Catena Aurea

Ano A · Setembro
Santo Tomás de Aquino · Santos Padres

Tradução: Tiago Gadotti

 Catena Aurea (Edição especial - setembro, Ano A), vários autores
© Editora Concreta, 2017

Título original:
Catena aurea in quatuor Evangelia

Os direitos desta edição pertencem à

Editora Concreta
Rua Barão do Gravataí, 342, portaria – Bairro Menino Deus – CEP: 90050-330
Porto Alegre – RS – Telefone: (51) 9916-1877 – e-mail: contato@editoraconcreta.com.br
Editor:
Renan Martins dos Santos
Coordenador editorial:
Sidney Silveira
Tradução:
Tiago Gadotti
Revisão:
Emílio Costaguá
Capa & Diagramação:
Hugo de Santa Cruz

Ficha Catalográfica
Tomás de Aquino, Santo, 1225?-1274
T655c Catena Aurea (ed. especial, Ano A, setembro) / tradução de Tiago Gadotti,
edição de Renan Santos. – Porto Alegre, RS: Concreta, 2017.
88p. :p&b ; 16 x 23cm

ISBN 978-85-68962-05-3

1. Teologia. 2. Filosofia. 3. Filosofia medieval. 4. Comentários bíblicos. 5. Cristianismo.

6. Catolicismo. 7. Espiritualidade. I. Título.

CDD-226.07

Reservados todos os direitos desta obra. Proibida toda e qualquer

reprodução desta edição por qualquer meio ou forma, seja ela eletrônica
ou mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer meio.

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 C OL EÇ ÃO ESC OL Á S T IC A

F
oram características marcantes do período escolástico a elevação da
dialética a um cume jamais superado – antes ou depois, na história
da filosofia –, o notável apuro na definição de termos e conceitos,
a clareza expositiva na apresentação das teses, o extremo rigor lógico nas
demonstrações, o caráter sistêmico das obras, a classificação das ciências a
partir de um viés metafísico e, por fim, a existência duma abóboda teológica
que demarcava a latitude e a longitude dos problemas esmiuçados pela ra-
zão humana, os quais abarcavam todos os hemisférios da ordem do ser: da
materia prima a Deus.
O leitor familiarizado com textos de grandes autores escolásticos, como
Santo Tomás de Aquino, Duns Scot, Santo Alberto Magno e outros, estranha
ao deparar com obras de períodos posteriores, pois identifica perdas de cunho
metodológico que transformaram a filosofia num enorme mosaico de idéias
esparzidas a esmo, nos piores casos, ou concatenadas a partir de princípios
dúbios, nos melhores. A confissão de Edmund Husserl ao discípulo Eugen
Fink de que, se pudesse, voltaria no tempo para recomeçar o seu edifício feno-
menológico serve como sombrio dístico do período moderno e pós-moderno:
o apartamento entre filosofia e sabedoria – entendida como arquitetura em
ordem ao conhecimento das coisas mais elevadas – acabou por gerar inúmeras
obras malogradas, mesmo quando nelas havia insights brilhantes.
Constatamos isto em Descartes, Malebranche, Espinoza, Kant, Hegel,
Schopenhauer, Nietzsche, Husserl, Heiddegger, Ortega y Gasset, Wittgens-
tein, Sartre, Xavier Zubiri e vários outros autores importantes cujos princípios
filosóficos geraram aporias insanáveis, verdadeiros becos sem saída.
 Na prática, o filosofar que se foi cristalizando a partir do humanismo renas-
centista está para a Escolástica assim como a música dodecafônica, de caráter
atonal, está para as polifonias sacras. Em suma, o nobre intuito de harmonizar
diferentes tipos de conhecimento foi, aos poucos, dando lugar à assunção da
desarmonia como algo inescapável. As conseqüências desta atitude intelectual
fragmentária e subjetivista, seja para a religião, seja para a moral, seja para a
política, seja para as artes, seja para o direito, foram historicamente funestas,
mas não é o caso de enumerá-las neste breve texto.
Neste ponto, vale advertir que a Coleção Escolástica, trazida à luz pela editora
Concreta em edições bilíngües acuradas, não pretende exacerbar um anacrônico
confronto entre o pensar medieval e tudo o que se lhe seguiu. O propósito maior
deste projeto é o de apresentar ao público brasileiro obras filosóficas e teológicas
pouco difundidas entre nós, não obstante conheçam edições críticas na grande
maioria das línguas vernáculas. Tal lacuna começa a ser preenchida por iniciativas
como esta, cujo vetor pode ser traduzido pela máxima escolástica bonum est di-
ffusivum sui (o bem difunde-se por si mesmo). Ocorre que esta espécie de bens,
para ser difundida, precisa ser plantada no solo fértil dos livros bem editados.
No mundo ocidental contemporâneo, plasmado de maneira decisiva na
longínqua dúvida cartesiana, assim como nos ceticismos de todos os tipos e
matizes que se lhe seguiram; mundo no qual as certezas são apresentadas como
uma espécie de acinte ou ingenuidade epistemológica; mundo que se despo-
ja de suas raízes cristãs para dar um salto civilizacional no escuro; mundo,
por fim, desfigurado pelas abissais angústias alimentadas por filosofias caducas
de nascença; em tal mundo, não nos custa afirmar com ênfase entusiástica o
quanto este projeto foi concebido sem nenhum sentimento ambivalente. Ao
contrário, moveu-nos a certeza absoluta de que apresentar o Absoluto é um
bálsamo para a desventurada terra dos relativismos.
Vários autores do período serão agraciados na Coleção Escolástica com
edições bilíngües: Santo Tomás de Aquino, São Boaventura, Santo Anselmo
de Cantuária, Santo Alberto Magno, Alexandre de Hales, Roberto Grossetes-
te, Duns Scot, Guilherme de Auvergne e outros da mesma altitude filosófica.
Em síntese, a Escolástica é uma verdadeira coleção de gênios. Procurare-
mos demonstrar isto apresentando-os em edições cujo principal cuidado será
o de não lhes desfigurar o pensamento.
Que os leitores brasileiros tirem o melhor proveito possível deste tesouro.

Sidney Silveira
Coordenador da Coleção Escolástica
 Sumário

CATENA AUREA
Domingo XXII do Tempo Comum  
Evangelho: Mateus 16,21-27  9
Comentário suplementar: Salmo: 62,2-6,8-9  21

Domingo XXIII do Tempo Comum  

Evangelho: Mateus 18,15-20  31
Comentário suplementar: IIª Leitura: Romanos 13,8-10  44

Domingo XXIV do Tempo Comum  

Evangelho: Mateus 18,21-35  49
Comentário suplementar: IIª Leitura: Romanos 14,7-9  63

Domingo XXV do Tempo Comum  

Evangelho: Mateus 20,1-16  67
Comentário suplementar: IIª Leitura: Filipenses 1,20c-24;27a  82

Referências citadas  87

8 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
 Domingo XXII
do Tempo Comum
Evangelho: Mateus 16,21-27

21Desde então começou Jesus a manifestar a seus discípulos que devia ir

a Jerusalém, padecer muitas coisas dos anciãos, dos príncipes dos sacer-
dotes e dos escribas, ser morto e ressuscitar ao terceiro dia. 22Tomando-o
Pedro à parte, começou a increpá-lo, dizendo: Deus tal não permita,
Senhor; não te sucederá isto. 23Ele, voltando-se para Pedro, disse-lhe:
Para trás1 de mim, satanás; tu serves-me de escândalo, porque não tens
a sabedoria das coisas de Deus, mas dos homens. 24Então, disse Jesus
aos discípulos: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome
a sua cruz e siga-me. 25Porque o que quiser salvar a sua vida, perdê-
-la-á; e o que perder a sua vida por amor de mim, achá-la-á. 26Pois
que aproveitará a um homem ganhar todo o mundo, se vier a perder a
sua alma? Ou que dará um homem em troca da sua alma? 27Porque o
Filho do homem há de vir na glória do seu Pai com os seus anjos; então
dará a cada um segundo as suas obras.

Chrysostomus. quod enim semel Crisóstomo. [O ensinamento] que é In Matth.,

radicatum est et postea evulsum, si
iterum plantetur, difficile retinebitur
apud multos: quod autem infixum
semel est, et mansit postea immo-
bile, facile provehitur ad augmen-
tum. propter hoc autem immoratur
54, 3
uma vez plantado, mas que depois é
desarraigado, se depois é novamente
plantado, não será retido pelas mul-
tidões; porém, o que é plantado uma
só vez e depois permanece imóvel,
facilmente chegará a crescer. Por isso

1 Matos Soares: Retira-te de mim.

 10 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
tristibus praedicendis, et sermonem
multiplicat, ut aperiat discipulorum
mentes.
Com. in Origenes. et vide quia non dixit:
Matth., coepit dicere vel docere, sed osten-
16, 1
dere; quia sicut corporalia ostendi
dicuntur, sic ostendi dicuntur a
Christo ea quae loquebatur. Non
autem sic puto eis qui corporali-
ter eum multa patientem viderunt,
ostensa fuisse ea quae videbantur,
quomodo discipulis ostensus est
rationabilis sermo de mysterio pas-
sionis et resurrectionis christi: et
tunc quidem coepit ostendere; con-
sequenter autem postea capacio-
ribus factis plenius demonstravit:
quia omne quod coepit iesus, hoc
perfecit. Oportebat autem eum ire
in ierusalem, ut occidatur quidem
in hierosolymis quae sunt deorsum,
regnet autem resurgens in ierusalem
caelesti. postquam enim resurrexit
Christus, et alii consurrexerunt ei,
iam non deorsum quaeritur ieru-
salem, vel domus orationis in ea,
sed sursum. Patitur autem multa
a senioribus ierusalem terrenae, ut
glorificetur ab his qui capiunt be-
neficia eius caelestibus senioribus.
Tertia autem die resurrexit a mor-
tuis, ut eripiens maligno, acquirat
se demora ao predizer seus infortú-
nios e estende o discurso para abrir a
mente dos discípulos.
Orígenes. Nota que não disse: “co-
meçou a dizer ou ensinar”, mas a
manifestar. Porque assim como di-
zemos que as coisas corpóreas são
manifestadas, assim se diz que Cris-
to começou a manifestar as coisas de
que falava. Aos que o viram padecer
muitas coisas segundo o corpo, as
coisas que viam não eram manifestas
como eram aos discípulos, aos quais
foi dada uma explicação racional do
mistério da paixão e da ressurreição
de Cristo; assim, naquele momen-
to começou a manifestar-lhes [essas
coisas]; posteriormente, quando já
tinham atingido uma maior capaci-
dade [de compreensão], manifestou-
-lhes mais plenamente. Porque tudo
o que Jesus começou, levou à perfei-
ção. Convinha, portanto, ir a Jeru-
salém, e ser morto na Jerusalém de
baixo, para que reinasse ressuscitado
na Jerusalém celeste. Com efeito, de-
pois que Cristo ressuscitou, e outros
ressuscitaram com ele, já não se bus-
ca a Jerusalém de baixo, nem nela [se
busca] uma casa de oração, mas [se
busca a Jerusalém] de cima (Gl 4,25-
26). Padeceu muitas coisas às mãos
dos anciãos da Jerusalém terrena,
para que fosse glorificado por aqueles
que gozam de suas mercês, isto é, os
anciãos celestes (Ap 5,8). Ao terceiro
dia ressuscitou dos mortos, para que,
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXII do Tempo Comum
eis qui liberati fuerint hoc donum,
ut baptizentur spiritu et anima et
corpore in nomine patris et filii et
spiritus sancti, qui sunt tres dies si-
mul perpetuo instantes eis qui per
eos facti fuerunt filii lucis.
Origenes. Adhuc initia eorum quae
ostendebantur dicente Christo, pe-
trus indigna haec filio Dei vivi ar-
bitrabatur; et quasi oblitus quoniam
filius Dei vivi nihil dignum increpa-
tione facit aut agit, coepit increpare;
et hoc est quod dicitur et assumens
eum petrus, coepit increpare illum.
Hieronymus. Saepe diximus nimii
ardoris amorisque quam maximi
fuisse petrum in dominum salva-
torem. qui ergo post confessionem
suam et praemium salvatoris quod
audierat, non vult destrui confessio-
nem suam, nec putat posse fieri ut
Dei filius occidatur, assumit eum in
affectum suum vel separatim ducit,
ne praesentibus ceteris condiscipulis
videatur magistrum arguere; et coe-
pit illum increpare amantis affectu,
et obstans dicere absit a te, domine.
Vel, ut melius habetur in graeco, ile-
os si kyrie, u mi este si tuto; hoc est,
propitius sis tibi, domine; non erit
tibi hoc; quasi necessariam habe-
ret propitiationem. Cuius affectum
quidem suscipiens Christus, igno-
11
libertando [os seus] do maligno, ad-
quira para os libertos este dom: que
sejam batizados em espírito, alma e
corpo em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo, que são como que três
dias perpetuamente presentes para
aqueles que foram feitos filhos da luz.
Orígenes. Essas coisas que Cristo Com. in
começou a manifestar, Pedro consi- Matth., 16, 1
derava-as indignas do Filho de Deus
vivo; esquecendo-se de que o Fi-
lho de Deus vivo não faz nada que
seja digno de increpação, passou a
increpá-lo. É isso que diz o relato:
Tomando-o Pedro à parte, começou a
increpá-lo.
Jerônimo. Muitas vezes dissemos que Com. in
Pedro possuía o maior ardor e amor Matth., 3,
16, 22
pelo Senhor, nosso Salvador. Assim,
depois de o ter confessado e ter ou-
vido o prêmio que lhe prometeu o
Salvador, não quis que sua confissão
fosse destruída, nem pensou que o
Filho de Deus pudesse morrer. To-
ma-o, em seu afeto, ou toma-o à par-
te, para que não parecesse repreender
o Senhor diante dos demais condis-
cípulos; começa a increpá-lo com o
afeto de quem ama, objetando-lhe
e dizendo: Deus tal não permita, Se-
nhor. Ou, como diz o texto grego, e
melhor: Ἵλεώς σοι, Κύριε· οὐ μὴ ἔσται
σοι τοῦτο, isto é, tem compaixão de
ti Senhor, isso não te sucederá; como
se fosse necessário que fosse compas-
sivo consigo mesmo. Cristo aceita a
afeição de Pedro, mas reprova sua ig-
 12 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
rantiam exprobrat; unde sequitur
qui conversus dixit petro: vade post
me, satana; scandalum mihi es.
Com. in Hilarius. sciens enim dominus dia-
Matth., bolicae artis instinctum, petro ait
16, 10
vade retro post me, idest ut exem-
plum suae passionis sequatur. in
eum vero per quem opinio haec
suggerebatur, conversus, adiecit sa-
tana, scandalum mihi es. Non enim
convenit existimare petro satanae
nomen et accusationem scandali de-
putari, post indulta illa beatitudinis
et potestatis tanta praeconia.
Com. in Hieronymus. Sed mihi error apos-
Matth., 3,
tolicus de pietatis affectu veniens,
16, 22
nunquam incentivum videbitur dia-
boli. Prudens ergo lector consideret,
petro illam beatitudinem ac potes-
tatem in futuro promissam, non
in praesenti datam; quam si statim
dedisset ei, nunquam in eo pravae
confessionis error invenisset locum.
In Matth., Chrysostomus. Quid etiam mira-
54, 3 bile est haec pati petrum, qui de his
revelationem non suscepit? ut enim
discas, quia neque illa quae de Chris-
to confessus fuerat, ex se locutus est,
vide qualiter in his quae non reve-
lata sunt ei, turbationem patiatur:
humana enim et terrestri cogitatio-
ne, quae sunt christi considerans,
aestimabat turpe et indignum esse
norância; por isso continua o relato:
Ele, voltando-se para Pedro, disse-lhe:
Para trás de mim, satanás; tu serves-me
de escândalo.
Hilário. Reconhecendo o Senhor
que a inspiração provinha de uma
artimanha diabólica, disse a Pedro:
Para trás de mim, isto é, segue o
exemplo de minha paixão. Virando-
-se àquele que lhe insinuava essa
idéia, acrescentou: satanás, serves-me
de escândalo. Não convém pensar que
o nome satanás e a acusação de escân-
dalo sejam atribuídos a Pedro, depois
de ter sido favorecido com o anúncio
de sua beatitude e poder.
Jerônimo. Para mim, o erro apostóli-
co que procede do piedoso afeto não
poderia ser uma inspiração diabólica.
Que o leitor inteligente entenda que
a beatitude e o poder não foram da-
dos a Pedro naquele momento, mas
lhe foram prometidos para o futuro;
se lhe tivessem sido dados imediata-
mente, o erro de uma afirmação per-
versa jamais teria lugar.
Crisóstomo. Por que se admirar se
Pedro disse essas coisas, uma vez que
não tinha recebido uma revelação a
respeito delas? Para que aprendais
que as coisas que confessara de Cris-
to, não as dissera por sua própria
iniciativa. Vede como se perturba ao
considerar aquilo que não lhe tinha
sido revelado. Considerando as coi-
sas de Cristo com um olhar humano
e terrestre, pensava que padecer era
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXII do Tempo Comum
ei quod pateretur. Et ideo dominus
subiecit quia non sapis ea quae Dei
sunt, sed ea quae hominum.
Hieronymus. Quasi dicat: meae vo-
luntatis est et patris, ut pro homi-
num salute moriar; tu tuam tantum
considerans voluntatem, non vis
granum tritici cadere in terram ut
multos afferat fructus; et ideo, quia
contraria loqueris voluntati meae,
debes adversarius appellari. Satanas
enim interpretatur adversarius, sive
contrarius. non tamen ut plerique
putant, eadem satanas et petrus sen-
tentia condemnantur: petro enim
dicitur vade retro me, satana; idest:
sequere me, qui contrarius es volun-
tati meae; ille audit: vade, satana; et
non ei dicit retro, ut subaudiatur:
vade in ignem aeternum.
Origenes. Dixit ergo petro vade
post me, quasi desistenti per igno-
rantiam ire post Christum. Satana
autem dixit ei, quasi per ignoran-
tiam aliquid habenti contrarium
Deo. Beatus autem ad quem conver-
titur Christus, etiam si corripiendi
causa convertitur. Sed quare dixit ad
petrum scandalum mihi es, cum in
psalmo 118,165 dicatur: pax multa
diligentibus legem tuam, et non est
illis scandalum? sed respondendum
est, quoniam non solum iesus non
13
algo torpe e indigno dele. Por isso o
Senhor acrescentou: porque não tens
a sabedoria das coisas de Deus, mas dos
homens.
Jerônimo. É como se dissesse: a mi- Com. in
nha vontade é a mesma que a do Pai, Matth., 3,
16, 22
que eu morra pela salvação dos ho-
mens; tu, considerando apenas tua
vontade, não queres que o grão de
trigo caia por terra e produza muitos
frutos (Jo 12,24-25); assim, porque
falas coisas contrárias à minha vonta-
de, deves chamar-te adversário. Com
efeito, “satanás” significa adversário,
ou hostil. Não sucede, porém, como
muitos pensam, que a mesma senten-
ça condene satanás e Pedro; a Pedro
se diz: para trás de mim, satanás, isto
é, segue-me tu, que contrarias minha
vontade; aquele ouve: vai-te, satanás
(Mt 4,10), e não se lhe diz: para trás
de mim, donde se subentende: vai
para o fogo eterno.
Orígenes. Portanto, disse a Pedro: Com. in
Matth., 16, 1
vai para trás de mim, como a al-
guém que deixava de seguir a Cristo,
por ignorância. Chamou-o satanás,
como a alguém que sustentava algo
contrário a Deus, por ignorância.
Bem-aventurado aquele para quem
Cristo se volta, mesmo que se volte
para corrigir. Mas por que disse a Pe-
dro: tu serves-me de escândalo, uma
vez que o Salmo 118,165 diz: Gozam
muita paz os que amam a tua lei, e não
há para eles nenhum escândalo? Deve-
mos responder que não só Jesus não
 14 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
scandalizatur, sed nec omnis homo
qui in dilectione Dei perfectus est.
Sed quantum ad se, qui tale aliquid
vel agit vel loquitur, scandalum est
alteri; licet ille inscandalizabilis sit.
Aut certe omnem discipulum pec-
cantem scandalum sibi appellat, si-
cut et paulus dicebat: quis scandali-
zatur, et ego non uror?
In Matth., Chrysostomus. postquam petrus di-
55, 1
xerat: propitius esto tibi; nequaquam
erit tibi hoc, et audivit: vade retro
me, satana, non fuit dominus hac
solum increpatione contentus; sed
ex superabundantia voluit ostendere
inconvenientiam dictorum a petro,
et fructum suae passionis: unde sub-
ditur tunc iesus dixit discipulis suis:
si quis vult post me venire, abneget
semetipsum, et tollat crucem suam,
et sequatur me; quasi dicat: tu dicis
mihi: propitius esto tibi; ego autem
dico tibi, quoniam non solum me
prohibere a passione nocivum tibi
est; sed neque salvari poteris, nisi
patiaris et moriaris, et vitae abre-
nunties semper. Et vide quia non
coactivum facit sermonem; non
enim dixit: si nolueritis, oportet vos
hoc pati, sed si quis vult. hoc autem
dicens magis attrahebat: qui enim
libertati auditorem dimittit, magis
attrahit; qui vero violentiam infert,
se escandaliza, mas nenhum homem
que é perfeito no amor de Deus [se
escandaliza]. Mas quanto àquele que
faz ou diz algo [escandaloso], isso é
um escândalo para outro, mesmo
que este não esteja sujeito a escan-
dalizar-se. Ou então, quer dizer que
todo discípulo que peca é um escân-
dalo para si, assim como dizia Paulo:
Quem é escandalizado, que eu não me
abrase? (II Cor 11,29)
Crisóstomo. Depois que Pedro dis-
se: Tem compaixão de ti, isso não te
sucederá, e ouviu: para trás de mim,
satanás, não se contentou o Senhor
com essa simples increpação; mas
quis mostrar de maneira mais pro-
funda como as palavras de Pedro
eram inconvenientes, indicando os
frutos de sua paixão. Por isso conti-
nua o relato: Então, disse Jesus aos dis-
cípulos: Se alguém quer vir após mim,
negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e
siga-me. É como se dissesse: tu dizes:
tem compaixão de ti; mas eu te digo:
não só me impedir de sofrer a pai-
xão é nocivo para ti, mas tampouco
poderás ser salvo se não padeceres e
morreres, e se não renunciares cons-
tantemente à vida. Vede que não faz
um discurso coativo; não disse: se
não quiserdes [ser punidos], é neces-
sário que sofrais; mas diz: se alguém
quiser. Esse modo de falar torna o
discurso mais atraente; quem res-
peita a liberdade do ouvinte é mais
atrativo; quem se serve de violência,
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXII do Tempo Comum
multoties impedit. Non autem so-
lis discipulis suis; sed commune
hoc dogma orbi terrarum proponit,
dicens si quis vult, idest, si mulier,
si vir, si rex, si liber, si servus. tria
autem sunt quae dicuntur: abneget
semetipsum, et tollat crucem suam,
et sequatur me.
Gregorius. quia nisi quis a semetipso
deficiat, ad eum qui super ipsum est,
non appropinquat. sed si nos ipsos
relinquimus, quo ibimus extra nos?
vel quis est qui vadit, si se deseruit?
sed aliud sumus per peccatum lapsi,
aliud per naturam conditi. tunc ergo
nosmetipsos relinquimus et abnega-
mus, cum vitamus quod per vetus-
tatem fuimus, et ad hoc nitimur ad
quod per novitatem vocamur.
Gregorius. Semetipsum etiam ab-
negat quicumque mutatur ad me-
liora, et incipit esse quod non erat,
et desinit esse quod erat.
Gregorius. semetipsum etiam abne-
gat qui calcato typo superbiae, ante
Dei oculos se esse a se alienum de-
monstrat.
Origenes. Quamvis autem videatur
aliquis a peccato abstinere, tamen nisi
in crucem christi crediderit, non po-
test dici Christo confixus, sive cruci:
unde sequitur et tollat crucem suam.
15
muitas vezes cria uma barreira. Não
propõe essa doutrina apenas aos dis-
cípulos, mas a toda a terra, dizendo:
se alguém quer, isto é, mulher, varão,
rei, livre ou servo. Diz três coisas: que
negue a si mesmo, que tome sua cruz
e que o siga.
Gregório. Quem não se afastar de In Evang.,
si mesmo não pode se aproximar 2, 32
daquele que está acima. Mas se nos
abandonamos a nós mesmos, aonde
iremos para fora de nós? Ou quem
irá, já que abandonamos a nós mes-
mos? Somos um, enquanto caímos
pelo pecado, e somos outro, enquan-
to criados conforme a natureza. As-
sim, abandonamos e negamos a nós
mesmos, quando evitamos aquilo
que fomos segundo o velho [ho-
mem], e procuramos aquilo a que
somos chamados segundo o novo
[homem].
Gregório. Nega-se a si mesmo tam- Super Ezech.,
1, 10, 7
bém quem se converte a coisas me-
lhores, e passa a ser o que não era, e
deixa de ser o que era.
Gregório. Também nega a si mesmo Moral., 33, 6
quem, tendo calcado aos pés toda
semelhança de soberba, se mostra
diante dos olhos de Deus despojado
de si mesmo.
Orígenes. Embora alguém pareça se Com. in
abster do pecado, contudo, se não crê Matth., 12,
25
na cruz de Cristo, não pode dizer-se
crucificado com Cristo. Por isso con-
tinua, dizendo: tome a sua cruz.
 16 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
In Matth., Chrysostomus. Vel aliter. Qui ne-
55, 1
gat alium, vel fratrem, vel famulum,
vel quemcumque, et si flagellatum
viderit, et quodcumque patientem,
non assistit, non adiuvat: ita vult cor-
pori nostro nos non ignoscere, ut si
flagellaverint, vel quodcumque aliud
fecerint, corpori non parcamus. Hoc
enim est parcere: sicut patres tunc
ignoscunt filiis, cum magistris eos
tradentes, iusserint, ut non parcant.
Ne autem aestimes quod usque ad
verba tantum et contumelias oportet
abnegare seipsum, ostendit usque ad
quantum abnegare seipsum oporteat;
quia usque ad mortem, etiam turpis-
simam, scilicet crucis: quod significat
in hoc quod dicit et tollat crucem
suam, et sequatur me.
Com. in Hilarius. sequendus enim est domi-
Matth., 16,
nus, cruce assumpta passionis suae;
11
et si non sorte, tamen voluntate co-
mitandus est.
In Matth., Chrysostomus. Quia etiam latro-
55, 1
nes multa gravia patiuntur, ut non
aestimes quod passio malorum su-
fficiat, adiungit causam patiendi
cum dicit et sequatur me, ut prop-
ter eum omnia sustineas, et alias
eius virtutes addiscas: hoc est enim
sequi Christum ut oportet, diligen-
tem esse circa virtutes, et pati om-
nia propter ipsum.
In Evang., Gregorius. duobus etiam modis
2, 32
crux tollitur, cum aut per absti-
Crisóstomo. Ou então: negar outra
pessoa, como um irmão, um servo ou
qualquer outro, é não o assistir, não o
ajudar, quando for visto flagelado ou
sofrendo um mal qualquer. Assim,
quer que não perdoemos o nosso cor-
po; se o flagelarem ou lhe causarem
qualquer mal, que não o poupemos.
Poupar de verdade é como fazem
os pais que entregam seus filhos aos
mestres, dizendo que não os poupem
[da disciplina]. Não penses, porém,
que é necessário negar a si mesmo
apenas quanto aos impropérios e às
contumélias. Mostra-nos até que
ponto a negação de nós mesmos deve
chegar: até a morte, até a morte mais
torpe, isto é, pela cruz. Indica-o ao
dizer: e tome a sua cruz.
Hilário. Devemos seguir o Senhor,
tendo tomado sobre nós a cruz de sua
paixão; devemos acompanhá-lo, quer
a isso nos obrigue o destino, quer o
sigamos voluntariamente.
Crisóstomo. Como os criminosos
também padecem coisas onerosas,
para que não penses que te basta o
sofrimento dos maus, acrescenta
a causa do sofrimento, dizendo: e
siga-me, para que suportes todas as
coisas por causa dele, e aprendas as
suas virtudes. Com efeito, seguir a
Cristo como convém consiste em ser
diligente quanto às virtudes e sofrer
todas as coisas por causa dele.
Gregório. A cruz é carregada de dois
modos: quando o corpo é afligido
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXII do Tempo Comum
nentiam affligitur corpus, aut per
compassionem proximi affligitur
animus. Sed quia ipsis virtutibus
quaedam vitia mixta sunt, dicen-
dum nobis est, quod abstinentiam
carnis nonnumquam vana gloria ob-
sidet: quia dum tenuitas in corpore,
dum pallor in vultu respicitur, virtus
patefacta laudatur. Compassionem
vero animi plerumque latenter ob-
sidet pietas falsa, ut hanc nonnum-
quam usque ad condescendendum
vitiis pertrahat: unde ad haec exclu-
denda, subdit et sequatur me.
Hieronymus. Vel aliter. Tollit cru-
cem suam qui mundo crucifigitur;
cui autem mundus crucifixus est,
sequitur dominum crucifixum.
Chrysostomus. deinde, quia grave
videbatur quod dictum est, per ea
quae consequuntur id mitigat, pra-
emia ponens supereminentia labori-
bus, et malitiae poenas: unde sequi-
tur qui enim voluerit animam suam
salvam facere, perdet eam.
Origenes. quod dupliciter potest
intelligi. primum sic: si quis amator
vitae praesentis, parcit animae suae,
timens mori, et putans animam
suam per hanc mortem perire; iste
volens hoc modo salvare animam
suam, perdet eam, alienam illam fa-
ciens a vita aeterna. Si quis contem-
nens vitam praesentem, usque ad
mortem pro veritate certaverit, per-
det quidem animam suam quantum
17
pela abstinência, ou quando o espí-
rito é afligido pela compaixão para
com o próximo. Mas como alguns ví-
cios se misturam com as virtudes, de-
vemos dizer que a abstinência da carne
muitas vezes é impedida pela vangló-
ria, porque quando os outros vêem o
corpo franzino e a face pálida, louvam
nossa virtude perfeita. Por outro lado,
a falsa piedade muitas vezes impede,
de modo oculto, a compaixão do es-
pírito, induzindo-nos freqüentemente
a ser condescendentes com os vícios.
Portanto, para excluir esses [vícios],
acrescenta: e siga-me.
Jerônimo. Ou então: Carrega sua Com. in
cruz aquele que é crucificado para o Matth., 3,
16, 24
mundo; aquele para quem o mundo
está crucificado, este segue o Senhor
crucificado.
Crisóstomo. Como o dito parece pe- In Matth.,
sado demais, tempera-o pelas coisas 55, 1
que diz em seguida, prometendo uma
recompensa que é superior aos sofri-
mentos, e indicando as penas devidas
à maldade. Diz, portanto: Porque o
que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á.
Orígenes. Isso pode ser entendido Com. in
de dois modos. Primeiro: se alguém Matth., 12,
que ama a vida presente poupa sua
25
alma, temendo a morte e pensan-
do que sua alma perecerá na morte,
este, querendo salvar sua alma desse
modo, perdê-la-á, porque a separará
da vida eterna. Se alguém despreza a
vida presente, e luta até a morte pela
verdade, perderá sua alma quanto à
 18 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
ad vitam praesentem; sed quoniam
propter Christum perdet eam, ma-
gis eam salvam faciet in vitam aeter-
nam. alio modo sic: si quis intelligit
quae est vera salus, et acquirere vult
eam ad salutem animae suae, iste
abnegans semetipsum, perdit quan-
tum ad voluptates carnales animam
suam propter Christum; et perdens
animam suam hoc modo, salvat eam
per opera pietatis: dicendo enim qui
voluerit, praecedentem et sequentem
unum sensum esse ostendit. Si ergo
quod superius dixit abneget semetip-
sum, de morte corporali dixit, conse-
quenter hoc de sola morte intelligere
debemus dictum esse. si autem ab-
negare seipsum est carnalem conver-
sationem reicere, et perdere animam
est deponere voluptates carnales.
In Matth., Chrysostomus. quia dixerat: qui
55, 3
vult salvare, perdet, et: qui perdet,
salvabit, utrobique salutem et perdi-
tionem ponens, ne aliquis aestimet
aequalem esse hinc inde perditio-
nem et salutem, subiungit quid
enim prodest homini si mundum
universum lucretur, animae vero
suae detrimentum patiatur? quasi
dicat: ne dicas, quod qui pericula
quae propter Christum imminent,
effugit, salvet animam suam, idest
vitam temporalem. sed pone etiam
cum anima, idest vita temporali,
totum orbem terrarum: quid ex his
homini erit amplius, anima in per-
petuum pereunte? si enim famulos
vida presente; mas como a perdeu
por Cristo, tê-la-á salvo para a vida
eterna. Segundo: se alguém, tendo
compreendido em que consiste a
verdadeira salvação, e querendo ad-
quirir a salvação de sua alma, nega
a si mesmo, perderá sua alma por
Cristo quanto aos desejos da car-
ne; perdendo desse modo sua alma,
salvá-la-á pelas obras de piedade.
Ao dizer: o que quiser, mostra que
as proposições anterior e a poste-
rior têm o mesmo sentido. Assim,
se quando disse negue-se a si mesmo,
se referia à morte corporal, então a
proposição posterior deve enten-
der-se somente da morte [corpo-
ral]. Mas se negar a si mesmo signi-
fica rejeitar o modo de vida carnal,
perder a alma significa abandonar
os desejos carnais.
Crisóstomo. Como dissera que
quem quer salvar a alma, perdê-la-
-á, e quem a perder, salvá-la-á, pro-
pondo a salvação e a perdição, para
que ninguém pense que salvação e
perdição são iguais nos dois casos,
acrescenta: Pois que aproveitará a um
homem ganhar todo o mundo, se vier a
perder a sua alma? É como se dissesse:
não digas que quem foge dos males
que advêm por causa de Cristo salva-
rá sua alma, isto é, sua vida temporal;
mas põe também com a alma, isto é,
a vida temporal, todo orbe da terra:
que aproveitará ao homem todas as
coisas se sua alma perecer eternamen-
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXII do Tempo Comum
tuos videres in laetitia, te autem in
malis ultimis constitutum: quid
lucrareris ex eorum dominio? hoc
etiam in anima tua reputa, cum car-
ne lasciviente, ipsa futuram perdi-
tionem expectat.
Origenes. Puto etiam quod mun-
dum lucratur qui non abnegat se-
metipsum, nec perdit animam suam
quantum ad voluptates carnales, et
ipse facit animae suae detrimentum;
ideo duobus nobis propositis, magis
est eligendum ut mundum perda-
mus, et lucremur animas nostras.
Chrysostomus. Sed si regnaveris su-
per universum orbem terrarum, non
poteris animam tuam emere: unde se-
quitur aut quam dabit homo commu-
tationem pro animam sua? ac si dicat:
divitias si perdideris, poteris dare divi-
tias alias ad eas redimendas; animam
autem perdens, non poteris animam
aliquam dare, sed neque aliquid aliud.
Quid autem mirabile est si in anima
hoc contingit? etenim in corpore hoc
videtur contingere. Etsi enim decem
millia diademata corpori insanabiliter
aegroto circumposueris, non curatur.
Origenes. Et prima quidem facie
commutatio animae est in substan-
tia, ut det substantiam suam homo
pauperibus, et salvet animam suam.
Sed puto quod non habet aliquid
homo quod dans quasi commuta-
tionem animae suae, liberet eam de
morte. Deus autem pro animabus
19
te? Se vês teus servos felizes, mas tu
padeces os piores males, de que te
aproveita ser o seu senhor? Aplica-o
a tua alma. Enquanto o corpo goza
da vida, tua alma aguarda a perdição
vindoura.
Orígenes. Acho que quem ganha o Com. in
mundo é aquele que não nega a si Matth., 12,
mesmo, nem perde sua alma quanto 28
aos desejos carnais, prejudicando as-
sim a sua própria alma; portanto, en-
tre as duas possibilidades propostas,
é melhor escolher perder o mundo, e
ganhar a alma.
Crisóstomo. Mesmo que reines so- In Matth.,
bre todo o orbe da terra, não pode- 55, 3
rás comprar tua alma. Por isso diz
em seguida: Ou que dará um ho-
mem em troca da sua alma? Como
se dissesse: Se perdes os bens ma-
teriais, podes dar outros bens para
resgatá-los; mas se perdes a alma,
não podes dar outra alma, nem al-
guma outra coisa. Por que se admi-
rar se as coisas são assim quanto à
alma? Com efeito, até com o corpo
parece que as coisas são assim. Mes-
mo que amontoeis sobre um corpo
irremediavelmente doente dez mil
diademas, não será curado.
Orígenes. À primeira vista, a alma Com. in
pode comprar algo com seus bens; Matth., 12,
o homem dá seus bens aos pobres, e
28
assim salva sua alma. Mas acho que o
homem não pode dar nada em troca
de sua alma, para poder livrá-la da
morte. Mas Deus deu algo em tro-
 20 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
hominum dedit commutationem
pretiosum sanguinem filii sui.
In Evang., 2, Gregorius. Vel aliter potest continu-
32, 4
ari: quia sancta ecclesia aliud habet
tempus persecutionis, et aliud pacis;
redemptor noster ipsa eius tempora
distinguit in praeceptis: nam perse-
cutionis tempore ponenda est anima;
pacis autem tempore ea quae amplius
dominari possunt, frangenda sunt
desideria terrena: unde dicitur quid
enim prodest homini?
Com. in
Hieronymus. Provocatis autem dis-
Matth., 3,
cipulis ut abnegarent se et tollerent
16, 27
crucem suam, grandis fit terror au-
dientium. Idcirco tristibus laeta suc-
cedunt, et dicit filius enim hominis
venturus est in gloria patris sui cum
angelis suis. Times mortem? audi
gloriam triumphantis. Vereris cru-
cem? ausculta angelorum ministeria.
Com. in Origenes. quasi dicat: nunc quidem
Matth., 12, filius hominis venit, sed non in glo-
29
ria: non enim decebat eum in gloria
constitutum peccata nostra portare;
sed tunc veniet in gloria cum ante
praeparaverit discipulos suos, factus
sicut illi, ut illos faceret sicut et ipse,
conformes gloriae suae.
In Matth., Chrysostomus. Non autem dixit
55, 3 in tali gloria in quali est pater, ne
alteritatem gloriae suspiceris; sed
ait gloria patris, ut eadem gloria os-
ca das almas dos homens, o precioso
sangue de seu Filho.
Gregório. Ou podemos expor essa
passagem de outra maneira. Como
para a Igreja existe um tempo de per-
seguição e um tempo de paz, nosso
Redentor distingue os dois tipos de
tempo. No tempo de perseguição,
devemos entregar a alma; no tempo
de paz, devemos romper os desejos
terrenos, que nesse momento tendem
a exercer um domínio maior. Por isso
diz: que aproveitará a um homem?
Jerônimo. Tendo instigado os discí-
pulos a negarem a si mesmos e carre-
garem sua cruz, os ouvintes sentem
um grande medo. Assim, fazendo su-
ceder fortuna a infortúnios, diz que
o Filho do homem há de vir na glória
do seu Pai com os seus anjos. Temes a
morte? Ouve [o que diz] da glória do
triunfante. Receias a cruz? Ouve [o
que diz] do ministério dos anjos.
Orígenes. É como se dissesse: agora
o Filho do homem vem, mas não em
glória. Não convinha que portasse
nossos pecados em estado de glória;
mas no futuro virá na glória, depois
de ter preparado os seus discípulos,
fazendo-se semelhante a eles, para
que os fizesse semelhantes a si mes-
mo, conformados à sua glória.
Crisóstomo. Não disse: numa glória
tal qual a glória do Pai, para que não
penseis que existe diferença de glória
[entre eles]; mas diz: na glória do Pai,
para mostrar que se trata da mesma
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXII do Tempo Comum 21

tendatur. Si autem gloria una est, glória. Mas se a glória é a mesma, é

manifestum quod et substantia una
est. Quid ergo times, petre, mortem
audiens? tunc me videbis in gloria.
Si autem ego in gloria, et vos. sed
tamen dicens gloriam, terribilia im-
miscuit, in medium iudicium intro-
ducens: unde sequitur et tunc red-
det unicuique secundum opera eius.
Hieronymus. Non est enim distinc-
tio iudaei et gentilis, viri et mulieris,
pauperum et divitum, ubi non per-
sonae, sed opera considerantur.
Chrysostomus. Hoc autem dixit,
non solum peccatoribus poenas
commemorans, sed iustis bravia et
coronas.
claro que a substância é a mesma. Por
que então temes, ó Pedro, ao ouvir
falar da morte? Ver-me-ás na glória.
Se eu estiver na glória, vós também
estareis. Mas ao falar da glória, fala
também de coisas terríveis, recordan-
do-lhes o juízo. Diz ele: então dará a
cada um segundo as suas obras.
Jerônimo. Não há distinção entre ju- Com. in
deu e gentio, homem e mulher, po- Matth., 3,
16, 27
bre e rico, porque o que se considera
não são as pessoas, mas as obras.
Crisóstomo. Disse isso não só para In Matth.,
recordar a pena dos pecadores, mas 55, 3
também o prêmio e a coroa dos justos.

Comentário suplementar
Salmo: 62,2-6,8-9

2Ó Deus, ó meu Deus, em ti estou vigilante desde o raiar da au-

rora. De ti está sedenta a minha alma. E de quantas maneiras o
está (também) a minha carne! 3Em terra deserta, intransitável e sem
água, nela me apresentei a ti como (se estivesse) no santuário, para
contemplar teu poder e glória. 4Porque a tua misericórdia é melhor
que todas as vidas, os meus lábios te louvarão. 5Assim te bendirei em
minha vida, e, invocando o teu nome, levantarei as minhas mãos.
6Como de banha e de gordura seja saciada a minha alma, e com lá-
bios de júbilo te louvará a minha boca. 8Porque foste o meu defensor;
e à sombra das tuas asas me regozijarei. 9A minha alma está presa a
ti; a tua destra me acolheu.
22 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
Hilarius, Commentaria super
Psalmos
Vers. 2. Deus Deus meus ad te de
luce vigilo. Huic plane ad gratulatio-
nem cognitionemque Dei dies coep-
ta est, cui idipsum orandi ad Deum
initium, quod lucis est. Deum qui-
dem universitatis, sed tamen per
cognitionis scientiam Deum suum,
deprecatur.
Oratio autem non tam verborum
est, quam affectus: et idcirco subje-
cit, Vers. 3: Sitivit tibi anima mea,
quam simpliciter caro mea. In terra
deserta, et in invia et inaquosa. Deo
igitur, penes quem fons vitae est,
anima ipsius sitit, desiderio intenta
potandi. Et quidem uniuscujusque
mens ad cognitionem spemque ae-
ternitatis naturali quodam fertur
instinctu: quia veluti insitum im-
pressumque omnibus sit, divinam
inesse nobis animarum originem
opinari, cum non exiguam coeles-
tis, in se generis cognationem mens
ipsa cognoscat. Porro autem terre-
na haec corpora, quae ad vitiorum
concreta materiam sunt, dum his
quibus quasi naturaliter delectantur
infecta sunt, desperant se consequi
posse consortium munusque coe-
leste: quasi non et animae naturam
vitia corporis, quibus oblectatur, in-
ficiant; aut cum delectatio corporis
redundet ad mentem, non et men-
S. Hilário, Comentários aos
Salmos
[v. 2] Ó Deus, ó meu Deus, em ti estou
vigilante desde o raiar da aurora. Para
ele, o dia de agradecimento e de co-
nhecimento de Deus começou, para
quem o despontar da luz marca o co-
meço da oração a Deus. Embora seja
Deus de todas as coisas, pela ciência
que vem do conhecimento, roga-o
como a seu Deus pessoal.
A oração não é tanto feita de pala-
vras, como é feita de afeição. Por isso
acrescenta: [vv. 2-3] De ti está sedenta
a minha alma. E de quantas manei-
ras o está (também) a minha carne!
Em terra deserta, intransitável e sem
água. De Deus, que é a fonte da vida,
sua alma está sedenta, desejando in-
tensamente beber dele. A mente de
todos é atraída, por um instinto na-
tural, ao conhecimento e à esperança
da eternidade, porque está inserida e
impressa em todos a idéia de que a
origem de nossa alma é divina, uma
vez que nossa mente reconhece em si
um não pequeno parentesco com as
coisas do céu. Mas os corpos terre-
nos, que estão unidos à matéria dos
vícios, enquanto estão corrompidos
pelas coisas que naturalmente o de-
leitam, desesperam da possibilidade
de alcançar a comunhão e o dom
celestes, como se os vícios do corpo,
que o deleitam, não corrompessem a
natureza da alma; ou como se o de-
leite do corpo, quando redunda na
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXII do Tempo Comum
tem secum corpus retrahat ad oblec-
tationis affectum. Necesse est autem
ut in eadem condemnatione sit vo-
luptatis, quod in eadem est volup-
tate. Sed nos spiritalibus doctrinis
eruditi, scimus et anima et corpori
salutem a Deo esse datam, si modo
post regenerationis gratiam mentis
gaudiis sensus corporis imbuatur, id
est, si non secundum carnem, sed
secundum spiritum vixerimus (Rom.
VIII, 4) : quia spiritus carnisque ope-
ra, secundum Apostolum (Gal. V, 19
et seq.) vitiorum et continentiae stu-
diis distinguantur. Arduum autem,
sed maxime verum est, aeternitatem
ita corporis ut animae sperare. Et
ideo ad sitim animae propheta sub-
jecit: Sitivit tibi anima mea, quam
simpliciter caro mea, nihil in se sub
infidelitatis ambiguitate retinens
incertum: sed (Subaud. profitetur
quod) tam simpliciter, quam anima
Deo sitiens, et caro sua sitiat. Sitit
enim non corpori, sed Deo sitiens.
Nam quamvis eum in deserto et in
invio et inaquoso manentem neces-
sitas ipsa naturae ad sitim corpo-
ris detineret: tamen etiam per has
inediae et sitis passiones scit fidem
probandam esse credentium; ut ma-
gis anima Deo, quam corpori sitiat,
sitiens et corpori: quia neque fames,
neque angustiae, neque ulla genera
passionum a charitate Dei quae est
in Christo sint Apostolum separatu-
ra (Rom. VIII, 35). Sitit ergo Deo
23
mente, não arrastasse a mente junto
com o corpo ao amor do deleite. Mas
nós, instruídos pelas doutrinas espi-
rituais, sabemos que Deus dá a salva-
ção à alma e ao corpo, se, depois de
obtermos a graça da regeneração, os
sentidos corpóreos ficarem imbuídos
das alegrias da mente, isto é, se vi-
vermos, não segundo a carne, mas se-
gundo o espírito (Ro 8,4), pois, diz o
Apóstolo, as obras do espírito e as da
carne se distinguem pela busca dos
vícios ou da sobriedade (Gal 5,19 et
seq.) É difícil [de conceber], mas é
maximamente verdadeiro que não só
a alma, mas também o corpo espera a
eternidade. Assim, por causa da sede
da alma, acrescenta o Profeta: De ti
está sedenta a minha alma. E de quan-
tas maneiras o está (também) a minha
carne! Não deixa nenhuma dúvida,
[escondendo o pensamento] sob a
ambigüidade que é própria dos infi-
éis, mas professa que seu corpo tem
sede de Deus, tanto quanto sua alma.
Tem uma sede não corpórea, sede de
Deus. Pois, embora a natureza da-
quele que habitava uma terra deserta,
intransitável e sem água, sentisse sede
corporal, contudo, sabia que a fé dos
crentes seria provada pelas paixões da
fome e da sede; assim, sua alma tem
mais sede de Deus, do que o corpo,
que também tinha sede, pois nem
a fome, nem a angústia, nem qual-
quer sorte de paixão nos pode sepa-
rar da caridade de Deus, que está em
Cristo Jesus (Ro 8,35). Portanto, o
24 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
sanctus. Et quid sitiat, psalmo alio
testatus est, cum dicit: Sitivit ani-
ma mea ad Deum vivum, quando
veniam et parebo ante faciem tuam
(Psal. XLI, 3) Hoc animae deside-
rium, haec sitis spei ejus est, ut Dei
sibi proveniat adspectus, ut quam-
primum raptus in nubibus, Deo
Christo obviam elevatus appareat.
Et desiderii hujus affectum nunc
quoque propheta declarat. Nam
post sitis protestationem, post de-
serti et invii et inaquosi inopiam,
quia in his veluti militia et victoria
sit fidei, subjecit, Vers. 4: Sic in
sancto apparui tibi, ut viderem vir-
tutem tuam, et gloriam tuam: quia
melior misericordia tua super vitam.
Prophetiae scientia est pro gerendis
gesta memorare. Et hinc frequens
auctoritas est, cum aceto potave-
runt adhuc passione potandum
(Ps. LXVIII, 22) , cum disciderunt
vestem (Ps. XXI, 19) , quae discin-
denda post esset. Ut nunc in siti cor-
poris Deo sitiens, ei in Sancto suo
talis apparet, in simplicitate carnis,
in siti animae, in oratione diluculi:
quia non nisi per haec probati, vel
assumpti habebuntur a Christo, vel
ei obviam rapientur in nubibus. Sed
in Sancto Dei non aliter apparebunt
Deo, quam secundum illud: Qui me
santo tem sede de Deus. E por que
tem sede? Explica-o em outro salmo,
dizendo: A minha alma tem sede do
Deus forte e vivo, quando irei e apa-
recerei diante da face de Deus? (Sal
41,3) Este desejo da alma, esta sede,
é a esperança de que o olhar de Deus
se volte para ele, de que seja o quanto
antes arrebatado às nuvens, e encon-
tre Cristo Deus nas alturas.
[v. 4] O Profeta também declara a
disposição de seu desejo. Depois de
nos manifestar a sede, e a escassez
da terra deserta, intransitável e sem
água, coisas contra as quais lutou e
que venceu pela fé, acrescenta: nela
me apresentei a ti como (se estivesse) no
santuário, para contemplar teu poder
e glória. Porque a tua misericórdia é
melhor que todas as vidas. A ciência
profética costuma relatar como acon-
tecidos os fatos que acontecerão. Há
muitos exemplos disso: Na minha
sede apresentaram-me vinagre (Sal
68,22), o que só ocorreria na paixão;
Repartiram entre si as minhas vestes
(Sal 21,19), que na verdade seriam
repartidas no futuro. Portanto, se-
dento no corpo e sedento de Deus,
apresenta-se assim no santuário, na
simplicidade da carne, com sede da
alma, e oração ao romper da manhã,
pois a não ser que sejamos provados
por essas coisas, Cristo não nos to-
mará, nem seremos arrebatados nas
nuvens. Apresentar-nos-emos a Deus
em seu santuário, conforme estas pa-
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXII do Tempo Comum
vidit, vidit et Patrem (Joan. XIV, 9)
; atque illud: Ego et Pater unum su-
mus (Joan. X, 30) . Quia in Filii et
natura et nomine, paternae naturae
ac nominis significatio continetur;
apparens Filio, vel susceptus a Filio,
Patri apparebit in Filio.
Atque ut in sancto appariturus Deo,
cujus sancti desiderium in hac sitis
suae significatione ostenderet; sub-
jecit: Ut viderem virtutem tuam, et
gloriam tuam: eum videlicet ut vi-
deret, qui secundum Apostolum (I
Cor. I, 24; Phil. II, 11) et Virtus Dei
est, et in gloria Dei est; visurus au-
tem non ad aliud, quam ad consor-
tium aeternitatis merendum, et ad
regni coelestis aeternitatem sortien-
dam: quia haec per misericordiam
Dei ultra vitae hujus beatitudinem
praeparentur.
Id enim sequitur, Vers. 4: Quia
melior est misericordia tua super vi-
tam. Magnum quidem Dei munus
est, quod venimus in vitam: et ipsa
natura duce nasci nos gratulamur.
Sed quia plena omnis anxietatum ac
dolorum aetas nostra est, plus in mi-
sericordia Dei spei est, quam in vita:
quia hanc mors ex peccati lege con-
sequitur, haec vero aeternitatem ex
morte restituit. Sicuti tritici satio ac
dissolutio ipsa tritici conservatione
praestantior est (I Cor. XV, 37, 38)
; hoc enim Deus prout vult vestit in
25
lavras: Quem me vê, vê também o Pai
(Jo 14,9), e estas: Eu e o Pai somos
um (Jo 10,30), pois a natureza e o
nome do Filho contêm a natureza e o
significado do nome do Pai. Quando
o Filho aparecer, ou quem for levado
pelo Filho, este se apresentará ao Pai,
no Filho.
Como havia de se apresentar no san-
tuário de Deus, e para mostrar a que
santuário se referia, acrescenta: para
contemplar teu poder e glória, isto é,
aquele que, segundo o Apóstolo, é a
virtude de Deus e que está na glória
de Deus (I Cor 1,24; Fil 2,11). Vê-
-lo-á, não por outra razão, senão para
merecer a comunhão na eternidade,
e para alcançar a eternidade do rei-
no celeste, porque todas essas coisas
nos prepara a misericórdia de Deus,
para além de qualquer felicidade des-
ta vida.
Prossegue, dizendo: Porque a tua mi-
sericórdia é melhor que todas as vidas.
Participar da vida é um grande dom
de Deus e a natureza nos manda que
nos alegremos por ter nascido. Mas
como toda nossa vida está repleta de
ansiedades e dores, temos mais espe-
rança na misericórdia de Deus, do
que na vida; porque a esta se segue
a morte, por causa da lei do pecado;
mas aquela nos restitui a eternidade
depois da morte. Assim como o trigo
semeado e dissolvido é melhor que o
trigo conservado, pois Deus o veste
com a espiga, segundo sua vontade (I
26 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
spica: ita magnum misericordiae Dei
munus est, si commortui Christo vi-
vamus in Christo. Nam et ipsa Adae
mors, ne in aeternitatis poena mane-
ret, sub misericordiae significatione
est constituta, et Apostolus dissolvi
se, melius sibi esse decernit (Phi-
lipp. I, 23) . Et propheta gaudium
mansurae se mortis ostendit, dicens:
Pretiosa in conspectu Domini mors
sanctorum ejus (Ps. CXV, 15) ; quia
per eam, peccati lege resoluta, cum
demutationis gloriosae profectu,
aeternitas animae corporisque jam
sine peccati corpore rependetur.
Certus ergo misericordiae Dei, quae
supra vitam melior sit, propheta
officium gratulationis exsequitur,
dicens, VERS. 5: Labia mea lauda-
bunt te, Domine. Sic benedicam te
in vita mea, et in nomine tuo leva-
bo manus meas. Et sermone suo et
opere laudat Deum atque benedi-
cit; nam in vita sua benedicens, in
nomine suo manus suas elevabit. In
elevatione manuum non habitum
orandi, sed excelsi operis indicium
significari frequenter docuimus. In
hac igitur vita sua Deum, quia mi-
sericordia ejus supra vitas sit me-
lior, laudavit. Est enim et vita post
vitam, quia in Abrahae sinibus vi-
vendum est, in qua Dei nomen pau-
Cor 15,37-38), assim também é um
grande dom da misericórdia de Deus
se, mortos com Cristo, passamos a
viver com Cristo. Com efeito, até
mesmo a morte adâmica é um indício
de misericórdia, para que o homem
não sofresse eternamente a pena. O
próprio Apóstolo considerava que,
para si, o melhor era morrer (Fil
1,23). E o Profeta exibe-nos a ale-
gria que advém da morte esperada,
dizendo: É preciosa diante do Senhor
a morte de seus santos (Sal 115,15),
pois, por meio dela, a lei do pecado é
dissolvida, chegamos à plenitude da
transformação gloriosa, e recebemos
a eternidade da alma e do corpo, fi-
cando livres do corpo do pecado.
[v. 5] Portanto, seguro da miseri-
córdia de Deus, que é melhor que a
vida, o Profeta continua a oração de
agradecimento, dizendo: Os meus lá-
bios te louvarão. Assim te bendirei em
minha vida, e, invocando o teu nome,
levantarei as minhas mãos. Louva a
Deus e o bendiz por palavras e ações:
em sua vida o bendiz, em seu nome
levanta as mãos. Ensinamos muitas
vezes que a elevação das mãos não
significa uma forma de oração, mas
indica a realização de alguma obra
excelente. Assim, louvou a Deus em
sua vida, porque a misericórdia dele
é melhor que as vidas. De fato, ele é
a vida após a vida, porque havemos
de viver no seio de Abraão, onde o
nome de Deus será bendito pelo po-
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXII do Tempo Comum
peris quiete benedicitur; secundum
illud prophetae: Non mortui lauda-
bunt te, Domine, neque omnes qui
descendunt in infernum; sed nos
qui vivimus, benedicimus Domi-
num (Ps. CXIII, 17, 18) . Super has
igitur vitas misericordia ea est, quae
quod oculus non vidit, et auris non
audivit, et in cor hominis non ads-
cendit, his qui Dominum diligunt
praeparavit (I Cor. II, 9) .
Hanc igitur laudat atque benedicit,
non etiam nunc ab holocaustis pecu-
dum, adipisque pinguedine sacrificia
legis exspectans, sed in sola animae
confessione benedictionisque laude se
ipsum Deo hostiam statuens; secun-
dum illud: Sacrificium laudis hono-
rificabit me (Ps. XLIX, 23) ; et illud:
Immola Deo sacrificium laudis (Ibid.
14) , et illud: Quoniam si voluisses
sacrificium, dedissem utique, holo-
caustis non delectaberis (Ps. L, 18)
: quia litterae ac legis allegoricorum
praescriptione cessante, Deus vivae
intelligentisque hostiae sit laudibus
honorandus. Subjecit enim, VERS
6: Sicut adipe et pinguedine replea-
tur anima mea, et labia exsultationis
laudabunt nomen tuum. Neque illa
quasi abominanda condemnat, sed
haec ut magis exspectata confirmans;
cum sicut adipe et pinguedine, quae
sacrificiorum primitiae habebantur,
repleri animam suam exsultationis
laude deposcat.
27
bre que aí repousa (Lc 16,19-31),
segundo a palavra do Profeta: Os
mortos, Senhor, não te louvarão, nem
os que descem ao sepulcro. Mas nós,
que vivemos, nós bendizemos o Senhor
(Sal 113,17-18). Acima desta vida
está aquela misericórdia que o olho
não viu, que o ouvido não ouviu, que
não entrou no coração do homem, e
que Deus preparou para aqueles que
o amam (I Cor 2,9).
Portanto, louva e bendiz [a miseri-
córdia], não procurando oferecer os
sacrifícios da lei, holocaustos de ani-
mais e gordura, mas se apresenta a si
mesmo como hóstia a Deus, somente
pela confissão e pelo louvor em sua
alma, conforme estas palavras: Hon-
ra-me quem oferece sacrifício de louvor
(Sal 49,23), e estas: Oferece a Deus sa-
crifício de louvor (Sal 49,14), e estas:
Porque, se quisesses um sacrifício, eu o
teria oferecido; mas tu não te comprazes
com holocaustos (Sal 50,18), porque,
tendo cessado a obrigação da letra e
lei alegóricas, Deus deve ser honra-
do pelas hóstias vivas e inteligentes.
Continua, dizendo: Como de banha e
de gordura seja saciada a minha alma,
e com lábios de júbilo te louvará a mi-
nha boca. Não condena [as observân-
cias da lei] como abomináveis, mas
confirma que [a adoração interior]
é mais desejável; pede que sua alma
fique repleta do louvor exultante, as-
sim como as primícias dos sacrifícios
eram repletos de banha e gordura.
28 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
Vers. 8: Quia fuisti adjutor meus,
et in velamento alarum tuarum spe-
rabo, Dei se meditatione, per quam
sibi adjutor est, protegente. Non
enim ei alia quam placendi Deo cura
est, cujus tantum in strato meminit.
In eo quoque in matutinis ex noc-
turna recordatione meditatur, quia
adjutor suus est: et sub velamento
alarum ejus exsultat, id est, tegmine
protegentis est tutus.
Vers. 9: Adhaesit anima mea post te,
me suscepit dextera tua. Amoris haec
vis est, ut his quos amamus, etiamsi
absentes sint, haereamus: dum affec-
tum insitum nequaquam aut locus
divellit, aut tempus. Adhaesit ergo
Deo propheta, non blandimentis
saeculi, non corporis vitiis amorem
suum ab eo charitatemque retrahen-
tibus: quia, secundum Apostolum (I
Cor. VI, 17) , adhaerenti Deo unus
est spiritus et Dominus pro disci-
pulis oravit: Pater, sicut nos unum
sumus, ut et illi unum sint in nobis
(Joan. XVII, 22) . Adhaerens ergo
Deo, susceptus a Dei dextera est: id
est, per virtutem Dei, quae signifi-
catur in dextera, ab eo, qui Dei et
Virtus et Sapientia et Verbum caro
est factus, assumptus est, conformis
gloriae corporis jam futurus.
[v. 8] Porque foste o meu defensor; e
à sombra das tuas asas esperarei, pro-
tegido pela meditação de Deus, pela
qual Deus se faz seu ajudador. Não
tem outra preocupação que agradar a
Deus, de quem unicamente se recorda
em seu leito. Medita nele de manhã,
continuando a recordação noturna,
porque é seu defensor. E à sombra das
asas dele se regozijará, isto é, ficará se-
guro sob o abrigo de seu protetor.
[v. 9] A minha alma está presa a ti;
a tua destra me acolheu. A força do
amor faz com que fiquemos presos
àqueles que amamos, mesmo que
estejam ausentes, pois nem o lugar,
nem o tempo, pode despedaçar a
afeição arraigada. Portanto, o Profe-
ta está preso a Deus, não aos afagos
do século, nem aos vícios do corpo,
que lhe roubam o amor de Deus e a
caridade, porque, segundo o Apósto-
lo, o que está unido ao Senhor é um só
espírito com ele (I Cor 6,17); e Cristo
rogou pelos discípulos: para que se-
jam um em nós (Jo 17,22). Portanto,
estando preso a Deus, foi acolhido
pela direita de Deus, isto é, pela vir-
tude de Deus, que é simbolizada pela
direita. Foi acolhido por aquele que
é a Virtude e a Sabedoria de Deus, o
Verbo feito carne, porque haveria de
ser conformado à glória de seu corpo.
 Domingo XXIII
do Tempo Comum
Evangelho: Mateus 18,15-20

15Se teu irmão pecar contra ti, vai, e corrige-o entre ti e ele só. Se te
ouvir, ganhaste o teu irmão; 16se, porém, não te ouvir, toma ainda
contigo uma ou duas pessoas, para que “pela boca de duas outras tes-
temunhas se decida toda a questão”. 17Se os não ouvir, dize-o à Igreja.
Se não ouvir a Igreja, considera-o como um gentio e um publicano.
18Em verdade vos digo: Tudo o que ligardes sobre a terra, será ligado
no céu; e tudo o que desatardes sobre a terra, será desatado no céu.
19Ainda vos digo que, se dois de vós se unirem entre si sobre a terra a
pedir qualquer coisa, esta lhes será concedida por meu Pai, que está
nos céus. 20Porque onde se acham dois ou três congregados em meu
nome, aí estou eu no meio deles.

Chrysostomus. quia superius vehe- Crisóstomo. Anteriormente fizera In Matth.,

menter sermonem adversus scan- um discurso veemente contra os que 60, 1

dalizantes proposuit, undique eos causam escândalo (18,7-10), aterro-

terrens, ne rursus hi quibus scandala
inferuntur, sic fiant resupini ut to-
tum contemnentes, in aliud vitium
incidant, scilicet negligentiae; ac
per omnia sibi parci volentes, in
elationem incidant; hic dominus
eos comprimit, et redargutionem
fieri iubet, dicens si autem pecca-
rizando-os completamente. Porém,
para que aqueles que são escandali-
zados não se tornem indolentes, des-
prezando todas as coisas, e caiam as-
sim em outro vício, o da negligência,
nem busquem ser poupados de todas
as coisas, caindo assim no orgulho, o
Senhor põe-lhes um limite, ordenan-
do-lhes que corrijam [o ofensor]: Se
 32 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
verit in te frater tuus, vade, et cor-
ripe eum inter te et ipsum solum.
De Verb. Augustinus. Admonet nos quidem
Dom., dominus noster non negligere invi-
82, 1
cem peccata nostra, non quaerendo
quid reprehendas, sed videndo quid
corrigas. Debemus enim amando
corripere, non nocendi aviditate, sed
studio corrigendi. Si neglexeris, peior
eo factus es. Ille iniuriam faciendo,
gravi seipsum vulnere percussit; tu
vulnus fratris contemnis: peior es ta-
cendo, quam ille conviciando.
De civ. Augustinus. Plerumque enim a ma-
Dei, 21, 27
lis docendis et admonendis, aliquan-
do etiam obiurgandis et corripiendis
male dissimulatur; vel cum laboris
piget, vel cum eorum inimicitias
devitamus, ne impediant et noce-
ant in istis temporalibus rebus, sive
quas adipisci adhuc nostra cupiditas
appetit, sive quas adhuc amittere
formidat infirmitas. Si autem prop-
terea quisque obiurgandis et corri-
piendis male agentibus parcit, quia
opportunius tempus inquiritur, vel
eisdem ipsis metuit, ne deteriores ex
hoc efficiantur, vel ad bonam vitam
et piam erudiendos impediant alios
infirmos, aut premant atque aver-
tant a fide; non videtur esse cupidi-
tatis occasio, sed consilium carita-
tis. longe autem graviorem habent
teu irmão pecar contra ti, vai, e corri-
ge-o entre ti e ele só.
Agostinho. Admoesta-nos o Senhor a
não negligenciar os pecados que come-
temos uns contra os outros, não pro-
curando um motivo para repreender,
mas vendo o que deve ser corrigido.
Devemos corrigir amando, sem avidez
de prejudicar, mas com diligência para
corrigir. Se negligencias [a correção],
faz-te pior que [o pecador]. Ele, ao fa-
zer-te uma injúria, produziu uma grave
ferida em si mesmo; mas tu desprezas a
ferida de teu irmão; ao calar-te, faz-te
pior do que aquele que profere injúrias.
Agostinho. Muitas vezes negligen-
ciamos o dever de ensinar e admo-
estar – e até censurar e corrigir – os
maus, seja porque o trabalho nos dá
preguiça, seja porque queremos evi-
tar a inimizade, para que [os corrigi-
dos] não nos prejudiquem nas coisas
temporais, quer aquelas que nossa
ganância ainda deseja possuir, quer
aquelas que nossa fraqueza teme per-
der. Contudo, quando alguém deixa
de censurar e corrigir os que fazem o
mal, porque espera um tempo mais
oportuno, ou teme que [pela corre-
ção] possam se tornar piores, ou teme
que possam impedir os mais fracos
de serem instruídos na vida boa e
piedosa, ou teme que influenciem [os
mais fracos] e os desviem da fé, neste
caso, a ação não procede da ganân-
cia, mas da caridade. Mas os prelados
eclesiásticos, que foram constituídos
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXIII do Tempo Comum
causam ecclesiarum praepositi qui
in ecclesiis constituti sunt ut non
parcant obiurgando peccata: nec
ideo tamen ab huiuscemodi culpa
penitus alienus est qui, licet prae-
positus non sit, in eis tamen quibus
vitae huius necessitate coniungitur,
multa monenda vel arguenda novit
et negligit: devitans eorum offensio-
nes propter illa quibus in hac vita
non indebite utitur, sed plusquam
debuit delectatur.
Chrysostomus. Considerandum au-
tem, quod quandoque dominus eum
qui contristavit, ad eum qui contris-
tatus est ducit, sicut cum dicit: si re-
cordatus fueris quod frater tuus habet
aliquid adversum te, vade reconciliari
fratri tuo. Quandoque autem eum
qui iniusta passus est, iubet dimitte-
re proximo; sicut ibi: dimitte nobis
debita nostra, sicut et nos dimitti-
mus debitoribus nostris. Hic autem
alium excogitat modum: eum enim
qui contristatus est, ducit ad eum qui
contristavit; et ideo dicit si peccaverit
in te frater tuus: quia enim ille qui
iniusta fecit, non facile veniret ad ex-
cusationem, verecundatus, hunc qui
passus est ad illum trahit; et non sim-
pliciter, sed ut corrigat quod factum
est; unde dicit vade et corripe eum.
Rabanus. Non passim iubet pec-
canti dimittere, sed audienti, idest
obedienti et poenitentiam agenti:
33
nas igrejas, têm uma obrigação ainda
maior de não passar por alto os pe-
cados, sem os censurar. Com efeito,
não está livre de culpa aquele que,
mesmo não sendo prelado, negligen-
cia a correção daqueles com os quais
o destino da vida nos uniu, sabendo
que fazem coisas dignas de admoes-
tação e censura. Evitam-se as ofensas
por causa daquelas coisas que nesta
vida poderiam ser utilizadas de ma-
neira devida, mas com as quais nos
deleitamos além do que é devido.
Crisóstomo. Note-se que às vezes o In Matth.,
Senhor manda o ofensor ir ao ofen- 60, 1
dido, como quando diz: Se te lem-
brares que teu irmão tem alguma coisa
contra ti, vai reconciliar-te com teu ir-
mão (Mt 5,23-24). Às vezes manda
ao ofendido que perdoe o próximo,
como quando diz: Perdoa-nos as nos-
sas ofensas, assim como nós perdoamos
aos que nos têm ofendido (Mt 6,12).
Mas aqui propõe outra coisa: aque-
le que foi ofendido, manda-o ir ao
ofensor, dizendo: Se teu irmão pecar
contra ti, porque aquele que cometeu
uma injustiça não vem facilmente
pedir perdão porque sente vergonha;
assim, o Senhor faz com que o ofen-
dido vá até [o ofensor]; [não quer
que] simplesmente vá, mas que corri-
ja o que foi feito. Por isso acrescenta:
e corrige-o.
Rabano. Não manda que seja perdo- In Matth.,
ado o pecador indistintamente, mas 5, 18
só aquele que ouve, obedece e faz pe-
 34 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
ne vel difficilis sit venia, vel remissa
indulgentia.
In Matth., Chrysostomus. non autem dicit:
60, 1 accusa, neque: increpa, neque: vin-
dictas expete; sed argue, idest, reme-
mora sibi peccatum, dic ei quae ab
eo passus es. Ipse enim ira et vere-
cundia detinetur, ebrius factus quasi
gravi somno. unde oportet te, qui
sanus es, ad illum qui aegrotat abire.
Com. in Hieronymus. Sciendum tamen, quod
Matth., 3, si peccaverit in vos frater vester, et in
18, 15
qualibet causa vos laeserit, dimittendi
habetis potestatem, immo necessita-
tem: quia praecipitur ut debitoribus
nostris debita dimittamus: propter
quod et hic dicitur si peccaverit in te
frater tuus. Si autem in Deum quis
peccaverit, non est nostri arbitrii.
Nos e contrario, in Dei iniuria be-
nigni sumus, in nostris contumeliis
exercemus odia.
In Matth., Chrysostomus. Ideo autem prae-
60, 1
cipit arguere ei qui passus est iniu-
riam, et non alii; quia ille qui fecit
iniuriam, ab eo mansuetius sustinet;
et maxime cum solus eum corripiat.
Cum enim qui vindictam expetere
debebat, hic salutis videtur diligen-
tiam habere, maxime hoc eum po-
test propitium facere.
Serm. 82, 4 Augustinus. Quando ergo in nos
aliquis peccat, habeamus magnam
curam, non pro nobis, nam glorio-
sum est iniuriam oblivisci; sed obli-
nitência, para que nem o perdão seja
difícil, nem frouxa a indulgência.
Crisóstomo. Mas não diz: acusa-o;
nem: increpa-o; nem: toma vingan-
ça; mas: corrige-o, isto é, recorda-lhe
o pecado, diz-lhe o que sofreste por
causa dele. Ele está preso pela ira e
pela vergonha, como um bêbado que
cai num sono profundo. Assim, é ne-
cessário que quem é são vá até aquele
que está doente.
Jerônimo. Deveis saber, porém, que
se vosso irmão pecar contra vós, se
vos prejudicar em qualquer coisa que
seja, tendes o poder, ou melhor, o
dever de perdoá-lo. Porque nos é or-
denado que perdoemos as dívidas de
nossos devedores; por isso diz aqui: Se
teu irmão pecar contra ti. Mas se pecar
contra Deus, não está em nosso po-
der [perdoá-lo]. Mas eis que fazemos
o contrário: somos benignos quando
injuriam a Deus, e ardemos de ódio
quando nos lançam contumélias.
Crisóstomo. Por isso manda que
seja corrigido por quem padeceu a
injúria, e não por outro; aquele que
fez a injúria ouve [o ofendido] mais
brandamente, sobretudo quando este
o corrige sozinho. Como aquele que
deveria se vingar parece se preocu-
par com a salvação [do ofensor], isso
pode deixá-lo mais propício.
Agostinho. Portanto, quando alguém
peca contra nós, sejamos diligentes,
mas não por nós mesmos, pois é
digno de glória esquecer-se de uma
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXIII do Tempo Comum
viscere iniuriam tuam, non vulnus
fratris tui: ergo corripe inter te et
ipsum solum, studens correctionis,
parcens pudori. Forte enim prae
verecundia incipit defendere pecca-
tum suum et quem vis facere correc-
tiorem, facis peiorem.
Hieronymus. Corripiendus est enim
seorsum frater, ne si semel pudorem
atque verecundiam amiserit, perma-
neat in peccato.
Augustinus. apostolus autem dicit:
peccantem coram omnibus argue,
ut et ceteri timorem habeant. Ali-
quando ergo scias corripiendum esse
fratrem inter te et fratrem solum,
aliquando autem coram omnibus.
Quid autem ante facere debeamus,
intendite et videte. Si peccaverit, in-
quit, in te frater tuus, corripe eum
inter te et ipsum solum. Quare? quia
in te peccavit? quid est: in te pecca-
vit? tu scis quia peccavit: quia enim
secretum fuit quando in te peccavit,
secretum quaere cum corrigis quae
peccavit. Nam si solus nosti quia
peccavit in te, et eum vis coram om-
nibus arguere, non es corrector, sed
proditor. Peccavit ergo in te frater
tuus; sed si tu solus nosti, tunc vere
in te solum peccavit: nam si mul-
tis audientibus tibi fecit iniuriam,
et in illos peccavit, quos testes suae
iniquitatis effecit. Ergo ipsa corri-
pienda sunt coram omnibus, quae
peccantur coram omnibus: ipsa cor-
35
injúria, não porém da ferida de teu
irmão. Portanto, corrige-o entre ti e ele
só, buscando a correção, preservando a
honra, pois por causa da vergonha [de
uma correção pública], talvez aquele
que querias corrigir passe a defender
seu pecado, e se torne pior.
Jerônimo. Corrija-se o irmão em pri- Com. in
vado, para que não perca ao mesmo Matth., 3,
18, 15
tempo a honra e a vergonha, e per-
maneça no pecado.
Agostinho. Mas o Apóstolo disse: Serm. 82, 6
Aos que pecarem repreende-os diante
de todos, para que também os outros
tenham medo (I Tm 5,20). Portanto,
saibas que às vezes deves corrigir o ir-
mão entre ti e ele só, e às vezes diante
de todos. Mas presta atenção, e vê o
que devemos fazer primeiro. Se teu
irmão pecar contra ti, diz ele, corrige-o
entre ti e ele só. Por quê? Por que pe-
cou contra ti? O que significa pecou
contra ti? Tu sabes que ele pecou: já
que foi em segredo que pecou contra
ti, busca o segredo ao corrigir aquele
que pecou. Pois se somente tu sabes
que pecou contra ti, e queres corrigi-
-lo diante de todos, não és um censu-
rador, mas um traidor. Assim, pecou
contra ti o teu irmão; mas se só tu o
sabes, então pecou só contra ti. Com
efeito, se te injuriou diante de mui-
tos ouvintes, pecou também contra
eles, porque fez deles testemunhas
de sua iniqüidade. Portanto, deve-
mos corrigir diante de todos aqueles
que pecam diante de todos; devemos
 36 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
ripienda sunt secretius quae peccan-
tur secretius. distribuite tempora, et
concordate scripturas. quare autem
proximum corrigis? quia tu doles
quod peccaverit in te? absit. si autem
amore tui id facis, nihil facis; si amo-
re illius facis, optime facis. Denique
in ipsis verbis attende cuius amore
id facere debeas: utrum tui, an illius:
sequitur enim si te audierit, lucra-
tus eris fratrem tuum. Ergo propter
illum fac, ut lucreris illum. Agnosce,
quia in hominem peccando periisti:
nam si non perieras, quomodo te
lucratus est? nemo ergo contemnat
quando peccat in fratrem.
In Matth., Chrysostomus. In quo etiam de-
60, 1
monstratur quod inimicitia dam-
num est commune; et propter hoc
non dixit quod ille lucratus est seip-
sum, sed quod tu lucratus es eum:
ex quo ostendit quoniam et tu et ille
damnum passi eratis ex discordia.
Com. in
Matth., 3, Hieronymus. Per salutem enim al-
18, 15 terius nobis quoque acquiritur salus.
In Matth., Chrysostomus. quid autem facere
60, 1
debeas si non persuadeatur, subditur
si autem te non audierit, adhibe te-
cum unum vel duos. Quanto enim
inverecundior fuerit et pertinacior,
tanto magis nos ad medicinam stu-
dere oportet, non ad iram et odium.
Etenim medicus cum viderit mor-
bum non remitti, non desistit, sed
tunc magis praeparatur ad curan-
dum. Vide qualiter non vindictae
corrigir em segredo os pecados que
se fazem em segredo. Distingue as
situações, e verás a concórdia das
Escrituras. Mas por que corriges
o próximo? Porque te dóis por ter
pecado contra ti? Não! Se o fazes
por amor de ti, nada fazes; se o fa-
zes por amor dele, ages de modo
excelente. Vê nas próprias palavras
por amor de quem o deves fazer: se
de ti, ou dele. Diz [o Senhor]: Se te
ouvir, ganhaste o teu irmão. Portan-
te, corrige-o por ele, para ganhá-lo.
Percebe que quando pecas contra
um homem, tu te perdes; se não te
tivesses perdido, como te ganharia
de volta? Portanto, que ninguém
menospreze o pecado contra um
irmão.
Crisóstomo. Assim, mostra-nos que
a inimizade é um prejuízo comum;
por isso não diz que ele se ganhou a si
mesmo, mas que ganhou o seu irmão;
indica assim que tu e ele fostes preju-
dicados pela discórdia.
Jerônimo. Pela salvação de outro,
adquirimos também nós a salvação.
Crisóstomo. O que deves fazer se
não se persuade? Se, porém, não te
ouvir, toma ainda contigo uma ou
duas pessoas. Quanto mais irreveren-
te e pertinaz ele for, tanto mais de-
vemos buscar curá-lo, em vez de nos
entregar à ira e ao ódio. Com efeito,
quando o médico vê que a doença
não diminui, não desiste, mas busca
mais intensamente a cura. Vede que
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXIII do Tempo Comum
gratia haec correptio fit, sed emen-
dationis: et propter hoc non confes-
tim iubet duos accipere, sed quando
ipse corrigi non voluerit; neque tunc
ad eum mittit multitudinem, sed
unum vel duos; et ad hoc legis tes-
timonium inducit, dicens ut in ore
duorum testium vel trium stet omne
verbum; quasi dicat: habes iam tes-
timonium quia totum fecisti quod
tuum erat.
Hieronymus. Vel intelligendum est
hoc modo: si te audire noluerit, adhi-
beatur unus frater tantum: quod si
nec illum audierit, adhibeatur et ter-
tius: vel corrigendi studio, ut scilicet
vel admonitione aut pudore corriga-
tur; vel conveniendi sub testibus.
Glossa. Vel si dixerit, non esse pecca-
tum, ut probent illud esse peccatum.
Hieronymus. Porro si nec illos au-
dire voluerit, tunc multis dicendum
est, ut detestationi eum habeant; ut
qui non potuit pudore salvari, salve-
tur opprobriis: unde sequitur quod
si non audierit eos, dic ecclesiae.
Chrysostomus. idest his qui eccle-
siae praesident.
Glossa. Vel dic toti ecclesiae, ut
maiorem erubescentiam patiatur.
Post haec omnia sequitur excom-
municatio, quae fieri debet per os
ecclesiae, idest per sacerdotem; quo
37
essa correção deve ser feita, não por
vingança, mas para a correção. Por
isso não ordena que se busquem duas
pessoas de imediato, mas só quando
[o ofensor] não quiser aceitar a corre-
ção; tampouco deves enviar-lhe uma
multidão, mas uma ou duas pessoas. A
lei corrobora-o, quando diz: Tudo será
verificado sobre o depoimento de duas ou
três testemunhas (Dt 19,15). É como
se dissesse: Tens agora um testemunho
de que fizeste tudo a teu alcance.
Jerônimo. Ou deve entender-se as- Com. in
sim: se não te quiser ouvir, toma um Matth., 3,
18, 15
só irmão; se tampouco quiser ouvi-
-lo, toma também um terceiro, seja
por zelo da correção, isto é, para que
seja corrigido pela admoestação e
pela vergonha, seja para convencê-lo
diante de testemunhas.
Glosa. Ou se disser: “não pequei”, [Anselmo de
[toma duas testemunhas] para que Laon] Enar.
provem que se trata de pecado.
in Matth., 18
Jerônimo. Por fim, se nem a eles qui- Com. in
Matth., 3,
ser ouvir, então deves dizê-lo a muitos,
18, 15
para que o aborreçam, para que aquele
que não pôde ser salvo pela vergonha,
seja salvo pelos opróbrios. Por isso diz:
Se os não ouvir, dize-o à Igreja.
Crisóstomo. Isto é, àqueles que pre- In Matth.,
sidem na Igreja. 60, 1
Glosa. Ou dize-o a toda a Igreja, para [Anselmo de
que sofra uma vergonha maior. De- Laon] Enar.
pois de tudo isso se segue a excomu-
in Matth., 18
nhão, que deve ser dada pela boca da
Igreja, isto é, pelo sacerdote; quando
 38 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
excommunicante, tota ecclesia cum
eo operatur: unde sequitur si autem
ecclesiam non audierit, sit tibi sicut
ethnicus et publicanus.
Serm. 82, 4 Augustinus. Idest, noli illum iam
deputare in numero fratrum tuo-
rum; nec sic tamen salus eius ne-
gligenda est: nam et ipsos ethnicos,
idest gentiles et paganos, in numero
quidem fratrum non deputamus,
sed tamen eorum salutem semper
inquirimus.
In Matth., Chrysostomus. nihil tamen tale pra-
60, 1 ecipit dominus observandum in his
qui extra ecclesiam sunt, quale pra-
ecipit hic de fratribus corripiendis.
Sed de exterioribus dicit: si quis per-
cusserit te in una maxilla, praebe ei
et aliam; quod et paulus dicit: quid
mihi est de his qui foris sunt, iudica-
re? fratres autem et arguere et avertere
iubet.
Com. in Hieronymus. quod autem dicit si-
Matth., 3,
cut ethnicus et publicanus, ostendi-
18, 15
tur maioris esse detestationis qui sub
nomine fidelis agit opera infidelium,
quam hi qui aperte gentiles sunt.
Publicani enim vocantur qui saeculi
sectantur lucra, et exigunt vectigalia
per negotiationes et fraudes, ac furta
scelerata atque periuria.
Com. in Origenes. Videamus autem ne forte
Matth., 13,
sententia haec, non de quocumque
30
peccato posita sit: quid enim si ali-
quis peccaverit aliquod peccatorum
quae sunt ad mortem: puta mascu-
este excomunga, toda a Igreja o faz
com ele. Por isso continua, dizendo:
Se não ouvir a Igreja, considera-o como
um gentio e um publicano.
Agostinho. Isto é, já não o deves con-
siderar como teu irmão; mas nem por
isso deves negligenciar sua salvação.
Com efeito, não contamos os gentios
e pagãos como nossos irmãos, contu-
do sempre buscamos sua salvação.
Crisóstomo. O Senhor não nos or-
denou nada parecido com respeito
aos que estão fora da Igreja, como
ordenou com respeito aos irmãos a
serem corrigidos. Mas quanto aos de
fora, disse: Se te ferir na face direita,
apresenta-lhe também a outra (Mt
5,39); e Paulo disse: Porque é porven-
tura a mim que pertence julgar aqueles
que estão fora? (I Cor 5,12) Ordena,
porém, que corrijamos e advertamos
os irmãos.
Jerônimo. Ao dizer: como um gentio
e um publicano, mostra que é mais
digno de aborrecimento aquele que,
chamando-se fiel, faz as obras dos
infiéis, do que aqueles que são aber-
tamente gentios. Chamam-se publi-
canos os que buscam os lucros deste
século, exigindo pagamento através
de negociações e fraudes, furtos iní-
quos e perjúrios.
Orígenes. Note-se que essa ordem
não diz respeito a qualquer tipo de
pecado. Com efeito, que dizer se al-
guém cometer algum dos pecados
mortais, como desejar um outro
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXIII do Tempo Comum
lorum concubitor factus, adulter,
homicida, aut mollis: numquid
talem rationis est arguere solum ad
solum? et, si audierit, statim eum
dicere lucrifactum: et non prius ex-
pulerit eum de ecclesia, nisi post-
quam coram testibus argutus, et ab
ecclesia, perstiterit in actu priori?
alius autem respiciens ad immen-
sam misericordiam christi, dicet
quoniam cum verba christi nullam
faciant differentiam peccatorum,
contra christi misericordiam fa-
ciunt qui haec ad minima tantum
peccata pertinere distinguunt.
Alius contra, caute ipsa verba con-
siderans, non de omni peccato
haec dicta defendet: quoniam qui
grandia illa peccata facit, non est
frater, sed nominatur frater; cum
quo, secundum apostolum, non
oportet nec cibum sumere. sicut
autem negligentibus peccandi oc-
casionem dant qui ad omne pecca-
tum hoc pertinere exponunt, sic e
contra qui docet in minimis et non
mortiferis peccatis peccantem post
argutionem testium vel ecclesiae,
fieri oportere sicut ethnicum et pu-
blicanum, aliquid crudelitatis vide-
tur inducere. utrum enim omnino
pereat, pronuntiare non possumus.
Primum, quia qui ter argutus non
39
homem, adultério, assassinato ou
ser efeminado? Porventura devemos
corrigi-lo a sós? E se ouvir, devemos
dizer que o ganhamos? Deve ele ser
expulso da Igreja só depois de ter
sido repreendido pela Igreja diante de
muitas testemunhas, e ainda ter per-
sistido em seus atos? Alguém pode,
considerando a imensa misericórdia
de Cristo, dizer que, como as palavras
de Cristo não fazem nenhuma distin-
ção entre pecados, aqueles que dizem
que essa ordem se refere apenas aos
pequenos pecados agem em sentido
contrário à misericórdia de Cristo.
Um outro, porém, considerando
atentamente as palavras, pode defen-
der que Cristo não disse essas coisas
com respeito a todos os pecados; pois
quem comete grandes pecados não é
[verdadeiramente] irmão, mas só se
chama irmão, com o qual, segundo o
Apóstolo, não convém sequer comer
(I Cor 5,11). Assim como dá oca-
sião aos negligentes de pecar ainda
mais aquele que expõe essa passagem
como se referisse a todos os pecados,
assim também, em sentido contrário,
parece agir com crueldade aquele que
ensina que o pecador, mesmo que co-
meta pecados pequenos e não mor-
tais, depois de ter sido repreendido
pelas testemunhas e pela Igreja, deve
ser considerado como um gentio e
publicano. Com efeito, não podemos
dizer, com certeza, se ele se perdeu
completamente. Primeiro, porque
aquele que foi corrigido três vezes,
 40 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
obedivit, potest in quarto obedire;
deinde, quia aliquando non secun-
dum opera hominis redditur ei, sed
amplius quam peccavit, quod ex-
pedit in hoc mundo; demum quia
non dixit solum sit sicut ethnicus
et publicanus; sed sit tibi. Qui ergo
in peccato levi correctus ter, non se
emendat, nos quidem debemus eum
habere sicut ethnicum et publica-
num, abstinentes ab eo, ut confun-
datur. an autem etiam a Deo quasi
publicanus et ethnicus iudicetur,
non est nostrum pronuntiare, sed
est in iudicio Dei.
Com. in Hieronymus. Quia dixerat: si eccle-
Matth., 3,
siam non audierit, sit tibi sicut eth-
18, 18
nicus et publicanus; et poterit con-
tempti fratris haec esse responsio,
vel tacita cogitatio: si me despicis,
et ego te despicio; si me condemnas,
et tu mea sententia condemnaberis;
potestatem tribuit apostolis ut sciant
qui talibus condemnantur, huma-
nam sententiam divina sententia
corroborari: unde dicitur amen dico
vobis: quaecumque alligaveritis su-
per terram, erunt ligata et in caelo;
et quaecumque solveritis super ter-
ram, erunt soluta et in caelo.
Com. in Origenes. Non dixit: in caelis, sicut
Matth., 13,
31
petro, sed in caelo, uno: quia non
sunt tantae perfectionis sicut petrus.
Com. in Hilarius. Per hoc tamen ad terro-
Matth., 18, 8
rem maximi metus, quo ad praesens
omnes continentur, immobile seve-
pode emendar-se na quarta vez; ade-
mais, nem sempre se retribui aos ho-
mens segundo a proporção de suas
obras, mas neste mundo convém que
a pena seja maior do que o pecado;
por isso não disse simplesmente: seja
como um gentio e publicano, mas: seja
para ti. Portanto, quem comete um
pecado leve e é corrigido três vezes,
devemos considerá-lo como gentio e
publicano, apartando-nos dele para
que se envergonhe. Porém, não cabe
a nós dizer se Deus o considera publi-
cano e gentio, mas isso cabe ao juízo
de Deus.
Jerônimo. Como dissera: Se não ou-
vir a Igreja, considera-o como um gen-
tio e um publicano, e como o irmão
desprezado poderia responder, ou
pensar tacitamente: “se me desprezas,
eu também te desprezo; se me con-
denas, tu também és condenado em
minha opinião”, atribui aos apóstolos
o poder de discernir quem deve ser
condenado, corroborando a sentença
humana com a sentença divina. Por
isso diz: Em verdade vos digo: Tudo o
que ligardes sobre a terra, será ligado
no céu; e tudo o que desatardes sobre a
terra, será desatado no céu.
Orígenes. Não disse: nos céus, como
disse a Pedro, mas: no céu, em um só,
porque não eram tão perfeitos quan-
to Pedro.
Hilário. Para nos inspirar um grande
temor, que todos devemos ter nesta
vida, mostra-nos o juízo imóvel da
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXIII do Tempo Comum
ritatis apostolicae iudicium demons-
travit, ut quos in terris alligaverint,
idest peccatorum nodis innexos reli-
querint, et quos solverint, concessio-
nem scilicet veniae acceperint in salu-
tem, hi in caelis ligati sint vel soluti.
Chrysostomus. et notandum, quod
non dixit primati ecclesiae: liga ta-
lem; sed: si ligaveritis, indissolubilia
erunt ligamina; quasi hoc eius iudi-
cio dimittens. Vide autem qualiter
incorrigibilem duplicibus colligavit
necessitatibus: scilicet et poena quae
est hic, scilicet proiectione ab eccle-
sia, quam supra posuit, dicens: sit
tibi sicut ethnicus; et supplicio fu-
turo, quod est ligatum esse in caelo:
ut multitudine iudiciorum dissolvat
fratris iram.
Augustinus. vel aliter. Coepisti ha-
bere fratrem tuum tamquam publi-
canum, ligans eum in terra: sed ut
iuste alliges, vide: nam iniusta vin-
cula disrumpit iustitia. Cum autem
correxeris, et concordaveris cum
fratre tuo, solvisti illum in terra:
cum solveris in terra, solutus erit
in caelo. Multum praestas non tibi
sed illi, quia multum nocuit non
tibi sed sibi.
Glossa. Non solum autem de ex-
communicatione, sed etiam de omni
petitione quae fit a consentientibus
in unitate ecclesiae, dat confirmatio-
nem, cum subdit iterum dico vobis,
quia si duo ex vobis consenserint
41
severidade apostólica, de tal modo
que aqueles que eles ligam sobre a
terra, isto é, aqueles que deixam pre-
sos às cadeias dos pecados, e aqueles
que desatam, aos quais é concedido
o perdão para a salvação, estes ficam
ligados ou desatados nos céus.
Crisóstomo. Note-se que não disse In Matth.,
aos primazes da Igreja: “ligai a tal”; 60, 2
mas: “se ligardes, o ligamento será
indissolúvel”, confiando assim [o liga-
mento] a seu arbítrio. Vede como ele
atou o homem incorrigível a duas fa-
talidades: à pena, que consiste em ser
expulso da Igreja, quando disse acima:
considera-o como um gentio e um publi-
cano; e ao suplício futuro, que consiste
em estar ligado no céu; tudo isso para
que pela multidão de condenações, a
ira do irmão seja aplacada.
Agostinho. Ou então: Começaste Serm. 82, 4
a tratar teu irmão como publicano,
ligando-o sobre a terra. Mas para que
ligues com justiça, não te esqueças
que os vínculos injustos são rompi-
dos pela justiça. Quando corriges teu
irmão e te pões de acordo com ele,
desligaste-o sobre a terra; ao desligá-
-lo sobre a terra, será ele desligado
no céu. Haverá muita vantagem, não
para ti, mas para ele, porque muito
prejudicou, não a ti, mas a si mesmo.
Glosa. Confirma não só a excomu- [Anselmo de
nhão, mas toda petição daqueles que Laon] Enar.
concordam na unidade da Igreja, in Matth., 18
dizendo: Ainda vos digo que, se dois
de vós se unirem entre si sobre a ter-
 42 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
super terram, vel poenitentem reci-
piendo, vel superbum abiciendo, de
omni re quam petierint, quae non est
contraria ecclesiae unitati, fiet illis a
patre meo qui in caelis est. Per hoc
autem quod dicit qui in caelis est,
eum super omnia esse ostendit, et per
hoc complere eum posse quod peti-
tur. Vel in caelis est, idest in sanctis;
quod valet ad probandum, quod fiet
illis quicquid petierint quod dignum
sit, quia illum apud se habent a quo
petunt. Unde rata est sententia con-
sentientium, quia Deus cum eis ha-
bitat; et ideo sequitur ubi enim sunt
duo vel tres congregati in nomine
meo, ibi sum in medio eorum.
In Matth., Chrysostomus. Vel quia dixerat fiet
60, 2 illis a patre meo, ut ostendat se etiam
esse datorem simul cum patre, subdit
ubi sunt enim duo vel tres.
Com. in Origenes. Non autem dixit in me-
Matth., 14, 4
dio eorum ero, sed sum: mox enim
ut aliqui consenserint, Christus in-
venitur in eis.
Com. in Hilarius. Ipse enim qui pax atque
Matth., 18, 8
caritas est, sedem atque habitatio-
nem in bonis atque pacificis volun-
tatibus collocabit.
Com. in Hieronymus. Vel aliter. Omnis su-
Matth., 3,
perior sermo ad concordiam nos
18, 18
provocaverat; igitur et praemium
pollicetur, ut sollicitius festinemus
ad pacem, cum se dicat inter duos
vel tres medium fore.
ra, para acolher o penitente ou para
expulsar o soberbo, a pedir qualquer
coisa, que não seja contrária à unida-
de da Igreja, esta lhes será concedida
por meu Pai, que está nos céus. Ao di-
zer que está nos céus, mostra que o Pai
está acima de todas as coisas, e por
isso pode atender ao que é pedido.
Ou está nos céus, isto é, nos santos.
Isso prova que lhes atenderá todos os
pedidos dignos, porque portam con-
sigo aquele a quem pedem. A senten-
ça dos que estão de acordo é ratifi-
cada, porque Deus habita com eles.
Por isso diz em seguida: Porque onde
se acham dois ou três congregados em
meu nome, aí estou eu no meio deles.
Crisóstomo. Ou então, como disse-
ra esta lhes será concedida por meu Pai,
para mostrar que ele também daria,
junto com o Pai, acrescenta: onde se
acham dois ou três.
Orígenes. Não disse: “estarei no
meio deles”, mas: estou. Tão logo
concordassem, Cristo estaria no
meio deles.
Hilário. Aquele que é a própria paz
e a caridade estabeleceu sua residên-
cia e habitação nas vontades boas e
pacíficas.
Jerônimo. Ou então: Todo o discur-
so anterior nos convida à concórdia;
portanto, promete um prêmio, para
que busquemos a paz com mais afin-
co, ao dizer que estará no meio dos
dois ou três.
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXIII do Tempo Comum
Chrysostomus. non autem dixit sim-
pliciter ubi congregati fuerint; sed
addit in nomine meo; quasi dicat: si
quis me principalem causam amicitiae
ad proximum habuerit, cum eo ero, si
et in aliis virtuosus erit. Quomodo
ergo non ibi consentientes conse-
quuntur id quod petunt? primo qui-
dem, quia non expedientia petunt.
Secundo, quia indigni sunt qui pe-
tunt, et ea quae sunt a seipsis non
inferunt: unde dicit si duo ex vobis,
qui evangelicam ostenditis conver-
sationem. Tertio, quia adversus eos
qui contristaverunt orant vindictam
quaerentes. quarto, quia petunt mi-
sericordiam peccantibus qui non
poenituerunt.
Origenes. et ista est etiam causa
propter quam non exaudimur oran-
tes, quia non consentimus nobis per
omnia super terram, neque dogma-
te neque conversatione. sicut enim
in musicis, nisi fuerit convenientia
vocum, non delectat audientem, sic
in ecclesia, nisi consensum habuerit,
non delectatur Deus in ea, nec audit
voces eorum.
Hieronymus. Possumus autem et
hoc spiritualiter intelligere, quod
ubi spiritus et anima corpusque
consenserint, et non intra se bellum
diversarum habuerint voluntatum,
de omni re quam petierint, impe-
trent a patre: nulli enim dubium
43
Crisóstomo. Não disse apenas: con- In Matth.,
60, 2
gregados, mas acrescentou: em meu
nome. É como se dissesse: “Se eu for
a causa principal da amizade que al-
guém tem para com o próximo, es-
tarei com ele, se agir virtuosamente
também com os outros”. Como, por-
tanto, é possível que pessoas que estão
de acordo não consigam obter aquilo
que pedem? Primeiro, porque não pe-
dem o que convém. Segundo, porque
os que pedem são indignos, não fa-
zendo tudo que está a seu alcance. Por
isso diz: se dois de vós, que viveis se-
gundo o Evangelho. Terceiro, porque
oram contra aqueles que os contrista-
ram, buscando uma vingança. Quar-
to, porque pedem misericórdia para
pecadores que não se arrependeram.
Orígenes. Esta também é uma das Com. in
Matth., 14, 1
razões por que os que oramos não so-
mos ouvidos: porque não estamos de
acordo uns com os outros sobre a ter-
ra, nem segundo a doutrina, nem se-
gundo o modo de vida. Assim como
na música, se não há uma concor-
dância entre as vozes, os ouvintes não
se deleitam, assim também na Igreja,
se não há nela consenso, Deus não se
deleita nela, nem ouve sua voz.
Jerônimo. Podemos também enten- Com. in
der isso em sentido espiritual: quan- Matth., 3,
do o espírito, a alma e o corpo estive-
18, 18
rem de acordo, e as diversas vontades
não estiverem em guerra dentro do
homem, todas as coisas que pedir-
mos serão concedidas pelo Pai. Todos
 44 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres

est quin bonarum rerum postulatio
sit, ubi corpus vult habere ea quae
spiritus.
Com. in Origenes. vel in quo duo testamen-
Matth., 14, 5 ta consentiunt sibi, eius invenitur
oratio de omni re acceptabilis Deo.
sabem que o pedido de coisas boas
se dá quando o corpo quer o mesmo
que o espírito.
Orígenes. Ou então: Aquele em
quem os dois testamentos estão de
acordo, sua oração será em tudo acei-
tável a Deus.

Comentário suplementar
IIª Leitura: Romanos 13,8-10

8A ninguém devais coisa alguma, a não ser o amor mútuo, porque

aquele que ama o próximo, cumpre a lei. 9Em verdade, estes manda-
mentos: – “Não cometerás adultério; não matarás; não furtarás; não
dirás falso testemunho; não cobiçarás” – e qualquer outro manda-
mento, todos se resumem nesta palavra: amarás o teu próximo como
a ti mesmo. 10O amor do próximo não faz o mal. Logo, o amor é o
complemento da lei.

S. Ambrosius, Commentaria in S. Ambrósio, Comentários à

Epistolam ad Romanos
(Vers. 8, 9.) Nemini quidquam de-
beatis, nisi ut invicem diligatis. Pa-
cem vult nos habere, si fieri potest,
cum omnibus, dilectionem vero
cum fratribus, et hanc tamen, hono-
re servato. Idcirco autem debitores
dicit; quia homini, qui dignus ho-
nore est, sive praesenti, sive futuro,
dignum est et debitum inclinari. Illi
enim quis inclinatur, a quo hono-
Epístola a Romanos
[v. 8-9] A ninguém devais coisa al-
guma, a não ser o amor mútuo. Quer
que exerçamos a paz, se possível, com
todos, mas quer que tenhamos amor
pelos irmãos, conservando-se, porém,
a honra. Por isso diz que somos deve-
dores; porque é conveniente e devido
se inclinar a um homem que é digno
de honra, quer presente, quer futura.
Cada um se inclina diante daquele
que lhe concedeu alguma considera-
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXIII do Tempo Comum
rem accepit: ideo debitor dicitur. Si
enim non hoc feceris principi tuo,
superbus es; aut enim merito quis,
aut aetate honorandus est.
Qui enim diligit proximum, Legem
implevit. Legem datam a Moyse
implet, qui diligit proximum; nam
novae legis mandatum est etiam ini-
micos diligere. Nam non adultera-
bis, non occides, non furaberis, non
concupisces. Hoc Moyses scriptum
accepit a Deo ad reformationem
legis naturalis. Et si quod est aliud
mandatum, in hoc verbo consum-
matur: Diliges proximum tuum
sicut te ipsum; hoc scriptum est in
Levitico (Levit. XIX, 18). Manenti-
bus itaque supradictis mandatis, in
dilectione impleri Legem significat,
sicut dixit: ac si sint alia mandata,
quae nunc tacuit; tamen pro om-
nibus mandatis dilectio satisfacit.
Nam si se humanum genus ab ini-
tio dilexisset, iniquitas in terris non
esset; exordium enim injustitiae
discordia est. Ideoque iniquitatis di-
lectio iniquitas est; quia quod malo
malum est, bono bonum est.
(Vers. 10.) Dilectio proximi malum
non operatur; plenitudo enim Legis
est dilectio. Malum non operatur,
quia bona est dilectio, nec peccare
potest illa, quae Legis est perfectio.
Per Legis verba ad sensum evangeli-
45
ção; por isso é chamado de devedor.
Se não fazes isso para teu príncipe, és
soberbo. O mesmo se deve dizer com
respeito a alguém que é venerável por
causa dos méritos ou da idade.
Porque aquele que ama o próximo, cum-
pre a lei. Quem ama o próximo, cum-
pre a lei dada a Moisés, pois o manda-
mento da nova lei diz para amarmos
até os inimigos. “Não adulterarás, não
matarás, não furtarás, não cobiçarás”.
Moisés recebeu de Deus esse texto,
para que reformasse a lei natural. Esses
e quaisquer outros mandamentos, es-
tão encerrados nestas palavras: “Ama-
rás teu próximo como a ti mesmo”.
Isso está escrito em Levítico (19,18).
Os supracitados mandamentos ainda
continuam em vigor, mas nos indica
que a lei é cumprida pelo amor. Dis-
se que qualquer outro mandamento,
que passou agora em silêncio, todos
os mandamentos são cumpridos pelo
amor. Com efeito, se o gênero huma-
no amasse a si mesmo desde o prin-
cípio, não haveria iniqüidade sobre a
terra, pois o princípio da injustiça é a
discórdia. Assim, o amor da iniqüida-
de é iniqüidade, porque o que é mau
para o [homem] mau, é bom para o
[homem] bom.
[v. 10] O amor do próximo não faz o
mal. Logo, o amor é o complemento da
lei. Não faz o mal, porque o amor é
bom, nem pode induzir ao pecado
aquilo que é a perfeição da lei. Pas-
sando pelas palavras da lei, deseja
46 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
cum vult pervenire. Ideo enim quod
summum est Legis, memorat; ut
huic Evangelium societ, ostendens
unius esse sensum auctoris. Sed
quia tempore Christi addere aliquid
oportuit, non solum proximos, sed
inimicos diligi praecepit. Unde sub-
ditur: Plenitudo Legis est dilectio:
ut justitia sit diligere proximum,
abundans vero et perfecta justitia
etiam inimicos diligere. Inimicum
autem diligere quid aliud est, quam
optare desinere illum ab odio, et
nihil asperum petere adversus illum?
Hoc est amare illum, ea illi exoptare
per quae Deum habeat propitium:
haec coelestis justitia, haec Deo Pa-
tri similes facit, qui non colentibus
se annua dona largitur. Nam et Do-
minus in cruce positus postulat pro
inimicis ; ut plenitudinem justitiae
quam docuerat, demonstraret.
chegar à doutrina evangélica. Recor-
da o ponto mais elevado da lei para
que o associe ao Evangelho, mostran-
do assim que a intenção do único au-
tor [dos dois testamentos] é a mesma.
Mas como no tempo de Cristo convi-
nha acrescentar algo mais, ordenou-
-nos que amássemos não só o próxi-
mo, mas também os inimigos. Por
isso diz: o amor é o complemento da
lei. Assim, a justiça consiste em amar
o próximo, mas a justiça abundante
e perfeita consiste em amar também
os inimigos. O que é amar um ini-
migo, senão deixar de odiá-lo, e não
pedir nada de mal para ele? Amá-lo é
desejar-lhe aquilo que faria Deus ser
propício para com ele; essa é a justi-
ça celestial, que nos faz semelhantes
ao Pai, que distribui todos os anos as
suas dádivas aos que não o adoram.
Até na cruz o Senhor rogava por seus
inimigos, para dar um exemplo da
plenitude da justiça, que ensinava.
 Domingo XXIV
do Tempo Comum
Evangelho: Mateus 18,21-35

21Então, aproximando-se dele Pedro, disse: Senhor, até quantas vezes

poderá pecar meu irmão contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete
vezes? 22Jesus respondeu-lhe: Não te digo que até sete vezes, mas até
setenta vezes sete.2 23Por isso o reino dos céus é comparado a um rei
que quis fazer as contas com os seus servos. 24E, tendo começado a fa-
zer as contas, foi-lhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos.
25Como não tivesse com que pagar, mandou o seu senhor que fosse
vendido ele, sua mulher, seus filhos, e tudo o que tinha, e se saldasse a
dívida. 26Porém o servo, lançando-se-lhe aos pés, adorava-o,3 dizen-
do: Tem paciência comigo, eu te pagarei tudo. 27O senhor, compade-
cido daquele servo, deixou-o ir livre e perdoou-lhe a dívida. 28Mas
este servo, tendo saído, encontrou um dos seus companheiros, que lhe
devia cem denários,4 e, lançando-lhe a mão, o sufocava, dizendo:
Paga o que me deves. 29O companheiro, lançando-se-lhe aos pés, lhe
suplicava, dizendo: Tem paciência comigo, eu te pagarei. 30Porém,
ele não quis, mas retirou-se e fez que o pusessem na prisão, até pa-
gar a dívida. 31Ora, os outros servos seus companheiros, vendo isto,
ficaram muito contristados, foram e referiram ao senhor tudo o que
tinha acontecido. 32Então o senhor chamou-o e disse-lhe: Servo mau,
eu perdoei-te a dívida toda, porque me suplicaste; 33não devias tu

2 Ou: setenta e sete vezes.

3 Matos Soares: lhe suplicava.
4 Matos Soares: dinheiros.
 50 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
logo compadecer-te também do teu companheiro, como eu me com-
padeci de ti? 34E o seu senhor, irado, entregou-o aos algozes, até que
pagasse toda a dívida. 35Assim também vos fará meu Pai celestial, se
não perdoardes do íntimo dos vossos corações cada um a seu irmão
Com. in Hieronymus. Supra dixerat domi-
Matth., 3, nus: videte ne contemnatis unum de
18, 21
pusillis istis: et adiecerat: si peccaverit
in te frater tuus, etc.; et praemium
repromiserat, dicens: si duo ex vobis,
etc., unde provocatus apostolus pe-
trus interrogat; et hoc est quod dici-
tur tunc accedens ad eum petrus, di-
xit: domine, quoties peccaverit in me
frater meus, et dimittam ei? et cum
interrogatione profert sententiam,
dicens usque septies?
In Matth., Chrysostomus. Putavit quidem pe-
61, 1
trus aliquid se magnum dicere. sed
quid amator hominum Christus
responderit, subditur dicit illi iesus:
non tibi dico usque septies; sed us-
que septuagies septies.
Serm. 83, 3 Augustinus. audeo dicere: et si sep-
tuagies octies peccaverit, ignoscas;
et si centies; et omnino quoties pec-
caverit, ignosce. Si enim Christus
millia peccatorum invenit, et tamen
omnia donavit, noli subducere mi-
sericordiam. Ait enim apostolus: do-
nantes vobismetipsis, si quis adver-
sus aliquem habet querelam, sicut et
Deus in Christo donavit nobis.
In Matth., Chrysostomus. Cum ergo dicit us-
61, 1 que septuagies septies, non nume-
Jerônimo. Antes disso o Senhor
disse: Vede, não desprezeis um só des-
tes pequeninos (Mt 18,10), e acres-
centou: Se teu irmão pecar contra ti,
etc. (v. 15), e prometeu um prêmio,
dizendo: se dois de vós, etc. (v. 19).
O apóstolo Pedro, intrigado com
tudo isso, interroga-o: Então, apro-
ximando-se dele Pedro, disse: Senhor,
até quantas vezes poderá pecar meu
irmão contra mim, que eu lhe perdoe?
Até sete vezes?
Crisóstomo. Pedro achava que dizia
algo extraordinário. Mas a resposta de
Cristo, o amante dos homens, foi esta:
Jesus respondeu-lhe: Não te digo que até
sete vezes, mas até setenta e sete vezes.
Agostinho. Ouso dizer: se pecar se-
tenta e oito vezes, perdoa-o; o mesmo
se cem vezes; tantas vezes quantas pe-
car, perdoa-o. Se Cristo, encontran-
do milhares de pecados, perdoou-os
a todos, não negues a misericórdia.
Com efeito, diz o Apóstolo: Perdo-
ando-vos mutuamente, se alguém tem
razão de queixa contra o outro, assim
como também Deus em Cristo vos per-
doou a vós (Col 3,13).
Crisóstomo. Assim, quando diz se-
tenta e sete vezes, não estipula um nú-
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXIV do Tempo Comum
rum determinatum ponit, ut nume-
ro concludat remissionem; sed quod
continue et semper est significavit.
Augustinus. Non tamen sine cau-
sa dominus septuagies septies dixit:
nam lex decem praeceptis commen-
datur: lex enim per decem, pecca-
tum per undecim significatur, quia
transgressio denarii est. septem au-
tem solet pro toto computari, quia
septem diebus volvitur tempus. Duc
autem septies undecim, fiunt sep-
tuagies septies. Omnia ergo peccata
dimitti voluit, quia ea septuagesimo
septimo numero praesignavit.
Origenes. vel quia numerus sex vi-
detur esse operis et laboris, septimus
autem repausationis, dicit remissio-
nem fieri oportere fratribus in hoc
mundo degentibus, et secundum res
huius mundi peccantibus. Si autem
aliquis ultra ea peccata peccaverit,
iam non habebit remissionem.
Hieronymus. Vel intelligendum est
septuagies septies, idest quadrin-
gentis nonaginta vicibus: ut toties
peccanti fratri dimitteret quoties ille
peccare posset.
Rabanus. Aliter tamen datur venia
petenti fratri: ut nobis scilicet socia
caritate communicet, sicut ioseph
5 Trangressio, em latim, significa tanto “violação de uma lei”, como, segundo o sentido etimológico,
“transpor um limite”.
51
mero determinado, como se o perdão
fosse limitado pelo número; quis di-
zer que [devemos perdoar] continua-
mente e sempre.
Agostinho. Com razão o Senhor diz Serm. 83, 3
setenta e sete vezes: A lei consta de dez
preceitos. Assim, o número dez sig-
nifica a lei, e o número onze – que é
uma “transgressão”5 do número dez
– significa o pecado. Costuma-se to-
mar o número sete como símbolo de
um todo, porque o tempo se comple-
ta em sete dias. Multiplica sete por
onze, e terás setenta e sete. Portan-
to, quis que se perdoassem todos os
pecados, que estão simbolizados no
número setenta e sete.
Orígenes. Como o número seis pare- Com. in
ce indicar o trabalho e a obra [de cria- Matth., 14, 5
ção do mundo], e o número sete, o
repouso [dessa obra], diz que o perdão
deve ser dado aos irmãos que vivem
neste mundo, e pecam segundo a me-
dida das coisas deste mundo. Mas se
alguém cometer pecados além dessa
medida, já não terá mais perdão.
Jerônimo. Ou então se deve entender Com. in
como setenta vezes sete, isto é, quatro- Matth., 3,
centas e noventa vezes. Perdoarás teu 18, 21
irmão tantas vezes quantas puder pecar.
Rabano. De um modo damos o per- In Matth.,
dão ao irmão que o pede, isto é, para 5, 18
que participe na caridade comum,
assim como José perdoou a seus ir-
 52 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
fratribus; aliter inimico persequenti,
ut bonum ei velimus, et si licet, fa-
ciamus, ut David lugens saul.
In Matth., Chrysostomus. Ne aliquis existima-
61, 1 ret magnum quid et grave dominum
iniunxisse, cum dicit dimittendum
usque septuagies septies, adiecit pa-
rabolam.
Com. in Hieronymus. Familiare enim est syris,
Matth., 3, et maxime palaestinis, ad omnem ser-
18, 21
monem suum parabolam iungere: ut
quod per simplex praeceptum ab au-
ditoribus teneri non potest, per simili-
tudinem exemploque teneatur: unde
dicitur ideo assimilatum est regnum
caelorum homini regi, qui voluit ra-
tionem ponere cum servis suis.
Com. in Origenes. filius Dei, sicut est sa-
Matth., 14, 7 pientia, iustitia et veritas, ita ipse est
regnum; non autem alicuius eorum
quae sunt deorsum, sed omnium
quae sunt sursum: in quorum sensi-
bus iustitia et ceterae virtutes regnant;
qui facti sunt caeli per hoc quod por-
tant caelestis imaginem. Hoc ergo
regnum caelorum, idest filius Dei
quando factus est in similitudinem
carnis peccati, tunc similis factus est
homini regi, uniens hominem sibi.
Remigius. Vel regnum caelorum
congrue sancta ecclesia intelligitur,
in qua dominus operatur hoc quod
in ista parabola loquitur. Nomine
mãos; de outro modo perdoamos o
inimigo que nos persegue: desejando-
-lhe o bem, e fazendo-o a ele, se possí-
vel, como Davi, que chorou por Saul.
Crisóstomo. Para que ninguém pen-
sasse que o Senhor mandava algo
grande e pesado, depois de dizer que
deveríamos perdoar até setenta vezes
sete, conta uma parábola.
Jerônimo. É costumeiro entre os sí-
rios, maximamente entre os palesti-
nos, contar uma parábola em todos os
seus discursos, para que aquilo que os
ouvintes não podem reter pelo sim-
ples preceito, possam retê-lo por uma
parábola e exemplo. Diz ele: Por isso o
reino dos céus é comparado a um rei que
quis fazer as contas com os seus servos.
Orígenes. Assim como o Filho de
Deus é sabedoria, justiça e verdade,
assim também é ele mesmo o reino,
não daqueles que habitam nos luga-
res inferiores, mas dos que habitam os
lugares superiores, aqueles em cujos
sentidos reinam a justiça e as demais
virtudes, que se tornaram como que
céus, portanto a imagem do [homem]
celeste. Este é o reino dos céus: o Filho
de Deus, quando assumiu uma carne
semelhante à do pecado (Rm 8,3),
tornando-se então semelhante a um
rei, unindo o homem a si.
Remígio. Ou então se interpreta
de outra maneira o reino dos céus,
como sendo a Igreja, na qual o Se-
nhor realiza as coisas de que fala essa
parábola. O nome “homem [rei]” às
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXIV do Tempo Comum
autem hominis aliquando designa-
tur pater, sicut ibi: simile est reg-
num caelorum homini regi, qui fecit
nuptias filio suo; aliquando vero de-
signatur filius: hic autem utrumque
intelligi potest, et pater et filius qui
sunt unus Deus. Deus autem rex di-
citur, cuncta quae creavit regendo et
gubernando.
Origenes. servi autem hi soli sunt,
quantum ad istas parabolas, qui dis-
pensatores verbi habentur, et quibus
hoc est commissum, ut negotientur.
Remigius. vel per servos huius homi-
nis regis designantur omnes homines,
quos ad laudandum se creavit, qui-
busque legem naturae dedit; cum qui-
bus rationem ponit, quando vitam et
mores et actus singulorum discutit, ut
unicuique secundum quod gessit tri-
buat; unde sequitur et cum coepisset
rationem ponere, oblatus est ei unus
qui debebat decem millia talenta.
Origenes. omnis autem vitae nos-
trae ratio ponenda est a rege, quan-
do omnes nos praesentari oportue-
rit ante tribunal christi. Nec hoc
dicimus ut suspicio sit ne forte res
ipsa necessarium habeat longum
tempus. Volens enim Deus ventilare
omnium mentes, cito omnia ab om-
nibus omni tempore gesta, singulis
quibuscumque faciet in mentem
venire, ineffabili quadam virtute.
dicit autem et cum coepisset ratio-
53
vezes designa o Pai, como nesta pas-
sagem: O reino dos céus é semelhante
a um rei, que preparou o banquete de
bodas para seu filho; e às vezes designa
o Filho. Aqui, podemos entender de
um e de outro, do Pai e do Filho, que
são um só Deus. Deus é chamado rei,
porque rege e governa todas as coisas
que criou.
Orígenes. Nestas parábolas, os ser- Com. in
vos são apenas aqueles que foram Matth., 14, 8
encarregados de dispensar a palavra,
que foram encarregados de negociar.
Remígio. Ou então, os servos do
rei significam todos os homens, que
Deus criou para louvá-lo e aos quais
deu a lei natural, e dos quais exigi-
rá uma prestação de contas, quan-
do examinar a vida, os costumes e
as ações de cada um, para retribuir
a cada um segundo o que realizou.
Por isso prossegue, dizendo: E, ten-
do começado a fazer as contas, foi-lhe
apresentado um que lhe devia dez mil
talentos.
Orígenes. O rei fará as contas de toda Com. in
Matth., 14, 8
nossa vida, quando todos nós tivermos
de nos apresentar diante do tribunal
de Cristo (II Cor 5,10). Ao nos ex-
primirmos assim, ninguém pense que
o julgamento se estenderá por longo
tempo. Deus, ao investigar a mente de
todos, instantaneamente fará com que
apareça na mente de cada um, através
de seu inefável poder, todas as coisas
que todos fizerem em todos os tempos.
Diz ele, porém, tendo começado a fazer
 54 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
nem ponere, quia initium iudicii est
ut incipiat a domo Dei. In princi-
pio ergo ponendae rationis oblatus
est debitor talentorum multorum,
qui scilicet multa fecerat damna, et
magna ei erant iniuncta, et nullum
attulit lucrum: qui forsitan tot talen-
ta perdidit quantos perdidit homi-
nes; et ideo talentorum multorum
est factus debitor, quoniam secutus
est mulierem super talentum plum-
bi sedentem, cuius nomen iniquitas.
Com. in Hieronymus. Scio quosdam istum
Matth., 3, qui debebat decem milia talenta,
18, 24
diabolum interpretari, cuius uxorem
et filios venumdandos, perseverante
illo in malitia, insipientiam et malas
cogitationes intelligi volunt. Sicut
enim uxor iusti dicitur sapientia, sic
uxor iniusti et peccatoris appellatur
stultitia. Sed quomodo ei dimittat
dominus decem milia talenta, et ille
nobis conservis suis decem denarios
non dimiserit, nec ecclesiasticae in-
terpretationis est, nec a prudentibus
viris recipienda.
Serm. 83,5 Augustinus. Ideo dicendum est
quod, quia lex in decem praeceptis
commendatur, ille debebat decem
millia talentorum: per quod omnia
peccata significat, quae secundum
legem fiunt.
Remigius. homo autem sua volun-
tate et sponte peccans, suo conatu
nullo modo surgere valet: et non
as contas, porque o juízo começará na
casa de Deus (I Pe 4,17). Portanto, no
começo da prestação de contas, será
chamado aquele que deve muitos ta-
lentos, isto é, aquele que dissipou seus
bens. Grandes coisas lhe haviam sido
confiadas, e não produziu lucro ne-
nhum. Talvez os talentos que perdeu
representem os homens que perdeu,
tornando-se assim devedor de muitos
talentos. Seguiu a mulher que estava
sentada sobre o talento de chumbo,
cujo nome é impiedade (Zc 5,7-8).
Jerônimo. Sei de alguns que inter-
pretam este que devia dez mil talen-
tos como sendo o diabo, e a esposa
e os filhos que deviam ser vendidos,
enquanto ele permanecia na malícia,
como sendo a estupidez e as más co-
gitações. Com efeito, assim como a
esposa do justo é chamada de sabe-
doria, assim também a do injusto e
pecador é chamada de estultícia. Mas
como o Senhor perdoa [ao diabo] os
dez mil talentos, e não perdoa a nós,
seus companheiros, os dez denários?
A Igreja não interpreta assim esta
passagem, nem os varões sábios acei-
tam [essa interpretação].
Agostinho. Como a lei está encer-
rada em dez mandamentos e o servo
devia dez mil talentos, quis significar
todos os pecados apontados pela lei.
Remígio. O homem, que peca por
sua livre e espontânea vontade, não
é de modo algum capaz de se levan-
tar por suas próprias forças. Não tem
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXIV do Tempo Comum
habet unde reddat, quia nihil in se
invenit per quod se a peccatis sol-
vat: unde sequitur cum autem non
haberet unde redderet, iussit eum
dominus venumdari, et uxorem eius
et filios et omnia quae habebat, et
reddi. Uxor quidem stulti est stulti-
tia, et carnis voluptas seu cupiditas.
Augustinus. Per hoc ergo signifi-
catur, transgressorem decalogi pro
cupiditate et pravis operibus tam-
quam uxore et filiis, poenas solve-
re debuisse; quod est pretium eius:
pretium enim venditi est suppli-
cium damnati.
Chrysostomus in Matth. hoc au-
tem non ex crudelitate iussit, sed ex
ineffabili affectione. Vult enim eum
terrere per has minas, ut supplicet,
et non vendatur; quod et factum
ostenditur, cum subditur procidens
autem servus ille rogabat eum, di-
cens: patientiam habe in me, et om-
nia reddam tibi.
Remigius. his autem verbis humi-
liatio et satisfactio peccatoris de-
monstratur dum dicitur procidens.
in hoc vero quod dicit patientiam
habe in me, vox exprimitur pecca-
toris poscentis tempus vivendi, et
spatium corrigendi. Est autem lar-
ga Dei benignitas et clementia erga
peccatores conservos: quoniam ipse
semper paratus est per baptismum
aut poenitentiam peccata dimittere:
unde sequitur misertus autem do-
55
como pagar, porque não encontra
nada em si mesmo que poderia pa-
gar pelos pecados. Por isso continua,
dizendo: Como não tivesse com que
pagar, mandou o seu senhor que fosse
vendido ele, sua mulher, seus filhos, e
tudo o que tinha, e se saldasse a dívida.
A esposa do estulto é a estultícia, os
desejos e a concupiscência da carne.
Agostinho. Indica por essas palavras De quaest.
que o transgressor do decálogo deve Evang., 1, 25
pagar as penas pela ganância e pelas
obras más, representadas pela mulher
e pelos filhos. Este é o preço: o preço
da venda é o suplício do condenado.
Crisóstomo. Não o ordenou por In Matth.,
crueldade, mas movido por um ine- 61, 1
fável afeto. Aterroriza-o com essas
ameaças, para que suplique e não seja
vendido. O que aconteceu em segui-
da prova o que dizemos: Porém o ser-
vo, lançando-se-lhe aos pés, lhe suplica-
va, dizendo: Tem paciência comigo, eu
te pagarei tudo.
Remígio. Essas palavras indicam a
humilhação e a punição do pecador,
quando se diz que se lhe lançou aos
pés. Ao dizer: Tem paciência comi-
go, exprime-se as palavras do peca-
dor, que pede um tempo de vida e
um período para se corrigir. Ampla
é a benignidade de Deus, e sua cle-
mência para com os pecadores, seus
servos, porque está sempre preparado
para perdoar os pecados através do
batismo ou da penitência. Por isso
continua o relato: O senhor, compa-
 56 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
minus servi illius, dimisit eum, et
debitum dimisit ei.
In Matth., Chrysostomus. vide autem divini
61, 1 amoris superabundantiam: petit ser-
vus solius temporis dilationem; ipse
autem maius eo quod petiit dedit:
dimissionem et concessionem totius
mutui. Volebat autem et a principio
dare; sed nolebat solum suum esse
donum, sed et supplicationis illius,
ut non incoronatus abscedat. Ideo
autem antequam rationem poneret,
debitum non dimisit, quia docere vo-
luit a quantis debitis eum liberat, ut
saltem ita ad conservos mansuetior
fieret. Et quidem usque ad haec quae
praemissa sunt acceptabilis fuit: ete-
nim confessus est, et promisit se red-
dere debitum, et procidens rogavit, et
debiti magnitudinem cognovit. Sed
quae postea fecit indigna fuere prio-
ribus: sequitur enim egressus autem
servus ille invenit unum de conservis
suis qui debebat ei centum denarios.
Serm. 83, 5 Augustinus. quod autem dicitur
quod debebat ei centum dena-
rios, ab eodem numero, scilicet
decem, sumitur, qui est numerus
legis: nam et centum centies fiunt
decem millia, et decies deni sunt
centum; et illa decem millia talen-
torum et illi decies deni a legiti-
mo numero non recedunt: in quo
utroque invenies peccata. uterque
est ergo debitor, uterque veniae
deprecator: omnis enim homo et
decido daquele servo, deixou-o ir livre
e perdoou-lhe a dívida.
Crisóstomo. Vede a superabundân-
cia do amor divino: o servo pede
apenas uma dilatação do tempo, mas
ele lhe dá algo maior do que pediu, o
perdão e a concessão de todo o em-
préstimo. Na verdade, já queria dá-
-lo desde o princípio, mas não queria
que fosse apenas um dom de sua par-
te, mas uma recompensa pela súpli-
ca, para que o servo saísse laureado.
Por isso antes de fazer as contas, não
perdoou a dívida, porque queria que
o servo soubesse quão grande era a
dívida que seria perdoada, para que
se tornasse mais brando com seus
companheiros. Até esse momento,
o servo agiu de modo correto: con-
fessou-se, prometeu saldar a dívida, e
lançando-se-lhe aos pés, lhe suplicou,
reconhecendo o tamanho da dívida.
Mas o que fez depois é indigno do
que fizera antes. Continua o relato:
Mas este servo, tendo saído, encontrou
um dos seus companheiros, que lhe de-
via cem denários.
Agostinho. Diz-se que lhe devia cem
denários por causa do número da lei,
isto é, dez. Com efeito, cem vezes
cem são dez mil, e dez vezes dez são
cem. Assim, os dez mil talentos e
os dez vezes dez [denários] não ex-
cedem o número da lei. Em ambos
encontrarás os pecados. Ambos são
devedores, e ambos pedem perdão;
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXIV do Tempo Comum
debitor est Dei, et debitorem ha-
bet fratrem suum.
Chrysostomus. Tanta autem diffe-
rentia est peccatorum quae com-
mittuntur in hominem et quae
committuntur in Deum, quanta est
differentia decem millium talento-
rum et centum denariorum; magis
autem et multo plus; quod patet ex
differentia personarum, et a paucita-
te peccantium. Homine enim viden-
te, et desistimus, et pigritamur pec-
care; Deo autem vidente secundum
unumquemque diem non absisti-
mus; sed agimus informidabiliter
omnia et loquimur. Non hinc autem
solum graviora apparent peccata in
Deum, sed etiam e beneficio quo
sumus potiti ab ipso: fecit enim nos
esse, et omnia propter nos operatus
est: animam rationalem nobis ins-
piravit, filium suum misit, caelum
nobis aperuit, et nos filios suos fe-
cit. Numquid ergo si unaquaque die
moreremur pro illo retribueremus ei
aliquod dignum? nequaquam; sed
hoc rursus ad utilitatem nostram
pertineret. Nos autem e contrario in
legibus eius offendimus.
Remigius. Sic ergo per debitorem de-
cem millium talentorum designantur
illi qui maiora crimina committunt;
per debitorem autem centum dena-
riorum, qui minora committit.
6 10.000 talentos de prata correspondem a 60.000.000 de denários.
57
todo homem é devedor de Deus e
de seu irmão.
Crisóstomo. A diferença entre os In Matth.,
pecados cometidos contra os ho- 61, 1
mens e os cometidos contra Deus é
tão grande quanto a diferença entre
dez mil talentos e cem denários;6
e é ainda maior, muito maior. Isso
fica evidente pela diferença entre as
pessoas [ofendidas], e pela quanti-
dade de pecados. Quando o homem
nos vê, desistimos de pecar e temos
preguiça de pecar. Mas mesmo que
Deus nos veja, não deixamos de
pecar todos os dias, obramos e fa-
lamos sem a menor vergonha. Não
só por isso os pecados cometidos
contra Deus são mais graves, mas
também por causa do benefício que
recebemos dele: deu-nos o ser, e fez
todas as coisas por nós; soprou em
nós uma alma racional, enviou seu
Filho, abriu-nos o céu, e nos fez
seus filhos. Portanto, mesmo que
morrêssemos por ele, seríamos capa-
zes de lhe retribuir algo equivalente?
De modo algum! Mas também isso
seria para nosso proveito. Contudo,
continuamos nós a ofendê-lo em
suas leis.
Remígio. Assim, o devedor de dez
mil talentos significa os que come-
tem os maiores crimes; o devedor
de cem denários, os que cometem os
menores.
 58 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
Com. in Hieronymus. Quod ut manifestius
Matth., 3, fiat, dicamus sub exemplo: si quis
18, 23
vestrum commiserit adulterium,
homicidium, sacrilegium, maiora
crimina decem millium talentorum
roganti dimittuntur, si et ipse dimit-
tat minora peccantibus.
Serm. 83, 5 Augustinus. sed ille servus ingra-
tus, iniquus, noluit praestare quod
illi indigno praestitum fuit: sequitur
enim et tenens suffocabat eum, di-
cens: redde quod debes.
Remigius. Idest acriter insistebat, ut
vindictam ab eo exigeret.
Com. in Origenes. ideo, ut arbitror, suffo-
Matth., 14, cabat, quoniam a rege exierat: non
13
enim suffocaret conservum suum, si
non exisset a rege.
In Matth., Chrysostomus. Per hoc etiam quod
61, 1 dicitur egressus, ostenditur quod
non post multum tempus, sed con-
festim; adhuc quasi in auribus ha-
bens beneficium, in malitiam abu-
sus est liberatione a proprio domino
sibi data. Quid igitur ille fecerit,
subditur et procidens conservus eius
rogabat eum, dicens: patientiam
habe in me, et omnia reddam tibi.
Com. in Origenes. Considera subtilitatem
Matth., 14,
scripturae: quoniam servus multo-
13
rum debitor talentorum procidens
adoravit regem; qui autem centum
Jerônimo. Para que a coisa fique
mais clara, demos um exemplo: se
algum de vós cometer adultério, ho-
micídio ou sacrilégio, receberá, se o
pedir, o perdão dos maiores crimes,
desde que também perdoe os peca-
dos menores dos outros.
Agostinho. Mas aquele servo ingra-
to, iníquo, não quis conceder a outro
o que lhe fora concedido imereci-
damente. Continua o relato: e, lan-
çando-lhe a mão, o sufocava, dizendo:
Paga o que me deves.
Remígio. Isto é, insistia acremente
para que fosse punido.
Orígenes. Sufocava-o, penso eu,
porque se tinha retirado da presença
do rei. Se não se tivesse retirado de
diante dele, não sufocaria seu com-
panheiro.
Crisóstomo. Quando se diz que o
servo saiu, entenda-se que não foi
depois de muito tempo, mas logo de-
pois; o favor recebido ainda soava em
seus ouvidos, quando abusivamente
utilizou para o mal a liberdade que
lhe fora concedida por seu próprio
senhor. Continua o relato, dizendo
o que fez [o companheiro]: O com-
panheiro, lançando-se-lhe aos pés, lhe
suplicava, dizendo: Tem paciência co-
migo, eu te pagarei.
Orígenes. Considera a sutileza da
Escritura: o servo que devia muitos
talentos se lançou aos pés do rei, e o
adorou; aquele que devia cem dená-
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXIV do Tempo Comum
debebat denarios, procidens non
adorabat, sed rogabat conservum,
dicens patientiam habe.
Chrysostomus. Sed neque haec ver-
ba ingratus servus reveritus est, qui-
bus salvatus est: sequitur enim ille
autem noluit.
Augustinus. Idest, tenuit contra eum
hunc animum, ut supplicium illi vel-
let. sed abiit.
Remigius. Idest, magis ira exarsit,
ut ab eo vindictam exigeret. Et mi-
sit eum in carcerem donec redderet
debitum; idest, apprehenso fratre,
vindictam ab eo exegit.
Chrysostomus. Vide domini cari-
tatem, et servi crudelitatem: hic pro
decem millibus talentis, hic autem
pro centum denariis; hic conservum,
hic autem dominum rogabat; et hic
quidem totalem absolutionem ac-
cepit, ille autem solam dilationem
petebat: nec tamen hoc dedit. Con-
doluerunt qui non debebant: unde
sequitur videntes autem conservi eius
quae fiebant, contristati sunt valde.
Augustinus. Per conservos intelligitur
ecclesia, quae illum solvit, et illum
ligat.
Remigius. Vel conservi forte angeli
sunt intelligendi, aut praedicatores
sanctae ecclesiae; sive quicumque fi-
deles, qui videntes aliquem fratrem
remissionem peccatorum adeptum,
non velle misereri conservi sui, con-
59
rios, lançou-se-lhe aos pés mas não o
adorou, apenas lhe suplicou, dizen-
do: Tem paciência.
Crisóstomo. Mas o servo ingrato In Matth.,
tampouco deu atenção a essas pala- 61, 1
vras, com as quais fora salvo. Conti-
nua o relato: Porém, ele não quis.
Agostinho. Isto é, permaneceu no Serm. 83, 5
propósito de lhe infligir o suplício.
Mas retirou-se.
Remígio. Isto é, ardeu ainda mais
em ira para tomar dele vingança. E
fez que o pusessem na prisão, até pagar
a dívida, isto é, tomou o irmão e exi-
giu que fosse punido.
Crisóstomo. Vede a caridade do se- In Matth.,
nhor, e a crueldade do servo; aque- 61, 1
le rogava por dez mil talentos; este,
por cem denários; este rogava a um
companheiro; aquele, ao senhor.
Aquele recebeu a total absolvição,
este só pedia uma dilatação [do
prazo para pagar]. E não lhe con-
cedeu. Aqueles que nada deviam se
compadeceram: Ora, os outros servos
seus companheiros, vendo isto, ficaram
muito contristados.
Agostinho. Os companheiros signi- Serm. 83, 5
ficam a Igreja, que desliga um, e liga
outro.
Remígio. Ou talvez os companhei-
ros signifiquem os anjos, os prega-
dores da santa Igreja, ou quaisquer
fiéis que ficam contristados porque
vêem algum irmão que não quer se
compadecer de um companheiro,
 60 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
tristantur de eius perditione. sequitur
et venerunt et narraverunt domino
quae facta fuerant. Veniunt qui-
dem non corpore, sed corde. Do-
mino autem narrare, est dolores et
contristationes cordis in suo affectu
demonstrare. sequitur tunc vocavit
eum dominus suus. Vocavit quidem
per sententiam mortis, et ab hoc sa-
eculo migrare iussit; et dixit ei: serve
nequam, omne debitum dimisi tibi,
quoniam rogasti me.
In Matth., Chrysostomus. Et quando quidem
61, 1 decem millia talenta debebat, non
vocavit eum nequam, neque est con-
viciatus, sed misertus; quando au-
tem contra conservum ingratus est
effectus, tunc dicitur serve nequam;
et hoc est quod dicitur nonne ergo
oportuit et te misereri conservi tui?
Remigius. et sciendum, quia servus
ille nullum responsum legitur do-
mino dedisse: in quo demonstratur
quod in die iudicii, et statim post
hanc vitam, omne argumentum ex-
cusationis cessabit.
In Matth., Chrysostomus. Quia vero beneficio
61, 1
non est factus melior, relinquitur
ut poena corrigatur: unde sequitur
et iratus dominus eius tradidit eum
tortoribus, quoadusque redderet
universum debitum. Non autem
simpliciter dixit tradidit eum, sed
iratus: quod non posuit quando ius-
sit eum vendi: non enim hoc erat
irae, sed magis amoris ad correptio-
depois de ter recebido a remissão
dos pecados. Prossegue o relato:
foram e referiram ao senhor tudo o
que tinha acontecido. Foram, não o
corpo, mas com o coração. Contar
algo ao Senhor significa exibir-lhe
no afeto as dores e as tristezas do
coração. Continua o relato: Então
o senhor chamou-o. Chamou-o pela
sentença de morte, ordenando que
partisse deste século. E disse-lhe: Ser-
vo mau, eu perdoei-te a dívida toda,
porque me suplicaste.
Crisóstomo. Quando ainda devia
dez mil talentos, o senhor não o cha-
mou de mau, nem o repreendeu, mas
se compadeceu dele; mas quando,
ingrato, se levantou contra o com-
panheiro, então chamou-o mau. Por
isso diz: não devias tu logo compade-
cer-te também do teu companheiro?
Remígio. Note-se que o servo não
deu nenhuma resposta ao senhor.
Indica-se assim que no dia do juízo,
ou logo depois que este terminar, não
haverá possibilidade de escusa.
Crisóstomo. Como não se tornou
melhor por causa da dádiva, resta que
seja corrigido pela pena. Continua o
relato: E o seu senhor, irado, entregou-
-o aos algozes, até que pagasse toda a
dívida. Não disse simplesmente que
o entregou, mas que o entregou ira-
do. Quando ordenou que fosse ven-
dido, não estava irado, porque não
fez aquilo movido pela ira, mas antes
pelo amor da correção; mas agora se
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXIV do Tempo Comum
nem; nunc autem haec sententia est
supplicii et poenae.
Remigius. Tunc enim dicitur Deus
irasci quando adversus peccatores
vindicat. Tortores autem dicuntur
daemones quia semper ad hoc parati
sunt ut perditas animas suscipiant,
et in poena aeternae damnationis
eas torqueant. Numquid autem
postquam aliquis demersus fuerit
in aeternam damnationem, pote-
rit invenire spatium corrigendi aut
aditum exeundi? non; sed quousque
ponitur pro infinito; et est sensus:
semper solvet, sed nunquam persol-
vet, et semper poenam luet.
Chrysostomus. Per hoc ergo osten-
ditur quod continue, idest aeternali-
ter, punietur, neque reddet aliquan-
do. quamvis autem irrevocabilia sint
charismata et Dei vocationes, tamen
tantum valuit malitia ut et hanc le-
gem solvere videatur.
Augustinus. dicit enim Deus: di-
mittite, et dimittetur vobis; sed ego
prior dimisi; dimitte vel postea: nam
si non dimiseris, revocabo te, et qui-
cquid tibi dimiseram, replicabo tibi:
non enim fallit aut fallitur Christus,
qui subiecit, dicens sic et pater meus
caelestis faciet vobis, si non remise-
ritis unusquisque fratri suo de cordi-
bus vestris. Melius est enim ut clames
ore, et dimittas in corde, quam sis
blandus ore et crudelis in corde. Ideo
enim dominus subdit de cordibus
61
trata de uma condenação ao suplício
e à pena.
Remígio. Diz-se que Deus fica ira-
do quando toma vingança contra os
pecadores. Os demônios são chama-
dos aqui de algozes, porque sempre
estão de prontidão para acolher as
almas perdidas e atormentá-las com
a pena da danação eterna. Porventu-
ra poderá alguém encontrar tempo
para se corrigir e um meio de esca-
par, quando for submerso na dana-
ção eterna? Não! O até é empregado
aqui para significar “para sempre”.
O sentido é: sempre pagará, mas
nunca saldará; para sempre sofrerá
a pena.
Crisóstomo. Mostra-se assim que In Matth.,
continuamente, isto é, eternamente, 61, 1
será punido, e nunca poderá pagar.
Embora as graças e o chamado de
Deus sejam irrevocáveis, contudo, a
malícia é tão grande que parece que-
brar essa lei.
Agostinho. Deus diz: “perdoai, e ser- Serm. 83, 6
-vos-á perdoado; mas eu perdoei pri-
meiro; perdoa também tu, pois se não
perdoares, chamar-te-ei, e tudo o que
te tiver perdoado exigirei de ti”. Cris-
to não mente, nem se engana, quando
diz: Assim também vos fará meu Pai ce-
lestial, se não perdoardes do íntimo dos
vossos corações cada um a seu irmão. É
melhor bradar em palavras e perdoar
no coração, do que ser brando nas pa-
lavras e cruel no coração. Por isso o Se-
nhor diz do íntimo dos vossos corações. Se
 62 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
vestris, ut si per caritatem imponitis
disciplinam, de corde lenitas non re-
cedat. Quid enim tam pium, quam
medicus ferens ferramentum? saevit
in vulnus, ut homo curetur: quia si
vulnus palpatur, homo perditur.
Com. in Hieronymus. Ideo et dominus addi-
Matth., 3, dit de cordibus vestris, ut omnem
18, 23
simulationem fictae pacis averteret.
Praecipit ergo dominus petro, sub
comparatione regis, domini et servi
qui debitor decem millium talento-
rum a domino rogans veniam impe-
traverat, ut ipse quoque dimittat et
conservis suis minora peccantibus.
Com. in Origenes. Vult etiam docere faciles
Matth., 14, 6 nos esse ad indulgendum eis qui no-
cuerunt nobis; maxime si satisfaciant,
et deprecentur sibi veniam dari.
In Matth., Rabanus. allegorice autem servus hic
5, 18
qui decem millia talentorum debuit,
iudaicus est populus decalogo legis
astrictus: cui dominus saepius dimisit
debita, quando in angustiis constituti
illius misericordiam deprecabantur;
sed liberati omnes debitores atroci-
ter repetebant, et a gentili populo,
quasi sibi obnoxio, circumcisionem
et caeremonias legis expetebant; sed
et prophetas et apostolos crudeliter
trucidabant. unde tradidit eos do-
minus in manus romanorum, vel
malignorum spirituum, quia aeter-
nis cruciatibus eos punirent.
a caridade nos move a impor uma dis-
ciplina, não se afaste do coração a bran-
dura. Existe alguém mais afetuoso do
que o médico que usa o instrumento
cirúrgico? Ele é violento com a ferida,
para que o homem seja curado; se aca-
riciasse a ferida, o homem se perderia.
Jerônimo. O Senhor disse do íntimo
dos vossos corações para afastar qual-
quer simulação de paz. Portanto,
através da parábola do rei e do servo
que devia dez mil talentos e que re-
cebeu o perdão do senhor, Jesus or-
denou a Pedro que perdoasse a seus
companheiros pecadores os pecados
menores.
Orígenes. Ensina-nos que devemos
facilmente perdoar os que nos pre-
judicaram, sobretudo se fazem uma
reparação e nos pedem perdão.
Rabano. Em sentido alegórico, o ser-
vo que devia dez mil talentos signifi-
ca o povo judaico, que estava obri-
gado ao decálogo da lei. O Senhor
muitas vezes perdoou seus pecados,
quando angustiados rogavam por
misericórdia. Mas uma vez libertos,
cobravam de maneira atroz a todos
os devedores, e exigiam dos gentios,
como se fossem súditos, a circunci-
são e as cerimônias da lei. Mataram
também os profetas e os apóstolos de
maneira cruel. Por isso o Senhor os
entregou na mão dos romanos, ou
dos espíritos malignos, para puni-los
com tormentos eternos.
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXIV do Tempo Comum 63

Comentário suplementar
IIª Leitura: Romanos 14,7-9

7Com efeito, nenhum de nós vive para si mesmo e nenhum de nós

morre para si mesmo. 8De fato, se vivemos, vivemos para o Senhor; se
morremos, morremos para o Senhor. Logo, ou nós vivamos ou morra-
mos, somos do Senhor. 9Precisamente, por isto, é que Cristo morreu e
ressuscitou: para ser Senhor dos mortos e dos vivos.

S. Ambrosius, Commentaria in S. Ambrósio, Comentários à

Epistolam ad Romanos
(Vers. 7.) Nemo enim nostrum sibi
vivit, et nemo sibi moritur. Sibi vi-
veret aliquis, si non ageret sub Lege:
at qui freno Legis gubernatur, non
sibi utique vivit, sed Deo qui Legem
dedit, ut secundum voluntatem ejus
vivat. Et qui moritur, simili modo
Deo moritur, quo judice aut coro-
nabitur aut condemnabitur.
(Vers. 8.) Sive enim vivimus, Domi-
no vivimus; sive morimur, Domino
morimur. Idem est sensus. Sive ergo
vivimus, sive morimur, Domini su-
mus. Verum est omnes nos Domini
esse quasi servos in conditione et
Redemptoris dominio, et unum-
quemque pro merito suo tractari.
Epístola a Romanos
[v. 7] Com efeito, nenhum de nós vive
para si mesmo e nenhum de nós mor-
re para si mesmo. Vive para si mesmo
aquele que não age segundo a lei,
mas quem é governado pelas réde-
as da lei, não vive para si, mas para
Deus, que deu a lei, vivendo segundo
sua vontade. De modo similar, quem
morre, morre para Deus, que, como
juiz, o coroará ou condenará.
[v. 8] De fato, se vivemos, vivemos para
o Senhor; se morremos, morremos para
o Senhor. O sentido é o mesmo. Logo,
ou nós vivamos ou morramos, somos do
Senhor. Em verdade, somos todos do
Senhor, como servos que trabalham
na obra e nos domínios do Redentor,
que nos tratará a cada um segundo
nossos méritos.
64 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
(Vers. 9.) In hoc enim Christus
mortuus est, et resurrexit; ut et mor-
tuorum et vivorum dominetur. Per
Christum Dominum facta est cre-
atura, quae per peccatum alienata
est ab auctore, facta captiva: quam
Deus Pater, ne opus ejus periret,
misso Filio suo de coelis ad terras,
docuit quid faciendo manus pirata-
rum effugeret. Propter quod et occidi
se passus est ab inimicis; ut descen-
dens ad inferos, quia innocens erat
occisus, reum faceret peccatum; ut
quos tenebat apud inferos, amitteret.
Quoniam ergo vivis ostendit viam
salutis, ac se obtulit pro eis, mortuos
vero liberavit de inferno, tam vivo-
rum quam mortuorum dominatur;
ex perditis enim iterum reformavit
sibi illos in servos.
[v. 9] Precisamente, por isto, é que
Cristo morreu e ressuscitou: para ser
Senhor dos mortos e dos vivos. Cristo
Senhor fez a criatura, que, por causa
do pecado, se separou de seu cria-
dor, tornando-se cativa. Mas Deus
Pai, para que sua obra não perecesse,
tendo enviado do céu à terra seu Fi-
lho, ensinou à criatura como escapar
da mão dos seqüestradores. Por isso
aceitou ser morto pelos inimigos,
para que, como fora morto inocen-
te, descesse aos infernos e colocasse
o pecado no banco dos réus, e para
que libertasse os que estavam presos
ao inferno. Portanto, como mostrou
o caminho da salvação aos vivos, e se
entregou por eles, e também liber-
tou os mortos do inferno, tornou-
-se senhor tanto dos vivos como dos
mortos; os que estavam perdidos, fez
deles seus servos.
 Domingo XXV
do Tempo Comum
Evangelho: Mateus 20,1-16

1O reino dos céus é semelhante a um pai de família que, ao romper

da manhã, saiu para contratar operários para sua vinha. 2E, tendo
ajustado com os operários um denário por dia, mandou-os para a sua
vinha. 3Tendo saído cerca da terceira hora, viu outros, que estavam
na praça ociosos, 4e disse-lhes: Ide vós também, para a minha vinha
e dar-vos-ei o que for justo. 5Eles foram. Saiu outra vez cerca da hora
sexta e da nona e fez o mesmo. 6Cerca da undécima, saiu, e encon-
trou outros que estavam (ociosos) e disse-lhes: Por que estais aqui todo
o dia ociosos? 7Eles responderam: Porque ninguém nos assalariou. Ele
disse-lhes: Ide vós também para a minha vinha. 8No fim da tarde o
senhor da vinha disse ao seu mordomo: Chama os operários e paga-
-lhes o salário, começando pelos últimos até aos primeiros. 9Tendo
chegado os que tinham ido à hora undécima, recebeu cada um seu
denário.7 10Chegando também os primeiros, julgavam que haviam
de receber mais; porém, também eles receberam um denário cada um.
11Mas ao receberem, murmuravam contra o pai de família, 12dizen-
do: Estes últimos, trabalharam uma hora, e os igualaste conosco, que
suportamos o peso do dia e do calor. 13Porém ele, respondendo a um
deles, disse: Amigo, eu não te faço injustiça; não ajustaste tu comigo
um denário? 14Toma o que é teu e vai-te; que eu quero dar também
a este último tanto como a ti. 15Ou não me é lícito fazer dos meus
bens o que quero? Porventura o teu olho é mau, porque eu sou bom?

7 Matos Soares: dinheiro.

 68 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
16Assim os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos,
porque são muitos os chamados e poucos os escolhidos.
Remigius. Quia dixerat dominus:
multi erunt primi novissimi, et no-
vissimi primi, ut hanc sententiam
confirmaret, subiunxit similitudi-
nem, dicens simile est regnum cae-
lorum homini patrifamilias.
[Pseudo-Chr.] Chrysostomus. homo paterfamilias
In Matth., Christus est, cui caeli et terra quasi
34, 1
una est domus; familia autem cae-
lestium et terrestrium et inferiorum
creaturarum. Vinea autem eius iusti-
tia est, in qua diversae species iusti-
tiarum positae sunt quasi vites: puta
mansuetudo, castitas, patientia, cete-
raeque virtutes; quae omnes generali-
ter iustitia appellantur. Homines au-
tem vineae cultores ponuntur; unde
dicitur qui exiit primo mane con-
ducere operarios in vineam suam.
Deus enim iustitiam suam dedit in
sensibus nostris, non propter suam
utilitatem, sed propter nostram.
Scitote ergo quia mercenarii sumus
conducti. Sicut ergo nemo ideo con-
ducit mercenarium ut hoc solum fa-
ciat quod manducat, sic et nos non
ideo vocati sumus a Christo ut haec
solum operemur quae ad nostrum
pertinent usum, sed ad gloriam Dei;
et sicut mercenarius prius aspicit
opus suum, deinde quotidianum
Remígio. Como o Senhor dissera que
os primeiros seriam os últimos, e os úl-
timos seriam os primeiros (Mt 19,30),
para confirmar essa doutrina, conta
uma parábola, dizendo: O reino dos
céus é semelhante a um pai de família.
Crisóstomos. O pai de família é Cris-
to, para quem os céus e a terra são
como uma casa; a família é composta
das criaturas celestes, terrestres e in-
fernais. A vinha é sua justiça, na qual
estão postas, como videiras, as diver-
sas espécies de justiça: a mansidão,
a castidade, a paciência e as demais
virtudes, que são chamadas justiça,
de maneira genérica. Os homens são
os vinicultores; diz, portanto, que,
ao romper da manhã, saiu para con-
tratar operários para sua vinha. Com
efeito, Deus concedeu sua justiça a
nossos sentidos, não para sua utili-
dade, mas para a nossa. Sabei, por-
tanto, que somos contratados como
mercenários. Assim como ninguém
contrata um mercenário para que
produza somente o suficiente para
se alimentar, assim também nós não
somos chamados por Cristo somen-
te para realizar o que nos é útil, mas
para buscarmos a glória de Deus; e
assim como o mercenário presta pri-
meiro atenção ao trabalho que deve
fazer, depois pensa no alimento quo-
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXV do Tempo Comum
cibum, sic et nos primum debemus
aspicere quae ad gloriam Dei perti-
nent, deinde quae ad nostram uti-
litatem; et sicut mercenarius totam
diem circa domini opus impendit,
unam autem horam circa suum ci-
bum, sic et nos omne tempus vitae
nostrae debemus impendere circa
gloriam Dei, modicam autem par-
tem circa usus nostros terrenos. Et si-
cut mercenarius ea die qua opus non
fecerit, erubescit intrare in domum et
petere panem, quomodo tu non con-
funderis intrare in ecclesiam et stare
ante conspectum Dei, quando nihil
bonum in conspectu Dei gessisti?
Gregorius. vel paterfamilias, idest
conditor noster, habet vineam, uni-
versam scilicet ecclesiam, quae ab abel
iusto usque ad ultimum electum qui
in fine mundi nasciturus est, quot
sanctos protulit, quasi tot palmites
misit. Ad erudiendam autem dominus
plebem suam, quasi ad excolendam
vineam suam, nullo tempore destitit
operarios mittere: quia et prius per pa-
tres, et postmodum per legis doctores,
deinde per prophetas, ad extremum
vero per apostolos, quasi per operarios
in vineae cultum laboravit; quamvis
in quolibet modulo vel mensura quis-
quis cum fide recta bonae actionis ex-
titit, huius vineae operarius fuit.
Origenes. Totum autem hoc sae-
culum praesens, unum diem dicere
possumus; magnum quidem quan-
69
tidiano, assim também nós primeiro
devemos buscar a glória de Deus, e
depois o que nos é útil; e assim como
o mercenário passa o dia todo ocu-
pado com o trabalho do senhor, e
uma hora comendo, assim também
nós devemos passar todo o tempo
de nossa vida buscando a glória de
Deus, e gastar só uma pequena par-
te dela buscando nossos interesses.
E assim como o mercenário, no dia
em que não realizou o trabalho, tem
vergonha de entrar na casa e pedir
o pão, como não terás tu vergonha
de entrar na Igreja e ficar diante de
Deus, quando não fizeste nada de
bom diante de Deus?
Gregório. Ou o pai de família, isto In Evang.,
1, 19
é, nosso Criador, tem uma vinha, a
Igreja universal, que produziu tantas
videiras quantos foram os santos, des-
de Abel, o justo, até o último eleito
que há de nascer no fim do mundo. O
senhor, para instruir o seu povo, como
que cultivando a vinha, em nenhum
momento deixará de enviar operários.
Cultivou a vinha através dos operários,
primeiro pelos patriarcas, depois pelos
doutores da lei, depois pelos profetas
e, por fim, pelos apóstolos. Contudo,
qualquer um que, de qualquer modo
ou em qualquer medida, tem uma fé
reta e boas ações pode ser considerado
um operário.
Orígenes. Todo o século presente, Com. in
podemos dizer que é um só dia; é Matth., 15,
um período grande para nós, mas em 31
 70 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
tum ad nos, modicum autem quan-
tum ad Dei vitam.
In Evang., Gregorius. Mane autem mundi fuit
1, 19 aetas ab adam usque ad noe; et ideo
dicitur qui exiit primo mane condu-
cere operarios in vineam suam. Et
modum conductionis subiungit di-
cens conventione autem facta cum
operariis ex denario diurno.
Com. in Origenes. salutis autem arbitror no-
Matth., 15,
men esse denarium.
34
Remigius. Denarius enim dicitur
[Rabano] qui antiquitus pro decem nummis
In Matth.,
6, 20 imputabatur, et figuram regis habet.
Recte ergo per denarium designatur
observari decalogi praemium. Pul-
chre ergo dicit conventione facta ex
denario diurno, quia unusquisque
in agro sanctae ecclesiae pro spe fu-
turae remunerationis laborat.
In Evang., Gregorius. Tertia vero hora a noe
1, 19
fuit usque ad abraham; de qua di-
citur et egressus circa horam tertiam
vidit alios in foro stantes otiosos.
Com. in Origenes. forum autem est quic-
Matth., 15,
quid est extra vineam, idest extra
37
ecclesiam christi.
[Pseudo-Chr.] Chrysostomus. in hoc enim mun-
In Matth., do vendendo et emendo vivunt ho-
34, 1
mines, et invicem sibi fraudem fa-
cientes, vitam suam sustentant.
In Evang., Gregorius. Qui autem sibi vivit, qui
1, 19
carnis suae voluptatibus pascitur,
recte otiosus arguitur, quia fructum
divini operis non sectatur.
comparação com a vida de Deus, é
pequeno.
Gregório. A manhã do mundo foi
a era de Adão até Noé; por isso diz
que, ao romper da manhã, saiu para
contratar operários para sua vinha.
Explica-nos como foi a contratação:
ajustou com os operários um denário
por dia.
Orígenes. Penso que o denário signi-
fique a salvação.
Remígio. Chama-se denário uma
moeda que antigamente valia dez as-
ses, e que portava a efígie do rei. Com
razão, portanto, o denário significa o
prêmio pela observância da lei. De
modo elegante diz que ajustou um
denário por dia, porque todos traba-
lham no campo da santa Igreja espe-
rando a remuneração futura.
Gregório. A terceira hora foi de Noé
até Abraão; dela se diz que tendo sa-
ído cerca da terceira hora, viu outros,
que estavam na praça ociosos.
Orígenes. A praça é tudo o que está
fora da vinha, isto é, fora da Igreja
de Cristo.
Crisóstomo. Neste mundo, os ho-
mens vivem de vender e comprar, e
defraudando-se uns aos outros, ga-
nham o sustento.
Gregório. Aquele que vive para si,
que se entretém com os desejos da
carne, é corretamente acusado de ser
ocioso, porque não busca os frutos
do trabalho divino.
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXV do Tempo Comum
Chrysostomus. Vel otiosi sunt pec-
catores, illi enim mortui dicuntur.
Otiosus autem est qui opus Dei non
operatur. Vis ergo non esse otiosus?
non aliena tollas, et de tuis des; et
operatus es in vinea domini, mi-
sericordiae vitem colens. sequitur
et dixit illis: ite et vos in vineam
meam. Nota, quod solis primis
convenit specialiter dare denarium;
alios autem sub incerto pacto con-
duxit, dicens quod iustum fuerit
dabo vobis. sciens enim dominus
quia praevaricaturus fuerat adam,
et omnes postmodum in diluvio
erant perituri, certum fecit pactum
ad eum, ne quando dicat, ideo se
neglexisse iustitiam, quia nescie-
bat quae praemia fuerat receptu-
rus. Istis autem non fecit pactum,
quia tantum paratus est retribuere
quantum mercenarii recipere non
sperabant.
Origenes. vel operarios tertiae ho-
rae non invitavit ad totum opus;
quidquid autem poterant operari,
suo arbitrio servavit. Poterant enim
aequale opus facere in vinea eis qui
ex mane sunt operati, quicumque in
tempore brevi volebant operantem
virtutem ad opus extendere, quae
ante non fuerat operata.
Gregorius. sexta quoque hora est ab
abraham usque ad moysen; nona est
a moyse usque ad adventum domi-
ni: unde sequitur iterum autem exiit
71
Crisóstomo. Ou então: Os ociosos [Pseudo-Chr.]
não são os pecadores, porque estão In Matth.,
34, 1
mortos. Ocioso é aquele que não faz a
obra de Deus. Não queres ser ocioso?
Não furte o alheio, e dá do que é
teu; assim terás trabalhado na vinha
do senhor, e cultivado a videira da
misericórdia. Ele disse-lhes: Ide vós
também para a minha vinha. Nota
que só aos primeiros concordou que
daria um denário; os outros, contra-
tou-os sem fazer uma promessa pre-
cisa, dizendo que lhes daria o que
é justo. Com efeito, sabendo o Se-
nhor que Adão pecaria, e todos pe-
receriam posteriormente no dilúvio,
fez com ele um pacto explícito, para
que não dissesse que tinha negligen-
ciado a justiça porque desconhecia
os prêmios que havia de receber.
Com os últimos, porém, não fez um
contrato, porque estava disposto a
pagar um valor que os mercenários
não esperavam receber.
Orígenes. Ou então: não convidou Com. in
Matth., 15,
os operários da terceira hora para re-
34
alizar o trabalho todo, mas deixou ao
arbítrio de cada um realizar o trabalho
que podiam. Com efeito, poderiam
realizar na vinha um trabalho igual ao
daqueles que trabalhavam desde a ma-
nhã, se aplicassem uma energia maior,
durante um tempo menor, ao traba-
lho que não haviam realizado.
Gregório. A sexta hora é de Abraão In Evang.,
até Moisés; a nona, de Moisés até o 1, 19
advento do Senhor. Saiu outra vez
 72 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
circa sextam et nonam horam, et fe-
cit similiter.
[Pseudo-Chr.] Chrysostomus. Ideo autem coniun-
In Matth.,
xit sextam et nonam, quia in sexta et
34, 1
nona generationem vocavit iudaeo-
rum, et frequentavit cum hominibus
disponere testamenta, quasi definito
salutis omnium tempore iam appro-
pinquante.
In Evang., Gregorius. undecima vero hora est
1, 19 ab adventu domini usque ad finem
mundi. operator ergo mane, hora
tertia, sexta et nona, antiquus ille et
hebraicus populus designatur, qui in
electis suis ab ipso mundi exordio,
dum recta fide Deum studuit colere,
quasi non destitit in vineae cultura la-
borare. Ad undecimam vero gentiles
vocantur: unde sequitur circa undeci-
mam vero exiit, et invenit alios stan-
tes, et dixit illis: quid hic statis tota die
otiosi? qui enim transacto tam longo
mundi tempore pro vita sua laborare
neglexerant, quasi tota die otiosi sta-
bant. sed pensate quid inquisiti res-
pondeant: sequitur enim dicunt ei:
quia nemo nos conduxit. Nullus qui-
ppe ad eos patriarcha, nullus prophe-
ta ad eos venerat. Et quid est dicere
nemo nos conduxit, nisi vitae nobis
nemo viam praedicavit?
[Pseudo-Chr.] Chrysostomus. Quae est enim con-
In Matth.,
ductio nostra, et conductionis mer-
34, 1
ces? promissio vitae aeternae: gentes
enim solae neque Deum sciebant
neque Dei promissa.
cerca da hora sexta e da nona e fez o
mesmo.
Crisóstomo. Juntou as horas sexta
e nona, porque na sexta e na nona
convocou o povo dos judeus, e fez
várias promessas aos homens, pois já
se aproximava o tempo definido para
a salvação de todos.
Gregório. A undécima hora vai do ad-
vento do Senhor até o fim do mundo.
Portanto, os trabalhadores da manhã,
da terceira hora, da sexta e da nona,
significam aquele antigo povo hebreu,
que, através de seus eleitos, nunca dei-
xou de cultivar a vinha, desde o come-
ço do mundo até quando adoraram a
Deus com uma fé reta. Na undécima,
os gentios são chamados. Cerca da
undécima, saiu, e encontrou outros que
estavam (ociosos) e disse-lhes: Por que
estais aqui todo o dia ociosos? Tendo-
-se passado um tão longo período de
tempo do mundo, estes que negligen-
ciaram trabalhar por sua vida tinham
como que passado o dia inteiro ocio-
sos. Mas notai o que respondem quan-
do interrogados: Eles responderam: Por-
que ninguém nos assalariou. Nenhum
patriarca, nenhum profeta tinha ido
até eles. E o que significa ninguém nos
assalariou senão que “ninguém nos
anunciou o caminho da vida”?
Crisóstomo. Qual é nosso contrato,
e a recompensa contratual? A pro-
messa da vida eterna: os gentios não
conheciam nem a Deus nem as pro-
messas de Deus.
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXV do Tempo Comum
Hilarius in Matth. hi igitur mittun-
tur ad vineam: unde sequitur dixit
eis: ite et vos in vineam meam.
Rabanus. Postquam autem operis
diurni ratio reddita est, ad remune-
rationis tempus opportunum, dicit
cum autem sero factum esset; hoc
est, cum dies totius mundi ad vespe-
ram consummationis inclinata esset.
Chrysostomus. considera, quia sero,
non alio mane mercedem reddit; ergo
adhuc stante saeculo isto iudicium
est futurum, et unicuique merces sua
reddenda; et hoc propter duas ra-
tiones. Prima est quia ipsa beatitu-
do futura est merces iustitiae; ideo
non in illo saeculo fit iudicium, sed
ante illud. deinde ante adventum
diei illius praemittitur iudicium, ne
videant peccatores diei illius bea-
titudinem. sequitur dicit dominus
procuratori suo; idest: filius spiritui
sancto.
Glossa. Vel si volueris, dicit pater fi-
lio; qui scilicet pater operatur per fi-
lium, et filius per spiritum sanctum,
non propter aliquam differentiam
substantiae aut dignitatis.
Origenes. Vel dicit dominus pro-
curatori suo, idest alicui angelorum
qui super mercedes retribuendas est
positus, sive alicui ex multis procu-
ratoribus, secundum quod scriptum
est in epist. ad galatas, sub curato-
ribus et tutoribus esse heredem in
tempore quo parvulus est.
73
Hilário.Por fim, estes também são Com. in
Matth., 2,
enviados à vinha: Ele disse-lhes: Ide
20, 7
vós também para a minha vinha.
Rabano. Depois de prestarem contas In Matth.,
do trabalho realizado durante o dia, 6, 20
chega a hora do pagamento, no fim
da tarde, isto é, quando os dias do
mundo se aproximam da véspera da
consumação.
Crisóstomo. Nota que fez o paga- [Pseudo-Chr.]
mento ao fim da tarde, e não pela ma- In Matth.,
34, 1
nhã; portanto, enquanto este século
perdurar, o juízo é ainda futuro, quan-
do se dará a cada um a recompensa. E
isso por duas razões: A primeira, por-
que a própria beatitude futura é a re-
compensa pela justiça; portanto, não
é naquele século [vindouro] que se
fará o juízo, mas antes dele. A segun-
da razão, por que o juízo é realizado
antes da vinda daquele dia, é porque
os pecadores não podem ver a beati-
tude daquele dia. Continua o relato:
o senhor disse ao seu mordomo, isto é, o
Filho [disse] ao Espírito Santo.
Glosa. Ou se quiseres, o Pai disse ao
Filho, porque o Pai opera pelo Filho,
e o Filho pelo Espírito Santo, sem
que haja qualquer diferença de subs-
tância ou dignidade.
Orígenes. Ou então disse o senhor ao Com. in
seu mordomo, isto é, a algum dos anjos Matth., 15,
que foi encarregado de dar as recom- 35
pensas, ou a algum dos muitos mordo-
mos, de que fala a Epístola aos Gálatas:
enquanto o herdeiro é menino está debai-
xo dos tutores e curadores (Gal 4,1-2).
 74 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
Remigius. Vel dominus iesus Chris-
tus ipse est paterfamilias et vineae
procurator, sicut et ipse est et ostium
et ostiarius. Ipse enim est venturus
ad iudicium, ut unicuique reddat
secundum quod gessit. Vocat ergo
operarios et reddit illis mercedem,
quando omnes congregabuntur in
iudicio, ut unusquisque accipiat se-
cundum opera sua.
Com. in Origenes. primi autem operarii tes-
Matth., 15, timonium habentes per fidem, non
35
acceperunt Dei promissionem, pro
nobis aliquid melius prospiciente
patrefamilias, ut non sine nobis per-
ficiantur. Et quia misericordiam con-
secuti sumus, primi mercedem spera-
mus accipere, qui sumus christi; post
nos autem qui ante nos operati sunt:
et ideo dicitur voca operarios, et red-
de illis mercedem suam, incipiens a
novissimis usque ad primos.
[Pseudo-Chr.] Chrysostomus. Semper enim liben-
In Matth.,
tius aliquid damus illis quibus gratis
34, 1
donamus, quia pro solo nostro ho-
nore donamus. Ergo omnibus sanc-
tis Deus reddens mercedem, iustus
ostenditur; gentibus autem dans,
misericors, dicente apostolo: gentes
autem super misericordiam honora-
re Deum. Et ideo dicitur incipiens
a novissimis usque ad primos. Aut
certe ut ostendat Deus inaestimabi-
lem misericordiam suam, primum
novissimis et indignioribus reddit
mercedem, postea primis: nimia
Remígio. Ou então o Senhor Jesus
Cristo é ele mesmo o pai de família
e o mordomo da vinha, assim como
é, ao mesmo tempo, a porta e o por-
teiro (Jo 10,1-3). Virá para julgar, e
dar a cada um segundo suas obras.
Chamará, portanto, os operários e
lhes pagará, quando todos forem reu-
nidos para o juízo, e cada um receber
segundo suas obras.
Orígenes. Os primeiros operários,
que possuíam o testemunho da fé,
não receberam o prometido por
Deus, pois o pai de família preparou
algo melhor para nós, que havia de
realizar sem nós. E como alcançamos
misericórdia, esperamos receber pri-
meiro a recompensa, nós que somos
de Cristo; depois de nós, [receberão]
os que trabalharam antes de nós. Por
isso diz [o senhor da vinha]: Chama
os operários e paga-lhes o salário, come-
çando pelos últimos até aos primeiros.
Crisóstomo. O dom gratuito é
sempre mais espontâneo, porque o
fazemos só por nossa honra. Portan-
to, quando Deus dá a recompensa a
todos os santos, mostra-se justo; mas
quando, misericordioso, dá aos gen-
tios, diz o Apóstolo: Os gentios glo-
rificam a Deus pela misericórdia (Rm
15,9). Por isso se diz que começa
pelos últimos até aos primeiros. Cer-
tamente Deus faz assim para exibir
sua inestimável misericórdia, recom-
pensando primeiro os últimos e mais
necessitados, e depois os primeiros. A
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXV do Tempo Comum
enim misericordia ordinem non as-
pexit.
Augustinus. Vel ideo velut priores
reperiuntur minores, quia minores
ditati [dilati] sunt. sequitur cum ve-
nissent autem qui circa undecimam
horam venerant, etc.
Gregorius in Evang. Eumdem de-
narium accipiunt qui laboraverunt
ad undecimam quem expectaverunt
toto desiderio et qui laboraverunt ad
primam: quia aequalem vitae aeter-
nae retributionem sortiti sunt cum
his qui ab initio mundi vocati fue-
rant, hi qui in fine mundi ad Deum
venerunt.
Chrysostomus super Matth. Non
autem iniuste: nam et qui in prima
parte saeculi natus est, non amplius
vixit quam statutum tempus vitae
suae; et quid illi nocuit, si post illius
exitum mundus stetit? et qui circa
finem nascuntur, non minus vivent
quam dies qui numerati sunt eis; et
quid illis prodest ad compendium
laboris, si cito mundus finitur, cum
pensum vitae suae compleant ante
mundum? deinde non est in homi-
ne quando nascatur prius aut pos-
tea; sed potestatis divinae. Nec ille
quidem sibi priorem debet locum
defendere qui prius natus est, nec
ille contemptibilior debet esse qui
postea. sequitur et accipientes mur-
75
abundante misericórdia não respeita
uma ordem.
Agostinho. Ou então os primeiros De Spir. et
são considerados menores, porque Lit., 24, 41
tiveram de esperar. Continua o rela-
to: Tendo chegado os que tinham ido à
hora undécima, etc.
Gregório. Os que trabalharam a par- In Evang.,
tir da undécima hora receberam o 1, 19
mesmo denário que os que trabalha-
ram desde a primeira hora tão arden-
temente desejavam receber, porque
os que buscarem a Deus no fim do
mundo receberão uma recompensa
igual – a vida eterna – à que recebe-
rão os que foram chamados desde o
princípio do mundo.
Crisóstomo. E isso não é injusto. [Pseudo-Chr.]
Com efeito, aquele que nasceu na In Matth.,
34, 1
primeira parte do século, não viveu
mais do que o tempo determinado
para sua vida. E em que lhe preju-
dicou o fato de o mundo continuar
depois dele? Aqueles que nascem no
fim, não viverão mais dias além da-
queles que lhe foram determinados.
E em que o fim imediato do mundo
poderia lhes ajudar em seu trabalho,
uma vez que têm de cumprir os deve-
res de sua vida antes do fim do mun-
do? Ademais, não está no poder do
homem decidir se nasce antes ou de-
pois, mas isso cabe ao poder divino.
Nem pode pretender uma posição
melhor aquele que nasceu antes, nem
deve ser desprezado aquele que nas-
ceu depois. Continua o relato: Mas
 76 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
murabant adversus patremfamilias,
dicentes. Si autem verum est quod
diximus, quia primi et posteriores
tempus suum vixerunt, et non am-
plius neque minus, et unicuique
mors sua est consummatio ipsius:
quid est quod dicunt portavimus
pondus diei et aestus? quia scilicet
magna est nobis virtus ad facien-
dam iustitiam, cognoscere prope
esse finem mundi. Unde et Christus
nos armans, dicebat: appropinqua-
bit regnum caelorum. Illis autem
infirmatio erat scire mundi spatia
esse longinqua. quamvis ergo non
per omne saeculum vixerint, tamen
totius saeculi gravamina pertulis-
se videntur. Aut pondus totius diei
dicit onerosa legis mandata; aestum
autem urentem erroris tentationem
quam conflabant spiritus maligni in
eos, ad aemulationem gentium eos
irritantes: a quibus omnibus gentiles
liberi extiterunt, Christo credentes,
et per compendium gratiae ad ple-
num salvati.
In Evang., Gregorius. vel pondus diei et aestus
1, 19
ferre, est per longioris vitae tempora
carnis suae calore fatigari. Sed potest
quaeri: quomodo murmurare dicti
sunt, qui ad regnum vocantur cae-
lorum? etenim regnum nullus qui
murmurat accipit, nullus qui acci-
pit, murmurare potest.
In Matth., Chrysostomus. Non autem oportet
64, 3
ea quae in parabolis sunt, secundum
ao receberem, murmuravam contra o
pai de família. Se é verdade o que dis-
semos, que os primeiros e os últimos
viveram o seu tempo [determinado],
nem mais nem menos, e se a morte é
uma consumação para cada um, por
que então dizem que suportaram o
peso do dia e do calor? Porque saber
que o fim do mundo está próximo
é um grande estímulo à justiça. Por
isso Cristo nos prepara, dizendo: Está
próximo o reino dos céus (Mt 4,17).
Para aqueles, saber que o fim do
mundo estava longe, era um convite
à pusilanimidade. Portanto, embora
não tenham vivido ao longo de todo o
século, parece que carregaram o peso
do século inteiro. Ou então o peso do
dia significa os mandamentos pesados
da lei; e o calor, a tentação ardente do
erro que os espíritos malignos ascen-
diam neles, para que imitassem os
gentios que os provocavam. De todas
essas coisas os gentios ficaram livres,
por crerem em Cristo. E pelo auxílio
da graça, foram plenamente salvos.
Gregório. Ou então portar o peso
do dia e do calor é se fatigar, durante
uma longa vida, do calor de sua car-
ne. Mas se pode perguntar: por que
se diz que murmuraram aqueles que
foram chamados ao reino dos céus?
Com efeito, ninguém que murmura
alcança o reino, e ninguém que o al-
cança, pode murmurar.
Crisóstomo. Não convém atribuir
um significado a tudo que se diz nas
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXV do Tempo Comum
totum quod dicitur, investigare; sed
intentionem, propter quam com-
posita est, intelligere, et nihil ultra
scrutari. Non ergo inducit hoc ut
ostendat aliquos esse invidia mor-
sos, sed ut ostendat hos tanto po-
titos esse honore quod et invidiam
aliis poterant generare.
Gregorius. Vel quia antiqui patres
usque ad adventum domini, quan-
tumlibet iuste vixerint, ducti ad reg-
num non sunt, eorum hoc ipsum
murmurasse est. Nos autem qui ad
undecimam venimus, post laborem
non murmuramus: quia post me-
diatoris adventum in hoc mundo
venientes, ad regnum ducimur mox
ut de corpore eximus.
Hieronymus. vel omnis retro voca-
tio gentilibus invidet, et in evangelii
torquetur gratia.
Hilarius. Et secundum insolentiam
populi iam sub moyse contumacis
hoc murmur operantium est. sequi-
tur at ille respondens uni eorum,
dixit: amice, non facio tibi iniuriam.
Remigius. Per hunc unum possunt
intelligi omnes qui ex iudaeis credi-
derunt; quos amicos propter fidem
nominat.
Chrysostomus. non autem dole-
bant quasi defraudati de merce-
de sua; sed quia illi amplius quam
merebantur, acceperant. Sic enim
dolent invidi quando alteri aliquid
77
parábolas, mas devemos entender a
intenção por que foram compostas,
e não escrutar nada além disso. Por-
tanto, não diz isso para indicar que
alguns estariam mordidos de inveja,
mas para mostrar que os [últimos]
receberam uma honra tal, que pode-
riam causar inveja nos outros.
Gregório. Ou então murmurar sig- In Evang.,
nifica que os antigos patriarcas, até 1, 19
o advento do Senhor, qualquer que
tenha sido o período de tempo que
viveram, não foram introduzidos no
reino. Mas nós, que começamos na
undécima hora, não murmuramos
depois do trabalho, porque, tendo
vivido depois do advento do Senhor,
somos introduzidos no reino tão logo
deixemos o corpo.
Jerônimo. Ou então todos os que fo- Com. in
ram chamados antes têm inveja dos Matth., 3,
20, 1
gentios e se afligem por causa da gra-
ça do Evangelho.
Hilário. Este murmúrio dos trabalha- Com. in
dores é a insolência daquele povo que Matth., 2,
20, 7
já era obstinado no tempo de Moisés.
Porém ele, respondendo a um deles, dis-
se: Amigo, eu não te faço injustiça.
Remígio. Este um pode significar to-
dos os que creram dentre os judeus;
chama-os amigos por causa da fé.
Crisóstomo. Não se doíam porque [Pseudo-Chr.]
tinham sido defraudados do paga- In Matth.,
mento, mas porque os outros rece- 34, 1
beram mais do que mereciam. Assim
também os invejosos ficam ressenti-
 78 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
additur, quasi eis subtrahatur. Ex
quo patet quod ex vana gloria nasci-
tur invidia. Ideo enim dolet esse se-
cundus, quia desiderat esse prior; et
ideo invidiae motum removet, dicens
nonne ex denario convenisti mecum?
Com. in Hieronymus. Denarius figuram regis
Matth., 3, habet. recepisti ergo mercedem quam
20, 13
tibi promiseram, hoc est imaginem et
similitudinem meam: quid quaeris
amplius? et non tam ipse plus accipe-
re quam alium nihil accipere deside-
ras? tolle quod tuum est, et vade.
Remigius. idest: recipe mercedem
tuam, et vade in gloriam. Volo au-
tem et huic novissimo, idest gentili
populo, dare secundum meritum,
sicut et tibi.
Com. in Origenes. forsitan autem adae di-
Matth., 15, cit amice, non facio tibi iniuriam.
37
Nonne ex denario convenisti me-
cum? tolle quod tuum est, et vade.
Tuum est salus, quod est denarius.
Volo autem et huic novissimo dare
sicut et tibi. Non incredibiliter po-
test quis arbitrari, hunc novissimum
esse apostolum paulum, qui una
hora operatus est, et similiter omnes
qui ante eum fuerunt.
De Sanct. Augustinus. quia vero ipsa vita ae-
Virg., 26
terna pariter erit omnibus sanctis
aequalis, denarius omnibus est attri-
butus, qui est omnium merces; quia
vero in ipsa vita aeterna distincte ful-
gebunt lumina meritorum, multae
mansiones sunt apud patrem; ac in
dos quando outra pessoa recebe algo,
como se algo lhe fosse subtraído. Por
isso fica claro que a vanglória nasce
da inveja. Ressente-se de ser o se-
gundo, porque quer ser o primeiro;
assim, para remover o impulso da
inveja, diz: não ajustaste tu comigo
um denário?
Jerônimo. O denário porta a efígie
do rei. Portanto, recebeste a recom-
pensa que te prometera, isto é, minha
imagem e semelhança. O que mais
desejas? Desejas não tanto receber
mais, mas que o outro não receba?
Toma o que é teu e vai-te.
Remígio. Isto é, toma tua recompen-
sa, e entra na glória. Quero também
a este último, isto é, ao povo gentio,
dar segundo seus méritos, como tam-
bém dei a ti.
Orígenes. Talvez seja a Adão que dis-
sera: Amigo, eu não te faço injustiça;
não ajustaste tu comigo um denário?
Toma o que é teu e vai-te. Tua é a sal-
vação, isto é, teu é o denário. Mas
quero também dar a este último o
mesmo que dei a ti. É perfeitamente
crível que este último seja o apóstolo
Paulo, que trabalhou por uma hora,
assim como todos os outros que o
precederam.
Agostinho. Como a vida eterna será
igual para todos, dá-se a todos um
denário, que é a recompensa de to-
dos; mas como na vida eterna a luz
dos méritos brilhará distintamente,
existem muitas mansões junto ao Pai;
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXV do Tempo Comum
denario quidem [non] impari non
vivet alius alio prolixius: in multis
autem mansionibus honoratur alius
alio clarius.
Gregorius. et quia ipsa regni percep-
tio, eius est bonitas voluntatis, recte
subiungitur aut non licet mihi quod
volo facere? stulta enim est quaestio
hominis contra bonitatem Dei mur-
murare. Conquerendum quippe es-
set, non si dat quod non debet, sed si
non daret quod deberet; unde aperte
subditur an oculus tuus nequam est,
quia ego bonus sum?
Remigius. Per oculum enim vult in-
tentionem intelligi. Iudaei namque
nequam habuerunt oculum, id est
intentionem malam, quia de salute
gentium dolebant. ad quid autem sen-
sus huius parabolae tendat, manifestat
cum subditur sic erunt primi novissi-
mi, et novissimi primi: eo scilicet quod
iudaei de capite vertantur in caudam,
et nos de cauda mutamur in caput.
Chrysostomus. Aut ideo primos di-
cit novissimos, et novissimos primos,
non ut novissimi digniores sint quam
primi, sed ut coaequentur, et nulla sit
inter eos differentia temporis causa.
Quod autem dicit multi sunt vocati,
pauci vero electi, non ad superiores
sanctos pertinet, sed ad gentes: quo-
niam ex ipsis gentibus, qui multi vo-
cati sunt, pauci sunt eligendi.
Gregorius. ad fidem enim plures ve-
niunt, et ad caeleste regnum pauci
79
por causa do denário igual, nenhum
viverá mais que o outro; por causa
das muitas mansões, um será mais
honrado que o outro.
Gregório. E como a conquista do In Evang.,
reino é um efeito de sua boa vonta- 1, 19
de, com razão diz: Ou não me é lícito
fazer dos meus bens o que quero? Mur-
murar contra a bondade de Deus é
uma inquirição estúpida por parte
do homem. Deveria queixar-se, não
se desse o que não deve, mas se não
desse o que deve; por isso continua,
dizendo: Porventura o teu olho é mau,
porque eu sou bom?
Remígio. Designa pelo olho a in-
tenção. Com efeito, os judeus ti-
nham um olho mau, isto é, uma má
intenção, porque se doíam da salva-
ção dos gentios. Por fim, mostra o
porquê de ter contado essa parábo-
la, dizendo: Assim os últimos serão os
primeiros, e os primeiros serão os últi-
mos, porque os judeus, que tinham
a primeira posição, ficariam na últi-
ma, e nós, que estávamos na última,
ficaríamos na primeira.
Crisóstomo. Ou então: quando diz [Pseudo-Chr.]
que os primeiros serão os últimos, e In Matth.,
os últimos serão os primeiros, não
34, 1
quer dizer que os últimos sejam
mais dignos do que os primeiros,
mas que ambos são iguais, não ha-
vendo entre eles nenhuma diferença
por causa do tempo.
Gregório. Muitos vêm à fé, mas In Evang.,
poucos chegam ao reino dos céus; a 1, 19
 80 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
perducuntur: plerique enim Deum
vocibus sequuntur, moribus fu-
giunt. Ex hoc ergo duo pensare de-
bemus. Primum est ut de se quisque
minime praesumat, quia etsi iam ad
fidem vocatus est, utrum ad regnum
eligendus sit, nescit. Secundum vero
est ut unusquisque proximum suum
quem iacere in vitiis conspicit, des-
perare non audeat: quia divinae mi-
sericordiae divitias ignorat.
In Evang., Gregorius. vel aliter. Mane nos-
1, 19
trum pueritia est; hora tertia, ado-
lescentia intelligi potest, quia quasi
iam sol in altum proficit dum calor
aetatis crescit; sexta autem, iuven-
tus est, quia velut in centro sol fi-
gitur, dum in ea plenitudo roboris
solidatur; nona autem, senectus
intelligitur, in qua velut sol ab alto
axe descendit, quia aetas a calore
iuventutis deficit; undecima vero
est ea aetas quae decrepita vel vete-
rana vocatur.
[Pseudo-Chr.] Chrysostomus. quod autem non
In Matth.,
omnes simul conduxit, sed alios
34, 1
mane, alios hora tertia, et sic de aliis,
ex differentia mentis eorum proces-
sit. tunc enim eos vocavit quando
erant obedituri; nam et latronem
vocavit quando obediturus erat. Si
autem dicant: quia nemo nos con-
duxit, sicut dictum est, non oportet
omnia scrutari quae in parabolis
8 A primeira hora corresponde às 6 horas; a terceira, às 9 horas; a sexta, às 12 horas; a nona, às 15
horas; a undécima, às 17 horas.
maioria busca a Deus em palavras,
mas fogem dele por suas ações. Por
isso, devemos considerar duas coisas.
Primeiro, que ninguém faça de si um
juízo antecipado, pois mesmo que já
tenha sido chamado à fé, não sabe se
está entre os eleitos do reino. Segun-
do, que ninguém desespere do próxi-
mo que vê estar submerso em vícios,
pois ignora as riquezas da misericór-
dia divina.
Gregório. Ou então, a manhã é nossa
infância; a terceira hora, pode signifi-
car a adolescência, pois nela aumenta
o calor da idade, assim como o sol
que se levanta; a sexta, é a juventu-
de, porque nela a plenitude da força
é consolidada, assim como o sol que
se fixa no meio do céu; a nona sig-
nifica a velhice, porque nela o calor
da juventude diminui, assim como o
sol que desce do ponto mais alto; a
undécima é a idade que chamamos
decrépita ou senil.8
Crisóstomo. Não levou todos ao
mesmo tempo, mas alguns de ma-
nhã, outros à terceira hora, e assim
por diante, por causa da diferença
[da qualidade] de suas mentes. Cha-
mou-os quando já estavam dispostos
a obedecer; até mesmo o ladrão, cha-
mou-o quando estava pronto para
obedecer (Lc 23,40-43). Mas disse-
ram: Porque ninguém nos assalariou;
porém, não convém examinar tudo
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXV do Tempo Comum
sunt. Item hoc non dicit dominus,
sed operarii: quod ipse enim om-
nes, quantum ad se pertinet, a pri-
ma aetate vocet, significatur cum
dicitur: exiit primo mane operarios
conducere.
Gregorius. qui ergo usque ad ulti-
mam aetatem Deo vivere neglexe-
runt, usque ad horam undecimam
otiosi steterunt; et tamen tales pa-
terfamilias vocat, et plerumque
ante remunerantur: quia prius ad
regnum de corpore exeunt, quam
hi qui modo in pueritia vocati esse
videbantur.
Origenes. Non autem dicitur: quid
hic statis tota die otiosi? his qui spi-
ritu incipientes, carne consumuntur,
si postea regredi volunt ut iterum
spiritu vivant: quod non dicimus dis-
suadentes ne ad domum paternam
revertantur lascivi filii, qui viven-
do luxuriose evangelicae doctrinae
substantiam consumpserunt; sed
quoniam non similes sunt eis qui
peccaverunt in iuventute sua, dum
non adhuc didicissent quae fidei
erant.
Chrysostomus. Quod autem dicit:
erunt primi novissimi, et novissimi
primi, eos occulte insinuat qui a
principio claruerunt, et postea vir-
tutem contempserunt; et rursus eos
qui a malitia reducti sunt, et mul-
tos superexcesserunt. composita est
ergo haec parabola, ut eos avidiores
81
o que se diz nas parábolas. Ademais,
não foi o senhor quem o disse mas os
operários, pois ele, tanto quanto po-
dia, chamou a todos desde a primeira
idade. Isso é indicado pelas palavras:
Ao romper da manhã, saiu para con-
tratar operários.
Gregório. Aqueles que deixaram de vi- In Evang.,
ver para Deus até a última idade, fica- 1, 19
ram ociosos até a undécima hora, e ain-
da assim o pai de família os chama, e
muitas vezes os paga primeiro, porque
partem do corpo ao reino antes daque-
les que foram chamados na infância.
Orígenes. A pergunta: Por que estais Com. in
aqui todo o dia ociosos? não se dirige Matth., 15,
37
aos que começaram pelo espírito e
acabaram pela carne (Gl 3,3), caso
queiram voltar atrás e viver nova-
mente segundo o espírito. Não di-
zemos isso para dissuadir os filhos
lascivos de que voltem para a casa pa-
terna, estes que, vivendo em luxúria,
consumiram as riquezas da doutrina
evangélica. Mas [o dizemos] porque
estes não são iguais aos que pecaram
durante a juventude, antes de terem
aprendido a doutrina da fé.
Crisóstomo. Quando diz: os últimos [Pseudo-Chr.]
serão os primeiros, e os primeiros serão In Matth.,
os últimos, indica-lhes, de maneira ve- 34, 1
lada, aqueles que brilharam no prin-
cípio, mas que depois desprezaram a
virtude, e também aqueles que foram
salvos da maldade, e ultrapassaram
muitos [em virtude]. Assim, contou
essa parábola para que os que se con-
82 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres

faceret qui in ultima senectute con- verteram na última velhice fossem

vertuntur, ne aestimarent se minus mais ávidos, e não pensassem que
aliquid habituros. receberiam uma recompensa menor.

Comentário suplementar
IIª Leitura: Filipenses 1,20c-24;27a

20Também agora está Cristo glorificado no meu corpo, quer pela vida,
quer pela morte. 21Com efeito, para mim o viver é Cristo, e morrer é
um lucro. 22Mas, se o viver na carne é para mim fruto do trabalho,9
não sei o que escolher. 23Estou em aperto por duas partes: tenho o desejo
de ser desatado e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor,
24e o de permanecer na carne, necessário por amor de vós.

27Cumpre somente que vos porteis de um modo digno do Evangelho

de Cristo.

S. Thomas, Super Epistolam B. S. Tomás de Aquino, Comentário à

Pauli ad Philipenses lectura
Et ideo ait [nunca magnificabitur
Christus]in corpore meo. In corpore
nostro Christus dupliciter magnifica-
tur. Uno modo in quantum corpus
nostrum deputamus ad obsequium
eius, ministeria eius corporaliter exe-
quendo. I Cor. VI, v. 20: glorificate,
et portate Deum in corpore vestro. Alio
modo corpus nostrum exponendo
pro Christo. I Cor. XIII, 3: si tradide-
ro corpus meum, ita ut ardeam, et ce-
tera. Sed primus modus fit per vitam;
Epístola aos Filipenses
Diz [o Apóstolo]: está Cristo glori-
ficado no meu corpo. Cristo é glo-
rificado em nosso corpo de dois
modos. Primeiro, enquanto colo-
camos nosso corpo a seu serviço,
ministrando-lhe corporalmente. I
Cor 6,20: Glorificai, e trazei a Deus
no vosso corpo. Segundo, por expor-
mos nosso corpo por Cristo. I Cor
13,3: Se entregasse o meu corpo para
ser queimado, etc. Ora, o primei-
ro modo é pela vida, o segundo é

9 Matos Soares: Se o viver na carne me é útil por causa do trabalho.

 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXV do Tempo Comum
secundus vero per mortem. Ideo dicit
sive per vitam, quia vivendo operatur,
sive per mortem. Rom. XIV, v. 8: sive
vivimus, sive morimur, domini su-
mus, et cetera. Quod etiam intelligi
potest de morte spirituali. Col. III,
5: mortificate membra vestra quae
sunt super terram, et cetera. Deinde
exponit quomodo mortificabitur
per vitam et per mortem, dicens
mihi enim vivere, et cetera. Vita
enim importat motionem qua-
mdam. Illa enim vivere dicuntur,
quae ex se moventur. Et inde est
quod illud videtur esse radicaliter
vita hominis, quod est principium
motus in eo. Hoc autem est illud,
cui affectus unitur sicut fini, quia
ex hoc movetur homo ad omnia.
Unde aliqui dicunt illud, ex quo
moventur ad operandum, vitam
suam, ut venatores venationem, et
amici amicum. Sic ergo Christus est
vita nostra, quoniam totum princi-
pium vitae nostrae et operationis
est Christus. Et ideo dicit apostolus
mihi enim vivere, etc., quia solus
Christus movebat eum. Et mori lu-
crum, hic apostolus proprie loqui-
tur. Quilibet enim sibi ad lucrum
reputat, quando vitam quam habet
imperfectam potest perficere. Sic
infirmus ad lucrum reputat sanam
vitam. Vita nostra Christus est. Col.
c. III, 3: vita vestra abscondita est cum
Christo in Deo. Sed hic est imperfec-
ta. II Cor. c. V, 6: quamdiu sumus
83
pela morte. Por isso diz quer pela
vida, porque trabalha enquanto
vive, quer pela morte. Rm 14,8: Ou
nós vivamos ou morramos, somos do
Senhor. Isso também pode ser en-
tendido da morte espiritual. Col
3,5:Mortificai os vossos membros ter-
renos. Em seguida mostra como se
mortifica pela vida e pela morte, di-
zendo: para mim o viver [é Cristo].
A vida implica um certo movimen-
to. Dizemos viventes àquelas coisas
que se movem por si. Assim, a vida
do homem parece ser aquilo que é
fundamentalmente o princípio de
seus movimentos. Esse princípio
é aquilo a que se une sua afeição
como a seu fim, porque é isso que
move o homem a fazer todas as coi-
sas. Por isso alguns chamam de “sua
vida” aquilo que os move a operar.
Por exemplo, [a vida] dos caçadores
é a caça; do amigo, o amigo. Por-
tanto, Cristo é nossa vida, porque
Cristo é o único princípio de nossa
vida e operação. Por isso diz o Após-
tolo: para mim o viver [é Cristo], por-
que só Cristo o movia. E morrer é um
lucro. Aqui o Apóstolo fala em senti-
do próprio. Todos consideram como
lucro a possibilidade de melhorar a
vida, quando ela padece alguma im-
perfeição. Assim, o doente considera
a saúde um lucro. Ora, nossa vida
é Cristo. Col. 3,3: A vossa vida está
escondida com Cristo em Deus. Mas
aqui [na terra] é ainda imperfeita. I
Cor 5,6: Enquanto estamos no corpo,
84 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
in corpore, peregrinamur a domino.
Et ideo quando morimur corpore,
perficitur nobis vita nostra, scilicet
Christus, cui tunc praesentes sumus.
Ps. CXXVI, v. 2: cum dederit dilectis
suis somnum, et cetera. II Tim. IV, 6:
ego enim iam delibor, et tempus meae
resolutionis instat, et cetera.
Deinde cum dicit quod si vivere, etc.,
ponit dubitationem quamdam circa
ea quae dicta sunt. Et circa hoc duo
facit. Primo ponit dubitationem; se-
cundo solvit eam, ibi et hoc confidens,
et cetera. Item prima in duas: quia
primo ponit dubitationem; secundo
proponit rationes ad utramque par-
tem, ibi coarctor autem, et cetera.
Dicit ergo: si vivere in carne hic mihi
est fructus, etc.; verum est quod in
corpore meo, dum vivo, magnifica-
tur Christus. Ergo vivere meum in
carne, id est vita mea in carne, est
huiusmodi fructus. Unde praedicat
effectum de causa, id est si vita affert
mihi hunc fructum, ut Christus
magnificetur, vita in carne est bona
et fructuosa. Rom. VI, 22: habe-
tis fructum vestrum in sanctificatio-
nem, et cetera. Si ergo ita est, ignoro
quid eligam, utrum mori, vel vivere.
Rom. c. VIII, 26: nam quid oremus
sicut oportet nescimus, et cetera. Sap.
IX, 14: cogitationes enim mortalium
sunt timidae, et incertae providentiae
nostrae. Sed quare dubitas? Quia co-
arctor, et cetera.
estamos longe do Senhor. Portanto,
quando morremos no corpo, nossa
vida, que é Cristo, é levada à perfei-
ção, porque ficamos junto com ele.
Sal 126,2: É Deus que dá o sono aos
seus amados, etc. II Ti 4,6: Quanto a
mim, estou já para ser oferecido em li-
bação, e o tempo da minha dissolução
avizinha-se.
Em seguida, quando diz: Mas, se o vi-
ver, etc., levanta uma dúvida acerca das
coisas ditas. Quanto a isso, faz duas
coisas. Primeiro, põe a dúvida; segun-
do, responde a ela [v. 25]: E persuadido
disto, etc. Divide a primeira parte em
duas: primeiro, põe a dúvida; segundo,
expõe as razões da cada uma das partes
[v. 24]: Estou em aperto , etc.
Portanto, diz: Mas, se o viver na carne
é para mim fruto [do trabalho]. Em
verdade, no meu corpo, enquanto
vivo, Cristo é glorificado. Portanto,
o meu viver na carne, isto é, minha
vida na carne, é um fruto. Assim,
atribui o efeito à causa, isto é, “se a
vida me produz este fruto: a glorifica-
ção de Cristo, então a vida na carne
me é boa e frutuosa”. Rm 6,22: Ten-
des por vosso fruto a santificação, etc.
Mas se as coisas são assim, então não
sei o que escolher, se morrer ou viver.
Rm 8,26: Não sabemos o que havemos
de pedir, como convém, etc. Sb 9,14:
Porque os pensamentos dos mortais são
tímidos, e incertas as nossas providên-
cias. Mas por que duvidas? Porque
estou em aperto [por duas partes].
 Catena Aurea · Ano A (setembro) · Domingo XXV do Tempo Comum
Primo ponit rationem ad partem
unam; secundo ad aliam. In homi-
ne enim duplex est motus, naturae
scilicet et gratiae. Naturae ad non
moriendum. II Cor. V, 4: nolumus
expoliari, sed supervestiri, et cetera.
Io. ult.: et alius ducet te quo tu non
vis, et cetera. Et gratiae, quam sug-
geret charitas, quae movet ad dilec-
tionem Dei et proximi. Hic affectus
ad dilectionem Dei movet, ut simus
cum Christo. Et ideo dicit deside-
rium habens dissolvi, non simplici-
ter, sed esse cum Christo. II Cor. V,
8: audemus autem, et bonam volunta-
tem habemus magis peregrinari a cor-
pore, et praesentes esse ad dominum,
et cetera. In quo notatur falsitas
opinionis Graecorum, quod animae
sanctorum post mortem non statim
sunt cum Christo. Et hoc ideo opto,
quia est multo melius esse cum Chris-
to. Ps. LXXII, 25: quid enim mihi est
in caelo, et cetera. Defecit caro mea,
et cor meum, scilicet ad habendum
bonum. Ps. LXXXIII, 11: melior est
dies una in atriis tuis super millia, et
cetera. Dilectio autem proximi mo-
vet ad profectum proximi, et ideo
dicit permanere autem, etc., id est
necessaria est vita mea propter uti-
litatem vestram. II Cor. V, 13: sive
mente excedimus, Deo, sive sobrii su-
mus, vobis, et cetera.
Vel aliter coarctor, etc., id est ex du-
plici parte insurgit desiderium dis-
85
Primeiro, põe as razões a favor de uma
parte; segundo, a favor da outra. Com
efeito, no homem há um duplo movi-
mento, o da natureza e o da graça. [O
movimento] da natureza faz-nos não
querer morrer. II Cor 5,4: Não quere-
mos ser despojados, mas sim revestidos,
etc. Jo 21,18: Outro te levará para onde
tu não queres. Já a graça, instigada pela
caridade, nos move ao amor de Deus
e do próximo. Essa afeição nos move
a amar a Deus e a querer estar com
Cristo. Por isso diz: tenho o desejo de
ser desatado, não só isso, mas também
de estar com Cristo. II Cor 5,8: Cheios
de confiança, temos mais vontade de nos
ausentarmos do corpo e estar presentes ao
Senhor, etc. Nota-se aqui a falsidade da
opinião dos gregos, que dizem que a
alma dos santos, depois da morte, não
está com Cristo. Desejo isso, porque
estar com Cristo é incomparavelmente
melhor. Sal 72,25-26: Pois o que há
para mim no céu, [e, fora de ti, que
desejei eu na terra]? Desfaleceram-me a
carne e o coração, na busca do bem. Sal
83,11: Porque é melhor um só dia em
teus átrios, que mil [alhures], etc. Mas o
amor do próximo nos move a buscar
a perfeição do próximo, e por isso diz:
permanecer [na carne é necessário], isto
é, minha vida é necessária para vosso
proveito. II Cor 5,13: Se somos arre-
batados como fora de nós, é por Deus; se
somos comedidos, é por vós, etc.
Ou então estou em aperto, porque em
todo caso quero ser desatado, etc.,
86 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
solvi, etc., melius, et cetera. Senten-
tia non mutatur.
Sed hoc non videtur dubitabile,
quinimo videtur etiam apostolus in
priorem partem declinare. Primum
enim desiderium excitat in nobis
dilectio Dei, secundum dilectio pro-
ximi: maius autem et melius est de-
siderium primum, igitur, et cetera.
Respondeo. Dicendum est quod
duplex est dilectio Dei, scilicet
dilectio concupiscentiae, qua vult
frui Deo et delectari in ipso, et hoc
est bonum hominis. Item est dilec-
tio amicitiae, qua homo praeponit
honorem Dei etiam huic delecta-
tioni, qua fruitur Deo, et haec est
perfecta charitas. Unde Rom. VIII,
38: neque mors, neque vita, neque
Angeli, et cetera. Et subdit IX cap.,
3: optabam ego anathema fieri pro
fratribus meis, et cetera. Et hoc di-
xit, ut ostendat se esse perfectioris
charitatis, quasi sit paratus prop-
ter amorem Dei et gloriam carere
delectatione visionis Dei; et ideo
hoc elegit, et bene, tamquam magis
perfectum.
porque é melhor, etc. Essa exposição
não muda o sentido.
Mas [se pode objetar]: Não parece que
estivesse em dúvida; com efeito, pare-
ce que o Apóstolo se inclinava à pri-
meira parte, pois nosso desejo é mo-
vido, em primeiro lugar, pelo amor
de Deus, e só em segundo lugar, pelo
amor do próximo. Ora, o primeiro
desejo é maior e melhor, logo, etc.
Respondo: Há um duplo amor de
Deus: o amor de concupiscência,
pelo qual queremos fruir de Deus e
nos deleitar nele, e este é o bem do
homem; e o amor de amizade, pelo
qual o homem antepõe a honra de
Deus ao deleite que experimentamos
ao fruirmos de Deus, e esta é a ca-
ridade perfeita. Por isso diz em Rm
8,38: nem a morte, nem a vida, nem
os anjos (…) [nos poderá separar do
amor de Deus]; e acrescenta (9,3): Eu
mesmo desejava ser separado de Cristo,
por amor de meus irmãos, etc. Disse-o
para mostrar a perfeição da carida-
de, como se estivesse preparado para
perder, por amor de Deus e por sua
glória, o deleite da visão de Deus; por
isso fez essa escolha, e muito bem,
porque era [a escolha] mais perfeita.
 Referências citadas

Anselmo de Laon, Enarrationes in De Consensu Evangelistarum (PL 34,

Matthaeum (PL 162, 1227-1499). 1041-1229).
Orígenes, Commentaria in Evangelium De Sancta Virginitate (PL 40, 395-429).
secundum Matthaeum (PG 13, 829-
De Spiritu et Littera (PL 44, 199-247).
1801).
Epistolarum Classis III (PL 33, 471-1025).
Papa S. Gregório Magno
Quaestiones Evangeliorum (PL 35, 1321-
xlHomiliarum in Evangelia (PL 76,
1365).
1077-1312).
Sermonum Classes Quatuor (PL 38).
Homiliae xl in Ezechielem (PL 76, 781-
1072). S. Hilário de Poitiers, Commentarius in
Evangelium Matthaei (PL 9, 917-1078).
Moralia (PL 75-76).
S. Jerônimo, Commentaria in Evange-
Pseudo-Crisóstomo, In Matthaeum
lium S. Matthaei (PL 26, 15-219).
Homiliae (PG 56, 611-946).
S. João Crisóstomo, Homiliae xc in
Rabano Mauro, Commentariorum in
Matthaeum (PG 57).
Matthaeum libri octo ad Haistulphum
(PL 107, 727-1156). * As demais citações não têm suas
referências estabelecidas nas edições
Remígio, Homiliae (PL 131, 845-932).
anteriores da Catena Aurea.
S. Agostinho
De Civitate Dei (PL 41, 13-805).
 Esta obra foi composta em Adobe Garamond Pro e
impressa pela Gráfica Pallotti em offset sobre papel Pólen
Soft 80g para a Editora Concreta em agosto de 2017.