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INTERPRETAÇÃO ECLESIOLÓGICA DO

REMANESCENTE DE ISRAEL

A Eclesiologia, ou a doutrina da Igreja, é considerada a "pedra de


toque" ou o teste decisivo do dispensacionalismo.1 C. C. Ryrie
argumenta que a Igreja é distinta e separada de Israel em dois aspectos:
(1) na Igreja, os gentios são colocados em pé de igualdade com os
judeus; (2) Cristo habita dentro da Igreja, Seu corpo espiritual.
A Igreja deve ter sido desconhecida nos tempos do Velho
Testamento, ele infere, porque é chamada de um "mistério" pelo apóstolo
Paulo (Efésios 3:4-6; Colossenses 1:25-27). Além do mais, Paulo chama
a Igreja de Cristo explicitamente de um "novo homem" (Efésios 2:15),
uma criação que foi resultado da morte de Cristo. A Igreja foi construída
sobre a ressurreição e ascensão de Cristo (Efésios 1:20-23; 4:7-13) e
tornou-se operante apenas no dia de Pentecostes (Atos 2). A Igreja, ele
assegura, não é um sujeito da profecia veterotestamentária e por isso, "a
Igreja não está cumprindo as promessas de Israel". Conseqüentemente,
"o próprio Israel deve cumpri-las no futuro".2 A Igreja será arrebatada do
mundo antes que Deus lide novamente com Israel. Ryrie conclui, "A
essência do dispensacionalismo, então, é a distinção entre Israel e a
Igreja".3 Ele apela para 1 Coríntios 10:32 a fim de confirmar a sua tese
de que o "Israel natural e a Igreja também são contrastados no Novo
Testamento".4
Contudo, a pergunta não é: O Novo Testamento contrasta a Igreja
com o "Israel natural"? Mas, pelo contrário: A Igreja é chamada o "Israel
de Deus" no Novo Testamento e é aí apresentada como o novo Israel, a
única herdeira de todas as bênçãos prometidas do concerto divino para o
presente e o futuro? Outras indagações que deveriam ser feitas são,
Quando exatamente começou a Igreja, de acordo com Cristo, e de que
forma Ele e os escritores do Novo Testamento aplicaram o antigo
concerto com Abraão, Israel e Davi?
Interpretação Eclesiológica do Remanescente de Israel 2
Cristo Reunindo o Remanescente de Israel: O Início da Igreja

A Igreja cristã não foi criada pela pregação de Paulo entre os


gentios, mas por Cristo pessoalmente dentro do judaísmo palestino. Em
Seu batismo no rio Jordão, Ele foi "revelado a Israel" como o Messias da
profecia (de Isaías 42:53). Deus O ungiu com o Espírito Santo (Atos 10:38)
e testificou do céu que Jesus era o Filho de Deus, o Servo escolhido do
Senhor, o qual cumpriria o papel profético messiânico de levar os pecados
do mundo como o Cordeiro de Deus (João 1:29-34, 41; Mateus 3:16, 17) .
Sua vinda a Israel foi o teste mais elevado para a nação judaica
quanto ao seu relacionamento para com o concerto divino. Como o
Messias, Ele seria a "pedra de tropeço", "pedra" que faz Israel tropeçar
(Romanos 9:32, 33; 1 Pedro 2:8). Simeão havia predito:
Eis que este menino está destinado tanto para ruína como para
levantamento de muitos em Israel e para ser alvo de contradição (também
uma espada traspassará a tua própria alma), para que se manifestem os
pensamentos de muitos corações. (Lucas 2:34, 35).
A relação de Israel com Jeová deveria ser decisivamente
determinada perante Deus pelo relacionamento de Israel com o primeiro
advento de Cristo e o Seu sacrifício expiatório. Ele veio como
Representante único de Deus para falar e agir em Seu favor a Israel e ao
mundo (João 12:48-50). A vida, a morte e o destino eterno de cada pessoa
estão ligados à reação individual às reivindicações de Jesus Cristo:
O Pai ama ao Filho, e todas as coisas tem confiado às suas mãos. Por
isso, quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém
rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de
Deus. (João 3:35, 36; ênfase acrescentada).
Quem nele crê não é julgado; o que não crê já está julgado, porquanto
não crê no nome do Unigênito Filho de Deus (João 3:18; c£ 5:24, 25 ênfase
acrescentada).
O que importa perante Deus para o judeu individual, é o que vale
para a nação judaica coletivamente. Jesus disse para aqueles judeus que
pleiteavam ser filhos de Deus e de Abraão, embora planejassem matá-Lo ,
Interpretação Eclesiológica do Remanescente de Israel 3
"Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos"
(João 8:44), porque Ele havia proclamado que Israel deveria ser libertado
do pecado através Dele como o Filho de Deus. Para Jesus, os verdadeiros
descendentes de Abrão foram finalmente definidos, não pelo sangue,
mas pela fé de Abraão. A filiação e paternidade são primariamente
determinadas, não pelo relacionamento físico, mas pelo espiritual (cf.
Mateus 12:47-50). O teste para Israel veio em sua reação a Jesus como
Messias. Cristo reivindicou que todo Israel deveria vir a Ele, a fim de
receber o repouso divino ou estariam sob juízo:
Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu
vos aliviarei (Mateus 11:28; cf. Isaías 45:22).
Quem não é por mim é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha
(Mateus 12:30; cf. 18:20; 23:37).
Cristo foi enviado, em primeiro lugar, para reunir a Si como o
Messias "as ovelhas perdidas da casa de Israel", assim como os profetas
haviam predito que Davi (o vindouro) reuniria Israel para Jeová (Mateus
15:24; 10:5, 6; cf. Ezequiel 34:15, 16, 23, 24; Jeremias 23:3-5). Cristo
estava convencido de que fora também enviado para redimir o mundo
(João 3:16) e que os gentios precisariam recorrer a Ele (cf. Isaías 11:10;
Mateus 11:28).
Proclamou que Sua missão – sofrer a morte sob o juízo divino –
pretendia beneficiar todos os povos: "E eu, quando for levantado da
terra, atrairei todos a mim mesmo" (João 12:32). O evangelista João
explica que Jesus morreu "não somente pela nação, mas também para
reunir em um só corpo os filhos de Deus, que andam dispersos" (João
11:52). Referindo-se à profecia de Isaías de uma reunião futura dos
gentios no templo, Cristo anunciou:
Ainda tenho outras ovelhas, não deste aprisco; a mim me convém
conduzi-las; elas ouvirão a minha voz; então, haverá um rebanho e um
pastor (João 10:16; cf. Isaías 56:8).
Como o Pastor messiânico, Cristo declara que fora enviado para
cumprir as promessas do concerto com Israel de congregá-lo. Como
Messias, veio para reunir Israel a Si mesmo (ver Mateus 12:30), porém
Interpretação Eclesiológica do Remanescente de Israel 4
mais do que isso, para congregar os gentios a Si mesmo (João 12:32).
Isso requeria uma decisão de fé nEle como Messias de Israel. Para essa
missão universal, Ele chamou dentre os israelitas Seus doze apóstolos,
que em seu número escolhido claramente representam as doze tribos de
Israel. Ao ordenar oficialmente doze discípulos como Seus apóstolos
(ver Marcos 3:14, 15), Cristo constituiu um novo Israel, o Seu
remanescente messiânico, e o chamou Sua Igreja (ver Mateus 16:18). Na
ordenação dos doze, Cristo fundou a Sua Igreja como um novo
organismo, com sua própria estrutura e autoridade, capacitando-a com
"as chaves do reino dos céus" (verso 19; cf. 18:17).
A decisão final de Cristo concernente à nação judaica veio no final
do Seu ministério, quando os líderes judaicos haviam determinado
rejeitar a sua reivindicação de ser o Messias de Israel. As Suas palavras
em Mateus 23 revelam que a culpa de Israel perante Deus havia
alcançado a sua conclusão (Mateus 23:32). Seu veredicto, por essa razão
foi, "Portanto, vos digo que o reino de Deus vos será tirado e será
entregue a um povo que lhe produza os respectivos frutos" (Mateus
21:43; ênfase acrescentada). Essa decisão solene implica que Israel não
seria mais o povo de Deus e seria substituído por um outro que aceitasse
o Messias e a Sua mensagem do Reino de Deus. Que novo "povo" Cristo
tinha em mente? Numa ocasião anterior Ele observou, para a Sua
admiração, que um centurião romano mostrou mais fé nEle do que
qualquer um em Israel já havia feito. Então disse:
Digo-vos que muitos virão do Oriente e do Ocidente e tomarão lugares
à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus. Ao passo que os
filhos do reino serão lançados para fora, nas trevas; ali haverá choro e
ranger de dentes (Mateus 8:11-12; ênfase acrescentada).
Sob essa luz torna-se evidente que Cristo não prometeu o Reino de
Deus – a teocracia – para outra geração de judeus num futuro distante,
como um escritor dispensacionalista advoga5, mas ao contrário, para os
crentes em Cristo de todas as raças e nações, "do oriente e do ocidente."
Enfim, Sua Igreja ("Minha Igreja", Mateus 16:18) substituiria a nação
Interpretação Eclesiológica do Remanescente de Israel 5
que rejeitou a Cristo. Tem sido salientado que Mateus está interessado
em mostrar a continuidade do governo divino de salvação:
O basilei tou Theou [Reino de Deus] é uma realidade que abarca tanto
o Velho quanto o Novo Testamento. Deus o conferiu a Israel e depois o tirou
dele quando este se tornou culpado. Ele o conferiu novamente a um povo.
Como os velhos depositários eram um "povo", assim também os novos.
Dessa maneira, a continuidade do Reino assegura a continuidade de um
povo de Deus.6
O Reino de Deus foi manifesto como uma realidade presente na
vida e missão de Cristo. A esperança messiânica do Velho Testamento
foi realmente cumprida no Seu ministério vitorioso sobre o pecado,
Satanás e a morte, de maneira que Ele publicamente anunciou, "Se, porém,
eu expulso demônios pelo Espírito de Deus, certamente é chegado o reino
de Deus sobre vós" (Mateus 12:28; ênfase acrescentada) . Esse é o Reino de
Deus que os judeus rejeitaram. G. E. Ladd afirma, "Quando a nação
como um todo rejeitou a oferta, aqueles que a aceitaram constituíram o
novo povo de Deus, os filhos do Reino, o verdadeiro Israel, a Igreja
incipiente".7 O próprio Jesus identificou o "povo" que Deus escolheu.
Ele disse para os Seus discípulos, "Não temais, ó pequenino rebanho;
porque vosso Pai se agradou em dar-vos o seu reino'' (Lucas 12:32;
ênfase acrescentada). Aqui, Cristo inequivocamente identifica os Seus
discípulos como o verdadeiro Israel, pois este era chamado pelos
profetas de rebanho ou ovelhas de Deus (Isaías 40:11; Jeremias 31:10;
Ezequiel 34:12-14). O verdadeiro Israel encontra sua identidade ao
aceitar o jugo do Messias Jesus (Mateus 11:29). Aqueles que seguem a
Cristo são os verdadeiros filhos do Reino (Mateus 13:3738; cf. 8:12). F.
F. Bruce confirma: "O chamado dos discípulos por Jesus para estarem
ao Seu redor, a fim de constituírem o "pequeno rebanho" que deveria
receber o Reino (Lucas 12:32; cf. Daniel 7:22, 27) caracteriza-O como
fundador do Novo Israel".8
A pregação feita por Jesus de fé e arrependimento como condição
para a entrada no Reino (Marcos 1:15) leva à conclusão de que
"Dificilmente pode ser concebida a partir de qualquer coisa, senão do
Interpretação Eclesiológica do Remanescente de Israel 6
começo da reunião de um remanescente de fé ao longo das linhas das
esperanças do remanescente das profecias do Velho Testamento". 9 Cristo
criou a Sua Igreja, não fora de Israel, mas com o fiel remanescente deste
que herda as promessas e as responsabilidades do concerto. A Igreja de
Cristo não está separada do Israel de Deus, porém apenas da nação
judaica que rejeitou a Cristo. Este assumiu o lugar de Deus quando
prometeu:
Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou
no meio deles (Mateus 18:20).
Aqui, Jesus obviamente diferencia o Israel crente em Cristo – o
qual está reunido a Ele – do Israel que rejeita a Cristo e se reúne apenas
ao redor de Moisés. Sua declaração está num relevo mais acentuado se
contrastada com o ditado familiar rabínico: "Quando dois se assentam
juntos e se preocupam com as palavras da Torah, então o Shekinah está
entre eles" (Aboth 3, 2; na Mishna).
A conseqüência imediata da retirada da teocracia da nação israelita
foi a concessão das maldições do concerto como especificadas por
Moisés em Levítico 26 e Deuteronômio 28, e ainda por Daniel no
capítulo 9:26, 27 de seu livro. Chorando intensamente sobre o horrível
futuro da cidade posta sob a maldição divina, Cristo lamentou:
Ah! Se conheceras por ti mesma, ainda hoje, o que é devido à paz!
Mas isto está agora oculto aos teus olhos. Pois sobre ti virão dias em que os
teus inimigos te cercarão de trincheiras e, por todos os lados, te apertarão o
cerco; e te arrasarão e aos teus filhos dentro de ti; não deixarão em ti pedra
sobre pedra, porque não reconheceste a oportunidade da tua visitação
(Lucas 19:42-44; ênfase acrescentada).
Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te
foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha
ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes! Eis que a
vossa casa vos ficará deserta (Mateus 23:37-38; ênfase acrescentada).
A vinda de Cristo a Jerusalém havia sido "a oportunidade da
visitação de Deus" a Israel. As conseqüências do afastamento do Messias
foram imensas para a nação judaica, pois a perda da protetora teocracia
divina continuará até o próprio fim dos tempos (Daniel 9:26, 27; Lucas
Interpretação Eclesiológica do Remanescente de Israel 7
21:24; 1 Tessalonicenses 2:16). Cristo enfaticamente advertiu o Seu
pequeno rebanho, o fiel remanescente de Israel, para fugir da cidade
condenada quando o abominável da desolação dela se aproximasse
(Marcos 13:14; Mateus 24:15-20; Lucas 21:20-24).
Apenas em Cristo, Israel como uma nação poderia ter permanecido
o verdadeiro povo do concerto divino. Ao rejeitar a Jesus como o Rei
messiânico de Deus, a nação judaica fracassou no teste decisivo de
cumprir os propósitos divinos para os gentios. Cristo, contudo, renovou o
concerto com os Seus doze apóstolos. Concedeu o chamado divino do
antigo Israel ao Seu rebanho messiânico, para que fosse a luz do mundo,
(Mateus 5:14) e para fazer "discípulos de todas as nações, batizando-os
em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo" (Mateus 28:19). Deus
não dependia da nação judaica para o cumprimento de Seu propósito
para todos os homens. Seu plano não poderia ser frustrado ou adiado
pela rejeição do Messias por Israel. O dia de Pentecostes provou que
Deus estava dentro de Seu "programa". Quando precisamente a festividade
anual do Pentecostes chegou (Atos 2:1; literalmente: "completou-se"),
eventos novos e dramáticos tomaram lugar no cumprimento da profecia.
Do céu, Cristo derramou o Espírito prometido sobre o fiel remanescente
de Israel.

A Igreja como o Remanescente das Profecias de Israel

Os apóstolos não consideravam a Igreja como uma interrupção


temporária do plano divino, fora o escopo da profecia de Israel. Ao invés
de qualquer sugestão de um adiamento do Reino de Deus ou uma
mudança no Seu plano, os apóstolos enfatizavam que cada ocorrência na
vida, morte, ressurreição e ascensão de Cristo, o derramamento do
Espírito Santo e Sua entronização à destra de Deus, constituíram o
desdobramento e o cumprimento explícito das profecias israelitas. A
traição e a morte de Cristo são explicadas por Pedro no dia de Pentecostes
como o cumprimento do "determinado desígnio e presciência de Deus"
Interpretação Eclesiológica do Remanescente de Israel 8
(Atos 2:23). Mesmo a perseguição à Igreja cristã em Jerusalém foi vista
como um fato em que a "mão" de Deus e o Seu "propósito
predeterminaram" (Atos 4:28; com um apelo ao Salmo 2:1, 2).
Em relação à ascensão de Cristo ao céu e Sua entronização como o
Governante davídico tanto de Israel quanto das nações, Pedro apela ao
Salmo 110, um Salmo profético de Davi, dizendo:
Porque Davi não subiu aos céus, mas ele mesmo declara: Disse o
Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os
teus inimigos por estrado dos teus pés. Esteja absolutamente certa, pois,
toda a casa de Israel de que a este Jesus, que vós crucificastes, Deus o fez
Senhor e Cristo (Atos 2:34-36).
A aplicação de Pedro do Salmo 110 ao reinado presente de Cristo
foi chamada de "uma notável porção de reinterpretarão das profecias do
Velho Testamento", porque as promessas do Salmo 110 se referem ao
trono real em Jerusalém (ver Salmo 110:2). Ladd explica:
Pedro, sob inspiração, transfere o trono de Davi de seu sítio terrestre
em Jerusalém para o céu...Agora ele está entronizado à mão direita de
Deus. Agora que os Seus sofrimentos messiânicos passaram, Ele é
introduzido em Seu reino messiânico e continuará até que todos os Seus
inimigos tenham sido subjugados (1 Coríntios 15:25). 10
A interpretação de Pedro não é uma exegese literal do Salmo 110,
mas a aplicação cristológica autorizada das profecias de Davi. O método
cristão de interpretar o Velho Testamento é compreender a profecia de
Israel à luz de Cristo e do Novo Testamento. Por isso, não há
absolutamente nenhum adiamento, mas apenas um novo progresso e um
dramático cumprimento (cerca de três mil judeus aceitaram a interpretação
de Pedro e foram batizados em Cristo e Sua Igreja; Atos 2:41) . A
interpretação de Pedro do derramamento do Espírito como cumprimento
direto da profecia de Joel para os últimos dias (Atos 2:16-21) confirma o
conceito de que a Igreja não foi uma entidade imprevista, não predita no
Velho Testamento, mas o surpreendente cumprimento da profecia do
remanescente de Joel. Dessa forma, a Igreja não é uma reflexão posterior
ou uma interrupção do plano de Deus com Israel para o mundo, mas o
Interpretação Eclesiológica do Remanescente de Israel 9
progresso e a realização divina do remanescente escatológico de Israel.
Pouco depois do derramamento do Espírito de Deus sobre a Igreja, Pedro
afirmou categoricamente, "E todos os profetas, a começar com Samuel,
assim como todos quantos depois falaram, também anunciaram estes
dias" (Atos 3:24). Em outras palavras, desde o Pentecostes todas as
profecias do Velho Testamento concernentes ao remanescente de Israel
receberam o seu cumprimento real na formação da Igreja apostólica. A
Igreja é claramente profetizada nas promessas do remanescente
veterotestamentário.
Perito dirigiu-se às igrejas cristãs de seu tempo, espalhadas pelo
Oriente Médio (1 Pedro 1:1) utilizando honrosos títulos de Israel:
Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de
propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele
que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz (1 Pedro 2:9; cf.
Êxodo 19:5, 6).
Embora o apóstolo não use o nome "Israel", tudo o que este
representava como o povo do concerto divino, ele agora aplica à Igreja.
Essa é a interpretação eclesiológica de Pedro do concerto de Deus com
Israel (Êxodo 19:5, 6). Essa aplicação é o desenvolvimento da
interpretação cristológica das profecias messiânicas. A aplicação
eclesiológica é apenas a extensão orgânica do cumprimento cristológico.
Assim como o corpo está organicamente ligado à cabeça, da mesma
maneira, a Igreja ao Messias. O povo do novo concerto não é mais
caracterizado pelos laços de raça ou país, mas exclusivamente pela fé em
Cristo. Isso pode ser chamado a espiritualização de Pedro de Israel como
uma "nação santa". Ele reflete tendo como vetor as linhas de uma
tipologia da Páscoa quando enfatiza que os cristãos, como "eleitos" de
Deus foram "resgatados" "pelo precioso sangue, como de cordeiro sem
defeito e sem mácula" (1 Pedro 1:1, 18, 19).
Essa tipologia da Páscoa (ver Êxodo 12:5) é também usada pelo
apóstolo Paulo em 1 Coríntios 5:7. Além do mais, a descrição de Pedro da
Igreja como sendo chamada "das nevas para a sua maravilhosa luz" (1
Pedro 2:9) sugere fortemente uma analogia com o êxodo de Israel do Egito,
Interpretação Eclesiológica do Remanescente de Israel 10
a casa da servidão (Êxodo 4:23; 19:4; Isaías 43:21). Assim como o antigo
Israel experimentou o seu êxodo salvador a fim de louvar a fidelidade de
Jeová e Suas virtudes salvadoras, Sua Igreja também experimenta a
salvação presente do domínio das trevas, a fim de "proclamardes as virtudes
daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz" (cf. também
Colossenses 1:13). Isso nos leva a afirmar que a comunidade cristã é o
verdadeiro Israel.11
Ao continuar a citar uma profecia específica feita a Israel, Pedro
consistentemente segue a aplicação escatológica:
...vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus,
que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes
misericórdia (1 Pedro 2:10; cf. Oséias 1:10; 2:23).
O profeta Oséias pronunciou essas palavras como uma promessa às
dez tribos israelitas apóstatas antes do exílio assírio em 721 a.C. Essas
tribos estavam vivendo como as nações pagãs e por isso, atraíram sobre
si as maldições do concerto. Perito declara que a profecia de Oséias da
futura restauração divina de Israel agora se cumpriu na Igreja universal
de Cristo (1 Pedro 2:9, 10)!
Paulo também assegura "as boas novas" aos judeus e gentios da
Ásia Menor:
Nós vos anunciamos o evangelho da promessa feita a nossos pais,
como Deus a cumpriu plenamente a nós, seus filhos, ressuscitando a Jesus,
como também está escrito no Salmo segundo: Tu és meu Filho, eu, hoje, te
gerei. (Atos 13:32-33).
O fundamento de Paulo para as boas novas de que Jesus foi coroado
Rei de todas as nações do mundo é a sua interpretação cristológica do
Salmo 2. Fundamentados nessa aplicação cristológica das profecias
messiânicas, ele e Barnabé declararam que a respectiva mensagem
evangélica – a justificação perante Deus através da fé em Cristo – lhes foi
comissionada pelo Deus de Israel:
Porque o Senhor assim no-lo determinou: Eu te constituí para luz dos
gentios, a fim de que sejas para salvação até aos confins da terra (Atos
13:47, citando Isaías 49:6; ênfase acrescentada).
Interpretação Eclesiológica do Remanescente de Israel 11
No contexto original de Isaías, a "luz" de salvação predita para os
gentios é uma profecia da vinda do Messias que é descrito como um
indivíduo distinto da nação israelita. Como o "Servo" de Jeová, Sua
primeira missão seria "para que torne a trazer Jacó [a Jeová] e para reunir
Israel a ele" (Isaías 49:5). Além disso, o servo foi chamado para tornar-
Se um missionário aos gentios: "te [referindo-se ao Servo] dei como luz
para os gentios, para seres a minha salvação até à extremidade da terra"
(Isaías 49:6).
Essa profecia messiânica recebeu a sua primeira aplicação
cristológica por Simeão, quando tomou nos seus braços o menino Jesus
(ver Lucas 2:28-32). Paulo e Barnabé, contudo, dão um passo adiante.
Declaram que, como apóstolos de Cristo, estão agora cumprindo essa
comissão messiânica. Perante o rei Agripa, a fim de defender a sua
missão, Paulo declara:
...nada dizendo, senão o que os profetas e Moisés disseram haver de
acontecer, isto é, que o Cristo devia padecer e, sendo o primeiro da ressurreição
dos mortos, anunciaria a luz ao povo e aos gentios (Atos 26:22-23).
Ele se vê tão intimamente ligado a Cristo – até mesmo incorporado
a Ele (Romanos 6:3, 5, 11) – que sua aplicação cristológica das profecias
messiânicas de Isaías resulta em uma aplicação apostólica da missão do
Messias. Por isso, para Paulo, o chamado de Israel por Jeová cumpriu-se
na Igreja apostólica. Ele se une a Pedro ao citar a profecia da restauração
de Israel de Oséias, a fim de afirmar o seu cumprimento na Igreja
universal de Cristo (ver Romanos 9:24-26). Dessa maneira, Pedro e
Paulo estão juntos em declarar que as profecias do remanescente de
Israel encontraram um cumprimento escatológico. Essa aplicação
universal à comunidade da Igreja não é uma espiritualização abstrata,
mas denota o verdadeiro cumprimento literal. A realidade desse
cumprimento do propósito original de Deus para com Israel é ilustrada
pela afirmação de Paulo de que os descrentes que visitam uma igreja
local serão profundamente impressionados pela presença divina e
confessarão, "Deus está, de fato, no meio de vós" (1 Coríntios 14:24-25).
Interpretação Eclesiológica do Remanescente de Israel 12
Esse era o plano divino para a influência de Israel entre os gentios
(ver Isa. 45:14; Zac. 8:23) e atualmente é cumprido onde quer que dois
ou mais se reúnam para adorar a Deus em nome de Cristo (Mat. 18:20).

"O Israel de Deus" no Contexto de Gálatas

Paulo conclui sua epístola às igrejas da Galácia com uma bênção,


"Paz e misericórdia a todos que seguem essa regra, mesmo ao Israel de
Deus" (Gálatas 6:16, NIV; ênfase acrescentada). Qual é o significado da
frase, "mesmo [kai] ao Israel de Deus"? Gramaticalmente falando, "kai'
pode ser traduzido por "mesmo" ou "e". C.C. Ryrie afirma: "De fato,
uma decisão absoluta não pode ser tomada a partir do próprio verso, mas
o uso geral favoreceria o reconhecimento de duas classes neste verso". 12
Não obstante, com esta última afirmação, ele ignora um princípio básico
da exegese literal. Quando a sintaxe gramatical não for conclusiva, o
contexto histórico pode iluminar o significado particular de um termo.
O pano de fundo histórico dessa epístola indica que Paulo está
rejeitando veementemente qualquer status ou reivindicação de diferença
perante Deus dos cristãos judeus pondo-se ao lado ou acima dos cristãos
gentios. Judeus e gentios batizados são todos um em Cristo, são todos
"filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus". Conseqüentemente, "não
pode haver judeu nem grego" em Cristo (Gálatas 3:26-28). "E, se sois de
Cristo, também sois descendentes de Abraão e herdeiros segundo a
promessa" (Gálatas 3:29). Como poderia a língua afirmar tal fato mais
conclusiva e inequivocamente? E ainda, Paulo não quer ser mal-
compreendido e por isso tem mais a dizer àqueles que ainda reivindicam
promessas especiais para o Israel étnico. Em Gálatas 4:21-31, o apóstolo
nega enfaticamente qualquer pretensão do Israel étnico às promessas do
concerto. Esta passagem tem sido corretamente chamada de "a mais
arguta polêmica do Novo Testamento contra Jerusalém e o judaísmo". 13
Paulo vai até o ponto de equacionar a "Jerusalém presente", a nação
Interpretação Eclesiológica do Remanescente de Israel 13
israelita, com o status de Ismael perante Deus, que foi totalmente
destituído de herança porque perseguiu a Isaque:
Como, porém, outrora, o que nascera segundo a carne perseguia ao
que nasceu segundo o Espírito, assim também agora. Contudo, que diz a
Escritura? Lança fora a escrava e seu filho, porque de modo algum o filho da
escrava será herdeiro com o filho da livre. E, assim, irmãos, somos filhos
não da escrava, e sim da livre Gálatas 4:29:31).
Nesse contexto, Paulo aplica a profecia de Isaías quanto ao retorno
de Israel do exílio (Isaías 54:1) à criação da Igreja (ver Gálatas 4:27). Em
seu contexto original, Isaías assegurou a Israel no cativeiro que o Senhor,
como o seu "Marido" (Isaías 54:5), logo traria de volta a mulher "estéril"
(Israel) de sua "viuvez", com profunda compaixão (verso 7). Como
resultado, Israel novamente se multiplicaria e prosperaria como nunca
antes (versos 2-3). Com autoridade apostólica, Paulo declara que a
promessa de restauração de Isaías encontrou o seu cumprimento concreto
na Igreja. A sua aplicação é: "Vós porém, irmãos, sois filhos da promessa,
como Isaque.'' (Gálatas 4:28; ênfase acrescentada). Esse cumprimento da
promessa de restauração israelita foi realizado por Cristo – que agora
está na "Jerusalém lá de cima" (verso 26) – nos cristãos renascidos pelo
Espírito Santo (verso 29).
H. Ridderbos afirma:
Paulo vê o cumprimento dessa promessa [Isaías 54:1] na reunião dos
crentes em Cristo. É o ajuntamento feito não apenas entre os judeus, mas
também entre todos os gentios.14
A chave para a compreensão do princípio paulino de interpretação
profética é encontrada exclusivamente na persistente rejeição de Cristo
como o Messias por Jerusalém. Como no julgamento de Jesus, esta
"enchia" a medida do pecado de Israel (Mateus 23:37), assim Paulo julga
que a oposição deliberada dos líderes judaicos à sua proclamação de
Cristo aos gentios para a sua salvação continua "enchendo sempre a
medida de seus pecados" (1 Tess. 2:16). E acrescenta, 'A ira [de Deus],
porém, sobreveio contra eles, definitivamente" [completamente ou para
sempre] (Tessalonicenses 2:16).
Interpretação Eclesiológica do Remanescente de Israel 14
O uso paulino do termo "o Israel de Deus" em Gálatas 6:16 deve
receber o seu significado específico em harmonia com o cerne total da
epístola de Paulo aos Gálatas, que ele sumariza nas palavras:
Pois nem a circuncisão [ser um judeu] é coisa alguma, nem a
incircuncisão [ser um gentio], mas o ser nova criatura. E, a todos quantos
andarem de conformidade com esta regra, paz e misericórdia sejam sobre
eles e sobre o Israel de Deus (Gálatas 6:15, 16; ênfase acrescentada).
Paulo pronuncia as bênçãos divinas de paz e misericórdia sobre
todos os que seguem a regra ou princípio de ser uma nova criação pela fé
em Cristo. Claramente faz uma declaração toda inclusiva para os cristãos
(verso 15). Seria concebível que ele repentinamente fizesse distinção
dentro da Igreja de uma classe judaica e uma classe gentílica cristã? J.
Barton Payne deve admitir que a exegese dispensacionalista de "e sobre
o Israel de Deus'' (Gálatas 6:16) como se referindo a uma classe especial
de pessoas dentro da Igreja é inadmissível.
Traduzir o e [Gálatas 6:16] como se um grupo distinto de cristãos
hebreus fosse contemplado, se oporia à índole da epístola como um todo.
Essa distinção agora chegou a um fim entre o povo de Deus.15
A expressão Paulina "o Israel de Deus" é uma qualificação
profundamente religiosa e é claramente sinônima da anterior para todos
os cristãos, que são "os descendentes de Abraão e herdeiros segundo a
promessa" (Gálatas 3:29). Os teólogos dispensacionalistas garantem que
Paulo, com o termo "o Israel de Deus", referia-se aos crentes no Senhor
Jesus Cristo.16 Porém, por causa de seu interesse dispensacionalista em
manter Israel e a Igreja separados, eles insistem que Paulo deve ter tido
em mente os cristãos judeus como uma classe distinta dentro da Igreja.
Mas destacar os crentes judeus na Igreja como "o Israel de Deus" é um
conceito que está em conflito básico com a mensagem de Paulo aos
Gálatas. Ele categoricamente declara que "não pode haver judeu nem
grego" dentro da Igreja, e que esta como um todo – todos os que
pertencem a Cristo – são a semente de Abraão, o herdeiro da promessa
do concerto de Israel (Gálatas 3:26-29).
Interpretação Eclesiológica do Remanescente de Israel 15
Por causa desse contexto histórico-teológico, a New International
Version e traduções similares da Bíblia (como a Revised Standard
Version; a Amplified New Testament; o New Testament de J. B. Philips,
etc.) estão justificadas por traduzir o "kai' de Gálatas 6:16, um "e"
explanatório, como "mesmo". Compreendida dessa maneira, a Igreja e "o
Israel de Deus" estão completamente identificados.17 A bênção de Paulo
em Gálatas 6:16 torna-se, assim, a principal testemunha do Novo
Testamento em declarar que a Igreja universal de Cristo é o Israel de
Deus, a semente de Abraão, o herdeiro da promessa de Israel (cf.Gálatas
3:29; 6:16). A asseveração de Ryrie, "Apenas quando um crente pertence
à raça de Israel pode, em qualquer sentido, ser chamado de um israelita
espiritual"18, não é uma idéia derivada da epístola de Paulo aos Gálatas e
contradiz a sua clara mensagem.
P. Richardson sugeriu que a frase de Paulo, "o Israel de Deus"
(Gálatas 6:16) se refere a "todos aqueles israelitas que crêem e recebem
as boas novas de Cristo...Há um Israel (de Deus) dentro de (todo) Israel."
Ele parafraseia Gálatas 6:16, assim: "Que Deus conceda paz a todos
aqueles que andarem de acordo com este critério, e também misericórdia
ao seu fiel povo Israel".19 Essa interpretação assume que Paulo aceita
duas espécies de Israel fiel: um que aceitou a Cristo – e por isso tornou-
se uma "nova criatura" (Gálatas 6:15) – e um Israel de Deus que ainda
não aceitou a Cristo, mas ainda assim, é o "fiel povo de Israel".
Richardson apela para a similaridade estrutural de Gálatas 6:16 e a
Bênção Judaica do Shemoneb Esred ("misericórdia sobre nós e sobre
todo Teu povo Israel"). Ele sugere que Paulo pode inconscientemente
aludir à sua bênção judaica, mas admite que ambas não são exatamente
idênticas, e por isso conclui: "A sentença de Gálatas transmite a
impressão de ser uma reflexão interpretada da bênção''. 20 A deficiência
básica dessa abordagem está em não procurar a sua chave hermenêutica
na própria mensagem de Gálatas, mas em uma similaridade externa de
fonte não bíblica. Negligenciando a motivação teológica da Epístola de
Paulo às igrejas dos Gálatas, Richardson introduz duas espécies de Israel
Interpretação Eclesiológica do Remanescente de Israel 16
fiel em Gálatas 6:16: um que já aceitou a Cristo e o outro que ainda não
aceitou. Tal projeção de duas espécies de Israel fiel ao lado do infiel
fracassa em apreciar a importância de Cristo como a única norma para
determinar "o" fiel Israel de Deus desde a cruz de Cristo.
A cristologia e a eclesiologia de Paulo o compelem a definir todos
os crentes em Cristo como a "nova criação" (NVI) de Deus, o "novo
homem" em Cristo (Efésios 2:15). Os crentes renascidos em Cristo -
tanto dos judeus como dos gentios – são por isso, na teologia de Paulo, o
único Israel fiel de Deus.

Os Cristãos Gentios São Concidadãos em Israel

A Epístola de Paulo "aos santos que vivem em Éfeso" ilumina nossa


compreensão do relacionamento de Israel com a Igreja. Escrita
explicitamente para os cristãos gentios (Ef. 2:11, 17; 4:17), o apóstolo
lhes informa que a integração dos gentios em Israel como filhos ou
herdeiros de Deus não foi uma questão de idéia divina posterior, pelo
contrário, era um plano ou predestinação de Deus (Efésios 1:5, 11) desde
"antes da fundação do mundo'' (Ef. 1:4). Os filhos de Deus, tanto judeus
quanto gentios, estarão para sempre unidos "em Cristo" (Ef. 1:10, NVI).
Ser cristão é saber que também compartilha das bênçãos do concerto
israelita. Através do evangelho, os cristãos receberam a "cidadania em
Israel" (NVI) e se regozijam na mesma esperança que este (Ef. 2:12; 4:4).
Assim, já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos
santos, e sois da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos
apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular
(Efésios 2:19-20).
Através da cruz, Cristo reconciliou tanto judeus quanto gentios
"com Deus" (Efésios 2:16). Dessa forma, Ele também destruiu "a parede
da separação que estava no meio, a inimizade" entre judeus e gentios, ao
abolir "na sua carne, a lei dos mandamentos na forma de ordenanças"
(Efésios 2:14, 15). Essa é uma inegável referência à ab-rogação por
Interpretação Eclesiológica do Remanescente de Israel 17
Cristo da lei mosaica com o seu ritual do templo terrestre. A formação de
um Israel messiânico, constituído de todos os crentes em Cristo entre os
homens, foi a Sua comissão. "O objetivo dele era criar em Si mesmo, dos
dois [judeus e gentios], um novo homem, fazendo a paz" (Efésios 2:15;
ênfase acrescentada). Este propósito foi realizado através da cruz de
Cristo (2:16) e comissionado para ser proclamado pelos "santos apóstolos
e profetas de Deus."
Este mistério é que através do evangelho os gentios são herdeiros
juntos com Israel, membros juntamente de um corpo, e partilham juntos da
promessa em Cristo Jesus (Efésios 3:6, NIV; ênfase acrescentada).
Paulo enfatiza aqui três vezes – com a expressão "juntos" que os
cristãos judeus e os cristãos gentios são totalmente iguais dentro de Israel
e da promessa do concerto. (No original é ainda mais conspícuo:
synkleronoma, syssoma, symmetocha). Assim, nenhum sistema teológico
é justificado quando constrói um muro de separação entre Israel e a
Igreja. A recepção dos gentios na comunidade de Israel foi comparada,
na parábola de Jesus , com o recebimento do filho pródigo na casa de seu
pai (Lucas 15:11-32).21 O pai abraçou o filho perdido quando ele
retornou envergonhado, enquanto o filho mais velho reprovou a sua
generosidade. Assim, a grande Igreja gentílica do tempo de Paulo deve
considerar que os gentios entraram na casa de Israel como a casa de seu
Pai e foram intitulados plenos participantes do concerto de Israel como
concidadãos e co-herdeiros (cf. Romanos 8:17). A filiação dos gentios é
uma adoção à família já existente.
Paulo diferencia entre "nós, os que de antemão esperamos em
Cristo" (Efésios 1:12) – ou Israel – e os gentios que eram forasteiros,
"não tendo esperança e sem Deus no mundo" (Efésios 2:12). Quanto aos
judeus, ele diz, "nós" fomos predestinados em Cristo ... para louvor da
sua glória" (Efésios 1:12). Quanto aos gentios, ele diz, "E também
vocês, foram incluídos em Cristo.., para o louvor de sua glória" (Efésios
1:13, 14, NIV). Assim, tanto judeus quanto gentios são chamados ao
mesmo destino: louvar a glória de Deus. Paulo enfatiza em Efésios 1 o
Interpretação Eclesiológica do Remanescente de Israel 18
seguro conceito de que apenas Cristo cumpre e apenas o Espírito Santo
revela o que Deus escolheu e determinou na eternidade.22
A cruz foi o meio apontado para cumprir o preconcebido plano
divino. A Igreja, como a adoração unida a Deus pelos judeus e gentios
em um corpo, não é uma solução temporária para uma situação de
emergência causada com a rejeição a Cristo pela nação israelita. A união
em Cristo de dois ramos da humanidade previamente separados é o
mistério, a substância e a essência do eterno plano de Deus. Isso foi
revelado em princípio – embora não em tal grau e clareza – nos escritos
proféticos de Israel (Efésios 3:5; Romanos 1:2; 16:25, 26). O evangelho
de Cristo não foi totalmente velado nos escritos proféticos israelitas, mas
apenas palidamente compreendido antes do Seu tempo (ver 1 Pedro
1:10-12; Lucas 24:15-17, 44). À luz da nova revelação divina em Cristo,
os apóstolos foram capazes de compreender o eterno plano de salvação
em seu escopo universal e captar a sua estrutura cristocêntrica (Efésios
1:9, 10; cf. 2 Coríntios 3:13-18).
Como todas as coisas foram criadas e são sustentadas por Cristo,
assim todas as coisas no universo finalmente serão reunidas e mais uma
vez totalmente integradas em um todo por Ele, sobre a base de Seu
sangue reconciliador derramado na cruz (Colossenses 1:20). Essa
unidade cósmica do céu e da terra está agora sendo realizada em Cristo
(Efésios 1:22) e por isso significa também o fim decisivo das barreiras
sociais, de cada dicotomia da verdadeira semente de Abraão e da família
espiritual israelita perante Deus (Efésios 2:16-22). Todos os olhos não
estão sobre Israel como uma nação, mas sobre Cristo e Seu Israel
messiânico, o qual deu as boas vindas aos cristãos gentios como
concidadãos completamente iguais em Israel.

A Aplicação Eclesiológica do Concerto Israelense

A incumbência do autor inspirado da Carta aos Hebreus é


especialmente exortar os cristãos judeus com a convicção de que Cristo,
Interpretação Eclesiológica do Remanescente de Israel 19
através de Seu auto-sacrifício e sacerdócio presente, é a realização do
concerto de Deus com Israel.
Agora, com efeito, obteve Jesus ministério tanto mais excelente, quanto
é ele também Mediador de superior aliança instituída com base em
superiores promessas (Hebreus 8:6).
Hebreus assume uma conexão íntima entre o sacerdócio e o
concerto. O velho concerto possuía um "santuário terrestre" com seu
sacerdócio próprio (Hebreus 9:1). Cristo foi "nomeado por Deus sumo
sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque" (Hebreus 5:10), depois
de Sua ressurreição, no santuário celestial (Hebreus 8:1, 2). Essa
mudança de sacerdócio – do levítico para o de Melquisedeque –
acarretou uma mudança necessária do santuário e sua lei cerimonial
(Hebreus 7:12). Enquanto o velho concerto por si mesmo não podia
purificar o coração de impurezas, "Jesus se tem tornado fiador de
superior aliança" (Hebreus 7:22). Ele não possui apenas um "sacerdócio
imutável" (7:24, 25); mas o Seu concerto é também baseado nas
melhores e mais eficientes promessas divinas. O novo concerto funciona
melhor do que o velho para o povo de Deus. Cristo aparece "agora, por
nós, diante de Deus" (9:24) sobre a base dos méritos de Seu sacrifício
expiatório oferecido de uma vez por todas (Hebreus 7:27). Jesus é capaz
de outorgar, a todos que se aproximam de Seu trono, as bênçãos
prometidas por Deus ao antigo Israel: libertação de uma consciência má
e a garantia pessoal de salvação (Hebreus 9:14; 10:22).
Em contraste com o velho concerto israelita que fracassou, o novo
concerto, prometido através de Jeremias (31:31-34), não falhará porque
Cristo é a sua segurança e garantia (Hebreus 7:22). Ele executa três
promessas básicas de Deus: (1) Internaliza a divina lei moral no coração
de Seu povo, o que é melhor do que colocá-la como um jugo externo
sobre Israel (Hebreus 8:10). Isso implica a regeneração do coração, de
maneira que ele se torne inclinado a obedecer a Deus através do poder
interior do Espírito, como torna claro a promessa paralela em Ezequiel
(Ezequiel 36:26, 27). (2) Individualiza o conhecimento salvador de
Interpretação Eclesiológica do Remanescente de Israel 20
Deus, de maneira que cada israelita sem exceção, tem um
relacionamento pessoal e imediato com Deus (Hebreus 8:11); e (3)
Perdoa os pecados do povo de Deus e de seus pecados jamais se
lembrará (Hebreus 8:12). Essas são as "superiores promessas" da
profecia de Jeremias que Cristo veio cumprir (Hebreus 8:6). Por Sua
inauguração desse novo concerto, "torna antiquada a primeira. Ora,
aquilo que se torna antiquado e envelhecido está prestes a desaparecer"
(Hebreus 8:13). Somos lembrados que "o comentário do autor foi escrito
a partir da perspectiva do profeta (Jeremias), não de sua própria. Ele
sabia que o velho concerto já havia desaparecido como uma expressão
válida do relacionamento entre Deus e seu povo (7:12)".23 Em outras
palavras, Jeremias já anunciava o término do velho concerto tão logo
Deus introduzisse o conceito de um novo. A pergunta é levantada: A que
povo Hebreus aplica a promessa do novo concerto de Jeremias: ao povo
judeu como uma nação no futuro ou aos judeus e gentios individuais na
Igreja do tempo presente?
Os autores dispensacionalistas não estão unidos em cada aspecto de
suas interpretações. J. F. Walvoord relata24 que J. N. Darby mantinha que
o novo concerto pertencia apenas aos israelitas, mas que L. S. Chefer
concebia dois diferentes novos concertos: um novo concerto Jeremias
31) para a nação israelita, a ser cumprido apenas no futuro milênio, e um
novo concerto (Hebreus 8), que se refere à Igreja na era presente. A
Scofield Reference Bible (primeira edição, 1917), contudo, afirma que o
novo concerto tem uma dupla aplicação: primeiro à Israel, a fim de ser
cumprida no milênio, e segundo, à Igreja do presente. A New Scofield
Reference Bible mudou a sua antiga visão e agora declara que o novo
concerto é com Israel e que seu cumprimento será realizado apenas "no
reino milenial depois da segunda vinda de Cristo".25
É bastante óbvio que o dispensacionalismo encontra dificuldade em
fazer justiça ao contexto imediato de Hebreus 8, porque aqui o novo
concerto de Jeremias é aplicado inegavelmente a todos os cristãos.
Walvoord sustenta, "Ela é, de fato, a única passagem que provê qualquer
Interpretação Eclesiológica do Remanescente de Israel 21
dificuldade à visão pré-milenial [mais precisamente: dispensacionalista],
e essa dificuldade desvanece se a passagem for cuidadosamente
estudada".26 Seu assim chamado "cuidadoso estudo", The Millennial
Kingdom (capítulo 18, "The New Covenant with Israel") é muito
decepcionante, contudo, porque nenhuma consideração é dada ao dever
sagrado da exegese e nenhum esforço é feito para relacionar a passagem
de Hebreus 8:8-13 com o contexto e a mensagem vital da própria Carta!
Dificilmente toca nas opiniões de outros, meramente defende a sua visão
dispensacionalista e conclui: "O conceito dos dois novos concertos é
uma análise melhor do problema e mais consistente com o
premilenialismo como um todo".27 Essa curiosa projeção de "dois novos
concertos" é mais a defesa de um dogma problemático do que o
resultado de cuidadosa exegese da Santa Escritura. Os esforços de
Walvoord para negar que a "superior aliança" de Hebreus 8 é o "novo
concerto" de Israel profetizado chega até a ponto de claramente recusar a
mensagem bíblica:
O único argumento é aquele que já era verdade – a predição de um
novo concerto automaticamente declara o concerto mosaico como
temporário e não como eterno...ele declara uma "melhor aliança" do que o
concerto mosaico tornou possível (Hebreus 8:6), mas não afirma...que essa
superior aliança é "o novo concerto com a casa de Israel", ou que o novo
concerto foi introduzido.28
Essa incrível análise do texto sagrado aborta completamente a
convicção que Hebreus 8 quer trazer aos cristãos judeus, isto é, que o
novo concerto divino com Israel encontrou o seu verdadeiro
cumprimento na entronização de Cristo à mão direita de Deus como o
melhor Sumo Sacerdote para Israel. Hebreus 8 nem reitera aquilo "que já
era verdade", e nem promete algum cumprimento futuro do novo
concerto de Jeremias, mas proclama a mensagem do evangelho que o
"novo concerto" prometido foi ratificado pelo sacrifício expiatório de
Cristo e é agora poderosamente eficaz no Cristo ressurreto (ver Hebreus
4:14-16; 5:5, 6, 10; 6:19, 20; 7:11-27; 8:1, 2; 9:14, 24; 12:24; 13:20).
Interpretação Eclesiológica do Remanescente de Israel 22
Três passagens em particular parecem relatar a conclusão de
Walvoord de que o novo concerto de Israel ainda não foi introduzido por
Cristo.
Jesus se tem tornado fiador de superior aliança (Hebreus 7:22).
Por isso mesmo, ele é o Mediador da nova aliança, a fim de que,
intervindo a morte para remissão das transgressões que havia sob a
primeira aliança, recebam a promessa da eterna herança aqueles que têm
sido chamados (Hebreus 9:15).
Mas tendes chegado ao monte Sião e á cidade do Deus vivo,...e igreja
dos primogênitos arrolados nos céus,...e a Jesus, o Mediador da nova
aliança (Hebreus 12:22, 23, 24).
Essas mensagens inspiradas não recebem a devida consideração na
argumentação de Walvoord. Hebreus 7:22 é sistematicamente omitido
em sua discussão dos textos sobre o novo concerto, de maneira que a
mensagem vital de que Cristo "se tem tornado fiador de superior aliança"
nem sequer é mencionada.29 Em relação a Hebreus 9:15, ele observa:
"Cristo é o Mediador 'de um novo concerto', o que é verdade
naturalmente, tanto em relação ao concerto com a igreja, quanto com
Israel".30 Ao evitar uma explanação de Hebreus 9:15 pelo seu contexto,
Walvoord força um conceito basicamente diferente sobre este texto: o de
que Cristo se tornará o Mediador "de um novo concerto" para a nação
judaica no segundo advento. Ele simplesmente conclui que muitos
dispensacionalistas concordam que "um novo concerto foi provido para a
igreja, mas não o novo concerto para Israel". 31 C. C. Ryrie chega até o
ponto de reconhecer que o novo concerto que Jesus instituiu para a Igreja
na Ceia do Senhor (Mateus 26 :28; Marcos 14:24) outorga todas as
bênçãos importantes prometidas a Israel em Jeremias 31:33-34 para
"aqueles que crêem em Cristo nesta geração'', mas então começa a
retroceder:
Não se pode negar que a Igreja recebe bênçãos similares a aquelas do
novo concerto com Israel, mas a similaridade não é cumprimento...Não
poderia haver um novo concerto para a Igreja bem como um novo concerto
para Israel?...A nova aliança de Hebreus 8:7-13 pertence ao povo judeu e
não á igreja.32
Interpretação Eclesiológica do Remanescente de Israel 23
O dispensacionalismo é forçado a projetar dois diferentes novos
concertos em uma mesma profecia da Escritura! Isto ainda é sustentado
como "sentido normal e literal", "o senso literal ordinário"?33 Se o
"novo" concerto da Igreja não é o novo concerto prometido a Israel,
então onde está o primeiro concerto da Igreja na Escritura (cf. Heb. 8:13)?
Não admira que J. B. Payne ache "difícil de sustentar" a pretensão
dispensacionalista para Hebreus 8-10 – a negação da eficácia do novo
concerto de Jeremias na Igreja. Ela sofre "da inerente dessemelhança de
tal não elaborada sutileza de pensamento", ou seja, que as palavras de
Jeremias se aplicam à Igreja apenas por analogia, mas não em realidade.
Esse raciocínio deprecia o argumento de Hebreus:
Os seus leitores estavam sendo confrontados com a tentação de
escorregar de volta para o cerimonialismo mosaico. E explicar que Jeremias
havia predito que no milênio o cerimonialismo seria substituído por uma
forma mais espiritual de adoração, dificilmente seria tão convincente quanto
citar o profeta para provar a sua substituição no tempo presente. 34
Payne mostra que Hebreus 8:13; 9:14 e 10:16-17 requerem que o
novo concerto de Jeremias 31 seja "um e ...pertença à igreja." O perdão
de pecados que Jeremias promete no novo concerto é agora mediado por
Cristo a todos que têm "intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo
sangue de Jesus" (Hebreus 10:19).
Considerando Hebreus 12:24, o único comentário de Walvoord é:
"A referência é aparentemente ao concerto com a Igreja e não ao novo
concerto com Israel".35 Alguém pode perguntar, contudo, se a Igreja está
separada do concerto de Israel, por que então ela tem "chegado ao monte
Sião e à cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial", ao vir a Jesus como
mediador de uma nova aliança (Hebreus 12:22-24)? Como alguém pode
aqui negar a noção de um cumprimento essencial? Toda a Epístola aos
Hebreus é conduzida, não pela idéia de analogia, mas pela noção do
cumprimento escatológico do concerto de Israel e a mediação tipológica
do santuário (Hebreus 1:1-3, 13). Na vida e ministério de Jesus chegou
aquilo que todos os símbolos e tipos prefiguraram. Por isso o autor de
Hebreus discorre, não sobre alguma analogia imaginária entre os dois
Interpretação Eclesiológica do Remanescente de Israel 24
novos concertos, mas sobre o contraste histórico da salvação na nova
aliança de Cristo com Israel – os doze apóstolos eram todos israelitas – e
da salvação na velha aliança mosaica.
Daniel P. Fuller, portanto, está claramente em harmonia com a
estrutura básica da Epístola aos Hebreus quando conclui:
Ele claramente contrasta esse "novo Concerto" como o velho Concerto
Mosaico em Hebreus 7:22-23; 9:15; 12:18-24, e cita Jeremias 31:33-34 em
apoio desse contraste em Hebreus 8:8-13 e 10:16-17. Tais passagens
oferecem considerável evidência para concluir que esse escritor inspirado
considerava a obra de Jesus como um cumprimento do novo concerto
prometido em Jeremias 31:31-34. Mas, então uma promessa para Israel
encontraria algum cumprimento na Igreja, e isso refutaria a premissa básica
do dispensacionalismo de que o trato de Deus com Israel permanece
separado de Seu trato com a igreja.36
É verdade que o reinado de Cristo sobre a Igreja, que é eficiente em
inclinar o coração e a vida dos crentes individuais (judeus e gentios) à
obediência de fé, ainda não é a glória do futuro reino messiânico. A
segunda vinda traz a sua própria e mais gloriosa consumação do novo
concerto no reino da glória. Mas, essa maior glória nunca deveria nos
levar a negar a verdade e a realidade do cumprimento espiritual do
presente reinado de Cristo (ver Rom. 14:17; 1 Cor. 4:20; Col. 1:13). Ao
1idar com as promessas divinas de um novo concerto em Jeremias 31,
Walvoord tenta sustentar sua aplicação futurista da promessa do "novo
concerto" de Jeremias para a nação judaica no milênio, através de uma
notável desconsideração ao princípio exegético histórico-gramatical. Ele
declara:
O concerto prometia um cumprimento depois dos dias da tribulação de
Israel [Jeremias 30:7] ou a grande tribulação que Cristo predisse (Mateus
24:21). Ela ainda está sincronizada com o tempo da reunião de Israel que é
considerada como uma preparação para o cumprimento do concerto (cf. Jer.
31:1-20) e constitui o contexto imediato da revelação da nova aliança. 37
O contexto histórico no qual Jeremias predisse a salvação de Israel
do "tempo de angústia" (Jeremias 30:7) está claramente afirmado como a
libertação prometida do cativeiro babilônico (Jeremias 30:3; 29:10). Os
Interpretação Eclesiológica do Remanescente de Israel 25
capítulos 30 e 31 de Jeremias contêm uma antologia das promessas
divinas de restauração, escritas pouco depois de Nabucodonosor ter
deportado o rei de Judá para o exílio em 597 A.C. (Jeremias 29),
juntamente com dez mil judeus. Essas promessas de restauração
inspiraram os judeus exilados com uma nova esperança pelo fim dos
profetizados setenta anos de cativeiro Jeremias 25:11; 29:10). Através de
Jeremias, o Senhor prometeu um novo êxodo de Babilônia para um
Israel arrependido e piedoso.
Assim diz o SENHOR: Logo que se cumprirem para a Babilônia setenta
anos, atentarei para vós outros e cumprirei para convosco a minha boa
palavra, tornando a trazer-vos para este lugar....Buscar-me-eis e me
achareis quando me buscardes de todo o vosso coração. Serei achado de
vós, diz o SENHOR, e farei mudar a vossa sorte; congregar-vos-ei de todas
as nações e de todos os lugares para onde vos lancei, diz o SENHOR, e
tornarei a trazer-vos ao lugar donde vos mandei para o exílio (Jeremias
29:10, 13-14).
Esse é o contexto histórico com o qual a promessa do novo concerto
de Jeremias 31:31-34 deve estar relacionada na sua exegese histórica,
mas que é negligenciado na interpretação de Walvoord.
A promessa do novo concerto de Jeremias já começou a ter um
cumprimento inicial no retorno de Israel à terra prometida sob o príncipe
Zorobabel (Esdras 1:1-5; Ageu 2:20-23). Mas o seu cumprimento
histórico imediato não exauriu o significado da promessa. Apenas
quando Cristo reuniu os fiéis israelitas a Si mesmo, o novo concerto de
Jeremias recebeu o seu cumprimento espiritual, porém essencial, no
Israel messiânico, a Igreja (Mat. 12:30; João 12:32; Heb. 8:1-2; 10:15-22).
C. C. Ryrie, contudo, considera a aplicação eclesiológica do novo
concerto de Israel como não tendo nenhum cumprimento. Ele argumenta,
"Se a Igreja não é um assunto da profecia do Velho Testamento, então
ela não está cumprindo as promessas de Israel, mas ao invés disso, o
próprio Israel deve cumpri-las no futuro". 38 Ele até mesmo afirma, "A
Igreja não está cumprindo em qualquer sentido as promessas para
Israel".39 Esta é uma asserção bastante curiosa se comparada com sua
Interpretação Eclesiológica do Remanescente de Israel 26
confissão no mesmo livro de que "as quatro bênçãos importantes
prometidas a Israel em Jeremias 31:31-34, foram todas prometidas
àqueles que crêem em Cristo nesta geração" (regeneração, a habitação do
Espírito Santo, o ensino do Espírito Santo e o perdão de pecados). 40
"Algumas das bênçãos do novo concerto com Israel são aquelas que
gozamos agora como membros do corpo de Cristo".41
Mas em seu aspecto judaico e étnico, Ryrie assegura, o
cumprimento eclesiológico reclamado "altera" ou "muda" o
cumprimento literal.42 Ele até mesmo chama a aplicação eclesiológica
uma ab-rogação do novo concerto de Israel.43 E se admira, "O Novo
Testamento muda tudo isso? Se o faz, o premilenialismo [ler:
dispensacionalismo] está enfraquecido"." Admite que a construção
dispensacionalista dos dois novos concertos não é absolutamente nada
mais do que uma inferência necessária para sustentar a sua doutrina do
literalismo étnico em profecia. "A indução de que haja dois novos
concertos fortalece a posição premilenial".45 A premissa de Ryrie de que
o cumprimento eclesiológico implica a ab-rogação do novo concerto de
Israel é um non sequitur, uma ação não-justificada para uma conclusão
que não tem fundamento ou justificativa no Novo Testamento.
A interpretação eclesiológica não pode ser considerada como ab-
rogação do novo concerto de Israel, porque o próprio Cristo instituiu o
sacramento da Última Ceia como o cumprimento do concerto predito de
Jeremias, utilizando-se das palavras, "Este é o cálice da nova aliança no
meu sangue derramado em favor de vós... para remissão de pecados"
(Lucas 22:20; Mateus 26:28; cf. Jeremias 31:34).
Em relação à insistência do literalismo étnico no cumprimento
profético, o apóstolo Paulo enfaticamente corrige tal necessidade auto-
imposta ao apontar para a teologia familiar do remanescente nos próprios
profetas. Os crentes gentios são incluídos no remanescente escatológico
de Israel.
E não pensemos que a palavra de Deus haja falhado, porque nem
todos os de Israel são, de fato, israelitas; nem por serem descendentes de
Interpretação Eclesiológica do Remanescente de Israel 27
Abraão são todos seus filhos; mas: Em Isaque será chamada a tua
descendência. Isto é, estes filhos de Deus não são propriamente os da
carne, mas devem ser considerados como descendência os filhos da
promessa (Romanos 9:6-8).
Vós, porém, irmãos, sois filhos da promessa, como Isaque (Gálatas
4:28).
Assim, pois, também agora, no tempo de hoje, sobrevive um
remanescente segundo a eleição da graça (Romanos 11:5).
De acordo com Hebreus 8-12, a Igreja de Jesus representa o
verdadeiro cumprimento do novo concerto predito por Jeremias. Longe
de ser uma ab-rogação do novo concerto de Israel, é, ao invés disso, um
tipo e uma garantia da consumação final do novo concerto, quando os
verdadeiros israelitas de todas as eras se ajuntarão às bodas do Cordeiro
na Nova Jerusalém (Mateus 8:11, 12; 25:34; Apocalipse 19:9; 21:1-5).
Concluímos, por isso, com J. Barton Payne: "A Igreja representa a
consumação da história de Hebreus. Ela constitui o cumprimento do
novo testamento a ser feito 'com a casa de Israel e com a casa de Judá'
(Jer 31:31, Heb 8:8, 10:17-19)".46

Referências Bibliográficas:
1. Ryrie, Dispensacionalism Today, pp. 132, 133.
2. Ryrie, The Basis of the Premillennial Faith, p. 126.
3. Ryrie, Dispensacionalism Today, pp. 46-47.
4. Ibid., p. 138.
5. Ver Pentecost, Things to Come, pp. 91, 465. Ladd, A Theology of
the New Testament, a nota da página 200 comenta, "isso, contudo, é uma
interpretação forçada."
6. W. Trilling, Das Wahre Israel. Studien zur Theologie dês Mattheus-
Evangeliums, Stud. A. Sund N. T., Bd X (München: Kösel Verlag, 1964),
p. 65 (tradução do autor).
7. Ladd, A Theology of the New Testament, p. l13. No capítulo 8, "The
Kingdom and the Church", Ladd apresenta um esplêndido estudo sobre a
diferença e o inter-relacionamento entre o Reino de Deus e a Igreja.
Interpretação Eclesiológica do Remanescente de Israel 28
8. F. F. Bruce, em The New Bible Dictionary, ed. J. D. Doulas (Grand
Rapids, Mich.: Wm. B. Eerdmans Pub. Co., 1979; reprint ed.), p. 558.
9. G. F. Hasel, "Remnant", em ISBE, new ed., section III C2.
10. Ladd, The Last Things, pp. 17, 18. Cf. também Bruce, New
Testament Development of Old Testament Themes, p. 79.
11. B. Reicke, The Epistle of James, Peter and Jude, The Anchor Bible,
vol. 37 (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1964), p. 93.
12. Ryrie, The Basis of the Premillennial Faith, p. 69.
13. J. C. DeYoung, Jerusalem in the New Testament (Kampen: Kok,
1960), p. 106.
14. H. Ridderbos, The Epistle of Paul in the Churches of Galatia,
NICNT (Grand Rapids, Mich.: Wm. B. Eerdmans Pub. Co., 1957), p. 179.
15. Payne, Encyclopedia of Biblical Prophecy, p. 100, n. 183.
16. J. F. Walvoord, Israel in Prophecy (Grand Rapids, Mich.:
Zondervan, 1962), p. 59.
Ryrie, The Basis of the Premillennial Faith, p. 69.
17. Assim também U. Luiz, Das Geschichtsverständnis bei Paulus
(München: C. Kaiser, 1968), p. 269; Ridderbos, The Epistle of Paul in the
Churches of Galatia, p. 227; Ladd, A Theology of the New Testament, p.
539, que se refere a outros eruditos do NT. Contudo, nem todos concordam
(sobre Gálatas 6:16). Ver W. Hendriksen, Israel in Prophecy (Grand
Rapids, Mich.: Baker Book House, 1974), pp. 33-34.
18. Ryrie, Dispensacionalism Today, p. 149.
19. P. Richardson, Israel in the Apostolic Church (Cambridge:
Cambridge University Press, 1969), pp. 82, 83, 89.
20. Ibid., p. 80.
21. M. Barth, Israel und die Kirche im Brief des Paulus na die Epheser,
Theol. Existenz Heute, NF NR 75 (München: Kaiser Verlag, 1959), p. 8.
22. Ver ibid., p. 14.
23. M. M. Bourke, em The Jerome Biblical Commentary, ed. R. E.
Brown, J. A. Fitzmyer, e R. E. Murphy (Englewood Cliffs, N. J.: Prentice-
Hall, 1968), p. 396 (no. 47).
Interpretação Eclesiológica do Remanescente de Israel 29
24. J. F. Walvoord, The Millennial Kingdom (Grand Rapids, Mich.:
Zondervan, 1974), pp. 109, 110.
25. Ibid., p. 209.
26. Ibid., p. 215; cf. também sua confissão: "Há problemas que
permanecem na compreensão premilenial [ler: dispensacionalista] dessa
passagem [Hebreus 8]", Israel in Prophecy, p. 54.
27. Walvoord, The Millennial Kingdom, p. 219 (ênfase acrescentada).
Ver também Ryrie, The Basis of the Premillennial Faith, p. 118.
28. Walvoord, The Millennial Kingdom, pp. 216, 217.
29. Ambos os seus trabalhos, The Millennial Kingdom e Israel in
Prophecy ignoram a existência de Hebreus 7:22.
30. Walvoord, The Millennial Kingdom, p. 218.
31. Ibid., p. 214.
32. Ryrie, The Basis of the Premillennial Faith, p. l17, 118, 122.
33. Ver as reivindicações de Walvoord em Israel in Prophecy, pp. 44,
48, 93, 121.
34. Payne, Encyclopedia of Biblical Prophecy, p. 328, n. 24.
35. Walvoord, The Millennial Kingdom, p. 218.
36. Daniel P. Fuller, Gospel and Law: Contrast or Continuum? The
Hermeneutics of Dispensationalism and Covenant Theology (Grand Rapids,
Mich.: Wm. BB. Eerdmans Pub. Co., 1980), p. 165.
37. Walvoord, The Millennial Kingdom, p. 211.
38. Ryrie, The Basis of the Premillennial Faith, p. 126.
39. Ibid., p. 136.
40. Ibid., p. l18.
41. Ibid., p. 124.
42. Ibid., p. 105.
43. Ibid., p. 125.
44. Ibid., p. 115.
45. Ibid., p. 125.
46. Payne, Encyclopedia of Biblical Prophecy, p. 100.

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