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COMO ESTUDAR A BÍBLIA

“Eis que vêm dias, diz o Senhor Deus, em que enviarei fome sobre
a terra, não de pão, nem sede de água, mas de ouvir a palavra do
Senhor” (Amós 8:11).

“Ora, estes de Beréia... receberam a Palavra com toda a avidez,


examinando as Escrituras todos os dias para ver se as coisas
eram, de fato, assim” (Atos 17:11).

“Outra razão ainda temos nós para, incessantemente, dar graças a


Deus: é que, tendo vós recebido a palavra que de nós ouvistes,
que é de Deus, acolhestes não como palavra de homens, e sim
como, em verdade é, a palavra de Deus, a qual, com efeito, está
operando eficazmente em vós, os que credes” (1 Tessalonicenses
2:13).

“Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a


repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de
que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para
toda boa obra” (2 Timóteo 3:16-17).

Paulo Roberto Rückert

Maria Luiza Rückert

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Introdução

O estudo da Bíblia requer uma compreensão da história que envolve o surgimento de sua
mensagem. A Bíblia surgiu em meio a uma realidade histórica: o povo de Israel vivenciou a
presença e a orientação do único e verdadeiro Deus. E o povo registrou essa vivência de fé. E a
Bíblia chegou até nós.
A civilização ocidental recebeu um legado original do Antigo Testamento: o monoteísmo
ético. É a percepção de que o único Deus compromete a pessoa a orientar sua vida mediante
princípios éticos. O monoteísmo ético ultrapassa uma crença vaga em algum poder superior. Mais
tarde, Tiago soube formular muito bem esta questão em sua carta: “Crês, tu, que Deus é um só?
Fazes bem. Até os demônios crêem e tremem” (2:19). A entrega dos Dez Mandamentos e a
formulação de toda a legislação do Antigo Testamento apontam para a fé em Deus e seu
compromisso ético.
Uma vez constatado que fé e ética estão interligadas, compreende-se porque a idolatria
sempre foi combatida em Israel. Acontece que a conseqüência da idolatria sempre foi a injustiça
social. Quando o rei Acabe se deixou enredar pela idolatria praticada por Jezabel, o casal
desenvolveu um plano criminoso para se apoderar da vinha de Nabote (1 Rs 21). Isso mostra que o
monoteísmo bíblico não se restringe a um postulado dogmático, mas tem conseqüências na vida do
povo de Deus.
Em meio às distorções espirituais, éticas, sociais e políticas surgiam os profetas. Eram
homens vocacionados por Deus, para chamar o povo ao arrependimento e a uma meia-volta
(conversão). Eles surgiam em situações de crise. Não tinham o respaldo institucional, como os
sacerdotes. Só podiam contar com Deus. Dentro de seu contexto social, eram homens solitários.
Graças à atuação dos profetas, nós contamos hoje com uma verdadeira riqueza teológica. Por esse
motivo, a mensagem dos profetas recebe destaque neste livro.
O Antigo Testamento é perpassado por uma tensão que ocorre entre a promessa de Deus e a
infidelidade do povo. Seria a conduta do povo capaz de anular as promessas de Deus? Estaria Deus
disposto a assegurar suas promessas em meio a tanta desobediência? Desde o período dos Juízes até
o exílio na Babilônia, o castigo divino tem um caráter corretivo.
Como povo escolhido por Deus, os israelitas corriam o risco de se acomodar. O livro de Jonas
é uma crítica à falta de missão. O rompimento entre judeus e samaritanos é uma decorrência dessa
ausência de visão missionária. Ao chamar Abraão, Deus havia declarado: “em ti serão abençoadas
todas as famílias da terra” (Gn 12:3).
Os israelitas haviam desenvolvido a doutrina da retribuição, ou seja, a convicção de que os
justos serão abençoados e os maus serão castigados. Durante longo tempo, o povo se comportou
como se a doutrina da retribuição funcionasse automaticamente. Quando o povo teve que ir para o
exílio na Babilônia, muitas questões tiveram que ser repensadas. As circunstâncias provocaram o
amadurecimento da sabedoria israelita, destacando-se o livro de Jó e Eclesiastes. Esses dois escritos
contestam a doutrina da retribuição, pois constatam que a existência humana se defronta com a
ameaça constante do caos. O mesmo caos, que foi superado na criação do universo, está sempre
prestes a retornar – como aconteceu no dilúvio. Também hoje o caos se faz presente por meio da
doença, do sofrimento psíquico, da maledicência, da inveja e em todo tipo de desintegração da vida.
Jó e Eclesiastes representam o ápice da sabedoria israelita, mostrando que o ser humano precisa
aprender a conviver com o caos. Ninguém está livre desse confronto. O caos integra a dinâmica da
vida. Em tempo seco, a chuva é uma bênção. Na inundação, ela é uma tragédia. Nós só valorizamos
a saúde, porque existe o risco da doença. Preferimos a alegria em relação à tristeza. E o limite entre
o amor e o ódio é muitas vezes tênue. A paz pode ser interrompida pela guerra. Na vida, tudo se
depara com o seu contrário. Eclesiastes compreendeu essa profundidade existencial (3:1-8).
Os israelitas amadureceram. E o Antigo Testamento registra esse amadurecimento, que
ocorreu em todos os âmbitos da existência. No âmbito da moralidade, observamos que o patriarca
Jacó casou com duas irmãs, o que é relatado com naturalidade, mas em Lv 18 essa prática é
severamente proibida. A moralidade israelita evoluiu. Os Dez Mandamentos são anunciados com a

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esta admoestação de Deus: “visito a iniqüidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração
daqueles que me aborrecem e faço misericórdia até mil gerações daqueles que me amam e guardam
os meus mandamentos” (Ex 20:5-6). Mais adiante, o profeta Ezequiel acentua a responsabilidade
pessoal; a retribuição é individual e não coletiva ou hereditária (cap 18). São duas experiências que
se complementam.
O próprio Deus foi se revelando progressivamente. “Deus falou a Moisés e lhe disse: Eu sou
Iahweh. Apareci a Abraão, a Isaac e a Jacó como El Shaddai; mas meu nome, Iahweh, não lhes fiz
conhecer” (Êxodo 6:2-3).
A dura lição do exílio provocou um amadurecimento teológico. Ocorreu uma transição do
Henoteísmo para o Monoteísmo. O Henoteísmo afirma a adoração exclusiva de um Deus, que é
superior aos demais deuses (2 Cr 2:5). O Monoteísmo declara que há um só Deus e os ídolos são
nulos e inexistentes (Is 43:10; 44:6)
A partir da afirmação do Monoteísmo, o povo constatou que, em meio à realidade do exílio,
Deus continua com o controle dos acontecimentos. O exílio não foi uma derrota do Deus de Israel,
mas ocorreu por vontade do Senhor, pois todos os acontecimentos são conduzidos pelo desígnio
divino. O agir de Deus não se restringe ao povo de Israel, mas abrange o universo inteiro.
Jesus de Nazaré inaugurou o Reino de Deus.
A mensagem do Novo Testamento é a proclamação de Jesus Cristo. Na existência histórica de
Jesus de Nazaré ocorreu o encontro do divino com o humano, da eternidade com o tempo, da
transcendência com a imanência. Na condição de ser humano, Jesus conseguiu viver plenamente a
dimensão divina. Jesus é o Filho de Deus, que está acima dos anjos (Hb 1:5-14), e também é
“semelhante aos irmãos” (2:17).
Com sua atuação, morte e ressurreição, Jesus cumpriu a sua missão. Realizando o plano de
Deus, Jesus venceu todos os poderes hostis ao Reino dos Céus. Ele despojou principados e
potestades, pois triunfou sobre eles na cruz (Cl 2:15). Vitorioso, Jesus foi exaltado à direita de
Deus, “ficando-lhe subordinados anjos, e potestades e poderes” (1 Pd 3:22). A partir da vitória de
Jesus, todas as adversidades que oprimem o ser humano e todos os poderes espirituais estão
submetidos a Cristo (Ef 1:20-22). O mundo foi julgado e o seu príncipe (o diabo) expulso (Jo 12:31
e Ap 12:9). Satanás está derrotado (Lc 10:18). O caos foi vencido, mas ainda não foi eliminado. Os
cristãos ainda precisam aprender a conviver com a presença das forças desagregadoras em sua
existência. No final dos tempos, quando Cristo entregar toda a realeza a Deus Pai, toda a
adversidade e hostilidade ao Reino serão destruídas (1 Co 15:24 e Rm 16:20).
Jesus expulsou demônios com o Espírito de Deus. A Igreja vive a partir da certeza de que
Jesus é o “mais forte” (Lc 11:20-22; Mc 1:24 e 4:41) e é capaz de desarmar Satanás. Jesus veio para
“destruir as obras do diabo” (1 Jo 3:8). Desse modo, Jesus é vitorioso sobre a doença (1 Pd 2:24).
Com a vitória de Cristo sobre os poderes espirituais, nada mais pode nos separar do amor de
Deus (Rm 8:38-39). Em meio às adversidades, precisamos perseverar (Ap 2:10).
O mesmo Jesus Cristo prossegue atuando em sua Igreja. A obra continua. Todo o Novo
Testamento mostra a convicção de que a obra é permanente.
Enquanto que no Antigo Testamento o Espírito de Deus era concedido às lideranças do povo,
agora o Espírito Santo é concedido aos que crêem em Jesus (Jo 7:39). O Espírito é o poder de
ressurreição que atua na Igreja e na vida de cada membro (Rm 8:11).
A revelação de Deus atinge o seu ponto culminante e definitivo. “E não há salvação em
nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, pelo qual importa que sejamos
salvos” (At 4:12).
Assim aconteceu a reconciliação proposta por Deus. “Agora, pois, já nenhuma condenação há
para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8:1).

Paulo Roberto Rückert

Maria Luiza Rückert

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A Bíblia é o conjunto dos livros que constituem o Antigo Testamento e o Novo Testamento. O nome
ta Biblía provém do grego e significa “os livros”. Mais tarde passou-se a usar a palavra latina biblia no
singular.

O termo “testamento” é a tradução da palavra grega diathéke, que significa “aliança”, “pacto” ou
“contrato”. É por intermédio de uma aliança que Deus estabelece um compromisso com o seu povo. Deus
abençoa, protege e salva, e o povo se compromete a obedecer e permanecer fiel à Palavra do Senhor. A
aliança implica reciprocidade. Deus quer fazer história com o seu povo, fazendo-se presente como libertador.
O povo se compromete a perguntar constantemente pela vontade do Senhor, para poder cumpri-la.

O Antigo Testamento é a aliança que Deus estabeleceu com seu povo no Sinai, quando entregou os
Dez Mandamentos. É o pacto que Deus estabeleceu com o povo que ele escolheu.

O Novo Testamento é a aliança que Deus estabeleceu por intermédio de Jesus Cristo. É a aliança
definitiva e plena entre Deus e toda a humanidade. É a revelação plena e definitiva de Deus.

Por intermédio do profeta Jeremias, Deus anunciou a celebração de uma nova aliança (Jr 31:31-34).
A nova aliança foi estabelecida mediante o sangue de Jesus Cristo, como ele próprio testemunhou com a
instituição da Ceia do Senhor (Lc 22:20). Os cristãos perceberam que o período anterior a Jesus Cristo
abrange o âmbito da antiga aliança, como observamos em 2 Co 3:14.

O Antigo Testamento foi escrito em hebraico. Algumas partes foram escritas em aramaico (Dn 2:4b-
7:28; Ed 4:8-6:18; 7:12-26 e Jr 10:11).
O Novo Testamento foi escrito em grego coiné, a língua comum da época. Era o idioma falado em
toda bacia oriental do Mediterrâneo e em grande parte do sul da Itália e até mesmo em Roma.

O Antigo Testamento foi escrito entre 1250 e 167 antes de Cristo.


O Novo Testamento foi escrito entre os anos 51 e 95 da nossa era.

No ano 250 aC, o Antigo Testamento foi traduzido do hebraico para o grego. É a tradução dos
Setenta, também conhecida pelo nome latino Septuaginta, ou pela sigla LXX. Essa tradução contém 7 livros
a mais, que são: Tobias, Judite, Baruque, Eclesiástico, Sabedoria, 1 e 2 Macabeus. Esses livros não constam
na Bíblia Hebraica.
Tornou-se necessário estabelecer um critério para delimitar o Antigo Testamento. Esse critério é
denominado de cânon. Esse termo também provém do grego e significa “medida”, “norma”, “critério”.
A lista definitiva dos livros do Antigo Testamento foi fixada no Sínodo de Jâmnia, no ano 90 da
nossa era. O cânon hebraico contém 39 livros.
Mais tarde, os cristãos também se depararam com a necessidade de delimitar o Novo Testamento.
Portanto, cânon é a lista oficial dos livros que compõem o Antigo Testamento e o Novo Testamento.
Para a escolha dos livros, foram usados dois critérios: autenticidade e conteúdo.
Os livros do Novo Testamento foram declarados canônicos pelo Bispo Atanásio, no ano 367. Mais
tarde, o cânone foi ratificado por diversos sínodos.
O cânon veio a ser um recurso para definir a fé cristã. Evitava-se, dessa maneira, as distorções
doutrinárias e os cristãos queriam atender esta exortação: “estando sempre preparados para responder a todo
aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós” (1 Pedro 3:15).

A Reforma Protestante do século XVI adotou o cânon hebraico. Nos dias de hoje, as igrejas
evangélicas seguem o critério da Reforma Protestante e adotam o cânon hebraico. Os sete livros, que foram
incluídos na tradução do AT para o grego, não são considerados inspirados como Escritura Sagrada. Por essa
razão, as Bíblias editadas pelos evangélicos contêm 39 livros do AT e 27 do NT, totalizando 66 livros.
A Bíblia contém 1189 capítulos.
Ser lermos 1 capítulo por dia, vamos ler a Bíblia toda em 3 anos, 3 meses e 4 dias.

Entre os anos 392 e 405, o teólogo Jerônimo traduziu o Antigo Testamento do hebraico para o latim.
Essa tradução tornou-se conhecida como Vulgata Latina. Foi a primeira Bíblia impressa por Gutenberg, em
1542.

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O ANTIGO TESTAMENTO é dividido a partir da ordem tradicional da Bíblia Hebraica. Essa
divisão é conhecida pela sigla Tanak, que é formada a partir destas três palavras hebraicas: Torah (Lei),
Nebihim (Profetas) e Ketubim (Escritos).

As edições evangélicas da Bíblia Sagrada adotam a seguinte ordem:


O Pentateuco, palavra que vem do grego e significa “cinco rolos”. Os cinco primeiros livros do AT
são: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio.

Os livros históricos são: Josué, Juízes, Rute, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis, 1 e 2 Crônicas, Esdras,
Neemias e Ester.

Os livros poéticos (de sabedoria) são: Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos.

Os Profetas. Encontramos os profetas maiores: Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel. O livro das
Lamentações de Jeremias está incluído nesta relação, perfazendo um número de cinco.
Por fim, temos os doze profetas menores: Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum,
Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.

No NOVO TESTAMENTO encontramos os quatro Evangelhos: Mateus, Marcos, Lucas e João.


Mateus, Marcos e Lucas são os Evangelhos Sinóticos. Sinótico significa “olhar na mesma direção”. O
evangelho segundo Mateus foi colocado no início do NT, pois ele está interessado na relação entre a fé cristã
e o AT, o povo da antiga aliança. Mateus representa uma ponte entre as duas alianças.

Atos dos Apóstolos narra o surgimento da Igreja. É o livro histórico do Novo Testamento.

As cartas de Paulo são: Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, 1 e 2


Tessalonicenses, 1 e 2 Timóteo, Tito e Filemom. As cartas de Paulo foram relacionadas de acordo com o
tamanho, começando a partir da maior.

O escrito aos Hebreus é na verdade um tratado teológico.

As cartas universais são: Tiago, 1 e 2 Pedro, 1, 2 e 3 João e Judas.

O Apocalipse foi escrito por João e pertence ao gênero apocalíptico e profético.

Em 1214, o arcebispo de Canterbury, Stephan Langton, procurou facilitar o manuseio da Bíblia e


dividiu-a em capítulos.
Em 1527, Santes Panini elaborou uma divisão da Bíblia em versículos. Mas os versículos eram muito
longos.
Em 1551, o tipógrafo francês Robert Etienne, conhecido por Stephanus, publicou o Novo
Testamento em grego e em latim com uma divisão mais funcional. Portanto, a divisão da Bíblia nos
versículos atuais foi publicada em 1551.

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METODOLOGIA DE ESTUDO

Para obtermos uma visão abrangente do Antigo Testamento, torna-se necessário dividi-lo
em cinco blocos.
O primeiro bloco é o Pentateuco, que é constituído dos seguintes livros: Gênesis, Êxodo,
Levítico, Números e Deuteronômio. Também o Pentateuco contém unidades maiores, como a
Proto-história (Gn 1-11), e círculos de tradições. O primeiro círculo de tradições contém narrativas
a respeito dos patriarcas Abraão, Isaque e Jacó, incluindo José no Egito (Gn 12-50). O segundo
círculo de tradições contém narrativas sobre o Êxodo (Ex 1:1-15:21). O terceiro círculo de tradições
contém narrativas da revelação de Deus no Sinai (Ex 19:1-Nm 10:32). O quarto círculo de tradições
narra as etapas da caminhada no deserto (Ex 15:22-18:27 e Nm 10:33-Dt 34).
Portanto, o Pentateuco abrange a Proto-história e quatro círculos de tradições.
A seguir, deparamo-nos com a Obra Historiográfica Deuteronomista. Os livros de Josué,
Juízes, 1 Samuel, 2 Samuel, 1 Reis e 2 Reis narram a história do povo de Deus desde a entrada na
Terra Prometida até o exílio na Babilônia. São sete séculos de história. A história é avaliada a partir
da teologia do Deuteronômio: se o povo é fiel a Deus, então pode esperar todas as bênçãos. Em Dt
30:15-20 encontramos um resumo da teologia do Deuteronômio.
A história do povo de Deus também é avaliada pela Obra Historiográfica do Cronista. Os
livros de 1 Crônicas, 2 Crônicas, Esdras e Neemias fazem uma reavaliação da história, começando
com Adão e se estendendo até o exílio na Babilônia. A história é interpretada a partir da fé de
recompensa. A relação entre Deus e o povo transcorre de acordo com a doutrina da retribuição. A
historigorafia do Cronista explica porque um rei perverso, como Manassés, teve um reinado longo,
enquanto que um rei piedoso, como Josias, morreu prematuramente. A doutrina da retribuição é
desenvolvida em seu grau mais elevado.
No contexto histórico do Cronista também devem ser estudados os livros de Rute e Ester.
Estudamos a seguir os Profetas. Agrupamos os profetas apenas para fins pedagógicos. Mas
eles devem ser estudados dentro de seu contexto histórico. Os profetas maiores são: Isaías,
Jeremais, Ezequiel e Daniel. Os profetas menores são: Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas,
Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias. A classificação em profetas
maiores e menores obedeceu apenas o critério da produção literária. Um profeta classificado como
menor pode ter tido uma atuação decisiva em sua época. O profeta Elias nem deixou obra escrita, e
ele se tornou um paradigma do profetismo.
Estudamos também os Livros de Sabedoria: Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cântico
dos Cânticos. É o posicionamento da sabedoria israelita perante os questionamentos existenciais.
O Novo Testamento apresenta uma estrutura bastante didática.
No início estão os quatro Evangelhos. Mateus, Marcos e Lucas são os evangelhos sinóticos,
isto é, um “olhar na mesma direção”. O conteúdo dos três sinóticos pode ser estudado em colunas
paralelas. João interpreta os acontecimentos a partir de uma avaliação teológica própria.
Estabelecendo uma ligação entre os evangelhos e as cartas, encontramos Atos dos
Apóstolos, apresentando o desenvolvimento e a expansão da igreja primitiva.
As Cartas de Paulo são apresentadas no NT numa seqüência de tamanho: da maior à
menor. Romanos, 1 Coríntios, 2 Coríntios, Gálatas, Filipenses, Colossenses, 1 Tessalonicenses, 2
Tessalonicenses, 1 Timóteo, 2 Timóteo, Tito e Filemom. Se lermos as cartas na ordem em que
foram escritas, então é importante fazermos o confronto entre o que Paulo disse a cada comunidade,
em tempos e circunstâncias diferentes. Uma boa indicação é lermos Atos, intercalando a leitura da
respectiva carta dirigida à igreja fundada por Paulo. Exemplo: ao lermos At 16:11-40, devemos
também ler a carta aos filipenses. At 17 mostra o contexto das duas cartas aos tessalonicenses e At
18, o das duas cartas aos coríntios. Com esse procedimento, deparamo-nos com o “lugar vivencial”
das cartas de Paulo. Para nosso estudo, apresentamos as cartas de Paulo na ordem cronológica.
O escrito aos Hebreus é na verdade um Tratado Teológico.
As Cartas universais são sete: Tiago, 1 Pedro, 2 Pedro, 1 João, 2 João, 3 João e Judas.
O Apocalipse foi escrito por João e pertence ao gênero apocalíptico e profético.

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PLANO PARA LEITURA DA BÍBLIA

1. Gênesis 1-11 = A Criação do mundo. O projeto de Deus com a humanidade toda.

2. Gênesis 12-50 = Deus escolhe o povo de Israel. A promessa aos patriarcas.

3. Libertação do Egito, Êxodo, Aliança no Sinai, Caminhada no deserto.


Livros: Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio.

4. A conquista da Terra Prometida e o período dos Juízes.


Livros: Josué, Juízes, 1 Samuel 1-7.

5. Israel torna-se uma monarquia. Os reis Saul, Davi e Salomão.


Livros: 1 Samuel 8-31; 2 Samuel; 1 Reis 1-11; 1 Crônicas e 2 Crônicas 1-9.

6. A divisão em dois reinos: Judá e Israel.


Livros históricos: 1 Reis 12-22; 2 Reis; 2 Crônicas 10-36.
Profetas: Amós, Oséias, Isaías 1-39, Miquéias.

7. A queda dos dois reinos e o exílio.


Reino do Norte: 2 Reis 17. Reino do Sul: 2 Reis 24-25 e 2 Crônicas 36.
Profetas: Naum, Habacuque, Sofonias, Jeremias, Lamentações, Ezequiel, Isaías 40-55.
O povo se dedicou à releitura da Aliança no Sinai (Deuteronômio).

8. Retorno e restauração.
Livros históricos: Esdras e Neemias.
Profetas: Ageu, Isaías 56-66, Zacarias 1-8; Malaquias, Obadias, Jonas, Joel.
Escritos de sabedoria: Jó, Provérbios, Salmos, Rute.

9. Período helenista – dominação da Síria (Selêucidas).


Livro de história: Ester.
Profetas: Zacarias 9-14 e Daniel.
Escritos de Sabedoria: Eclesiastes e Cantares.

10. Evangelhos Sinóticos e Atos dos Apóstolos.


Marcos, Mateus, Lucas e Atos.

11. O evangelho de João.

12. As cartas de Paulo.


1 Tessalonicenses, 2 Tessalonicenses, Filipenses, Colossenses, Filemom, 1 Coríntios, 2
Coríntios, Gálatas, Romanos, 1 Timóteo, Tito, Efésios, 2 Timóteo.

13. Tratado teológico aos Hebreus.

14. As cartas universais.


1 Pedro, Tiago, Judas, 2 Pedro, 1 João, 2 João, 3 João.

15. O Apocalipse.

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Breve história de Israel
A Bíblia continua sendo o livro mais divulgado e também o mais traduzido em todo o
mundo.
A Bíblia é o testemunho da revelação de Deus para toda a humanidade.
Revelação é desvendar a vontade de Deus em relação a esta realidade e no transcurso da
História. O conteúdo da revelação é o próprio Deus. Não se trata da revelação de ensinamentos
abstratos, mas do agir do próprio Deus. Ele é o conteúdo e o sujeito da revelação.
A revelação de Deus, que é o agir do próprio Deus junto à sua obra criada, pode se expressar
como graça ou juízo, amor ou ira. A partir de sua vivência de fé, a pessoa interpreta os
acontecimentos.
O Antigo Testamento expõe acontecimentos com caráter histórico e proto-histórico. Todos
os relatos bíblicos trazem consigo a intenção de transmitir uma mensagem. Não se trata de um
ensinamento sobre um assunto atemporal, mas é a comunicação de um evento que traz consigo o
apelo para que os ouvintes se posicionem perante a existência concedida pelo Criador.
A proto-história abrange os primeiros onze capítulos da Bíblia. Depois de várias tentativas
com a toda humanidade, Deus chama para si um povo por intermédio da vocação de Abraão.
O propósito do Antigo Testamento é testemunhar que Israel é o povo de Deus. Este povo
apresenta uma singularidade: ele é conduzido por Deus! Com esta consciência, o povo de Israel
narra sua história. Ao falar e agir com seu povo, Deus se revelou na história, isto é, na caminhada
deste povo!
O menor de todos os povos é escolhido por Deus e libertado do Egito (Dt 7:7-8). Deus agiu
por amor e em fidelidade ao juramento feito aos Patriarcas. Por amor aos patriarcas, Deus escolheu
a descendência deles (Dt 4:37). Portanto, a eleição de Israel não se baseia na retidão e na justiça do
povo, mas no amor de Deus (Dt 9:4-9).
A tradição histórica do AT mostra que o povo de Israel tinha consciência de que não vivia
desde o início na terra que veio a ser o seu espaço vital. Deus conduziu o povo para a terra que ele
havia prometido aos patriarcas. Foi a condução de Deus que proporcionou uma pátria ao povo.
Quando Deus envia mensageiros, isto pressupõe a existência de um abismo entre o Criador e
a humanidade. A mensagem aponta para esse abismo, mas também propõe a superação dessa
distância.
O distanciamento entre Deus e os seres humanos aconteceu ao longo da história. No início
não foi assim. O abismo não pertence à essência do relacionamento entre Deus e sua criação. Em
seus primeiros capítulos, a Bíblia relata e descreve a proximidade de Deus, declarando que o
Criador passeava no jardim e conversava diretamente com as pessoas. São maneiras de dizer que
não havia ruptura entre Deus e sua obra criada. A Bíblia nos transmite que o distanciamento entre
Deus e a humanidade não é o normal e nem o correto. O distanciamento foi provocado pelo ser
humano. E então cessou o diálogo direto e pessoal entre Deus e suas criaturas.
Os antepassados dos israelitas eram semitas semi-nômades, criadores de ovelhas e cabras.
Eles se locomoviam pelo Crescente Fértil (uma região em forma de meia-lua, que se estende desde
os rios Tigre e Eufrates até a Palestina).
Os dois grupos semitas mais conhecidos são os amorreus (emoritas) e os arameus. O Credo
Histórico (Dt 26:5) declara que o antepassado dos israelitas foi um “arameu errante”.
O povo começou a preservar suas tradições literárias.
Um primeiro círculo de tradições contém narrativas a respeito dos patriarcas Abraão, Isaque
e Jacó. Eram criadores de ovelhas e viviam em tendas. O modo de vida desses semi-nômades se
assemelha ao dos hapiru. Os patriarcas não possuíam uma terra. Sua existência estava ameaçada por
todo tipo de perigos, mas eles sempre eram preservados por Deus.
As histórias dos patriarcas tornaram-se narrativas populares. Mas, por que elas foram
transmitidas de uma geração a outra a ponto de se tornarem Escritura Sagrada?
Os patriarcas não eram figuras idealizadas. Abraão é o pai da fé, mas também é um homem
hesitante, que recorreu a uma meia-verdade, quando apresentou Sara como sua irmã, para não

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correr risco de morte. O comportamento de Isaque foi idêntico. Jacó esteve longe de ser uma figura
exemplar. Sua existência foi marcada pela astúcia, começando pela maneira como ele obteve – com
o auxílio da mãe – o direito de primogenitura.
Os textos bíblicos narram a respeito dos patriarcas com muito realismo. Mas, as
embrulhadas e complicações dos patriarcas não estão em primeiro plano. O comportamento deles
não decide o transcurso dos acontecimentos. Em meio a todas essas circunstâncias percebe-se um
fio condutor: a proteção e a bênção de Deus.
Quando Deus ordenou a Abraão sair de sua terra (Gn 12:1), a única garantia do patriarca foi
a condução divina.
Mesmo nas situações mais difíceis e aparentemente sem saída, os patriarcas puderam contar
com a intervenção de Deus. No final da história de José está expressa a proteção divina (Gn 50:20).
A proteção de Deus vem acompanhada de bênção (Gn 12:2). Deus conduziu os patriarcas e
também os abençoou ricamente. Aquele que saiu de sua terra e partiu para o desconhecido, veio a
ser o patriarca de um povo numeroso.
Passamos a compreender porque os israelitas transmitiam adiante essas narrativas. Elas
tratam do início da história do povo. Mostrava-se assim que o surgimento do povo era decorrente da
bênção de Deus. Toda a existência do povo era compreendida a partir da bênção de Deus.
Por fim, a bênção dirigida a Abraão deve ser estendida a todos os povos (Gn 12:3).
Um povo pequeno e insignificante é escolhido para ser instrumento da bênção de Deus
perante todos os povos. Israel passa a ter um significado decisivo perante todos os povos, mesmo
não apresentando méritos para essa escolha.
O povo sempre se defrontou com o perigo de se dar por satisfeito com a escolha divina. Os
profetas sempre alertaram para a missão de Israel perante a humanidade. A fidelidade de Deus à
eleição de seu povo impediu que os israelitas fossem entregues definitivamente ao juízo.
Na época dos patriarcas havia grandes e pomposas religiões no Antigo Oriente,
principalmente no Egito e na Mesopotâmia. Essas religiões se extinguiram e seus deuses se
desvaneceram. No entanto, a fé dos hapiru subsiste até hoje.
O monoteísmo dos israelitas está vinculado à história do povo. E o surgimento do povo de
Israel tem um significado para a humanidade inteira. O Criador do universo se revelou à
humanidade como sendo o Deus de Israel.
Mais tarde, os patriarcas do povo eleito foram ao Egito por causa da fome. Mas, lá o povo
foi escravizado. Em meio aos trabalhos forçados, despontou Moisés com uma mensagem de Deus.
Era a promessa de libertação e de uma nova pátria: a Terra Prometida.
Um segundo círculo de tradições contém narrativas a respeito da libertação do Egito. Este
tema tornou-se fundamental na confissão de fé (Ex 20:1).
Experiências históricas vieram a ser a fundamentação da fé. Israel vivenciou a atuação de
Deus em sua história.
Deus se revelou aos patriarcas formulando uma promessa de proteção, bênção, descendência
numerosa e a posse da terra.
A vocação de Moisés e a libertação do Egito estão vinculadas a essa promessa de Deus.
“Deus falou a Moisés e lhe disse: Eu sou Iahweh. Apareci a Abraão, a Isaac e a Jacó como El
Shaddai; mas meu nome, Iahweh, não lhes fiz conhecer” (Êxodo 6:2-3).
Na época dos Patriarcas falava-se no Deus dos Pais. Os Patriarcas tiveram experiências com
o único e verdadeiro Deus, que recebeu designações de acordo com essas vivências: El (Deus) El
Roí (Deus da Visão), El Olam (Deus de Eternidade), El Betel (Deus da Casa de Deus), El Hai (Deus
Vivo), El Haschamáim (Deus dos Céus), El Elohim (Deus dos deuses), Elohim Zebaoth (Deus dos
Exércitos), Adonai (Senhor), El Shaddai (Deus das Montanhas / Deus Protetor), El Elyon (Deus
Altíssimo), El Qadosh (Deus Santo). Portanto, as várias designações El referem-se ao único Deus
que se revelou ao seu povo e à humanidade.

Deus se apresenta como Javé (Ex 3:14 e 6:3). O nome expressa a dinâmica do ser de Deus:
Ele é, era e há de vir. O nome Javé (Iahweh) está relacionado com o verbo hwh, que significa “ser”.

9
Javé significa “Ele é, mostra-se eficaz”. Ex 3:12 pode ser traduzido: “Eu serei contigo”. A
expressão “aleluia!” também atesta que o nome de Deus é Javé. Pois, alelu significa em hebraico
“louvai”. E a terminação ia pertence ao nome Iahweh (Javé). Portanto, aleluia significa “louvai a
Javé”. No Apocalipse, Deus se apresenta como “aquele que é, que era e que há de vir” (1:8). Este é
o significado do nome Javé.

O nome de Iahweh passou a ser relacionado com diversas manifestações: Iahweh-Nissi


(Iahweh é minha Bandeira – Ex 17:15), Iahweh Shalom (Iahweh é Paz – Jz 6:24), Iahweh Elohim
Israel (Iahweh Deus de Israel – Jz 5:3), Iahweh Zebaoth (Iahweh dos Exércitos – 1 Sm 1:3), Iahweh
Jiré (Iahweh Proverá – Gn 22:14).
Com Moisés inicia-se uma nova etapa. Grupos semitas haviam se estabelecido no Egito,
aproveitando o domínio dos hicsos naquele país (1720-1552 aC). Com a expulsão dos hicsos, que
também eram semitas, os hebreus foram submetidos à escravidão. Sob a liderança de Moisés
aconteceu o êxodo. Moisés conduziu os hebreus até o Sinai, onde Javé se revelou ao povo.
Desde os primórdios, a história de Israel é uma mobilização entre promessa e cumprimento.
Agindo na história do povo, Deus cumpriu suas promessas (Ex 6:7). A história se
desenrolou a partir da promessa e também foi impulsionada pela mesma.
A travessia do deserto foi marcada por murmurações contra Deus, retrocessos e novos
começos. Mas, a mensagem de Deus permanecia. Revelando-se no monte Sinai, Deus entregou os
Dez Mandamentos ao povo.
Moisés também reagrupou o povo no oásis de Cades, mostrando que a libertação foi
concedida por Deus, e transmitiu princípios de organização ao povo.
Três acontecimentos são fundamentais para Israel: a saída do Egito (Ex 7-12), a passagem
pelo mar (14-15) e a revelação de Deus no Sinai (19-24).
Um terceiro círculo de tradições contém narrativas da revelação de Deus no Sinai, onde o
Senhor estabeleceu uma aliança com o povo.
Essa aliança foi estabelecida a partir da decisão de Deus (Ex 19:5). O próprio Deus assumiu
a garantia da fidelidade dessa aliança.
Na celebração da aliança, Deus deu a conhecer sua vontade. A aliança é uma livre iniciativa
de Deus. E o povo deve responder com obediência aos Dez Mandamentos. Deus quer que o seu
povo tenha uma determinada conduta neste mundo.
O culto a Javé sempre se defrontou com a ameaça da idolatria. No Sinai, Deus se revelou
por intermédio da Palavra, e não mediante uma imagem (Dt 4:15). Num contexto religioso marcado
por esculturas idolátricas, o israelita devia cultuar o Deus invisível que se manifesta através da
Palavra. O acontecimento do Sinai é o evento que marcou o início da fé em Javé.
Nesse contexto, o povo de Israel legou à história uma contribuição original e exclusiva: o
monoteísmo ético.

A evolução intelectual e religiosa da antiga sociedade oriental tendia para o


monoteísmo ético e transcendental. Apenas os judeus, no entanto, foram capazes de
levar essa tendência a uma conclusão lógica e inequívoca (William McNeill, História
Universal, p. 59).

A definição de monoteísmo ético por esse povo foi, portanto, uma das maiores e
mais duradouras conquistas da antiga civilização oriental (William McNeill, p. 64).

Os acontecimentos precisam ser compreendidos e avaliados como uma mobilidade entre


promessa e realização. O passado e o presente estão abertos para o futuro.
Os textos do AT são um testemunho de como Israel vivenciou a condução de Deus em sua
história. Eles constituem um depoimento sobre a compreensão que o povo adquiriu a respeito de
sua história a partir de sua experiência com Deus.
Deus se dá a conhecer na história. E a vivência com Deus torna a história compreensível.

10
Desde o início, o AT quer testemunhar que nós estamos no mundo com Deus.
A história da humanidade tem um sentido, porque ela está inserida no grande plano de Deus.
A partir de então, Deus fala diretamente apenas com pessoas que recebem uma tarefa
especial. Isto se torna bastante evidente com o surgimento dos profetas. A Bíblia nos mostra que o
distanciamento de Deus fez com que se tornassem necessários os profetas para orientar o povo.
Com o distanciamento entre a humanidade e Deus, o Criador já não abordava diretamente as
pessoas, e assim a tarefa do profeta foi se revestindo de sentido.
Nos primórdios da história de Israel já foram definidas as bases para a existência do povo.
Ao entrarem em Canaã, os israelitas trocaram a vida de beduínos na estepe e no deserto pela
atividade agrícola. Foi o processo de sedentarização.
Entrando na Terra Prometida, as tribos vieram a se constituir em povo. A característica da
mensagem sempre era o totalmente inesperado. Não eram os pressupostos humanos que garantiam a
mensagem, mas a fidelidade de Deus. Os acontecimentos do passado tornavam-se uma referência
para a garantia das promessas de Deus. Tornava-se cada vez mais importante a experiência que o
povo tinha tido com Deus.
Esse processo de sedentarização não ocorreu de um dia para outro.
As tribos não chegaram todas juntas, mas vieram em etapas.
O professor de AT e de línguas semitas H. H. Rowley, editor do Student’s Bible Atlas e do
livro A Fé em Israel, concluiu que todas as tribos de Israel estiveram no Egito. Mas, elas teriam
saído em duas etapas, pois houve um duplo êxodo.
Rowley afirma que as tribos de Rúben, Simeão, Levi, Judá, Issacar e Zebulom (os filhos de
Lia), juntamente com Gade e Aser (os filhos de Zilpa, a escrava de Lia), saíram com a expulsão dos
hicsos (em 1552), no período de Amarna, sob o faraó Amenófis IV (Aquenáton).
Por sua vez, as tribos de Benjamim e a Casa de José (filhos de Raquel) e as tribos de Dâ e
Naftali (filhos de Bila, a escrava de Raquel) saíram no êxodo-fuga, sob a liderança de Moisés. (A
conclusão de Rowley é citada por Alfred Läpple, Mensagem bíblica para o nosso tempo, p. 254).
A expressão “êxodo-fuga” é de autoria de Roland de Vaux. “R. de Vaux distingue entre o
êxodo-fuga e o êxodo-expulsão” (Henri Cazelles, História política de Israel: desde as origens até
Alexandre Magno, p. 88).
Cazelles também menciona que o êxodo-fuga se restringe às famílias josefitas lideradas por
Moisés. Essa afirmação é sustentada por H. H. Rowley, From Joseph to Joshua, Londres, 1950.
E Cazelles acrescenta “que o ‘êxodo-expulsão’ é a lembrança da expulsão dos hicsos
registrada pela tradição literária” (p. 92).
A teoria do duplo êxodo também é defendida por Etienne Charpentier, que declara: “Alguns
textos apresentam a saída do Egito como uma expulsão, outros, como uma fuga. Provavelmente
houve dois êxodos, os quais, posteriormente se teriam fundido num só na memória do povo” (Para
ler o Antigo Testamento, p. 53, São Paulo: Edições Paulinas, 1986).
Wolfgang Gruen também se posiciona a favor dessa tese.

“Deve ter havido diversos ‘êxodos’. Mas a tradição concentrará num deles – que se deu por
volta do ano 1250 aC -, a excepcional experiência religiosa desta nova desinstalação, desta singular
‘passagem’. Tudo leva a crer que à frente desse grupo que procurava a liberdade, estavam os clãs
que formariam mais tarde as tribos de Efraim e Manassés (a ‘casa de José’)”, observa Gruen na p.
25.

As narrativas são um estágio final da tradição oral, que se cristalizaram em torno de


fórmulas como “Javé é o Deus que tirou Israel do Egito” (Ex 20:2; Dt 26:8; 6:21-23; Js 24:6-7; 2
Sm 7:6; 1 Sm 8:8; 1 Rs 8:16 e 12:28). A fórmula é um hino que contém a proto-confissão de Israel.
É a célula germinativa das recordações do êxodo. O ponto alto é o tema da libertação junto ao mar
(Ex 14 e 15:1-21). Encontramos a mais antiga declaração sobre o Êxodo em 15:21b. A
fundamentação da Páscoa é o alvo desse círculo de temas (Ex 5-13). Também a narração da
vocação de Moisés constitui o objetivo desse círculo de temas.

11
A lembrança da saída do Egito sob a condução de Javé é um dos elementos fundamentais da
confissão de fé dos israelitas. Pertence aos escritos narrativos (Js 2:10; Jz 6:13 e 1 Sm 4:8), aos
proféticos (Is 11:16; Jr 31:32; Ez 20:5 e Os 11:1), de ensinamento (Dt 6:20-25 e Js 24:6-7) e aos
poéticos (Ex 15; Sl 114; 135 e 136).
Destacou-se Josué, chefe de Efraim, que reagrupou as tribos (que vieram do Egito e as que
já estavam instaladas na Transjordânia e na Galiléia). A partir da Aliança de Siquém (Js 24), as
tribos formaram uma confederação, e Israel se tornou um povo constituído.
As tradições passaram a focar de modo agrupado e concentrado toda essa mobilização.
A campanha liderada por Josué causou forte impressão. As batalhas devem ter sido uma
exceção. Mas, uma atividade bélica tende a permanecer na memória, pois causa mais impacto do
que uma ocupação gradual da terra. É compreensível que as epopéias e os atos de bravura e
heroísmo do grupo de Josué tenham passado a fazer parte do patrimônio de todo o povo. Esses
feitos passaram a ser narrados de uma geração ao outra.
As narrativas e os relatos mostram que Israel interpretava sua história sob a condução de
Deus.
A história de Israel é conduzida a partir da seguinte hermenêutica: Deus conduz o seu povo,
manifestando-se como poderoso mediante os acontecimentos.
No início do processo de sedentarização, cada tribo tinha seu próprio estilo de vida. As
tribos independentes formavam uma coligação.
Qual era o vínculo unificador das tribos?
As tribos tinham uma experiência em comum: deixaram de ser nômades para se tornarem
sedentárias. E distinguiam-se dos habitantes cananeus. Mas, o que separava os israelitas dos
cananeus era a fé.
Os cananeus cultuavam aproximadamente 30 deuses. No topo do panteão encontrava-se
Baal, o deus da fertilidade.
Josué reuniu as tribos na Assembléia de Siquém (Js 24). Foi celebrado um pacto. A Arca da
Aliança tornou-se o símbolo visível do Deus invisível. A Arca era o santuário em torno do qual as
tribos se reuniam.
A estrutura política ainda era frágil e a federação das tribos se deparava com diversas
ameaças: assaltantes nômades, reinos da Transjordânia e cidades cananéias.
A liga de tribos recebeu o nome de “Israel”, que significa: “Deus luta”.
As tradições em torno dos Patriarcas, do Êxodo e da Aliança no Sinai tornaram-se
patrimônio comum de todo o povo.
Os israelitas tiveram que se defrontar com a religião dos cananeus, pois estes enfatizavam
que os deuses seriam os senhores da terra. Logo, a fertilidade da terra dependia do beneplácito de
Baal.
Até então, os israelitas haviam vivenciado Javé como o Senhor da história, conduzindo e
protegendo seu povo em meio aos perigos. Seria Javé também o Senhor da terra e da fertilidade?
Ou seria necessário aderir aos rituais dos cananeus? Alguns grupos queriam cultuar Baal.
Outros eram a favor de um sincretismo entre Baal e Javé. Podemos imaginar a aflição de um
israelita quando ocorria uma adversidade climática. Uma catástrofe era interpretada como vingança
de Baal.
Mas, se o Deus de Israel é o único Deus verdadeiro, então não pode haver âmbito que esteja
fora de seu domínio. Também a natureza deve obedecer a Javé.
Portanto, além de ser o Senhor da história, o Deus de Israel também controla a natureza. O
único e verdadeiro Deus também é Criador do mundo.
No confronto com a religião dos cananeus, os israelitas desenvolveram uma compreensão
mais profunda da atuação de Deus. Nenhum âmbito podia se subtrair ao domínio de Javé. Também
a natureza lhe obedece.
Mas, os israelitas nunca identificaram Javé com a natureza. Deus se manifesta na história, e
a partir dessa experiência, ele é reconhecido como Criador e Senhor da natureza.

12
A liga de tribos tinha uma dimensão religiosa e também política. Quando uma tribo era
ameaçada por algum inimigo, as demais vinham em auxílio. Mas, não havia um líder militar
permanente.
Ao ocuparem a terra, a mobilização dos israelitas fez parte de um grande movimento: a
Migração Aramaica. Participaram nesse movimento outros grupos de língua aramaica, que eram
parentes entre si: os edomitas, os moabitas e os amoritas.
Os israelitas vieram com a grande Migração Aramaica. No entanto, somente o grupo, que
se estabeleceu na Síria, passou a ser designado mais tarde de “arameus”, pois estes conservaram o
idioma arameu. Os edomitas, moabitas, amonitas e israelitas abandonaram o arameu e adotaram a
“língua de Canaã”. E assim surgiu o hebraico entre os israelitas. Trata-se de um dialeto cananeu
com influência aramaica.
O hebraico é uma língua semita. A família semítica inclui o acádico, o sírio-aramaico, o
cananeu, o moabita, o fenício, o árabe, o etiópico, o ugarítico, o púnico, o nabateu. Os ancestrais
dos hebreus eram arameus (Gn 31:47 e Dt 26:5).
A família semítica tem algumas características: originalmente as línguas eram constituídas
apenas de consoantes (as vogais foram desenvolvidas mais tarde), elas são escritas da direita para a
esquerda (exceto o acádico e o etiópico), as raízes verbais são formadas de três consoantes, a raiz
verbal é citada pela terceira pessoa do masculino singular.
Em 1929 foram descobertas tábuas com escrita em Ugarit. Por meio dessas tábuas
constatou-se que a língua hebraica foi, em grande parte, adotada dos cananeus. O AT designa a
língua hebraica de “língua de Canaã” (Is 19:19). Como todo idioma é dinâmico, também a língua
hebraica foi expandida pelos hebreus.
Na mesma época também vieram os “povos do mar”, que percorreram a costa sírio-
palestinense em direção ao sul, chegando a ameaçar o Egito. Foram derrotados por Ramsés II numa
grande batalha terrestre e naval. Eles se estabeleceram então na planície litorânea da Palestina. Os
“povos do mar” haviam derrotado os hititas e seus vassalos na Ásia Menor e na Síria. Destruíram
várias cidades cananéias na Palestina, o que foi comprovado pela arqueologia.
“Por volta de 1180, Ramsés III venceu os ‘povos do mar’, dos quais fazem parte os filisteus
que se fixam na costa e acabarão por dar o nome à Palestina. O Egito se enfraquece, então, em parte
pelos ataques que vêm da Líbia e, em parte, por causa de discórdias internas” (Cazelles, História
política de Israel, p. 34).
Ainda se percebe a presença do Egito por volta de 1150 aC.
Os filisteus reconstruíram algumas cidades. Eles se estabeleceram a oeste da Serra de Judá e
fundaram as cidades-estado de Gaza, Ascalom, Asdode, Ecrom e Gade. Em cada tentativa para
ampliar seu território, os filisteus tornaram-se a ameaça mais temida dos israelitas.
Os filisteus haviam aprendido dos hititas a técnica da fundição do ferro.
Com a vinda dos filisteus, tem início a Idade do Ferro na Palestina. Além de saberem
produzir ferro, os filisteus tentaram assegurar o monopólio, pois não permitiram aos israelitas terem
acesso à técnica desse metal (1 Sm 13:19-22).
Ao entrarem na terra, os israelitas se estabeleceram nos espaços que os cananeus deixaram
livres. A ocupação da terra deve ter demorado dois séculos.
Os espaços livres certamente não eram os melhores. Com os cananeus estabelecidos nas
planícies, os israelitas tiveram que se contentar com as terras altas. Os cananeus possuíam carros
com rodas de ferro (Jz 1:19), o que lhes possibilitava o domínio da planície. Observemos também Js
17:17-18. Nem todas as tribos encontraram logo seu lugar definitivo. As barreiras geográficas,
juntamente com a presença dos cananeus, contribuíram para que as tribos ficassem distanciadas
entre si.
No período inicial, as tribos não estavam em condições de conquistar pela força as terras sob
o domínio das cidades-estado.

No início do século XII aC, os filisteus desembarcaram nas costas da Palestina. Eles
passaram a competir com os israelitas na posse da terra.

13
Em 1190, os filisteus tentaram se estabelecer no Egito. Foram rechaçados pelo faraó Ramsés
III, por volta de 1175, e eles ocuparam a costa sul de Canaã. Faziam parte do “povo do mar”, de
origem egeu-asiática.
“É notável o vazio deixado pelo desaparecimento do controle egípcio, após 1150 aC. Os
povos do mar submergiram, pouco antes de 1200, Ugarit e a civilização e a civilização da costa.
Com a conivência de Ramsés III, os filisteus se instalaram na costa sul, e os Zacalas, na mesma
costa, mais ao norte em direção a Dor” (H. Cazelles, p. 110).
Cazelles também analisa o estabelecimento dos filisteus na costa de Canaã.
“Os filisteus foram estabelecidos por Ramsés III, na costa. Após 1150, tomaram o lugar dos
egípcios, mas de maneira progressiva. Sua influência parece estender-se principalmente pela costa e
nas planícies: Esdrelão, Bet-Sean, Deir-Alla, no vale do Jordão” (p. 115).
A arqueologia constatou a presença de cerâmica dos filisteus no vale do Jordão e nas
montanhas de Tel-em-Nasbeh. Os filisteus também ocuparam Betsã (junto à planície de Esdrelão) e
Gabaa, em Benjamim.
Os filisteus trouxeram consigo a mentalidade imperialista. Sua tecnologia já se encontrava
na Idade do Ferro. “Do ponto de vista arqueológico, estamos no período do Ferro I. As técnicas
anatolianas de utilização do ferro, aperfeiçoadas no século XIV, seguiram difundindo-se pela costa
através dos povos do mar. Os israelitas, provavelmente, foram buscar seus instrumentos de metal
junto aos filisteus, mesmo para fins agrícolas (1 Sm 13,20-21)”, observa Cazelles, p. 111.
No período do Ferro I (século XIII aC), muitas cidades cananéias foram destruídas: Debir,
Hasor, Tirsa, Jafa, Laquis, Bet-Sames, Taanaque. Depois de um longo tempo foram recuperadas:
Lais-Dã, Hasor, Mispa, Tirsa.
Os filisteus passaram a controlar as rotas comerciais entre a Palestina e o Egito. Formaram
uma confederação de cinco cidades (Pentápolis), constituída por Azoto, Ascalom, Acarom, Gate e
Gaza.
Em casos de ameaça, Deus suscitava homens, que eram dirigidos pelo Espírito. Esses líderes
foram denominados de juízes e salvadores. E a liga de tribos continuava coesa.
Surgiram novas lideranças: os juízes. Os relatos das atividades dos juízes não se limitam a
exposições de caráter meramente histórico. Eles querem transmitir o quanto é importante obedecer a
Deus. Em caso de desobediência, o povo se desintegrava. Por fim, o povo descobria e redescobria a
necessidade de buscar a presença do Senhor.
Um líder destacado foi Gideão, que libertou os israelitas dos salteadores midianitas, que
faziam pilhagens na terra com seus camelos velozes.
Sob a liderança dos juízes, as tribos se uniam em alianças defensivas. A opressão dos
filisteus sobre os israelitas tornou-se tão grande a ponto de se desenvolver a necessidade de uma
força militar permanente. Os filisteus se tornaram uma ameaça sempre crescente para os israelitas, e
as tribos se depararam com a necessidade de constituir um rei.
Os israelitas já haviam tentado fazer de Gideão seu rei, quando ele venceu os midianitas.
Gideão recusou (Jz 8:23). Seu filho Abimeleque tornou-se rei em Siquém, apoiado por uma maioria
Cananéia. O empreendimento durou três anos. Abimeleque foi assassinado. Os filisteus queriam
dominar toda a Palestina. As tribos israelitas perceberam que era necessário um governante que
aglutinasse todo o povo.
Para essa liderança foi escolhido Saul, da tribo de Benjamim. Conduzido pelo Espírito de
Deus, Saul já havia derrotado os amonitas. Ele foi investido no cargo de rei de Israel.
Surgia assim uma organização estatal, o que significa um rompimento com a tradição.
Houve muitas restrições à instituição da monarquia. Em Dt 17:14-20 são apresentadas as
obrigações do povo para eleger o monarca e também as obrigações do rei no exercício de suas
funções. A iniciativa popular é submetida a Deus: o povo nomeia e o Senhor elege. Em 1 Sm 8 o
povo vê na figura do rei um governo firme e a defesa militar; Samuel vê impostos e servidão.
Portanto, o rei deve servir ao Senhor, para proteger o povo sem oprimi-lo.

14
A reivindicação por um rei era vista como uma revolta a Deus. O domínio de Deus e o
domínio do rei eram vistos como excludentes. Os israelitas viam a realidade como uma só; não
faziam a divisão entre âmbito político, econômico, religioso.
Samuel ungiu Saul e o reinado foi reconhecido como sancionado por Deus.
Portanto, o rei era instituído por Deus. Essa instituição era compreendida como uma adoção.
O rei se tornava filho adotivo de Deus (Sl 2:7). O rei não recebia qualificações divinas (como outros
povos entendiam), ele era um administrador por incumbência de Deus. O rei devia governar de
acordo com a vontade de Deus. Ele era avaliado a partir de sua obediência.
Em muitos reinados, as circunstâncias políticas se sobrepunham à pergunta pelo plano de
Deus. Ao invés de se empenhar pela realização da vontade de Deus, o rei seguia sua própria
ambição política.
Nesse contexto surgiram os profetas, alertando e mostrando o caminho de Deus. O Senhor
escolhe um rei, mas também pode rejeitá-lo.
A partir de então, a lidrança de Saul foi crescendo gradativamente. E as diversas etapas de
sua ascensão foram sancionadas por assembléias do povo. A primeira aclamação deve ter ocorrido
em Gilgal (1 Sm 11:15), depois em Mispa (10:17). Algumas tribos, como a de Efraim, devem ter
mostrado alguma resistência (10:27 e 11:12-13).
O reinado de Saul foi de curta duração. Ele conseguiu expulsar os filisteus. Mas, no ano
seguinte houve novo conflito e Saul e seu filho Jônatas perderam a vida. O povo havia desenvolvido
a consciência da necessidade de unidade. E o reinado expressava a convergência desse anseio.
Davi, o escudeiro de Saul, tornou-se o novo rei. Tem início um capítulo decisivo na história
de Israel. Inicialmente, ele foi reconhecido como rei somente por sua própria tribo Judá (2 Sm 5:5).
O rei Davi repeliu os filisteus para a costa. Empreendeu guerras ofensivas contra os
arameus. Dominou reinos vizinhos.
Davi foi a figura mais expressiva da história política de Israel. Ele foi um estadista genial.
Para que seu governo não fosse afetado pelas divergências tribais, Davi conquistou a cidade de
Jerusalém, até então habitada pelos jebusitas. Davi tinha então uma capital bem localizada e
independente de qualquer influência das tribos. Ele fez mais: trouxe para a nova capital a Arca da
Aliança – o santuário da liga das tribos. Davi proporcionou ao povo um novo centro religioso.
Jerusalém tornou-se o centro político e religioso. A importância da cidade foi decisiva na história de
Israel.
Um segundo acontecimento perpetuou o significado de Davi: O profeta Natã anunciou que
Deus dará à descendência de Davi o reinado de Israel (2 Sm 7:13). Deus estará sempre com a
descendência de Davi. Estava aberta a esperança por um descendente de Davi, que atuasse de
acordo com o plano de Deus – trazendo um período de salvação e colocando um fim na aflição do
povo. De sua descendência nascerá o Messias. Teve início a espera pelo Messias, o rei ungido por
Deus para o tempo final.
Davi se tornou o modelo de rei em Israel.
Davi foi bem sucedido na política internacional. Israel passou a exercer sua hegemonia no
território que abrange a Síria e a Palestina. Davi submeteu os filisteus, no oeste, os amonitas, os
moabitas e os edomitas, no leste e no sul. Ao norte, ele estendeu seu domínio sobre o território dos
arameus. No nordeste, sobre Damasco e até o rio Eufrates.
Com o surgimento da monarquia e o desenvolvimento urbano, que resultou no
aprimoramento da narrativa histórica, a mensagem de Deus passou a receber uma outra ênfase.
Diante das desigualdades sociais, os profetas passaram a anunciar o juízo de Deus. O povo estava se
tornando grande e poderoso, mas também injusto. Quando o profeta Natã falou em nome de Deus,
acusando o rei Davi, estava chegando a hora do juízo divino contra o próprio povo eleito.
A vida familiar de Davi foi abalada com o adultério cometido com Bate-Seba (2 Sm 11) e a
morte planejada de Urias. Depois disso, Amnom violentou sua irmã Tamar (2 Sm 13). Absalão
mandou assassinar Amnom e fugiu. Absalão foi proclamado rei em Hebrom, a antiga capital. Davi
teve que fugir. “Armaram, pois, para Absalão uma tenda no eirado, e ali, à vista de todo o Israel, ele
coabitou com as concubinas de seu pai” (2 Sm 16:22). A tropa de Davi derrotou Absalão, que foi

15
morto contra a vontade do pai. Davi se fez aclamar pela tribo de Judá, o que contrariou as tribos do
Norte (2 Sm 19:42-44). O benjaminita Seba liderou uma revolta contra Davi, mas foi derrotado.
Davi ordenou o recenseamento do povo, e este foi punido com a morte de 70 mil homens (2 Sm
24). Adonias aproveitou para ser proclamado rei (1 Rs 1). O filho mais velho de Davi era apoiado
por Joabe e pelo sacerdote Abiatar. Natã e Bate-Seba conseguiram a unção pública de Salomão, que
se tornou co-regente e o sucessor de Davi.
Salomão não se destacou no âmbito político e militar. Ele se cercou de artistas e
pesquisadores. Tornou-se conhecido pela sua sabedoria e desenvolveu as relações internacionais. A
corte de Jerusalém se assemelhava aos palácios do Egito e da Babilônia. Houve um grande
desenvolvimento cultural. Nessa época surgiram as primeiras grandes obras literárias em Israel.
As histórias dos reis surgiram em numerosas obras menores, que são mencionadas nos livros
de Samuel: a história de Saul, a ascensão de Davi ao poder, o reinado de Salomão. São narrativas
que se situam entre a melhor prosa do Antigo Oriente.
As antigas tradições dos primórdios da história de Israel, que eram transmitidas oralmente
de uma geração a outra, receberam sua forma literária. Surgiu uma grande obra, que iniciou com a
criação do mundo e se estendeu até a ocupação de Canaã. Era um esboço do Pentateuco.
Salomão desenvolveu uma administração estatal. Israel e Fenícia desenvolveram uma
navegação estatal (1 Rs 9:26-28). A burocracia se tornou complexa (4:1-6). Foram criadas 12
Intendências (4:7-19). O povo foi submetido a trabalhos forçados (1 Rs 9:15). Criou um exército
permanente e bem equipado. Desenvolveu o comércio exterior e Israel se destacou entre as nações.
Foi um período de muitas construções de vulto, destacando-se a construção do templo de Jerusalém.
Foram vinte anos de construção, que resultaram numa dívida enorme, paga com trigo e azeite (1 Rs
5:9-11).
Israel conheceu um período de esplendor. Mas, com o progresso também apareceram os
desajustes sociais, as injustiças, e aumentou a distância entre ricos e pobres.
No reinado de Salomão começou a esmorecer o domínio de Israel sobre os povos vizinhos.
Após a sua morte, o reino de Israel sofreu uma derrocada interna. No final, Salomão foi avaliado de
maneira severa (1 Rs 11:1-8).
Roboão não conseguiu governar o Estado, apenas aparentemente unificado. Ele reinou
apenas sobre a tribo de Judá.
Jeroboão tornou-se rei das tribos do Norte.
O povo de Israel se dividiu em dois reinos, que se tornaram rivais.
A partir da ruptura surgiram dois pequenos Estados. O Norte denominou-se Israel, e o Sul,
Judá. A grande obra política de Davi estava despedaçada. Os dois Estados desenvolveram uma
história política sem expressão. Coexistiam lado a lado e, muitas vezes, em confronto direto.
O Reino do Norte teve alguns períodos de progresso, especialmente nos governos de Onri,
de Acabe e de Jeroboão II. No geral, a característica foi uma instabilidade dinástica crônica. Teve
19 reis e nove dinastias. Sete reis foram assassinados e um se suicidou. O profeta Oséias formulou
um pronunciamento divino criticando essa instabilidade política decorrente dos golpes de estado
(8:4). Os monarcas foram avaliados a partir da prática da idolatria iniciada por Jeroboão. Os assírios
conquistaram o reino e levaram a população para o exílio. O Reino do Norte deixou de existir.
No século VIII, a Assíria tornou-se uma grande potência. No ano 722 aC, os assírios
conquistaram o Reino de Israel. Uma grande população foi deportada. Os assírios assentaram
grupos de povos estrangeiros em Israel. Essa população mista foi denominada mais tarde de
samaritanos. Os judeus não reconheciam essa miscegenação como integrante de seu povo.
O Reino do Sul foi liderado pela dinastia de Davi. Destacaram-se os reis Asa, Josafá,
Ezequias e Josias (que proporcionou um último período de independência). Mas, O Reino do Sul foi
bastante influenciado pela política do Egito. Os babilônios conquistaram o reino e deportaram seus
habitantes. O rei Davi passou a ser uma referência para os sucessores por causa de sua retidão (1 Rs
15:3; 2 Rs 14:3 e 16:2).
A princípio, o juízo era anunciado aos reis quando eles transgrediam o direito divino. Nos
primórdios da profecia, os livros dos Reis registram episódios breves em que um profeta pronuncia

16
uma denúncia e então desaparece. Eram profetas que tinham alguma relação com o culto, e sua
principal tarefa era o anúncio da salvação; o anúncio do juízo era a exceção.
O primeiro profeta a escrever um livro foi Amós. Observando os capítulos 7 a 9, as visões
mostram que ele intercedeu por seu povo. Sua primeira tarefa era o anúncio da salvação, para só
depois aunciar o juízo.
Com Amós tem início o período em que o juízo é anunciado para todo o povo de Deus. Esse
período durou um século e meio. E no entanto, o povo ia se distanciando cada vez mais de Deus. O
distanciamento acontecia nos âmbitos essenciais da vida do povo: no culto, no relacionamento
social, na prática do direito, na vida econômica e no âmbito da política.
Certas instituições também precisavam ser revistas à luz da revelação de Deus. A poligamia
passou a dar lugar ao casamento monogâmico. Observemos a maneira como a guerra era entendida.
Nos primórdios da história do povo entendia-se a guerra como uma atividade santa, na qual Deus
participava diretamente. A partir do reinado de Davi, a guerra se tornou uma atividade profana. No
reino escatológico, as espadas serão transformadas em arados, e as lanças, em podadeiras (Is 2:4;
Mq 4:3. Observemos também Is 66:25; 9:5). Em relação ao direito divino, também foi se
desenvolvendo um direito profano, que se ocupava com as instituições sociais e com a
administração da terra.
Não foi a autonomia da política, do direito, da vida social e da prática da guerra que motivou
as denúncias dos profetas. Estes reconheciam o processo evolutivo como necessário e
compreensível. Os profetas levantaram sua voz quando o procedimento – nesses âmbitos da vida –
era totalmente contrário à vontade de Deus. Eles insistiam para que a Palavra de Deus fosse
respeitada em todos os relacionamentos da vida coletiva.
Os profetas não anunciaram conceitos novos sobre Deus. Eles reforçaram o que já havia sido
ensinado sobre Deus, mas não estava sendo cumprido. As distorções levaram os profetas a anunciar
o juízo. Desde Amós até Jeremias e Ezequiel encontramos denúncias da violação da vontade de
Deus.
Os profetas reivindicavam a soberania de Deus em todos os âmbitos da vida. A pregação dos
profetas não se restringia ao âmbito sagrado da vida das pessoas.
Com o anúncio do juízo, os profetas estavam preparando a mensagem da salvação. Eles
estavam anunciando a vinda do Messias. E a partir dos profetas fica claro que a mensagem da
salvação não se restringe à esfera religiosa, mas tam a ver com a existência humana em sua
totalidade. Deus reivindica o senhorio sobre todos os âmbitos da vida.
Por fim, aconteceu o que os profetas haviam anunciado: a monarquia desmoronou. Com a
falência do Estado, o povo ficou vulnerável aos ataques de outros povos. A Terra Prometida passou
a ser dominada por potências estrangeiras. Foi anunciada então uma nova redenção. Em meio ao
povo – que restou no exílio na Babilônia – ergueu-se uma voz com uma mensagem de Deus,
anunciando um futuro jubiloso e libertador. Era o profeta Isaías.
No ano 587 aC, os babilônios conquistaram o Reino de Judá. Parte da população foi
deportada. Aqueles que permaneceram na terra puderam preservar suas tradições. E os deportados
puderam morar juntos na Babilônia. Preservaram suas tradições e desenvolveram uma profunda
reflexão teológica. Uma parte dos deportados e seus descendentes puderam retornar em 539 aC.
A elite do povo foi exilada na Babilônia. E muitos outros se refugiaram no Egito.
Os exilados tiveram que se manter coesos para preservar sua identidade. Perseveraram
justamente na observância do sábado e na prática da circuncisão. Surgiram as sinagogas.
Amadureceu a reflexão teológica. O povo teve que aprender que Deus não está preso a um
território, mas também está presente no exílio, em meio ao sofrimento. Aprenderam também que o
universo inteiro é governado por Deus. Também esses acontecimentos tristes estão sob o controle
de Deus. E então o exílio foi compreendido como o agir de Deus para com o povo desobediente.
Vários escritos bíblicos surgiram em meio a essa reflexão e em meio a esse amadurecimento
teológico.

17
A mensagem da salvação não foi silenciada em Israel. Apesar do ambiente de perplexidade
(entre o povo) e de incredulidade (do rei), o profeta Isaías soube proclamar a intervenção salvífica
de Deus.
O império babilônico também desmoronou. E o povo entendeu que Ciro, o rei dos persas,
foi um instrumento nas mãos de Deus, que dirige a História. Em 538 aC, um decreto de Ciro
autoriza a reconstrução do templo de Jerusalém.
Os exilados puderam retornar. Jerusalém e o templo foram reconstruídos. Muitos livros do
AT receberam sua forma final.
Como relacionar essas catástrofes com as promessas de Deus?
A partir desses questionamentos foi desenvolvida uma grande obra historiográfica
abrangendo o período desde a ocupação da terra até a queda do Reino do Sul. A obra abrange os
livros de Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis.
A história do povo é dirigida por Deus. O povo é responsável pelos acontecimentos. Mas,
Deus intervém na história. E sua intervenção é muito variada: às vezes diretamente, e muitas vezes
por intermédio de lideranças do povo. A história do povo de Deus nos ensina que o ser humano
deve obedecer, crer e esperar. Assim ele participa no dinamismo da história.
Os livros de Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis formam um conjunto denominado
Hisoriografia Deuteronomista. A denominação se deve à influência que a teologia do Deuteronômio
tem exercido sobre a interpretação da história: o comportamento humano torna-se responsável
perante o julgamento de Deus (Dt 12:2-3 e 2 Rs 17:10-12). Em Dt 30:15-20 encontramos um
resumo da teologia do Deuteronômio.
A Obra Historiográfica Deuteronomista abrange o período desde a entrada na terra até a
saída para o exílio. São sete séculos de história.
O Deuteronomista procura avaliar as causas do exílio. Constata que as causas são muito
mais espirituais do que políticas e militares. Transparece a tensão entre a promessa incondicionada
de Deus e a aliança condicionada. Quando o povo desobedecia, subtraía-se à proteção de Deus, e
era dominado por um inimigo mais forte. Recuperada a liberdade, o período de paz vinha
acompanhado de prosperidade, e com ela graves desigualdades sociais. Os profetas denunciavam a
exploração dos pobres, a confiança no patrimônio, a imoralidade e a corrupção.
Um tema central é a monarquia hereditária. Samuel é o elo de ligação entre o período dos
juízes e o estabelecimento da monarquia (1 Sm 8 e 12). Ele também soube conciliar as forças
favoráveis com as contrárias à monarquia.
Outro tema central é a terra, que é dom (de Deus) e tarefa (do povo).
O dom da terra é o cumprimento da promessa de Deus. A perda da terra resulta do mau uso
da liberdade; o povo precisa se conduzir com responsabilidade. O povo é diretamente responsável
perante o Senhor, que retribui – obediência com bênção, desobediência com castigo.
Como se justifica a invasão de uma terra habitada e o extermínio de cidades inteiras?
Em Gn 15:16 encontramos uma profecia. Em Lv 18:24 há uma advertência. As populações
foram castigadas por seus pecados, pois tornaram-se indignas de continuar ocupando a terra. Isto
significa que Deus atua através da história.
Já no tempo dos juízes os israelitas se afastavam de Deus. O povo era oprimido pelos
inimigos. Essa opressão era conseqüência da apostasia. O próprio Deus afligia o povo. Quando o
povo voltava para Deus, o Senhor providenciava a libertação.
O período dos reis foi avaliado com o mesmo critério. As notícias sucintas sobre os reis –
em forma de crônicas – estão acompanhas de uma avaliação. O rei é julgado com critérios
espirituais: sua obediência a Deus.
Diversos reis se destacaram como administradores, mas foram avaliados de modo negativo.
O decisivo não era a competência do soberano, mas sua fidelidade a Deus, ou a prática da idolatria.
Uma escola redigiu a Obra Historiográfica do Cronista (OHC). Nessa época, por volta do
ano 400, surgiu a Obra Historiográfica do Cronista.
Os dois livros das Crônicas são considerados complementos aos livros de Samuel e dos
Reis. Na Bíblia Hebraica recebem um título que corresponde a “livros dos atos diários referentes a

18
uma história”. A tradução grega deu aos livros o nome de Paralipômenos, que significa “coisas
transmitidas à parte”. Jerônimo designou os livros de “Crônica de toda a história divina”. E o nome
se perpetuou.
Inicialmente, os dois livros de Crônicas eram a continuação dos livros de Esdras e Neemias.
A divisão em dois livros é posterior. No início, o conjunto Crônicas-Esdras-Neemias formava um
todo. Observamos que o texto de 2 Cr 36:22-23 é reproduzido em Ed 1:1-3.
Os livros de Crônicas não repetem simplesmente os mesmos acontecimentos históricos. A
narrativa é feita a partir da experiência do retorno dos exilados a Jerusalém. A monarquia havia
chegado ao seu final. A comunidade dos repatriados era uma nação submetida ao império persa. O
povo judeu estava reavaliando sua história para compreender o presente e reorientar o futuro. Trata-
se, portanto de uma literatura do judaísmo pós-exílico.
Os livros de Crônicas abrangem um panorama histórico que se estende desde a criação da
humanidade até o retorno do exílio na Babilônia. É a mais longa seqüência historiográfica da Bíblia.
O conjunto Crônicas-Esdras-Neemias é atribuído a um mesmo autor. Seu nome é
desconhecido, sendo denominado o Cronista.
A história da realeza davídica ocupa o lugar central da obra. Os acontecimentos que
antecedem a história de Davi são reduzidos a um conjunto de listas genealógicas que retrocedem até
Adão. Davi é apresentado de uma maneira idealizada: são descritos apenas os aspectos positivos de
sua vida e de seu reinado. Ele é mostrado como o rei segundo a vontade de Deus.
Chama atenção a mudança de enfoque na narrativa do recenseamento.
Em 2 Sm 24:1-4 vemos que Javé incitou Davi a realizar o censo, e o rei não se deixou
demover pelo comandante Joabe. O Senhor enviou a peste a Israel e morreram 70 mil homens.
Em 1 Cr 21:1 lemos que Satanás incitou Davi a realizar o censo de Israel. O Cronista quer
evitar que o mal seja atribuído diretamente a Deus. O projeto procede de Satanás, o inimigo do
povo de Deus.
Por que o povo foi penalizado?
“Todo Israel estava submetido a Davi, e isso bastava. O rei não devia contar súditos para
gloriar-se de suas forças, pois seria tentar a Deus. A culpa recai sobre Israel pelo lugar que o rei
ocupa e talvez porque o recenseamento o subtrai ao controle exclusivo de Deus; o incontável supera
o homem (Gn 15:5; Sl 139:18; Jr 33:32; Os 2:1)”, comenta Schökel, Bíblia do Peregrino.
Também Salomão aparece como uma figura idealizada. A historiografia hebraica costuma
remontar às origens para explicar o presente ou o transcurso da história. E a dedicação do templo é
muito mais solene do que no livro dos Reis.
Os fatos são interpretados a partir da relação pacado e castigo, culpa e desgraça. A história é
interpretada a partir da fé de recompensa.
Os quatro livros têm em comum a reflexão em torno do templo, altar, culto, festas,
servidores do culto. Alguns pesquisadores constatam que o principal objetivo da obra do Cronista é
apresentar uma história do templo de Jerusalém. Recebem destaque os reis que se preocuparam com
a restauração do templo e com a reforma do culto: Asa (2 Cr 14-16), Josafá (17-20), Ezequias (29-
32) e Josias (34-35). Também os sacerdotes recebem destaque. É salientada a singularidade do
templo de Jerusalém e também o seu significado salvífico. Isto evidencia que a ruptura com os
samaritanos já era um fato.
Sempre persistiu o confronto entre a fé no Deus de Israel e a adesão ao deus cananeu Baal.
No Reino do Norte, o culto a Baal foi muito difundido. Em Samaria foi construído um
imponente templo a Baal. Por isso, a avaliação dos reis do Norte é bastante negativa.
Os redatores da obra historiográfica avaliaram toda a história do povo na terra a partir deste
critério: a catástrofe sobreveio porque o povo se afastou de Deus. A história do povo está marcada
pelos constantes afastamentos de Deus. A conseqüência foi a dominação dos inimigos.
Deus não está aí para apenas ajudar e socorrer seu povo. Ele também entrega o seu povo às
conseqüências da desobediência. Deus pronunciou o juízo sobre o povo.

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A eleição do povo de Deus não é uma garantia para viver em segurança. O povo precisa se
conduzir como parceiro da aliança estabelecida por Deus. O povo precisa se conduzir com
responsabilidade. Deus chama para uma prestação de contas.
Os profetas sempre de novo alertaram para a seriedade do juízo de Deus. Apontaram para o
caminho a ser trilhado no futuro.
Mas, no período de reconstrução, o povo continuou tendo muitas dificuldades. O domínio
persa se estendeu de 539 a 333 aC. Com a vitória de Alexandre Magno, teve início o período grego
(332 a 141 aC). Em 141 aC, Simão Macabeu conquistou a independência da Judéia. Os hasmoneus
conseguiram governar a Judéia até 63 aC, quando Pompeu se apoderou de Jerusalém e transformou
a Judéia em província romana.
É nesse contexto turbulento que ressoa a boa mensagem do nascimento de Jesus, o Cristo.
Enfim, a revelação suprema e definitiva de Deus!

20
PANORAMA DA BÍBLIA
O conteúdo e a história do Antigo Testamento
O termo Pentateuco significa cinco rolos. O Pentateuco é composto por estes
cinco livros: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. O
Pentateuco apresenta a história da humanidade, desde o surgimento do
mundo, a eleição do povo de Israel por Deus, até a morte de Moisés. A maior
parte do Pentateuco contém material legislativo. O povo deve aprender a
viver em fidelidade a Deus e em solidariedade entre si. Deus dá a Lei ao povo
para expressar a sua vontade. Por isso, os judeus denominam o Pentateuco de
“Lei” (Torah). Os relatos históricos descrevem os momentos mais marcantes
da eleição desse povo. O Pentateuco apresenta estes grandes temas: a criação
do universo, Deus quer se relacionar com a humanidade toda, ocorre o
pecado, a promessa de Deus dirigida aos patriarcas, a eleição do povo de
Deus, o amor, a fidelidade, a esperança, a confiança em Deus, que liberta seu
povo e o conduz pelo deserto rumo à Terra Prometida.

O livro de Gênesis começa pelas origens do mundo e da humanidade. Gênesis significa


origem. Em Gênesis, a bondade de Deus está em contraste com as infidelidades do homem pecador.
A proto-história (caps. 1 a 11) mostra que Deus ofereceu uma vida de comunhão para a humanidade
inteira. A proto-história foi caracterizada pela desobediência humana e pela nova iniciativa divina.
Adão e Eva desobedeceram. Deus continua seu projeto. Caim matou seu irmão. Deus preserva
Caim. A degeneração continua. Deus resolveu fazer um novo começo com Noé e sua família.
Depois do dilúvio, a degradação continuou. A arrogância impulsionou os homens a construírem a
torre de Babel, e o empreendimento terminou em confusão. A proto-história apresenta as diversas
tentativas de Deus com a humanidade inteira. Essas tentativas de Deus são intercaladas com as
atitudes de desobediência do ser humano.
O Criador do universo se dá a conhecer ao patriarca Abraão. Deus quer desenvolver o seu
plano de uma vida justa e digna com um povo escolhido para esse propósito. Os patriarcas Abraão,
Isaque e Jacó (caps. 12-50) devem responder com obediência e fé. Deus chama e o homem
responde. Deus intervém constantemente na vida dos patriarcas. Por intermédio dos patriarcas,
Deus quer abençoar a humanidade toda. A vida dos patriarcas é narrada para ilustrar o plano divino
para a humanidade inteira.

Estrutura de Gênesis.
1 – 11 = Proto-história – A criação do mundo e os primórdios da humanidade.
12 – 50 = Patriarcas – O povo chamado por Deus.
12 – 25 = Abraão e Isaque.
25 – 36 = Jacó e Esaú.
37 – 45 = José e seus irmãos.
46 – 50 = Os israelitas no Egito.

A Proto-história (Gn 1-11)

1:1 -2:4a - O relato da Criação.


2:4b -4:26 - O relato da Criação e a desobediência do ser humano.
5 - Genealogia de Adão até Noé.
6 -9 - A degeneração da humanidade, o dilúvio, os filhos de Noé: Sem, Cam e Jafé.
Sem dá origem aos semitas. Cam agrupa os povos da África e inclui Canaã.
Jafé corresponde aos povos europeus.
10 - Relação dos povos.
11:1-9 - A torre de Babel.
11:10-32 - Genealogia de Noé até Abraão.

21
Os capítulos 1 a 11 de Gênesis tratam dos primórdios da humanidade no universo criado por Deus. Estes
primeiros 11 capítulos tratam de temas que dizem respeito a toda a humanidade. Há uma alternância entre pecado
humano e graça divina. Sempre de novo é estabelecido um novo começo por Deus. O objetivo da Proto-história é
colocar Israel no contexto das nações. Os dois primeiros capítulos narram a criação do mundo e dos seres humanos. Na
primeira narrativa da criação (Gn 1:1-2:4a), o ser humano é o ponto alto da criação. Na segunda narrativa (2:4b-25), o
ser humano é o centro de toda a criação. Criados à imagem e semelhança de Deus, os seres humanos foram dotados de
liberdade. Os caps. 3-11 mostram que o ser humano se afastou de Deus. O ser humano buscou a autonomia ética (cap.
3). Homem e mulher deram atenção a uma voz diferente da de Deus. Não confrontaram a insinuação que ouviram e
seguiram-na, o que resultou na perda do paraíso. Não souberam conciliar a liberdade com a responsabilidade. Mesmo
dominados pelo mal, continuaram amparados pela bondade de Deus. O próprio Deus confeccionou vestimentas de pele
para cobrir a nudez (fragilidade existencial) do homem e da mulher. No cap. 4, Caim mata Abel. A violência entre
irmãos é uma conseqüência da revolta contra Deus. Para Adão foi perguntado: “Onde estás?” e “Quem te disse que
estavas nu?”. A Caim foi perguntado: “Onde está teu irmão?” Deus confrontou Adão com sua situação existencial.
Caim teve que examinar o seu relacionamento com o irmão. Depois da rebeldia do homem contra Deus, ocorre a luta do
homem contra o seu semelhante. Os caps. 5-8 mostram a degeneração da humanidade. A diminuição progressiva da
idade dos primeiros patriarcas (cap. 5) está relacionada com o aumento progressivo do mal, pois uma vida longa é
expressão da bênção de Deus. O cap. 6 apresenta a criatura de Deus desfigurada. É narrado que “os filhos de Deus”
casaram com “as filhas dos homens”. Uma tradição judaica relaciona Gn 6:1-4 com a desobediência e a perversão dos
anjos. Mas, no AT os reis eram adotados como “filhos de Deus” (2 Sm 7:14; Sl 2:7 e 89:27). Os casamentos dos reis
provocaram deturpações e desvios religiosos, como foi o caso de Salomão (1 Rs 11). Um tema de amplitude universal
também pode ser aplicado à conduta dos monarcas. O ser humano estava se desviando do projeto original de Deus. A
presunção chegava ao auge. O pecado humano desencadeou a catástrofe do dilúvio. Em meio ao caos, Noé ainda sabe
discernir a vontade de Deus, preservando a vida sobre a terra. Deus estabelece uma aliança com Noé; o sinal é o arco-
íris e se estende a toda criação. Deus sabe que o coração do homem é mau, mas ele salva sua criação. A construção da
torre de Babel é o resultado de um orgulho insensato. Dominado pela ganância e pelo poder (cap. 11), o homem quer
perpetuar seu nome. Através da imponência do progresso urbano e do exercício do poder, o homem quer garantir a
unidade da humanidade. Mas, o resultado é o desentendimento e a confusão. A proto-história termina com a desolação
da torre de Babel. Deus, então, estabelece um novo começo com Abraão. A princípio, a Palavra de Deus cria o
universo; a partir de Abraão, cria a história.

Os Patriarcas hebreus (Gn 12 – 50)


2000 aC Gn 12-36
Os Ancestrais dos Israelitas
Abraão e Sara chegam à Palestina (1800 aC). Com Abraão e Sara tem
início a história do povo de Israel. O patriarca representa uma ligação
entre a humanidade toda (retratada na proto-história) e o povo eleito e
chamado para pertencer a Deus.
Nasce Ismael, filho de Abraão e Agar.
Nasce Isaque, filho de Abraão e Sara.
Nasce Jacó, irmão gêmeo de Esaú, filhos de Isaque e Rebeca.
Um primeiro círculo de tradições contém narrativas a respeito dos patriarcas
Abraão, Isaque e Jacó. Eram criadores de ovelhas e viviam em tendas. O modo
de vida desses semi-nômades se assemelha ao dos hapiru. Os patriarcas não
possuíam uma terra. Sua existência estava ameaçada por todo tipo de perigos,
mas eles sempre eram preservados por Deus. Abraão foi designado de profeta
(Gn 20:7); ele tinha um relacionamento privilegiado com Deus e estava em
condições de interceder.
Em Canaã, o grupo semita de Abraão foi chamado de hebreus. Este nome
designava a condição de um grupo: tratava-se de pessoas sem cidadania. Eram
chamados de hapiru, pois eram marginalizados. Em períodos de secas, os
camponeses migravam para o Egito, onde havia terras férteis.
Em meio a todas essas circunstâncias percebe-se um fio condutor: a proteção e
a bênção de Deus. Quando Deus ordena a Abraão sair de sua terra (Gn 12:1), a
única garantia do patriarca é a condução divina. Mesmo nas situações mais
difíceis e aparentemente sem saída, os patriarcas puderam contar com a
intervenção de Deus. No final da história de José está expressa a proteção
divina (Gn 50:20). A proteção de Deus vem acompanhada de bênção (Gn
12:2). Deus conduziu os patriarcas e também os abençoou ricamente. Aquele
que saiu de sua terra e partiu para o desconhecido, veio a ser o patriarca de um
povo numeroso.

22
A bênção dirigida a Abraão deve ser estendida a todos os povos (Gn 12:3).
Um povo pequeno e insignificante é escolhido para ser instrumento da bênção
de Deus perante toda a humanidade. Israel passa a ter um significado decisivo
perante todos os povos, mesmo não apresentando méritos para essa escolha.
O povo sempre se defrontou com o perigo de se dar por satisfeito com a
escolha divina. Mais tarde, os profetas alertaram sempre de novo para a missão
de Israel perante a humanidade. A fidelidade de Deus à eleição de seu povo
impediu que os israelitas fossem entregues definitivamente ao juízo.
Na época dos patriarcas havia grandes e pomposas religiões no Antigo Oriente,
principalmente no Egito e na Mesopotâmia. Essas religiões se extinguiram e
seus deuses se desvaneceram. No entanto, a fé dos hapiru subsiste até hoje.
1720 aC
Os Hicsos invadem o Egito. Os Hicsos eram semitas, um povo com laços de
parentesco com os hebreus.
1700 aC Gn 37-45
Jacó tem 12 filhos, que se tornam os ancestrais das 12 tribos de Israel. José foi
vendido ao Egito, onde se tornou conselheiro do faraó, ocupando um cargo de
destaque.

Os Israelitas no Egito
1670 aC Os descendentes de Jacó migraram ao Egito e lá foram escravizados. Gn 46-50
Os egípcios acolhiam outros povos, mas submetiam os migrantes a trabalhos
forçados nas obras de faraó.

O Êxodo
Êxodo narra a saída do Egito. É a libertação da escravidão no Egito. O livro inicia com a opressão dos
israelitas no Egito e narra até à construção do santuário no Sinai. Deus interveio, separando um grupo
de hebreus, para formar uma nação santa (Ex 19:4-6). Deus chamou Moisés para liderar esse povo. O
êxodo é considerado o período do encontro com Deus. Deus se revelou no monte Sinai e entregou os
Dez Mandamentos. Israel sempre de novo refletia sua história a partir do êxodo. O povo do êxodo
experimentou que Deus de fato estava presente (17:7). Deus se revela e acompanha a caminhada do
seu povo, fazendo-se presente.

Estrutura de Êxodo.
1:1 – 15:21 = Os israelitas são libertados da escravidão no Egito.
15:22 – 18:27 = Os israelitas caminham até o monte Sinai.
19 – 24 = A aliança estabelecida por Deus no Sinai.
25:1 – 31:17 = Prescrições para a construção do Tabernáculo.
31:18 – 34:35 = O bezerro de ouro. Renovação da aliança.
35 – 40 = A construção do Tabernáculo.

1552 aC Os Hicsos são expulsos do Egito. As tribos de Rúben, Simeão, Levi, Judá, Ex 6:1; 11:1 e
Issacar, Zebulom (os filhos de Lia), Gade e Aser (os filhos de Zilpa) saíram 12:33
com a expulsão dos Hicsos. Foi o êxodo-expulsão.

Um segundo circulo de tradições contém narrativas a respeito da libertação do


Egito. Este tema tornou-se fundamental na confissão de fé do povo. Israel
vivenciou a atuação de Deus em sua história.

1350 aC Nasce Moisés. Em meio à opressão de seu povo, o menino Moisés Ex 2:1-10
sobrevive graças à coragem das parteiras do Egito, de sua mãe, de sua irmã e
da filha do faraó.

irmã e da filha do

23
1310 aC Moisés foge para Midiã. Ex 2:11-22

Deus fala com Moisés do meio da sarça ardente. Ex 3

Deus se apresenta como Javé (Ex 3:14 e 6:3). O nome expressa a dinâmica do
ser de Deus: Ele é, era e há de vir. O nome Javé (Iahweh) está relacionado com
o verbo hwh, que significa “ser”. Javé significa “Ele é, mostra-se eficaz”. Ex
3:12 pode ser traduzido: “Eu serei contigo”. A expressão “aleluia!” também
atesta que o nome de Deus é Javé. Pois, alelu significa em hebraico “louvai”. E
a terminação ia pertence ao nome Iahweh (Javé). Portanto, aleluia significa
“louvai a Javé”. No Apocalipse, Deus se apresenta como “aquele que é, que era
e que há de vir” (1:8). Este é o significado do nome Javé.

Javé é o Deus qu

Moisés e Arão falam com o faraó. Nos encontros com o faraó, Arão deve atuar Ex 5-13

como profeta (Ex 7:1). As dez pragas.

A Páscoa. Ex 12
Moisés conduz os israelitas para fora do Egito
1270 aC O Êxodo - A libertação do Egito. Foi o êxodo-fuga. Ex 14 e 15
Moisés liderou a Casa de José (Efraim e Manassés) e a tribo de Benjamim (os
filhos de Raquel) e as tribos de Dã e Naftali (os filhos de Bila).
A travessia do Mar dos Juncos – o maior milagre no AT.
Moisés é o personagem mais importante na história da salvação
em todo AT. Moisés tem um acesso privilegiado a Deus. O Senhor promete
suscitar profetas como Moisés (Dt 18:15.18). O povo passou a esperar o
Profeta (Jo 1:21). O cântico de Moisés e a antífona de Miriã, que era profetisa.

Deus manda o Maná e as Codornizes. Ex 16

A água na rocha. Ex 17

O encontro de Moisés com Jetro. Ex 18

O Sinai
Um terceiro círculo de tradições contém narrativas da revelação de Deus no
Sinai, onde o Senhor estabeleceu uma aliança com o povo. Essa aliança foi
estabelecida a partir da decisão de Deus (Ex 19:5). O próprio Deus assumiu
a garantia da fidelidade dessa aliança. Na celebração da aliança, Deus deu a
conhecer sua vontade. A aliança é uma livre iniciativa de Deus.
E o povo deve responder com obediência aos Dez Mandamentos.
Deus quer que o seu povo tenha uma determinada conduta neste mundo.

As três grandes alianças que Deus estabelece no Pentateuco:


- com Noé - o sinal é o arco-íris;
- com Abraão - o sinal é a circuncisão;
- com Moisés e o povo - o sinal é a Lei (os Dez Mandamentos).

A Revelação de Deus no Sinai Ex 19 e 20


Os Dez Mandamentos - A Aliança do Sinai Ex 19:1-24:1
O Código da Aliança Ex 20:2 2-24:18

A Lei Sacerdotal (Ex 25 - Nm 10).

24
Prescrições para o Santuário e para os Sacerdotes. Ex 25-31

O Bezerro de Ouro. Moisés intercede pelo povo. A intercessão é


uma característica dos profetas. A Renovação da Aliança. Ex 32-34

Construção do Santuário. Ex 35-40

O livro do Êxodo termina com a construção da Tenda do Encontro.


O Levítico inicia legitimando a Tenda do Encontro. Mediante a observância
de leis e costumes, a pessoa sabe como proceder em relação a essa tenda,
para que ela seja verdadeiramente um lugar de encontro.
Um erro ritual, uma impureza ou uma infidelidade podem ser um obstáculo
a essa comunhão. Compreende-se então a importância das minúcias litúrgicas.
O culto e o sacerdócio constituem a mediação essencial entre Deus e o ser humano.

Levítico contém a lei dos sacerdotes da tribo de Levi. É o manual litúrgico do


sacerdócio levítico. A santidade de vida é o meio para nos levar a uma comunhão
com o Deus vivo. A pureza ritual resulta do empenho em querer se apresentar
diante da santidade de Deus. O empenho pela fidelidade resulta na pureza moral.
Devemos amar a Deus sobre todas as coisas (19:2) e ao próximo como a nós
mesmos (19:18). Neste contexto, o próximo se refere ao integrante do povo hebreu.

Estrutura de Levítico.
1 – 7 = Ritual dos sacrifícios.
8 – 10 = Consagração dos sacerdotes.
11 – 16 = Regulamentação sobre o puro e o impuro. Dia da Reconciliação.
17 – 25 = A Lei de Santidade (Ano Sabático e Jubileu).
O Código da Santidade é uma das chaves do Pentateuco.
26 = Bênçãos e maldições.
27 = Tarifas para o cumprimento dos votos.

Ritual de Sacrifícios. Lv 1-7

A Consagração dos Sacerdotes. Lv 8-10

A Lei da Pureza. Lv 11-15

O Grande Dia da Reconciliação. Lv 16

A Lei da Santidade. Lv 17-26

Contendo bênçãos e maldições,

a Lei da Santidade é um código autônomo incorporado no Levítico.

O Ano Sabático e o Ano Jubilar (Lv 25).


De sete em sete anos a terra deve descansar. As pessoas colhem o que brota
espontaneamente. Os pobres podem realizar a colheita.
A cada cinqüenta anos era decretada uma anistia. Todos deviam se tornar livres.
A terra retornava para a família de origem. A terra não era vendida.
Em verdade, arrendava-se determinado número de colheitas.
Regras para os Votos Lv 27

Números contém os dois recenseamentos de Israel no deserto.


É narrada a viagem desde o Sinai até Moabe, depois de longa
permanência em Cades (Dt 1:46). Predominam as tradições sacerdotais.
Israel aparece no livro como um povo bem organizado.
Era intenção do escrito sacerdotal e do eloísta projetar para o período do deserto

25
um estilo de vida que eles queriam ver na monarquia e depois do exílio.
A imagem de Israel é mais ideal do que real.
Deus está com o povo: guia, castiga, perdoa, alimenta e lhe dá a vitória.
Moisés é o intermediário; um homem fiel, que intercede pelo povo.
Este período é de provação e de amadurecimento.

Estrutura de Números.
1 – 2 = O primeiro recenseamento do povo.
3 – 4 = Estatuto e funções dos levitas.
5 = Prescrições rituais.
6 = O voto do nazirado.
7 – 8 = A dedicação da Tenda do Encontro e dos levitas.
9 = A celebração da Páscoa.
10 – 25 = A marcha desde o Sinai até às planícies de Moabe.
10 – 11 = De Sinai a Cades.
11 – 14 = Tentativa frustrada de penetrar em Canaã pelo sul.
15 = Prescrições diversas.
16 – 17 = Contestada a autoridade de Moisés e Aarão.
18 – 19 = Prescrições diversas.
20 – 25 = A marcha desde Cades até às estepes de Moabe.
26 – 36 = O segundo recenseamento. Instruções para a partilha da terra.

O Recenseamento Nm 1-4

Complemento às Leis de Purificação e de Santidade. Nm 5-6

As Ofertas e a Consagração dos Levitas. Nm 7-8

A Páscoa. Nm 9

40 Anos no Deserto
Um quarto círculo de tradições contém narrativas a respeito da caminhada no deserto.

A caminhada de 40 anos pelo deserto Nm 10:11 - 19:22


A Marcha do Sinai a Cades. Nm 10:11-36
Etapas no Deserto. Nm 11-14
Primeira tentativa de penetração em Canaã........................................................ Nm 13
Revolta................................................................................................................ Nm 14
Sacerdotes e Levitas - sacrifícios. Nm 15 e 17-19
A Rebelião de Coré, Datã e Abirã. Nm 16

1230 aC A Conquista da Transjordânia


De Cades a Moabe. Nm 20 –36
As Águas de Meribá (Nm 20:1-13). Nm 20
Os edomitas recusam passagem (Nm 20:14-21).
Morte de Aarão (Nm 20:22-29).
Vitória sobre os cananeus na Transjordânia (Nm 21:1-3).................................. Nm 21
A Serpente de Bronze (Nm 21:4-9).
Os amoritas impedem a passagem.
Vitória sobre os amonitas na Transjordânia.
Balaão e sua jumenta, que é mais clarividente do que o adivinho. Nm 22 –24
As moabitas seduziram Israelitas em Peor. Israel trai o Senhor. Nm 25
Instrução para a partilha da terra. ........................................................................ Nm 26-30
Josué torna-se líder do povo. Nm 27:12-23
Guerras de Conquista. Nm 31-36
Represálias contra os midianitas. (Nm 31)
As tribos de Gade, Rúben e Maquir se instalam na Transjordânia. (Nm 32)
As etapas percorridas do Egito ao Jordão. (Nm 33 )
Fronteiras de Canaã. (Nm 34)

26
Deuteronômio significa “segunda lei”. O nome advém da interpretação de Dt 17:18.
A Septuaginta traduziu “cópia da lei” por “segunda lei”, dando origem ao nome
Deuteronômio. O cap. 5 apresenta a repetição dos Dez Mandamentos.
No Deuteronômio, a figura principal é Moisés, que se torna o paradigma
dos profetas (18:15.18). O Deuteronômio exorta o povo a ter fé em Deus,
que quer fidelidade e amor (11:1.13.22). Deus estabelece um relacionamento
especial com o seu povo. Israel foi escolhido para ser o povo do Senhor
(7:6-8 e 14:2). A promessa de Deus dirigida a Abraão está se cumprindo.
Junto à margem oriental do Jordão, Moisés exorta o povo a se comprometer
com a aliança estabelecida por Deus. O culto, e a conduta devem ser uma resposta
ao amor de Deus. Merece destaque o “Código Deuteronômico” (12-26), estabelecendo
um único lugar para o culto, para onde todo o Israel deverá peregrinar regularmente.
O Shemah Israel (Ouve Israel) se encontra em Dt 6:4-9 e é recitado duas vezes
ao dia pelos judeus piedosos. Em 26:5-9 é apresentado o Credo Histórico do
povo de Israel – uma confissão de fé recitada na festa da colheita.
O Deuteronômio exorta a reconhecer sempre de novo a ação divina na história humana.
Um conceito teológico central no Deuteronômio é a bênção (28:1-14 e 30:15-20). Pois,
a bênção é um prolongamento das promessas feitas aos patriarcas (Dt 7:13-16).
Ao lado dos Salmos, o Deuteronômio é um dos livros do AT de maior influência.

Estrutura do Deuteronômio.
1:5 – 4:44 = Primeiro discurso de Moisés – estilo narrativo.
4:45 – 11:32 = Segundo discurso de Moisés – estilo exortativo.
5 = Os Dez Mandamentos.
12 – 26 = O Código Deuteronômico.
27 – 28 = Bênçãos e maldições.
29 – 30 = Terceiro discurso de Moisés.
31 = A missão de Josué. Instruções.
32 = Cântico de Moisés.
33 = As bênçãos de Moisés.
34 = Morte de Moisés.

O Deuteronômio
Primeiro Discurso de Moisés. Dt 1: 1-4:40
Segundo Discurso de Moisés (Repetição dos Dez Mandamentos). Dt 4:49-11:32
O Código Deuteronômico. Dt 12-26:15
Terceiro Discurso de Moisés. Dt 26:16-28:68
Quarto Discurso de Moisés. Dt 28:69-30:20
Missão de Josué e Leitura da Lei. Dt 31
O Cântico de Moisés. Dt 31
As Bênçãos de Moisés. Dt 33
A Morte de Moisés. Dt 34

Término do Pentateuco, que significa cinco rolos.

A Terra Prometida
As tribos tinham uma experiência em comum: deixaram de ser nômades para se tornarem sedentárias. E se
distinguiam dos habitantes cananeus. Mas, o que separava os israelitas dos cananeus era a fé. Os cananeus cultuavam
aproximadamente 30 deuses. No topo do panteão encontrava-se Baal, o deus da fertilidade. Josué reuniu as tribos na
Assembléia de Siquém (Js 24). Foi celebrado um pacto. A Arca da Aliança tornou-se o símbolo visível do Deus
invisível. A Arca era o santuário em torno do qual as tribos se reuniam. A estrutura política ainda era frágil e a
federação das tribos se deparava com diversas ameaças: assaltantes nômades, reinos da Transjordânia e cidades
cananéias. A liga de tribos recebeu o nome de “Israel”, que significa: Deus luta. As tradições em torno dos Patriarcas,
do Êxodo e da Aliança no Sinai tornaram-se patrimônio comum de todo o povo. Os israelitas tiveram que se defrontar
com a religião dos cananeus, pois estes enfatizavam que os deuses seriam os senhores da terra. Logo, a fertilidade da
terra dependia do beneplácito de Baal. Até então, os israelitas haviam vivenciado Javé como o Senhor da história,
conduzindo e protegendo seu povo em meio aos perigos. Seria Javé também o Senhor da terra e da fertilidade? Ou seria
necessário aderir aos rituais dos cananeus? Alguns grupos queriam cultuar Baal. Outros eram a favor de um sincretismo
entre Baal e Javé. Podemos imaginar a aflição de um israelita quando ocorria uma adversidade climática. Uma

27
catástrofe era interpretada como vingança de Baal. Mas, se o Deus de Israel é o único Deus verdadeiro, então não pode
haver âmbito que esteja fora de seu domínio. Também a natureza deve obedecer a Javé. Portanto, além de ser o Senhor
da história, o Deus de Israel também controla a natureza. O único e verdadeiro Deus também é Criador do mundo.
No confronto com a religião dos cananeus, os israelitas desenvolveram uma compreensão mais profunda da
atuação de Deus. Nenhum âmbito podia se subtrair ao domínio de Javé. Também a natureza lhe obedece. Com o
processo de sedentarização das tribos israelitas, a bênção do solo tornou-se muito importante (Js 5:11-12).

A Obra Historiográfica Deuteronomista abrange os capítulos iniciais e finais do Deuteronômio (1:1-4:43;


9:7-10:11; 3l-34), os livros de Josué, Juízes, Samuel e Reis. Os deuteronomistas repensaram toda a história do
povo israelita. Elaboraram uma teologia da história. Selecionaram as narrativas que mais interessavam para a
reflexão do povo.
Os livros de Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis formam um conjunto denominado Historiografia
Deuteronomista. A denominação se deve à influência que a teologia do Deuteronômio tem exercido sobre a
interpretação da história: o comportamento humano torna-se responsável perante o julgamento de Deus (Dt
12:2-3 e 2 Rs 17:10-12). Em Dt 30:15-20 encontramos um resumo da teologia do Deuteronômio.
O livro foi descoberto no tempo de Josias (2 Rs 22:8 e 23:2). O documento contém tradições da aliança,
oriundas de Siquém e de Betel. O livro sofreu influências de círculos levíticos, proféticos e sapienciais. No
tempo de Josias, recebeu novos acréscimos. Mais tarde, no exílio, o livro recebeu mais acréscimos (1:1-4:43;
9:7-10:11; 31-34) e foi incluído como documento para uma revisão da história de Israel - a Obra
Historiográfica Deuteronomista. No século V aC, foi feita a redação definitiva do Pentateuco. O Deuteronômio
recebeu, então, novos acréscimos das tradições Javista, Eloísta e Sacerdotal.
A Obra Historiográfica Deuteronomista abrange o período desde a entrada na terra até a saída para o exílio.
São sete séculos de história.

O LIVRO DE JOSUÉ
O livro de Josué estabelece a ligação entre duas etapas: no passado encontram-se
o Êxodo, a revelação de Deus no Sinai e a peregrinação no deserto; o futuro
se abre com a conquista da Terra Prometida e a complexidade social
do processo de sedentarização.

O livro de Josué contém dois grandes blocos:


1 – 12: Josué organiza campanhas militares para conquistar o território. Primeiro
ataca o centro da Palestina; mais tarde, o Norte e o Sul. A dádiva de Deus precisa
ser conquistada.
12 – 22: A distribuição do território entre as tribos de Israel mostra o zelo do povo
pela justiça distributiva.

Preparativos para ocupação da Terra. Js 1 e 2

A Travessia do Jordão. Js 3 -5

A Conquista de Jericó. Js 6 e 7

A Conquista de Ai. Js 8

A Conquista da Palestina. Js 10-12

A Distribuição do Território. Js 13-22

O Último Discurso de Josué. Js 23

A Grande Assembléia de Siquém – Renovação do Pacto. Js 24

O culto a Javé sempre se defrontou com a ameaça da idolatria. No Sinai,


Deus se revelou por intermédio da Palavra, e não mediante uma imagem (Dt 4:15).
Num contexto religioso marcado por esculturas idolátricas, o israelita devia
cultuar o Deus invisível que se manifesta mediante a Palavra. Nesse contexto,
o povo de Israel legou à história uma contribuição original e exclusiva:
o monoteísmo ético.

28
Josué celebra a Liga Sacral das Doze Tribos (Js 24). O grupo liderado por
Josué convocou o povo para o grande Dia de Siquém. As tribos se uniram
numa confederação, unidas em aliança com Javé. É firmada a Aliança em
Siquém. É a comemoração da conquista e do estabelecimento das tribos na
Terra Prometida. A fé em Javé torna-se o elemento aglutinador e centralizador
de todas as tribos. O culto a Javé é proposto a grupos que não participaram do
Êxodo e da Aliança no Sinai. A partir desse pacto, as tribos do Sul e as do
Norte passam a viver na consciência de constituir o povo de Deus. É formada
assim a Confederação das 12 Tribos Israelitas.

Josué é o personagem central do livro.


Os primeiros capítulos do livro de Josué dão a impressão de que os hebreus
conquistaram toda a Palestina de uma só vez. Mas a partir do cap. 13
percebe-se que muitos lugares não foram conquistados. Observemos Js 11:22;
13:13; 15:13-18; 16:10; 17:11-13.16-18; 18:2; 19:4-7 e Jz 1 e 2. Em verdade,
a terra é conquistada mediante um processo longo, gradual e lento. Houve
episódios pacíficos e também violentos. A conquista é concluída somente no
reinado de Davi. A redação do livro de Josué seguiu o princípio da
simplificação: o povo todo é liderado por um chefe: Josué. Um processo lento
é reduzido a um movimento bélico, seguido da partilha da terra.

Devemos estar atentos para o significado da conquista de Canaã. Deus dá a


terra, cumprindo a promessa feita aos Patriarcas. O povo é libertado do
Egito, para ser feliz na Terra Prometida (Ex 3:7-8).
O autor do livro de Josué procura interpretar os acontecimentos a partir de
uma análise teológica da história.
As tribos têm de conquistar a Terra Prometida. Deus dá a terra. Mas o
homem precisa conquistá-la. A promessa de Deus não anula a iniciativa do
ser humano. A graça de Deus não deixa o homem passivo. A Terra
Prometida simboliza a vida, que é um dom de Deus. E o homem deve
conquistar esse dom. Mas, esse dom não é conquistado de uma vez para
sempre. O dom de Deus deve ser vivido no processo histórico. Para que a
vida seja conquistada assim como a Terra Prometida, Deus coloca uma
condição: que o ser humano seja fiel ao Criador!
A conquista da Terra Prometida tem o seu significado, que só se torna
compreensível na medida em que o povo se empenha.

A campanha liderada por Josué causou forte impressão. As batalhas devem


ter sido uma exceção. Mas, uma atividade bélica tende a permanecer na memória,
pois causa mais impacto do que uma ocupação gradual da terra. É compreensível
que as epopéias e os atos de bravura e heroísmo do grupo de Josué tenham passado
a fazer parte do patrimônio de todo o povo. Esses feitos passaram a ser narrados
de uma geração a outra. As narrativas e os relatos mostram que Israel interpretava
sua história sob a condução de Deus. A história de Israel é interpretada a partir
da experiência de fé: Deus conduz o seu povo, manifestando-se como
poderoso mediante os acontecimentos.

O livro dos Juízes apresenta a conquista da terra como sendo um processo


lento, gradual e incompleto. Em Jz 1 a conquista ocorre por meio de atos
individuais das tribos. Dentro do próprio livro de Josué percebemos
tentativas para mostrar que as tribos têm que se contentar com as regiões
mais altas e as estepes, como observamos em Js 13:1- 6; 14:6-13; 15:13-19 e
17:12 e 16. A conquista da terra só se efetiva com os primeiros reis (1 Rs
9:15-22). É Davi quem conquista Jerusalém (2 Sm 5:6-12).

No livro de Josué, a ênfase está na gratuidade: Javé deu a terra.

29
Os acontecimentos ocorrem numa área limitada junto ao santuário de Gilgal. A história é interpretada e os
fatos recebem uma explicação etiológica, ou seja, porque os fatos aconteceram dessa maneira. Observemos a
repetida afirmação: “...até o dia de hoje”. O importante é ver o significado da instalação das tribos em Canaã.
A terra prometida é dom de Deus e, ao mesmo tempo, resultado da conquista do homem. A graça de Deus não
deixa o homem passivo, mas impulsiona-o para aproveitar as possibilidades que surgem na vida. Dentro de um
processo de ocupação gradual da Terra Prometida, as batalhas – narradas no livro de Josué – devem ter sido
uma exceção. Mas, permaneceram na memória. Isso é compreensível, pois as epopéias impregnam muito mais
a memória do povo que as mobilizações pacíficas. É mais fácil narrar uma façanha bélica que um processo que
envolveu gerações.
As tradições passaram a focar de modo agrupado e concentrado toda essa mobilização.
Josué liderou uma campanha que causou impacto. As tribos, que vieram do deserto, não se dedicaram apenas à
guerra. Mesmo havendo uma ocupação pacífica e gradual da terra, as batalhas ficaram na memória. As
epopéias e os atos de bravura e heroísmo do grupo de Josué foram preservados na memória, sendo narrados de
uma geração a outra e, por isso, passaram a fazer parte do patrimônio de todo o povo.
Essa maneira de narrar e preservar os acontecimentos mostra que Israel interpretava sua história sob a
condução de Deus.

No livro dos Juízes é salientada a conquista por parte do povo.


Juízes é o único documento que narra sobre a época entre Josué e a instalação da monarquia. O livro quer
transmitir uma mensagem: Deus é fiel e misericordioso, disposto a perdoar e salvar. O homem deve se rebelar
contra a opressão. Em Jz 2:6 - 3:6 encontramos a chave para interpretação do livro e de toda história de Israel.
A dinâmica é esta: pecado / castigo / arrependimento / conversão / libertação (graça). A opressão é o resultado
da alienação, e a vitória é a conseqüência do retorno a Deus.
A partir da experiência do exílio, a Obra Historiográfica Deuteronomista vê a ocupação da Terra Prometida
como um processo de constante reconquista, que se desenrolou assim:
- Javé “deu” a terra a Israel;
- o povo não precisou se esforçar; recebeu a terra pela graça e pelo poder de Deus;
- o povo não guardou a Aliança e seguiu Baal;
- Javé permitiu que perdessem a terra;
- o povo se arrependeu e pediu perdão;
- Deus permitiu que reconquistassem a terra por intermédio dos juízes.

Como se justifica o uso da força e a matança de tantas pessoas com o propósito de ocupar a terra prometida? E
tudo isso foi ordenado pelo próprio Deus!
Desde cedo foi levantado esse questionamento ético. Em Lv 18:24-25 observamos que a terra se tornou impura
e contaminada com as perversões de seus habitantes. O Senhor pede contas, pois a terra lhe pertence. A terra
vomita seus moradores e fica disponível para outros. Existe uma relação profunda entre o ser humano e a terra.
O Senhor quer garantir a harmonia na sua criação: entre a natureza e seus habitantes. Em Gn 15:16 a questão é
colocada como profecia. Completadas as medidas do pecado, as conseqüências são uma decorrência. Em Dt
12:29-31 são mencionadas as abominações dos cananeus, que queimavam seus filhos para sacrificarem a seus
deuses. Observemos também Sl 106:36-38; 2 Rs 17:31 e Jr 7:31. Em Sabedoria 12, um livro deuterocanônico,
são apresentados detalhes das perversões dos cananeus. A terra é propriedade de Deus e, por isso, ela é santa.
Os delitos profanaram a terra. Portanto, Deus pode dar e tomar a terra.
Os hebreus praticavam a guerra tal como era praticada no mundo antigo.
Eles foram o flagelo de Deus para os cananeus como os assírios o foram mais tarde para os israelitas. A justiça
de Deus é misteriosa e permite que os pecados dos homens sejam punidos pelos pecados de outros homens.
Deus tem autoridade para julgar as nações. E ele executa o juízo mediante a mobilidade da história da
humanidade: as nações sobem e descem.

1200-1050 aC O Período dos Juízes


Israel ainda não havia se tornado uma nação organizada. Era uma
confederação de tribos. O único ponto centralizador era o culto. Quando uma
tribo era oprimida, outras vinham em socorro.
Embora tivessem o título de Juízes, esses homens mais se ocupavam com a
liderança e a chefia do povo em tempos de crise. Os juízes maiores eram
carismáticos, vocacionados por Deus para libertar o povo, quando este se
encontrava em aperto e havia se desviado do Senhor. Os juízes menores
eram administradores da justiça. Em hebraico, “julgar” também significa
“governar”, “administrar”. A autoridade de um juiz não se estendia muito

30
além de sua cidade. Sua atuação era regional. A atuação dos juízes é uma
transição entre a confederação das tribos e o regime da monarquia.
Um fator externo, que exige a instituição dos juízes, eram os inimigos de
Israel: filisteus, moabitas, cananeus, edomitas, midianitas, amonitas,
arameus.
Observemos Jz 2:6 - 3:6, onde temos a chave para compreender os avanços e
os recuos na história de Israel. Há uma alternância de pecado / castigo /
arrependimento / conversão / libertação.

Juízes Menores 10-12


Sangar - lutou contra os filisteus. 3:31
Tola - chefiou 23 anos - em Issacar e Efraim. 10:1-2
Jair - chefiou 22 anos - em Gileade (Maquir). 10:3-5
Ibsã - chefiou 7 anos - em Belém. 12:8-10
Elom - chefiou 10 anos - em Efraim. 12:11-12
Abdom - chefiou 8 anos - em Efraim. 12:13-15
Juízes Maiores
Otoniel – tribo de Judá - lutou contra os arameus. 3:7-11
Eúde – tribo de Benjamim - lutou contra os moabitas - 3:12-30
Débora e Baraque – tribos: Zebulom, Naftal e Issacar - cananeus - 4-5
Débora era profetisa e julgava os israelitas (Jz 4:4-5).
Gideão - lutou contra os midianitas - 6-8
Jefté - chefiou 6 anos - em Gileade - 11:1-12:7
- lutou contra os amonitas
(Jefté atua como libertador do povo
e desempenha funções de Juiz)
Sansão - lutou contra os filisteus - 13-16

A confederação de tribos sobreviveu durante quase dois séculos.


Nos dois livros de Samuel o tema central é o surgimento da
monarquia sob a condução de Samuel.

1040 aC Samuel 1 Sm 1-12


O voto de Ana e o nascimento de Samuel. Este passa a servir no Santuário de
Silo, juntamente com o sumo-sacerdote Eli. Samuel atua como juiz. Tem
residência fixa mas também atua de um modo itinerante. É da tribo de Efraim, e
é respeitado pelas demais tribos. Samuel também é profeta.
Ele é intérprete da vontade de Deus.
Abimeleque tenta formar um Estado Jz 9
Abimeleque, filho de Gideão, tornou-se rei em Siquém.
Estabeleceu uma monarquia com o apoio de uma maioria cananéia
O empreendimento durou 3 anos.
1030 - 1010 aC O Reinado de Saul 1 Sm 13-31 e
Saul é o primeiro rei em Israel (1030-1010). É ungido por Samuel. 1 Cr 10
Saul oferece um holocausto, o que era de competência de Samuel.
Lutas constantes com os filisteus (13-14). Saul se apoderou dos despojos de
guerra, e isto era proibido por Deus. Saul foi rejeitado por Samuel e Davi
brilhava cada vez mais. Saul perseguiu Davi. As guerras com os filisteus
exauriram as energias de Saul. Não obtendo resposta de Deus, Saul consultou a
médium de En-Dor. Nos montes de Gilboa, os filisteus derrotaram os israelitas.
Três filhos de Saul morreram na batalha. Profundamente abalado, o rei Saul se
suicidou. O processo de unificação nacional sofreu um retrocesso.

31
1010 - 971 aC O Reinado de Davi 1 Sm 16 - 1 Rs 2
Davi é o rei de Israel (1010-970). É ungido por Samuel. 2 Sm 7 e 11-12;
Davi vence Golias (1 Sm 17). O Reino do Norte só aceita Davi como rei quando 1Rs 1
haviam se passado 7 anos e meio desde a sua unção (2 Sm 5:5). Davi foi a
figura mais expressiva da história política de Israel. Ele foi um estadista genial.
Para que seu governo não fosse afetado pelas divergências tribais, Davi
conquistou a cidade de Jerusalém, até então habitada pelos jebusitas. Davi tinha
então uma capital bem localizada e independente de qualquer influência das
tribos. Ele fez mais: trouxe para a nova capital a Arca da Aliança – o santuário
da liga das tribos. Davi proporcionou ao povo um novo centro religioso.
Jerusalém tornou-se o centro político e religioso. A importância da cidade foi
decisiva na história de Israel. Um segundo acontecimento perpetuou o
significado de Davi: O profeta Natã anunciou que Deus dará à descendência de
Davi o reinado de Israel (2 Sm 7:13). Deus estará sempre com a descendência
de Davi. Estava aberta a esperança por um descendente de Davi, que atuasse de
acordo com o plano de Deus – trazendo um período de salvação e colocando um
fim na aflição do povo. De sua descendência nascerá o Messias. Davi foi bem
sucedido na política internacional. Israel passou a exercer sua hegemonia no
território que abrange a Síria e a Palestina. Davi submeteu os filisteus, no oeste,
os amonitas, os moabitas e os edomitas, no leste e no sul. Ao norte, ele estendeu
seu domínio sobre o território dos arameus. No nordeste, sobre Damasco e até o
rio Eufrates. Ampliou as fronteiras de Israel. Obteve o monopólio do ferro.
Respeitou as tradições de cada tribo. Na época, atuou o profeta Natã, que
anunciou a aliança do Senhor com Davi. O Senhor estabelecerá uma dinastia
para Davi. Tem início a esperança messiânica de Israel. Natã reprovou o
adultério de Davi com Bate-Seba. A família de Davi se desintegrou: o filho
mais velho Amnom violentou sua irmã Tamar. Amnom foi morto pelo seu
irmão Absalão. Em Hebrom, Absalão foi proclamado rei. A tropa de Davi
matou Absalão. Seba, da tribo de Benjamim, liderou uma revolta contra Davi,
mas foi derrotado. O quarto filho, Adonias, aproveitou a indecisão de Davi, para
ser proclamado rei. Natã e Bate-Seba conseguiram que o rei ordenasse a unção
pública de Salomão, que se tornou co-regente e o sucessor de Davi.
O profeta Gade orientava Davi, desempenhando um importante papel no
reinado. Acompanhou Davi desde o princípio e teve que fazer o rei escolher o
castigo por causa do recenseamento. Abiatar e Zadoque eram os sumo-
sacerdotes
971 - 931 aC O Reinado de Salomão (972-931) 1 Rs 3-11
Com o surgimento da monarquia e o desenvolvimento urbano, que resultou no
aprimoramento da narrativa histórica, a mensagem de Deus passou a receber
uma outra ênfase. Diante das desigualdades sociais, os profetas passaram a
anunciar o juízo de Deus. O povo estava se tornando grande e poderoso, mas
também injusto. Quando o profeta Natã falou em nome de Deus, acusando o rei
Davi, estava chegando a hora do juízo divino contra o próprio povo eleito.
Salomão não se destacou no âmbito político e militar. Ele se cercou de artistas e
pesquisadores. Tornou-se conhecido pela sua sabedoria e desenvolveu as
relações internacionais. A corte de Jerusalém se assemelhava aos palácios do
Egito e da Babilônia. Houve um grande desenvolvimento cultural. Nessa época
surgiram as primeiras grandes obras literárias em Israel. As histórias dos reis
surgiram em numerosas obras menores, que são mencionadas nos livros de
Samuel: a história de Saul, a ascensão de Davi ao poder, o reinado de Salomão.
São narrativas que se situam entre a melhor prosa do Antigo Oriente. As antigas
tradições dos primórdios da história de Israel, que eram transmitidas oralmente
de uma geração a outra, receberam sua forma literária. Surgiu uma grande obra,
que iniciou com a criação do mundo e se estendeu até a ocupação de Canaã. Era
um esboço do Pentateuco. Salomão desenvolveu uma administração estatal.
Criou um exército permanente e bem equipado. Desenvolveu o comércio

32
exterior e Israel se destacou entre as nações. Foi um período de muitas
construções de vulto, destacando-se a construção do templo de Jerusalém.
Desenvolve a navegação e amplia as obras iniciadas por seu pai. Divide a nação
em 12 províncias, desrespeitando a tradição das tribos. Aumenta os impostos. O
progresso acelerado não beneficia a todos. Surgiram os profetas como porta-
vozes dos marginalizados. Parte dos arameus e parte dos edomitas reconquistam
sua independência. Entre 967 e 961 foi construído o majestoso Templo de
Jerusalém (1 Rs 5-7). Terminadas as construções do Templo e do palácio,
Salomão entrega 20 cidades do Norte para pagar a dívida externa. A arca da
aliança é trazida para o Templo, que é inaugurado. Salomão é um rei sábio.
Viveu em exagerada pompa, tomando-se um latifundiário e permitindo que suas
mulheres infiltrassem cultos pagãos em Israel, e ele mesmo se voltou para a
idolatria. No final, Salomão foi avaliado de maneira severa (1 Rs 11:1-8).
Despontou o profeta Aías, que anunciou a divisão do povo de Israel em dois
reinos (1 Rs 11:26-40). Salomão morreu, e seu filho Roboão, mostrando-se
muito arrogante e inábil, provocou a divisão entre as tribos. Somente duas tribos
ficaram com Roboão (Judá e Benjamim) e as outras dez seguiram a Jeroboão,
que fora perseguido por Salomão e se refugiara no Egito.

Israel dividido - 931 aC.


(1 Rs 12 - 2 Rs 25; 2 Cr 10-36)

Reino do Norte Reino do Sul


Israel Judá

931-910 - Jeroboão é rei (1 Rs 12). 931-914 - Roboão é rei (1 Rs 12-14). Permitiu toda espécie
Os santuários de Betel e Dã são igualados de idolatria. Roboão pagou tributo ao faraó Sisaque e,
ao Templo de Jerusalém. Jeroboão instituiu por isso, o Reino de Judá foi poupado.
uma festa anual e colocou dois bezerros de ouro
nos santuários. Um “homem de Deus”,
vindo de Judá, profetizou contra o altar de Betel
(1 Rs 13). Jeroboão tornou-se um paradigma
para a idolatria dos demais monarcas.
O pecado de Jeroboão passou a influir
em toda a história do Reino do Norte.
Capital: Siquém e a fortificação de Penuel (2ª capital
- 1Rs12:25). Atuação do profeta Aías (1 Rs 14:1-18). Atuação do profeta Semaías (1 Rs 12:20-24), que
Quase cego, ele vê o final trágico da dinastia de evitou a guerra civil.
Jeroboão. Roboão não aceitava a divisão (1 Rs 14:30 e 15:6).
Guerra entre Roboão e Jeroboão.
Guerra civil entre Israel e Judá (1 Rs 14:30 e 15:6). Eclode a guerra civil entre Norte e Sul.
Atuação do profeta Ido (2 Cr 12:15), que era vidente
e escreveu um livro de genealogias.
925 - o faraó Sisaque saqueia Israel
914-911 - Abias é rei. (1 Rs 15:1-8). Reinado breve,
caracterizado pela idolatria.
910-909 - Nadabe, filho de Jeroboão I, torna-se rei Continua a guerra entre Israel e Judá (1 Rs 15:6).
(1 Rs 15:25-28). Continua a guerra civil com Judá. O profeta Ido atuou também no reinado de Abias, e
escreveu o Livro da História do Profeta Ido (2 Cr 13:22).
Praticou a idolatria. Foi assassinado por Baasa.
911-870 – Asa é rei (1 Rs 15:9-24) e faz aliança com Ben-
Hadade de Damasco, para que este o ajude a lutar contra
Baasa, rei de Israel. Asa reinou 40 anos.
Atuação do profeta Azarias, filho de Odede, que exortou
o rei a buscar a presença do Senhor (2 Cr 15:1-2).
Combateu a idolatria. Ele desterrou a prostituição cultual e
retirou os ídolos dos antepassados. Quebrou e queimou a
imagem de Astarte. Nos lugares altos ainda havia idolatria,
“todavia, o coração de Asa foi, todos os seus dias, totalmente
do Senhor” (1 Rs 15:14).

33
909-885 - Baasa (I Rs 15:33 -16:6). Guerreou contra
Judá. Exterminou a família de Jeroboão. Foi o início
da segunda dinastia. Praticou a idolatria. O desentendimento entre Israel e Judá interessava a Damasco,
pois assim os arameus podiam explorar a rota das caravanas
ao sul do lago de Genesaré, através da planície de Esdrelom.
Teve que lutar contra Ben-Hadade. Durante um século
houve lutas com os arameus na Transjordânia. Enquanto Asa reinou no Sul, o reino do Norte teve seis reis.
Surge o profeta Jeú, filho de Hanani (1 Rs 16),
que pronuncia um oráculo contra Baasa.
Capital: Tirza (1 Rs 14:17 e 15:21).

885-884 - Elá, filho de Baasa, é rei (1Rs 16:8-14).


Praticou a idolatria. Foi assassinado por Zinri.

884 - Zinri matou Elá e massacrou toda a descendência


de Baasa. Foi o início da terceira dinastia. Mas só ficou
7 dias no trono. Suicidou-se (1 Rs 16:9-20).

884- Metade do povo segue Tibni, e a outra metade


segue Onri (1Rs 16:21). O partido de Onri prevaleceu.

A Dinastia de Onri.
884-874 - Onri tornou-se rei sobre todo o Israel.
(1 Rs 16:23-28). Foi o início da quarta dinastia.
Fundou a quarta capital do Norte: Samaria. 873 - Asa adoeceu e Josafá tornou-se regente (1 Rs 15:24)
Seu governo é estável e a economia está bem (1 Rs 16:15-28).
Praticou a idolatria. 870-848 - Josafá é rei. Os edomitas foram subjugados
(1 Rs 22:41-51).
874-853 -Acabe é rei (1 Rs 16:29-22:40).
Sua mulher Jezabel era filha do rei dos sidônios Tentou ampliar a navegação, mas sem sucesso.
Lutou contra a idolatria. Desterrou os restos de prostituição
cúltica no país. “Ele andou em todos os caminhos de Asa, seu
pai; não se desviou deles e fez o que era reto perante o
Senhor” (1 Rs 22:43). Fez aliança com Acabe. Em seu
governo não houve guerra com Israel (1 Rs 22:45).
Josafá foi derrotado por Ramote, rei dos arameus.
e servidora de Baal. Ambos cometem muitas injustiças
(2 Rs 21). Ainda há antagonismo entre israelitas
e cananeus, que têm o apoio de Jezabel. Acabe
praticou a idolatria. “Ergueu um altar a Baal no templo de
Baal que construiu em Samaria; pôs também uma estela e
continuou irritando o Senhor, Deus de Israel, mais que
todos os reis de Israel que o precederam” (2 Rs 16:32-33).
Acabe fez aliança com Josafá de Judá (1 Rs 22:1-4).

Cessou a luta entre Israel e Judá.


Acabe fez guerra contra Ben-Hadade III de Damasco.
Participou da coalizão contra a Assíria.
Aconteceu o primeiro cerco de Samaria (1 Rs 20).

Na época, surgiu o profeta Elias (1 Rs 17-21 e 2 Rs 1-2).


Elias anunciou grande seca. Foi sustentado pelo Senhor
Junto à torrente de Querite. Em Sarepta, a farinha e o
azeite da viúva não acabaram. O filho da viúva foi
devolvido à vida. Obadias escondia os profetas perseguidos
por Jezabel. Elias, o profeta solitário, lutou pela preservação
da fé no Senhor. Enfrentou 450 profetas de Baal. O fim da seca.
Ameaçado por Jezabel, Elias caminhou até o monte Horebe.
O Senhor lhe comunicou que ainda há7 mil homens fiéis em
Israel. A vocação de Eliseu (19:19-21). Jezabel ordenou
a morte de Nabote. Elias anunciou o juízo de Deus.
Acabe morreu. Com seu sincretismo religioso, o povo
era idêntico a um passarinho, que pula de um galho a outro.
“Até quando coxeareis entre dois pensamentos?” (1 Rs 18:21) ou
“Até quando dançareis num pé e noutro?”. Elias fez alusão
a uma dança ritual fenícia praticada no culto a Baal (1 Rs 18:26).
Elias se reportou ao primeiro mandamento. Quando Elias colocou
o povo de Israel diante de uma decisão, não se tratava de uma

34
escolha entre duas possibilidades equiparáveis, ou de igual valor.
O povo precisava perceber que sua existência dependia do
único Deus verdadeiro. A história do povo era a história
da condução divina, começando desde os Patriarcas.
Renunciar aos mandamentos significa renegar tudo o que Deus
realizou por Israel. Era uma decisão sobre ser ou não ser o povo
de Deus. Foi elevado ao céu num carro de fogo.

Atuou também o profeta Micaías (1 Rs 22), que contestou


400 falsos profetas convocados por Acabe. O profeta contrariou
o rei; foi esbofeteado e preso.
Acabe foi combater e foi morto.

853 -Acabe e Josafá foram derrotados fragorosamente 848-Jeorão é regente (1 Rs 22:51).


848-841 - Jeorão é rei. Os edomitas tornaram-se

por Ramote, rei dos arameus (1 Rs 22:29-40). independentes e proclamaram seu rei. Cresceu o culto a

Acabe morreu na batalha. Baal (2 Rs 8:16-24). Jeorão casou com Atalia, filha de Acabe

e Jezabel.

841 - O reinado de Acazias. Lutou contra os


arameus. Foi morto pelas tropas de Jeú (2 Rs 8:25-29).
853-852 - O reinado de Acazias, filho de Acabe.
Praticou a idolatria (1Rs 22:52-54). Ele caiu da 841-835 -Atalia, mãe de Acazias, tornou-se rainha (2 Rs 11:1-3).
sacada, adoeceu e mandou consultar Baal-Zebube. Ela “destruiu toda descendência real da casa de Judá” (2 Cr 22:10),
Elias o repreendeu. Acazias morreu sem ter filhos com exceção de Joás, que foi escondido e educado por Joiada
e Jorão, seu irmão, passou a reinar (2 Rs 1). por seis anos na Casa de Deus.
852-841 – Jorão (2 Rs 3-9:22). Sob a liderança de Mesa,
os moabitas tornaram-se definitivamente livres dos israelitas.
O profeta Eliseu atuou na época de Jorão até Jeoás 835 - O sumo-sacerdote Joiada mandou assassinar Atalia
(2 Rs 4-8 e 13). Eliseu pediu porção dupla (dois terços, e proclamou rei Joás, um menino de 7 anos. Joiada educara
a herança do primogênito) do espírito de Elias, o jovem rei.
tornando-se o herdeiro espiritual desse grande profeta.
Eliseu tornou saudáveis as águas de Jericó. Anunciou
a vitória de Israel e de Judá sobre Moabe. Aumentou
o azeite da viúva endividada com os dois filhos escravizados.
O filho da sunamita foi devolvido à vida. A panela envenenada
foi depurada. Vinte pães alimentam cem homens. A cura do
comandante sírio Naamã. Eliseu capturou um batalhão de Aram.
Os arameus cercaram Samaria. Houve fome
extrema com prática de canibalismo (2 Rs 6:24-31).
Um discípulo de Eliseu é incumbido de ungir Jeú.
Eliseu foi o homem de Deus que mais realizou
milagres no AT.
O rei Jorão foi assassinado por Jeú (2 Rs 9:22-26).

A Dinastia de Jeú.
841-813 - Jeú é ungido rei de Israel e mata Jorão (de
Israel) e Acazias (de Judá). Iniciou a quinta dinastia, 835-796 - O reinado de Joás. Em 814, Joás ordenou que
que abrangeu cinco reis, no período de 841 a 753.
Jeú foi subjugado pelos assírios e pagou tributo
(2 Rs 9:1-10:36). Andou nos pecados de Jeroboão. fossem feitas melhorias no Templo. Entrega ouro
Hazael, para que os arameus se retirassem. Manda
apedrejar o profeta Zacarias, filho de Joiada, no pátio
do Templo. O profeta havia denunciado a idolatria (2 Cr
24:20-22).
A Assíria está se tomando uma potência.

813-797 - Jeoacaz é rei e se defende de Hazael, de


Damasco, que destruiu diversas regiões de Israel. Os
filisteus e os amonitas atacaram na mesma época

35
(2 Rs 13:1-9). Praticou a idolatria. 796-767 - Amazias venceu os edomitas e fortificou Elate.
Provocou o rei Jeoás, de Israel, que o derrotou e o
aprisionou. Foi morto por uma conspiração (2 Rs 14:1-22).

797-782 – Jeoás é rei (2 Rs 13:10-14:16). Os assírios


submeteram os arameus, e estes deixaram de exercer pressão
sobre Isarel. Jeoás reconquistou as áreas perdidas
e passou a pagar tributo aos assírios.
Andou nos pecados de Jeroboão.
A morte do profeta Eliseu.

787 - Jeoás venceu Amazias de Judá. Conquistou 767 - O povo proclamou Uzias (Azarias) regente (2 Rs 14:21).
Jerusalém e destruiu parte de sua fortificação (2 Rs 14:8-14).

782 - Jeroboão é regente (2 Rs 14:23-29). 767- 739 - O reinado de Uzias. Foi um reinado longo e
782-753 – Jeroboão II é rei e restabelece os antigos
limites de Israel. Reconquistou Damasco e Hamate próspero (14:22). Desenvolveu a agricultura e
para Judá e Israel. Essa expansão havia sido profetizada
pelo profeta Jonas, filho de Amitai e natural de Gate-Hefer
(2 Rs 14:25). recuperou o porto de Elate. Promoveu assentamentos
Foi o melhor período do Reino do Norte. O declínio da em Edom. Estendeu as fronteiras de Judá.
Síria favoreceu Israel. O progresso foi resultado da
expansão do comércio com outras nações. Com a
prosperidade, aumentou o luxo, as desigualdades e a
corrupção dos costumes.
Portanto, o progresso não era para todos (2 Rs 14:23-29).
Surgiram grandes divergências internas.
Andou nos pecados de Jeroboão I.

760 - Desponta o profeta Amós. Morando nas montanhas


de Judá, Deus chamou o boiadeiro Amós para atuar no Norte.
Denunciou a prosperidade econômica como enganosa.
A religiosidade do povo é vazia. Os desequilíbrios sociais
e espirituais são o resultado do afastamento de Deus.
Um riacho pode secar no verão, mas a justiça deve fluir sempre.
A atuação de Amós não se restringe a uma reforma social.
Acontece que no início da história do povo não havia
desníveis tão acentuados. Os israelitas eram criadores
de ovelhas e cabras e, mais tarde, agricultores.
Mas, a situação econômica mudou. Nas cidades
prosperou o comércio. Enquanto aumentava o lucro dos
comerciantes, os pobres se endividaram a ponto de se
tornarem escravos. Os lucros de uns geraram as dívidas de
muitos. E os endividados se tornavam escravos. Na aliança,
que Deus estabeleceu com o seu povo, os israelitas
deviam ser iguais. Os desníveis sociais, que surgiram entre
o povo, eram uma afronta à aliança estabelecida por Deus.
Israel destruiu os fundamentos de sua relação com Deus.
Por isso, a pregação de Amós não se concentrou mais
no chamado ao arrependimento, mas no anúncio do juízo.
Justamente por ser o povo escolhido por Deus, Israel precisa
se deparar com o rigor do juízo (Am 3:2). Eleição implica
responsabilidade. Entre o povo da aliança deve haver justiça.
Existe uma tensão entre a eleição de Deus e a conduta do povo.
A eleição não é uma garantia de que o povo esteja isento do
juízo. Ao contrário, o povo eleito se depara com um juízo
mais rigoroso. Deus está com o seu povo. Isto não significa
prosperidade de qualquer maneira.
Deus também executa o juízo contra o seu próprio povo.
Amós foi expulso do Reino do Norte.

Depois da morte de Jeroboão II, teve início um período


de rápida decadência no Reino do Norte.
Zacarias, filho de Jeroboão II, foi assassinado no sexto
Mês de reinado. O assassino reinou durante um mês.
Nas três décadas seguintes, quatro dinastias se sucederam
por assassinato e usurpação.

740 - Uzias está leproso e Jotão torna-se o co-regente


(2 Rs 15:32-38).

36
753 - O reinado de Zacarias (2 Rs 15:8-12).
Não se apartou dos pecados de Jeroboão. 739-734 - O reinado de Jotão (2 Rs 15:32-38).
Reinou 6 meses. Foi assassinado por Salum. Construiu a Porta Superior do Templo do Senhor.

752 - O reinado de Salum (2 Rs 15:13-16).


Não se apartou dos pecados de Jeroboão.
Iniciou a sexta dinastia. Reinou um mês.
Foi morto por Menaém.

Menaém atacou Tifsa e região “e todas as mulheres grávidas


fez rasgar pelo ventre” (2 Rs 15:16). Iniciou a sétima dinastia.
752-741 - O reinado de Menaém (2 Rs 15:17-22).
Pagou tributo à Assíria. Não se apartou dos pecados
de Jeroboão. Reinou dez anos.

750-722 – Atuação do profeta Oséias. Por ordem do


Senhor, casou com uma prostituta dos templos de Baal.
O casamento foi um paradigma para o relacionamento
entre Deus e o povo. Os três filhos de Oséias receberam
nomes oraculares: Jezreel significa “Semeie Deus”,
“Não-compadecida” nega a misericórdia de Deus,
“Não-meu-povo” questiona a eleição e a aliança.
O tema central é o amor de Deus e a infidelidade do
povo. Israel tem sido infiel a Deus, mas o Senhor
não tem deixado de amar o seu povo. Oséias
denunciou a profunda corrupção moral, social e religiosa
de Israel. Os sacerdotes eram coniventes com o
pecado do povo, que consultava um ídolo de madeira.
A declaração do Senhor: “Pois misericórdia quero,
e não sacrifício, e o conhecimento de Deus,
mais do que holocaustos” (Os 6:6).
Os quatro temas da mensagem de Oséias:
justiça, direito, fidelidade e amor.
O povo deve conhecer a Deus (4:6).
Oséias foi o profeta que mais condenou o reinado.
Javé é o Deus benfeitor (2:10). O povo que adora
Baal na pátria, terá de esquecê-lo no exílio.
É o único profeta do Norte que deixou um livro escrito.
Durante a atuação do profeta Oséias ocorreram os
assassinatos dos reis Zacarias, Salum, Menaém e Peca.

741-740 - O reinado de Pecaías (2 Rs 15:23-26).


Fez o que era mau aos olhos do Senhor.
Iniciou a oitava dinastia. Reinou dois anos.
Foi morto por Peca, seu capitão (escudeiro), que
liderava 50 homens de Gileade.

740-731 - O reinado de Peca. Foi dominado pelos assírios


(2 Rs 15:27-31). Não se apartou dos pecados de Jeroboão.

733 – Tiglate-Pileser subjugou a maior parte do Reino do 734-727 - O reinado de Acaz (2 Rs 16).
Norte, transformando-a em província assíria.
Foi a primeira deportação israelita para a Assíria.
Peca ficou apenas com as montanhas
de Efraim e Samaria.
Por ocasião da guerra siro-efraimita, Peca atacou Judá
e aprisionou homens, mulheres e crianças (2 Cr 28:5-15).
O profeta Odede persuadiu os israelitas a libertarem seus
prisioneiros, denunciando o excesso de furor no massacre.
Os cativos foram alimentados, vestidos, ungidos e levados
de volta a Jericó. 733 – Guerra Siro-Efraimita contra Judá (2 Rs 16:5 e Is 7).
Peca foi morto por Oséias (2 Rs 15:29). Jerusalém foi sitiada por israelitas e arameus, pois
estes queriam forçar Judá a lutar contra a Assíria.
Tiglate-Pileser libertou Jerusalém.
731- 722 - O reinado de Oséias. Iniciou a nona dinastia. Acaz submeteu-se totalmente ao domínio dos assírios,
Fez o que era mau aos olhos do Senhor. garantindo assim a continuidade do Reino do Sul.
725 - Oséias pagou tributo ao rei Salmaneser, da Assíria. Os edomitas retomaram Elate.
Teve início o cerco da Samaria pelos assírios (2 Rs 17: 1-5). Acaz praticou a idolatria e ofereceu seu próprio filho em

37
Oséias recorreu ao Egito e deixou de pagar tributo.
O rei da Assíria mandou prender Oséias. sacrifício (2 Rs 16:1-4). Reinou 6 anos.
O rei da Assíria impôs a idolatria e mandou retirar o
722 - A queda de Samaria. altar do Senhor no Templo.
A nobreza foi deportada e substituída por povos
estrangeiros. As deportações atingiram principalmente
as classes altas: funcionários públicos, grandes
proprietários de terra, comerciantes e sacerdotes.
A grande massa de agricultores continuou na terra,
mas agora sob novos dominadores.
Os assírios trouxeram uma população estrangeira
e, com isso, aumentou o sincretismo religioso (2 Rs 17:56).
Essa nova classe dominante trouxe consigo o seu próprio
culto, mas, em contrapartida, também aceitou o culto a Javé.
A miscigenação entre os estrangeiros e a população nativa
acabou dando origem aos samaritanos (2 Rs 17).
Deportados para províncias distantes, os israelitas
se dissolveram entre outros povos
(1 Rs 16:24 a 2 Rs 17 e 18:9-12).
É o fim do Reino do Norte (2 Rs 17:6), que foi riscado do
mapa. Samaria foi transformada em província assíria.

740 - Vocação do profeta Isaías (cap. 1-39). Atuou em


Jerusalém. Denunciou a hipocrisia religiosa e as injustiças
sociais. Condenou a ganância e o latifúndio (5:8), a elaboração
de leis injustas e a idolatria. Enquanto os proprietários
aumentavam seus latifúndios, aumentava a pobreza. Enfatizou
a santidade de Deus. O Deus transcendente e também oculto
estabelece o seu desígnio. Anuncia o nascimento do Emanuel
(Deus conosco). O povo não deve confiar em armas e nem no
Egito (30-31), mas em Deus. Isaías insistiu na neutralidade
política de Judá. Por três vezes viu o seu país invadido e
devastado. O profeta conheceu quatro períodos políticos: o
reinado de Joatão (740-734), o reinado de Acaz (734-727), a
minoridade de Ezequias (727-715) e o reinado de Ezequias
(714-698). A fé é a firme confiança (7:9) e também a
serenidade (30:15). O livro de Isaías e os Salmos são os dois
escritos mais citados no NT.

Atuação do profeta Miquéias. Denunciou que o culto do


Senhor está dissociado da justiça. A injustiça é gerada pela
cobiça. Os poderosos vão se tornando donos dos campos.
Denunciou juízes e sacerdotes. O Senhor quer a prática da
justiça, amor, misericórdia e humildade. Assistiu a queda do
Reino do Norte, em 722 aC. Em 6:8 apresenta um resumo de
sua mensagem, que se assemelha à pregação de Amós, Oséias
e Isaías.

Em 210 anos de existência, o Reino do Norte teve

19 reis, nove dinastias e quatro capitais.

Sete reis foram assassinados e um se suicidou

Judá
727-698 - O reinado de Ezequias (2 Rs 18-20).
Ezequias reparou e purificou o Templo. Ocorreu uma reforma espiritual (Pv 25:1). Removeu a idolatria.
Construção do Canal de Ezequias.

701 Jerusalém foi sitiada. Ezequias submeteu-se a Senaqueribe e perdeu a maior parte de Judá. O profeta Isaías
novamente não foi ouvido, quando Ezequias buscou o apoio do Egito. Depois de um longo cerco a Jerusalém,
o exército assírio foi exterminado pelo Senhor. A oração de Ezequias mostra a confiança no poder universal de

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Javé – Deus de Israel. Desta vez, foi perceptível a influência do profeta Isaías. O anjo do Senhor feriu 185.000
homens do acampamento dos assírios. O historiador grego Heródoto, o Pai da História, relata que uma peste
assolou o acampamento dos assírios. Heródoto narra que o acampamento assírio foi invadido por imensa
multidão de ratos. Esses animais transmitem a peste bubônica. Nesse caso, o anjo teve a tarefa de arrasar o
exército inimigo mediante a peste.

Senaqueribe voltou para Nínive e foi assassinado por seus próprios filhos no templo de seu deus. O episódio
mostra que o deus de Senaqueribe não conseguiu salvá-lo dentro de seu próprio templo.

697 Ezequias adoeceu mortalmente, mas o Senhor concedeu-lhe mais 15 anos de vida. Contou com a orientação do
profeta Isaías. Manassés, filho de Ezequias, torna-se regente.

688-643 O reinado de Manassés, filho de Zedequias (2 Rs 21:10-18). Ele permitiu a realização de cultos pagãos no
Templo, para contentar o rei da Assíria. Foi um rei idólatra e sanguinário. Manassés “queimou a seu filho
como sacrifício” (2 Cr 21:6), praticou a adivinhação e a feitiçaria. O Cronista relata que no fim da vida,
Manassés voltou-se para Deus e retirou a idolatria do Templo (2 Cr 33:11-20).

Atuação do profeta Naum (entre 663 e 612). Seu livro é uma análise da política internacional. A profecia de
Naum é anterior à conquista de Nínive, quando a decadência era evidente. Os babilônios, os medas e os citas se
uniram para derrotar a Assíria. Nínive foi incendiada, em 612. O tema principal do livro é o oráculo contra
Nínive. Ele pronuncia sentenças proféticas que contrapõem o castigo da Assíria à salvação de Judá. A ruína de
Nínive é a manifestação do juízo de Deus. O Senhor da história pede uma prestação de contas aos impérios.

628 Atuação do profeta Habacuque. Os neobabilônios estavam desarticulando o império assírio. O profeta
analisou a política internacional e considerou os caldeus instrumentos na mão de Deus, que os utiliza para
castigar e curar seu povo rebelde. Aconteça o que acontecer, o povo deve confiar no Senhor. Habacuque foi o
profeta que melhor soube analisar o cenário internacional e perguntar pela justiça divina no transcurso da
história. Ele faz uma análise da história universal. Diante da soberania de Deus, o justo vive por sua fidelidade
(2:4). Analisando a situação nacional, o profeta pergunta onde está a justiça de Deus em meio a tanta opressão.

Surge uma nova potência: a Babilônia.

Atuação do profeta Joel. Ocorreu uma terrível praga de gafanhotos, que passou a ter a dimensão do Dia do
Senhor. A região ficou desolada e seca, e o profeta convocou um momento de penitência. No Dia do Senhor,
Deus executa juízo com características escatológicas: julgamento das nações e fenômenos cósmicos. Acontece
também a intervenção salvífica de Deus. A restauração ocorre mediante a efusão do Espírito e a prosperidade
agrícola. Comparando Joel 3:1-5 com Atos 2:17-24, constatamos que a efusão do Espírito aconteceu em
Pentecostes.

643-640 O reinado de Amom, filho de Manassés. Também contentou os assírios com a prática da idolatria (2 Rs 21:19-
26). Foi morto no palácio por uma conspiração. O povo matou os conspiradores e Josias foi proclamado rei.

640-609 O reinado de Josias, filho de Amom (2 Rs 22-23).


A Assíria entra em declínio. O Egito se preocupa com sua independência.
Os babilônios se reafirmam. Judá tem um momento de tranqüilidade. Josias ampliou o território para o norte,
onde antes existia o reino de Israel.
O rei Josias contou com a orientação do profeta Jeremias.

629 Reforma religiosa de Josias.


É encontrado o Livro da Lei (o Deuteronômio) na Casa do Senhor (2 Rs 22).
Restabelecida a celebração da Páscoa (2 Rs 23: 11-23).
Combateu os necromantes, adivinhos, médiuns, feiticeiros e ídolos do lar. Foram destruídos os santuários
idólatras edificados por Salomão no Monte das oliveiras. O culto ao Senhor passou a ser exclusivamente em
Jerusalém. A reforma de Josias é uma continuação das reformas religiosas de seu bisavô Ezequias. Entre
Ezequias e Josias aconteceu a decadência religiosa nos governos de Manassés e de Amom.

Atuação da profetisa Hulda (2 Rs 22:14-20). Ela foi consultada a respeito do livro encontrado. A profetisa
anunciou que as maldições constantes no livro recairão sobre Judá, pois o povo queimou incenso a outros
deuses. A atitude de Josias, que se arrependeu e fez penitência, faz com que o Senhor o poupe de ver a
desgraça que cairá sobre o povo.

Surge o profeta Sofonias. Os assírios estavam deixando um rastro de destruição e crueldade. Sofonias predisse
a destruição de Nínive. No tempo de Sofonias havia este questionamento: o Senhor está efetivamente

39
conduzindo a história? O profeta denunciou que os dirigentes do povo são os verdadeiros culpados da idolatria
e da injustiça social. O livro está dividido em três partes: advertência a Israel, julgamento das nações e
promessas de restauração. Sofonias anunciou o Dia do Senhor, que será um dia de ira. O tempo da paciência e
do perdão terminou. Ele vivenciou os dois cercos de Jerusalém. O profeta prepara o nascimento da literatura
apocalíptica. Conclui com uma profecia de esperança. Haverá um julgamento de dimensão universal e, em
seguida, a grande restauração, quando será estabelecido o reino do Senhor. Um resto se salvará, mediante a
conversão e humilde fidelidade. Também entre os pagãos alguns serão salvos. A restauração será tempo de
alegria.

609 Josias morreu em Megido, na batalha contra o faraó Neco. Josias quis impedir o deslocamento dos egípcios,
que vinham em auxílio dos assírios. Ele assim procedeu para evitar o fortalecimento da Assíria. O povo ficou
perplexo: por que um rei piedoso e correto morre em combate? O rei foi abandonado da parte de Deus? Com
esse questionamento, o povo se entregou à idolatria e ao pecado.
Nesse contexto atuou o profeta Sofonias, denunciando os costumes estrangeiros.
Judá passou a ser dominado pelo Egito.
609 Jeoacaz, filho de Josias, é ungido rei (2 Rs 23:31-33). Mas, após 3 meses, Neco o depôs, e impôs “à terra a
pena de cem talentos de prata e um de ouro”, ou seja, três mil quilos de prata e trinta de ouro (2 Rs 23:33).

609-598 O faraó Neco depôs Jeoacaz e colocou seu irmão Jeoaquim no governo.(2 Rs 23:33-24:6).

605 Jerusalém é sitiada por Nabucodonosor.


Jeoaquim submeteu-se por 3 anos.
601 Babilônios e egípcios enfrentaram-se novamente, no Egito. Não houve vencedor.
Jeoaquim anunciou que não seria mais vassalo de Nabucodonosor.
O erro desencadeou a catástrofe que se seguiu.

598-597 O reinado de Joaquim, filho de Jeoaquim (2 Rs 24:8-17).


16.03.597 A ocupação de Jerusalém por Nabucodonosor. Aconteceu a primeira deportação.
Joaquim e muitos habitantes de Jerusalém são deportados para a Babilônia. Total dos exilados: 20 mil.
O profeta Ezequiel está entre os deportados. É a primeira deportação.
“O rei de Babilônia estabelece rei, em lugar de Joaquim, ao tio paterno deste, Matanias, de quem muda o
nome para Zedequias” (2 Rs 24:17). Zedequias reina até 586.
594 Viagem de Zedequias à Babilônia.

15.01.598 Zedequias rebela-se contra o rei da Babilônia.


Jerusalém foi novamente sitiada. Zedequias fugiu, mas foi aprisionado nas campinas de Jericó. “Então o
tomaram preso e o fizeram subir ao rei da Babilônia, a Ribla, o qual lhe pronunciou a sentença. Aos filhos de
Zedequias mataram à sua própria vista e a ele vazaram os olhos; ataram-no com duas cadeias de bronze e o
levaram para a Babilônia” (2 Rs 25:6-7).

Atuação do profeta Jeremias. No início, Jeremias se empolgou com a reforma de Josias, mas os resultados
foram escassos. Jeremias se defrontou com falsos profetas. O rei Joaquim destruiu o rolo contendo os textos de
Jeremias. Mais tarde, ele aconselhou o rei Zedequias a submeter-se à Babilônia. O inimigo que vem do Norte é
o castigo de Deus. A supremacia da Babilônia acontece pela vontade de Deus. Jeremias foi considerado traidor
e entreguista. Era incompreendido até por sua família. Jeremias foi o profeta solitário; a solidão foi-lhe imposta
pelo Senhor. Jeremias foi o profeta que mais se defrontou com a Palavra de Deus. Os babilônios invadiram a
Síria e a Palestina. O rei e a maioria decidiram estabelecer uma aliança com o Egito. O rei Zedequias fez um
acordo com os ricos de Jerusalém: deviam pedir ajuda aos escravos, para que lutassem e adquirissem a
liberdade. Eles lutaram, mas os nobres não cumpriram sua palavra. Jeremias anunciou uma nova aliança entre
Deus e o povo (31:31-14). Foi levado ao Egito, onde foi morto. Jeremias morreu sem ver o cumprimento de
suas profecias. As “Confissões de Jeremias” nos possibilitam conhecer a vida e a espiritualidade desse profeta.

Atuação do profeta Urias (Jr 26:20-24). Profetizou contra a cidade e contra o país. Ameaçado, fugiu para o
Egito. O rei Jeoaquim mandou buscar o profeta, ordenou seu assassinato e o cadáver foi jogado na vala
comum.

15.08.586 A destruição do Templo de Jerusalém.


18.7.586 A queda de Jerusalém. Aconteceu a segunda deportação.
Nabucodonosor nomeou Gedalias governador.
A nobreza foi deportada em grande número.

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Também foram deportados os camponeses que empobreceram.
Um mês depois, aconteceu a terceira deportação.

O profeta Obadias atuou depois dos acontecimentos de 587 aC. Ele deve ter permanecido em Jerusalém.
Pronunciou oráculos contra Edom, que havia se posicionado a favor dos opressores de Judá. Os edomitas
aproveitaram para se apoderar das terras de Judá e participaram na pilhagem dos invasores. Obadias anuncia
o Dia do Senhor, que será de castigo para Edom. Na condição de país-irmão, Edom deveria ter mostrado
solidariedade com Judá. As nações menores deveriam se apoiar mutuamente. Na segunda parte de seu livro,
que é o menor dos escritos proféticos, o profeta apresenta um oráculo de salvação.

582 Aconteceu a quarta deportação.

As Lamentações de Jeremias expressam a celebração de um culto no local do Templo (Jr 41:5). Houve o
reconhecimento de que o castigo foi justo. Lamentou-se a grave crise de fé do povo (Jr 4:4). A dura
realidade foi assumida. Procurou-se a raiz do desastre. A avaliação foi honesta, sem evasivas. O pecado do
povo faz pesar a mão dos inimigos (mencionados mais de vinte vezes) e a mão do próprio Deus. O pecado
é confessado a Deus. Os acontecimentos são interpretados a partir da vontade de Deus (3:28.38). A
ausência de Deus é mais dolorosa do que a perda do patrimônio. Baseando-se em 2 Cr 35:25, a
Septuaginta e a Vulgata colocaram Lamentações depois do profeta Jeremias, com um título que atribui ao
profeta a autoria.

O Reino do Sul durou 346 anos. Teve 19 reis e uma dinastia.


Destacaram-se os reis Davi, Asa, Josafá, Ezequias e Josias.

O Exílio
Vocação do profeta Ezequiel, na Babilônia. Desde 597 aC na Babilônia, o sacerdote Ezequiel torna-se o
primeiro profeta entre o povo exilado. Dois acontecimentos marcaram a vida de Ezequiel: o confronto com a
glória de Deus e a queda de Jerusalém. A glória do Senhor saiu do Templo e se afastou de Jerusalém. Esse
afastamento foi ocasionado pelo pecado do povo: a violência e a idolatria. A infidelidade do povo é a causa do
desastre nacional. Ezequiel narra a alegoria da menina adotada que se tornou a prostituta despótica, e também a
história de Oolá (Samaria) e Oolibá (Jerusalém), as esposas infiéis que se prostituíram. Deus é transcendente e
santo. Ele entregou Jerusalém ao extermínio, mas não abandonou os exilados. Deus dará um coração novo e
um espírito novo ao povo. Cada indivíduo é responsável pelo seu próprio pecado. Subsistirá um “resto”
pequeno e frágil. Israel se assemelha a um ossário abandonado pela vida, que será revitalizado pelo Espírito do
Senhor (37). No final, o povo combaterá os inimigos. Gogue, da terra de Magogue, é a personificação dos
inimigos. Deus promete o retorno à terra, onde o seu povo poderá viver dignamente. A terra é partilhada
Haverá uma fonte no próprio Templo, que irrigará toda a terra. Os governantes saberão conduzir e pastorear o
povo.

No exílio, os judeus tiveram uma experiência marcante na sua relação com Deus. No Oriente Médio, a prática
de uma religião só era possível com um templo. Por ocasião do culto acontecia uma procissão. O Salmo 24
mostra que os participantes do culto ingressavam em procissão no templo, e também o próprio Senhor entrava,
ocasião em que era trazida a Arca da Aliança. Mas, lá na Babilônia, sem um santuário, os judeus passaram a se
relacionar com Deus mediante o estudo do texto. E assim cresceu a importância da Escritura Sagrada.

586 Gedalias foi morto por Ismael (2 Rs 25:23-26). O profeta Jeremias teve que acompanhar judeus fugitivos ao
Egito, onde foi morto.
21.3.561 Joaquim foi libertado da prisão, recebendo honras de Evil-Merodaque, rei da Babilônia (2 Rs 25:27-30). Os
deportados não eram escravos, mas viviam sob muitas restrições (Sl 137). Os deportados acataram a
determinação de Dt 12 e não realizaram culto em terra estranha. Preservaram sua identidade praticando a
circuncisão e observando o sábado. Alguns israelitas se aliaram aos babilônios. Foram criadas as sinagogas.
De um modo geral, os exilados podem ser divididos em quatros grupos.
Muitos seguiram a orientação do profeta Jeremias (Jr 29), trabalhando, constituindo família e intercedendo
pela cidade em que moravam. Afinal, eles encontravam nessa situação por vontade do Senhor.
Outros se sentiam comprometidos com a fidelidade à pátria (Sl 137) e adotaram uma resistência passiva.

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Houve os que se resignaram. Consideravam terminada a experiência história de Deus com seu povo.
Um quarto grupo se manteve fiel ao Senhor e às tradições do seu povo, mas eram pessoas que se sentiram bem
instaladas na Babilônia e sem intenção de retornar à pátria.

Destaca-se o Segundo Isaías (cap. 40-55), também conhecido por Dêutero-Isaías, um profeta da escola de
Isaías. A potência opressora não é mais a Assíria, mas a Babilônia. O Dêutero-Isaías anuncia o triunfo dos
persas sobre os babilônios e a proximidade da libertação dos exilados. O Segundo Isaías é o profeta da
consolação. De fato, em 539 aC, Ciro conquistou a Babilônia, sem combate, sendo saudado como libertador. O
retorno à Terra Prometida será como um novo Êxodo. O Senhor transformará o deserto em lugar agradável,
para que o povo possa retornar. O Senhor é o único soberano da história da humanidade. O desígnio de Deus
culmina no seu reino universal, que será instaurado a partir de Jerusalém. Sião será restaurada. O Criador do
universo escolheu Israel e a história mostra a fidelidade de Deus. Somente o Deus verdadeiro é capaz de
anunciar e realizar o futuro. As nações ficarão maravilhadas diante da salvação realizada por Deus, e desejarão
conhecê-lo. É afirmado o monoteísmo absoluto (40:18; 41:21-29 e 42:8): não há outro Deus além do Criador
de todo o universo. Deus é incomparável. Ele é absolutamente Santo. Os ídolos são nulos; não possuem
existência. O Dêutero-Isaías apresenta os quatro Cânticos do Servo do Senhor (42:1-13; 49:1-13; 50:4-9 e
52:13-53:12). O povo oprimido é o Servo do Senhor. Deus não é só encontrado na prosperidade e no bem-estar
(como até então se supunha), mas também em meio ao sofrimento, que é integrante da vida. Mais tarde, Jesus
assumiu a missão do Servo Sofredor, pautando sua missão de Messias a partir desses cânticos.

O exílio estava sendo uma lição muito dura. O povo tinha perdido a terra, a independência, o Templo e a
liberdade religiosa.
Com a catástrofe, um grupo procura encontrar uma explicação. O referencial para a reflexão é a Lei. O
Deuteronômio sempre de novo repete: se o povo é fiel a Deus, então pode esperar todas as bênçãos.
Quando o povo deixa de ser fiel a Javé, então advêm as desgraças.

Obra Historiográfica Deuteronomista procura avaliar as causas do exílio. Constata que as causas são muito
mais espirituais do que políticas e militares. Transparece a tensão entre a promessa incondicionada de Deus e a
aliança condicionada. Quando o povo desobedecia, subtraía-se à proteção de Deus, e era dominado por um
inimigo mais forte. Recuperada a liberdade, o período de paz vinha acompanhado de prosperidade, e com ela
graves desigualdades sociais. Os profetas denunciavam a exploração dos pobres, a confiança no patrimônio, a
imoralidade e a corrupção.
Mesmo que a ocupação da terra tenha demorado séculos, agora tudo é visto a partir de uma perspectiva
teológica. O longo período foi sintetizado. O livro de Josué se destina a transmitir uma mensagem: o povo foi
abençoado no período da ocupação da terra. O povo vivia na insegurança, mas obedecia a Javé. Há uma
saudade daquele tempo.
Há um remédio para a crise da época: a Aliança!
O Deuteronomista quer levar o povo a refletir sobre o que é necessário fazer a partir dessa situação. A
advertência era esta: se o povo for fiel a Javé, então pode esperar as bênçãos do céu. No tempo do Êxodo, o
povo não possuía terra, mas era fiel a Javé. No tempo de Josué, o povo vivia na insegurança, mas obedecia a
Deus. E foi por isso que tudo andou bem. Esta é basicamente a reflexão da Obra Historiográfica
Deuteronomista. Na medida em que a fidelidade do povo foi diminuindo, aumentaram as desgraças. Javé
continuou fiel. Judá e seus reis é que provocaram o desastre nacional. Os reis são avaliados a partir de sua
fidelidade a Javé.
O passado é narrado a partir dos questionamentos da época em que se estava escrevendo. É uma teologia
narrativa. O Deuteronomista denomina os hebreus de israelitas, a partir dos tempos dos patriarcas. O
Deuteronomista acentua que as promessas de Deus estão condicionadas à fidelidade do povo.
O povo falhou. Mas Deus perdoa e continua sua história.
Quando o povo se desviava dos princípios de justiça, Deus permitia que os opressores dominassem. O povo
então pedia perdão. Deus perdoava e enviava um juiz.
Quando o povo se arrependia e sinceramente invocava a Javé, o Senhor concedia libertação e um novo
começo.
O Deuteronomista interpreta a história a partir do seguinte esquema teológico:
- pecado, castigo, arrependimento do povo, perdão de Deus, libertação.
No livro de Josué a conquista de Canaã é apresentada como uma ação rápida e forte.
No livro dos Juízes, a ocupação é apresentada como um processo lento, que durou até à época de Davi.
Foi intenção do Deuteronomista deixar essas duas abordagens.

42
O Retorno

539 Ciro, o rei dos persas, derrotou Nabônides, o último rei neobabilônico. Ciro foi aclamado pela própria
população local, que o consagrou “rei da Babilônia e dos países”. Terminou a hegemonia babilônica, que
durou aproximadamente um século. Os persas tratavam os povos dominados com tolerância. O rei Ciro
decretou que o povo seja liberto e o Templo de Jerusalém, reconstruído. Os judeus retornaram à Terra
Prometida. Mesmo retornando à pátria, os judeus continuavam sendo um povo dominado. A Judéia estava
subordinada ao governador da Samaria. E os persas cobravam o tributo em prata. No princípio, o trabalho
não se desenvolve. Zerubabel é o governador persa na Judéia. Jerusalém continuava sem muros e o próprio
Templo continuava em ruínas. Somente o altar havia sido reconstruído.

Atuação do Terceiro Isaías (caps. 56-66), um profeta anônimo que deve ter sido discípulo do Dêutero-
Isaías. O profeta observa que há divisões internas na comunidade, que era heterogênea. Grandes
esperanças deram lugar a uma profunda desilusão. O povo desanimado recrimina o Senhor por causa do
adiamento da salvação. Queixam-se repetidas vezes da inércia do Senhor. O profeta salienta que o pecado
do povo está bloqueando a vinda da salvação. O profeta depara-se com quatro dificuldades: o retardamento
da salvação abala a esperança do povo, a idolatria, a desunião, e o desprezo aos estrangeiros. E denuncia o
pecado: sacrifícios humanos, prostituição sagrada (idolatria cananéia), necromancia, exploração do
trabalhador. Deus é fiel e continua amando o povo. O futuro de Jerusalém será glorioso. O povo deve
confiar e ser fiel. O Eterno e Incomparável Deus vai criar novos céus e uma nova terra. A salvação tem
amplitude universal. Jerusalém será a capital espiritual do mundo. Haverá um novo ano do jubileu, desta
vez de âmbito mundial.

Transição no reino persa: morreu Cambises e assumiu o jovem Dario.

Surge o profeta Ageu, integrando o grupo que retornou do exílio. A mensagem é de renovação. O Senhor
está prestes a salvar o seu povo, que passa por aflições por causa de seu desinteresse pela Casa de Deus.
Ageu pertence ao grupo de profetas ligados ao culto. O lançamento da pedra fundamental do Templo
significa o início de uma nova etapa. Sua mensagem é particularista, excluindo os samaritanos do plano de
reconstrução do Templo. Dois temas se sobressaem: o templo e a chegada do período escatológico. O
templo é essencial para a união e a identidade do povo. A chegada da escatologia está condicionada ao
templo.

Atuação do profeta Zacarias entre 520 e 518, no período de Dario. Em Ed 5:1 e 6:14, Ageu e Zacarias
são citados como inspiradores da reconstrução do templo. Nos caps. 1-8 o profeta ressalta o amor e a
misericórdia de Deus para com Jerusalém. Zacarias prega a conversão, denuncia o culto sem justiça e
formula exigências éticas. Apresentando oito visões, Zacarias se antecipa à literatura apocalíptica.
Desponta a esperança pela época messiânica de paz. O povo precisa ser sincero na prática do jejum.
Jerusalém é a cidade escolhida por Javé para nela habitar. Dois temas se sobressaem: o templo e a
restauração escatológica.

O Dêutero-Zacarias (caps. 9-14 são duas coleções heterogêneas compostas depois das conquistas de
Alexandre Magno) apresenta o triunfo final do Senhor sobre as nações inimigas e a libertação do povo de
Deus. São descritas as provações e as glórias de Jerusalém. Os povos pagãos serão anexados a Israel. Deus
estabelecerá o seu reinado definitivo. O Rei justo, salvador e humilde virá num jumento (9:9).
Predominam temas escatológicos: a vitória de Jerusalém e a instauração da paz com cultos festivos.

520-515 São colocados os fundamentos do novo Templo. Reinicia-se a construção do Templo sob a supervisão de
Zerubabel. Os profetas Ageu e Zacarias conclamam o povo para a obra (Ed 5:1 e 6:14).
515 Inauguração do Templo.

480-460 Atuação do profeta Malaquias. O culto já estava sendo celebrado no Templo reconstruído. Os sacerdotes
e levitas estavam atuando. Mas, o povo caiu na apatia e na desconfiança, duvidando do amor de Javé e de

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seu interesse pelo povo; vivia sem temor a Deus, os cultos eram realizados com negligência, a entrega do
dízimo era feita com desleixo, e o número de divórcios era muito elevado. A reconstrução do Templo não
preencheu as esperanças do povo, que esperava o cumprimento das antigas promessas. Havia muito
ceticismo e desânimo. Malaquias denunciou o desleixo do povo e a infidelidade conjugal. O povo terá que
se deparar com o grande e terrível Dia do Senhor. O profeta se tornou o reformador moral do judaísmo
pós-exílico. É acentuado o conteúdo messiânico no livro de Malaquias.

445 Neemias é enviado por Artaxerxes a Jerusalém, na qualidade de Governador da Judéia. Tem a incumbência
de reconstruir a cidade e fortificá-la. O muro é construído e são adotadas medidas sociais.
443 Neemias elabora um relatório para a corte persa.
420 Esdras retorna a Jerusalém juntamente com judeus exilados.
Permissão oficial de Artaxerxes para o retorno de todos os deportados. Reformas cúlticas.
410-407 Bagoi é o governador persa na Judéia.

Nessa época, por volta do ano 400, surgiu a Obra Historiográfica do Cronista.
Os dois livros das Crônicas são considerados complementos aos livros de Samuel e dos Reis. Na Bíblia
Hebraica recebem um título que corresponde a “livros dos atos diários referentes a uma história”. A tradução
grega deu aos livros o nome de Paralipômenos, que significa “coisas transmitidas à parte”. Jerônimo
designou os livros de “Crônica de toda a história divina”. E o nome se perpetuou.
Inicialmente, os dois livros de Crônicas eram a continuação dos livros de Esdras e Neemias. A divisão em
dois livros é posterior. No início, o conjunto Crônicas-Esdras-Neemias formava um todo. Observamos que o
texto de 2 Cr 36:22-23 é reproduzido em Ed 1:1-3.
Os livros de Crônicas não repetem simplesmente os mesmos acontecimentos históricos. A narrativa é feita a
partir da experiência do retorno dos exilados a Jerusalém. A monarquia havia chegado ao seu final. A
comunidade dos repatriados era uma nação submetida ao império persa. O povo judeu estava reavaliando sua
história para compreender o presente e reorientar o futuro. Trata-se, portanto de uma literatura do judaísmo
pós-exílico.
Os livros de Crônicas abrangem um panorama histórico que se estende desde a criação da humanidade até o
retorno do exílio na Babilônia. É a mais longa seqüência historiográfica da Bíblia.
Os fatos são interpretados a partir da relação entre pecado e castigo, culpa e desgraça. A história é
interpretada a partir da fé de recompensa. É a aplicação da doutrina da retribuição.
Além de recolher material de Gênesis, Êxodo, Números, Josué e Rute, o Cronista cita treze documentos que
são desconhecidos para nós:
– Livro dos reis de Israel (1 Cr 9:1; 2 Cr 20:34 e 33:18) – Crônicas do rei Davi (1 Cr 27:24)
– Crônicas do profeta Natã (1 Cr 29:29) – Crônicas do vidente Gade (1 Cr 29:29)
– Livro de crônicas do vidente Samuel (1 Cr 29:29) – Livros do profeta Natã (2 Cr 9:29)
– Profecia do vidente Ido (2 Cr 9:29 e 12:15) – Profecias de Aías de Silo (2 Cr 9:29)
– Registro das famílias (2 Cr 12:15) – Livro do profeta Semaías (2 Cr 12:15)
– História do profeta Ido (2 Cr 13:22) – Livro dos reis de Judá e de Israel (2 Cr 16:11 e 27:7)
– História do livro dos reis [de Judá] – (2 Cr 24:27)

A relação entre Deus e o povo transcorre de acordo com a doutrina da retribuição. A fidelidade do povo é
abençoada por Deus. E toda desobediência é punida. Principalmente os reis do Sul são avaliados a partir da
justiça retributiva de Deus. Alguns exemplos: o rei Manassés foi um monarca idólatra e sanguinário, mas seu
reinado foi longo (2 Rs 21:10-18). Justificativa: apesar de sua crueldade e levado cativo para a Babilônia,
Manassés voltou-se para Deus e retirou a idolatria do Templo (2 Cr 33:11-10). O rei Josias foi piedoso e fiel a
Deus, mas morreu jovem. Justificativa: ele se opôs à vontade de Deus, não aceitando a mensagem divina por
intermédio do faraó, quando os egípcios se deslocaram para ajudar os assírios (2 Cr 35:20-27). No quinto ano
do reinado de Roboão, os egípcios saquearam Jerusalém e se apoderaram dos tesouros do templo (1 Rs 14:25-
26). Explicação: Roboão e todo Israel abandonaram a Lei do Senhor (2 Cr 12:1-4). O rei Asa ficou
gravemente enfermo em sua velhice (1 Rs 15:23). Motivo: ele não confiou em Javé na guerra contra Baasa e
tratou mal o vidente Hanani (2 Cr 16:7-13). O rei Uzias reinou 50 anos em Jerusalém (2 Rs 15:1-7), mas não
retirou os locais de idolatria e o povo se entregava ao culto idólatra. Justificativa: o governo de Uzias foi
próspero com a ajuda de Deus, mas a soberba o arrastou para a perdição, pois ele entrou no Templo e
queimou incenso no altar. Ali mesmo, a lepra brotou em sua testa, passando a viver recluso até o dia de sua
morte (2 Cr 1-23).
Na Obra Historiográfica do Cronista, a doutrina da retribuição é desenvolvida em seu grau mais elevado.
É importante observar que o rei Acaz de Judá foi avaliado pelo Cronista (1 Cr 28) do mesmo modo que pelo
Deuteronomista. Os dados históricos disponíveis eram o livro dos Reis e o profeta Isaías. Isto significa que o
Cronista se atinha às fontes de pesquisa. Ele só complementava a biografia de um rei do Sul, quando os dados
disponíveis assim o permitiam.

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O Cronista idealiza o passado para mostrar como o povo deve viver no presente. O povo deve olhar para a
teocracia da época de Davi e se inspirar para a celebração do culto, para a obediência à Lei de Deus e esperar
na justa retribuição do Senhor. É uma obra essencialmente voltada para o passado.
O objetivo primordial do Cronista é legitimar as funções no culto, especialmente a dos levitas, os cantores do
templo instituídos por Davi (1 Cr 6:16; 16:1).
Na reflexão teológica do Cronista, a adoração de Javé no culto é a primeira prescrição da Lei. É enfatizado o
caráter alegre do culto, com muita música.
A regulamentação dos casamentos mistos mostra um judaísmo legalista preocupado com o cumprimento
literal da Lei.
A Bíblia de hoje apresenta os livros de Esdras e Neemias antes dos livros de Crônicas. Os livros de Crônicas
precediam os livros de Esdras e Neemias. Acontece que os quatro livros foram aceitos no cânone do Antigo
Testamento em épocas diferentes. Esdras e Neemias foram integrados antes.

332 Alexandre Magno na Palestina.


Tem início o Período do Helenismo, que é a fusão do pensamento grego com os valores e a cultura do
Oriente.

O livro do profeta Jonas. A linguagem e o tema do livro de Jonas indicam que a obra foi redigida no
período pós-exílico. Nessa época, os judeus queriam excluir os outros povos da misericórdia de Deus e do
plano divino de salvação. Referindo-se a Jonas, filho de Amitai, um profeta que atuou no reinado de
Jeroboão II (2 Rs 14:25), o livro reporta-se a um contemporâneo de Amós, para transmitir um ensinamento à
comunidade pós-exílica entregue a uma auto-suficiência piedosa. Essa crítica é dirigida à reforma de Esdras
e Neemias, os quais não mostraram empenho missionário junto aos samaritanos. O livro tem um caráter
didático: Jonas representa o povo judeu, que não quer fazer missão. O autor do livro critica o particularismo
do povo judeu, que quer restringir a salvação para si. Esta é uma característica do hebreu: para transmitir um
ensinamento, ele elabora uma história. Em lugar da teoria, a narrativa. De um modo geral, os profetas
proclamam profecias contra as nações inimigas de Israel e denunciam os pecados do povo de Deus,
chamando-o ao arrependimento e à conversão. Jonas é o contrário dos demais profetas: ele não quer ir aonde
Deus o envia. E foge num navio. Jonas procede assim porque considera Javé um Deus entre outros. Fugindo
num navio, Jonas pensava estar fora da jurisdição de Javé. Mas, Jonas precisa descobrir que Javé é o Deus do
universo, e Senhor sobre terra e mar. Deus enviou uma tempestade e os marinheiros lançaram Jonas ao mar.
Deus intervém, salvando o profeta dos perigos do mar. O grande peixe foi o recurso que Deus utilizou para
salvar Jonas. Deus busca o profeta fugitivo e o força a desempenhar sua tarefa. Em sua solidão, Jonas se
defrontou com Deus. Jonas teve que aprender que Javé controla o mar e o grande peixe. Esses inimigos são
colocados inclusive a serviço de Deus. Quando, enfim, Jonas vai pregar, ele leva uma mensagem de
misericórdia para uma cidade que se tornou símbolo de crueldade e de dominação perversa. Ele se tornou o
pregador dos gentios no AT. Essa é a mensagem central do livro. Por intermédio de Jonas, resgatado do
perigo do mar, Deus anunciou a salvação ao povo da cidade de Nínive. Sua pregação teve uma repercussão
inesperada. Jonas também teve que aprender que Deus não quer a morte do pecador, mas sua conversão. Por
isso, a mensagem profética é condicionada. A receptividade dos ouvintes faz triunfar a misericórdia de Deus.
Jonas teve que reconhecer que Deus é misericordioso (Jn 4:1-2). Ele é capaz de perdoar os maiores inimigos.
Se o homem se converte, Deus também muda seus planos. Se uma cidade símbolo da dominação e da
crueldade obtém o perdão de Deus, quem ficará excluído do alcance da pregação? Jonas teve que se
defrontar com a misericórdia de Deus, que se compadece até mesmo de uma cidade cruel e perversa como
Nínive. O autor do livro critica o particularismo judaico, que quer a salvação apenas para si. O propósito
divino de salvação ultrapassa todas as fronteiras nacionais. É o testemunho do universalismo da salvação (Is
43:9). Este ensinamento com roupagem de profetismo encontrou eco nas palavras de Jesus (Mt 12:39-41 e Lc
11:29-32).

O culto samaritano de Gerizim separa-se definitivamente do culto de Jerusalém. É o Cisma Samaritano.

O livro de Rute narra a história de uma família de Belém que emigrou para Moabe. Lá faleceu Elimeleque,
marido de Noemi. Também os dois filhos, Malcom e Quilim faleceram, deixando viúvas as moabitas Orfa e
Rute. Depois de dez anos, Noemi retornou a Belém, acompanhada da nora Rute. Orfa ficou com seu povo, em
Moabe. Rute se converte ao Deus de Israel. Tendo chegado “no começo da colheita da cevada”, Rute foi
colher espigas no campo de Boaz, que a tomou como mulher. Rute lhe deu um filho: Obede, pai de Jessé, pai

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de Davi. O livro é uma crítica ao nacionalismo extremado dos judeus. A conversão da moabita Rute ao Deus
de Israel indica que os imigrantes devem ser aceitos e acolhidos por parte do povo judeu. O amor de Deus não
é nacionalista. Rute pôde colher espigas no campo de Boaz, ou seja, o povo deve ser leal e generoso para com
os pobres. A legislação social do povo de Deus deve ser colocada em prática. O casamento de Rute com Boaz
é uma legitimação para os casamentos considerados mistos e tão combatidos por lideranças da época. Uma
mulher estrangeira torna-se avó de Davi, e é incluída (Mt 1:5) na genealogia de Jesus Cristo.

O rei persa Assuero, citado no livro de Ester é o conhecido rei Xerxes. Assuero repudiou sua esposa, a rainha
Vasti, e casou-se com Ester, uma jovem judia, sobrinha de Mordecai. O amalequita Hamã era primeiro-
ministro do Império e procurou exterminar os judeus. Mordecai já salvara a vida de Assuero. Com a ajuda de
Ester, que intervém junto ao rei, ele consegue salvar o seu povo do extermínio decretado. Hamã foi enforcado
e os judeus mataram com a espada todos os que os odiavam. A própria Ester foi favorável ao enforcamento
dos dez filhos de Hamã. Os judeus foram autorizados a celebrar a festa dos Purim (das sortes), lembrando que
Hamã havia mandado tirar a sorte para marcar a data do extermínio. Deus não é mencionado, mas no
desfecho inesperado torna-se perceptível o agir divino. O livro quer nos ensinar que Deus tem poder para
transformar os planos dos homens. Deus age na história mediante as ações das pessoas que se empenham pela
justiça. O julgamento histórico é executado por pessoas, mas o autor da sentença é o Deus de Israel. Há uma
mensagem de encorajamento: os judeus devem viver na dispersão (diáspora) sem perder sua identidade e sem
abandonar seus princípios. A festa de Purim passou a ser celebrada nos dias 14 e 15 do mês de Adar (entre
fevereiro e março). O contexto da festa é uma história de libertação do povo judeu.

Dois livros nos proporcionam uma idéia a respeito da vida dos judeus na dispersão (diáspora). O livro de
Daniel mostra como viviam os deportados judeus na Babilônia, sob Nabucodonosor e Baltasar. O livro de
Ester mostra como era a diáspora judaica na Pérsia, sob Xerxes.

Jó era um homem temente a Deus, que se desviava do mal. Era pai de sete filhos e três filhas. Deus está
atento a essa conduta de Jó, mas Satanás retruca que essa religiosidade não é desinteressada. Ele é correto,
porque tudo vai bem em sua vida. E Deus permitiu que a sorte de Jó fosse alterada, desde que sua vida fosse
poupada. Jó perdeu o seu gado, ovelhas, camelos, empregados e filhos. Ele foi repentinamente expulso de seu
paraíso, não pelo pecado, mas pelo sofrimento. Jó reconhece que havia recebido o bem de Deus, e agora
também deve aceitar o mal. Os amigos de Jó apresentam as explicações que tradicionalmente são dadas. Eles
vêem o sofrimento como a conseqüência do pecado. Na ânsia de defender Deus, eles proferem mentiras sobre
a existência humana. Condenam o ser humano para salvaguardar aquilo que entendem por justiça de Deus. Jó
quer uma explicação para o sofrimento sem causa, que atinge o inocente. Ele quer entender a vida, que é tão
contraditória. Jó quer ser ouvido (31:35-37). O Senhor respondeu a Jó na tempestade; é uma manifestação
solene. E aquele que foi desafiado, passa a desafiar: Quem és tu? Tu és o Criador? Houve três rodados com
nove discursos e os quatro amigos de Jó não o convenceram. De acordo com a doutrina da retribuição, Deus
deve intervir fulminando Jó com um raio, reduzindo-o ao silêncio. O discurso de Deus se concentra no
universo e no mundo animal, referindo-se também a duas figuras mitológicas: o hipopótamo (Behemot) e o
crocodilo (Leviatã), que simbolizam o caos, o qual sempre pode retornar. Deus responde que a existência do
mal e da injustiça faz parte do seu plano (cap. 40). No entanto, ele controla e domina as forças do mal e do
caos. Esses poderes são mantidos nos seus limites. De modo irônico, Deus oferece a Jó as rédeas do mundo.
Jó havia criticado a desordem do mundo (21:30). Pois bem, que ele conserte o mundo e destrua os perversos.
Deus não destruiu Satanás, Behemot, Leviatã – designações do mal. Mas, Deus controla essas criaturas. Em
toda sua existência, Jó sempre se defrontará com esses monstros. O ser humano se depara com forças
malignas e deve lutar contra o mal. Deus não está distante, repousando sobre uma ordem preestabelecida. Ele
é solidário com o ser humano, que se defronta com forças hostis numa existência contraditória. A luta contra
a desintegração é permanente. Com sua argumentação, Deus respeitou Jó. A existência humana deve contar
com a possibilidade do sofrimento, e esse é sua dimensão trágica. Mas, o ser humano também pode contar
com a possibilidade da transcendência, e essa é sua grandeza. Nós amadurecemos e crescemos na dor. No
final, Jó adquire uma nova compreensão de pecado. Ele realmente não havia cometido os delitos apontados
por seus amigos. Mas, ele havia incorrido no pecado de querer prescrever a Deus um conceito de justiça. Jó
queria que a justiça de Deus funcionasse com critérios de retribuição. Se assim não acontecesse, Deus deveria
dar explicações. Ele havia atribuído a Deus um conceito humano de justiça. Jó teve que compreender que a

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existência humana não se desenvolve em trilhos preestabelecidos. Mediante o sofrimento, ele foi reerguido a
outro nível de existência. E essa nova dimensão de vida veio a ser muito mais autêntica do que a primeira,
que era privilegiada e paradisíaca. Jó havia ouvido falar de Deus; agora ele adquiriu uma relação vivencial
com Deus. A existência humana não é resolvida com argumentos e discursos, mas com a experiência do
encontro com Deus. Superando um ensinamento limitado, Jó conheceu Deus – mediante uma nova percepção.

As reflexões apresentadas pelo Dêutero-Isaías, pelo Eclesiastes e pelo livro de Jó mostram que a doutrina da
retribuição não estava mais conseguindo se sustentar. A virtude nem sempre é coroada com a felicidade. E a
maldade também não é automaticamente punida com a desgraça. Se assim fosse, Deus teria que abrir “um
balcão de negociações”. A relação com Deus deve ser livre, porque é uma relação de amor. E Deus também
deve ser encontrado em meio ao sofrimento, que faz parte desta existência. Deus quer ser amado
espontaneamente, independentemente da obtenção de vantagens pessoais.

Os Salmos são compilados numa única obra. A palavra Salmo provém do grego e significa “cântico sacro”.
Trata-se de cinco coleções: 1-41; 42-72; 73-89; 90-106; 107-150. O autor mais mencionado é Davi. Outros
autores mencionados são: Moisés, Salomão, Asafe, Emã, Etã e os filhos de Coré. Os hebreus denominam a
coletânea inteira de Louvores, embora as súplicas sejam mais numerosas. Hoje os Salmos são classificados
por gêneros literários: Hinos, Ação de graças, Súplica nacional ou comunitária, Súplica individual (do
perseguido, do doente, do inocente falsamente acusado), Confiança, Para o rei, Liturgia, Penitência,
Sabedoria (meditação, história do povo). A temática dos Salmos faz com que o saltério seja uma síntese de
todo o AT. Os Salmos foram compostos para servirem de oração. Dentro de alguns Salmos falam diversos
personagens, que precisam ser identificados. O Saltério é o mais valioso livro de oração para toda a
humanidade em todos os tempos. É um livro de orações e também o cancioneiro do povo de Israel. O Senhor
é vivenciado como Deus vivo, que agiu no passado e continua amparando e protegendo todos aqueles que
buscam sua presença. A piedade do israelita é vivenciada em sintonia com a confissão de fé do povo. O
motivo essencial é louvar a fidelidade de Deus. Os Salmos registram uma liturgia muito rica. O Salmo 24
menciona uma procissão: os participantes do culto (vv. 3-6) e o próprio Deus (vv. 7-10) entram no Templo!
Trata-se do momento em que era trazida a Arca da Aliança: o sinal visível do Deus invisível. Observemos
também Sl 118:19-20; Ez 44:2; Ml 3:1. Toda a existência de Israel tinha como fundamento os grandes atos
salvíficos de Deus. Diversos Salmos narram a história do povo, desde a saída do Egito até a entrada na Terra
Prometida. Os Salmos também louvam Deus como o Criador do mundo. Os israelitas tiveram por primeiro a
experiência do agir de Deus na história. Cresceu então o reconhecimento de que o Deus – que se manifestou
na história do povo – também é o Criador do mundo inteiro. O Salmo 136 inicia louvando Deus como
Criador. No v. 10, a temática passa da criação para a história. Deus lutou com o mar, onde se encontra o
dragão e Rahab (o caos), e ele é o mesmo que conduz o seu povo. A declaração de que Javé é “mais temível
que todos os deuses” (Sl 96:4) advém da convicção de que o Deus de Israel é o único Senhor. Está decretada
a nulidade dos ídolos dos outros povos. Deus é o Rei de todos os povos, pois toda a humanidade integra a
história conduzida pelo Senhor. Trata-se de uma afirmação ousada por parte de uma pequena nação
localizada entre o Egito e a Mesopotâmia. O Deus de Israel é Senhor sobre todas as nações do mundo! O
Salmo 106 aborda a história de Israel. É mencionado o que Deus realizou, mas também o que o povo fez. A
história do povo está marcada pela desobediência e pelo afastamento de Deus. Esse comportamento provoca
o juízo de Deus. Deus julga, mas não rejeita Israel. Ele permanece fiel a suas promessas. A fidelidade de
Deus é o fundamento de toda a realidade. O Salmo 106 inicia afirmando que Deus é bom. Ele é a fonte da
salvação e do bem-estar. Sua fidelidade persiste para sempre. É uma confissão de fé que abrange o passado e
o futuro. É a confiança na fidelidade de Deus. O Salmo 90 testifica que a confiança na imutável fidelidade de
Deus é o fundamento de toda existência. A confiança tem suas raízes no passado – que se estende até antes da
criação do mundo. Antes de qualquer acontecimento se encontra a fidelidade de Deus. O Salmo também
menciona as adversidades da vida. As súplicas têm seu fundamento na experiência da fidelidade de Deus. Os
acontecimentos estão sendo dirigidos pelo Senhor. No v. 16 deparamo-nos com o pedido para que Deus abra
os olhos dos seus servos, para que vejam as obras divinas, que acontecem em toda parte e manifestam sua
glória. Trata-se da experiência histórica, que abrange séculos. O Salmo 130 expressa um clamor que vem
desde as profundezas. O Salmo 22 mostra que a maior aflição de um ser humano é sentir-se abandonado por
Deus. O Salmo 73 ressalta (nos vv. 23-24) a confiança na fidelidade de Deus. A existência do israelita
adquire seu sentido na medida em que ela está inserida na história de seu povo. A âncora se firma nas

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realizações de Deus no passado. Os grandes feitos de Deus sustentam a gratidão e o louvor do indivíduo na
comunidade. A composição do Salmo 103 resultou da vivência pessoal e também da experiência coletiva. A
piedade tem suas raízes no passado, mas também se direciona para aquilo que Deus ainda realizará – no
futuro.
Os Salmos podem ser classificados em seis categorias:
- Salmos de Louvor
- Salmos de Ação de Graças
- Salmos de Lamentação e Súplica
- Salmos de Confiança
- Salmos de Sabedoria
- Salmos Messiânicos

1. Salmos de Louvor
Eram cantados nas solenidades de Israel. O convite ao louvor e o responsório conferem-lhes um caráter
comunitário. Entre os Salmos de Louvor encontramos:
- Hinos ao Criador: 8; 19:1-6; 33; 92; 104; 115; 148;
- Hinos ao Senhor da história: 33, 65, 105, 113, 114, 115, 117,
135, 136, 145-150;
- Hinos à majestade de Deus: 29; 66:1-7; 111; 139; 150.
- Salmos históricos (com um propósito didático):68, 78, 105, 106;
- Hinos litúrgicos (de adoração): 15, 24, 50, 66, 68, 95, 100, 107, 108, 132, 134;
- Cânticos de peregrinação: 84; 120 - 134;
- Cânticos de Sião: 46, 48, 76, 84, 87, 122, 147;
- Deus é Rei Universal: 47, 93, 96 - 99;

Características: exortação para louvar a Deus, descrição das obras de Deus na natureza, a ação salvífica de
Deus na história, conclusão.

2. Salmos de Ação de Graças


Estes Salmos fazem uma retrospectiva, relatam a intervenção salvífica de Deus e convidam para agradecer.
- Gratidão individual: 9, 18, 30, 32, 34, 40, 41, 66:12-20; 92,
103, 116, 118, 138;
- Gratidão coletiva: 66:8-12; 67; 107; 124; 129.

3. Salmos de Lamentação e Súplica


A lamentação e o clamor são ocasionados por uma situação de perigo, pela opressão do inimigo ou por uma
aflição pessoal. Consciente de sua fragilidade, em meio à angústia, o ser humano busca amparo no Deus misericordioso.
O salmista anseia por vida longa junto a Deus, para poder louvar o Senhor no Templo. A lamentação não deve ser vista
apenas como uma reclamação, mas como uma atitude de contar com Deus. Estes Salmos foram compostos por pessoas
que levavam Deus a sério, contando com ele mesmo em meio às maiores dificuldades. E Deus ouve a lamentação de
alguém que enfrenta provações e tentações.
Estes Salmos de Lamentação ocupam a terça parte do Saltério. São ao todo 56 Salmos de lamentação.

- Lamentação e Súplica Individual:


5, 6, 7, 10, 13, 17, 22, 25, 26, 28, 31, 35, 36, 38, 39, 41, 42, 43, 52, 54-57, 59, 61, 63, 64, 69, 70, 71,
86, 88, 94, 102, 109, 120, 130, 140-143.

Características: invocação a Deus, relato da aflição, confissão dos pecados ou declaração de inocência, súplica
pela intervenção divina, pedido pelo livramento de Deus, pedido de punição para os inimigos, reafirmação da confiança,
promessa de louvor. São pedidos de auxílio em vista de uma aflição física ou moral.

- Lamentação e Súplica Coletiva:


12, 14, 44, 53, 58, 60, 74, 77, 79, 80, 83, 85, 89, 90, 94, 108, 123, 137, 144.

Características: invocação a Deus, súplica introdutória, lamentação, súplica, reafirmação da confiança,


promessa de louvor. O povo implora a ajuda divina em momentos de calamidade nacional: seca, epidemia ou derrota
militar.

4. Salmos de Confiança
- Salmos de Confiança Individual: 3, 4, 11, 16, 23, 27, 62, 71, 91, 121, 129, 130, 131.
- Salmos de Confiança Coletiva: 46, 113, 123, 125, 126, 146.
Estes salmos expressam a certeza da ajuda de Deus.

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5. Salmos de Sabedoria
- 1, 37, 49, 73, 112, 119, 127, 128, 133.

Características: a Lei divina é fonte de bênção e felicidade, a vida espiritual consiste na prática da justiça,
devemos exercitar a confiança pessoal em Deus, o homem justo é um exemplo a ser seguido.

6. Salmos Messiânicos
Com a vinda do Rei, será inaugurado o período de salvação. Como Ungido, o Rei era incumbido de uma tarefa
divina. A ascensão ao trono do Ungido de Deus era cercada de muita expectativa. A plenitude do plano de Deus
acontecerá com a vitória do Rei sobre os inimigos. O reinado do Messias transcende os limites do povo de Israel e tem
dimensão universal. A vitória do Rei é garantia de salvação do povo. O reinado do Messias será caracterizado pela
justiça, paz e verdade. Ele será o defensor dos pobres. O rei é o representante de Deus entre o povo de Israel; por isso,
deve refletir a santidade de Deus.
- Salmos messiânicos: 2, 18, 20, 21, 22, 45, 72, 89, 101, 110, 132;

Outros Salmos
- Salmos de Penitência (Arrependimento): 6, 32, 38, 51, 102, 130, 143.
- Salmos de exortação profética: 14, 50, 52, 53, 75, 81, 82,
- Salmos sobre a retribuição divina: 37, 43, 49, 73, 91.
- Salmos de casos de doença: 22, 38, 88, 102;
- Salmos que falam de tentações: 37, 49, 73;
- Salmos de confrontos com inimigos (de imprecações) – os salmistas se encontravam totalmente
indefesos diante da maldade, da opressão e da violência. Clamam ao Senhor e pedem que ele faça
cair sobre seus inimigos os piores males: 7; 10; 17; 28; 36; 58:7-12; 83:10-19; 109:6-19; 137:7-9;
140;
- Salmos de declaração de inocência: 5, 7, 17, 26;
- Salmos acrósticos: cada verso começa com uma letra sucessiva do alfabeto hebraico: 25; 34; 37;
111; 112; 119 e 145.

O livro de Provérbios é na verdade uma coleção de coleções. Em hebraico, Provérbio significa uma sentença
com poder para produzir uma realidade nova. Salomão deu um impulso à elaboração de provérbios. Os
funcionários de Ezequias devem ter dado prosseguimento. Os provérbios são elaborados em torno de três
eixos principais, tendo cada um dois pólos opostos. Os três eixos são: a vivência da sabedoria, o plano ético e
o âmbito da realização pessoal. Os pólos opostos são: sensato / néscio (na vivência da sabedoria), honrado /
perverso (no plano ético) bem-sucedido / fracassado (no âmbito da realização pessoal). Na base de toda
conduta humana está o temor do Senhor, que é o princípio da sabedoria. O temor do Senhor pode ser
identificado com a retidão de caráter. É a expressão de uma sabedoria que se desenvolve numa relação
pessoal com o Deus da aliança. Provérbios nos coloca diante da opção: devemos escolher a vida e evitar a
morte. A escolha implica conseqüências. Com sua conduta, a pessoa reconhece Deus como Criador. Merece
destaque a menção da Sabedoria, que é a intermediária na criação do universo (8:22-36). Esse tema se tornou
central para a compreensão da revelação de Deus. No NT, o evangelista João menciona o Logos, por meio do
qual tudo foi criado, vindo a se tornar um ser humano – em Jesus de Nazaré. Na carta aos colossenses, Paulo
integrou o Hino Cristológico (1:15-20), para testemunhar que toda a realidade – visível e invisível – foi criada
por intermédio de Jesus Cristo. O hino ressalta a centralidade de Cristo na criação. Escrevendo aos coríntios,
Paulo identificou a Sabedoria de Deus com Jesus Cristo.

O Cântico dos cânticos é uma exaltação ao amor. O homem é a segurança da mulher. E a mulher é a
humanização do homem. Juntos, homem e mulher expressam o restabelecimento da unidade. Esse mistério é
uma disposição do Criador. Foi Deus quem estabeleceu a atração mútua entre homem e mulher. O amor se
expressa mediante o corpo, cuja beleza é enaltecida. O amor provoca saudades e sofrimentos, mas não precisa
haver ciúmes. O amor é mais forte do que a morte.

301-198 A Palestina está sob o domínio egípcio (dos Ptolomeus).


198 A Palestina passa a ser dominada pela Síria (Selêucidas).
O domínio se estende até 166 aC, quando Antíoco IV foi derrotado e teve início o período dos Macabeus.

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O Eclesiastes era um professor itinerante, que instruía o povo na época do Helenismo. Seu nome hebraico é
Cohélet. Ele era oriundo de uma escola de sabedoria. Cohélet cita provérbios antigos e desenvolve uma
reflexão original. Na apresentação, ele se refere indiretamente a Salomão, o que levou muitas pessoas a
atribuírem a obra ao monarca. Sendo formado numa escola de sabedoria, é possível que Cohélet tenha
aproveitado algum pensamento atribuído a Salomão. No entanto, a pesquisa conclui que o texto foi redigido
num hebraico que corresponde à cultura helenística. A redação do livro deve ter ocorrido entre os séculos IV
e III aC. Era uma época de desajustes sociais. Os impostos pesavam sobre o povo. Os agricultores e os
mercadores estavam empobrecidos. Havia muita corrupção e pessoas inescrupulosas ocupavam cargos
importantes. A época não permitia que o povo tivesse esperanças por um futuro melhor. O Eclesiastes vive o
desengano de muitas esperanças da juventude. Os filósofos do Helenismo (ceticismo, epicurismo e
estoicismo) tinham uma visão antropocêntrica: o homem é a medida de todas as coisas. Eclesiastes contrapõe
a visão teocêntrica: Deus está no centro, e o homem deve se orientar pelo temor do Senhor. Ele radicaliza a
soberania de Deus (12:13). Se não houver responsabilidade aqui, então adianta buscar compensações numa
vida futura. O termo “vaidade” é mencionado 37 vezes, significando em hebraico “sopro, hálito, fumaça”. O
livro é uma crítica à doutrina da retribuição (o justo será abençoado e o perverso, punido). A boa conduta não
resulta necessariamente em vida longa e feliz. Cohélet quer compreender o sentido da vida e se depara com a
realidade da morte, que atinge homens e animais. A morte é intransponível, marca a existência humana e
exige um posicionamento perante o tempo. As injustiças e as opressões fazem parte da desoladora realidade
existencial. Esta existência deve ser vivida com realismo e lucidez. A felicidade é limitada. Cada pessoa deve
descobrir o seu lugar no plano de Deus. O ser humano deve renunciar a duas ambições: a de possuir sem
limites e a de querer descobrir o sentido último de toda a realidade. A vida deve ser desfrutada em singeleza,
sensatez e alegria. A vida é uma dádiva que deve ser acolhida com alegria. Todo ser humano tem o direito de
usufruir o fruto do próprio trabalho. Em meio a todas as adversidades existenciais, sempre devemos estar
prontos para prestar contas a Deus – o Criador.
Eclesiastes e Jó são os dois expoentes máximos da sabedoria israelita.

167 Antíoco IV estabelece um culto pagão no Templo de Jerusalém. Mandou sacrificar um porco no Templo.
É o abominável da desolação (Dn 9:27).
O culto judaico, a observância do sábado e a circuncisão são proibidos.

É nesse ano de 167 que acontece a redação final do livro de Daniel. Em seu gênero, o livro de Daniel é
único em todo o AT. É uma combinação de dois gêneros literários muito empregados na época na literatura
judaica: a narrativa didática e a apocalíptica. Os cap. 1-6 narram a atuação de um jovem judeu, Daniel, e seus
três companheiros na época dos reis Nabucodonosor, Baltazar, Dario e Ciro. Daniel foi capacitado para
interpretar sonhos. Essa habilidade possibilitou-lhe o acesso à administração. Os três jovens são condenados
à morte, na fornalha, mas são salvos por Deus. Os três jovens se recusaram a adorar a estátua de ouro, mas
foram salvos por Deus, que enviou seu anjo. Merece destaque a profissão de fé dos três jovens: “Se formos
atirados na fornalha em chamas, o Deus a quem prestamos culto pode livrar-nos, e ele nos livrará das tuas
mãos, ó rei. Mas, mesmo se ele não nos livrar, saiba, ó rei, que não prestaremos culto aos teus deuses nem
adoraremos a imagem de ouro que mandaste erguer” (3:17-18). Daniel desobedeceu ao decreto que proibia
fazer orações num período de trinta dias. Somente podia ser dirigida oração ao rei. Daniel continuou orando
três vezes ao dia com as janelas abertas na direção de Jerusalém. Daniel foi lançado na cova dos leões, mas
foi preservado por Deus. Os pagãos reconheceram a proteção divina e glorificaram a Deus. Os caps. 7-12
contêm uma mensagem apocalíptica. O simbolismo transmite ensinamentos a partir da análise da história
universal. Deus dirige a sucessão de impérios e governantes até uma mudança final, quando o Senhor
instaurar o seu Reino definitivo. Com esse simbolismo apocalíptico, o autor está se referindo a Antíoco IV,
que profanou o Templo de Jerusalém. Em meio a essa crueldade, os que permanecem fiéis são preservados
por Deus, assim como Daniel o foi. A vitória final será de Deus. O Senhor salva, mesmo que seja no último
instante. O livro deve proporcionar firmeza e confiança em meio às incertezas e aos sofrimentos. Em Dn
12:1-3 é formulada a afirmação mais clara – em todo o Antigo Testamento – a respeito da ressurreição dos
mortos. Daniel também forneceu os nomes dos anjos – Miguel e Gabriel – citados em Lucas, Judas e
Apocalipse. Também provém de Dn 7 a figura do Filho do Homem, título com o qual Jesus se identificou e
se apresentou.

Até aqui se estende o período histórico que os relatos do Antigo Testamento abrange

50
O PERÍODO DOS MACABEUS

- Domínio persa: 539 – 332 aC.


- Período grego: 332 – 63 aC.
- O império de Alexandre Magno (332 – 323 aC).
- Período de confusão política – 22 anos (323 – 301 aC).
- O domínio dos Lágidas (Ptolomeus) – 301 – 198 aC.
Eclesiastes (Cohélet) – a visão teocêntrica de Israel.
Septuaginta (LXX) – a tradução do AT para o grego, em Alexandria.
Eclesiástico (Sirácida) – a Lei do AT é a autêntica sabedoria.
- Os Selêucidas derrotaram o Egito na batalha de Panéion (198 aC).
- O domínio dos Selêucidas (198 – 142 aC).
- Antíoco III (223-187 aC) – em 198 aC – o auge da dinastia Selêucida.
- Batalha de Magnésia (190 aC): os romanos derrotaram os selêucidas.
- Seleuco IV (187-175 aC) apoderou-se do tesouro do templo de Jeruslaém.
Antíoco IV – Epífanes (175-164 aC) saqueou e profanou o Templo, em 167 aC. Proibiu o culto judaico, a
observância do sábado e a prática da circuncisão. Erigiu um altar a Zeus e ordenou o sacrifício de um porco no
Templo (Dn 9:27; 11:31 e Mt 24:15).
Redação final do livro de Daniel.
Sacerdote Matatias, filho de Hasmon, iniciou a revolta. Faleceu em 166 aC.
O reino dos Hasmoneus (142 – 63 aC).
Macabeus (Hasmon – pai de Matatias). Macabeus significa “Martelo”.
A dinastia real-sacerdotal governou até 63 aC.
Judas Macabeu (166-160 aC). Vitória sobre Antíoco IV.
Os Macabeus rededicaram o Templo em 164 aC. Festa da Dedicação (Jo 10:22).
Jônatas (160-143 aC). Prosseguiu a luta.
Os hassidim se dividiram em fariseus e essênios.
Simão (143-134 aC). Retirou-se a última guarnição selêucida.
João Hircano (134 – 104 aC). Sumo sacerdote e rei. Destruição do templo dos samaritanos no monte Garizim.
Foi escrito 1 Macabeus.
Em 128 aC, o império selêucida entrou em decadência.
Aristóbulo I (104-103 aC). Usou o título de rei.
Alexandre Janeu (103-76 aC). A maior expansão do território no período dos Macabeus.
Salomé Alexandra (76-67 aC). Hircano II sucedeu sua mãe como rei, mas foi destituído pelo irmão caçula.
Aristóbulo II e Hircano II disputam o poder (67-63 aC).
Os dois pedem a proteção de Pompeu. Tem início a ocupação romana.

O CONTEXTO DO NOVO TESTAMENTO

63 aC - O general Pompeu ocupa Jerusalém.


54 aC – Crasso saqueia o Templo.
50 aC – Hircano II é sumo sacerdote, mas seu ministro Antípater (idumeu) dirige o país.
44 aC – Assassinato de Júlio César.
40 aC – Os partos na Síria e na Palestina.
O senado romano nomeia Herodes rei.
38 aC – Os partos expulsos da Síria e da Palestina.
37 aC - Herodes Magno, filho de Antípater, toma Jerusalém. Reina até 4 aC.
29 aC - Otaviano imperador vitalício. A partir de 27 aC, com o nome de Augusto.
Reina até 14 dC.
A Síria província imperial.
20 aC - Herodes inicia a reconstrução do Templo.
Os fariseus Schammai (rigoroso) e Hillel (moderado, liberal) e suas escolas rivais.
8 a 6 aC - Recenseamento na Palestina, organizado por Quirino, governador da Síria.
Por ocasião de um recenseamento, mais de 6.000 fariseus negam o juramento ao imperador Augusto.
6 aC - Nascimento de Jesus em Belém.
O aramaico foi a língua que Jesus falou (Mc 5:41 e 15:34). A partir do relato de Jo 12:20-22 pode-se deduzir
que Jesus também falava grego. Os judeus que moravam fora da Palestina falavam grego.

Polêmica em torno da águia de ouro no Templo.


4 aC – Arquelau reprime uma sedição em Jerusalém.

51
Revolta de Judas Galileu (At 5:37).
Saduceus e herodianos passaram a se destacar.
Fariseus e saduceus tornaram-se rivais.
Revolta do fariseu Zadoque. Origem dos zelotes, que recorreram à luta armada.
Quintílio Varo - legado da Síria (6-4 aC). Varo persegue os rebeldes:
2.000 são crucificados.
5 dC - Nascimento de Paulo em Tarso.
6 - Judéia - Província Procuratoriana. A capital era Cesaréia.
6-41 – Judéia, Iduméia e Samaria. 44-66 – Toda a Palestina.
6-9 – Copônio, procurador.
6-15 - Anás - sumo sacerdote.
9-12 – M. Ambíbulo – procurador.
12-15 – Ânio Rufo – procurador.
14-37 - Tibério - imperador romano.
15-26 - Valério Grato - procurador. Ele depõe o sumo sacerdote Anás.
18-36 - Caifás - sumo sacerdote.
26-36 - Pôncio Pilatos - procurador.
27 - Pregação de João Batista. Início do ministério de Jesus.
07/04/30 - Crucificação de Jesus.
O historiador Tácito escreveu nos Anais: “Esse nome [cristãos] lhes vem de Cristo, que, no principado de
Tibério, o procurador Pôncio Pilatos entregou ao suplício” (Tácito, Anais, XV, 44).
34 - Martírio de Estêvão. Dispersão da igreja. Conversão de Paulo de Tarso.
35 – Pôncio Pilatos manda massacrar samaritanos no Garizim.
36 – Vitélio em Jerusalém. Substitui Caifás por Jônatas, filho de Anás.
Vitélio envia Pilatos a Roma para se justificar; morre de morte violenta.
36-37 - Marcelo - procurador.
37 – Vitélio substitui o sumo sacerdote Jônatas por seu irmão Teófilo.
37-41 - Calígula - imperador romano.
37-41 – Marulo – procurador.
37-44 – Herodes Agripa I.
41-44 – Agripa – procurador.
41-54 - Cláudio - imperador romano.
44 – Páscoa: Agripa I manda decapitar Tiago, irmão de João.
Durante a festa, Agripa I mandou prender Pedro (At 12).
Com a morte de Herodes, a Judéia voltou a ser Província Procuratoriana.
44-46 – Cúspio Fado – procurador romano.
46-48 – Tibério Alexandre – procurador romano.
Diversas fomes no Império Romano.
46-49 – Primeira viagem missionária do apóstolo Paulo. Observemos At 13:3-14:28. Dirigiram-se a Salamina e Pafos
(na ilha de Chipre), a Perge e Atália (na Panfília), a Antioquia (da Pisídia), a Icônio, Listra e Derbe (da Licaônia). “Em
cada igreja constituíram presbíteros pela imposição das mãos e com orações e jejuns os recomendaram ao Senhor, em
quem tinham confiado” (At 14:23).De volta a Antioquia, “reuniram a igreja e contaram tudo o que Deus tinha feito
com eles e como havia aberto para os pagãos a porta da fé” (At 14:27).
47 – Ananias, filho de Nebedeu, torna-se sumo sacerdote
designado por Herodes de Cálcis (nomeado inspetor do Templo).
48 - Fome na Judéia, agravada pelo Ano Sabático.
48-52 – Ventídio Cumano – procurador.
Apoiados por Cumano, os samaritanos lutam contra os judeus.
Cumano é enviado a Roma.
49 – Concílio de Jerusalém (At 15).
49 - Cláudio expulsa os judeus de Roma (At 18:1-2).
O historiador romano Suetônio, autor da obra De Vita Caesarum (A vida dos doze césares) escreveu a respeito
de Cláudio: “Como os judeus se sublevavam continuamente por instigação de ‘Crestós’, [Cláudio] os expulsou de
Roma” (De Vita Caesarum, Claudius, XXV).

50-53 – Segunda viagem missionária do apóstolo Paulo. Observemos At 15:36 - 18:22. O roteiro foi este: Tarso, Derbe,
Listra, Icônio, Antioquia da Pisídia, Trôade, Neápolis, Filipos, Tessalônica, Beréia, Atenas, Corinto e Cencréia.
Em 51, Paulo escreveu 1 Tessalonicenses. Paulo havia fundado a igreja de Tessalônica. Os judeus provocaram a saída
do apóstolo da cidade. Em Corinto, Silas e Timóteo encontraram Paulo. Timóteo trouxe boas notícias e um
questionamento teológico. Depois da evangelização, os primeiros falecimentos perturbaram a igreja. Os tessalonicenses
queriam saber o que acontecerá com os cristãos que já faleceram. Eles estarão ausentes por ocasião da vinda de Jesus?
Paulo escreveu, esclarecendo que os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro. E os que estiverem vivos serão
arrebatados juntamente com eles. O apóstolo descreve a vinda de Jesus Cristo com as características da maior festa
popular do império romano: a entrada triunfal do imperador numa cidade (a parusia). E emprega dois temas do AT: a
Vinda do Senhor e o Dia do Senhor.

52
Daí em diante, algumas pessoas diziam ter recebido revelações ou informações do próprio apóstolo, comunicando que
o Dia do Senhor estaria próximo. Os tessalonicenses deixaram de trabalhar e passaram a aguardar a Vinda do Senhor.
Alguns estavam vivendo na desordem. Paulo escreveu então 2 Tessalonicenses, para corrigir essas distorções.
Esclareceu que a Vinda do Senhor é certa, mas a sua hora é incerta. A Vinda do Senhor será precedida de sinais. Agora
está atuando Satanás. Depois virá o Iníquo. Finalmente acontecerá a vinda triunfal de Jesus Cristo. Portanto, a vinda do
Senhor Jesus será precedida da apostasia e da aparição do Ímpio. Algo detém o Ímpio: o Evangelho (que deve ser
pregado a todos). Alguém detém o Ímpio: o Pregador (que deve prosseguir a missão). A preocupação não é quando
Cristo voltará, mas como os cristãos devem se conduzir durante a espera.

52-60 - Antônio Félix - procurador.


No Monte das Oliveiras, Félix dispersou os sicários (At 21:38).
54-58 – Terceira viagem missionária do apóstolo Paulo. Observemos At 18:23 - 21:16. Foi este o percurso:
Tarso, Derbe, Listra, Icônio, Antioquia da Pisídia, Éfeso, Corinto, Trôade e Mileto.
Preso em Éfeso, Paulo escreveu as “cartas da prisão”: Filipenses, Colossenses, Filemom.
Por ocasião da segunda viagem missionária, Paulo fundou a igreja de Filipos. Durante a terceira viagem, Paulo
esteve preso em Éfeso. A igreja de Filipos enviou Epafrodito para visitar o apóstolo, levando uma ajuda
financeira. Epafrodito adoeceu e a igreja ficou preocupada. Paulo escreveu aos filipenses, tranqüilizando a
igreja e agradecendo as ofertas. Paulo alerta a igreja em relação a pregadores que tentam impor a circuncisão
aos novos convertidos oriundos do paganismo. Os judaizantes faziam a salvação depender da circuncisão e da
observância da Lei. Paulo deixa claro que um pagão pode se tornar cristão sem a necessidade da circuncisão.
A autenticidade do Evangelho advém da cruz de Cristo. O apóstolo conclama as pessoas a viverem em
concórdia. Merece destaque o Hino Cristológico (2:6-11): Jesus Cristo se esvaziou, humilhou-se e foi
obediente, e Deus o exaltou e “lhe deu o nome que está acima de todo nome” (2:9). Jesus Cristo é Senhor.
Filipenses é a epístola da alegria.
Na prisão em Éfeso, Paulo foi informado por Epafras a respeito da igreja de Colossos. Um movimento havia
se infiltrado na igreja, impondo preceitos alimentares, a observância de festas, períodos de lua nova e sábados.
Essa heresia valorizava a ascese (abstinência), insistia na veneração de anjos e de poderes cósmicos, que se
interpõem entre Deus e as pessoas. Os rituais neutralizariam as influências maléficas desses seres
intermediários. As observâncias legalistas deveriam completar a fé em Cristo. Paulo escreveu aos colossenses,
salientando que Jesus reconciliou todas as coisas mediante a cruz, triunfando sobre todos os poderes
espirituais. Assim como um general festeja a vitória e conduz os seus inimigos em cortejo triunfal pelas ruas,
do mesmo modo Jesus Cristo submeteu as Dominações e as Potestades (2:15). A salvação, o conhecimento e a
sabedoria estão em Cristo, que é a imagem do Deus invisível. Em Cristo foram criadas todas as criaturas,
inclusive os anjos. A pessoa batizada foi sepultada com Cristo no batismo, e ressuscita com o Senhor. O
cristão batizado é revestido do novo homem. Em 1:15-20 é apresentado um Hino Cristológico. O hino ressalta
a centralidade de Cristo na criação de toda a realidade – visível e invisível. O AT menciona a intermediação da
Sabedoria na criação do universo (Pv 8:22-36). João salienta que toda a realidade foi criada por intermédio do
Logos ( Jo 1:1-3). Em Jesus Cristo habitou a plenitude de Deus. A carta foi encaminhada por intermédio de
Tíquico.
Ainda na prisão, em Éfeso, Paulo foi procurado por Onésimo, um escravo que havia fugido de Filemom, um
cristão de Colossos, que se converteu por intermédio da atuação de Paulo. No encontro com Paulo, Onésimo
veio se tornar cristão. É possível que o escravo fugitivo tenha cometido algum furto na casa do patrão. De
acordo com o direito em vigor, Paulo não podia dar abrigo a um escravo fugitivo. Paulo escreve a Filemom,
pedindo que Onésimo seja recebido como “irmão caríssimo”, ou como se fosse o próprio apóstolo. Com esse
pedido, ele parece estar sugerindo a libertação do escravo. Paulo não elaborou um tratado sociológico a
respeito da escravidão, mas tomou uma posição pessoal perante um caso específico. Em Cristo, todos os seres
humanos são irmãos na fé. O posicionamento de Paulo deve inspirar a igreja na sua luta por dignidade de vida.
Esta é a carta mais breve e pessoal de Paulo.

Durante a segunda viagem missionária, Paulo estava hospedado na casa de Priscila e Áquila, em Corinto.
Obedeceu a uma visão divina e permaneceu durante um ano e meio na cidade, iniciando o trabalho
missionário. Mais tarde, libertado da prisão em Éfeso, Paulo foi informado que ocorreram desordens na igreja
de Corinto. Em 56 escreveu 1 Coríntios. A essas divisões e falta de entendimento, Paulo opõe a sabedoria de
Cristo, que é a dádiva de Deus mediante o Espírito. O ambiente de frouxidão moral deve ser confrontado com
a ética que provém da espiritualidade. Paulo desaprova a conduta de alguns irmãos, que discutem suas causas
em tribunais pagãos. O corpo humano não é desprezível, como afirmavam os gnósticos, mas é o templo do
Espírito Santo. Os dons do Espírito (carisma) devem subordinar-se ao amor. Também é abordado o casamento,
o celibato, os alimentos sacrificados aos ídolos, a ordem no culto, os dons do Espírito e a ressurreição do
mortos. No cap. 15, Paulo apresenta uma exposição sobre a ressurreição – de Cristo e também dos cristãos.
Cristo, “as primícias dos que dormem” (v. 20), recebem o corpo espiritual incorruptível.
Escreveu também 2 Coríntios. Paulo defende seu apostolado e fala de suas tribulações. Contesta o modo de
proceder dos falsos pregadores. Aos adversários, ele afirma sua dependência exclusiva de Cristo. Deus quer a
reconciliação com o mundo inteiro por intermédio de Cristo. Paulo transmite instruções para o levantamento
de ofertas em favor dos empobrecidos de Jerusalém. Paulo afirma que em nada é inferior a esses super-
apóstolos. As credenciais do apostolado: paciência a toda prova (constância), sinais, prodígios e milagres.

53
Paulo luta pela unidade da igreja, considerando Jerusalém a igreja-mãe. Paulo deu muita atenção à igreja de
Corinto.
Em sua segunda viagem missionária, Paulo atravessou a região da Frígia e da Galácia do Norte. Paulo queria
prosseguir viagem até Éfeso. Mas, uma enfermidade o reteve na Galácia (Gl 4:13-15). Paulo interpretou essa
doença como orientação do Espírito (At 16:7), e aproveitou para evangelizar entre os gálatas. Estes o
receberam muito bem. Quando Paulo visitou Éfeso, ele soube que os judaizantes pretendiam impor a prática
da circuncisão e a observância da Lei aos cristãos da Galácia, que eram oriundos do paganismo. Eles teriam
que passar pelo judaísmo para se tornarem cristãos. Esses judaizantes também negavam a Paulo o direito de
ser apóstolo. Paulo escreveu então uma carta enérgica aos gálatas. Declarou que a prática da circuncisão e a
observância da Lei reconduzem os gálatas a uma escravidão. Ele mostra que a Lei não vence o instinto egoísta
(a carne). A liberdade é alcançada mediante a fé em Jesus Cristo. O Espírito deve conduzir a pessoa. O cristão
torna-se filho de Deus e recebe o dom do Espírito. As boas obras são o resultado da atuação do Espírito na
vida da pessoa que crê em Jesus Cristo. Paulo afirma que não recebeu o Evangelho da parte dos homens, mas
diretamente de Deus. A salvação vem pela fé e não pela observância da Lei. A liberdade cristã deve ser vivida
em amor. Existe um antagonismo entre Lei e Espírito, e entre Espírito e instinto egoísta (carne). Paulo formula
a justificação pela graça mediante a fé. Na carta aos romanos, ele elabora a justificação pela graça mediante a
fé de um modo mais sistemático. A carta aos gálatas é um escrito polêmico. Romanos é uma exposição
doutrinal. A carta aos gálatas é considerada o manifesto da liberdade cristã.

57/58 – Escreveu a carta aos Romanos. Paulo se encontra em Corinto por ocasião da terceira viagem
missionária. Diversos motivos levaram Paulo a escrever à igreja de Roma: depois de levar a oferta a
Jerusalém, Paulo pretendia visitar Roma e seguir para a Espanha; ele pede que a igreja de Roma ore por ele -
pela sua viagem a Jerusalém; Paulo também deseja compartilhar um dom espiritual com os cristãos de Roma;
e quer também apresentar sua pregação. Mas, o motivo principal é a preocupação de Paulo pela unidade da
igreja. No ano 49, o imperador Cláudio expulsou os judeus de Roma. Cinco anos depois, esse edito foi
revogado por Nero. Os judaico-cristãos retornaram e foram olhados com menosprezo pelos cristãos oriundos
do paganismo. Os cristãos de Roma eram em sua maioria de origem pagã. Uma parcela menor era de origem
judaica. Diante da possibilidade de a igreja se dividir, Paulo escreveu: “Acolhei-vos, pois, uns aos outros,
como Cristo vos acolheu, para a glória de Deus” (15:7). Paulo dedica três capítulos ao povo de Israel (9-11),
mostrando que as raízes da fé cristã se encontram no AT. Em uma carta bem estruturada e refletida, Paulo
apresenta a justificação pela graça mediante a fé. Mostra que todas as pessoas estão presas no pecado (ruptura
interior). A humanidade se encontra sob a ira de Deus. A salvação é uma dádiva de Deus. A fé é a disposição
para aceitar essa dádiva. O ser humano é justificado gratuitamente mediante a fé (a acolhida da oferta de
Deus). Abraão torna-se exemplo de fé em Deus. O pecado e a morte vieram por intermédio do primeiro Adão;
a justiça e a vida, pelo segundo Adão. A pessoa batizada está livre do poder do pecado; vive uma nova
existência. O cristão não está mais sujeito à Lei, mas vive no Espírito. A desobediência dos israelitas não anula
as promessas de Deus. Romanos apresenta uma tensão que se desenvolve entre dois pólos: a fidelidade ao AT
e a missão entre os pagãos. Paulo viveu pessoalmente essa tensão. O AT mostra que toda história se desenrola
mediante o plano de Deus. Mas, a salvação, trazida por Jesus, o Messias, transcende o judaísmo e se destina a
toda a humanidade. Deus continua fiel ao seu propósito salvífico.
58 –60 – Paulo esteve preso em Jerusalém e Cesaréia.
60-62 - Pórcio Festo - procurador.
61 – Paulo foi transferido para Roma na condição de preso sob custódia militar – até o ano 63. Novamente livre, Paulo
visitou Éfeso, onde instituiu Timóteo no cargo de pastor da igreja. Visitou também Creta, onde encarregou Tito de
dirigir a igreja.
As duas cartas a Timóteo e a carta a Tito receberam a designação de Cartas Pastorais. Essas cartas apresentam uma
igreja que já não se concentra com tanta ênfase na vinda gloriosa (parusia) de Jesus Cristo. A esperança imediata da
parusia foi enfraquecendo. Instalada no mundo para realizar sua missão, a igreja passa a perguntar por uma vivência
cristã integrada na sociedade. Os cristãos passaram a viver muito mais uma existência transformada pela salvação. As
Cartas Pastorais salientam que o mundo é criação de Deus. A igreja deve testemunhar sua presença preservando a são
doutrina, tendo uma organização com cargos definidos e mediante a ética de cada membro.
Esse é o contexto de 1 Timóteo. O jovem pastor deve desempenhar com firmeza e coragem a função que recebeu de
Cristo. Também deve ser um defensor da verdade e organizar a igreja. Havia falsos mestres perturbando a igreja de
Éfeso. Eram gnósticos. Alguns adeptos da gnose (conhecimento) pregavam o ascetismo (abstinência), e outros, a
libertinagem (o que acontecia em Corinto). Ocupavam-se com especulações, fábulas e genealogias. Acreditavam que o
mal desapareceria com o término da humanidade. Para sustar a propagação do mal, devia-se impedir que nascessem
mais seres humanos. Por isso, proibiam o casamento e regulamentavam os alimentos. Para desfrutar uma “liberdade”
alcançada mediante a gnose, muitas mulheres abandonaram seus respectivos maridos e filhos. Em 1 Tm 2:8-15, Paulo
salienta que a santificação é alcançada gerando filhos. Em 3:16, o Hino Cristológico destaca o mistério da fé: a
dimensão humana e a transcendental de Jesus. Os cristãos não devem cultuar o imperador, mas devem interceder por
ele.
A carta a Tito mostra que alguns grupos se ocupavam com fábulas judaicas, discussões insensatas e debates sobre a
Lei. Paulo salienta que a salvação foi trazida por Cristo Jesus, e é a graça de Deus que se manifesta salvadora a todos as
pessoas. Tito deve instituir presbíteros que se empenhem pela sã doutrina. O reto ensino e a reta conduta devem calar
os que contradizem a salvação gratuita trazida por Cristo. As discussões insensatas, as controvérsias inúteis e os
homens sectários devem ser evitados. A graça de Deus educa as pessoas. Paulo enfatiza as condições pessoais que

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caracterizam a conduta cristã. Os cargos na igreja devem ser desempenhados com responsabilidade e os insubordinados
devem ser repreendidos. A exortação está fundamentada na justificação pela graça de Deus e na ação do Espírito Santo.

62 - Agripa II nomeia sumo sacerdote Anan, filho de Anás.


Anan manda apedrejar Tiago, irmão de Jesus.
Entre 59 e 67, Agripa II nomeou seis sumos sacerdotes.
62-64 - Lucéio Albino - procurador.
64 – Redação de 1 Pedro. A própria carta declara que a redação foi elaborada por Silvano (5:12). A carta foi escrita em
Roma, chamada de “Babilônia”. Ela é dirigida a cristãos dispersos, que devem estar fortalecidos na fé para enfrentar as
hostilidades do mundo pagão. Devem ter uma conduta limpa e digna de quem professa Jesus Cristo como Senhor,
também em meio às perseguições. A fé em Jesus Cristo é mais preciosa que o ouro depurado. O compromisso
assumido no batismo fortalece os cristãos a suportarem o sofrimento injusto. Eles receberão a salvação definitiva por
ocasião da vinda gloriosa de Jesus Cristo. O exemplo de Cristo deve ser seguido. Merece destaque o Hino Cristológico
(2:22-25): Jesus estava consciente de sua inocência (Is 52:13-53:12) e colocou sua causa nas mãos daquele que julga
com justiça. Dois temas são originais nesta carta: o sacerdócio de todos os crentes (2:9-10) e a descida de Cristo ao
mundo dos mortos (3:19-20 e 4:6), para proclamar “aos espíritos em prisão”. A pessoa falecida encontra-se no mundo
dos mortos (No AT, Sheol e no NT, Hades). Lá estão os contemporâneos de Noé, que não lhe deram atenção e
morreram (Ez 33). Também Jesus desceu ao mundo dos mortos, para proclamar a libertação (Is 61:1) aos espíritos
encarcerados. A descida de Cristo ao Hades aconteceu entre “sua morte e a sua morte e a sua ressurreição. Isso
aconteceu “para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra” (Fl 2:10). Vejamos Sl
22:28-29. A declaração de que “para este fim, foi o evangelho pregado também a mortos” (4:6) evidencia a amplitude
universal da salvação trazida por Jesus. Se a geração do dilúvio, que era considerada irremediavelmente perdida,
recebeu a proclamação do Evangelho, então os que morreram antes da vinda de Cristo também são alcançados. Cristo é
a pedra angular. É acentuada a responsabilidade do povo de Deus perante o mundo no qual vive. Os cristãos devem
testemunhar a respeito da esperança.

Incêndio de Roma e perseguição aos cristãos.


Martírio de Pedro em Roma.
64-70 - Géssio Floro - procurador.
Floro manda crucificar alguns judeus, em Jerusalém, mas uma rebelião obriga-o a abandonar a cidade.
Distúrbios em Cesaréia e em toda Palestina.
66 – Setembro: ataque a Jerusalém por Céstio Galo. Retira-se com pesadas perdas.
Os rebeldes instalam seu governo. Muitos se refugiam em Pella (Lc 21:20-21).
66 - Céstio Galo ataca Jerusalém. Retira-se com pesadas perdas.
66-67 - Nero designa Vespasiano e seu filho Tito para restabelecer a ordem.
67-Vespasiano comanda 60.000 homens e reconquista a Galiléia.
67 – Paulo foi novamente preso em Roma. Na prisão, escreveu a carta aos Efésios e 2 Timóteo.
A carta aos Efésios é uma carta circular dirigida a várias igrejas. Fomos escolhidos em Cristo antes da fundação
do mundo. A doutrina apostólica é o fundamento da igreja. Judeus e pagãos são acolhidos na igreja, constituindo uma
unidade em Cristo. Ao contemplarem a igreja, os Principados e as Autoridades nas regiões celestes compreendem a
sabedoria de Deus. Uma igreja única de judeus e pagãos é incumbida de uma tarefa transcendental: revelar aos poderes
hostis o desígnio da salvação de Deus. Devemos nos revestir da nova natureza. Nossa vida de fé é um combate
espiritual, pois deparamo-nos com poderes hostis. O batismo significa a participação dos cristãos no destino de Cristo.
A família deve ser estável: “sujeitai-vos mutuamente no temor de Cristo”. Os filhos devem obedecer aos pais “no
Senhor”; este é o critério normativo. O trabalho braçal é revestido de dignidade (4:28), o que é inusitado no contexto
grego. Existem muitos temas paralelos entre Colossenses e Efésios. Colossenses acentua que a plenitude de Deus está
em Cristo. Efésios declara que a plenitude de Cristo se encontra na igreja.
Quando Paulo escreveu 2 Timóteo, ele estava preso e algemado “como malfeitor”. O apóstolo se encontrava só.
Ninguém o defendeu no tribunal. Somente Lucas permaneceu com ele. O apóstolo percebeu que seu fim estava
próximo. A carta é considerada o testamento espiritual de Paulo. Antes de morrer, ele quer rever Timóteo. O apóstolo
tem consciência de ter “combatido o bom combate”, o que lhe dá certeza de receber a coroa da justiça. Timóteo deve se
manter íntegro e se precaver de falsas doutrinas. Deve evitar controvérsias insensatas e absurdas. Ao contrário, ele deve
vigiar e perseverar. Deve reavivar o dom recebido e se manter fiel. A carta ressalta a inspiração divina da Escritura
Sagrada.

Aos 62 anos, Paulo foi decapitado fora dos muros de Roma.

Os três primeiros evangelhos (Mateus, Marcos e Lucas) podem ser colocados em colunas paralelas e
observados com um só olhar. É por isso que eles são chamados de Sinóticos, o que significa olhar de conjunto.

67 – Redação do evangelho segundo Marcos. Ele não se ocupa com a infância de Jesus. Escreveu com o propósito de
responder a esta pergunta: “Quem é Jesus?” (4:41). A resposta é formulada no primeiro capítulo: Jesus é o Filho de
Deus, que vence Satanás no deserto e inaugura o Reino de Deus. Marcos enfatiza mais a ação de Jesus do que seus
ensinamentos e discursos. Com suas curas, Jesus manifesta seu poder, mas exige silêncio. Por ora, a identidade
messiânica de Jesus deve permanecer em segredo, mas os demônios revelam que Jesus é o Filho de Deus. Os judeus
esperavam um Messias que os libertasse da dominação romana. O poder religioso (os fariseus) e o poder político (os

55
herodianos) decidem eliminar Jesus. O ponto alto é o relato da paixão de Jesus. Jesus passa a ensinar que o Filho do
Homem deve sofrer, ser morte e ressuscitar. Os discípulos não aceitam o sofrimento de Jesus. A paixão de Jesus em
Jerusalém ocupa quase um terço do evangelho. Depois da ressurreição, Jesus encontrou os discípulos na Galiléia.

68 - Abril: Galba - imperador. Junho: suicídio de Nero.


69-79 – Vespasiano – imperador romano. Confia a Tito o cerco de Jerusalém.
70 - Tito ataca Jerusalém com 4 legiões.
Diante do Templo, sacrifício às insígnias romanas (Mt 24:15).
71 – Redação das cartas de Tiago, Judas, 2 Pedro
A carta de Tiago declara que a fé precisa ser autenticada pelas obras. A fé sem obras é morta. Ele contesta um
monoteísmo teórico, inconseqüente e infrutífero (2:19). Uma fé desvinculada da vida torna-se estéril. Tiago argumenta
com a polaridade entre fé e obras. Paulo aponta para a dinâmica da vida no Espírito, ou seja, viver e andar no Espírito.
Os dois se complementam. O objetivo de Tiago é a prática do autêntico mandamento do amor. Ele não admite uma fé
dissociada do amor. Ele critica o rico opressor e explorador, e mostra que o cristão tem uma responsabilidade social. A
carta contém 108 versículos e 54 imperativos éticos. Tiago exorta sobre a paciência nas provações, a origem da
tentação, o domínio da palavra pronunciada, a prática da misericórdia, a oração. Dois temas se destacam: a atenção para
com os pobres e a necessidade de praticar boas obras como expressão de fé. A verdadeira sabedoria vem de Deus.

A carta de Judas foi escrita para cristãos que estavam com sua fé abalada pro causa de heresias. A linguagem é direta e
corajosa, pois “alguns homens” estavam se infiltrando na igreja com ensinamentos contrários ao Evangelho. O perigo
não advém de fora, mas está dentro da própria igreja. Eram pessoas devassas, que haviam caído na libertinagem. A
carta equipara essas pessoas aos que foram desobedientes no AT. São pessoas que causam divisões e não têm o Espírito
de Deus. A igreja se depara com uma confusão espiritual e uma frouxidão moral. O cristão deve ser orientado pelo
Espírito e não por interesses egoístas que terminam em libertinagem.

A segunda carta de Pedro também apresenta esse perigo provocado por pessoas dissimuladas no âmbito da igreja. O
cap. 2 reproduz o tema da carta de Judas. A igreja está sendo pervertida por pessoas que prometem uma falsa liberdade.
A carta se ocupa principalmente com a demora da vinda (a parusia) de Cristo. Os cristãos não devem desanimar com a
demora, pois Deus tem seus próprios critérios para estabelecer os tempos finais. Os cristãos devem saber que “para o
Senhor um dia é como mil anos, e mil anos como um dia” (3:8). Além disso, Deus é movido por sua paciência. Após a
destruição deste mundo pelo fogo, surgirá novo céu e nova terra onde habitará a justiça. A fidelidade à palavra
apostólica possibilita uma vivência em santificação. Aos cristãos é concedido entrar em comunhão com a natureza
divina (1:4). A carta se ocupa com a inspiração e interpretação das Escrituras Sagradas. E alerta a respeito de
interpretações arbitrárias das Escrituras (1:20-21 e 3:15-17). Pedro transmitiu esses ensinamentos, que posteriormente
foram redigidos por um colaborador.

72 - Páscoa: cerco de Massada por Flavius Silva.

79-81 - Tito - imperador romano.

90 – O evangelho segundo Mateus encontra-se no início do NT, pois é o escrito que mais afinidade apresenta com a
teologia do AT. Mateus estabelece uma ponte entre a expectativa messiânica do AT e o cumprimento das profecias em
Jesus Cristo. A genealogia de Jesus se estende até Abraão: isto significa que ele é o Messias prometido ao povo de
Israel. O sínodo de Jâmnia (entre 85 e 90) havia declarado os judeu-cristãos formalmente excluídos da sinagoga.
Mateus escreveu para esses cristãos. Em Jesus aconteceu a continuidade: cumpriram-se as profecias e a Lei atingiu sua
perfeição. Mateus cita mais de 60 textos do AT, mostrando o seu cumprimento na vida de Jesus. Jesus é superior a
Moisés. Jesus aprova os mandamentos e acrescenta as bem-aventuranças. A igreja é a continuação do Israel histórico.
Mateus segue um plano: no início é afirmado que Jesus é o Emanuel (Deus conosco), no final Jesus declara “eis que
estou convosco”. Os líderes do povo de Israel se opuseram ao Messias; por isso, Jesus iniciou o verdadeiro povo de
Deus a partir dos Doze Discípulos. A partir da ressurreição de Jesus, a comunidade dos discípulos torna-se o verdadeiro
povo de Deus. Jesus cumpriu a Lei; ele tem autoridade para interpretá-la de acordo com a vontade de Deus. Jesus não
se posicionou contra a Lei, mas contra a Tradição dos Anciãos (15). Cumprir a vontade de Deus significa seguir Jesus e
crer nele. Quem assim procede, entra no Reino dos Céus. O evangelista apresenta cinco grandes discursos de Jesus
(lembrando o Pentateuco): o Sermão do Monte (5-7), o envio dos discípulos (10), as parábolas sobre o Reino (13), a
exortação à igreja (18) e o discurso sobre o juízo final (24-25). Toda a narrativa a respeito de Jesus está impregnada de
morte e ressurreição. Jesus cumpriu as Escrituras e o desígnio de Deus.

90 – redação do tratado teológico aos Hebreus. Os leitores conhecem o AT e estão familiarizados com o culto do
Templo. É possível que alguns deles sejam sacerdotes convertidos à fé cristã (Atos 6:7), que tiveram de abandonar
Jerusalém e se refugiar em Cesaréia ou Antioquia. Eles passaram então a sentir saudades do culto de Jerusalém. As
perseguições aos cristãos provocavam desilusão e confusão aos novos convertidos. Havia a tentação de retornarem ao
judaísmo. Os leitores são estimulados a não voltarem atrás. O culto da antiga aliança tem um caráter provisório. O autor
exorta os leitores à perseverança e a uma fé alicerçada nos exemplos do AT. Eles não devem cair na apostasia (renúncia
da fé em Cristo). A morte de Cristo na cruz é a superação do antigo culto judaico. Trata-se de um sacrifício
incomparavelmente superior à imolação de animais. Esse sacrifício aconteceu “uma só vez” e possui eficácia decisiva e
eterna. Jesus Cristo é sacrifício e sacerdote ao mesmo tempo. Jesus continua intercedendo por nós junto ao Pai. A

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atuação de Cristo não nos isenta do sofrimento, mas nos possibilita a enfrentá-lo com esperança. Em meio às
provações, a fé deve munir-se de persistência. É abordada a transcendência de Cristo e, ao mesmo tempo, sua dimensão
humana. A igreja é uma só: em sua dimensão terrestre e também celestial.

90 - redação do evangelho segundo Lucas. O evangelista era natural de Antioquia. Acompanhou Paulo durante uma
parte da terceira viagem missionária, também na viagem de Jerusalém a Roma, e permaneceu com Paulo por ocasião do
segundo cativeiro na capital do império. Escreveu num grego muito aprimorado. Apresenta amplo material sobre o
nascimento e a infância de Jesus. Nos relatos sobre a infância de Jesus recebem destaque três hinos: o cântico de Maria,
o cântico de Zacarias e o cântico de Simeão. As primeiras pessoas a testemunharem o nascimento de Jesus foram os
pastores, gente simples e receptiva para a mensagem. Os primeiros a receber o anúncio não foram as autoridades
palacianas, mas os humildes pastores, que lembram os hapiru do tempo de Abraão e da conquista da Terra Prometida.
Os pastores encontraram um menino pobre e humilde. Lucas elaborou a genealogia de Jesus até Adão, fazendo uma
ligação entre a história de Jesus e a história universal. Inserindo o Messias na história de toda a humanidade, Lucas dá
testemunho de que Jesus é o Salvador do mundo inteiro. Jesus é o salvador dos perdidos; sobretudo os doentes é que
precisam de médico. Ele se relacionou bem com os samaritanos, que eram desprezados pelos judeus. Acolheu
mulheres, que se tornaram seguidoras (8:1-3; 23:49). A riqueza pode se constituir em ídolo e num obstáculo ao
discipulado. É enfatizada a atuação do Espírito Santo e também a importância da oração. A vida, a atuação e a morte de
Jesus se constituem numa atitude de humilde entrega a Deus. E o Pai confirma essa missão, ressuscitando Jesus dentre
os mortos. Lucas apresenta uma história da salvação: os acontecimentos têm um significado para a fé. Lucas proclama
a fé elaborando uma obra de historiador. Ele consegue transmitir uma mensagem acessível a leitores pagãos. O AT
culminou em Jesus. A missão de Jesus prossegue nos Atos dos Apóstolos. O itinerário de Jesus é concluído em
Jerusalém. A expansão do Evangelho começa em Jerusalém e se estende até os confins do mundo. A viagem a
Jerusalém (9:51-19:28) sobressai no evangelho. Lucas é o único evangelista a descrever a ascensão de Jesus. A
mensagem de Jesus é de misericórdia e perdão; os pecadores são acolhidos.

A seguir, o médico Lucas redigiu Atos dos Apóstolos. A primeira parte (cap. 1-12) narra a atuação do apóstolo
Pedro. A outra metade (cap. 13-28) apresenta a atividade missionária do apóstolo Paulo. O verdadeiro protagonista é o
Espírito Santo prometido à igreja. E a Palavra passou a ser proclamada com intrepidez. O Evangelho deslocou-se do
ambiente judaico para o mundo pagão, alcançando Roma. Toda obra de Lucas é marcada pelo universalismo da
salvação. A igreja vive em união com Jesus Cristo ressuscitado, contando com sua presença permanente. A história é
interpretada à luz da fé. Os acontecimentos são o desenrolar do plano de salvação. Deus se faz presente por intermédio
de seu anjo, envia o seu Espírito e atua por intermédio dos missionários. É Deus quem proporciona o crescimento da
igreja. A pregação da igreja torna-se a própria Palavra de Deus que atua e se espalha. Os batizados passam a fazer parte
do Caminho. Sobrecarregados de atividades, os apóstolos instituíram os Sete, com funções diaconais (6:1-7).
Inicialmente, os judeus se tornavam cristãos, mas continuavam participando nas atividades do Templo (2:46; 3:1). Deus
intervém para a conversão dos pagãos, como é o caso de Cornélio. A missão entre os pagãos foi definida no Concílio
de Jerusalém (15), onde aconteceu uma decisão do Espírito “de acordo com toda a Igreja”.

Ao redigir o terceiro evangelho, Lucas mostra que a manifestação de Jesus começou em Nazaré e terminou em
Jerusalém. Em Atos, a divulgação do Evangelho começou em Jerusalém, atingiu a Judéia, a Samaria, a Fenícia, a Síria,
o Chipre a Ásia Menor, a Grécia e chegou até Roma.

81-96 - Domiciano - imperador romano.

90 – Os escritos de João: o evangelho e as epístolas.

O evangelho segundo João possui pouco material em com os Evangelhos Sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas). É
possível que João não quisesse repetir os temas. O objetivo de João é levar os leitores a crer que Jesus é o Cristo, o
Filho de Deus. Por meio da fé, a pessoa recebe a vida eterna, ou seja, a salvação que se manifesta já agora numa
existência qualitativamente diferente. A vida eterna é a própria vida de Deus, que nos é dada em Jesus Cristo; é uma
dádiva que se inicia agora, mediante o conhecimento do único Deus verdadeiro e de Jesus Cristo, enviado pelo Pai
(17:3). Jesus se apresenta a si mesmo com a fórmula “Eu sou” – o Messias, o Pão da Vida, a Luz do mundo, a Porta, o
Bom Pastor, a Ressurreição e a Vida, o Caminho, a Verdade e a Vida. Com essa auto-apresentação, Jesus se equipara
ao Senhor, quando se apresenta no AT (Ex 20:2). Jesus é apresentado como verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
Jesus revela o amor do Pai à humanidade. Deus quer que todos tenham vida plena. A revelação de Deus em Jesus
coloca o mundo sob julgamento. Os milagres realizados por Jesus são chamados de “sinais”, os quais são seguidos de
discursos explicativos. João apresenta um total de sete “sinais” realizados por Jesus para manifestar sua glória, para que
seus discípulos creiam nele. João não menciona a narrativa da instituição da Ceia do Senhor, para evitar que essas
palavras fossem profanadas. Ele também não cita as palavras da oração do Pai nosso. João menciona freqüentes
deslocamentos de Jesus a Jerusalém e uma presença mais demorada na capital. Ele enfatiza também a “hora” em que
Jesus deve se manifestar. Trata-se da glorificação de Jesus, o momento de sua revelação como Messias. É o momento
fixado pelo Pai para a manifestação da glória. João narra que Jesus foi crucificado no dia 14 de Nisan, no momento em
que eram imolados os cordeiros pascais no Templo. A morte de Jesus coincidiu com a imolação dos cordeiros no
Templo. O essencial é o sentido teológico da morte de Jesus. A crucificação de Jesus é exaltação. A vitória já foi
alcançada na crucificação. Ele morreu cumprindo as Escrituras: tudo foi consumado. João é original. Ele emprega o
conceito grego Logos, traduzido por Verbo, Palavra. O AT menciona a Sabedoria, que é a intermediária na criação do

57
universo (Pv 8:22-36). O evangelista nos transmite que o Logos é o Filho preexistente, que atua junto com o Pai. O
essencial é o conhecimento na fé do Filho de Deus que se tornou carne (um ser humano em sua dimensão frágil). O
evangelista emprega fórmulas do AT: a água, o alimento celeste e o maná, o pastor e as ovelhas, a vinha, o templo.
Outra característica é o dualismo: luz / trevas, verdade / mentira, vida / morte. O importante é descobrir a profundidade
e o alcance do acontecimento. O Espírito recupera a compreensão da história de Jesus. João não se ateve a um mero
relato, mas empreendeu uma simbolização da história. Tudo o que aconteceu com Jesus tem um significado profundo,
decisivo e transformador para toda a humanidade.

A primeira carta de João foi enviada a igrejas da Ásia Menor, que estavam se defrontando com hereges gnósticos que
não aceitavam a natureza humana de Jesus. Diziam que Jesus se manifestou apenas num corpo aparente e luminoso. Já
no início a carta salienta que as primeiras testemunhas ouviram, viram e apalparam Jesus. Houve um contato real com o
Filho de Deus que assumiu um corpo humano. Os gnósticos pretendiam conhecer Deus (gnose = conhecimento). Eles
se consideravam sem pecado e diziam ter comunhão plena com Deus. Mas não amavam o seu semelhante e nem
observavam os mandamentos. Alguns saíram do convívio da igreja. A carta é bem clara: só há comunhão com o Pai
quando reconhecemos o Filho de Deus. É afirmada com ênfase a divindade de Jesus Cristo, que é luz, justiça e amor.
Nele temos vida eterna. Os cristãos tornam-se filhos de Deus; devem permanecer na comunhão fraterna e no amor ao
Pai. Ter comunhão com Deus significa amar o semelhante. Deus é amor, e amar é conhecer a Deus. Se nós não
amamos o nosso semelhante, a quem vemos, como vamos amar a Deus, a quem não vemos? Conhecer a Deus significa
guardar seus mandamentos. O conhecimento de Deus foi revelado por Jesus Cristo.

A segunda carta de João também conclama os cristãos a se oporem aos hereges. Esses “enganadores” e falsos mestres
negavam a divindade de Jesus Cristo, e proclamavam um conhecimento superior que não necessita da fé em Jesus e
nem do seu Evangelho de amor. Negavam a encarnação do Filho de Deus. Diante dos “anticristos”, a igreja deve
permanecer firme na verdade, unida no vínculo do amor e perseverar na “doutrina de Cristo”. Desse modo, o cristão
“tem o Pai e o Filho”, vivendo em comunhão com Deus. Amar a Deus significa viver de acordo com seus
mandamentos.

A terceira carta de João aborda dificuldades de relacionamento. O Ancião (João) enviou alguns missionários que se
hospedaram na casa de Gaio. Mas, Diótrefes era muito autoritário e soberbo, e não permitiu que os missionários
tivessem acesso à igreja. O autor quer visitar a igreja pessoalmente e resolver esses problemas de organização interna.

95 - redação definitiva do Apocalipse. João se encontra exilado na ilha de Patmos, onde recebe a revelação do Senhor
Jesus. Os tempos eram difíceis. Nero havia iniciado a perseguição sistemática aos cristãos. No período de Domiciano
houve um aumento da perseguição. João escreve cartas às sete igrejas da Ásia Menor, com palavras de encorajamento e
de repreensão. Entre os caps. 4-22 são apresentados sete enfoques da vitória de Jesus Cristo. São sete abordagens da
vitória de Jesus. O número sete é muito expressivo. Além das sete cartas, são abertos sete selos, são tocadas sete
trombetas, são apresentadas duas vezes sete visões (uma vez, da mulher, do dragão e das bestas; outra vez, do Cordeiro
e dos seis anjos), são derramadas sete taças, e – mais uma vez – são apresentadas duas vezes sete visões (uma vez, da
queda de Babilônia (Roma); outra vez, da batalha e da vitória final). O escrito contém muito simbolismo. Os quatro
cavaleiros representam respectivamente: o Anticristo, a guerra, a fome e a morte. Os 144.000 selados representam todo
o povo de Deus (12 vezes 12.000). A mulher é o povo de Deus, do qual nasce o Messias, que é perseguido (cap. 12). A
besta sai do mar (Mediterrâneo): ela tem dez chifres (reis) e sete cabeças (as sete colinas de Roma). A besta foi
mortalmente golpeada, mas a ferida foi curada, pois o imperador Domiciano era considerado um Nero redivivo. Em
grego e em hebraico, as letras do alfabeto têm um valor numérico. As letras servem de algarismos. Em hebraico, a
soma do valor das letras de César-Neron resulta no número 666. É uma referência ao imperador Nero. No entanto,
quando o Apocalipse foi redigido, Nero já estava morto. Domiciano era considerado o “Nero redivivo”. O
relacionamento entre besta e dragão deve ser entendido a partir da avaliação que a Bíblia faz de um governante: quando
este não serve a Deus, então ele se torna instrumento de Satanás. A responsabilidade dos governantes é muito grande.
Um governante pode ser um instrumento de Deus, mas também pode se tornar um 666 – a serviço do maligno. Diante
de tanta perseguição, os cristãos estavam desorientados. Confessavam que Jesus Cristo é o Senhor, mas quem decidia
sobre vida e morte era o imperador. O Apocalipse foi escrito para encorajar os cristãos: Deus continua com o controle
dos acontecimentos – a vitória final será de Jesus Cristo. A igreja se encontra em exílio e também em êxodo. O
Apocalipse cita o AT mais de 400 vezes. O milênio resulta da multiplicação do número 10 multiplicado 3 vezes por si
mesmo (10 x 10 x 10). O número 10 se refere à humanidade, e o número 3, à Trindade Divina. O pensamento hebraico
emprega o símbolo temporal: milênio. Nós empregados o símbolo espacial: dentro ou fora da igreja de Jesus. Dentro da
igreja de Jesus, o diabo está acorrentado. Fora, ele está solto. O apóstolo Paulo também considerou a igreja de Jesus
como sendo o âmbito da salvação, como observamos em 1 Co 5:5. No âmbito da Igreja de Jesus Cristo o dragão é
impotente. Fora desse âmbito de bênção e proteção, ele é poderoso. Quando a igreja terrestre se reúne para o culto, ela
mantém comunhão com a igreja celestial, que participa da expectativa. As imagens do Apocalipse são assustadoras
para quem se opõe ao plano de Deus, mas são confortantes para quem se mantém fiel e persevera. A vitória final de
Jesus é certa!

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Características do pensamento hebraico.

Ao ocuparem a terra de Canaã, a mobilização dos israelitas fez parte de um grande


movimento: a grande Migração Aramaica. Participaram nesse movimento outros grupos de língua
aramaica, que eram parentes entre si: os edomitas, os moabitas e os amoritas.
No entanto, somente o grupo, que se estabeleceu na Síria, passou a ser designado mais tarde
de “arameus”, pois estes conservaram o idioma arameu. Os edomitas, moabitas, amonitas e
israelitas abandonaram o arameu e adotaram a “língua de Canaã”. E assim surgiu o hebraico entre
os israelitas. Trata-se de um dialeto cananeu com influência aramaica.
O hebraico é uma língua semita. A família semítica inclui o acádico, o sírio-aramaico, o
cananeu, o moabita, o fenício, o árabe, o etiópico, o ugarítico, o púnico, o nabateu. Os ancestrais
dos hebreus eram arameus (Gn 31:47 e Dt 26:5).
A família semítica tem algumas características: originalmente as línguas eram constituídas
apenas de consoantes (as vogais foram desenvolvidas mais tarde), elas são escritas da direita para a
esquerda (exceto o acádico e o etiópico), as raízes verbais são formadas de três consoantes, a raiz
verbal é citada na terceira pessoa do masculino singular.

- Para transmitir um ensinamento, o hebreu narra um acontecimento. Não se formula uma teoria,
mas um acontecimento histórico. Os temas são apresentados numa perspectiva histórica. No
lugar da doutrina, a narração.

- O hebreu não está preso à lógica ocidental. Os dois grandes luzeiros são criados no quarto dia
(Gn 1:14-18), sendo que anteriormente transcorreram três dias de acordo com o calendário
estabelecido a partir do movimento do sol e da lua. O importante não é a lógica, mas a
mensagem: sol e lua não são deuses, como entre os babilônios, mas simples criaturas – com
funções bem específicas. O autor bíblico não se preocupa em explicar a procedência da mulher
de Caim. Ele também não se preocupa com a situação de Jonas dentro do ventre do grande
peixe (Jn 1:17).

- O hebreu prefere empregar substantivos, pois suas linguagem é a do homem simples. Ele não
recorre muito a adjetivos, como observamos no Sl 55:4.

- Para enfatizar sua argumentação, o hebreu utiliza as repetições, como vemos em Ez 18 e Gn 23.

- O hebreu vê mais movimento e ação do que realidade estática. Assim como os outros povos
semitas, o hebreu vê a realidade com suas formas sensíveis e concretas.

- Para o hebreu, a realidade é concreta, pois ele não se atém a abstrações. A realidade não é uma
apreensão intelectual. A realidade é compreendida a partir de sua dinâmica e de seu propósito.
A criação de Deus é boa, porque ela tem sentido, uma finalidade.

- O pecado só existe junto a pessoas e acontecimentos. Ele é uma transgressão concreta: houve
um erro e o alvo não foi alcançado.

- A expressão verbal é simples: ela consiste em sujeito e predicado – com o mínimo de


subordinação.

- A argumentação é simples, direta e concreta. Ela reflete a realidade, que é concreta.

- A palavra pronunciada assume grande importância. Uma vez pronunciada, ela não pode ser
anulada ou retirada (Gn 27). Por isso, uma bênção ou uma maldição possuem uma força
extraordinária. As alianças eram estabelecidas por meio da palavra falada.

- O hebraico possui muitas expressões idiomáticas (hebraísmos):


- “O templo de sua santidade” refere-se ao santo templo de Deus.

59
- “Ele levantou-se e foi” significa que ele empreendeu uma viagem.
- “Jacó ergueu os pés e dirigiu-se ao país dos orientais” (Gn 29:1) significa que Jacó se pôs
de novo a caminho.
- “Vir ante a face de Deus” equivale a apresentar diante de Deus.

- O pensamento hebraico pode lidar com contradições aparentes. Com suas denúncias, o profeta
Oséias pôde anunciar: “eles voltarão para o Egito” (8:13) e também declarar: “Não voltarão
para a terra do Egito” (11:5). O contexto da segunda declaração mostra que a referência à
escravidão no Egito é uma metáfora para o exílio, como também observamos em Os 9:3. Na
tradução do AT, a Septuaginta tentou harmonizar os dois textos, dando origem a versões
diferentes nos dias atuais.

- O verbo hebraico exprime o aspecto da ação. Uma ação pode ser realizada ou não-realizada. A
ação realizada corresponde ao passado e – na tradução – o verbo se encontra no perfeito ou
mais-que-perfeito. A ação é avaliada em sua totalidade e deve ser uma realidade acabada. Ação
não-realizada está aberta para o presente e também para o futuro. Quando a ação continua ou se
repete, o verbo se encontra no imperfeito. Somente o contexto possibilita saber se a ação se
localiza no passado ou está aberta para o futuro.

- O hebreu remonta às origens para explicar o presente. A avaliação da monarquia israelita


mostra isso. A ambigüidade e as tensões observadas nos governantes são projetadas para a
origem da monarquia. E assim a história é explicada: a monarquia tinha um caráter negativo
desde sua origem.

- Os israelitas não conheciam um tempo absoluto (como nós, ocidentais). Para eles, o tempo só
existe junto a acontecimentos determinados. Eles são conheciam um “tempo pleno”. O hebraico
nem possui um termo para o conceito ocidental de “tempo”. O termo olam significa o passado
longínquo ou o futuro. O termo et significa “período, época, momento”. Existe um tempo para
dar à luz (Mq 5:3), um “tempo de se recolherem os rebanhos” (Gn 29:7), existe o “tempo em
que os reis costumam sair para a guerra” (2 Sm 11:1), a árvore, “no devido tempo, dá o seu
fruto” (Sl 1:3), às suas criaturas, Deus dá de “comer a seu tempo” (Sl 104:27). Isso significa
que todo acontecimento tem a sua ordem no tempo determinado. Só se pode pensar no tempo
junto ao acontecimento. Os israelitas podiam falar dos “tempos”. O salmista exclama: “Nas tuas
mãos estão os meus tempos” (Sl 31:15). A existência humana é constituída de uma seqüência
de muitos tempos (Ez 12:27; Jó 24:1; Ec 3:1-8). Por isso, podia-se dizer: “Este é o dia que o
Senhor fez; regozijemo-nos e alegremo-nos nele” (Sl 118:24). O tempo duradouro é
propriedade de Deus. O tempo passageiro pertence ao âmbito da criatura.

- O passado está à nossa frente, para ser visto e observado. O futuro é a dimensão que fica atrás
de nós, pois é desconhecido. “Recordo-me dos dias diante de mim, considero todas as tuas
obras, meditando sobre a atividade das tuas mãos” (Sl 143:5). “Colocaste nossas faltas à tua
frente, nossos segredos sob a luz do teu rosto” (Sl 90:8). A pessoa se move no tempo como um
remador, que rema para trás – para o futuro. A pessoa alcança a meta na medida em que se
orienta pelo percurso que pode ver diante de si – o passado. Deslocando-se no tempo, a pessoa
descobre que o passado e o futuro estão sob os cuidados de Deus. Os israelitas devem ter o
transcurso da história diante dos olhos. A atualização da história permite que se ouça Deus no
presente. “As coisas escondidas estão junto ao Senhor, nosso Deus; as reveladas, porém, valem
para nós e os nossos filhos para sempre” (Dt 29:28). Em comunhão com Deus, a pessoa
constata que o futuro é iluminado pelas promessas formuladas no passado. Mas, a pessoa não
consegue compreender o conjunto da obra divina e o sentido da mudança dos tempos. A pessoa
deve aceitar tanto os dias bons quanto os maus (Ec 7:14). A especulação pela mudança dos
tempos deve lugar a uma atitude de confiança em Deus. “Em tuas mãos estão os meus tempos”
(Sl 31:16a).

60
Da tradição oral aos recursos literários.
Os primeiros cristãos consideravam sumamente importante o depoimento dos apóstolos, que
foram testemunhas oculares da atividade de Jesus. Ora, se era possível dialogar pessoalmente com
um dos apóstolos, nada mais sensato do que valorizar a transmissão oral do que havia acontecido
com Jesus.
Pápias assim se expressou:
“Toda vez que encontrei alguém que conversou com os antigos, perguntei-lhe
diligentemente acerca do dito destes, do que André, Pedro Filipe, Tomé, Tiago, João, Mateus ou
qualquer outro discípulo do Senhor, costumavam narrar. Sempre pensei que tiraria menos proveito
de livros e muito mais da palavra viva dos sobreviventes.”
Deve-se considerar também a expectativa da vinda iminente de Jesus em glória. Era a
expectativa da parusia de Jesus a se realizar em breve. O essencial era viver nessa nova dimensão
de fé. A princípio, não se cogitava em escrever livros. Afinal, as testemunhas oculares estavam aí.
A pregação dos apóstolos se apoiava na transmissão oral do cerne da mensagem: a morte
redentora e a ressurreição de Jesus Cristo.
A pregação era dirigida aos judeus. Os apóstolos estavam testemunhando o cumprimento
das profecias do AT: Jesus ressuscitou e é o Messias anunciado pelos profetas.
O próprio Jesus mostrou que as promessas do AT haviam se cumprido (Lc 24:44-48).
Foi desenvolvida uma catequese para os que recebiam o batismo. Em At 10:37-43
encontramos um resumo dessa catequese: batismo para recebimento do Espírito Santo, atividade
libertadora de Jesus, crucificação, ressurreição e aparições. Essa pregação tem como fundamento o
testemunho dos apóstolos (Ef 2:20).
As principais “palavras” de Jesus foram agrupadas por temas. Despontaram os narradores
especializados: os evangelistas (At 21:8; Ef 4:11; 2 Tm 4:5). O conteúdo era assimilado mediante a
repetição.
Os evangelhos apresentam as palavras e os feitos de Jesus dentro de um quadro biográfico,
mas sem se restringirem a uma biografia (Jo 20:30-31). Os evangelhos relatam pregando. E pregam
relatando. É uma história pregada e interpretada.
Surgiram tradições em torno de determinados temas teológicos. A respeito da instituição da
Ceia, Paulo (1 Co 11:23-26) e Lucas (Lc 22:19-20) seguiram uma tradição. Mateus (26:26-29) e
Marcos (14:22-25) tiveram contato com outra tradição.
Por volta de 130, Pápias, bispo de Hierápolis, na Frigia, escreveu a Interpretação dos
Oráculos do Senhor, em cinco livros. É o testemunho mais antigo sobre a composição dos
evangelhos. A obra de Pápias se perdeu e só conhecemos seus pronunciamentos por intermédio do
historiador Eusébio de Cesaréia.
Pápias declarou que Marcos era o intérprete de Pedro, em Roma. Marcos anotou o que
ouviu de Pedro, resultando então a redação do segundo evangelho. Isso mostra que os escritos do
NT são precedidos pela tradição oral.
Clemente de Alexandria, também citado por Eusébio, declarou que “tendo Pedro pregado a
doutrina publicamente em Roma e tendo exposto o Evangelho pelo Espírito, seus ouvintes, que
eram numerosos, exortaram Marcos, uma vez que ele o havia acompanhado há tempo e se
lembrava de suas palavras, a transcrever o que Pedro havia dito: ele o fez e transcreveu o
Evangelho para o que lhe haviam pedido” (História Eclesiástica, IV, 14,5-7).
Portanto, Pápias e Clemente de Alexandria atribuem a redação do evangelho a Marcos,
auxiliar de Pedro (1 Pd 5:13).
Lucas era discípulo de Paulo (Cl 4:14; Fm 24 e 2 Tm 4:11). Irineu escreveu: “Lucas,
discípulo de Paulo, registrou em um livro o Evangelho pregado por seu mestre.” Os teólogos estão
pesquisando em que medida Lucas foi influenciado por Paulo. A respeito do autor de Atos, Philipp
Vielhauer escreve: “Nele não encontramos nenhum pensamento especificamente paulino.”
Por volta de 150, Justino escreveu o Diálogo com Trifão e duas Apologias da fé cristã.
Freqüentemente ele cita os evangelhos sob o nome de Memórias dos apóstolos.
A expansão da igreja foi um impulso para o texto escrito. Paulo sentiu a necessidade de
redigir os princípios teológicos, principalmente quando se tratava da justificação pela graça
mediante a fé. O apóstolo também incentivava os seus leitores a lerem publicamente no culto as
suas epístolas.

61
Paulo escreveu em sintonia com a tradição oral. Textos como 1 Co 15:3-5; Fl 2:5-11 e 1 Ts
1:9-10 mostram que o apóstolo integrou a tradição em seus escritos. Observemos também Rm 1:3-
6; 4:25; Cl 1:15-20; 1 Tm 3:16; Ef 1:3-14. O Hino Cristológico em 1 Pd 2:22-25 também procede
da tradição oral.

Os orientais utilizam muito a metáfora e a hipérbole.


A metáfora estabelece uma comparação tácita. É estabelecido um paralelo. A palavra recebe
um sentido figurado. O significado natural da palavra é substituído por outro com relação de
semelhança. Jesus chamou Herodes de “raposa” (Lc 13:32). Jesus disse: “Se o teu olho direito te
faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti” (Mt 5:29). “E, se a tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e
lança-a de ti” (5:30). O olho é uma metáfora para o desejo. A mão, para a ação. O desejo entra pela
visão. Quando o desejo é consentido, ele induz à ação. Arrancar o olho significa impedir que o
desejo tenha seu livre curso. Cortar a mão direita significa evitar a ação suscitada pelo desejo.
A hipérbole é o modo de se expressar com exagero. O sentido da palavra é engrandecido ou
diminuído de tal forma que provoque a reação dos interlocutores. Uma fé do tamanho de um grão
de mostarda pode deslocar um monte (Mt 17:20). É mais fácil um camelo passar pelo buraco de
uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus (Mc 10:25).
A prosa é o modo natural de falar ou escrever.
O gênero épico se ocupa com os heróis. É a epopéia.
O gênero didático está muito presente nos Provérbios e nos Salmos.
O gênero midráshico (do hebraico darasch, investigar) é uma narrativa para transmitir um
ensinamento. Uma narrativa do passado transmite sabedoria para o presente. Midrash tornou-se
termo técnico para a exposição na sinagoga (2 Cr 13:2 e 24:27). Desde Hillel foram estabelecidas
regras para a hermenêutica.
Mashal é um provérbio, um dito que utiliza o recurso da imagem.
É uma sentença popular simples (1 Sm 10:12; 24:14; 1 Rs 5:12; Nm 21:27; Js 14:4; Ez 17:2; 21:5 e
24:3. É um aforismo.
O paralelismo dos membros (paralelismus membrorum) consiste de duas sentenças. Na
poesia oriental e no AT encontramos três modalidades de paralelismo dos membros:
- O paralelismo sinônimo retoma os mesmo pensamento com palavras diferentes, o que enfatiza
o ensinamento (Sl 1:2).
- O paralelismo antitético contrapõe as duas sentenças. A primeira sentença torna-se mais claro
no confronto com o pensamento oposto (Sl 1:6).
- O paralelismo sintético completa o pensamento. A primeira sentença recebe seu complemento
com a segunda (Sl 1:3).
Em Zc 9:9 é apresentado um paralelismo dos membros. O profeta fala de um jumento, cria
de jumenta. Mateus não entendeu o paralelismus membrorum e mencionou dois animais, fazendo
Jesus montar em ambos (Mt 21:5-7).
A interpretação tipológica do AT. Os acontecimentos do AT – ocorrido no passado –
tornam-se prefigurações do futuro – a realidade plena. Observemos 1 Co 10:1-13 e 1 Pd 3:20-21.
No hebraico (e no aramaico) faltam verbos para estabelecer a intensidade da comparação.
Em Lc 14:26, o verbo odiar equivale a “estimar menos”.
O pensamento hebraico valoriza mais os princípios gerais do que os dados exatos. O
número da população no deserto tem um valor simbólico para designar o povo de Israel em sua
totalidade. Na elaboração de uma genealogia pula-se vários intermediários, pois o que interessa é
determinado ancestral. A expressão “setenta vezes sete” designa um número ilimitado de vezes.
Uma parcela pode equivaler a um inteiro: o tempo entre a morte e a ressurreição de Jesus foi
contado como três dias.
Jesus ensinava com o recurso de figuras, histórias comparativas e ilustrações do cotidiano.
Os exegetas estabeleceram esta classificação para as parábolas de Jesus:
A narrativa de algo típico e corriqueiro – um acontecimento do cotidiano: o semeador
semeia a semente, que cai em diversos lugares, e cresce de acordo com as circunstâncias (Mc 4:1-
20).

62
A apresentação de um caso interessante e real, mas que não acontece diariamente: um
homem contrata trabalhadores para a sua vinha; estes trabalham durante um período diferenciado,
mas recebem o mesmo salário (Mt 20:1-16).
A narrativa que serve de exemplo (a ser imitado ou evitado): a história do bom samaritano
(Lc 10:25-37).
Os exegetas também fazem distinção entre parábola e alegoria.
A parábola é uma maneira de falar por imagens. Com o auxílio de comparações breves ou
de relatos verificáveis no cotidiano, Jesus apresentava uma verdade até então ignorada ou mal
compreendida. A imagem proposta adquire sentido para aqueles que acolhem a mensagem de
Jesus. O recurso das parábolas foi utilizado por Jesus para ensinar as multidões, principalmente
quando queria instruir a respeito do Reino de Deus. É uma narrativa baseada em fatos corriqueiros.
O confronto se verifica entre duas situações. Uma comparação resulta numa narrativa. “O reino dos
céus é semelhante a um tesouro oculto no campo, o qual certo homem, tendo-o achado, escondeu.
E, transbordante de alegria, vai, vende tudo o que tem e compra aquele campo” (Mt 13:44).
A alegoria é uma composição de metáforas com o objetivo de identificar. Em Mt 5:13, o sal
é uma metáfora para os discípulos. O propósito da alegoria é a identificação. Em Mt 22:1-14 temos
outro exemplo de alegoria. O rei é Deus. O filho é Jesus Cristo. Os servos do rei são os apóstolos.
Os convidados são os judeus. As tropas do rei são os exércitos romanos. A cidade incendiada é
Jerusalém. O objetivo da alegoria é apresentar uma verdade oculta com uma série de metáforas. Os
ouvintes são levados a procurar o sentido mais profundo.
Um dos homens chamados para seguir Jesus, respondeu: “Permite-me ir primeiro sepultar
meu pai. Mas Jesus insistiu: Deixa aos mortos o sepultar os seus próprios mortos. Tu, porém, vai e
prega o reino de Deus” (Lc 9:59-60). “Sejamos sinceros: esta resposta de Jesus parece-nos
insuportavelmente dura e, se tomada ao pé da letra, de uma crueza desapiedada. [...] É muito
provável que o texto tenha o seguinte significado psicológico: Devo primeiro pôr a salvo a minha
própria herança! No Oriente, a herança é de uma importância fundamental e predominante, igual a
que Freud atribui à sexualidade. Em todo o caso, convém observar que Jesus sabe captar o
verdadeiro significado da resposta: a resistência inconsciente. Assim, suas palavras não mais nos
surpreendem, mas sim, entendidas no seu significado profundo, aparecem como conseqüentes e
apropriadas” (Hanna Wolff, Jesus Psicoterapeuta, São Paulo: Paulinas, 1990, p. 44-45).
Resumindo: O pai estava vivo! O homem estava esperando a ocasião para sepultar o pai, e então
poder administrar a herança. O impedimento para seguir a Jesus era o apego à herança!

A INSPIRAÇÃO DA BÍBLIA

Como entender esse conceito tão essencial para a leitura bíblica.

A teologia protestante elabora sua fundamentação a partir da pesquisa das Sagradas


Escrituras. É a interpretação do texto bíblico que proporciona sustentação ao labor teológico. No
entanto, a interpretação do texto só é correta e confiável se a mesma se orientar por critérios
científicos. A pesquisa não está entregue ao arbítrio do intérprete (2 Pd 1:20-21), mas o teólogo e a
teóloga devem submeter seu trabalho a critérios técnicos e científicos. Assim procedendo,
permitirão que o texto transmita a mensagem. De fato, é o texto bíblico – e somente ele – que deve
falar. O teólogo e a teóloga são intérpretes. Foi assim que o apóstolo Paulo entendeu sua atividade,
quando ressaltou que “nada [estava] dizendo, senão o que os profetas e Moisés disseram haver de
acontecer” (At 26:22). A auto-compreensão de Paulo torna-se normativa para a reflexão teológica
de hoje.
A Reforma Protestante formulou três pilares para o labor teológico e a vida cristã: Sola fide,
sola gratia, sola Scriptura. Os dois primeiros princípios – a fé e a graça – devem orientar a vida
dos teólogos, para que o terceiro princípio – a Escritura – seja sempre fundamental e normativo
para a teologia.

A Bíblia “contém o testemunho original daqueles que participaram nos eventos reveladores”
(Paul Tillich, Teologia Sistemática, p. 38).

63
Os eventos reveladores provocaram a fé das testemunhas. Movidas pela sua fé, essas
pessoas foram inspiradas a escrever e registraram sua experiência.
As pessoas que reconheceram em Jesus o Cristo tornaram-se testemunhas dessa revelação
divina.
O ser humano precisa se tornar receptivo para a revelação. A recepção torna-se parte do
evento revelatório. A Bíblia nos revela aquilo que ela testemunha. Ela é parte da revelação de Deus.
“A Bíblia é tanto um evento original, quanto um documento original. Ela dá testemunho daquilo de
que é parte” (Tillich, p. 38).
A Bíblia nos apresenta relatos que são uma interpretação teológica dos fatos. A Escritura
deve ser estudada e interpretada a partir dessa intenção. Isto significa que não devemos ler a Bíblia
visando resultados predeterminados. Devemos deixar a Bíblia falar a partir de seu propósito e sua
intenção pedagógica.

Definição da inspiração.
“Toda a Escritura é inspirada por Deus” (2 Tm 3:16). O termo grego theópneustos significa
“respirado por Deus”. Mas, não se trata de um ditado divino. As faculdades cognitivas dos autores
bíblicos não foram suspensas, pois é possível distinguir o estilo de João do de Lucas, assim como o
de Isaías do de Amós. No entanto, é algo bem diferente da inspiração poética. Na inspiração do
texto bíblico é salientada a presença do elemento divino. A declaração de que “toda Escritura é
inspirada por Deus” ressalta que a Bíblia é inspirada em sua totalidade. Isto equivale a dizer que a
Escritura é perpassada pelo Espírito de Deus, ou seja, nela se percebe o “sopro de Deus”.
“A Escritura provém de um sopro divino, de uma ação do Espírito” (Schökel, A Palavra
Inspirada, p. 35).
A palavra “inspiração” é derivada do latim spirare, que significa “respirar”. O termo
“enfatiza a pura receptividade da razão cognitiva em uma experiência extática” (Tillich, p. 101).
O termo inspiração significa “sopro” ou “alento penetrante”. A partir da observação do
vento – na natureza – o termo tem um aspecto vital e dinâmico.
Dois textos do NT se tornaram clássicos para a abordagem da inspiração: 2 Pd 1:20 refere-
se aos autores e 2 Tm 3:16 menciona as obras literárias.
Quando o NT cita o AT, emprega preferencialmente o termo “Escritura”. Isso mostra que a
obra literária recebe mais destaque do que o autor propriamente.
Com qual critério nós podemos discernir aquilo que é verdadeiramente inspirado por Deus?
Novamente contamos com o posicionamento esclarecedor de Tillich: “enquanto que a
possessão demoníaca destrói a estrutura racional da mente, o êxtase divino a preserva e eleva,
embora a transcenda. Possessão demoníaca destrói os princípios éticos e lógicos da razão; o êxtase
divino os afirma” (p. 101).
Esta conceituação nos permite tirar duas conclusões:
1. devemos examinar a procedência de uma inspiração e provar “os espíritos se
procedem de Deus (1 Jo 4:1). Tillich é enfático: “O demoníaco cega; não revela”
(p. 101).
2. Os escritores bíblicos tiveram sua estrutura racional preservada. A inspiração
divina não é produto da razão humana; a revelação transcende a razão. Os
escritores não foram anulados, mas participaram na redação como seres
integrados na história de seu povo.

Essa segunda conclusão inviabiliza a idéia de uma “inspiração verbal”, como se os


escritores apenas tivessem anotado palavras que lhes tivessem sido “ditadas”. Quando a “inspiração
é entendida como um ato mecânico de ditar”, então “a razão é invadida por um corpo estranho de
conhecimento com o qual não pode estar unida. Este corpo destruiria a estrutura racional da mente
se permanecesse dentro dela” (Tillich, p. 102). Ora, Deus não quer destruir a estrutura mental e
racional de seus colaboradores. Deus quer elevar e transcender a mente de seus enviados.
“O divino e o humano estão presentes: o divino eleva o humano, não o suprime. A vocação
eleva a personalidade do profeta, não a destrói; polariza a sua sensibilidade literária, exalta a sua
atividade literária. [...] Se no Antigo Testamento encontramos personalidades vigorosas, trata-se

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dos profetas. Porque a força interior do Espírito Santo é eficaz para despertar e sustentar grandes
personalidades” (Schökel, A Palavra Inspirada, p. 64).
A doutrina da inspiração verbal exclui a participação humana na redação do texto bíblico.
“É claro que não podemos conceber a inspiração como um ditado, pois ela não anula a
personalidade, muito pelo contrário” (Schökel, A Palavra Inspirada, p. 65).
Precisamos observar que os redatores dos textos bíblicos escreveram na condição de
“testemunhas” (At 1:8).
Na condição de testemunhas, os escritores do NT querem testemunhar a respeito de Jesus de
Nazaré – sua atuação libertadora junto ao povo, sua morte e ressurreição. Os escritores foram
atingidos por esses acontecimentos; seu ponto de referência é a manifestação de Deus ocorrida
numa existência histórica. Sob esse impacto, eles se tornam testemunhas.
Cabe a uma testemunha ser fiel ao ocorrido. Por isso, os escritos se tornaram fidedignos
para serem normativos para a fé da igreja. As testemunhas estavam transmitindo os acontecimentos
que envolveram a vida, a morte e a ressurreição de Jesus, portanto, eventos com um determinado
significado salvífico.
Os escritores do NT proclamam o agir de Deus em Jesus de Nazaré. E escrevem para
despertar a fé em seus leitores (Jo 20:31). É uma pregação que se torna Palavra de Deus. Dirigida
pelo Espírito Santo, a igreja constatou que essa pregação é um testemunho autêntico de Jesus
Cristo: a Palavra de Deus despertando a fé. A igreja passou a ver nesse testemunho um fundamento
para toda a sua pregação evangélica.
A fé é dinâmica e ela precisa se posicionar. Atribuir ao texto uma exatidão formal equivale
a não se envolver com o risco da fé. Nesse caso, a exatidão do texto nos desobrigaria de um
posicionamento pessoal perante Jesus Cristo (Mt 16:15). Afinal, o texto seria uma garantia por si
só.

Exatidão formal versus verdade do conteúdo.


Não devemos confundir uma exatidão formal com a verdade do conteúdo da Bíblia.
A idéia de inerrância da Escritura “na realidade supõe um estreitamente do horizonte da
verdade bíblica” e, na busca de precisão “o perigo começa quando alguém se deixa de tal modo
dominar por esse horizonte limitado que tenta reduzir a Sagrada Escritura a um catálogo de
proposições formais” (Schökel, A Palavra Inspirada, p. 213).
A verdade da Bíblia deve ser identificada com a fidelidade de Deus. Todas as promessas de
Deus se cumpriram em Jesus Cristo (2 Co 1:20). Deus foi fiel à aliança estabelecida com seu povo.
Portanto, é a fidelidade de Deus que garante a veracidade da Escritura.
Os adeptos da inerrância estão empenhados em defender a Bíblia. No entanto, a
complexidade da sociedade atual requer uma exegese que se empenhe para entender a Bíblia.
Afinal, a tarefa primordial e principal da teologia é interpretar a Sagrada Escritura.
Mesmo uma boa tradução da Bíblia pode apresentar dificuldades para um ensinamento
imediato.
O tema central da Sagrada Escritura é a manifestação de Deus em Jesus Cristo. Esse é o
centro da história da salvação.
Uma pretensa exatidão formal (ou inerrância) enfrenta dificuldades intransponíveis diante
de um exame mais aprofundado. Vejamos.
“Há por exemplo duas narrações do primeiro encontro de Davi com Saul, história esta que
deverá ter sido contada muito freqüentemente. É evidente que Davi se encontrou a primeira vez
com Saul uma só vez” (John L. McKenzie, Os grandes temas do Antigo Testamento, p. 77).
O confronto de 1 Sm 16:14-23 com 17:55-58 mostra que a historiografia hebraica respeitou
as diversas tradições que se formaram em torno de um acontecimento. Enquanto o pensamento
ocidental – com sua lógica obsessiva – procuraria suprimir um dos relatos, ou elaborar uma síntese
dos dois, o hebreu respeitou a ambos como testemunhos válidos e transmissores de uma mensagem.
Haviam se formado duas tradições em torno do primeiro encontro entre Saul e Davi, e ambas foram
respeitadas. “As histórias hebraicas são pois a coleção de fatos separados” (McKenzie, p. 77).
As narrativas sobre Saul e seu reinado são constituídas de tradições que provêm de Ramá,
de Mispa e de Gilgal; inclusive o confronto de 1 Sm 31 com 2 Sm 1 mostra a existência de duas

65
versões sobre a morte do rei. Também na “história da ascensão de Davi” (2 Sm 6-1 Rs 2) não
faltam duplicatas.
O mesmo respeito pelas tradições orais pode ser observado no NT, especialmente na
redação de Atos dos Apóstolos. A primeira parte da obra abrange os caps. 1-12, e contém poucas
indicações cronológicas. O estilo é semita e alguns pensamentos parecem arcaicos. Quando Lucas
narra os primórdios da igreja na Palestina, seu estilo é semitizante e duro, pois ele respeitou e
preservou as informações de origem aramaica. Lucas manteve o estilo arcaico e semitizante dos
discursos de Pedro (2:14-36 e 10:34-43) e de Estêvão (7:1-53). A segunda parte abrange os caps.
13-28 e se apresenta como um conjunto mais bem organizado. Quando Lucas utiliza suas notas de
viagem, ele escreve em excelente grego. O estilo passou do semita para o grego. São numerosos os
dados cronológicos. Por quatro vezes a narrativa passa da terceira pessoa do singular para a
primeira do plural: “nós”. Lucas certamente pesquisou em diversas fontes. O próprio Paulo deve ter
fornecido informações a Lucas, que organizou o material – muitas vezes difícil de combinar, como
os relatos da conversão: em 9:7, os homens que acompanhavam o apóstolo ouviram a voz, mas não
viram ninguém; em 22:9, os acompanhantes viram a luz, mas não escutaram a voz. Lucas respeitou
e preservou as diversas tradições. At 22:9 deve ser lido junto com o episódio narrado em Jo 12:28-
29. Neste caso, a ênfase é colocada na percepção do significado da voz. Lucas escreveu “depois de
acurada investigação de tudo desde sua origem” (1:3), e ainda assim ele inverteu o surgimento de
Teudas e Judas, o Galileu (At 5:36-37). Em verdade, Teudas atuou depois, no mandato do
procurador romano Cúspio Fado (44-46).
Lucas é o único evangelista a narrar o arrependimento e a conversão de um dos malfeitores
crucificados com Jesus. O texto em 23:40-43 é matéria exclusiva de Lucas, que se interessa por
cenas de conversão (7:36-50; 19:1-10; At 9; 10; 16:14-15.29-34). Marcos (15:32) e Mateus (27:44)
narram que ambos os ladrões insultavam Jesus. Lucas deve ter pesquisado uma outra tradição.
O acontecimento da torre de Babel se tornou famoso, pois “em toda a terra havia apenas
uma linguagem e uma só maneira de falar” (Gn 11:1). No entanto, no capítulo anterior é
mencionado que os descendentes de Javã se separaram “cada qual segundo a sua língua, segundo as
suas famílias, em suas nações” (Gn 10:5). Ora, a narrativa em torno da torre de Babel era uma
tradição isolada e foi deslocada na redação final, ou seja, a separação dos descendentes de Javã tem
o seu “lugar vivencial” depois do episódio da torre de Babel. O relato da torre de Babel foi
deslocado para estar junto à narrativa da vocação de Abraão, pois enquanto os construtores da torre
queriam engrandecer o seu nome (11:4), o obediente Abraão teve o seu nome engrandecido por
Deus (12:2). Essa é a intenção pedagógica da narrativa.
O relacionamento entre Davi e Jônatas também foi transmitido a partir de tradições
independentes. Em 1 Sm 19:1 é narrado que Saul comunicou a seu filho Jônatas e a seus oficiais a
sua intenção de matar Davi. “Então, Jônatas falou bem de Davi a Saul, seu pai” (v. 4). “Saul
atendeu à voz de Jônatas e jurou: Tão certo como vive o Senhor, ele não morrerá” (v. 6). No
entanto, no capítulo seguinte (1 Sm 20), Jônatas desconhece as intenções de seu pai, ressaltando:
“Meu pai não faz coisa alguma, nem grande nem pequena, sem primeiro me dizer, por que, pois,
meu pai me ocultaria isso?” (v. 2). Portanto, duas tradições independentes foram integradas na
narrativa, e o redator não se preocupou com a cronologia dos fatos.
“O AT, em lugar de esclarecer-nos a nossa idéia sobre o modo da inspiração, impôs-nos a
variedade e a flexibilidade” (Schökel, A Palavra Inspirada, p. 69).
Também as narrativas da ida de Abraão e Sara ao Egito (Gn 12:10-20) e a Gerar (20) estão
deslocadas. É importante lembrar que Abraão tinha “setenta e cinco anos quando saiu de Harã”
(12:4). Em 17:17 é informado que Sara tinha dez anos menos. O relato da ida ao Egito apresenta
Sara como “mulher de formosa aparência” (12:11). E a avaliação dos egípcios foi “que a mulher
era sobremaneira formosa” (12:14). Sara “foi levada para a casa de Faraó” (12:15).
Qual é a mensagem desta narrativa? “A terra de Canaã, que o Senhor acaba de prometer, é
uma terra hostil, que mata de fome ou expulsa seus habitantes. Em contrapartida, o Egito é rico e
acolhedor: terminará no Egito a peregrinação de Abrão? Pois bem, o Egito é a maior ameaça contra
a promessa de Deus, já que põe uma alternativa grave: ou a morte do protagonista ou a separação
da esposa. Terminará em Abrão a linha genealógica? Fome, perigo de morte e perda da mulher se
conjuram contra o plano de Deus logo que começa a peregrinação de Abrão. E não é a ação
humana – com toda a sua lógica, sua astúcia, seu bom senso – que solucionará o problema, mas

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Deus mesmo é que fará a história continuar, inclusive enriquecendo Abrão por meio da provação.
A descida de Abrão ao Egito prefigura de algum modo a futura de Israel, na construção narrativa
final” (Schökel, Bíblia do Peregrino).
O que podemos aprender de Gn 20, se a notícia anterior sobre Sara (18:14-15) nos informa
que ela tinha noventa anos e está grávida? Abimeleque mandou buscar Sara. Interpelado por Deus,
o rei cananeu alegou inocência. O delito ainda não havia se consumado. É a oportunidade de
Abraão atuar como profeta e intercessor. “Ao entrar como residente num país, atrai a intervenção
de seu Deus; ao permanecer, é canal de bênçãos” (Schökel, Bíblia do Peregrino). E novamente
Abraão recebe presentes, a título de reparação.
Essas narrativas nos mostram que a Bíblia está muito mais empenhada em nos transmitir
uma mensagem a partir de um acontecimento. A intenção primordial da Bíblia não é a cronologia
dos fatos, mas a transmissão de um ensinamento: apesar de todas as dificuldades, Deus conduz os
acontecimentos.
É importante esclarecer que a soma das idades apresentadas nas genealogias que constam na
Proto-história (Gn 1-11) não tem possibilitado um cálculo a respeito da idade do universo. Houve
diversas tentativas de somar as idades desses personagens bíblicos, para então assinalar a data da
criação. Observemos esta citação de Jean-Pierre Lentin: “Em 1654, o bispo irlandês James Ussher
publica o fruto de uma vida de trabalho e de erudição sobre os manuscritos bíblicos: a data da
criação do mundo, 26 de outubro de 4004 antes de Cristo, às 9 horas da manhã. Nem todo mundo
concorda. O astrônomo polonês Johannes Hevelius sustenta 24 de outubro de 3963 a. C., às 18
horas, Kepler dá 27 de abril de 4977 a.C.” (Penso, logo me engano, p. 36).
O objetivo das genealogias é inserir o povo de Israel (que tem início em Abraão) no
contexto de toda a humanidade. Além disso, a idade de Enoque (365 anos) é muito mais expressiva
que a de seu filho Metusalém, que viveu 969 anos e se tornou conhecido como o homem mais
idoso da humanidade. A idade de Enoque coincide com o número dos dias do calendário solar e
significa uma vida completa, pois teve em Deus um companheiro de caminhada e viveu em íntima
amizade com o Senhor. O coroamento dessa vida completa e integral foi que Deus “tomou
[Enoque] para si” (Gn 5:24).
O NT apresenta menos variedade que o AT.
Em sua pregação, antes de ser apedrejado, Estêvão “cheio do Espírito Santo” transmitiu que
Jacó foi ao Egito com “setenta e cinco pessoas” (At 7:14). Em Gn 46:27 lemos: “Todas as pessoas
da casa de Jacó, que vieram para o Egito, foram setenta”. Também Ex 1:5 menciona setenta
pessoas. Ora, Estêvão certamente leu a Septuaginta, a tradução grega do AT, que incluiu os dois
filhos de Efraim, os dois filhos de Manassés e o neto de Efraim. A Septuaginta se baseou numa
tradição, que considerava os netos e o bisneto de José integrantes dessa descendência de Jacó.
O evangelista Marcos cita em 1:2 o profeta Isaías. Mas a primeira parte da citação procede
do profeta Malaquias (3:1). Em 2:26, Marcos menciona que o sumo sacerdote Abiatar entregou os
pães consagrados a Davi. O nome correto do sacerdote é Aimeleque (1 Sm 21:1-6).
Estes dados mostram que não é a exatidão formal que deve nos preocupar. Aliás, os
adversários da fé cristã apontam justamente os problemas de exatidão formal no NT. Os detalhes
também mostram o quanto é insustentável a doutrina da inspiração verbal, ou de um mero ditado.
Devemos procurar e proclamar a verdade do conteúdo da Bíblia. Então nós nos convencemos (e
também ao nosso semelhante) de que a Bíblia quer transmitir a verdade que salva. A verdade do
conteúdo da Bíblia é um “tesouro em vasos de barro” (2 Co 4:7). O evangelho é só um (Gl 1:6-7).
“A Sagrada Escritura também nos fornece múltiplas informações sobre costumes e
concepções da época: casas de dois andares, com colunas para apoiar o piso anterior; moinho
manual movido por duas mulheres; a idéia de uma abóbada sólida no ‘firmamento’; as fundas
usadas pelos pastores; a idéia de depósitos de granizo existentes no céu etc. Essas informações não
constituem a verdade específica da Sagrada Escritura. Agostinho já o explicara, e o cardeal Barônio
(segundo testemunho de Galileu) assim o formulava: o Espírito Santo quis ensinar-nos como se vai
para o céu, e não como vai o céu” (Schökel, A Palavra Inspirada, p. 207).
O autor bíblico pode simplificar as verdades secundárias. O que importa é a verdade
específica e central da Sagrada Escritura. Os demais detalhes devem ficar subordinados a essa
verdade proclamada.

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O autor bíblico utiliza-se de narrativas e de personagens para transmitir uma reflexão sobre
o sentido da vida e o encontro com o sagrado.
“Na verdade, fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos
neste livro. Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e
para que, crendo, tenhais vida em seu nome” (João 20:30-31).
Este é o objetivo do evangelista João e também o objetivo de toda a Bíblia. O texto bíblico
tem por finalidade despertar a fé. O objetivo não é satisfazer a curiosidade por detalhes, mas
testemunhar que a vida abundante é alcançada mediante a fé em Jesus Cristo.

A inspiração no contexto da revelação.


A Bíblia comunica a manifestação de Deus, que aconteceu dentro de circunstâncias
históricas. Por esse motivo, a inspiração da Bíblia deve ser estudada juntamente com a revelação de
Deus. A “inspiração pertence ao contexto da revelação” (Schökel, A Palavra Inspirada, p. 40).
Encontramos principalmente no AT uma revelação progressiva de Deus (Ex 6:3). Na
medida em que Deus se revela, o ser humano elabora novas perguntas.
O texto bíblico aponta para além de si mesmo, para a revelação de Deus em Jesus Cristo.
Deus nos fala por meio de palavras humanas. E nós temos a incumbência de pensar, refletir e
estudar o texto que Deus nos legou. Nossa tarefa é entender a Palavra de Deus e interpretá-la para a
nossa realidade.
A Escritura Sagrada é um testemunho, que aponta para a revelação de Deus. É Deus quem
confere valor à Bíblia, não o contrário. Não é a exatidão formal da Bíblia que legitima e garante a
revelação de Deus.
“A referência à encarnação é em extremo importante: Deus não escolheu alguns elementos
mais dignos, mais espirituais, do homem para encarnar-se; pelo contrário, ele assumiu toda a
natureza humana concreta. Não é válido dizer que assumiu apenas a alma, encoberta por um corpo
fantástico e aparencial (docetismo); não é válido objetar que o corpo material e mortal é indigno de
Deus. Não glorificamos a Deus menosprezando os seus planos de salvação” (Schökel, A Palavra
Inspirada, p. 81).
A revelação de Deus provoca a nossa resposta, que é a fé. E a partir da nossa resposta, nós
nos identificamos com os relatos, os depoimentos e os testemunhos registrados na Bíblia.
O autor do texto bíblico resolveu escrever, porque Deus se manifestou a ele em revelação
autêntica. O autor sentiu o compromisso sagrado de escrever.

A tradição oral.
Uma vez que as diversas tradições são muito mais perceptíveis no AT, comecemos a
abordagem a partir do surgimento do Pentateuco.
A pesquisa histórico-traditiva constata que o Pentateuco foi composto a partir de tradições,
as quais eram narradas e repetidas nos santuários. Os estudos de G. von Rad a respeito do Credo
Histórico (Dt 26:5-9) tornaram-se fundamentais. A tradição do Sinai foi preservada nos santuários
de Siquém ou Jerusalém. Em Dã, os sacerdotes preservaram as tradições em torno de Moisés. A
tradição do Êxodo e a tradição da conquista da terra foram relembradas no santuário de Gilgal, o
principal santuário da tribo de Benjamim. Em Gilgal também aconteceu a renovação anual da
aliança que Josué celebrou com Javé após a conquista inicial da terra, quando os israelitas
atravessaram o Jordão (Js 4:1-10.20).
Nesse processo de transmissão das narrativas foram decisivas as festas nos santuários: festa
da colheita, festa do ano novo. As narrativas eram preservadas nos cultos. A repetição padronizou
as narrativas. As contínuas repetições padronizaram as histórias. Com as narrativas padronizadas,
os textos foram redigidos no âmbito dos santuários.
A memória popular chegou até nós em forma de perícope.
Uma perícope é um todo orgânico e lógico dentro da Escritura Sagrada. “Perícope é uma
unidade completa de sentido, sentido menor dentro de um escrito mais amplo” (Schökel, Bíblia do
Peregrino).
A perícope forma a base do Pentateuco. Sendo a perícope a base do Pentateuco, isso
significa que a memória popular determinou a configuração desses cinco livros do AT. A perícope

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é a preservação da memória popular. Isso não aconteceu apenas com o Pentateuco, mas os
complexos literários da Bíblia são determinados pela perícope.
Torna-se necessário entender a origem da perícope. Ela é a base de toda a literatura bíblica
em geral.
Quando as narrativas populares estavam padronizadas pela constante repetição, elas foram
redigidas “em suas formas originais”, sem a necessidade de reelaborá-las, harmonizá-las ou retocá-
las “na linguagem mais característica dos templos ou outras instâncias nacionais, em função das
quais talvez existissem” (M. Schwantes, Interpretação de Gn 12-25, no contexto da elaboração de
uma hermenêutica do Pentateuco).
“A unidade literária menor provém dos pequenos organismos sociais, das microestruturas,
das quais, no antigo Israel, a família ou o clã são as mais dinâmicas. O clã agrário sabidamente foi a
microestrutra elementar na vida do povo. Pode-se, pois afirmar que o clã é o lugar vivencial
preferencial da perícope. Em outros termos: a perícope é memória popular” (Milton Schwantes).
Nesse processo, constata-se “a força do clã e a penetração das manifestações culturais
populares”, observa Schwantes.
Deparamo-nos, portanto, com a “memória popular em forma de perícope”. É a dinâmica da
recitação contínua que foi preservada.
Portanto, a base mais elementar do Pentateuco e da redação do texto bíblico é a perícope.
“Portanto, para compreender o surgimento dos textos a nível de escrita, será prioritário
compreender seu surgimento, sua transmissão e seu impacto social a nível de recitação oral e de
memória popular” (M. Schwantes).
Nesta abordagem, torna-se muito apropriada a seguinte constatação de Martin Noth:
“Só quem percebeu sob que condições essas tradições surgiram e o que visam pode
responder à pergunta inevitável: por que da abundância de acontecimentos selecionaram o que
contam e por que o contam justamente da maneira como o fazem; e só então pode também discernir
sobre o que podemos ou não esperar dessas informações e que peso devemos atribuir àquilo que
dizem e àquilo que omitem” (M. Noth, Geschichte Israels, p. 49).
Durante muitos anos, os apóstolos se dedicaram à transmissão oral do Evangelho. Eles
pregaram a Palavra de Deus. O Espírito de Deus estava atuando nos apóstolos, também antes da
redação do texto.
A tradição oral antecede boa parte dos textos do AT e do NT. Os profetas e os apóstolos
atuaram sob o impulso do Espírito, antes de escreverem. Em Tessalônica, a pregação de Paulo foi
recebida como Palavra de Deus (1 Ts 2:13). “A palavra do pregador do evangelho é palavra
humana, pronunciada por Paulo; mas é também ‘palavra de Deus’ e, como tal, ativa por si, e não só
pelos recursos humanos de persuasão. A denominação ‘palavra de Deus’ aplica-se no AT sobretudo
à palavra profética, normalmente como ‘palavra de Yhwh’. O texto se refere ao evangelho
anunciado oralmente; não exclui a aplicação à sua versão escrita” (Schökel, Bíblia do Peregrino).
A atividade literária de Paulo teve início com a primeira carta aos tessalonicenses. “Paulo
faz ressoar e escutar a sua palavra, e essa palavra é de Deus; Deus fala por Paulo. Os cristãos
aceitam essa pregação; sabendo que é palavra de Deus, não a recebem como palavra puramente
humana, mas em toda a sua realidade, que a fé descobre e assimila” (Schökel, A Palavra Inspirada,
p. 237).
No Sl 102:15-18 fica evidente o valor da escrita: preservar o testemunho para a geração
futura.
Em diversas ocasiões, o NT emprega o termo “falar”, quando se poderia esperar o verbo
“escrever” (Hb 1; 2 Pd 1:21; Lc 1:70; At 3:21; 8:25; 28:25; Rm 3:19; Hb 7:14; Tg 5:10). A
inspiração não se restringe ao ato de escrever. A transmissão oral também foi inspirada por Deus.

Palavra de Deus e linguagem.


Deus está atuando no ser humano, pois este pergunta pelo Absoluto. A partir dessa presença
de Deus no ser humano, o falar de Deus pode ser percebido pelo homem.
“A mente pensante raciocina em palavras” (Tillich, p. 482).
Os pronunciamentos dos profetas inspirados por Deus foram articulados na linguagem de
seu contexto cultural. “Quando Deus falou aos profetas, ele não lhes deu novas palavras ou novos

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fatos, mas colocou os fatos conhecidos por eles à luz de um sentido último e os instruiu a falar a
partir dessa situação na linguagem que eles conheciam” (Tillich, p. 482).
O decisivo é que os acontecimentos foram avaliados “à luz de um sentido último”. Os
homens inspirados por Deus “são dirigidos na direção do que é último” (Tillich, p. 482).
Mas para falar do Infinito, o ser humano só pode se expressar em categorias finitas.
Para se comunicar conosco, Deus desceu à nossa condição humana.
A Palavra de Deus é uma realidade que nos transmite o mistério da revelação divina.
“A palavra é a forma plena de comunicação humana, e Deus escolheu também, e sobretudo,
essa forma de comunicar-se, de revelar-se” (Schökel, p. 31).
Para falar conosco, Deus só pode fazê-lo empregando palavras humanas. A comunicação
interpessoal se realiza por meio da palavra.
Deus empregou palavras humanas – em hebraico, grego e partes em aramaico – para se
comunicar conosco. E Deus chamou seres humanos – como os profetas e os apóstolos – para
testemunharem sua revelação. Deus decidiu falar por meio deles.
“Se o hebraico bíblico é paupérrimo em adjetivos, modesto em vocabulário, simples em
estrutura sintática, possui, em compensação, uma conjugação diferenciada, chegando a atingir, nas
mãos dos seus bons poetas, um vigor elementar” (Schökel, A Palavra Inspirada, p. 118).
O hebraico não se preocupa tanto com os refinamentos, pois sua riqueza está na força da
expressão.
No AT, o profeta é “a boca de Deus” (Is 30:2; Jr 15:19).
O profeta Jeremias experimenta a Palavra de Deus dentro de si (Jr 20:7-9). A Palavra é
como um vulcão a entrar em erupção.
A Palavra do Senhor sobrevém com força. “Essa força não tira a liberdade do profeta, pois
Jeremias decidiu calar-se; mas é uma força interior e eficaz. A liberdade do profeta é
expressamente formulada por Ezequiel: o profeta é como uma sentinela que deve gritar ‘perigo’; se
gritar, não será responsável pela vida dos que não se protegem; se não gritar, será responsável por
ela (33,1-9)”, constata Schökel, A Palavra Inspirada, p. 62.
Rejeitar a palavra do profeta equivale a rejeitar a Palavra de Deus (Ez 3:7 e Jr 7:25).
Os autores bíblicos foram movidos pelo Espírito de Deus, assim como um barco a vela é
impulsionado pelo vento.
Em Hb 1:1 é formulado com clareza o processo de comunicação de Deus.
“No NT, ocorre algo novo e definitivo: depois de muitas palavras, ressoa a Palavra. Uma
Palavra audível, visível, palpável: Hb 1,1. Essa Palavra é a verdadeira razão de todas as anteriores,
a soma de todas (verbum abbreviatum), a explicação. É a Palavra total e definitiva, enviada a todos
os homens, como uma luz verdadeira. Para chegar a todos os homens, essa Palavra, que é Jesus
Cristo, deve continuar ressoando, presente e viva em todas as gerações” (Schökel, A Palavra
Inspirada, p. 69).
Hoje nós dispomos da obra literária dos antigos para termos acesso à Palavra de Deus. No
desenrolar da história, Deus é o protagonista.
“A palavra de Deus, ao encarnar-se em palavra humana, deve necessariamente assumir uma
língua concreta, porque só em línguas concretas se realiza a radical capacidade humana da
linguagem. A língua concreta é o ponto de inserção da transcendência no tempo, da mensagem
divina na linguagem humana. E depende de uma eleição positiva de Deus. Historicamente, sabemos
que as línguas escolhidas são o hebraico, o grego e, em pequena escala, o aramaico” (Schökel, A
Palavra Inspirada, p. 86).
Para se comunicar conosco, Deus assumiu a linguagem humana, pois seu objetivo é uma
revelação pessoal.
“Deus quis encarnar a sua Palavra em palavras humanas: portanto, em alguma língua
humana concreta. Ele não usou uma língua celestial, angélica – que não existe –, nem criou uma
língua exclusiva e obrigatória para todos” (Schökel, A Palavra Inspirada, p. 183).
Barth acentuou muito bem que o hebraico e o grego não são em si línguas sagradas. Mas
Deus decidiu se comunicar conosco utilizando-se desses idiomas. Podemos acrescentar que Deus
também se valeu de pequenos textos em aramaico (Dn 2:4b - 7:28; Ed 4:8 – 6:18; 7:12-26 e Jr
10:11).

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“Os apóstolos não desconheciam inteiramente o hebraico e falavam o aramaico. Mas,
quando começaram a pregar aos gentios – então de cultura e língua grega – e passaram a escrever,
utilizaram o Antigo Testamento na tradução grega chamada dos LXX” (Schökel, A Palavra
Inspirada. P. 185).
Assim como a linguagem humana emprega palavras, também Deus se comunica mediante
sua Palavra. “Nossa expressão tem lugar através de palavras; a de Deus se dá, em última instância e
de modo final, na pessoa e na história de seu Filho” (Brunner, Revelação e Razão).
Nossas palavras são apenas sinais. No entanto, a “Palavra de Deus é o significado real; ele
mesmo é a comunicação e o que é comunicado ao mesmo tempo”, constata Emil Brunner. É Deus
mesmo quem se comunica.
Os apóstolos nunca pretenderam que seus escritos fossem considerados um ditado feito por
Deus. Os escritos bíblicos surgiram nas suas circunstâncias históricas. Os escritos foram inspirados,
assim como o modo de falar e de agir dos apóstolos também foi. E sob a condução do Espírito
continua surgindo existência cristã, notadamente a nova vida em Cristo.
“A Bíblia é a Palavra de Deus porque nela, tanto quanto apraz a Deus, Deus mesmo torna
conhecido o mistério de sua vontade, do propósito salvífico em Jesus Cristo”.
“A missão do Filho é uma coisa; a iluminação dos apóstolos – para receberem o significado
do mistério do Filho – é outra coisa”, prossegue Brunner.
Deus se revelou em seu Filho. Mas, foram os apóstolos que nos transmitiram o testemunho
a respeito dessa revelação. Eles foram iluminados para transmitir esse testemunho. “Sem o
testemunho dos apóstolos não poderíamos conhecer Jesus como o Cristo” (Brunner, Revelação e
Razão).
O relato dos apóstolos precisava ser mais do que “historicamente fiel”. As testemunhas
oculares também nos legaram um “testemunho de fé acerca da ressurreição de Cristo”. O próprio
Deus nos fala por intermédio da palavra dos apóstolos.
O mesmo critério vale para os relatos do Antigo Testamento. O testemunho dos cronistas
faz com que esses relatos se tornem história da salvação. Os profetas analisaram e interpretaram os
acontecimentos como sendo a história de Deus com o seu povo e com a humanidade.
“Assim, a Bíblia não é apenas um documento histórico da revelação, mas é, ela mesma, o
produto da revelação divina”, enfatiza Brunner.
Devemos sempre estar atentos para a importância da palavra pronunciada.
“Embora devamos corrigir o seu aspecto demasiado material, há algo nessa concepção que
merece ser mantido e adaptado. Que é a palavra? Não é o mesmo ar que respiramos e expiramos
com o ritmo dos pulmões? Podemos deixá-lo sair sem esforço consciente, podemos concentrá-lo ou
abreviá-lo em sopro que move e dissipa. [...] Podemos enriquecer a vida espiritual do outro com a
nossa, por meio da palavra. Falar com o outro é quase uma respiração do nosso espírito” (Schökel,
A Palavra Inspirada, p. 254).
Certamente é por isso que o falar humano também se reveste de importância e
responsabilidade, sobretudo em Provérbios e na carta de Tiago.

A ação do Espírito.
É no contexto da atuação do Espírito – poderoso e livre – que devemos entender a
inspiração dos textos bíblicos.
A presença da Escritura Sagrada em nosso meio equivale a perceber a atuação do Espírito.
“A ação do Espírito não pode ser um ditado, e tampouco ser mecânica”, salienta Schökel. E
prossegue: “Se alguém está próximo da palavra imediata de Deus, se alguém pode ser receptivo e
repetidor, esse alguém será o profeta. Contudo, este último, com as suas palavras e a sua obra, com
a tensão entre fórmulas e trabalho literário, mostra que a inspiração é uma ação profunda, interior,
maravilhosa” (Schökel, A Palavra Inspirada, p. 63).
Observemos o Eclesiastes. O autor investiga o que se faz sob o céu (1:13), pensa (1:16),
alcança sabedoria (1:17), observa as tarefas que Deus deu aos homens (3:10), observa as opressões
que se cometem debaixo do sol (4:1), indaga (7:25), reflete (9:1).
“Ele nunca proclama ter recebido a palavra de Deus, nunca pretende pronunciar oráculos;
trata-se sempre do seu olhar, da sua indagação, da sua reflexão; sempre uma primeira pessoa, que

71
não se mostra pesada para nós, porque não é auto-suficiente, mas desiludida e resignada” (Schökel,
A Palavra Inspirada, p. 64).
No entanto, a leitura de Eclesiastes nos faz perceber a ação do Espírito nessas reflexões
sempre atuais, especialmente em períodos de transição.
“Devemos conceber a inspiração de modo flexível” (Schökel, A Palavra Inspirada, p. 66).
Quando lemos os textos de Paulo, estamos lendo a Palavra de Deus, mesmo quando ele não
se atém aos pronunciamentos literais de Jesus (At 20:35; 1 Co 7:12). Pois, o NT é “um livro
inspirado pelo Espírito de Cristo” (Schökel, A Palavra Inspirada, p. 73).
O envio do Espírito “permite que os apóstolos se lembrem e compreendam o que antes não
tinham compreendido. O Inspirador mobiliza em profundidade a memória e a inteligência”
(Schökel, A Palavra Inspirada, p. 74).
Os vocábulos empregados pelos evangelistas contêm um significado teológico.
“Quem estudar um pouco os procedimentos de redação dos evangelhos avaliará o seu
trabalho lúcido e meticuloso. Os evangelistas compuseram os seus livros divinos com o suor do seu
rosto e com o sopro do Espírito” (Schökel, A Palavra Inspirada, p. 75).
A Bíblia é uma obra divino-humana.
“Para falar-nos, Deus assume a linguagem humana, total e concreta” (Schökel, A Palavra
Inspirada, p. 81).
Assim como Jesus “se esvaziou” (Fl 2:7), também Deus desceu para a condição da palavra
humana. Deus assumiu a nossa condição humana; ele também assumiu a nossa linguagem humana,
que se torna Palavra de Deus.
“Desconhecer a Escritura é desconhecer a Cristo” (Jerônimo).
A Bíblia mostra Deus agindo sobre o ser humano. Também mostra o ser humano
respondendo a Deus. A Bíblia nos revela Deus e também nos ilumina para elaborarmos uma
resposta.
Jesus ensinou, expulsou demônios, curou e ficou comovido com a situação das pessoas (Lc
7:13). Sua compaixão nos inspira a sermos misericordiosos (Lc 6:36).
Não nos cabe controlar ou limitar a ação do Espírito.
“Os livros bíblicos cresceram organicamente com a vida do povo, e o Espírito Santo não
ficou indiferente a esse crescimento; pelo contrário, ele próprio o moveu com o seu sopro
misterioso e eficaz” (Schökel, A Palavra Inspirada, p. 139).
A manifestação de Deus em Cristo fez com que no NT ocorresse uma transposição do AT.
Todo o AT “é levado à sua plenitude de sentido, que ele ainda não atingira” (Schökel, A Palavra
Inspirada, p. 140).
O sentido anterior não é negado; ele é completado. E todo o AT torna-se evangelho.
Assim como nós podemos chegar a Deus por intermédio da Bíblia, também ele quer chegar
a nós para transmitir a sua vontade.
A verdade central da Sagrada Escritura é o testemunho a respeito do Deus pessoal que desce
até nós para conviver conosco. E aquelas pessoas, que acolhem essa descida de Deus experimentam
uma nova vida, transformada pela ação do Espírito.
A Escritura Sagrada também nos revela quem somos diante de Deus (Sl 50:21). “Não é o
correto pensamento humano sobre Deus que forma o conteúdo da Bíblia, mas o correto pensamento
divino sobre os homens” (Karl Barth, A Palavra de Deus e a palavra do homem, p. 34). A Palavra
de Deus é penetrante e julga os nossos sentimentos e pensamentos. Em Hb 4:12 é abordada a
eficácia da Palavra de Deus, que é viva, enérgica e penetrante.
Jesus Cristo é a verdade (Jo 14:6). O AT testemunhou a respeito da salvação (Rm 3:21). Os
apóstolos deram prosseguimento ao testemunho (Jo 19:35 e 1 Jo 4:14).
Jesus se aproximou dos discípulos de Emaús “enquanto conversavam e discutiam” (Lc
24:15). Isto significa que a verdade também deve ser buscada no diálogo.
A Escritura Sagrada quer dialogar conosco e, por isso, ela permanece continuamente aberta.
A igreja não deve afastar-se da Escritura Sagrada. Por intermédio da Bíblia, o próprio Deus
quer estar presente com sua autoridade. A igreja de Jesus Cristo é a receptora da revelação. “Todas
as religiões e culturas fora da igreja, conforme julgamento cristão, ainda estão em período de
preparação (Tillich, p. 124). Isso implica uma vigilância permanente. “Contudo, a igreja cristã está

72
baseada na revelação final e deve recebê-la num processo contínuo de recepção, interpretação e
atualização” (Tillich, p. 124).
Ao se dirigir às lideranças da igreja em Éfeso (At 20:18-32), Paulo confia os dirigentes a
Deus e à Palavra de Deus.

“O Espírito é vento = anemos = anima = alma. Sem ele, a Igreja e seus membros
expirariam, desfaleceriam. É ele quem alenta os desalentados, anima os desanimados (os que
carecem dele por inteiro são desalmados). Com ele respiramos e por ele suspiramos” (Schökel, A
Palavra Inspirada, p. 253).
O profeta proclama a vontade de Deus e também prevê o futuro. A previsão do futuro
acontece mediante a força da Palavra divina.
Na criação, Deus convoca à existência. Estabelecendo distinção e ordem, a Palavra de Deus
está carregada de poder criador. E as criaturas ocupam o seu lugar no universo. Nem o caos pode se
opor ao plano do Criador. A Palavra de Deus é dinâmica, atuando na criação, na história e na
redenção da humanidade.
Paulo está encarcerado como um malfeitor, mas a Palavra não está algemada (2 Tm 2:8-9).
A Palavra de Deus ocasiona o nascimento espiritual (1 Pd 1:22-25). “Deus vive e transmite
a sua vida, vive para sempre e pode oferecer uma vida perdurável. Ele o faz por intermédio da
Palavra, que, como Ele, permanece para sempre. A palavra de Deus é o AT, que, como palavra de
Deus, não terminou, mas continua e se realiza plenamente na palavra do evangelho” (Schökel, A
Palavra Inspirada, p. 237).
A Palavra de Deus é criadora e também santifica as obras da criação (1 Tm 4:4).
“Dizemos ‘palavra inspirada’ e poderíamos cruzar significados e funções dizendo ‘espírito
palavreado’. ‘Palavra’ remete-nos ao Logos, ‘in-spirada’, ao Pneuma. Jesus Cristo, que é a palavra
e possui a plenitude do Espírito, volta a tornar-se palavra inspirada, portadora do Espírito”
(Schökel, A Palavra Inspirada, p. 253).
O Espírito Santo esteve presente na redação do texto bíblico. O mesmo Espírito quer estar
presente na leitura e na interpretação do texto. Devemos sempre nos subordinar ao agir do Espírito,
para estarmos livres da tentação de querer controlar a revelação de Deus e de reduzir a Palavra de
Deus ao nosso raciocínio. Não devemos limitar a Palavra de Deus.
Podemos ouvir Deus nos falando por intermédio da Sagrada Escritura. Somos interpelados
pela Palavra de Deus. Cristo está presente em sua Palavra e ao mesmo tempo a transcende.

A partir de Abraão teve início a experiência do povo chamado por Deus. A história do povo
de Deus é idêntica à de tantos outros povos. O povo viveu sob a condução de Deus. No entanto, o
povo caía e levantava. Havia também lideranças que não conduziam o povo de acordo com a
vontade de Deus. Surgiam então os profetas, para proclamar um retorno a Deus. Os profetas
anunciavam que Deus se manifestará definitivamente no Messias. Deus enviará o Emanuel para
estabelecer o seu Reino. Com quedas e reinícios, o povo de Israel continuou sendo chamado e
eleito por Deus.
As celebrações do povo nos santuários foram fundamentais para o surgimento da Escritura
Sagrada. As recitações passaram a ser redigidas.
A Bíblia é a Palavra de Deus, pois tem ela traz em si um poder transformador. Antes de nós,
muitas vidas já foram transformadas a partir da leitura da Escritura Sagrada.
A Bíblia surgiu a partir da inspiração de Deus e da experiência humana com a manifestação
divina. Deus quer restaurar a vida das pessoas. E seres humanos querem vivenciar a vontade do
Criador. São dois interesses que se aproximam.
A Palavra de Deus deu início ao “mutirão” que resultou na Bíblia (C. Mesters).
Tanto o falar quanto o escrever se tornaram importantes na transmissão da mensagem da
salvação. Exortando pessoas a procurarem a vontade divina, “homens falaram da parte de Deus,
movidos pelo Espírito Santo” (2 Pd 1:21).
A ação do Espírito não pode ser controlada; ela é idêntica ao vento e é muitas vezes
imperceptível. O Espírito atuou na redação do texto bíblico e continua atuando hoje por ocasião da
leitura desse texto.

73
Antes de ser fixada por escrito, a Palavra de Deus já provocava transformação. A repetição
mostrava o poder transformador da Palavra.
O ser humano traz em si a noção do Infinito e quer se transcender para uma comunhão com
o Absoluto. Mas, o Infinito só pode ser expresso em palavras finitas. Somos seres limitados e nossa
comunicação também é limitada. Para se comunicar conosco, Deus escolheu o modo como
podemos entendê-lo: utilizou-se de palavras humanas. O Criador do universo vem a nós na maneira
em que podemos compreendê-lo. Sua manifestação e sua vontade estão expressas e são acessíveis a
quem busca uma vida em comunhão com o Criador. Para esse empreendimento, Deus utilizou
pessoas como nós.
E a mensagem singela se torna Palavra de Deus.

A FORMAÇÃO DO CÂNON DO AT
O cristianismo é considerado uma “religião do livro”. Sua base e fundamentação de fé é a
Bíblia, constituída de Antigo e Novo Testamento.
A fé cristã se fundamenta na Bíblia, mas isto não significa que ela esteja baseada
simplesmente em textos. Ela se ocupa com feitos históricos, que têm o caráter da revelação de Deus
para a humanidade. Esses feitos históricos foram transmitidos e interpretados oralmente, sendo
então fixados por escrito.
O caráter sagrado da Bíblia consiste no fato de ela testemunhar e difundir a ação, a
mensagem e a Palavra de Deus.
A teologia protestante considera que o único acesso à revelação de Deus acontece através do
livro inspirado, normativo e sagrado. A Bíblia dá testemunho da revelação de Deus na História e
transmite sua Palavra.
O termo cânon significa medida, norma, regra, critério; e também lista, seleção. O termo
provém do grego kanôn, que por sua vez procede de uma raiz semita. que significa cana de medir,
regra, medida.
Portanto, o cânon é a lista oficial dos livros que compõem a Bíblia.
O cânon bíblico é a coleção normativa de escritos sagrados. E essa coleção se tornou a
regra, a medida e a norma da fé cristã.

Como escrito sagrado, a Bíblia tem a sua origem na livre vontade de Deus, que sempre quis
se revelar à humanidade. Hebreus 1:1-2 salienta que Deus tomou a iniciativa de se comunicar:
inicialmente, através dos profetas; no período final, através do Filho, o herdeiro de tudo. O objetivo
de Deus é dar-se a conhecer a si mesmo.
Seu primeiro instrumento de revelação foi o povo de Israel. Dentro da história e do contexto
cultural do povo de Israel, aconteceu a revelação definitiva de Deus: através de Jesus Cristo.
O objetivo da Sagrada Escritura é relatar, interpretar e comunicar a revelação de Deus. A
Bíblia dá testemunho da revelação de Deus, e é também portadora da mesma.

O cânon bíblico se torna necessário, porque a revelação de Deus é histórica. Aquilo que
Deus comunicou em determinados lugares e tempos, para determinadas pessoas, isto deve ser
transmitido fielmente, pois adquire significado para todos os tempos e para toda a humanidade.
Para que as realizações e as palavras de Deus sejam fielmente transmitidas, elas precisam estar
fixadas por escrito.

Como se formou o cânon do Antigo Testamento?

74
A Bíblia Hebraica tornou-se Escritura Sagrada em três etapas.
Primeiro formou-se a Lei (Torah): o Pentateuco.
Em seguida, foram reunidos os Profetas.
Finalmente, foram compilados os Escritos.

Constatamos que o cânon do Antigo Testamento surgiu gradativamente.


De início, foram formados blocos separados. O Decálogo (Ex 20:1-17), o Livro da Aliança
(Ex 20:22-23:19) e as Confissões de Fé a respeito da conquista da terra, certamente foram os
primeiros blocos a terem reconhecimento canônico. Juntamente com sua proclamação verbal, os
mandamentos foram fixados por escrito. Trata-se de uma realização importante para a compreensão
da Bíblia. Ao mencionar a fixação escrita dos mandamentos divinos, Ex 24:4-12 aponta para
Moisés e para o próprio Deus.
Esse processo continuou com Josué, Samuel e os profetas. Eles receberam as revelações de
Deus, e as fixaram por escrito. Vários profetas mencionam que Deus mesmo ordenou que suas
instruções fossem redigidas.
A idéia de um livro sagrado sempre esteve presente na história de Israel.
No ano 621 aC aconteceu uma profunda reforma religiosa em Jerusalém e em todo país. Em
2 Rs 22 é relatado que o sumo sacerdote Hilquias descobriu no templo o “Livro da Lei”. O rei
Josias acatou a autoridade do livro, e imediatamente aplicou suas ordenanças e mandamentos. O
livro encontrado era o Deuteronômio, pois somente esse escrito merece o duplo título de “Livro da
Lei” (2 Rs 22:8) e “Livro da Aliança” (23:2).
Na época de Esdras, a Lei (Torah) passou a ter valor canônico.
No ano 444 aC, Esdras havia estabelecido uma lista de livros do Antigo Testamento.
Quando Esdras reorganizou a comunidade pós-exílica, seu programa estava baseado em uma lei
divina, como observamos em Ed 7:14. Certamente tratava-se da Torah (o Pentateuco).

Em seguida, formou-se o corpo dos pronunciamentos e dos registros dos Profetas.


A Bíblia Hebraica contém os profetas anteriores e os profetas posteriores.
Os profetas anteriores são os livros de Josué, Juízes e Reis.
[Na Bíblia cristã, estes livros são denominados de “históricos”.]
Os profetas posteriores são os livros proféticos propriamente ditos, desde Isaías até
Malaquias.
A formação desta coletânea obedeceu a um longo processo, que durou até o século III aC.
Até o ano 200 os livros proféticos - de Josué a Malaquias - foram aceitos.

A partir do ano 200 aC, existia uma coleção de textos conhecidos por Escritos.
Eram textos poéticos, sapienciais e históricos: Salmos, Jó, Provérbios, Rute, Cantares,
Eclesiastes, Lamentaões, Ester, Daniel, Esdras, Neemias e Crônicas.

Portanto, o judaísmo do século II aC adotava um cânon tripartido: a Lei, os Profetas e os


Escritos.
A parte mais estimada era a Lei, vindo a seguir os Profetas e, por fim, os Escritos.
Estes livros adquiriram seu valor sagrado através do seu uso religioso e do seu caráter
litúrgico. Os livros de Ester, Cantares e Eclesiastes demoraram um pouco mais para serem
considerados canônicos.
Na medida em que o texto sagrado adquiria importância, procurou-se delimitar o período da
inspiração divina. Estabeleceu-se então que a época entre Moisés (1200) e Esdras (458 aC) fosse
considerada o “período inspirado”. Todos os livros escritos nessa época estariam dentro do período
inspirado. Era o período da profecia genuína. Supunha-se que o livro de Daniel tivesse sido escrito
dentro dessa época. A segunda metade do livro (7-12) deve ter sido escrita no período de Antíoco
Epífanes, ou seja, entre 167 e 164 aC.
A lista definitiva dos livros do Antigo Testamento foi fixada no Sínodo de Jâmnia, no ano
90, quando a comunidade judaica de Jâmnia adotou como canônico o texto da Bíblia Hebraica.

A Bíblia Hebraica agrupa os livros de modo diferente do que a Bíblia Cristã.

75
Desde o século III aC havia se formado uma população judaica que falava grego em torno
do Mar Mediterrâneo. A diáspora (dispersão) judaica usava sua própria versão grega do Antigo
Testamento. Havia, então, o AT hebraico da Palestina e o AT grego do Egito.
A versão grega do Antigo Testamento é chamada de Septuaginta. É a versão dos Setenta
(também conhecia pela abreviatura LXX). Essa versão surgiu em Alexandria, por volta de 250 aC.
Ela contém mais livros que a Bíblia Hebraica.
A Septuaginta acolheu diversos livros que o judaísmo oficial rejeitou mais tarde. Os livros
são: Tobias, Judite, 1 e 2 Macabeus, Baruque, Sabedoria, Eclesiástico, e partes de Daniel e Ester.
A Septuaginta veio a ser considerada um segundo cânone, em idioma grego. Por isto, os
livros agregados recebem o nome de Deuterocanônicos.
Na época de Jesus, a maior parte dos judeus que falavam grego, tanto na diáspora como em
seu próprio país, usavam a Septuaginta.
Os primeiros cristãos eram de origem judaica. Isto significa que a Septuaginta veio a ser a
primeira Bíblia cristã. Quando os autores do NT fazem citações do AT, eles empregam a
Septuaginta.
Em sua missão fora da Palestina, os apóstolos empregaram a tradução grega do Antigo
Testamento - a Tradução dos Setenta (Septuaginta).
O cânon de Alexandria em idioma grego passou a ser a versão do Antigo Testamento da
Igreja Católica Romana. Os livros adicionais foram reconhecidos pela Igreja Católica Romana,
sendo designados de Deuterocanônicos.
A Reforma Protestante do século XVI adotou a Bíblia Hebraica. Os Reformadores
redescobriram a importância do cânone hebraico. Muitos séculos antes, quando Jerônimo elaborou
uma versão latina da Bíblia, ele já havia insistido na importância da Bíblia Hebraica.
Quando Lutero traduziu a Bíblia para o alemão, ele anexou um corpo com os livros
agregados à Septuaginta. Considerou esses livros úteis para a leitura e para a espiritualidade, mas
não lhes atribuiu o mesmo reconhecimento que é conferido aos livros inspirados da Bíblia
Hebraica. “Estes são livros que são úteis e bons para ler, porém não são inspirados pelo Espírito
Santo”, declarou Lutero. A partir do século XIX, também os protestantes têm retirado os livros
Deuterocanônicos de suas edições. A partir de então, as igrejas protestantes aceitam como
canônicos somente os 39 livros do Antigo Testamento hebraico.
Portanto, é no Antigo Testamento que se verifica a diferença entre uma Bíblia adotada na
Igreja Católica Romana e uma Bíblia adotada nas igrejas protestantes. A diferença está na
quantidade de livros e na ordem dos mesmos.

Os apócrifos do Antigo Testamento.


São livros de conteúdo apocalíptico, que receberam alguma acolhida em seitas orientais, isto é,
grupos cópticos, etíopes e armênios. Os apócrifos são:
- Carta de Aristeas.
- Livro dos jubileus.
- Oráculos Sibilinos.
- 3 e 4 Macabeus.
- Martírio e Ascensão de Isaías.
- Odes de Salomão.
- Enoque Eslavo.
- 2 Enoque.
- Testamento dos 12 Patriarcas.
- Vida de Adão e Eva.
- Ascensão de Moisés.
Estes apócrifos foram escritos em hebraico, aramaico e grego. Eles surgiram entre o ano 200 aC e o
início da era cristã.

76
CÂNON JUDAICO CÂNON ALEXANDRINO

TORÁ (Lei) PENTATEUCO


Gênesis Gênesis
Êxodo Êxodo
Levítico Levítico
Números Números
Deuteronômio Deuteronômio

PROFETAS (Anteriores) LIVROS HISTÓRICOS


Josué Josué
Juízes Juízes
1 e 2 Samuel Rute
1 e 2 Reis 1 e 2 Samuel
1 e 2 Reis
PROFETAS (Posteriores) 1 e 2 Crônicas
Isaías Esdras-Neemias
Jeremias Ester
Ezequiel Judite
Tobias
Os 12 Profetas Menores 1 e 2 Macabeus
Oséias
Joel LIVROS DE SABEDORIA
Amós Salmos
Obadias Provérbios
Jonas Eclesiastes
Miquéias Cântico de Salomão
Naum Jó
Habacuque Sabedoria
Sofonias Eclesiástico (Sirácida)
Ageu
Zacarias PROFETAS (Maiores)
Malaquias Isaías
Jeremias
ESCRITOS Baruque
Salmos Lamentações
Jó Ezequiel
Provérbios Daniel
Rute
Cântico dos Cânticos PROFETAS (Menores)
Eclesiastes Oséias
Lamentações Amós
Ester Miquéias
Daniel Joel
Esdras-Neemias Obadias
1 e 2 Crônicas Jonas
Naum
Habacuque
Sofonias
Ageu
Zacarias
Malaquias

77
O CÂNON DO NOVO TESTAMENTO
O cânon do Novo Testamento designa a lista oficial dos livros normativos para a vida e a fé
dos cristãos.
Os primeiros cristãos adotaram duas instâncias como base para sua vida de fé: o Antigo
Testamento e a mensagem (a boa notícia) que surgiu a partir do Senhor Jesus.
A expressão “o Senhor” designa o ensinamento de Jesus (1 Co 9:14) e a autoridade do
Ressuscitado presente nos apóstolos (2 Co 10:8.18).
Os cristãos dispunham do Antigo Testamento por escrito. Mas, as palavras do Senhor eram
conservadas pela tradição oral. Na medida em que os apóstolos faleciam, os cristãos tomaram
consciência da necessidade de estabelecer por escrito o ensinamento de Jesus.
Inicialmente foi formado um compêndio das cartas de Paulo. O próprio Paulo incentivava a
leitura pública de suas cartas (1 Ts 5:27 e Cl 4:16). Havia uma troca de cartas entre as igrejas. As
cartas também eram copiadas.
No início do século II, um grande número de escritores cristãos conhecia as cartas de Paulo.
Observamos que 2 Pd 3:15-16 coloca as cartas de Paulo no mesmo plano das “demais Escrituras”,
ou seja, equipara-as ao Antigo Testamento, a Escritura então existente para os cristãos.
Por volta de 150, Justino Mártir mencionou que os cristãos liam os quatro evangelhos
durante as celebrações aos domingos. Justino atribuiu aos evangelhos uma autoridade idêntica à das
Escrituras.
Os evangelhos e as coletâneas de cartas eram lidos nos cultos e também eram utilizados
para a instrução dos novos convertidos. O AT era estudo em vista do cumprimento das profecias
ocorrido em Jesus Cristo.
Por volta de 150, os quatro evangelhos já estavam agrupados, o que é atestado pelo papiro
Chester Beatty e a versão Siríaca Sinaítca.
Os cristãos reconheciam que os evangelhos continham verdadeiramente a mensagem do
Senhor, de acordo com a tradição que se formou. Tratava-se de obra dos apóstolos ou de pessoas
próximas a eles. Esse critério ajudou a distinguir os evangelhos de outros escritos resultantes da
fantasia de alguns autores.
Os evangelhos foram aceitos na Igreja por causa de seu conteúdo (kérygma) e por causa do
autêntico testemunho do Senhor.
Por volta de 170, os quatro evangelhos tinham uma posição consolidada como literatura da
Igreja.
Por volta de 170, surgiu em Roma o Cânone Muratori. Esse cânone omite Tiago, as duas
cartas de Pedro e Hebreus. Mas acrescenta o Apocalipse de Pedro e o Pastor de Hermas.
O Diatessárom, de Taciano, surgiu em 170, atestando que os quatro evangelhos estavam
definitivamente agrupados.
As epístolas foram acolhidas em forma de coletânea. A apostolicidade foi determinante em
favor das cartas de Paulo.
De uma maneira gradual estava surgindo um novo cânone das Escrituras Sagradas.
Cânon significa “medida” e “norma”. Em sentido figurado significa “regra de conduta ou de
fé”.
Estabelecendo o cânon, a Igreja adota uma “medida”, um “critério” para discernirmos a
Palavra de Deus. A medida é estabelecida mediante um determinado número de livros. A Bíblia se
torna um critério de discernimento para a manifestação de Deus, que continua acontecendo.
Mais tarde sentiu-se a necessidade de definir o conteúdo do novo cânone. O posicionamento
de Marcião acelerou a reflexão teológica em torno da definição do cânone do Novo Testamento.
Marcião rejeitou o Antigo Testamento e elaborou uma relação de escritos normativos para sua
igreja. A relação era composta de duas partes: o Evangelho e os Apóstolos.
Tanto o cânon do AT, quanto o do NT surgiram a partir da necessidade de segurança.
O cânon do AT foi fixado no Sínodo de Jâmnia (Jabne), no ano 90. Essa decisão é um
reflexo da destruição de Jerusalém e a conseqüente dispersão dos judeus, o que resultou na falta de
um local específico e central para o culto.

78
A Igreja passou a elaborar seu cânon na medida em que crescia a consciência de sua
unidade, e também a noção de autoridade apostólica.
Entre 150 e 200 aconteceu a progressiva definição de Atos no cânone. Irineu de Lyon
considerou Atos como Escritura Sagrada. A obra passou a ser considerada uma introdução
necessária ao conjunto de epístolas.
No início do século III, os quatro evangelhos ocupavam uma posição incontestável. O
cânone dos evangelhos estava concluído.
A segunda parte do cânone – os escritos dos Apóstolos – é mencionada contendo
- treze cartas de Paulo;
- Atos dos Apóstolos;
- Primeira carta de Pedro e
- Primeira carta de João.
Outros escritos ainda não eram aceitos por unanimidade. Alguns Pais da Igreja
consideravam-nos canônicos, outros os tinham como leitura proveitosa. Trata-se do escrito aos
Hebreus, da 2ª carta de Pedro, da carta de Tiago e da carta de Judas.
Houve também escritos que chegaram a ser citados como Escritura Sagrada, mas não se
mantiveram nessa condição. Trata-se do Pastor de Hermas, da Didaqué, da 1ª Epístola de
Clemente, da Epístola de Barnabé, Atos de Paulo e do Apocalipse de Pedro.
Tornou-se decisivo o critério de apostolicidade. Por isso, havia controvérsias em torno de
Hebreus e Apocalipse. O Ocidente contestava Hebreus, e o Oriente tinha restrições ao Apocalipse.
Lentamente passaram a ser aceitas a segunda e a terceira cartas de João, a Segunda epístola
de Pedro e a epístola de Judas.
No século IV foi estabelecido um cânone idêntico ao que nós conhecemos hoje. Faltava
fixar a ordem dos livros.
Desenvolvia-se também a unidade da Igreja e a precedência de Roma.
Os textos eram constantemente copiados e recopiados. Quatorze séculos transcorreram entre
a redação do texto e sua fixação mediante a invenção da imprensa.
O cânon do NT começou a ser formado por volta do ano 200.
O primeiro escritor cristão a falar de um “novo” Testamento foi Irineu de Lyon (falecido em
202). Irineu ainda atribuía maior autoridade aos Evangelhos do que às Cartas.
Irineu acrescentou o Pastor de Hermas, mas não incluiu Hebreus. Para citar o AT e os
textos que estavam formando o NT, ele empregou a fórmula “está escrito”. Ele estabelecia uma
diferença entre a autoridade dos evangelhos e a das cartas de Paulo. Em 206 ocasiões ele cita
palavras do apóstolo Paulo, mas sem empregar a fórmula “está escrito”.
Eusébio relata que, no início do século IV, alguns círculos ainda contestavam a carta de
Tiago. Tertuliano e Cipriano a desconheciam.
Também houve resistência em relação ao Apocalipse de João e diante da 2ª carta de Pedro.
O bispo Dionísio de Alexandria, falecido em 264, levantou objeções à inclusão do
Apocalipse no cânone.
Foi Marcião quem criou o primeiro cânone de que se tem notícia. Fez uma seleção dos
livros que mais lhe agradaram: o evangelho segundo Lucas e dez cartas de Paulo (as cartas
pastorais foram excluídas).
No Oriente, o Bispo Atanásio (297-373), conhecido como o Pai da Ortodoxia, foi o primeiro
a declarar os atuais 27 escritos como sendo canônicos. Isso ocorreu no ano 367, quando Atanásio
escreveu a 39ª Carta Pascal.
No Ocidente, o processo foi mais lento. Foram realizados o Sínodo de Roma (em 382), o
Sínodo de Hipona (em 393) e os Sínodos de Cartago (em 397 e 419).
Enquanto que no Ocidente foram necessários quatro sínodos para determinar os atuais 27
escritos, no Oriente foi decisivo o pronunciamento epistolar do Bispo Atanásio.
O primeiro critério para a inclusão de um escrito no cânone era a autenticidade. A Igreja
pesquisava para saber se o escrito procedia de uma testemunha ocular dos acontecimentos, ou se
procedia de um apóstolo consagrado.
O segundo critério empregado era a avaliação do conteúdo. A Igreja procedia um exame
para verificar se o escrito continha realmente a mensagem do Evangelho de Jesus Cristo.

79
O cânon era um recurso que a Igreja dispunha para definir sua fé e se defender das
distorções doutrinárias, sobretudo as que eram propaladas pela gnose e pelo montanismo. De
acordo com Inácio, os Evangelhos eram a instância decisiva em casos de conflitos doutrinários. As
cartas de Paulo eram lidas nos cultos, proporcionando o fundamento da doutrina.
A igreja passou a ter um fundamento inserido na história. Esse fundamento protegia a fé
cristã das influências sincretistas e também de reducionismos como o de Marcião. O cânone passou
a preservar o texto bíblico.
A igreja tem o seu existir e a sua tarefa a partir do agir único de Deus em Jesus Cristo, o que
deu origem ao fundamento apostólico. A igreja só existe em função dessa manifestação de Deus.
Portanto, a teologia necessita do testemunho da Sagrada Escritura. A pesquisa teológica se ocupa
com o texto bíblico.

Os apócrifos do Novo Testamento.


O termo apócrifo significa “escondido”.
Alguns escritos continham idéias estranhas para a teologia da Igreja, e fomentavam o
sectarismo. Esses escritos foram considerados apócrifos, e sua leitura pública foi desrecomendada.
Eram obras falsamente atribuídas a apóstolos.
A literatura apócrifa abrange quatro categorias de escritos: evangelhos, atos dos apóstolos,
epístolas e apocalipses.
1. Os evangelhos dos Nazarenos, dos Hebreus e dos Egípcios são conhecidos através das citações
dos Pais das Igrejas. O evangelho de Pedro é de orientação gnóstica. Um fragmento foi
descoberto no Egito no século XIX. O evangelho da Verdade, o evangelho de Filipe e o
evangelho de Tomé também foram descobertos no Egito. O evangelho de Tomé apresenta
alguma afinidade com os Sinóticos. O Proto-evangelho de Tiago narra pormenorizadamente o
nascimento de Jesus e sua infância, interessando-se particularmente por Maria. Os evangelhos
de Filipe, de Tomé e de Maria Madalena refletem o pensamento gnóstico. O evangelho de
Maria Madalena afirma que o pecado não existe. “Não há pecado. Sois vós os que fazeis que
exista o pecado quando atuais conforme os hábitos de vossa natureza adúltera.” [No entanto,
textos como Mt 15:19 e Rm 7:15-19 mostram que o pecado é uma ruptura no íntimo do ser
humano. Toda ciência, que se ocupa com o psiquismo humano, constata essa ruptura.] Os
evangelhos apócrifos, que se ocupam com a infância de Jesus, querem apresentá-lo como uma
criança normal e relatam que o Filho de Deus usou o poder para praticar o mal. [Nesse caso, ele
teria abusado do poder, o que contraria a mensagem do NT, especialmente Fl 2:6-11.]
2. Os atos dos apóstolos têm a intenção de glorificar aspectos maravilhosos e extraordinários na
vida dos apóstolos. Esta é a principal característica dos atos de João, de Paulo e de André.
3. As epístolas são pequenos tratados de teologia, sendo bastante elementares. A Epistola
Apostolorum, escrita em 150, é do gênero apocalíptico.
4. Os apocalipses são: o Pastor de Hermas, o apocalipse de Pedro e o apocalipse de Paulo. O
apocalipse de Pedro é uma especulação sobre a vida futura, o paraíso e o inferno. O apocalipse
de Paulo descreve em detalhes a experiência relatada em 2 Co 12, quando o apóstolo foi
arrebatado ao terceiro céu.
Os apócrifos são escritos posteriores aos 27 livros que constam no cânone do Novo
Testamento. São muitas vezes imitações.
O termo “apócrifo” passou a ter uma conotação pejorativa. Os escritos apócrifos passaram a
ser considerados como transmissores de erro em questões de fé.

Os evangelhos apócrifos, que se ocupam com a infância de Jesus, querem apresentá-lo


como uma criança normal e relatam que o Filho de Deus usou o poder para praticar o mal. Nesse
caso, teria abusado do poder, o que contraria a mensagem do NT, especialmente Fl 2:6-11.
Os evangelhos de Filipe, de Tomé e de Maria Madalena refletem o pensamento gnóstico.
O evangelho de Maria Madalena afirma que o pecado não existe. “Não há pecado. Sois vós
os que fazeis que exista o pecado quando atuais conforme os hábitos de vossa natureza adúltera.”
O evangelho de Judas foi escrito pelos gnósticos cainitas, um movimento que avaliava de
modo positivo os personagens bíblicos com biografia questionável.

80
Com a redação do evangelho de Judas, os gnósticos cainitas pretendiam dar uma conotação
positiva à figura do traidor.
Judas Iscariotes simplesmente teria cumprido o plano divino. Ele não pôde fugir de seu
destino, pois a traição era necessária.
Judas teria agido por ordem de Jesus. “Tu vais superar todos os outros apóstolos. Pois tu
irás sacrificar o homem que eu encarno”, teria declarado Jesus a Judas.
Concluída sua tarefa, Judas se arrepende e teria se retirado para meditar no deserto. Jesus
teria perdoado Judas, incumbindo-o de realizar exercícios espirituais no deserto.
Em sua obra Adversus haereses (Contra a Heresia), Irineu – o primeiro bispo de Lyon – cita
o evangelho de Judas, o que atesta a existência do escrito no ano 180. Irineu considera o texto
fantasioso e desrecomenda sua leitura.
O papiro contendo o texto do evangelho de Judas foi encontrado em 1978, no Egito. O
manuscrito, em copta, foi divulgado em abril de 2006, provocando grande repercussão. O original
foi provavelmente escrito em grego.

O significado teológico do cânon.


Sendo um texto escrito, a Bíblia é a expressão de fé do povo de Deus. Ela é o registro da
história do povo com Deus, e também da história de Deus com o povo.
Ao narrar acontecimentos, a Bíblia os apresenta a partir da vivência de fé. E mostra que
Deus está presente nos acontecimentos, revelando-se através deles.
Na medida em que as pessoas iam percebendo a presença e o agir de Deus, elas passaram a
redigir sua experiência de fé. Essa percepção de Deus resultou na elaboração da Bíblia. O
relacionamento de Deus com seu povo foi preservado em forma escrita.
O objetivo da Bíblia é testemunhar o agir de Deus. A Bíblia relata a respeito da ação de
Deus no passado e nos coloca diante da possibilidade de perceber a atuação de Deus no presente e
também no futuro. Somos conclamados a perceber a presença libertadora de Deus. É assim que o
texto bíblico se torna a Palavra de Deus para o dia de hoje.
Reconhecendo que Deus é o autor da Bíblia, afirmamos que o Espírito inspirou as pessoas
no seu testemunho de fé.
O mesmo Espírito que inspirou o texto continua atuando na interpretação do mesmo.
Para se comunicar conosco, Deus nos fala de maneira humana. E não poderia ser de outra
forma. Para melhor compreendermos essa dinâmica, torna-se oportuna este reconhecimento do
filósofo Nicolau Malebranche (1638-1715).
“Ora, estou certo de ver o infinito: portanto, o infinito existe, pois o vejo, e só posso vê-lo
em si mesmo. Mas, sendo minha inteligência finita, também é finito o conhecimento que tenho do
infinito. Não o contenho, nem o mensuro: antes, estou certíssimo de que jamais o poderei mensurar.
Não só não encontro nele um limite, como ainda percebo que ele não tem limites. Em suma, a
percepção que tenho do infinito é limitada, mas a realidade objetiva na qual, por assim dizer, a
minha mente se perde, não tem nenhum limite. Para mim é impossível duvidar disto agora”
(Reflexões sobre a metafísica e a religião).
Malebranche acentuou que Deus é o criador das nossas idéias e, portanto da própria idéia de
Deus em nós. Quando pensamos, os nossos pensamentos são pensados por Deus. No entanto,
continuamos sendo seres humanos, com capacidade para expressar de um modo limitado o
Absoluto. Isto significa que Deus se comunica mediante linguagem humana.
A Bíblia nos apresenta Deus se auto-comunicando e se auto-revelando.
Duas instâncias se fizeram presentes na redação da Bíblia: a inspiração divina e a percepção
humana.
Deus inspirou pessoas, para que elas escrevessem a Bíblia em parceria com Ele.
Deus quer compartilhar sua presença salvadora. Isso significa que o agir de Deus requer a
percepção humana.
Ao estudarmos o surgimento da Bíblia, constatamos que ela é o resultado de um longo
processo de amadurecimento na caminhada de fé. A Escritura Sagrada tem a sua história.
Precisamos conhecer a história que envolve o surgimento da Bíblia, pois só assim poderemos
interpretá-la corretamente a partir de sua origem e sua intenção.

81
Quando observamos que Deus tem se ocupado com pessoas idênticas a nós, então nos
sentimos mais próximos da Sagrada Escritura.
A mensagem central do NT é a reconciliação de Deus com a humanidade, a manifestação de
sua graça, acontecimento promovido através da cruz de Cristo e sua ressurreição dentre os mortos.
Podemos desfrutar da vida eterna, isto é, da própria vida de Deus!
O cânone do NT é constituído pelos escritos da nova aliança.
O NT surgiu no âmbito da igreja cristã. O aparecimento desses escritos foi de uma
espontaneidade não programada. Os textos não foram encomendados pela igreja, mas surgiram
mediante a ação do Espírito Santo.
Na medida em que os textos foram sendo usados nos cultos cristãos, a igreja desenvolveu a
convicção de que deveria se sujeitar a si mesma a esses escritos. Essa subordinação ao texto fica
evidente nesta declaração de Pápias, bispo de Hierápolis: “Pois eu não supunha que a informação
dada pelos livros poderia me ajudar mais que a palavra de viva e imorredoura voz.” A declaração
foi registrada por Eusébio, História Eclesiástica, III, 39,4.
A igreja estava empenhada em ser obediente ao testemunho dos apóstolos. Nessa busca por
obediência, a igreja reconheceu nos escritos do NT o testemunho fidedigno capaz de ser um
fundamento para a fé.
A autoridade dos escritos do NT consiste no seu conteúdo. Os textos transmitem que Jesus
curou e libertou pessoas, foi crucificado, mas ressuscitado por Deus. Ele está vivo e – com seu
Espírito – dirige a igreja.
O objetivo dos escritos do NT é chamar pessoas para a fé. É o testemunho apostólico que
visa a edificação da igreja.
Os escritores do NT escrevem na condição de testemunhas. Eles não estão preocupados em
mostrar talento literário, também não querem evidenciar uma religiosidade extravagante, mas
querem testemunhar a respeito de Jesus de Nazaré – sua atuação libertadora junto ao povo, sua
morte e ressurreição. Os escritores foram atingidos por esses acontecimentos; seu ponto de
referência é a manifestação de Deus ocorrida numa existência histórica. Sob esse impacto, eles se
tornam testemunhas.
Cabe a uma testemunha ser fiel ao ocorrido. Por isso, os escritos se tornaram fidedignos
para serem normativos para a fé da igreja. As testemunhas estavam transmitindo os acontecimentos
que envolveram a vida, a morte e a ressurreição de Jesus, portanto, eventos com um determinado
significado salvífico.
Os escritores do NT proclamam o agir de Deus em Jesus de Nazaré. E escrevem para
despertar a fé em seus leitores. É uma pregação que se torna Palavra de Deus. Dirigida pelo
Espírito Santo, a igreja constatou que essa pregação era um testemunho autêntico de Jesus Cristo: a
Palavra de Deus despertando a fé.
A igreja passou a ver nesse testemunho um fundamento para toda a sua pregação
evangélica. A Palavra de Deus é o ponto de partida e o fundamento da reflexão cristã e de todo
labor teológico. A Palavra de Deus atinge a pessoa, desperta a fé e mobiliza o cristão para viver em
sintonia com a vontade de Deus.
Karl Barth afirmou que a Palavra de Deus assume três formas:
1. A Palavra de Deus proclamada (a pregação).
2. A Palavra de Deus escrita (a Sagrada Escritura).
3. A Palavra de Deus revelada (a Palavra presente na Criação e que se tornou carne em
Jesus de Nazaré).
A Sagrada Escritura dá testemunho da Palavra de Deus ao relatar o agir do Senhor. A
Escritura Sagrada existe em função da eterna Palavra de Deus. Vejamos Hb 11:3. A Palavra de
Deus é mais abrangente do que a Escritura. Mas, ela não existe sem a Escritura. O ser humano só
pode ouvir a Palavra de Deus mantendo-se em contato com a Bíblia.
Os escritos do NT já são o resultado de uma pregação anterior. A transmissão oral
antecedeu a redação dos textos. A tradição oral é a expressão do testemunho dos apóstolos. Uma
análise de 1 Co 15:3-5 mostra que o texto do NT conservou – de modo fragmentário – a pregação
das primeiras testemunhas.
Nos dias de hoje, a igreja deve buscar no NT o testemunho mais antigo a respeito de Jesus
Cristo. É um testemunho fidedigno, sobre o qual ela deve alicerçar sua pregação e atuação. O

82
testemunho dos escritos do NT está mais próximo dos fatos ocorridos com Jesus Cristo do que
qualquer outro depoimento. O NT nos transmite o testemunho apostólico.
O cânone do NT representa a fonte primária da fé. O NT é o documento que transmite a boa
notícia em sua forma original. Essa transmissão aconteceu mediante experiências variadas. Cada
escritor continuou como indivíduo, sendo assim usado por Deus.
A Igreja repousa sobre o fundamento dos testemunhos daqueles que foram chamados de
uma maneira particular a serem seus apóstolos.
A Igreja está fundamentada sobre a ação única e exclusiva de Deus realizada em Israel e em
Cristo, que são os dois pólos da revelação: um povo e um Salvador.
A revelação é um acontecimento que se realiza só uma vez. Por esta razão, A Escritura tem
um caráter concreto, não sendo um sistema de pensamento. O fato de nos atermos estritamente à
Escritura é um sinal de caráter único: único no tempo e na forma da revelação.
A Igreja não representa a humanidade geral em sua relação com Deus; ela é a humanidade
reunida pela obra da revelação, e por isso ela está fundada sobre a Escritura. Se a Igreja está
constituída pelo testemunho dos apóstolos, intermediários da revelação, qual é o papel da pregação
neste contexto? Unicamente o de explicar este testemunho.
O cânone é uma garantia para nós, pois ele significa simplesmente: a Igreja entendeu estes
escritos como lugar de onde ela deve escutar a Palavra de Deus.
Se a Igreja tem se apresentado como a sucessora da sinagoga, significa que o Antigo
Testamento e o Novo Testamento relacionam-se mutuamente como a profecia em relação ao
cumprimento. É neste contexto que sempre será necessário ver o Antigo Testamento.
A Igreja adotou o Antigo Testamento por causa de Jesus Cristo.
O Antigo Testamento olha para frente, e o Novo Testamento fala do futuro olhando para
trás – e ambos olham para Cristo.
Isto nos leva a considerar a pregação a partir do texto. Tem que ser exclusivamente bíblica e
ater-se ao sacramento e à palavra dos profetas e apóstolos.
A Bíblia é o único documento da revelação, pois é um documento suficiente. Por isso, o
chamamos de Sagrada Escritura, a Palavra de Deus que chega até nós. Se se compreende bem que
este livro é o testemunho da Palavra de Deus, pode parecer inútil falarmos do objeto e do tema da
pregação; só há um objeto, um só tema: a revelação de Deus, Jesus Cristo.
O texto bíblico é o testemunho da revelação em expressão humana.
A Igreja é o lugar onde se abre a Bíblia. Nela Deus falou e fala. Dá-nos uma missão, uma
ordem. Fundamentando-nos na Bíblia, atrevemo-nos a fazer o que precisa ser feito. Estes escritos
estão diante de nós, são anteriores ao nosso testemunho e a pregação deve ter em conta o que
anteriormente foi dado. Em relação à Bíblia, nossa independência é tão pequena como a que uma
criança tem diante de seu pai.
“Reconhecendo a existência de um cânone, a Igreja reconhece que não está abandonada a si
mesma na sua pregação (...). Por outro lado, reconhecendo que este cânone é idêntico à Bíblia –
Antigo e Novo Testamento (...), a Igreja reconhece que esses fragmentos do passado, que são os
textos bíblicos, significam uma verdadeira ordem de marcha, capaz de suscitar ou de suprimir não
apenas a pregação, mas a própria Igreja, e que, por isso, não pode perder de vista essa norma nem
de algum modo substituí-la sem que ao mesmo tempo percamos de vista quer a Igreja, quer a
pregação” (Karl Barth).

Concluída a redação dos escritos do AT, a sinagoga considerou o Espírito de Deus como
apagado. O teólogo Joachim Jeremias resumiu desta maneira esse posicionamento: “No tempo dos
patriarcas, todos os homens justos e piedosos tinham o Espírito de Deus. Quando Israel cometeu
pecado com o bezerro de ouro, Deus limitou o Espírito para os profetas escolhidos, sumo-scerdotes
e reis. Com a morte dos últimos profetas que escreveram, Ageu, Zacarias e Malaquias, o Espírito
foi apagado devido ao pecado de Israel. Após aquele tempo, era crido que Deus ainda falava
somente por meio do ‘eco de sua voz’ (bat qôl = eco), um substituto pobre” (Teologia do Novo
Testamento, p. 81).
Dessa maneira, era enfatizada a expectativa para a realização de Dt 18:15 – “O Senhor, teu
Deus, te suscitará um profeta no meio de ti, de teus irmãos, semelhante a mim; a ele ouvirás”.

83
Quando a Palavra eterna (o Logos) se tornou carne, a humanidade foi confrontada com a
manifestação suprema e definitiva de Deus. O Filho eterno é a imagem do Deus invisível, a
expressão perfeita do Pai.
A manifestação do Logos foi interpretada a partir do silêncio de Deus.
Inácio de Antioquia assim se pronunciou: “Jesus Cristo, que é o Logos de Deus, saiu do
silêncio”.
Deus estivera silencioso antes de enviar Jesus Cristo.

A manifestação de Deus é testemunhada na Bíblia. Por isso, as igrejas protestantes praticam


uma teologia da Escritura.

O SIGNIFICADO DO ANTIGO TESTAMENTO


O NT considera a vida e a obra de Jesus Cristo como a realização do AT
A Igreja de Jesus Cristo tem afirmado a unidade e a continuidade entre o AT e o NT.
O AT tornou-se um livro de oração da igreja primitiva.
O mesmo Deus revela sua vontade salvífica no AT e no NT.
O AT é um testemunho do agir de Deus. Deparamo-nos com uma revelação progressiva de
Deus ao ser humano. O conhecimento de Deus cresce na medida em que o povo de Israel
amadurece espiritualmente. Enfim, o NT proclama a novidade sem igual: Deus tornou-se um ser
humano em Jesus de Nazaré! O mesmo Deus anunciado pelos profetas resolveu se manifestar numa
existência humana.
O AT fala do amor de Deus por sua criatura. Em 26 textos Deus é apresentado como Pai do
povo.
Os profetas Jeremias e Ezequiel anunciaram que Deus transformará o coração humano. A
transformação aconteceu de fato no NT. Mas, enquanto essa transformação não ocorria, o AT
registrou episódios em que pessoas contam mentiras, roubam, matam, praticam a poligamia e
cometem adultérios. E tudo isso foi praticado sob os olhos de Deus, em atitude de complacência.
Acontece que os israelitas constituíam um povo absolutamente normal, assim como tantos
outros. Seria irreal esperar dos israelitas uma conduta que estivesse de acordo com os princípios do
Sermão do Monte. Antes de Jesus proferir sua mensagem de amor, era impensável que alguém se
dispusesse a amar seus inimigos. Por isso, precisamos analisar o AT a partir de seu contexto. Não
podemos exigir do AT aquilo que se tornou realidade no NT.
Mas, em meio a essa realidade, o povo conhecia a seriedade moral reivindicada por Deus.
Para se revelar numa existência humana, Deus decidiu criar antes um ambiente de seriedade ética.
A revelação de Deus aconteceu num contexto de fé em um Senhor que requer seriedade e
compromisso. O povo de Deus passou a vivenciar uma moralidade baseada na fé. Não se trata de
uma moralidade meramente humana, mas do empenho pela realização da vontade de Deus.
O AT transmite esperança. No mundo antigo havia muito desespero, e este era muitas vezes
reduzido ao silêncio. Nesse contexto, a fé israelita estava ancorada no poder e na vontade de Deus.
A esperança dos israelitas passou por muitas provas. O AT se abre para a perspectiva da realização
plena da vontade de Deus. E Jesus Cristo torna-se a resposta para essa perspectiva.
O AT nos transmite a proposta de uma sociedade que procura viver em submissão à vontade
Deus. A efetiva submissão à vontade do Pai aconteceu na existência de Jesus de Nazaré. E haverá
de continuar acontecendo na Igreja de Jesus Cristo. Jesus realizou em sua vida aquilo que os
israelitas esperavam, mostrando que a existência de uma pessoa pode ser plenamente conduzida por
Deus. O eixo da existência de Jesus foi a realização da vontade de Deus.
O AT é um testemunho do mistério da paciência divina. Deus sempre de novo se defronta
com a iniqüidade humana. E supera os obstáculos com paciência.

84
O AT proporcionou a linguagem e as idéias para o vocabulário espiritual do NT. Cada
página do NT faz referência ao AT. O Evangelho foi comunicado nas categorias de pensamento e
na linguagem do AT. As palavras de Jesus se revestem de impacto a partir dos conceitos teológicos
do AT.
O AT mostra a futilidade da presunção humana diante do grande plano de Deus. O ser
humano depende de Deus. Os empreendimentos humanos contrários à vontade Deus só levam à
desorientação e ao desespero.
A história é o âmbito do agir de Deus.
Na aliança da Sinai foram estabelecidas as exigências fundamentais para o convívio humano
dentro da história conduzida por Deus.
Israel se tornou um povo a partir do vínculo unificador da fé no único e verdadeiro Deus (Js
24), resultante da consciência de que a história do povo foi conduzida por Deus (Ex 20:1).
No transcurso da história, os israelitas tiveram que se defrontar com perguntas e
questionamentos que iam surgindo. No confronto com o culto a Baal, o deus cananeu da fertilidade,
os israelitas tiveram que formular sua fé a partir do relacionamento de Javé com a natureza. Estaria
Javé apenas relacionado com o transcurso dos acontecimentos históricos, ou o Senhor também
dirige a natureza? A realidade é uma só. Portanto, Javé é Senhor sobre a realidade toda.
Com a instituição da monarquia foi necessário refletir sobre a relação entre religião e
política. Os profetas não se davam por satisfeitos com a realidade que se apresentava.
A história de Israel só pode ser compreendida a partir da análise da atuação dos profetas.
Tornam-se evidentes as duas características básicas de um profeta: ser agarrado por Deus e
separado para uma tarefa, e desincumbir-se da tarefa essencial, que é falar em nome do Senhor.
Ao longo de sua história, Israel experimentou altos e baixos. O povo vivenciou a condução
divina e também o que significa ser abandonado por Deus.
O profeta Jeremias mostrou ao povo que também a desgraça deve ser compreendida como
sendo o agir de Deus. É o momento em que Deus executa o seu juízo sobre o seu povo. O presente
só adquire seu pleno sentido quando analisado em conexão com o passado e com o futuro.
Entre os exilados despontou o sentimento de abandono. Alegavam que Deus esquecera o
seu povo. Perguntavam se o Deus de Israel era de fato o único Deus verdadeiro. O triunfo dos
babilônios certamente deveria ser creditado ao deus Marduque. Não teriam os deuses da Babilônia
se evidenciado como os mais fortes? O Deus de Israel ainda poderia fazer alguma coisa pelo seu
povo?
Com esses questionamentos, o povo corria o risco de se dissolver entre os babilônios,
colocando um ponto final na história de Deus com seu povo.
A existência do povo de Israel teve a sua continuidade assegurada por causa de sua fé. Sua
relação com Deus impediu a desintegração. Afinal, nações bem mais poderosas deixaram de existir.
Em meio a essa realidade despontou um discípulo do profeta Isaías, que se tornou
conhecido como Dêutero-Isaías. O Segundo Isaías continuou a obra e escreveu os caps. 40-55. O
profeta lembrou o povo das promessas de Deus. Ele interrogou o povo: “Acaso, não sabeis?
Porventura, não ouvis? Não vos tem sido anunciado desde o princípio? Ou não atentastes para os
fundamentos da terra” (Is 40:21). Ele lembrou o povo da história da salvação: Deus criou o céu e a
terra e criará uma nova realidade para o seu povo.
O profeta se dirigiu àqueles que duvidam do poder de Deus. E perguntou: Onde existe um
deus que se iguala ao Deus verdadeiro? Quem criou o universo inteiro? Quem guia o caminho
percorrido pelas estrelas? Quem anuncia os acontecimentos pelos profetas, para então fazê-los
acontecer?
O profeta discutiu com os exilados, como se estivesse numa disputa judicial. Ele provocou
os deuses dos outros povos a provarem se efetivamente são divinos.
A história da caminhada de Deus com seu povo proporcionou ao profeta a certeza de que a
atuação do Senhor não terminou. O decisivo ainda está por vir. Por isso, o profeta direcionou o
olhar do povo para o futuro. Deus reconduzirá seu povo para a terra. “Voz do que clama no deserto.
Preparai o caminho do Senhor; endireitai no ermo vereda a nosso Deus. Todo vale será aterrado, e
nivelados, todos os montes e outeiros; o que é tortuoso será retificado, e os lugares escabrosos,
aplanados. A glória do Senhor se manifestará, e toda a carne o verá, pois a boca do Senhor o disse”
(Is 40:3-5).

85
O passado proporciona a certeza da fidelidade de Deus. O futuro está aberto para a novidade
que Deus realizará.
Deus tem cumprido suas promessas na história de Israel. Mas o povo também deve olhar
para o futuro, pois Deus quer realizar coisas novas.
Quando os persas acabaram com o poder dos babilônios, os judeus puderam retornar para
Jerusalém e reconstruir o Templo. Uma grande parte do povo retornou, e outra parte passou a viver
na dispersão: na Babilônia, no Egito e em outros países.
Para aqueles que retornaram a Jerusalém, a Lei adquiriu um enorme significado. Os persas
haviam incumbido Esdras de orientar suas atividades pela Lei de Deus (Ed 7:14). No mesmo
documento, o rei Artaxerxes promove a Lei de Deus a lei de Estado (7:25-27).
Crescia a expectativa pelo agir de Deus no futuro. A história do povo é uma demonstração
do agir de Deus, que quer atuar no mundo inteiro (Is 44:6).
A história caminha para um alvo. A partir desse alvo, nós podemos entender a nossa história
pessoal.
Quando a história universal atingir sua plenitude, então Deus completará tudo aquilo que ele
iniciou. Todas as adversidades a essa plenitude serão afastadas. Compreender a história a partir de
seu alvo significa confiar no agir de Deus. Nossa existência pessoal deve ter como fundamento essa
confiança.
Nossa existência história tem como fundamento a fidelidade de Deus, o Primeiro e o Último
(Is 44:6), que estabeleceu um princípio e um alvo para a história.
O transcurso da história obedece ao plano de Deus. Os acontecimentos do presente são
interpretados a partir do passado. O essencial é compreender que a história tem um começo e um
alvo. O plano de Deus abrange os acontecimentos do passado e também o futuro.
Os acontecimentos do passado estão diante dos olhos. O futuro está oculto. Aquilo que
aconteceu pode ser visto. Mas, nós podemos direcionar nosso olhar para o futuro, pois o plano de
Deus também abrange o que há de vir.
A pergunta pelo plano e pelo alvo do agir de Deus perpassa toda a reflexão israelita a
respeito da história.
A promessa da condução divina e da bênção está relacionada com a eleição de Israel como
povo de Deus. A promessa dirigida a Abraão deve ser expandida para a humanidade inteira. A
descendência de Abraão recebe a terra prometida e o povo deve se tornar uma bênção para todos os
povos.
Desde o início, a história do povo de Deus está orientada para o futuro. A promessa da terra
se cumpriu como ficou bem atestado nas palavras de Josué: “Eis que, já hoje, sigo pelo caminho de
todos os da terra; e vós também sabeis de todo o vosso coração e de toda a vossa alma que nem
uma só promessa caiu de todas as boas palavras que falou de vós o Senhor, vosso Deus; todas vos
sobrevieram, nem uma delas falhos” (Js 23:14).
Mas, permanece aberta a incumbência de Israel se tornar uma bênção para todos os povos.
Esse cumprimento transcende o AT, pois continua viva a expectativa por um rei descendente de
Davi: o Messias.
Os profetas registraram essa expectativa, como observamos em Isaías: “Do tronco de Jessé
sairá um rebento, e de suas raízes, um renovo” (11:1) e em Miquéias: “E tu, Belém-Efrata, pequena
demais para figurar como grupo de milhares de Judá, de ti sairá o que há de reinar em Israel, e cujas
origens são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade” (5:2). É evidente que esses textos
não estão se referindo a um monarca qualquer. Deus quer fazer um novo começo. Deverá surgir
uma nova árvore a partir de uma velha raiz.
O Reino do Norte foi extinto. E o Reino do Sul experimentou o exílio. Mas, a expectativa
pelo Messias continuava viva. “Alegra-te muito, ó filha de Sião; exulta, ó filha de Jerusalém: eis aí
te vem o teu Rei, justo e salvador, humilde, montado em jumento, num jumentinho, cria de
jumento” (Zc 9:9).
O domínio do Messias abrangerá o mundo inteiro. Ele será rei sobre Israel e sobre todos os
outros povos. Ele estabelecerá um reino de paz plena: as armas serão destruídas e transformada em
implementos agrícolas (Is 2:4 e Mq 4:3).
A história de Deus com seu povo vai além do AT. Por intermédio do profeta Jeremias, Deus
anunciou a celebração de uma nova aliança (Jr 31:31-34).

86
Jesus de Nazaré surgiu entre o povo judeu. O NT vê em Jesus o cumprimento da promessa
do Messias.
Mas, o reino de paz – de dimensão universal – ainda não se tornou realidade. O
cumprimento desse reino de paz acontecerá na plenitude da história.
O AT é um testemunho de que Deus intervém na vida das pessoas e na história de toda a
humanidade.
Enfim, o AT olha para o futuro – para a realização do Reino de Deus, que se tornou
realidade em Jesus Cristo.
Os principais conceitos teológicos tornam-se compreensíveis a partir do AT.
Cristo significa o Ungido. Em hebraico e aramaico significa Messias.
É a partir do AT que nós compreendemos o que significa a afirmação de que Jesus de
Nazaré é o Messias. A espera pelo Messias foi um dos principais anúncios da proclamação dos
profetas.
Quando Jesus falava de Deus, ele não precisava esclarecer algum pressuposto aos seus
ouvintes. Era evidente que Jesus estava se referindo ao Deus que se revelou no AT. É o Deus das
promessas formuladas ao seu povo.
Em sua atividade missionária entre os pagãos, o apóstolo Paulo falava das promessas de
Deus ao povo de Israel, para então proclamar a vinda do Messias.
O NT tem suas raízes no AT. A comprovação disso é que o NT contém mais de 1600
citações do AT.
Do mesmo modo, pode-se afirmar que a fé cristã tem as suas raízes no AT, assim como toda
a cultura do Ocidente está enraizada no AT.

A MENSAGEM DO NOVO TESTAMENTO

O objetivo do Novo Testamento é despertar os leitores para a fé, que é a resposta que o ser
humano formula perante Deus. Nosso viver deve ser uma tentativa para articular sempre de novo
essa resposta. Jesus veio para nos abrir esse caminho!
Todos os escritos apresentam como tema o significado de Jesus Cristo para a redenção do
ser humano.
O Antigo Testamento registra acontecimentos que abrangem um período histórico muito
amplo. E relata o agir de Deus junto a um povo. Deus se revela no transcurso da história de Israel.
O Novo Testamento se concentra num período que não chega a abranger um século. Essa
concentração culmina na seguinte proclamação:

“E não há salvação em nenhum outro;


porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome,
pelo qual importa que sejamos salvos” (At 4:12).

Essa concentração na revelação de Deus em Jesus Cristo também torna clara a estrutura do
Novo Testamento. Os evangelistas formam o primeiro bloco, e as cartas apostólicas, o segundo. Os
dois blocos são ligados pelos Atos dos Apóstolos, onde são ressaltados a ascensão de Jesus e o
derramamento do Espírito Santo. Finalizando, o Apocalipse encoraja os cristãos, que sofrem
perseguições, e afirma a vitória definitiva de Jesus Cristo em sua volta gloriosa.
A mensagem dos evangelhos aponta para o sofrimento, a morte e a ressurreição de Jesus. Os
Atos dos Apóstolos e as cartas apontam para a obra de Jesus como ponto de partida, para a missão
da Igreja.
A mensagem do Novo Testamento se concentra no agir de Deus: a vinda de Jesus Cristo e
sua obra de reconciliação, e sua volta gloriosa no fim da história. Esse é o agir de Deus junto ao seu

87
povo. É o cumprimento de todas as promessas de Deus. Hebreus soube evidenciar muito bem esse
tema.
Os leitores do Novo Testamento são confrontados com o testemunho desta verdade: a
revelação de Deus aconteceu na “plenitude do tempo” (Gl 4:4).
A mensagem do Novo Testamento é a proclamação de Jesus Cristo. Em Jesus Cristo
aconteceu a eterna unidade Deus-Homem. Em uma existência histórica ocorreu o encontro do
divino com o humano, da eternidade com o tempo, da transcendência com a imanência. Jesus
Cristo uniu a essência com a existência. Sob as condições desta existência, Jesus se manifestou
como homem essencial, superando a alienação e conquistando a existência. Isto significa que Jesus
não precisou se tornar super-humano e nem semi-divino para manifestar a presença de Deus. Como
ser humano, Jesus se esvaziou de qualquer pretensão de usurpar ser igual a Deus (Fl 2:6-11). Em
sua humildade, como homem essencial, Jesus representa Deus. Trata-se de uma boa mensagem, de
uma notícia feliz.
Evangelho é o conteúdo da mensagem de Jesus, é o anúncio da salvação!
Durante quase meio século a Boa Nova circulou pelo mundo como estilo de vida. A palavra
era falada adiante, pois era mais importante viver o Evangelho do que escrevê-lo.
Os cristãos se destacavam do mundo pagão pela maneira como conduziam sua vida.
Meditavam sobre palavras e atitudes de Jesus para poderem responder aos questionamentos que a
vida lhes impunha. A principal característica dos primeiros cristãos foi a partilha (At 2:42-47).
Quando percebiam que um irmão estava passando por necessidades, um determinado número de
cristãos jejuava durante três ou quatro dias e - com o dinheiro economizado - supriam a carência.
Foram coletados relatos sobre Jesus e a atuação dos seus discípulos. Unidades pequenas
passaram a ser agrupadas para formar conjuntos e seqüências. É o processo de formação dos
escritos do Novo Testamento. Observemos 1 Co 15:3, onde lemos: “Cristo morreu por nossos
pecados.” O apóstolo Paulo “recebeu” essa confissão de fé após sua conversão.
Os evangelhos são o resultado dessa compilação. Os cristãos estavam preservando a
memória dos acontecimentos mais marcantes da vida e da obra de Jesus.
As cartas apostólicas e o Apocalipse são respostas a determinadas questões e conflitos das
primeiras comunidades cristãs.
O tratado teológico aos Hebreus comunica que Jesus é o Filho de Deus, que está acima dos
anjos (Hb 1:5-14), e também é “semelhante aos irmãos” (2:17), foi “tentado em todas as coisas, à
nossa semelhança, mas sem pecado” (4:15). Observemos também Hb 5:7. Em sua existência
humana, Jesus manifestou a presença de Deus. Hebreus é o escrito que mostra com a maior clareza
que Jesus foi homem e Deus. Esse é o mistério da encarnação do Logos (Jo 1:14).
O NT apresenta fórmulas breves destinadas a resumir a fé – por ocasião do batismo ou em
situações de perseguição. Encontramos a confissão de fé “Jesus é Senhor” (1 Co 12:3 e Fl 2:11) e
“Jesus é Filho de Deus” (At 8:37; Hb 4:14 e 1 Jo 4:15) expressando o centro da fé compartilhada
pelos primeiros cristãos.
Essas confissões foram ampliadas com a referência à ressurreição de Jesus, a inauguração
de seu reino e sua elevação à direita de Deus. O Salmo 110 tornou-se o texto mais citado no Novo
Testamento.
Atos dos Apóstolos e as cartas mostram que os primeiros cristãos conviveram com a
presença diária de Jesus Cristo ressuscitado.
O Senhor ressuscitado é o mesmo que é apresentado nos evangelhos: ele curou enfermos,
perdoou pecados, anunciou a proximidade do Reino, mostrou uma nova relação com Deus – o Pai
amoroso – que busca as ovelhas perdidas, chamou as pessoas a uma meia volta em sua vida
(conversão), para cumprirem a vontade divina. Esse Senhor morreu na cruz e ressuscitou.
Com sua atuação, morte e ressurreição, Jesus cumpriu a sua missão. Realizando o plano de
Deus, Jesus venceu todos os poderes hostis ao Reino dos Céus. Ele despojou principados e
potestades, pois triunfou sobre eles na cruz (Cl 2:15). Vitorioso, Jesus foi exaltado à direita de
Deus, “ficando-lhe subordinados anjos, e potestades e poderes (1 Pd 3:22). A partir de então, tudo o
que oprime o ser humano e todos os poderes espirituais estão submetidos a Cristo (Ef 1:20-22).
Com a atuação de Jesus, o mundo foi julgado e o seu príncipe (o diabo) foi expulso (Jo 12:31 e Ap

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12:9). Satanás caiu do céu como um relâmpago (Lc 10:18). No final dos tempos, quando Cristo
entregar toda a realeza a Deus Pai, toda a adversidade será destruída (1 Co 15:24 e Rm 16:20).
Jesus expulsou demônios com o Espírito de Deus. A Igreja vive a partir da certeza de que
Jesus é o “mais forte” (Lc 11:20-22; Mc 1:24 e 4:41) e é capaz de desarmar Satanás. Desse modo,
Jesus é vitorioso sobre a doença (1 Pd 2:24).
Com a vitória de Cristo sobre os poderes espirituais, nada mais pode nos separar do amor de
Deus (Rm 8:38-39).
Jesus venceu o mundo (Jo 16:33) dominado pelas forças do mal por causa de seu estado de
rebelião contra o Criador.
“Aquele que pratica o pecado procede do diabo, porque o diabo vive pecando desde o
princípio. Para isto se manifestou o Filho de Deus: para destruir as obras do diabo” (1 Jo 3:8).
Por sua morte, Jesus destruiu aquele que tinha o poder da morte: o diabo. E assim, Jesus
libertou a todos os que estavam escravizados pelo pavor da morte (Hb 2:14-15).
A partir da obra de Jesus, “o príncipe deste mundo já está julgado” (Jo 16:11).
Mediante o agir de Jesus, Deus liberta as pessoas do império das trevas e as transporta “para
o reino do Filho do seu amor” (Cl 1:13-14). As pessoas que foram libertadas e curadas devem viver
de um modo vigilante, para evitar uma recaída (Jo 5:14; Mt 12:43-45).
As trevas são uma alusão à morte. Seu oposto é a vida, a luz. Ver a luz é viver (Jo 3:21). Em
Cristo foi estabelecido o reino de luz.
Jesus estava consciente de sua missão; ele veio para cumprir o plano de Deus. Ele se
assumiu como Servo sofredor de Deus e se entendeu como Filho do Homem.
O mesmo Jesus Cristo prossegue atuando em sua Igreja. A obra continua. Todo o Novo
Testamento mostra a convicção de que a obra é permanente.
Nos evangelhos, Jesus ressalta a proximidade do Reino de Deus. As epístolas salientam que
Jesus Cristo é o Senhor do universo.
O evangelho anuncia o perdão de Deus, o Pai, que requer nossa fé: confiança e obediência.
As epístolas mostram o significado da fé na morte redentora de Cristo por nossos pecados como
condição da nossa salvação.
Toda a ética da Igreja primitiva tem como fundamento o amor de Deus e se direciona para o
amor ao semelhante.
Os meios da graça são o batismo e a ceia do Senhor, ligados respectivamente ao batismo
que Jesus mesmo recebeu e cumpriu na cruz, e à última comunhão de mesa com seus discípulos.
O Espírito Santo é concedido aos que crêem em Jesus. O Espírito é o poder de ressurreição
que atua na Igreja e na vida de cada membro. O Espírito está ligado à ressurreição de Jesus, sua
vitória sobre a morte e os milagres por ele realizados.
Os meios da graça e a dádiva do Espírito devem ser vivenciados em comunhão. Para
compartilharmos essa vivência, somos chamados a integrar o Corpo de Cristo: a Igreja, que ele
resgatou para si.
Todo o Novo Testamento transmite a esperança de que por intermédio de Jesus entramos no
período final da história da salvação.
O acontecimento central da história é o evento realizado em Cristo.
Tanto o Antigo Testamento quanto o Novo Testamento pertencem à história da salvação. A
Bíblia testifica que Deus realiza um plano divino sobre uma linha histórica por ele escolhida. O
Novo Testamento apresenta os acontecimentos decisivos, que são o centro da história.
A história da salvação se cumpriu em Cristo, mas desdobra-se no tempo presente até a
consumação. O desenrolar acontece de acordo com os critérios de Deus.
A alegria dos cristãos advém da certeza da participar na história da salvação. É a convicção
de viver no tempo presente, que está relacionado com o passado e com o futuro. O tempo presente
se reveste de significado: é o tempo da atuação do Espírito, da missão da Igreja, da proclamação do
Evangelho.
Em sua vivência de fé, a pessoa integra sua existência individual na grande história da
salvação. A existência individual é inserida no grande plano de Deus.
A decisão da fé faz a pessoa experienciar um novo nascimento. Crer significa integrar sua
vida na história da salvação, que tem um ponto central e um sentido: Jesus Cristo.

89
O ser humano é alcançado por Deus ali onde ele se encontra. Ele não precisa se tornar
religioso, assim como os gregos (At 17:22), para então ser aceito por Deus. Mas, o Criador vem
encontrá-lo na fragilidade e na limitação existencial em que ele se encontra. A pessoa é acolhida
por Deus justamente porque ela é humana.
A fé cristã se relaciona com o Criador todo-poderoso que criou o mundo por intermédio de
sua Palavra. Exceto Deus, todos os seres vivos são criaturas. Existe, portanto, um abismo entre
Criador e criatura. Toda a obra criada deve a sua existência à vontade de Deus. Como criatura, o ser
humano tem a tarefa de praticar a vontade do Criador. Essa vontade Deus tornou conhecida
mediante a revelação de sua Palavra. A piedade cristã se expressa em humildade diante do Criador
e Senhor. A atitude oposta é a auto-suficiência (hybris, em grego).
Jesus anunciou um Deus totalmente pessoal, que pode ser invocado como Pai. Como
pessoa, o ser humano deve se relacionar com o Deus revelado em Jesus de Nazaré. Nesse
relacionamento, a oração assume uma importância fundamental. Cada pessoa deve se posicionar
como indivíduo perante Deus.
A fé cristã anuncia que Deus é misericordioso e salva sua criatura. Dominado pelo pecado,
o ser humano está entregue à morte. A redenção só é alcançada mediante a graça divina, que foi
revelada em Jesus Cristo.
Vivendo sob a graça de Deus e iniciando uma nova existência a partir do batismo, o cristão
passa a ser conduzido pelo Espírito Santo. O cristão torna-se filho de Deus e passa a ver todas as
demais criaturas como o seu próximo.
O Evangelho não é produzido a partir do nosso interior, mas ele advém a partir de um
evento histórico: a manifestação de Deus em Jesus de Nazaré. O ser humano é chamado a crer na
mensagem da verdade trazida por Jesus Cristo. O Deus pessoal quer interagir com sua criação. O
Deus testemunhado pela Bíblia é um Deus de relacionamento.
O ser humano tem a liberdade para amar a Deus e, também, para desobedecer aos seus
preceitos. Ele é responsável e pode se tornar culpado perante o Criador.
Em Jesus, Deus torna-se um irmão e um semelhante. E no entanto, Jesus vem a ser um
condenado. Em sua vida terrena, ele passou privação e angústia. Essa foi a sua missão e assim ele
cumpriu a vontade do Pai. Ele foi totalmente obediente ao plano divino.
O relacionamento com o próximo recebe destaque. Diante da pergunta “Quem é o meu
próximo?” (Lc 10:29), Jesus mostrou que o amor próximo foi praticado por um samaritano, alguém
que propriamente não pertencia ao povo judeu, e lançou uma contra-pergunta: “Qual destes três te
parece ter sido o próximo do homem que caiu nas mãos dos salteadores?” (Lc 10:36). O cristão é
chamado pelo Evangelho a ser um próximo para o seu semelhante. Devemos seguir Jesus, que
amou as pessoas desprezadas e marginalizadas pela estrutura social.
O Evangelho não é um ensino esotérico com o propósito de promover a iluminação de
indivíduos isolados. Ele é o testemunho de uma existência na qual aconteceu o encontro da
dimensão humana com a divina. Jesus mostrou o específico da revelação de Deus na medida em
que ele se relacionava com as pessoas. Jesus curou e restaurou as pessoas. Deus quer se relacionar
conosco na medida em que nós nos defrontamos com o nosso semelhante (Mt 25:40). O cristão
ama o seu semelhante, pois é assim que ele testemunha o amor de Deus. E Deus quer ser amado
nos irmãos menores. No centro da vivência cristã está o relacionamento interpessoal: a promoção
da dignidade humana (Mc 2:27).
O cristão não precisa atingir um grau de perfeição para então realizar boas obras e a vontade
de Deus. Ele é aceito como ele é, mas Deus o transforma mediante a ação do Espírito. Os
discípulos sofreram com suas imperfeições, mas continuaram sendo aceitos por Jesus.
“Em todos os sentidos o Novo Testamento é o documento onde aparece a imagem de Jesus
como Cristo em sua forma original e básica. Todos os outros documentos, desde os Pais
Apostólicos até os escritos dos teólogos atuais, são dependentes desse documento original. Em si
mesmo o Novo Testamento é uma parte integral do evento que ele documenta. O Novo Testamento
representa o lado receptivo daquele evento e oferece, como tal, um testemunho de seu aspecto
fatual. Se isso for verdadeiro, pode-se dizer que o Novo Testamento como um todo é o documento
básico do evento sobre o qual se fundamenta a fé cristã. [...] Todos os livros do Novo Testamento
são unânimes, contudo, na afirmação de que Jesus é o Cristo” (Paul Tillich, Teologia Sistemática).

90
A História da Salvação tem o seu centro em Cristo. Vivemos no período entre a ressurreição
e exaltação de Cristo até a sua vinda em glória e o estabelecimento de seu reino.
Deus quer se comunicar conosco. Ele quer falar por intermédio das palavras da Bíblia. Nas
Sagradas Escrituras está registrado que Deus quer nos proporcionar e também o que ele espera de
cada um de nós.
Na medida em que abrirmos a nossa Bíblia, nossa vida é restabelecida e reintegrada pelo
Criador.

Os autores.

Paulo Roberto Rückert cursou Teologia na Escola Superior de Teologia, em São Leopoldo-RS,
Filosofia na PUC-Minas, em Belo Horizonte, Psicanálise na Sociedade Latino Americana de
Psicanálise Clínica, em Vitória e Pós-graduação em Docência do Ensino Superior na Universidade
Candido Mendes, em Vitória. É Psicanalista e Professor na Faculdade Unida de Vitória.

Maria Luiza Rückert cursou Teologia na Escola Superior de Teologia, em São Leopoldo-RS, com
Pós-graduação em Ética, Cidadania e Subjetividade. É Capelã no Hospital Evangélico de Vila
Velha. Leciona na Faculdade Unida de Vitória.

Contra-capa

A Bíblia é o testemunho da revelação de Deus. Inspiradas pelo Espírito de Deus, diversas


pessoas registraram por escrito as realizações do Criador junto à humanidade.
A Bíblia registra uma revelação progressiva de Deus. “Deus falou a Moisés e lhe disse: Eu
sou Iahweh. Apareci a Abraão, a Isaac e a Jacó como El Shaddai; mas meu nome, Iahweh, não lhes
fiz conhecer” (Êxodo 6:2-3).
Quando estudamos a revelação progressiva de Deus, constatamos que a Bíblia surgiu no
transcurso da história do povo de Israel. Torna-se fundamental estudar esse processo histórico no
qual a Escritura Sagrada foi redigida.
O Novo Testamento testifica que a revelação de Deus chegou ao seu ponto culminante e
definitivo. “Porque a lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de
Jesus Cristo” (João 1:17).
O estudo da formação da Bíblia mostra que Deus chamou pessoas como nós. O povo de
Israel não apresentou qualificações especiais para ser chamado. Mas Deus sempre se manteve fiel
às suas promessas, vocacionou profetas e enviou Jesus Cristo para instaurar o seu reino entre nós.
Jesus se relacionou com Deus chamando-o de “Pai querido”, empregando o vocábulo Abba, que o
Novo Testamento preservou em aramaico. Nós também podemos invocar Deus com essa
intimidade de filhos do Pai celestial.

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