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Igreja Evangélica Congregacional Reformada

em Fortaleza
PR. ELDER PINTO

EXPOSIÇÃO DOUTRINÁRIA (21abril2021)


O NOVO TESTAMENTO À LUZ DO ANTIGO TESTAMENTO
Prof. Samuel Fernandes

INTRODUÇÃO:
Muitos equívocos ou obstáculos cercam a leitura e estudo do Antigo Testamento como revelação
bíblica. O Antigo Testamento T é relegado a um “segundo” plano como literatura antiga, obsoleta. Em
muitas realidades, o conceito de “novo” lança sobre o “velho” ou “antigo” uma aura de ultrapassado,
como algo que caiu em desuso e deve dar lugar ao que é novo. Para citarmos apenas um exemplo,
podemos falar de aparelhos eletrônicos, como computadores e aparelhos celulares. Tantas vezes
esse princípio é aplicado ao Antigo Testamento em relação ao Novo Testamento.
Outro equívoco envolvendo a leitura do Antigo testamento tem a ver com a ideia errônea em torno
da progressividade da revelação. Quando afirmamos que Deus se revelou progressivamente não
queremos dizer que uma revelação recente elimina ou torna a revelação anterior obsoleta. Referindo-
se ao Antigo Testamento, o apóstolo Paulo diz que “Toda Escritura é soprada por Deus e útil...” Assim,
a utilidade da revelação bíblica para o povo de Deus não tem a ver com o tempo, mas com sua
natureza e origem. De Gênesis 1 a Apocalipse 22 a Bíblia é palavra sobrenatural de Deus, dada para
sua glória e para santificação do seu povo. Assim sendo, em cada momento da revelação progressiva
Deus revelou o que era suficiente para a fé do seu povo e de sua relação com ele. O salmista dirá,
aproximadamente 1000 anos antes de Cristo e do Novo Testamento, que “A Lei do Senhor é completa
ao levar a alma ao arrependimento” (Salmo 19.7(8).
Um terceiro equívoco envolvendo a leitura do Antigo Testamento está associado a um mal
entendimento dos conceitos de Lei e Graça. Muitos cristãos separam o Antigo Testamento do Novo
Testamento em termos de Lei e Graça, como se o Antigo Testamento fosse a representação da ira e
da justiça de Deus em oposição ao Novo Testamento, que manifesta o amor e a graça de Deus.
Entretanto, tal raciocínio não tem encontra harmonia com a revelação bíblica. Ira, justiça, amor,
misericórdia são atributos divinos, ou seja, são algumas das características essenciais de Deus. Sem
esses atributos, ele deixaria de ser Deus. Todos os atributos sempre existiram e existirão infinitamente
em Deus. Ou seja, não houve um tempo em que Deus foi mais ira e menos amor, ou vice versa. Em
Deus, nenhum atributo é maior ou mais intenso do que outro, pois Deus é infinito em todos os seus
atributos. Nenhum atributo divino elimina outro, pois todos são perfeitos em Deus. Assim sendo, o
Deus do Antigo Testamento não ama menos do que o Deus do Novo Testamento. Deus não muda.
Ele tem um único plano, desde os tempos eternos, perfeito e imutável. Seu plano tem
desdobramentos distintos na história humana, mas Deus e seu plano não mudam. Deus se relaciona
com seu povo por meio de pactos ou alianças, que são esses desdobramentos do seu plano, mas
Deus não muda. Todo os atributos divinos são revelados ao longo da revelação bíblica. Um dos muitos
exemplos da justiça de Deus operando em harmonia com seu amor é Levítico 1.1-4.
Dr. Bruce Waltke nos chama a atenção para três verdades que revelam a importância e
necessidade da leitura e do conhecimento do Antigo Testamento pela igreja cristã.

1. Nossa identidade está vinculada ao Antigo Testamento – O evangelho no qual cremos e


que agora pregamos como igreja é a mensagem do que Deus fez em Cristo para nos buscar,
redimir, regenerar, converter pela fé, justificar, adotar, unir-nos a Cristo, santificar e glorificar.
Desde os tempos eternos, até o dia de Cristo, quando formos glorificados, e por toda a
eternidade futura, a salvação pertence ao Senhor, não a nós. Todo o Antigo Testamento
estabelece o conceito de substituição na salvação, sempre apontando para o sacrifício vicário
perfeito do Filho de Deus. Todas as grandes doutrinas essenciais da fé da igreja foram
reveladas no Antigo Testamento apontando para uma perfeita convergência em Cristo (Luc
24.44).
2. Nossa memória e esperança estão vinculadas ao Antigo Testamento - “Pois tudo quanto,
outrora, foi escrito para o nosso ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência e pela
consolação das Escrituras, tenhamos esperança.” (Rom 15.4; 1Cor 10.6-12). O relato bíblico
dos atributos de Deus em sua relação com seu povo é nossa memória. O Novo Testamento
chama a nossa atenção para o Deus com quem estamos lidando (1Cor 10.7-11).
3. Nosso entendimento do Novo Testamento é impossível sem o Antigo Testamento – A
luz que o Antigo Testamento lança sobre o Novo Testamento é imprescindível para o
entendimento deste. Exceto Esdras, Neemias, Ester, Eclesiastes e Cantares de Salomão,
todos os demais livros do Antigo Testamento são citados no Novo Testamento. Jesus citou
24 livros do Antigo Testamento. 247 passagens, cerca de 400 versos do Antigo Testamento
são citados no Novo Testamento. Isto nos mostra como os próprios autores do Novo
Testamento recorreram ao Antigo Testamento para explicar aos leitores o cumprimento das
profecias e a convergência do plano de Deus em Cristo. Para os escritores do Novo
Testamento, não existe compreensão desta nova revelação sem uma leitura atenta e
minuciosa do Antigo Testamento. João Batista descreve Jesus como o “Cordeiro de Deus
que tira o pecado do mundo” (João 1.29). Temos nessa declaração o conceito de iniciativa
divina na salvação (Deus envia o Cordeiro, ele vem “da parte de Deus”), o conceito de
sacrifício vicário, substitutivo (esse Cordeiro será morto em lugar do pecador – Lev 1.1-4), e
o conceito de uma salvação abrangente a todas as nações (o Cordeiro tira o pecado “do
mundo”). A luz para a compreensão desta expressão vem do Antigo Testamento, sem o qual
as palavras de João Batista ficam suspensas no ar, como todo o restante do Novo
Testamento. Sem o Antigo Testamento também não há edificação para o serviço na fé (2Tim
3.16-17).

Hoje queremos elaborar três pilares da revelação bíblica, cada um deles associado a uma das três
divisões da Bíblia Hebraica: Lei, Profetas, Escrituras (Lucas 24.44).

I. O CARÁTER ESCATOLÓGICO DO ANTIGO TESTAMENTO (Sumário da mensagem da Lei: Gen


3.15; 12.3; 9; 49; )
Sempre apontando para a frente, para Cristo e as realidades vinculadas à sua pessoa e obra. A Lei
de Moisés possui um caráter escatológico e estabelece desde o início o fio de ouro em torno do qual
toda a revelação se desdobrará: A promessa da semente da mulher (Gen 3.15). Os elementos ou
verdades fundamentais do evangelho são assim apresentados na Lei:
• Atributos de Deus: em relação ao evangelho, a Torah apresenta a santidade e justiça de
Deus, sua ira e poder, ou seja, sua intolerância para com o pecado. Deus é juiz severo. O
pecado traz morte. Absolutamente. Sem apelação. (Deut 4.1; 28)
• Condição desesperadora do homem. O pecado o faz imundo (hb[wt e #qv) e permeia sua
vida. As leis de twrvq não tornam o homem imundo, mas simplesmente revelam sua
condição desesperadora. Apesar de tantas leis de higiene e purificação presentes em
Levítico, não encontramos uma única lei que ordenasse a limpeza do altar. Imagine a reação
de quem se aproximava de um lugar onde todos os dias se derramava sangue de animais
por duas vezes!
• Necessidade de sacrifício vicário. Diante de um Deus tão perfeitamente santo, o pecador
imundo morre. A não ser que Deus lhe tenha misericórdia e lhe apresente um substituto (Lev
1.1-4). É também a Torah que apresenta uma ordem de sacerdócio superior à de Arão, à
qual o próprio Abraão se dobrou (Gen 14.18-20), que possui um sacerdote eterno (Sal 110.4;
Heb. 5.6-11; 6. 20-7.28).

II. O CARÁTER PROFÉTICO DO ANTIGO TESTAMENTO (Nova ALIANÇA: Sumário da mensagem


dos profetas 2Sm 7; Jer 31-33; Eze 36 “O Livro dos 12”)
Sempre mostrando que toda a revelação gira em torno de Cristo e do desenrolar do seu plano de
salvação, os Profetas apontavam para trás, para a Lei, para a necessidade de retorno aos
mandamentos do Senhor. Mas mostraram a continuidade da promessa, apontando para novas
realidades, para uma nova aliança, onde a promessa alcançará seu cumprimento pleno. Os
elementos do evangelho, a nova aliança, são assim apresentados nos Profetas:
• Deus é o único que pode conceder arrependimento. Arrependimento é dom de Deus (Amós
1.3; Romanos 2.4)
• Deus tem um povo escolhido, um remanescente dentre todas as nações (Gen 12.3; Joel 2.28;
Isaias 2.1-5)
• O cumprimento das profecias descansa no ventre do futuro (“Nos últimos dias, diz o Senhor...”
“Porque um menino nos nasceu... ele será chamado Deus forte...” “Do tronco de Jessé sairá
um rebento...” Isa 11, cujo reino não terá fim Dan 2.44).

III. O CARÁTER DIDÁTICO DO ANTIGO TESTAMENTO (Sumário da mensagem das Escrituras: A


sabedoria, que permeia toda a criação, é Cristo. E Salomão é a figura escolhida para atrair “todas as
nações” o Deus por meio da sabedoria, que é Cristo 1Reis 10.1; 4.34) – Sempre apontando para
Cristo, como a salvação, agora não mais restrita a uma nação, uma religião, um lugar. Os elementos
do evangelho, da nova aliança são assim apresentados nas Escrituras:
• A sabedoria criou todas as coisas (Gen 1; Pv 8, 31), de maneira que o universo é permeado
de sabedoria. Ninguém que viva neste universo escapará á sabedoria. Há que amá-la ou
odiá-la. Não se pode viver neste universo indiferente a ela. Daí a expressão “lunático”, (louco)
uma pessoa que vive como se estivesse “na lua”, por negar a realidade do mundo à sua volta.
• A história humana divide todos os homens entre sábios (os que temem o Senhor e amam a
sabedoria Prov 4.1-12; Salmo 1.1-3) e loucos (os que não temem o Senhor e odeiam a
sabedoria 2.12-22; Salmo 1.4-6).
• O amor à sabedoria traz vida (Prov 3.1-6), mas o desprezo à sabedoria leva à morte (Prov
1.10-19). Desse modo, a diferença entre vida e morte é a sabedoria. Nos dias de Salomão
uma deusa egípcia chamada “Maat” era adorada como a representação máxima que leva o
morto a Osíris ou o afasta dele para sempre. Por esse motivo, a sabedoria é apresentada nas
Escrituras como uma mulher (Prov 8) que precisa ser encontrada, mas não será, até que ela
mesma se revele aos seus (4.7; 31.10 acmy ym lyx tva).
• A sabedoria de Deus é Cristo. “Mas nós pregamos a Cristo crucificado... sabedoria de Deus”
(1Cor 1.23-24, 30; 2.6-8),
1. Ele é o Criador - “Pois nele foram criadas todas as coisas, no céu e na terra, as visíveis e
as invisíveis...” (Col 1.16; João 1.3; Prov 8)
2. Todos os homens são chamados a uma decisão em relação a Cristo. Todos respondem,
de um modo ou de outro. Todos os homens: amam a Cristo ou o rejeitam. Ninguém vive
indiferente a ele (1João 2.15-16; Mat 10.37).
3. Ele dá a vida e também a morte - “Aquele que tem o Filho de Deus tem a vida. O que se
mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus.”
(João 3.36)
CONCLUSÃO: O Antigo Testamento apresenta a gênese da criação, da queda, e do plano de
redenção. O centro e fio condutor de sua narrativa é a promessa (Gen 3.15) da semente da mulher
que esmagará a cabeça da serpente. A Lei diz que esse descendente é descendente de Abraão (Gen
12.1-3), que será uma estrela procedente de Jacó (Num 24) que será rei e que virá da tribo de Judá
(Gen 49.10, que será profeta maior do que Moisés (Deut 18). Os Profetas revelam os nomes de parte
dos seus antepassados (Isa 11), o nome de sua cidade natal (Miq 5.2), e muitos detalhes de sua vida
e obra (Zac 9.9; Isa 53). As Escrituras revelam a Divindade do Senhor Jesus (Sal 110), mostram que
ele é a sabedoria que divide a humanidade em dois rebanhos (sábios e loucos) e fornecem detalhes
impressionantes de sua humilhação e exaltação (Sal 22, 23, 24). Estas são apenas algumas das
verdades que de Cristo estão reveladas na Lei de Moisés, nos Profetas, e nas Escrituras (Luc 24.44).
Noutra oportunidade, veremos mais algumas delas.
Que o Senhor abençoe a cada um! Shalom!

“pasce agnos meos”

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