando chegavam às fazendas das casas grandes, eram colocados em senzalas
que não traziam o mínimo de conforto. Um lugar quente e desproporcional para a quantidade
de escravizados; a alimentação continuava a ser precária; nas senzalas os cativos considerados
rebeldes pelos senhores eram colocados acorrentados como forma de puni-los por causa das
desobediências. Esse foi um meio comum de repressão para evitarem as fugas constantes que
ocorriam nas fazendas, pois ao desobedecer a seu dono o escravizado ficava a cabo de severos
castigos exercidos pelo feitor que recebia as ordens do seu senhor contra os cativos infratores.
Muitas vezes o próprio feitor também era um negro, um ex-cativo que passava para o lado dos
senhores de engenhos. Nesta lógica permite-se pensar que para ele, o feitor, isso possa ter sido
um jeito diferente de resistir ao sistema, mesmo tendo que ser a favor do branco, no caso o
senhor de escravizados.
Os castigos poderiam ser de diversas formas, e uma das mais utilizadas era o uso
das chibatadas, que acontecia enquanto o escravizado desobediente estava amarrado ao tronco
feito de madeira e colocado ao centro na frente da senzala onde todos os desobedientes
sofriam as punições. Elas ocorriam nestes espaços para que tudo o que se fizesse contra os
cativos como forma de punir alcançassem as vistas de todos os demais escravizados e que isso
23

viesse a servir como formas de mecanismos de repressão para aqueles que tentassem resistir.
Existiu também o tronco retangular que ficava no chão onde eram colocados as mãos e os pés
dos cativos, este foi outro meio de mostrar o que poderia vir a acontecer aos escravizados
desobedientes, podendo ficar com as mãos e os pés presos (FREYRE, 2006).

1.3. “Escravidão branda”

Muitas das violências citadas no tópico anterior foram praticadas também no


Piauí, mostrando que a escravidão não foi branda como nos afirmaram historiadores como
Gilberto Freyre (2006) que fala no âmbito de Brasil, Tânia Brandão (1999) e Luiz Mott
(1985) no Piauí, as obras desses dois últimos são bases para se estudar a escravidão no Piauí e
trazem grandes contribuições, mas aqui darei ênfase sobre a “escravidão branda” que eles
comentaram nas suas obras.
A historiografia piauiense recentemente vem desconstruindo essa ideia a partir das
novas obras historiográficas de Mairton Celestino da Silva, Francisca Raquel da Costa e
Débora Laianny Cardoso Soares, que deram novas visões sobre como ocorreu à escravidão no
Piauí.
Com estas novas produções, ambos os pesquisadores derrubaram a visão de uma
escravidão branda, além de mostrar os nomes dos escravizados, suas idades e nações da qual
faziam parte, os trabalhos que desenvolveram e suas contribuições para a sociedade piauiense.
Tudo isso nos mostra que a escravidão se fez presente com suas formas e mecanismos de
punição ao cativo que aqui vivia. Em passagens encontradas nas obras de Tânia Brandão, Luís
Mott, dentre outros pesquisadores da escravidão, esses sujeitos não receberam nomes, nas
primeiras obras historiográficas, apenas o destaque era se o sujeito “era escravizado” ou não.
Na obra de Mott (1985) o nome usado para classificar os escravizados além de
escravos negros foi à denominação “fogos”, “Ao lado da Vila de Marvão, ou ao norte da
mesma, se encontra a Vila de Campo Maior, numa espaçosa e alegre campina, com 79 fogos e
semelhança povoação do Reino desafrontada de matos” (MOTT, 1985, p.29). Neste
fragmento pode-se notar que o autor destaca os escravizados por quantidades de fogos, e não
por seus nomes. Tânia Brandão (1999) também descreve por quantidades, mas sem
especificar os nomes destes sujeitos, pois estes cativos passaram a receber seus nomes e em
alguns casos sobrenomes e demais características nas obras de Mairton Celestino, Francisca
Raquel Costa, Débora Laianny Cardoso, e outros autores que já utilizam também esta prática
24

de dar nomes aos seus indivíduos pesquisados, no caso, isso quando se está estudando a
escravidão. O exemplo destacado abaixo da obra de Mairton Celestino nos comprova isso:

Antonio Francisco Ribeiro, escravo responsável pelo serviço diário do transporte de


cargas d’águas, de pequenos entulhos vegetais ou restos de matérias de construção
foi, logo ao amanhecer do dia 30 de setembro de 1873, na rua do Pequizeiro,
acusado pelo soldado João de provocar um acidente no manuseio do seu boi de
cargas (SILVA, 2014, p. 64).

Nesta citação tirada da obra Batuque na rua dos negros: cultura e política na
Teresina da segunda metade do século XIX, de Mairton Celestino (2014), encontram-se
passagens a respeito do nome do cativo e ainda da sua profissão, que não era comum nos
primeiros escritos sobre a escravidão aqui no Piauí, pois os escravizados não recebiam seus
nomes, mas no caso destacado o cativo, além de seu nome, também temos o tipo de atividade
que desenvolvia. Nas obras de Mott (1985) e Tânia Brandão (1999) o destaque maior foi dado
para as atividades ligadas para as criações de gados.
Assim como o cativo Antonio Francisco Ribeiro, muitos desenvolveram outros
tipos de trabalhos na cidade de Teresina, como os considerados livres. Mairton Celestino
(2014) ainda nos mostra as contribuições da população escravizada para a sociedade piauiense
e em especial para os teresinenses em meio às construções de prédios na cidade durante a
transposição da capital em 1852, quando a mesma ainda funcionava em Oeiras. Essa
discussão sobre a transposição da capital será expandida no segundo capítulo desta pesquisa.
Voltando para a obra de Mairton, ainda é possível observar que através dos batuques em
determinadas ruas da capital é notável o conhecimento de uma parcela da população
escravizada e livre que faziam de seus batuques um modelo de resistência contra o escravismo
e suas ordens vigentes (SILVA, 2014).
Mairton Celestino assim como Francisca Raquel Costa nos falam também dos
escravizados que resistiram ao escravismo reivindicando seus direitos. Aqui pode-se destacar
o escravizado Manoel lutando por seus direitos diretamente com o seu senhor, “Manoel, que
pertencia ao Sr. Major Antonio José de Araújo Bacelar, Manoel foi conduzido à cadeia por
reivindicar junto ao seu senhor o direito de adquirir sua carta de alforria” (SILVA, 2014, p.
63). Além deste cativo, Francisca Raquel da Costa (2014), na sua dissertação Escravidão e
conflitos: cotidiano, resistência e controle de escravos no Piauí na segunda metade do século
XIX, nos fala de vários homens e mulheres escravizados que buscaram formas de resistir ao
sistema vigente. Diferentemente do escravizado Manoel na obra de Mairton Celestino que foi
diretamente ao seu senhor lutar por seus direitos, Francisca Raquel fala das resistências
25

empreendidas pelos escravizados querendo sair da escravidão por meio das fugas, por
exemplo,

Assim fez o escravo Anastácio, pertencente aos herdeiros do padre Pedro, da vila de
Batalha; como também o escravo do Tenente-coronel Balduíno, Manoel David, que
tinha 18 anos de idade e fugiu da localidade Cocos do Termo de Marvão, sendo há
dias procurado por seu senhor, que oferecia a gratificação de “cinquenta mil réis”
pela sua captura (COSTA, 2014, p. 61).

A autora salienta que um dos principais meio praticados de resistir a escravidão


era através das fugas. Sua obra não mostra só a fuga como forma de resistência escrava no
Piauí, pois ocorreram diversas formas dos escravizados se rebelarem contra o regime que
tentava lhes controlar a todo o momento, e com essas resistências, principalmente por meio
das fugas, temos a conclusão de que se houveram formas de resistir é porque também
existiram formas de querer punir e controlar esta população negra, fazendo nos pensar que, se
punir o cativo se caracterizou ter existido aqui uma “escravidão branda”? (COSTA, 2014).
Débora Laianny Cardoso Soares em, (In) justiça no sertão: escravidão, processos
crimes e o aparato judicial no Piauí (1850-1888), (2014), fala de outras formas de
resistências dos escravizados para conseguir se livrar da vida de cativo e nos mostra por meio
de sua obra que alguns cativos buscaram a justiça como forma de garantir seus direitos. Um
desses meios foi através das denúncias aos seus senhores, mas sempre a estes os seus direito
lhes eram negados, como por exemplo:

Em 25 de junho de 1887, na cidade de Teresina, capital da província, a escravizada,


Victoria, de Severina Lopes de Souza, fora encaminhada para um exame de corpo
delito. Examinava-se a suposta veracidade de ofensas físicas, vez que a denúncia
ocorreu sob a alegação de maus-tratos excessivos. O auto de corpo de delito era
realizado com a presença de peritos e de testemunhas públicas, após o deferimento
do “juramento de fielmente desempenhar a sua missão” (SOARES, 2014, p. 100).

Aqui destacamos parte da obra em que aparece a escravizada Victoria, uma cativa
que buscou a justiça para denunciar a sua senhora, mas ao final do processo o que ocorreu foi
que de um lado tiveram peritos afirmando serem aquelas marcas na cativa sendo de castigos
excessivos. Já na outra análise, os peritos disseram que achavam não serem aquelas marcas
sinais de castigos. A autora afirma que os escravizados buscavam seus direitos por meio do
sistema judiciário para se defender de crimes praticados por seus senhores, mas ao tempo em
que buscavam ajuda para si através deste sistema judicial, de vítima os cativos passavam para
o papel de agressor, e assim o que era para garantir direitos a quem buscasse a justiça, este
mesmo meio sempre servia como forma de afirmar ainda mais que o escravizado era sempre o
26

culpado. Era como se distorcessem a história para beneficiar os senhores de escravizados


(SOARES, 2014).
E assim como este caso, muitos outros direitos foram negados a população de
escravizados; mas quando o cativo era o agressor nos processos “as autoridades, através de
um relato cheio de compaixão para com a vítima, acentuavam o caráter desumano do cativo”
(SOARES, 2014, p. 87). E com isso foi reforçado que os escravizados eram sujeitos
desviantes para crimes, nunca o senhor era o agressor, sempre era a vítima da história.
Com as várias formas de viver e resistir apresentadas por Mairton Celestino,
Francisca Raquel Costa e Débora Cardozo, foi que a partir destes três principais autores da
atualidade que se tem acesso, temos a ampliação da discussão de que no Piauí nunca existiu a
tal da “escravidão branda” como nos falou Tânia Brandão (1999) e Mott (1985), pois nas
terras piauienses existiram sim as diferentes formas de controle contra os escravizados tanto
como em outros lugares do Brasil onde este regime aconteceu, e se houve formas de resistir é
porque também teve formas de querer controlar uma parcela da população, no caso, a
escravizada.

1.4. Os trabalhos dos cativos

Em tópicos anteriores foi comentado um pouco dos trabalhos cativos nas lavouras,
na cidade e um pouco sobre os serviços domésticos. A partir de agora será trabalhado mais
este último tema.
Na casa grande era bem presente a escravidão na figura dos escravizados
domésticos, que desenvolviam diversas atividades, sendo eles responsáveis por cuidar da casa
e da alimentação. Na casa grande as escravizadas cuidavam principalmente da sinhá e da sua
filha, a sinhazinha. Para a filha do senhor, era sempre colocada uma mucama, que eram
negras cativas de estimação que auxiliavam nas tarefas domésticas ou acompanhavam pessoas
da família, principalmente as sinhás-donas, para ficar todo tempo ao lado da menina ou de sua
mãe.
Segundo nos fala Gilberto Freyre, na sua obra, Casa grande e senzala: formação
da família brasileira sob o regime da economia patriarcal (2006), o autor enfatiza que era por
meio da mucama que a sinhazinha escutava suas primeiras histórias de amor, sexo, dentre
outras. Freyre ainda fala que a mucama era também mais que o médico e o padre, pois era ela
quem sabia das dores e das confissões da sinhazinha. Os senhores de engenho acabavam
27

utilizando esta mão de obra, principalmente, para trabalhos domésticos, como, por exemplo,
ser cozinheiras, arrumadeiras, amas de leite, e mucamas (HEILBORN; ARAÚJO;
BARRETO, 2010).
Como as africanas viviam dentro da casa de seus algozes, estavam mais sujeitas a
sofrerem maus tratos tanto do senhor por meio do abuso sexual, como por parte da senhora
através dos castigos após a descoberta do envolvimento entre a escravizada e o seu senhor. As
relações entre as cativas e seus senhores ocorriam dentro da casa grande, mas ao chegar aos
ouvidos da senhora, a escravizada sofria as punições. A senhora punia a cativa de várias
formas que variavam desde castigos comuns tipo mandar dá-lhes chicotadas enquanto a cativa
ficava amarrada ao tronco até aos castigos mais extremos que chegavam até a deixar a
escravizada deficiente e era possível acontecer outras bem piores como mandar furar os olhos
das escravizadas (FREYRE, 2006).
Dentro do regime ocorreram diversos tipos e jeitos dos escravizados se revoltarem
contra o novo modo de vida imposto, como nos apresentou Silva (2014), Costa (2014) e
Soares (2014), mas para os escravizados era um pouco difícil, e várias circunstâncias
existiram que dificultavam estas revoltas, o próprio caso de estarem em terras estranhas era
uma destas circunstâncias, pois como fazer revoltas em lugares desconhecidos? Isso para eles
era como se estivessem em desvantagem, mas mesmo assim ainda existiram aqueles cativos
que se rebelaram e empreenderam fugas para outros estados ou para as matas, tentando não
aceitar esta vida de escravizado.
Os africanos que foram escravizados tinham a dificuldade em se revoltar por não
ter um conhecimento das terras que agora habitavam. O modo de viver por aqui também era
diferente do modo que viviam na África, sem contar que ao perceber que em algumas
fazendas se ouvia casos de rebeldia de escravizados contra seus senhores, o meio que estes
senhores tiveram foi tentar mostrar que estas revoltas eram um crime contra o senhor. É como
nos fala Francisca Raquel da Costa em sua obra, Escravidão e conflitos, que muitos
escravizados que buscaram se rebelar contra esta forma de vida, tentaram buscar novas
alternativas que poderia aliviar um pouco a sua forma de viver. Existem relatos de casos mais
extremos em que vários escravizados chegaram a cometer suicídio para se livrar deste regime,
dentro da historiografia há uma discussão acerca desta afirmação, pois existem teóricos que
concordam já outros que discordam desta prática de rebeldia (COSTA, 2014).
28

1.5. A escravidão no Piauí

A escravidão foi às bases da economia para o país e isso só foi possível porque ao
chegar ao Brasil, foi logo se espalhando para as outras regiões que tinham terras para o cultivo
de café ou cana-de-açúcar. Mas no Piauí a escravidão se destaca com a produção e criação na
área pastoril, pois nas terras piauienses também existiu a escravidão, que também ocorreu no
seu início na tentativa de se utilizar a mão de obra dos indígenas que existiam por aqui, mas
como não foi possível, pois aqui funcionou a mesma lógica do restante do Brasil, necessitou-
se trazerem escravizados africanos para o Piauí (CHAVES, 1998).
Os estados do Maranhão, Bahia ou do Rio de Janeiro foram os pioneiros no
recebimento de escravizados africanos em seus portos. Foi deles que o Piauí recebeu a mão de
obra escrava, e como o estado ainda se encontrava em processo de colonização, foram
desenvolvidas atividades ligadas à agropecuária, como a criação de gado bovino vacum e
cavalar sendo esta a principal atividade econômica desenvolvida na época, passando a ser
uma marca do Piauí com os “corredores de gado”.
O fato de muitos historiadores como Tânia Brandão ter pensado que por nessas
terras tenha existido a “escravidão branda”, nega que a mesma nas terras piauienses também
foi cruel. O que contribuiu em mostrar que no Piauí a escravidão pudesse ter sido branda ou
que não existiu tal sistema tão violento foi o fato de falar sobre a presença do vaqueiro nas
fazendas nacionais, e pouco ter citado que muitas vezes quem estava à frente do comando dos
gados eram os escravizados, mas em documentações esta figura do cativo, vem como se ele
fosse um vaqueiro branco e livre, e estando ele sempre atrelado a figura do vaqueiro branco,
dificultou a separação em vaqueiro branco e livre do vaqueiro cativo, pois vemos isso quando
Tanya Brandão afirma “Embora existissem escravos vaqueiros” (BRANDÃO, 1999, p. 106).
O que se observa desta atividade é que ser o vaqueiro em muitas vezes eram os escravizados
africanos que assumiam estas tarefas nas fazendas, sendo eles os responsáveis para manter a
economia do Piauí através dos trabalhos tanto nos campos como também nas cidades. Foi à
pecuária extensiva que teve mais êxito e que caracterizou a colonização da Província do Piauí.
A escravidão, assim como em várias regiões do Brasil, como no Maranhão, Bahia,
Minas Gerais e São Paulo, ocorreu de diversas formas desde sua origem, seja ela da Europa,
da África ou quando veio para o Brasil. À escravidão no Piauí não teve uma forma única, suas
particularidades de região para região onde as mesmas aconteciam, podendo nela está
29

presentes diferentes nações2 ou etnias3 africanas que se fizeram presentes nestas terras, como
também escravizados especializados ou não em determinados trabalhos que produziram
riquezas para seus senhores de engenhos piauienses.
O que se sabe ao certo é que a escravidão foi uma “instituição” que prosperou
devido a sua legitimação por conta do Estado e da Igreja, sem falar ainda que foi por meio de
sua expansão pelos mares que a escravidão ganhou seu lugar nas terras onde desembarcou,
ganhando forças e se firmando como uma “instituição” que rendeu lucros, tornando-se as
bases econômicas de vários países como no caso citado, o Brasil, e que depois de se fixar no
país se espalha por regiões da nação brasileira chegando também ao Piauí e as suas Freguesias
e Vilas.
Como no caso específico desta pesquisa veremos a presença dos escravizados
africanos na Freguesia de Santo Antonio do Surubim e como essa freguesia era muito grande,
uma parte dela virou a atualmente cidade de Campo Maior, foco desta pesquisa no século
XIX. Estes cativos que produziram grandes riquezas para seus senhores de engenho
campomaiorenses através de trabalhos nas lavouras como também na criação do gado bovino
vacum e cavalar através dos inventários de três proprietários que residiram em Campo Maior
entre os anos de 1846 a 1852.

2
Segundo o dicionário Houaiss, deriva da palavra nação, comunidade humana, fixada em sua maioria num
mesmo território. Língua, origem e história comuns, assim como uma cultura também comum, caracterizam
geralmente uma nação. Nação é um termo vago; a nacionalidade existe porque um determinado grupo se
considera formador de uma nação.
3
Segundo o dicionário Houaiss, são grupo de pessoas que, embora possua a mesma origem ou história, tem
diferenças de origem sociocultural, como: idioma, religião, hábitos ou comportamentos. Termo comumente
usado para se referir à semelhança biológica, caracterizada pelo compartilhamento da mesma raça e/ou cultura.
(Etm. etno + ia)
30

2. 1852 – CAMPO MAIOR EM UM CONTEXTO DE LIBERDADE.

Nestes quase quatro séculos de escravidão em terras brasileiras, esta instituição


teve seus primeiros traços de decadência após a segunda metade do século XIX com as leis
Euzébio de Queiros, Lei do Ventre Livre, a Lei do Sexagenário e por último, a Lei Áurea, lei
esta que aboliu a escravidão no Brasil (SOUSA, 2012) e (COSTA, 2014).
Seymour Drescher (2011) afirma que a abolição foi uma luta das sociedades pelo
atlântico e em diferentes paragens, entretanto, quando pegamos os inventários de meados do
século XIX no Piauí, o escravo ainda aparece como propriedade.
A instituição escravista no período pesquisado já vivia sobre os reflexos da Lei
Eusébio de Queiroz, pois esta lei foi promulgada em quatro de setembro de 1850, ano este em
que a nação brasileira, que ainda vivia sob o julgo da escravidão, começou a sentir seus
primeiros abalos, e principalmente na economia que mantinha o estado. Com esta lei se
concretizava a proibição e comercialização da mão de obra escravizada através do tráfico
negreiro em 1850, tendo o fechamento oficial deste tipo de comércio por meio das rotas
marítimas criadas e cruzadas no oceano Atlântico (SOUSA, 2012) e (ALENCASTRO, 2000).
Dois anos depois da Lei Eusébio de Queiroz promulgada em 1850, a mesma
causou grande impacto na vida dos senhores de escravizados no Brasil, pois com a proibição,
a mão de obra africana deixou de chegar por meios legais, que era trazida nos navios
negreiros. A população escravizada no país começou a ter o seu declínio, pois no mesmo
tempo em que se deu a proibição do tráfico de africanos em terras brasileiras essa população
começou a decrescer (SOUSA, 2012).
Mesmo com a proibição do tráfico negreiro a escravidão interna não deixou de
acontecer no Brasil. Os senhores de escravizados viram suas plantações se perderem, pois a
partir do momento que se proibiu o tráfico, senhor de escravo nenhum poderia adquirir
escravizados para as suas fazendas, só poderiam a estes ainda continuar com os que eles já
possuíam.
O fim da escravidão no Brasil veio a se concretizar com a abolição em 1888
através da Lei Áurea, promulgada pela princesa Isabel, que tornou os escravizados, pessoas
livres, mas antes deste momento, a instituição escravista desde 1850 com a lei Euzébio de
Queiroz já vinha sofrendo seus primeiros impactos, assim também como as outras leis, como,
a Lei do Ventre Livre que considerava libertos todos os filhos de mulheres escravizadas
31

nascidos a partir da data da lei que foi no dia 28 de setembro de 1871; a Lei do Sexagenário
que concedia liberdade apenas aos escravizados com mais de 65 anos, que já não dispunham
de tanta força e disposição para enfrentar as péssimas condições de trabalho a mando dos
senhores de engenho. Esta lei foi promulgada em 28 de setembro de 1885. E por fim tivemos
a Lei Áurea que tornou libertos todos os cativos do Brasil.
Ainda no ano de 1852, ano este em que temos registrado dois inventários, sendo
um da senhorita Archangela Pulguna Castelo Branco e o outro do senhor Simplício da Silva
Cardoso, após as análises, foi observado que os mesmo são do mesmo ano em que aconteceu
a transposição da capital do Piauí para Teresina, pois antes deste ano ficava em Oeiras, logo
depois passando para a cidade de Teresina. Sousa (2012) e Silva (2014) em seus trabalhos
falam desta mudança, pois a localização da capital em Oeiras era muito criticada por causa da
distância entre as outras cidades, e em estudos perceberam que a capital do estado deveria
estar em um local mais centralizado, ficando escolhido entre estes a cidade de Teresina.
Sousa (2012) e Silva (2014) ao problematizarem sobre a transposição da capital
de Oeiras para Teresina, também mostram as contribuições que os escravizados deixaram para
a sociedade teresinense, pois a mão de obra negra se fez presentes em diversas construções na
cidade, entre elas prédios públicos e privados na capital, além dos trabalhos desenvolvidos nas
fazendas. A cidade de Teresina recebeu em seu seio tanto cativos como libertos onde:

Muitos desses cativos e libertos, ao se instalarem em Teresina, desenvolviam


pequenas atividades produtivas, tais como as de barbeiros, carregadores de água
(aguadeiros), ambulantes, além de trabalharem na limpeza e construção de calçadas,
ruas, praças e prédios públicos da cidade. Já as libertas e cativas mantinham nos
limites do público e privado ocupações que iam desde aquelas ligadas ao trabalho do
lar, como as de domésticas, engomadeiras, lavadeiras e mucamas, até aos serviços
de caráter autônomo, como tabuleiras, quituteiras, quitandeiras e prostitutas. É neste
contexto urbano, típico da dominação senhorial e caracterizado pela atividade ao
ganho, que escravos e escravas dariam significados às suas vidas e ações (SILVA,
2014, p 58).

Muitos cativos trabalharam construindo calçamentos, igrejas, cadeias e entre


outros prédios, e na então capital Teresina pode-se dizer que de muitos dos seus monumentos
erguidos durante a transição foram os cativos e livres que os fizeram, pois em Teresina havia
a grande necessidade dessas construções. O próprio ato da mudança fazia com que se
pensasse logo em erguer rápido a tal capital, já que o Piauí não poderia ficar sem uma sede
para a sua capital por tanto tempo.
Com a necessidade de erguer a nova capital, pode-se pensar que muitos dos
cativos de determinadas fazendas próximas à cidade de Teresina foram enviados por seus
32

senhores para boa parte destas construções, pois erguer uma capital tão rápido como
aconteceu com a capital Teresina necessitava de muita mão de obra escravizada e livre. O que
se imagina é que alguns dos cativos dos três inventários analisados também foram enviados
para a construção da capital, pois eram duas cidades próximas e ambas com uma grande
marca da presença de escravizados, e na fundação da capital os cativos trabalharam em
diversos tipos de construções como ajudantes de pedreiros, carpinteiros, além de extrair e
carregar pedras, barro e madeira para as obras (SOUSA, 2012) e (SILVA, 2014).

2.1. De parte da Freguesia a Vila: a cidade de Campo Maior no século XIX

Campo Maior, antes de se emancipar no ano de 1762, especialmente no dia 08 de


agosto, foi a segunda Freguesia da Província do Piauí ainda em 1715, como nos fala, Cláudio
Melo (1983) por meio de sua obra, Os primórdios de nossa História, é possível ver que o
nome dado à freguesia foi Freguesia de Santo Antonio do Surubim, devido na mesma ter um
espaço sagrado dedicado a Santo Antonio. Depois de freguesia passou ao status de vila,
começou a se desenvolver entorno da Igreja de Santo Antonio, se expandindo também para as
regiões mais próximas (MELO, 1983).
A cidade de Campo Maior fica a (85,4 km) via BR – 343, mas que para o período
estudado a distância poderia variar. Havia uma história contada que as famílias responsáveis
pelo desenvolvimento da Freguesia foram às famílias dos Bernardo de Carvalho e os Castelo
Branco, mas segundo a obra historiográfica mais recente lançada em 2015 que fala das
origens de Campo Maior, do historiador Marcus Vinícius Costa Paixão, Campo Maior
Origens: uma análise historiográfica e documental do início da povoação de Campo Maior
(2015), a obra revela que as duas famílias, tanto a Castelo Branco que chegou ao início do
século XVIII, como a de Bernardo de Carvalho que chegou depois, tiveram seu destaque na
região. Os Castelo Branco tiveram grande descendência que ganhou destaque na política,
economia e cultura em Campo Maior, tornando-se uma família de nome muito grande e com
muita influência na cidade (PAIXÂO, 2015).
A economia da cidade foi ocasionada pelo crescimento da criação do gado bovino,
principalmente as raças vacum e cavalar que também foram encontradas nos inventários dos
três proprietários pesquisados, pois neles temos bastantes citações sobre estas duas raças
como bens dos inventariados, e a criação de gado caracterizou não só a Província do Piauí,
mas Campo Maior também. No caso específico, o gado bovino, nas suas raças, vacum e
33

cavalar, nos inventariados foram heranças deixadas a seus parentes pelos inventariados e
nestes documentos temos registradas grandes quantidades destes tipos de gado.
As terras de Campo Maior eram ricas em água e até mesmo a quantidade de rios
como o Poti, Jenipapo, Longá e Surubim, estes rios faziam desta região um espaço propício
para a agricultura e pecuária, tornando-se muito atrativas para o estabelecimento das fazendas.
O custo da mão de obra era baixo já que como base era a escravidão e isso é percebido ao se
contabilizar a quantidade de escravizados presentes nos três inventários, quantidades esta de
63 cativos que ao longo deste capítulo serão mais conhecidos. Foram os cativos que
desenvolveram as atividades nas fazendas. A força do escravizado sempre esteve presente
nestes espaços, além das marcas deixadas através das construções de prédios que fazem parte
da história de Campo Maior (PAIXÂO, 2015).

2.2. Os documentos analisados

O uso dos inventários foi uma prática comum no Piauí durante o século XIX, pois
foram através destes tipos de documentos que os senhores e senhoras tinham suas heranças
registradas, como seus bens que poderiam ser imóveis, mobília, terras, gados, ferramentas,
roupas e escravizados. Vale ressaltar nos escritos que o último item que é apresentado faz
referência aos cativos, pois anterior a eles tudo o que o senhor avaliava era tido como mais
importante, mesmo sendo a mão de obra escrava a que sustentava sua fazenda sendo a base
econômica do senhor, e este não a considerava como importante, pois para eles o cativo não
passava de uma mercadoria.
É comum em pesquisas que se utilizam inventários, descrever o que representa
cada “artigo” no documento, por exemplo, o que a historiadora Antonia da Silva Mota (2012)
fez em sua obra, “As famílias principais de poder no Maranhão colonial”, ela utilizou um
esboço de itens do que se tinha nas fortunas maranhenses para entender a fortuna da sociedade
maranhense que estava sendo pesquisada. Para uma melhor compreensão, ela descreveu os
bens por itens como,

Os bens de raiz = são em que totalizam os valores dados as propriedades e direitos


dominiais urbanos e rurais; Os escravos = totalizam os valores dados a todos os
escravos fossem eles domésticos, artífices ou “eito”; Recheio da casa = era os
mobiliários, roupas, louças, objetos de metal, relógios, imagens; Ouro e prata =
objetos de ouro e prata; Animais = rebanho, animais de tração, carros, canoas, etc;
Mercadorias e gêneros = produtos da própria propriedade, (plantações, colheitas e
mercadorias); Utensílios, ferramentas e máquinas = instrumentos de trabalho,
fornos, engenhos; Dívidas ativas = total de créditos a receber; Dívidas passivas =
34

contas à pagar; Dinheiro em caixa = valor em espécie; Fortuna líquida = quantia


obtida após a subtração das dívidas passivas do somatório final (MOTA, 2012, p.
59-60).

A partir do modelo que Antonia Mota utilizou para caracterizar estes itens e
perceber as fortunas maranhenses, temos a presença destes mesmos itens nos três inventários
pesquisados, mas no caso, o enfoque dado será para os escravizados dos senhores e da
senhorita da cidade de Campo Maior entre os anos de 1846 e 1852.
Foi perceptível observar itens destacados existentes nas divisões dos inventários
piauienses na descrição de cada item que aparecia na fonte, ao longo do processo em que os
inventariados começam a se reconstruir para o pesquisador, mostrando por meio do título o
que possuíam cada um dos proprietários. No caso de querer determinar as posses do senhor
para classificá-lo como rico, bastava perceber se em seu testamento era descrito as
quantidades de suas propriedades, em alguns casos o senhor além de ter mais de uma fazenda,
alguns deles ainda possuíam casas na cidade, mas no caso dos inventariados de Campo Maior,
esta última pratica não foi encontrada (MOTA, 2012).
A prática de documentar os bens era uma característica das famílias mais
abastardas, já que as mesmas possuíam muitos bens. Mas não eram todas as famílias que
tinham acesso a este tipo de registro, pois não foi encontrado nos documentos analisados que
famílias das classes populares tiveram algum tipo de registro. As famílias de elite eram quem
estavam mais habituadas com determinada prática, por isso os inventários foram mais
presentes no cotidiano das famílias mais ricas.
Antes da análise do inventário da senhorita Archangela Pulguna Castelo Branco,
pensava-se que a mulher estaria reclusa a este tipo de documentação. Pensando por um viés
em que para a época pesquisada a mulher não teria tal autonomia, mas sim, antes mesmo da
senhorita Archangela Pulguna, Marcus Paixão (2015) já nos apresenta várias mulheres tendo
seus bens registrados ainda no século XVIII, como exemplo, “as senhoras Izabel Ferreira de
Azevedo (1792) e Perpétua... (1776)” (PAIXÃO, 2015, p.53), o que nos faz perceber que a
citada senhorita Archangela Pulguna Castelo Branco teve seus bens registrados também por
compor uma das grandes famílias da região, no caso os Castelo Branco.
O ato de fazer o inventário ocorria quando o inventariado estava próximo da sua
morte, e este querendo registrar seus bens como forma de assegurar a sua família que deixaria
sua herança, o inventariado mandava fazer o documento que funcionava como um testamento.
Nele, a pessoa que estava fazendo o inventário era o inventariado e as pessoas do cartório
eram os inventariantes. Segundo Priscilla Bitar D’Onofrio, advogada sócia do escritório
35

Almeida Guilherme Advogados, em seu artigo, “aspectos gerais da qualidade de


Inventariante”:

A figura do inventariante é de suma importância no procedimento de transmissão da


herança. O inventariante tem a incumbência de dirigir e organizar o espólio,
arrecadando os bens, conservando-os e administrando-os até a entrega de cada
porção aos herdeiros (D’ONOFRE; NAMORAT, 2015. p. 01).

Os inventariantes ficavam responsáveis por cuidar do patrimônio dos herdeiros,


pois eram por meio deles que os chefes de família, homem ou mulher, faziam o seu inventário
de bens deixando documentadas suas propriedades. Os bens mais registrados eram os
imóveis, terras, fazendas, animais, os mobiliários, objetos de ouro e de prata, além destes
anteriores, se falavam da sua alimentação, os vestuários, as dívidas tanto a pagar como a
receber, pois as dívidas que estes senhores e senhoras contraíam com outras pessoas em vida
ficavam a cargo dos herdeiros quitarem estas dividas, mas havia também às contas a receber,
sendo que por meio destas eram que se quitavam as outras dividas contraídas, e por fim
vinham descritos os escravizados. De um modo geral, tudo o que pertencia a estes senhores
eram relatados em documentos, chamados inventários. A partir destes registros nos
documentos, é possível comprovar a presença escravista na cidade de Campo Maior.
No enfoque deste estudo, o que se espera é perceber a existência da escravidão em
Campo Maior através do registro dos escravizados nestes documentos, pois para se chegar a
tal fim é interessante antes de tudo descrever o passo a passo sobre o funcionamento dos
inventários, ou seja, mostrar como este documento estava sendo dividido. Deve-se pontuar
seu início, o termo de abertura, na qual é apresentado quem eram os inventariantes e os
inventariados.
A segunda parte é quando começa a descrever os bens, no qual, tudo que pertencia
ao dono(a) do inventário deveria aparecer para poder fazer uma avaliação, ou seja, saber o que
se tinha deixado e qual o seu valor. Neste momento que se mensura o tamanho da fortuna que
o inventariado tinha e quantos escravizados possuíam. Na terceira parte ou etapa do inventário
temos as divisões dos bens por item, ou seja, a partilha dos bens entre os herdeiros. Tudo o
que é acordado durante a criação do inventário ainda quando o inventariado está vivo deve ser
mantido depois de morto. Nos casos em que se tinham herdeiros menores de idade, aparecia à
figura dos Juízes de Órfãos. Esses juízes ficavam designados a defender o patrimônio deixado
aos herdeiros da qual ele passaria a ser o representante legal dos menores, já que estes não
36

poderiam responder devido a sua idade. Nas documentações estudadas apareceu também a
figura de um padre exercendo essa função, especificamente no inventário de Archagela
Pulguna Castelo Branco (MOTA, 2012).

2.3. Senhores de escravizados nos carnaubais

Benedito José do Rego e Simplício da Silva Cardoso foram dois senhores de


escravizados que residiram em Campo Maior no século XIX, Benedito Rego teve seus bens
registrados no ano de 1846 e Simplício Silva em 1852, em suas fazendas também se
destacaram a criação de gado bovino sendo elas em duas raças a cavalar e a vacum as mais
comuns e mais citadas em documentações (PAIXÂO, 2015).
Benedito Rego era casado com Anna Micaella de Abreu Rego falecida em 1851,
onde ambos são os donos do inventário, deixando os bens para os seus dois filhos legítimos
Elizia Maria do Rego e Benedito José do Rego.
Simplício da Silva era casado com a senhora Maria Nunes Soares também
moradora da Vila de Campo Maior no século XIX. Na sua documentação não fala se os
mesmo tiveram filhos, mas quem fica como herdeira dos bens de Simplício é sua esposa a
viúva dona Maria Soares. Das fontes pesquisadas, a do senhor Simplício é a que estava em
maior estado de oxidação, o que dificultou um pouco a extração de mais informações.
Mas como falado ainda no início deste trabalho, o enfoque será para a senhorita
Archangela Pulguna Castelo Branco, e como mencionado, ela fazia parte de uma das grandes
famílias da região de Campo Maior. A mesma morreu solteira, não teve filhos e ficou sem
testamento no ano de sua morte. Seus bens só foram registrados mediante o pedido do seu
irmão Francisco Barbosa Ferreira, pois cedo ficaram herdeiros órfãos, e depois da sua morte,
os bens de Archangela Pulguna ficaram para seu irmão e sua esposa, a dona Ricardina de
Lobão Ferreira, devendo ainda ser divididos entre os outros irmãos, (APEPI. Autos Cíveis de
Inventários. Cx: 0048).

Diz Francisco Barbosa Ferreira filho legitimo dos falecidos João Barbosa Ferreira e
D. Archangela Pulguna Castelo Branco que tinha falecido nesta vila em fins do ano
de 1840 em principio do de 1841, sua irmã Arcangela Pulguna Castelo Branco, e
acontecido que até hoje não se tinha feito o respectivo inventario o sempre requerer
aberta a fortuna. Dele sendo para isso citado os herdeiros reservados, Simpliciano
Barbosa Ferreira por ser como procurador do tenente Pacifico José da Silva, e dos
órfãos João Barbosa Ferreira, e dona Guiomar Jardina Castelo Branco; Augusto
Barbosa Ferreira, e o major Francisco Fernandes da Silva que moram nesta mesma
vila (APEPI. Autos Cíveis de Inventários. Cx: 0048).
37

No documento de Archangela Pulguna, o seu irmão, Francisco Barbosa Ferreira


traz referência a seus pais, e é possível observar que a linhagem de sua falecida irmã é
pertencente, por parte de mãe, o sobrenome Castelo Branco veio da mãe e não do pai. No
meio deste processo de partilha de bens existiam os menores, quem assumiu as partilhas foi o
Padre Simpliciano Barbosa Ferreira, este que garantiu por direito os bens de Archangela
Pulguna a seus irmãos. Vejamos:

Os órfãos João Barbosa Ferreira e dona Guiomar Jardina Castelo Branco, o


Francisco Barbosa Ferreira, Norberto Barbosa Ferreira, ao major Faustino Fernandes
da Silva que estavam todos nesta vila, e por carta a dona Vitoria Perpetua de Jesus
da Silva mulher do major Faustino, dona Ricardina de Lobão Ferreira mulher de
Francisco Barbosa e dona Olivia Clara da Silva mulher de Pacifico, para no dia dez
de maio próximo [...] comparecerem perante o doutor juiz o órfão para a louvação de
avaliadores, a fim de avaliarem se os bens que, ficaram por falecimento de sua mana
e cunhada dona Arcangela Pulqueira de Castelo Branco, e para todos os mais termos
do inventario, partilhas te final sentença e expecução (APEPI. Autos Cíveis de
Inventários. Cx: 0048).

Além de constar o nome dos irmãos de Archangela Pulguna, seguia-se também o


nome das esposas dos seus irmãos. Um fato que chama atenção é para a falecida Archangela
Pulguna Castelo Branco e sua irmã, Guiomar Jardina Castelo Branco, que foram às únicas da
família a receber o sobrenome de grande destaque para os campomaiorenses, o sobrenome
Castelo Branco.
38

3. AS PARTICULARIDADES DOS ESCRAVIZADOS NOS INVENTÁRIOS PIAUIENSES


DE MEADOS DO SÉCULO XIX: O CASO DE CAMPO MAIO

Como apresentado na introdução, a parir de agora a atenção será dada para as


análises dos três inventários mencionados, mas para entender como os escravizados foram
registrados nos inventários, se faz necessário, antes descrever o passo a passo sobre estes
documentos que foi trabalhado nesta pesquisa, como eles funcionavam desde o arrolamento, a
avaliação dos bens, a sua divisão e por último, a partilha dos bens entre os herdeiros.

3.1. Os escravizados nos inventários campomaiorenses

No que diz respeito a estes documentos, já foi comprovada a presença escravista.


A partir de agora será tratado como são destacados os escravizados, para assim confrontar os
valores entre os mesmos buscando entender o porquê da variação dos valores e a função
econômica e como essa valoração mostra o quanto era importante para o momento possuir
escravizados, pois a partir disso se percebe o grande status que determinados senhores tinham
por ser dono de cativos. Dessa forma, esse capítulo pontuará as suas eventuais profissões e
caracterizações diversas como também a relação comercial entre os cativos africanos,
crioulos, mulatos, e os “cabras” que foi outra denominação encontrada nos documentos, sendo
estes 14 cativos cabras.
Serão utilizados três inventários encontrados no APEPI, sendo um do ano de 1846
do senhor Benedito José do Rego, e dois do ano de 1852, com um dos donos, a senhorita
Archangela Pulguna Castelo Branco e o outro do senhor Simplício da Silva Cardoso. As
análises se iniciam pelo documento do senhor Benedito José do Rego utilizando uma tabela
com os dados encontrados sobre os escravizados na fonte pesquisada. O uso da tabela será
para todos os inventários seguidos de alguns comentários e observações.
39

Tabela 01: Os cativos de Benedito José do Rego

ESCRAVIZADOS/ETNIA IDADE AVALIADO EM:


Justino Cabra 03 anos 80 mil réis
Delfino Cabra Claro 14 anos 260 mil réis
Victorio Cabra 40 anos 300 mil réis
Francisco - -
Ana Crioula 70 anos 40 mil réis
Maria Crioula 35 anos 40 mil réis
Florinda 21 anos 400 mil réis

Fonte: Inventário de Benedito José do Rego 1846.

No inventário de Benedito José do Rego (1846), foram encontrados 07


escravizados, sua faixa etária é de 03 a 70 anos. Entre estes, temos 02 cativos que são
Crioulos, 02 não apresentam a etnia e 03 são de uma nova nacionalidade ou etnia que aparece
pela primeira vez nessa fonte com a denominação de “Cabra”, como mencionado
anteriormente, mas em algumas obras historiográficas, como as de Mott (1985) e Sousa
(2012), este nome já havia aparecido e os autores descreveram sim a existência deste tipo de
cativo com essa designação, mas não foi problematizado. Sendo assim, permite-se dizer que
não seja uma nova nação, mas o que vale ressaltar é que esses escravizados “cabras” também
se fizeram presentes em Campo Maior assim como em demais cidades da Província do Piauí.
Neste documento, encontram-se divisão por sexo, 04 homens e 03 mulheres, sobre
a saúde dos mesmos são descritos que duas de suas cativas estavam doentes, sendo uma
escravizada com a enfermidade de ser cega e a outra não foi especificada, a mesma informava
só que estava doente. A fortuna de Benedito Rego obtida na soma dos seus escravizados é de
1,120 (um conto e cento e vinte mil réis).
O próximo inventário descrito é o da proprietária Archangela Pulguna Castelo
Branco, que cabe ressaltar que este inventário só foi registrado pelo fato da mesma fazer parte
da família de elite da sociedade campomaiorense, a família dos “Castelo Branco”, na qual
entre esta família e a família dos “Bernardo de Carvalho” havia uma forte discussão acerca de
qual família começou a desenvolver a Freguesia de Santo Antonio do Surubim, sendo hoje
uma parte da freguesia a denominada cidade de Campo Maior. O enfoque aqui não é falar
desta disputa entre quem desenvolveu ou quem não desenvolveu a freguesia, este fato só foi
40

citado para o leitor compreender a presença da grande influência destas famílias para o
desenvolvimento local (MELO, 1983).
A discussão sobre qual família haveria começado desenvolver a freguesia é
comentada também na obra do historiador Marcus Vinícios Costa Paixão, na qual o mesmo
mostrar que as duas famílias tiveram sim grande participação no desenvolvimento local, mas
não se esquecendo de valorizar a figura dos negros escravizados e dos indígenas que também
tiveram grande participação na construção e desenvolvimento da região da Freguesia de Santo
Antonio, não ficando o seu mérito somente para as famílias Castelo Branco e Bernardo de
Carvalho, pois várias outras famílias contribuíram para o desenvolvimento da cidade
(PAIXÂO, 2015).

Tabela 02: Os cativos de Archangela Pulguna Castelo Branco

ESCRAVIZADOS/ETNIA IDADE AVALIADO EM:


Candida Crioula 10 anos 250 mil réis
Predicanda Cafur 09 anos 270 mil réis
Isabela Crioula 02 anos 150 mil réis
Esculastica 02 anos 140 mil réis
Eulália Crioula 18 anos 400 mil réis
Secunda Crioula 28 anos 350 mil réis
Paula Cafur 38 anos 350 mil réis
Gorgonha Crioula 38 anos 300 mil réis
Lucio Mulato 16 anos 300 mil réis
Fernando Crioulo 25 anos 70 mil réis
João Crioulo 01 ano 60 mil réis
Antonio Crioulo 40 anos 300 mil réis

Fonte: Inventário de Archangela Pulguna Castelo Branco 1852.

No inventário da senhorita Archangela Pulguna Castelo Branco de 1852 foram


encontrados 12 escravizados, sendo que neste escrito apareceu também um “escravinho” de
nome João com um ano de idade que havia sido registrado como falecido. O que chamou a
atenção foi fato de que ele se encontrava morto e mesmo assim estava avaliado no valor de 60
mil réis, o que faz pensar como determinado cativo, mesmo estando morto, influenciava na
economia do seu senhor? No que tange ao sexo dos escravizados, foram encontrados 08
escravizadas, sendo 04 crianças, e três cativas adultas, e três cativos adultos. A fortuna de
41

Archagela Pulguna obtida na soma dos seus escravizados foi no valor de 2.940 (dois contos
novecentos e quarenta mil réis).
O último inventário analisado foi o do senhor Simplício da Silva Cardoso, era um
homem que através de sua documentação parece ter sido um dos grandes senhores de
escravizados destas terras, mesmo não sendo parente de nenhuma das famílias citadas que
detinham a fama de serem ricas na cidade de Campo Maior, como no caso dos “Castelo
Branco” e dos “Bernardo de Carvalho”. Para a época em estudo, ter muitos escravizados
significava que determinado senhor era muito rico ou até mesmo considerado possuidor de
um status invejável.

Tabela 03: Os cativos de Simplício da Silva Cardoso

ESCRAVIZADOS/ETNIA IDADE AVALIADO EM:


Garcia Africano 55 anos 150 mil réis
Mauricio Crioulo 55 anos 150 mil réis
André Crioulo 57 anos 160 mil réis
Lúcio Africano 50 anos 250 mil réis
Francisco Longá Crioulo 48 anos 120 mil réis
Gregório Crioulo 46 anos 350 mil réis
João Theodózio Africano 66 anos 250 mil réis
Joaquim Muniz Africano 45 anos 240 mil réis
José Cazacão Africano 46 anos 200 mil réis
Fernando Crioulo 35 anos 400 mil réis
Calito Crioulo 35 anos 500 mil réis
Raimundo Mulato 40 anos 380 mil réis
Angelo Crioulo 36 anos 400 mil réis
Augusto Crioulo 35 anos 500 mil réis
Manoel da Silva Cabra 28 anos 350 mil réis
Ricardo Crioulo 20 anos 400 mil réis
Thomaz Crioulo 20 anos 400 mil réis
Lino (não tem nacionalidade) 22 anos 400 mil réis
Serafim Crioulo 16 anos 400 mil réis
José Cambute Cabra 16 anos 400 mil réis
42

Ludovico Cabra 15 anos 350 mil réis


Candido Mulato 20 anos 150 mil réis
Alexandre Cabra 12 anos 250 mil réis
Bonifacio Crioulo 15 anos 250 mil réis
Teodorio Crioulo 14 anos 250 mil réis
Pedro Cabra 13 anos 250 mil réis
Jovencio Crioulo 13 anos 250 mil réis
Severo Crioulo 11 anos 200 mil réis
Sebastião Crioulo 11 anos 200 mil réis
Fructuozo Cabra 11 anos 200 mil réis
Geraldo Cabra 10 anos 200 mil réis
Samuel Cabra 10 anos 200 mil réis
Jezuino Crioulo 07 anos 150 mil réis
Elias Cabra 07 anos 150 mil réis
Liberato (não tem nacionalidade) 06 anos 150 mil réis
Jaime Cabra 06 anos 150 mil réis
Agostinho Cafús 04 anos 100 mil réis
Martiniano Crioulo 04 anos 100 mil réis
Clemente Crioulo 02 anos 80 mil réis
Felismano Cafús 02 anos 80 mil réis
José Cafús 01 ano 60 mil réis
Tino Crioulo 10 anos 200 mil réis
Manoela Cabra 60 anos 80 mil réis
Florinda Africana 70 anos 80 mil réis

Fonte: Inventário de Simplício da Silva Cardoso do ano de 1852.

Neste último inventário de 1852, foram encontrados 44 cativos, uma quantia


bastante relevante ao que tange ser sinônimo de grande senhor de escravizados, os cativos
eram entre 42 homens e somente 02 mulheres. A faixa etária entre seus cativos era de 01 a 70
anos, denominaremos aqui as caracterizações entre Africanos, Crioulo, Mulatos, Cafur e
Cabras, como também suas nacionalidades, e destes, 20 eram Crioulos, 06 Africanos, 11
aparecem como Cabras, 02 Mulatos, 03 Cafur e 02 que não tem a nacionalidade especificada
43

no documento. A fortuna obtida de Simplício da Silva na soma dos seus escravizados é de


10,530 (dez contos quinhentos e trinta mil réis).

3.2. O perfil dos escravizados nos inventários campomaiorense

Por meio das análises dos três inventários pode-se perceber que foram
contabilizados ao todo 63 escravizados entre homens, mulheres e crianças, e assim como as
obras da atualidade, como as citadas no primeiro capítulo desta pesquisa, as de Mairton
Celestino, Francisca Raquel Costa e Débora Cardoso, ambas de 2014, também foram
mostrados os escravizados com seus nomes, idades dentre outros detalhes que as fontes
informaram sobre os cativos que viveram em Campo Maior no século XIX. A
problematização sobre os dados foi feita conforme citado no inicio deste capítulo.
No inventário de Benedito José do Rego, é possível observar fatos que necessitam
de grande atenção para com o caso do escravizado Francisco, pois no documento original não
apresentando a sua etnia, nem idade, e ainda ao lado do seu nome se encontra dizendo que o
mesmo tem carta de liberdade. Não se diz quem a deu, mas o fato desta notificação de ser um
escravizado com carta de liberdade, ou melhor, já ser um liberto, necessita de maiores
detalhes, para que assim como os herdeiros devam perceber que o motivo dele não ter um
valor específico ao lado do seu nome lhe garantirá que na hora da partilha dos bens o seu
direito não mais como um escravizado, mas sim como um ex-cativo, sendo livre e venha a ser
assegurado por meio deste registro, pois a documentação para Francisco nos deixa uma
dúvida quanto se o mesmo era cativo ou livre?
Florinda é outra escravizada que não apresenta a sua etnia, mas está avaliada no
valor de 400 mil réis, a quantia anotada gira em torno da sua idade que é de 21 anos, e ter uma
cativa com esta faixa etária na fazenda poderia lhe render mais escravizados. A cativa Ana
Crioula tem seu registro com a idade de 70 anos, seu valor era 40 mil réis, preço este
destinado por causa da sua velhice, sendo velha não teria mais serventia para o trabalho
pesado nem na casa grande e nem no “eito”, ou seja, no trabalho com a terra. Maria Crioula,
embora tendo 35 anos tenha o mesmo valor que a escravizada Ana Crioula, e isto se da
porque a mesma se encontra cega, e assim como o cativo Fernando Crioulo do inventário de
Archangela Pulguna Castelo Branco os mesmos tinham registro de baixo valor por causa de
sua cegueira. Para os senhores de escravizados, possuírem cativos cegos em suas fazendas não
44

era bom já que se buscavam altos lucros com as suas “mercadorias” e estas estando cegas não
lhe renderiam lucros, apenas gastos.
No inventário (1846) o caso de Maria Crioula não foi diferente com o fato de o
seu baixo valor poder ter ligação com o tipo de enfermidade que possuía, pois a cativa não
poderia ser inserida em nenhuma forma de trabalho. O fato era que tinham que colocar outra
escravizada saudável para cuidar da cativa cega. O escravizado Justino, de 03 anos, também
não tem identificado sua etnia e ainda diz-se doente, mas não se especifica sua enfermidade,
apesar do mesmo se encontrar avaliado em 80 mil réis, chegando a valer até mais que Ana e
Maria Crioula. Isso pode ser interpretado porque ambas escravizadas já eram velhas, e ainda,
uma delas estava doente, Maria Crioula era cega. O cativo Justino ainda era novo e dias a
frente, quando este já estivesse um escravizado adulto, chegaria a valer bem mais caro para o
seu senhor, podendo gerar uma boa mão de obra para o trabalho na fazenda, pois a força
africana foi a base das atividades nas fazendas.
No inventário de Archangela Pulguna Castelo Branco, a escravizada Esculastica
não se tem registro de qual nação pertencia, sua idade era de 02 anos e a mesma estava
avaliada em 140 mil réis, isso é uma coisa comum nestes inventários, os escravizados que são
da faixa etária de 01 a 15 anos chegam a ter um valor bem alto. Vale ressaltar que quanto
mais o cativo estivesse sadio, mais bem avaliado ele seria, como é o caso do escravizado
Antonio Crioulo de 40 anos avaliados em 300 mil réis, e a frente do seu registro se encontra a
notificação afirmando que este cativo estava sadio.
Já Fernando Crioulo que com 25 anos estava avaliado em 70 mil réis era por
causa dele está com dois tipos de enfermidades tanto nos olhos como nos peitos, pois nesta
idade os escravizados costumam valer bem mais caros, não se descreve aqui o que causou
determinadas enfermidades no sujeito, o que podemos pensar é que grande partes destas
enfermidades adquiridas por tais escravizados eram resultados de desobediências praticadas
contra as ordens dos seus senhores ou em alguns casos acidentes com ferramentas durante a
execução dos trabalhos nos campos.
Ainda no inventário da senhorita Castelo Branco, encontramos a situação de saúde
definida para 06 escravizados, porém os outros não foram mencionados como estavam de
saúde, mesmo não falando como estavam estes escravizados quanto a sua saúde deduzimos
que talvez estivessem saudáveis, pois os valores que trazem aqueles escravizados que estavam
doentes o seu valor era muito baixo em relação aos outros que não trazem sua condição física
45

definida, estes estavam avaliados nos valores de 140 a 400 mil réis, assim supomos que
também estavam bem de saúde.
Um caso que merece destaque para estes documentos é que ao se falar dos
escravizados nos inventários é interessante ver que quando estes traziam algum tipo de
enfermidades, eles eram comercializados por um valor mais baixo daqueles que eram sadios.
Já nos casos dos cativos “especializados”, ou seja, aqueles que tinham bom êxito em
determinados tipos de trabalhos, chegavam a ser avaliados a preços bem altos. Nos
documentos nenhum dos cativos foi destacado em qual atividade estavam inseridos, isso faz
com que se permita pensar que de uma maneira geral os cativos em sua maioria desenvolviam
trabalhos ligados especificamente à criação e cuidado com o gado, sendo tanto cativos
homens como as mulheres.
Os senhores de escravizados, sabendo destas especificidades destes cativos, já se
sabiam onde colocá-los para trabalhar, e a maioria dos escravizados africanos que chegaram
já tinham seus trabalhos específicos, como por exemplo, nos afirma o historiador Reinaldo
dos Santos Barroso Junior, “os africanos oriundos dos portos de Cacheu e Bissau,
reconhecidamente exímios cultivadores de cereais afinal possuíam mais de três milênios de
experiência” (BARROSO JÚNIOR, 2009, p. 87). Como estes cativos se mostravam
dominadores de tamanhas práticas com trabalhos com o arroz, despertavam nos senhores de
escravizados a vontade de possuir cativos deste tipo para a sua fazenda, pois ter um
escravizado especializado em determinada atividade já era uma garantia para o seu dono de
que tamanho investimento em poucos anos lhes seriam restituídos.
Dos 12 escravizados da senhorita Castelo Branco registrados em seu documento,
temos 08 deles identificados como Crioulos, 02 Cafur que é o mesmo que Cafuzo, e ainda um
Mulato e uma que não tem identificada sua etnia, que é o caso da escravizada Esculastica, o
que se fez pensar no porquê de tal classificações. A faixa etária dos cativos de Archangela
Pulguna são de 01 a 40 anos, no caso das crianças escravizadas há uma diferença de valor
entre as cativas Candida Crioula de 10 anos e a Predicanda Cafur de 09 anos, que embora
mais nova, Predicanda Cafur chega a valer mais que Cândida Crioula, e isso se dá por causa
das diferenças de etnia, pois a etnia Cafur significa nascido de preto com mulata, sendo já
uma filho de escravizados em terras brasileiras.
É importante destacar, ainda, que no inventário de Archagela Pulguna a situação
entre dois de seus escravizados que se encontram enfermos, como é o caso de Fernando
Crioulo que estava doente dos olhos, apesar de sua idade de 25 anos, foi avaliado em 70 mil
46

réis por causa desta sua enfermidade, e o escravizado Lucio Mulato de 16 anos que também se
encontra doente, só que este avaliado em 300 mil réis. A diferença era que a sua moléstia era
na perna e por isso são 230 mil réis avaliados a mais que o escravizado Fernando Crioulo
(cego), pois a enfermidade deste escravizado não tem cura e para o seu senhor este cativo era
um escravizado inútil, pois que no trabalho do dia a dia a visão era muito necessária. A partir
disso pode-se perceber que as próprias diferenças de determinados graus de enfermidades
também definiam o valor dos cativos.
Sobre a questão de enfermidades dos escravizados no inventário de Simplício da
Silva Cardoso, os únicos escravizados que aparecem doentes são os cativos Garcia Africano,
Mauricio Crioulo e Francisco Longá Crioulo que estão descritos como “quebrados”. Assim
como os outros dois inventários de (1846) e (1852), não se dá informação sobre como
adquiriram as doenças, nem se referem em qual parte do corpo o sujeito “está quebrado”, mas
ressalta que suas idades variam entre 48 a 55 anos de idade, e para a idade apresentada
mostrava que para escravizados homens que passavam a maior parte do tempo trabalhando
nas lavouras, já não teriam mais tanta condição física para o trabalho braçal que a atividade no
campo exigia. No caso de Joaquim Muniz Africano estando com a perna inchada ainda
custava 240 mil réis fugindo a regra para os três outros cativos citados.
Um fato a ser observado para o inventário do senhor Simplício Cardoso é que
entre seus 44 escravizados só apareçam 04 estando em estado de enfermidades. Não se tem
registro de nenhum escravizado cego. A faixa etária de seus cativos era de 01 a 16 anos, ele
possuía 21 escravizados nestas idades, todos eram homens, embora que ainda crianças,
aparentemente filhos de escravizados mais velhos.
O documento não fala sobre fugas, pois o hábito de se utilizar das fugas para
resistir ao sistema escravocrata, na historiografia brasileira mostra que a maioria das
enfermidades que os escravizados possuíam era em decorrência de castigos de fugas na
tentativa de resistir ou de não querer fazer o que seu senhor mandava (COSTA, 2014).
No inventário de Simplício da Silva da para observar que a composição dos
cativos na sua maioria eram homens, e isso faz com que o valor de sua fortuna gerada pelos
valores da soma dos seus escravizados seja alto, pois de cativas ele só tinha duas e que
estavam velhas demais para os trabalhos. Ainda sobre valores, deve-se destacar o valor de 02
escravizados: um é o cativo Calito Crioulo e o outro é o Augusto Crioulo que estão ambos
com 35 anos de idade e avaliados em 500 mil réis, no documento não há registro de
47

especificidade no caso de desenvolverem algum outro tipo de trabalho para que os mesmos
estivessem valendo esta quantia.
Há relatos em obras como Barroso Júnior (2009) que trata sobre o que foi
mencionado. Para ele, dependendo do que o escravizado fazia de específico em determinada
atividade, poderia valer mais que os outros, ou então dependendo do lugar de onde vinham,
mas no caso específico dos dois cativos citados são Crioulos e estes cativos já eram os
nascidos nas Américas. Não se tem descrito em que área específica de trabalho estes se
destacavam, a não ser que o valor de 500 mil réis estivesse associado ao fato dos mesmos
escravizados ser de propriedade de pessoas mais abastardas, pois seguidos de seus nomes
temos uma notificação ao lado como “oficial de Firmino” para Augusto e “oficial capitão”
para Calito, levantando a ideia de que um pertença ao Oficial Firmino e o outro a um capitão.
O que ainda chama atenção para o inventário de Simplício Cardoso é o fato da
pouca presença de mulheres escravizadas na fazenda deste senhor, levando também em
consideração que as duas que aparecem já são de idades avançadas. Pelo que parece o senhor
Simplício não deixava com frequência que se formassem famílias escravas em sua fazenda,
isso pode ser percebido até mesmo na falta de mais mulheres no seu inventário. A obra de
Freyre (2006), problematiza sobre possíveis relações entre os escravizados dentro das
senzalas, sendo que através disso se formaram muitas famílias escravas nos cativeiros e no
caso de Simplício da Silva era evidente a tentativa de evitar estas formações familiares para
não ter complicações nem trabalho na hora de efetuar as vendas e trocas comerciais de seus
escravizados entre outros senhores da região de Campo Maior.
Pela quantidade de escravizados homens na fazenda de Simplício da Silva, seus
trabalhos estariam mais voltados para as atividades nas plantações, com a própria criação de
gado bovino vacum e cavalar nas áreas pastoris. Os escravizados homens estavam mais
propícios a trabalharem nas lavouras, ou cuidando do gado, já que por aqui a principal
atividade que desenvolvia a região era a plantação, ou o cultivo da terra e a criação bovina,
característica esta que o Piauí carrega quando se fala em colonização destas terras. Cabe-nos
aqui no presente momento não generalizarmos sobre dizer que somente o cativo estava
trabalhando nas lavouras, pois Lima (2005) em sua obra fala tanto dos cativos quanto das
cativas em trabalhos no campo, mostrando que elas também foram presentes no campo além
de suas marcas na cozinha da casa grande, elas também puderam estar na lida com o gado
vacum e cavalar.
48

E como bem mencionado, Campo Maior foi um lugar com terras muito propícias
para a criação de gado, seus verdes pastos, e suas terras banhadas pelos rios, fez com que aqui
este tipo de atividade, a pecuária extensiva ganhasse grande destaque, segundo Tânia Brandão
(1999) e Luis Mott (1985) esta atividade não necessitava de muita mão de obra para este tipo
de trabalho, já que um vaqueiro era suficientemente bom para cuidar de 30 a 40 cabeças de
gado e em muitos casos não era só o vaqueiro quem cuidava deste tipo de trabalho, Solimar
Lima em sua obra Braço forte: trabalho escravo nas fazendas da nação no Piauí: 1822-1871
(2005) nos enfatiza que a força da mulher escravizada também esteve presente nas atividades
do campo, esta não ficava somente na cozinha da casa grande ou em trabalhos nas ruas como
no caso as escravizadas de ganho ou as vendedoras, Solimar Lima (2005), mostra que a figura
da cativa foi muito além do que pensamos, pois dos diversos trabalhos executados pelos
cativos muitos destes também foram feito por elas.

3.3 As particularidades de cada inventário

Como foi apresentado por meio de tabelas, foi possível visualizar quem eram os
escravizados, pois nelas conhecemos o seu nome, a etnia que pertenciam, a sua idade, que
para o senhor de escravizados era de suma importância saber qual a idade do cativo, já que
pela idade os proprietários de terras poderiam percebe se o escravizado ou a escravizada
estavam aptos para o trabalho tanto nas lavouras como na casa grande. Além destas
informações vinha descrito o sexo e a cor ligado a questão da etnia, pois em nenhum
momento foi destacado cativo como preto, já que todos os escravizados eram negros. Em
alguns casos estava presente sua condição para o trabalho. O valor em que o cativo estava
avaliado dependia muito de como ele estava fisicamente, podendo também vir descrito se o
mesmo tinha enfermidades ou não, o que fazia com que seus valores flutuassem.
Outro fato relevante foi que, embora Benedito José do Rego sendo homem, ele
chega a ter menos escravizados que a senhorita Archangela Pulguna Castelo Branco, pois a
mesma em seu inventário tem registrado 12 escravizados e Benedito Rego tinha 07
escravizados, sendo um com carta de alforria, o que nos faz pensar se o mesmo era livre ou
cativo? Archangela Pulguna chega a ter 05 escravizados a mais que o senhor Benedito e isso
se da pelo fato da senhorita Archangela compor uma das famílias mais ricas que fizeram
morada na Vila de Campo Maior, além de ser uma família com grandes influências na região.
49

O fato de Archangela Pulguna fazer parte da família dos Castelo Branco foi o que
nos fez perceber o porquê desta jovem senhorita ter tido seus bens registrados em um
testamento, pois antes mesmo da época em questão, a figura da mulher já tinha acesso a estes
documentos, como mencionado na obra de Paixão (2015) essa visão de que para algumas
mulheres o “ser mulher” estava mais reclusa ao espaço do lar, não se acentuou para a
senhorita Castelo Branco.
Nas documentações temos registros em que se tem a presença de mulheres tendo
seus bens registrados nos mostrando que o acesso delas foi bem antes, pois no século XVIII já
existia essa prática de mulheres registrarem seus bens e não precisavam serem viúvas, elas
tiveram acesso aos documentos por pertencerem a famílias de elite, e é o que acontece com a
senhorita Archangela Pulguna, que era uma mulher de família abastarda para o período em
estudo, por isso a mesma teve seus bens registrados (APEPI. Autos Cíveis de Inventários. Cx:
0048).
Na maioria dos casos que aparecem nos inventários de Benedito José do Rego e
Archangela Pulguna Castelo Branco ao se falar da enfermidade de determinados escravizados,
não se diz como estes cativos adquiriram tamanha doença, por exemplo, o cativo da senhorita
Archangela Pulguna Castelo Branco, o escravizado Fernando Crioulo, estava doente dos olhos
e dos peitos, mas não se diz como ele chegou a adquirir tal doença. Observando a condição
em que o cativo vivia, muitas destas doenças que eles tinham ou vinham a adquirir eram
resultados dos maus tratos realizados pelos capatazes ou feitores, o qual se dava a tarefa de
executar as ordens de seus senhores por meio da aplicação de severos castigos nos
escravizados que desobedecessem as ordens do sistema. Os castigos eram aplicados pelo
feitor que era o braço direito do senhor de engenho.
Dentre alguns dos valores em que os escravizados estavam avaliados, o que
chamou a atenção também foram para as cativas na faixa etária de 18 a 21 anos que eram
avaliadas em 400 mil réis, por exemplo, as cativas Eulalia Crioula de 18 anos do inventário de
Archangela Pulguna e Florinda de 21 anos do inventário de Benedito José do rego, que
chegam a valerem mais que alguns escravizados, e com isso pode-se indagar que ter uma
escravizada desta idade na sua fazenda era muito importante para o senhor, porque além de
trabalhar na casa grande ainda poderia ser uma escravizada propícia a ser uma gestora de mais
escravizados para a sua fazenda, já que aos olhos do senhor de engenho ter este tipo de cativa
na sua fazenda era uma garantia de fazer com que seus novos escravizados estariam
garantidos.
50

Dos três inventários analisados, foi no do senhor Simplício da Silva Cardoso o


fato que mais chamou a atenção, de se encontrar alguns escravizados que tinham sobrenome,
foram 06 escravizados no total, sendo estes os cativos, Francisco Longá Crioulo, João
Theodózio Africano, Joaquim Muniz Africano, José Cazacão Africano, Manoel da Silva
Cabra, José Cambute Cabra, pois diferentemente dos outros dois documentos como o da
senhorita Archangela Pulguna Castelo Branco (1852) e do senhor Benedito Rego (1846) não
se observou registros de escravizados com sobrenomes.
O fato dos escravizados aparecerem com sobrenome acontecia quando o senhor
lhe colocava o seu próprio sobrenome no cativo, ou como eles o via, na sua “propriedade”
como forma de marcar seu bem, ou ainda por ser entendido como um apagamento das origens
africanas, pois isso era uma prática comum para a época, e foi neste ponto que o cativo teve
destituído do seu nome original africano para um nome escolhido por seu novo dono, nomes
estes mais comuns entre a sociedade campomaiorense, sendo possível ainda lhes colocarem o
seu sobrenome como forma de dizer ou de reconhecer que aquela sua propriedade lhes
pertencia.
Nos casos encontrados aqui é diferente, pois temos 05 sobrenomes diferentes nos
cativos e que não se encaixam ao sobrenome do seu dono que é o senhor Simplício da Silva
Cardoso. Dos seis escravizados, o único que pode ter recebido o nome de seu dono
propriamente foi o escravo Manoel da Silva, já aos outros existe a possibilidade de terem
recebido sobrenomes de irmãos ou compadres do senhor Simplício.
Na maioria das vezes, ou se não em todas, quando os escravizados chegavam às
fazendas ainda com o seu primeiro nome que eram conhecidos no continente africano, o
senhor que os adquiria já fazia com que os mesmo recebessem novos nomes e alguns
poderiam receber seus sobrenomes, e com isso permite-se observar a questão de serem
tratados como “propriedades”, pois é como Benedito Souza Filho nos afirma através da fala
de David Brion Davis que:

Como instrumento prático e movente, o escravo absolutamente submetido por


formas diferenciadas de controle, é destituído de liberdade, de livre arbítrio, o que
faz com que reúna três características de sua condição: não ter autonomia, não ter
vontade, viver submetido (SOUSA FILHO, 2013, p. 26).

Pois após chegar á fazenda adquiria o sobrenome do seu proprietário, e aquele que
era livre, passava a não ter mais a sua liberdade. Tudo a respeito de tal cativo era decidido por
um dono, o qual antes não tinham, e isso era o que os condicionavam a ser “propriedade” de
uma pessoa, era destituir do “ser livre” para viver sob o julgo de um dono.
51

Portanto, com o cruzamento dos dados obtidos através destes três inventários
analisados foram encontrados 63 escravizados, não se diz de onde vieram estes cativos, mas
por meio de obras como a de Seymour Drescher (2011) e Barroso Junior (2009) pode-se
enfatizar que muitos dos escravizados que chegaram vieram de diferentes regiões da África,
mas em nenhum momento isto foi descrito nos documentos, e pelo que se pode afirmar
muitos dos cativos identificados nestes papéis eram filhos de escravizados trazidos da África,
sendo, portanto, gestados e nascido já no Brasil.
O próprio fato de quase metade dos escravizados de Simplício Cardoso que são
crianças já aponta para este dado, pois sendo escravizados nascidos aqui no Brasil e o tráfico
negreiro tendo sido abolido ainda em 1850 com a Lei Euzébio de Queiroz, que fazia proibição
da comercialização da mão de obra africana para o nosso país, pode-se concluir que estes ou
eram filhos de outros cativos ou chegaram nos últimos navios antes da proibição.
Dos 63 cativos encontrados, ainda foi dado destaque para os 14 escravizados que
tem a denominação “Cabra ou Cabra Claro” e com isso foram identificados uma nova etnia
nas terras dos carnaubais, a mesma já tinha presença em outras cidades como Teresina e
Piracuruca. A partir desta nomenclatura percebe-se que o título foi usado na documentação
para os filhos já nascidos de africanos no Brasil, seguidos dos demais termos como Crioulo,
Mulato e Cafuzo, mas esses três últimos citados juntamente com o termo Africano já haviam
aparecido em outros documentos que foram analisados, como no caso de documentos do
Arquivo Histórico Ultramarino, o “Projeto Resgate” trabalhados no Grupo de Estudos Afro -
GEA/NEÁFRICA/PI, onde estes quatros tipos aparecem com mais frequência.
Para o termo “Cabra e Cabra Claro” que se seguiu para 14 escravizados
encontrados nos dois inventários piauienses. Foi a primeira vez que foram encontrados em
documentos que falam sobre Campo Maior, mas nem todos os cativos tiveram sua
identificação mencionada nos documentos, por exemplo, a cativa Esculastica da senhorita
Archangela Pulguna; Francisco e Florinda de Benedito Rego e de Simplício Silva os cativos
Lino e Liberato não se mostrou a qual etnia pertenciam.
A falta de informações para com os escravizados nos inventários nos faz perceber
a necessidade de um estudo mais avançado acerca destes 14 escravizados “Cabras”
encontrados, tanto no inventário do senhor Benedito José do Rego com três cativos “Cabras”,
quanto no documento de Simplício da Silva Cardoso com 11 cativos “Cabras”, e trazendo esta
discussão vem à tona a necessidade de uma busca em melhorar este estudo frente à
identificação de “Cabra” para os 14 escravizados.
52

Pode-se perceber que se trata de mais uma etnia ou nação que mistura
África/Brasil vindo a se constituiu aqui no Brasil, pois os mesmos escravizados que são os
“Cabra e Cabra claro” podem ser filhos de Mulatos (índio) com a Preta (escravizada). Mott
(1985) e Sousa (2012) falam deste tipo de cativos, mas não trazem uma discussão maior, o
que se faz afirmar que estes sejam filhos de escravizados que já viviam no Brasil.
Em dois dos inventários analisados na pesquisa foi possível ver registrados qual
etnias os cativos pertenciam, e a partir disso pode-se perceber se o cativo vinha ou não de
alguma região da África, pois os cativos e cativas encontrados na fonte a partir da
nomenclatura recebida, como a de Africano, Mulato, Crioulo, Cafuzo e Cabra, é possível
fazer a indagação que estas nações ou etnias foram criadas ou constituídas aqui no Brasil, pois
segundo nos enfatiza o historiador Barroso Junior (2009):

A palavra nação é citada pelos administradores do estado nas correspondências


trocadas com o régio poder, é utilizada na documentação do trafico indicando portos
de procedência nos termos de visita de saúde, aparece ocasionalmente nos registros
de passaportes quando o escravo africano acompanhava seu senhor, ou, ainda, nos
registros paroquiais como batismos, casamentos e óbitos (BARROSO JUNIOR,
2009, p. 98).

A partir da discussão que Barroso Junior (2009) nos apresenta da para ter a noção
de que essa tipologia designada para os cativos foi usada para nomeá-los, mas que não tem
nenhuma relação com a sua identidade, e sim por causa dos portos onde os mesmos eram
embarcados para cruzar o Atlântico. Esse nome que recebia era levado para as documentações
como foi citado, no caso de certidões de batismo e casamento quando o seu senhor os
registrava e além deste:

A procedência, a origem territorial africana do escravo, era fartamente identificada


pelo termo nação que coadunava com a separação das qualidades e características
dos escravos e sua pretensa predisposição a determinados tipos de trabalho assim
como alguma tendência natural aos malefícios morais como o crime e a vadiagem
(BARROSO JUNIOR, 2009, p. 98-99).

Com esses dois exemplos de nomenclatura criados para os africanos que foram
escravizados, percebe-se que para a etnias dos “Cabra”, a mesma só foi percebida quando ela
veio seguida da “cor” do cativo descrito nessa documentação do APEPI. Mas, assim como
foram criadas etnias para os escravizados da África, a tipologia “cabra” foi criada para
identificar os escravizados nascidos no Brasil, pois a presença de cativos cabras se fez
presente não só no Piauí no século XIX, desde 1784 já tinha presença deles em Pernambuco e
na Bahia.
53

Ainda na documentação, os 14 cativos identificados como “Cabra ou Cabra


Claro”, sendo estes os 13 escravizados e uma escravizada, os mesmo estão bem avaliados, e
se for levar em consideração à comparação aos outros escravizados que estão bem fisicamente
e com altos valores, os escravizados Cabras entre 15 e 28 anos estão avaliados em 350 a 400
mil réis, entre 12 e 13 anos 250 mil réis, entre 10 e 11 anos 200 mil réis, e os de 06 a 07 anos
em 150 mil réis e uma escrava de 60 anos no valor de 80 mil réis, esta com a quantia de 80
mil por já ser uma escravizada de idade e não ter mais tanta serventia para o trabalho na
fazenda.
A denominação “Cabra ou Cabra Claro” já foi mencionada em outras obras
historiográficas piauienses como na de Luís Mott (1985) e de Talita Sousa (2012), as mais
comuns são o cativo ser Crioulo e Mulato e em alguns casos Africano ou Cafuzo, e pelo que
Barroso Junior (2009) traz em sua obra sobre as nomeações dos escravizados aqui no Brasil,
no Piauí isso se seguiu para os cativos “cabras”, assim como para as demais denominações
citadas na fonte, pois:

A utilização do termo nação encontrada nas documentações escritas foi recorrente


signo de identificação dos escravos na sociedade escravista do meio-norte a partir de
um complicado sistema de classificação que ocasionalmente referia-se aos portos de
procedência na costa ocidental, portanto, territórios de onde provinham os escravos
africanos que, por sua vez, denota pontos específicos com os quais os portos da
América Portuguesa se intercambiavam delineando rotas exclusivas no trato
comercial atlântico: Rio de Janeiro e Angola; Costa da Mina e Bahia; e, no caso do
meio-norte, Alta-Guiné e Estado do Maranhão e Piauí (BARROSO JUNIOR, 2009,
p.99).

Além dos nomes recebidos pelos cativos referentes às suas etnias nos portos, para
os escravizados denominados “Crioulos” também foi criado suas características para tal
identificação, pois os “Negros nascidos na América Portuguesa eram costumeiramente
denominados crioulos” (BARROSO JUNIOR, 2009, p.106), e assim se percebe que o cativo
Crioulo assim como os “Cabras” eram mestiços e filhos de africanos já nascidos no Brasil,
onde nestes tipos de etnias, tanto o Crioulo como o Mulato, estavam presentes em várias
regiões da nação brasileira, coisa que também aconteceu com os “Cabras”, pois a sua
existência apareceu nestes inventários da cidade de Campo Maior no século XIX, e em
anúncios de jornais do Piauí na obra de Sousa (2012) e em algumas descrições de Mott
(1985), mas isso não foi exclusividade do Piauí, pois em outros estados brasileiros os cabras
se fizeram presentes.
E assim se percebe que os cativos identificados nestes inventários como “Cabras”
tiveram sua presença também na Província do Piauí, pois a há registro da presença destes
54

cativos com a denominação de cabras em outros lugares, seus principais responsáveis por
definir tal nome foram os colonizadores portugueses e europeus, e na província seguiu-se esta
prática com os padres nas igrejas quando eram feitos registros nas documentações paroquiais.
55

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir destes três inventários pode-se perceber que ainda se tem muito a
descobrir sobre estes escravizados, não só nos inventários, mas a partir deles buscar percebê-
los em outras documentações como registros de batismo ou casamento, ou até mesmo
registros de óbito, e com este tipo de documento que foi usado na pesquisa, os mesmos se
inserem para o estudo dos escravizados não só em Campo Maior no século XIX, mas em todo
o Piauí. Com isso pode-se ver que ainda existem muitas lacunas a serem preenchidas sobre a
escravidão nas terras dos carnaubais, e com a oxidação em alguns dos documentos temos a
omissão de algumas informações tornando ainda mais difícil compreender como foi esse
sistema nas terras campomaiorenses.
No caso dos três inventários analisados as únicas informações que apareceram
foram sobre o nome dos escravizados, a nação, a idade, o sexo, o preço e no caso do
escravizado estar enfermo ou são eles descreviam ao lado do documento ou junto com a
descrição geral. Estas foram as informações mais encontradas nos três documentos estudados.
Sobre outras indagações: se estavam casados ou solteiros? Em que trabalhavam?
Feitas ainda no início deste trabalho a respeito dos escravizados, não existe este tipo de
informação, pois ao que se percebe o mais importante era saber se a “mercadoria” estava em
boas condições, e o que se observa com isso é uma grande lacuna que existe referente a tais
informações que ainda necessitam de mais pesquisas.
Por meio das análises destes inventários foi observado que ainda existe uma
grande problemática em descrever informações sobre os escravizados que chegaram ao Piauí,
pois muitas das informações que são necessárias não se encontram nestes documentos. Como
nos casos encontrados, fala-se de escravizados, do seu sexo, da sua idade, de seus valores,
mas em alguns casos não se sabe de onde veio escravizado, pois nestes documentos o
essencial para os senhores era descrever como estavam suas “mercadorias” se estas estavam
em perfeitas ou em más condições de uso, pois isto era um fator de grande influência na
avaliação de sua propriedade, sendo que se este tivessem enfermidades, poderia ter certeza
que seu valor correspondia a seu estado físico.
Portanto, além destas informações, foi possível perceber também que sobre a nova
etnia ou nação encontrada nos documentos dos inventariados de Campo Maior, que foram os
escravizados “Cabras”, os mesmos tiveram também sua presença nas terras da Província do
Piauí, pois a sua existência já vinha sendo afirmada desde Luiz Mott (1985) seguida de outras
56

obras como Sousa (2012), e quem os classificaram foram os colonizadores, sendo que esta
prática se seguiu para todos os que nasceram nas terras piauienses e no caso em estudo, para
os campomaiorenses, e confirmar a presença destes cativos aqui foi possível por meio dos
inventários do século XIX que se inseriram nesta pesquisa para problematizar as propriedades
negras na escravidão da região dos carnaubais.
57

REFERÊNCIAS

FONTE

Arquivo Público do Estado do Piauí– APEPI


Caixa. 48. Altos Cíveis de Inventários. Campo Maior. 1852-1857.

BIBLIOGRAFIA

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