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PORQUE O NOME TEOLOGIA BÍBLICA?

Podemos afirmar que a Teologia Bíblica investiga a verdade de Deus e o Seu


universo no seu desenvolvimento divinamente ordenado e no seu ambiente histórico
conforme apresentados nos diversos livros da Bíblia.
A teologia bíblica é a exposição do conteúdo doutrinário e ético da Bíblia,
conforme originalmente revelada. A teologia bíblica extrai o seu material
exclusivamente da Bíblia.
Possivelmente você esteja pensando “é obvio que a teologia tem que ser
bíblica”. Contudo será que toda teologia é bíblica? Na estrutura dos estudos
acadêmicos, não.
A teologia pode ter um caráter puramente filosófico e até mesmo esquecer-se
da Bíblia. Em outros casos, a teologia pode, e de fato muitos o fizeram, negar a
própria Bíblia como fonte para a teologia.
Exemplos de teologia não bíblica: Teologia Espírita, Teologia Islamica, etc

TEOLOGIA BÍBLICA X TEOLOGIA SISTEMÁTICA?


Teologia Sistemática – É o estudo ordenado da Bíblia em tópicos. Trata de temas
isolados.
A Teologia Bíblica – A Teologia Bíblica foca no desdobramento do plano de Deus na
história redentiva. O método da teologia bíblica é, predominantemente, determinado
pelo princípio de progressão histórica, daí a divisão do curso da revelação em certos
períodos.

A AUTORIDADE DO ANTIGO TESTAMENTO


Uma das questões mais difíceis que o leitor do AT enfrenta é a questão da
natureza da autoridade do AT para a Igreja. Reconhecemos que o AT é uma parte
integral das Escrituras Sagradas que a Igreja cristã aceita. O propósito geral dessa
teologia é fortalecer a Igreja por meio de uma consideração séria do conteúdo do
AT, reconhecendo que o AT é uma autoridade para a Igreja e tem valor na
elaboração da doutrina e prática da Igreja e na formação de sua liderança.
A autoridade do AT para a Igreja baseia-se em vários elementos. Talvez o
elemento mais óbvio seja o papel do próprio cânon. Por meio do processo de
canonização, as comunidades religiosas que aceitam o AT como Escritura
reconheceram o valor dos livros do AT para a fé e o estabelecimento da prática
religiosa. No processo da canonização, vários critérios foram usados, mas o critério
fundamental foi a inspiração. Os judeus e os cristãos aceitam o valor intrínseco dos
livros do AT porque essas comunidades acreditam que ao serem lidos esses livros,
as pessoas ouvem a voz de Deus.
O NT testifica de várias maneiras a aceitação do AT como autoridade para a
Igreja. Primeiro, encontramos citações nos Evangelhos de trechos específicos do
AT. Os evangelistas citaram o AT para mostrar que Jesus era o Messias prometido
(Mt 1:22,23; 2:5,6,17,18; 12:17-21) e para mostrar que a mensagem do AT
continuou na pessoa de Jesus (Mc 1:2,3; Lc 3:4-6). Segundo, Jesus citou

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passagens do AT em defesa de seu ministério e de sua mensagem (Mt 13:13-15;
22:24; Lc 4:18,19). Ele ensinou a seus discípulos que o AT, em termos gerais, se
cumpriu nele (Mt 5:17-20; Lc 24:44,45 ). Terceiro, o apóstolo Paulo afirmou a
autoridade do AT em 2 Timóteo 3:16,17. Em muitos sentidos, essa passagem é o
ponto focal da questão para a Igreja. Além de afirmar a origem divina das Escrituras
do AT, Paulo formulou a questão da autoridade no contexto da Igreja e sua tarefa de
fazer e ensinar discípulos. Nessa mesma carta, Paulo indicou que faz parte da
responsabilidade do obreiro conhecer como usar as Escrituras em seu ministério (2
Tm 2:15). Finalmente, o fato de que o AT faz parte do cânon cristão testifica em
favor de sua importância para a Igreja.

 LIVRO DE GÊNESIS

A teologia de todo o livro de Gênesis se encontra na bondade de Deus ao


estender suas bênçãos do plano da promessa de maneira muito generosa, a partir
da criação até a escolha da linhagem de Abraão, meio pelo qual Deus
abençoaria todas as famílias da Terra. A palavra dominante na teologia de
Gênesis é benção, aparecendo 88 vezes no livro.
A marca distintiva de Gênesis 1— 11 acha-se na “bênção” de Deus expressa
nas alianças edênica, noética e abraâmica. Foi ele quem prometera “abençoar”
todos os seres criados, no princípio da narrativa pré-patriarcal (1.22,28),
posteriormente em diversos pontos estratégicos no desenrolar da narrativa (5.2;
9.1), e na conclusão a essa primeira seção da Bíblia (12.1-3).
Assim, porém, como começou a teologia desta seção, começou também o
mundo — pela palavra de um Deus pessoal que se comunica. Por dez vezes, o
texto reitera esta declaração introdutória: “E disse Deus” (Gn
1.3,6,9,11,14,20,24,26,29; 2.18). A criação, portanto, é descrita como o
resultado da palavra dinâmica de Deus.
Esta era foi tão significativa que Deus Se anunciava como "Deus dos
patriarcas", ou "Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó". Além disto, os patriarcas
eram considerados "profetas" (Gn 20:7; SI 105:15). Aparentemente era porque
pessoalmente recebiam a palavra de Deus. Frequentemente, a palavra do Senhor
"veio" a eles de modo direto (Gn 12:1; 13:14; 21:12; 22:1) ou o Senhor "apareceu" a
eles numa visão (12:7; 15:1; 17:1; 18:1) ou na personagem do Anjo do Senhor
(22:11,15).
Na condição de primeiro livro da Bíblia, Gênesis apresenta o Senhor, Israel e
sua importância, e a maneira como a aliança com Deus cria obrigações mútuas
entre o Senhor e Israel. Também mostra Deus como único Criador, sustentador e
juiz de todas as pessoas, qualquer que seja sua raça ou nacionalidade. Sendo o
primeiro livro do Pentateuco, Gênesis funciona como uma introdução na qual se
apresentam as bases para o maior líder de Israel (Moisés), o evento mais crucial
de Israel (Êxodo), o momento determinante de Israel (Sinai) e o futuro imediato
de Israel (a conquista de Canaã). Revela tanto as raízes e frutos da revolta
universal contra Deus quanto o papel de Israel na solução dessa revolta. No
entanto, acima de todas essas ideias vitais e determinantes encontra-se a

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apresentação serena do Deus único que sozinho cria e governa todas as
coisas. Assim, Gênesis possui um testemunho teológico singular que contribui para
o Pentateuco e a unidade teológica do AT.

A primeira palavra de promessa: a semente


Foi uma palavra profética de juízo e de libertação, dirigida à serpente (3.14-15), à
mulher (v. 16) e ao homem (v. 17-19). Em cada caso, foi declarada a razão da
maldição: (1) Satanás ludibriou a mulher; (2) a mulher escutou a serpente; e (3)
o homem escutou a mulher — ninguém escutou a Deus! Em meio ao canto
fúnebre de pesar e repreensão, no entanto, surgiu a palavra surpreendente de
esperança profética da parte de Deus (Gn 3.15).
A segunda palavra de promessa: o Deus que habita nas tendas de Sem
A segunda crise do mundo veio com a subversão da instituição do estado, levando
um populacho desregrado a praticar a iniqüidade. Antes disso, Lameque já
começara a perverter o propósito do governo, com sua tirania e poligamia
jactanciosas (Gn 4.23-24).
“Noé, porém, encontrou graça aos olhos do Senhor” (6.8), porque era
“homem justo e íntegro em sua geração” (v. 9). Assim sendo, o segundo maior
tempo de necessidade da terra, conforme esse texto, haveria de receber o alívio,
como aconteceu em Gênesis 3.15, com a operação da salvação da parte de Deus.
Havia um remanescente justo — não por acidente nem por qualquer tipo de
parcialidade.
A bênção divina: “Frutificai, multiplicai-vos e enchei a terra”, foi repetida novamente,
dessa vez dirigida a Noé, à sua esposa, aos seus filhos, às esposas destes, e a
toda criatura vivente na terra, no ar e no mar (8.17; 9.1,7). Neste ponto, Deus
acrescentou a sua aliança especial com a natureza. Ele manteria “plantio e
colheita, frio e calor, verão e inverno, dia e noite”, sem interrupção, enquanto
durasse a terra (8.22). O conteúdo dessas promessas formava uma “aliança eterna
entre Deus e todos os seres viventes de toda carne que há sobre a terra” (9.8,11,16)
simbolizada pelo arco no céu. Junto a essa nota da bênção da parte de Deus havia
a sua promessa: “Não tornarei a amaldiçoar a terra por causa do homem” (8.21),
lembrança de uma maldição semelhante pronunciada contra a terra em Gênesis
3.17. Assim sendo, Sem seria aquele através de quem a “semente” prometida
anteriormente haveria de vir.

A terceira palavra de promessa: uma bênção para todas as nações


Cinco vezes seguidas, Gênesis 12.1-3 se repetiu a palavra “bênção”. E não
era surpreendente que se tratasse de uma palavra dirigida a um descendente de
Sem, Abraão. Ele mesmo seria abençoado, e, por meio desta bênção, ele haveria
de ser uma bênção para todas as nações da terra.

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A ERA PATRIARCAL
Um novo estágio na revelação divina começou em Gênesis 12. Nessa nova
era, houve uma sucessão de indivíduos que serviam como o meio escolhido por
Deus para oferecer sua palavra de bênção para toda a humanidade. Recebendo a
eleição divina para serviço e seu chamado para bênçãos pessoais e de alcance
mundial, Abraão, Isaque e Jacó vieram a ser o marco de uma nova fase nas
crescentes bênçãos do plano da promessa de Deus.

PALAVRA DE REVELAÇÃO
Repetidas vezes os patriarcas foram apresentados como os recipientes
frequentes e imediatos de várias formas de revelação divina. Não é de estranhar,
portanto, que o registro os tratasse como “profetas” (20.7; e, posteriormente, em SI
105.15), homens que tinham acesso imediato à palavra e ao ouvido do Deus vivo.
Deus se dirigia a eles diretamente em palavras faladas (Gn 12.1,4; 13.14; 15.1;
21.12; 22.1), com a fórmula introdutória: “Veio a palavra do Senhor a ele” ou: “O
Senhor lhe disse”. Não era, portanto, somente a Moisés que Deus falava
claramente, “frente a frente” (Nm 12.6-8), mas também a Abraão, Isaque e Jacó.
Ainda mais espantoso era o fato de que o próprio Senhor aparecia a estes homens,
naquilo que subsequentemente foi chamado de teofania (Gn 18.1).
A realidade da presença do Deus vivo sublinhava a importância e a
autenticidade das suas palavras de promessa, conforto e orientação. Estas
aparições, traziam o homem, Deus, e seus propósitos para homens e mulheres a
um vínculo muito próximo e íntimo. Os três patriarcas experimentaram o impacto da
presença de Deus sobre as suas vidas (12.7; 17.1; 18.1; 26.2-5,24; 35.1,7,9). Cada
aparição de Deus marcava um desenvolvimento importante no progresso da
revelação, bem como na vida destes homens. Nessas ocasiões, voltava a
“abençoar” os homens, dando-lhes novos nomes, ou enviando-lhes em missão que
acarretava consequências importantes não só para os patriarcas, senão também
para todo esquema teológico posterior.
Durante esta era, Deus também falava por meio de sonhos (20.3; 31.10-
11,24; 37.5-10; 40.5-16; 41.1-32) e visões (15.1; 46.2). A visão era modo distintivo
de comunicar novos conhecimentos a Abraão, em um pano de fundo dramático no
qual ele tinha consciência de um panorama completo de detalhes (cap. 15). Jacó
teve a experiência de visão semelhante que o conclamou a descer para o Egito
(cap. 46).

PALAVRA DE GARANTIA

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Ao longo de todas as narrativas patriarcais, havia ainda um tema que
ressoava como outra parte da bênção da promessa. Era simplesmente a garantia da
parte de Deus: “Eu estarei contigo”.
Mas todos os preceitos de Deus vão acompanhados de promessas para o
obediente:
1) Farei de ti uma grande nação. Quando Deus tirou a Abrão de seu povo,
prometeu fazê-lo cabeça de outro povo.
2) Te abençoarei. Os crentes obedientes estarão seguros de herdarem a
bênção,
3) Engrandecerei teu nome. O nome dos crentes obedientes certamente será
engrandecido.
4) Serás uma bênção. Os homens bons são bênção para seus países.
5) Abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoem.
Deus se ocupará de que nenhum seja perdedor por algum serviço feito em favor de
seu povo.
6) Em ti serão benditas todas as famílias da terra. Jesus Cristo é a grande
bênção do mundo, a maior que o mundo tenha possuído jamais.

Nascimento de Isaque
No Antigo Testamento são poucos os que vieram ao mundo com tantas
expectativas como Isaque. Nasceu conforme com a promessa, no momento
designado do qual Deus tinha falado. Porém Deus provou a Abraão. O mandamento
de oferecer a seu filho se dá numa linguagem que faz a prova mais penosa ainda;
mas a fé tinha-lhe ensinado a não discutir, senão a obedecer. Tem a certeza de que
o mandamento de Deus é bom; que o que Ele tem prometido não pode ser
quebrantado.

 O povo da promessa
No livro do Êxodo, o plano da promessa de Deus é desenvolvido com mais
detalhes, na medida em que temas como “filho”, “primogênito” e
“tabernáculo/habitação” de Deus “nação santa”, “reino de sacerdotes” e
“propriedade exclusiva” de Deus são elaborados. Algumas das revelações mais
detalhadas sobre a natureza de Deus aparecem em Êxodo 3,6, 33 e 34. Ao revelar
o “nome” de Deus, enfatizam os atributos divinos de justiça, verdade, misericórdia,
fidelidade e santidade. Conhecer o “nome” de Deus significa conhecer a Deus e a
seu caráter (3.13-15; 6.3). O livro de Êxodo também revela Deus como o Senhor da
história. Não existe ninguém semelhante a ele, “poderoso em santidade,
admirável em louvores, capaz de maravilhas” (15.11).

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A ligação entre Êxodo e Gênesis

A despeito dos quatrocentos anos de silêncio que separaram os tempos patriarcais


da era mosaica, a teologia não se alterou por um só compasso. Por exemplo, a
breve recapitulação da família de Jacó se concluiu em Êxodo 1.7 com sete palavras
deliberadamente amontoadas uma sobre a outra. Eram evidência de que Deus
cumprira sua promessa: a semente de Jacó realmente “se reproduziu”,
“aumentou muito”, “multiplicou-se” e “tornou-se muito forte”. Foi alusão clara
à bênção prometida em Gênesis 1.28 e 35.11. A semente, porém, agora era mais
do que uma mera família; era um povo, uma nação.
Mais uma vez, toda a atividade divina poderia se resumir em um só conceito: era o
“lembrar-se” da sua aliança (6.5).

Meu filho, meu primogênito

Os doze filhos de Jacó e os dois filhos de José se multiplicaram até se tornarem


uma grande nação durante o período de escravidão no Egito. Depois de
quatrocentos e trinta anos de escravidão (Êx 12.40), os filhos de Jacó tinham
aturado demais; clamaram a Deus, pedindo socorro. O socorro veio na pessoa de
Moisés e nas intervenções e palavras milagrosas da parte do Senhor. O primeiro ato
de Moisés como porta-voz recém-nomeado pelo Deus vivo foi ordenar
categoricamente ao faraó: “Israel é meu filho, meu primogênito [...] Deixa meu
filho ir” (4.22-23). Javé se revelaria como “Pai” por meio de suas ações: trouxe
Israel à existência como nação; alimentou a nação e guiou-a. Nisto consistia a
paternidade. Assim Moisés arrazoaria no seu discurso final a Israel: “Ele [o Se
n h o r ] não é teu pai, que te adquiriu, te fez e te estabeleceu?” (Dt 32.6).
A filiação de Israel expressava um relacionamento: Israel era o filho de Javé, mas
não meramente no sentido de cidadão de uma nação, membro de um sindicato de
artesãos, ou discípulo de um mestre. A palavra hebraica ben, “filho”, pode ser
entendida, em vários contextos diferentes, em todos estes sentidos. Aqui, porém,
tratava-se de um relacionamento familiar: um povo que formava a família de
Deus. Israel não era uma família no sentido adotivo, ou no sentido de uma mera
unidade étnica, política ou social. Pelo contrário, era uma família formada, salva e
guardada por Deus, o “Pai” desta família. Como filhos verdadeiros, os israelitas
tinham de imitar seu Pai na prática. Tudo aquilo que o Pai é, o filho deve aspirar ser
(p. ex., “Sereis santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou Santo” [Lv 19.2). O
filho, por sua vez, deve respeitar a vontade do Pai e demonstrar seu respeito e
gratidão ao fazer aquilo que o Pai lhe manda fazer. O Pai, por outro lado, demonstra
seu amor ao tratar seu filho de modo terno e leal. Já o título “primogênito”
comumente significa o primeiro filho a nascer (p. ex., Gn 25.25; ou a abrir a madre,
Êx 13.2).

Meu povo, minha propriedade

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Israel era mais do que uma família ou filho de Deus; Israel já se tornara uma
“nação”(Êx 19 .6 ). A lealdade de Javé ao seu povo foi demonstrada nos eventos
das pragas, do êxodo e da jornada no deserto. Israel seria livrado da servidão ao
faraó a fim de servir ao Senhor. Quando, porém, o monarca egípcio
sistematicamente se recusou a cumprir as exigências de Javé, o poder divino —
chamado o “dedo de Deus” em Êxodo 8 .1 9 (cf. 3 1 .1 8 ; SI 8.3; Lc 11 .2 0 ) — foi
liberado em graus crescentes de severidade contra o faraó, seu povo, e as terras e
bens dos egípcios. O objetivo, porém, não foi nunca a mera punição como
retribuição pela obstinação do faraó. As pragas tinham propósito salvador tanto para
Israel como para o Egito. Eram para convencer o faraó de que Javé de fato falara e
deveria ser temido e obedecido; Israel não tinha escolha quanto a isto, nem
tampouco os egípcios. O texto insiste que suas pragas tinham também apelo
evangelístico aos egípcios. Cada catástrofe foi invocada assim: “para que saibais
[os egípcios] que eu sou o S e n h o r no meio desta terra” (Êx 8.22); “para que
saibais que não há outro semelhante a mim em toda a terra” (9 .1 4 ; cf. 8 .1 0 );
“para te mostrar o meu poder, e para que o meu nome seja anunciado em toda a
terra” (9 .1 6 ); “para que saibais que a terra é do Senhor ” (v. 2 9 ).

Sacerdotes reais
Esta “propriedade exclusiva”, possuída de modo sem igual, estava destinada a
tornar-se sacerdócio real composto pela congregação inteira. Israel, o primogênito
entre as nações, recebeu a posição de filiação, foi tirado do Egito, e os israelitas
foram feitos ministros em prol de si mesmos e das nações. Este papel de mediador
foi anunciado em Êxodo 19.3-6. Assim falarás à casa de Jacó e anunciarás aos
israelitas: “Vistes o que fiz aos egípcios e como vos carreguei sobre asas de
águias e vos trouxe a mim. Agora, portanto, se ouvirdes atentamente a minha
voz e guardardes a minha aliança, sereis minha propriedade exclusiva dentre
todos os povos, porque toda a terra é minha; mas vós sereis para mim reino
de sacerdotes e nação santa”.
A natureza distintiva e a posição especial concedidas a esta nação, a propriedade
exclusiva de Deus, eram envolvidas no sacerdócio universal. Os israelitas tinham
de ser mediadores da graça de Deus para com as nações da terra, assim como
em Abraão “todas as nações da terra seriam abençoadas”. A infelicidade dos
israelitas foi terem recusado o privilégio de ser sacerdócio nacional, preferindo ser
representados por Moisés e Arão (19.16-25; 20.18-21). Portanto, o propósito original
de Deus foi adiado (não desfeito ou derrotado para sempre) até os tempos do Novo
Testamento, quando, mais uma vez, foi proclamado o sacerdócio de todos os
crentes (lP e 2.9; Ap 1.6; 5.10).
Agora, porém, a voz de Deus era ouvida por Moisés; e a obra mediadora em prol de
Israel tinha, então, de ser levada a efeito pelos sacerdotes, Arão e seus filhos, e
pelos levitas.

Nação santa

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Outro título foi conferido a Israel em Êxodo 19.6. Haveria uma nação, mas não como
o tipo comum de nações que não conheciam a Deus. Israel teria de ser “nação
santa”. Esta promessa, no entanto, seria vinculada à resposta do povo e sua
preparação para a teofania, a aparição de Deus. Tais requisitos seriam um “teste”,
conforme Êxodo 20.20: “Não temais, porque Deus veio para vos colocar à prova,
para que o temor esteja em vós, a fim de que não pequeis”.
Israel tinha de ser separado e santo; tinha de ser separado e diferente de todos os
outros povos na face da terra. Com o povo eleito ou chamado que agora era
formado como nação sob a orientação divina, a santidade não era aspecto opcional.
Israel tinha de ser santo, porque seu Deus, Javé, era santo (Lv 20.26; 22.31-33).
Sendo assim, a nação já não poderia ser mais consagrada a qualquer outra coisa
ou pessoa (27.26) nem entrar em qualquer relacionamento rival (18.2-5).

 LEVÍTICO
A santidade de Deus permeia Levítico. Começando pelo santuário sagrado e seus
utensílios santos, passando pela santidade do comportamento obediente, e indo até
a própria essência do Senhor, a realidade da santidade, como um princípio ideal e
também como uma realidade concreta, jamais se afasta do livro. Associada a esse
conceito há outra idéia basilar: a presença de Deus entre o povo, um assunto que
vem prendendo a atenção dos leitores desde o Êxodo, mas que tornou-se mais vital
desde o incidente do bezerro de ouro. Só quando Israel alcança as expectativas
divinas de santidade é que o povo pode esperar alcançar e desfrutar a presença do
Senhor.
O livro recebe esse nome por causa dos levitas; contudo, é curioso que eles sejam
mencionados apenas uma vez, em Levítico 25.32-34. O livro é uma das cinco
seções da Torá, que significa “instrução” ou “ensino”.
Deus designou sacerdotes e levitas, suas vestimentas, ofícios, conduta e porção.
Indicou as festas que deviam observar e em que épocas. Declarou por meio dos
sacrifícios e cerimônias que a paga do pecado é a morte, e que sem o sangue de
Cristo, o inocente Cordeiro de Deus, não pode haver perdão de pecados.

A lei de Deus
Nenhuma fórmula apareceu com maior insistência durante este período de tempo
do que “Eu sou Javé, vosso Deus” (Lv 18.5,30; 19.2,4,
10,12,14,16,18,25,28,30,31,32,34,37; 20.7,8,24,26, ). E ela era o fundamento para
toda e qualquer exigência imposta sobre Israel. Seu Senhor era Javé, o Deus que
estava dinamicamente presente. E ainda mais: ele era Santo; Israel, portanto, não
tinha escolha no assunto do bem e do mal se quisesse desfrutar da comunhão
constante daquele cujo próprio caráter não tolerava nem toleraria o mal. Para ajudar
a jovem nação, recém-libertada de séculos de escravidão para os privilégios e as
responsabilidades da liberdade, Deus deu sua lei. Esta lei única tinha três aspectos
ou partes: a lei moral, a lei civil e a lei cerimonial.
A lei moral. O contexto das exigências morais de Deus era duplo: “Eu sou Javé,
vosso Deus” e “Eu te tirei da terra do Egito, da casa da escravidão” (Êx 20.2).

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Consequentemente, o padrão de medição moral para decidir aquilo que era certo ou
errado, bom ou mau, fixava-se no caráter imutável e impecavelmente santo de Javé,
o Deus de Israel. Sua natureza, atributos, caráter e qualidades eram a vara de
medida para todas as decisões éticas.
A lei civil. No que diz respeito à teologia, este aspecto da lei de Deus era a mera
aplicação da lei moral a partes seletas da vida da comunidade, especialmente em
pontos que, naqueles dias, era provável o desenvolvimento de tensões. A
verdadeira justiça e santidade da parte dos juizes e governantes devia ser medida
pelas exigências do Decálogo e do Código de Santidade. Portanto, a lei civil
ilustrava a sua prática nos vários casos ou situações com que a liderança se
defrontava durante a era mosaica.
A lei cerimonial. A mesma lei que fez tão grandes exigências aos seres humanos
também proveu, para os casos de fracasso em atingir estes padrões, detalhado
sistema de sacrifícios. A parte sacrificial, no entanto, era apenas um dos aspectos
pertencentes à lei cerimonial. Começando com o último aspecto, deve-se insistir que
o “impuro” não era equacionado na mente do escritor com aquilo que era sujo ou
proibido. Em palavras simples, a pureza significava que o adorador estava
qualificado para encontrar-se com Javé; “impuro” significava aquele que não tinha
as qualificações necessárias para comparecer diante do Senhor. Esta doutrina
estava intimamente vinculada ao ensino acerca da santidade. “Sede santos”, insistia
o texto repetidas vezes, porque “eu, o Senhor teu Deus, sou santo”.
Semelhantemente, a santidade em seu aspecto positivo era completa e integral:
uma vida inteiramente dedicada a Deus e separada para seu uso.

O Deus que tabernaculava


O fato mais importante na experiência desta nova nação de Israel era que Deus
viera “tabernacular” ou “habitar” no meio dela. Em nenhum lugar esta declaração foi
feita com mais clareza do que em Êxodo 29.43-46, onde foi anunciado acerca do
tabernáculo: “Virei aos israelitas ali [na entrada], e a tenda será santificada pela
minha glória. Santificarei a tenda da revelação e o altar. Também consagrarei Arão
e seus filhos, para que me sirvam como sacerdotes. Habitarei no meio dos israelitas
e serei o seu Deus; e eles saberão que eu sou o Senhor seu Deus, que os tirou da
terra do Egito para habitar no meio deles. Eu sou o Senhor seu Deus”. Agora ficou
completa a promessa tríplice. Uma das fórmulas do plano da promessa reiteradas
com mais frequência seria: Eu serei seu Deus; Vós sereis meu povo; E eu habitarei
no meio de vós.
O Deus que é excelso e transcendente, que nem mesmo os céus podem conter a
sua presença (1Re 8.27), toma a iniciativa de aproximar-se mais e mais dos
homens. Ele não quer distância, Ele quer proximidade!
Em todo o livro de Levítico o Deus único continua a exigir fidelidade para si. Israel
deve a todo o custo evitar ídolos e deve rejeitar as práticas de adoração dos
egípcios e cananeus. Só o Deus único pode salvar. Só o Deus único faz uma
aliança com seres humanos. Só o Deus único revela padrões concretos,
compreensíveis, santos ao povo. Só o Deus único tira Israel de atividades
prejudiciais e vergonhosas para torná-los um povo santo. Só o Deus único perdoa

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sem restrições e julga retamente. Só o Deus único está pronto a dar a Israel uma
terra própria.

 ALIANÇA COM DAVI

Há algumas palavras que encerram conceitos teológicos muito profundos, em


seu campo semântico, no tocante à aliança davídica. A conquista de toda a terra se
deu com Davi e não com Josué (Js 13.1), apesar da promessa em Josué 1. Uma
grande nação, em termos de potência econômica e militar, foi algo que só veio a se
cumprir em Davi. Foi na época deste rei que Israel se tornou tão poderoso como
qualquer grande nação dos tempos antigos. E depois dele, por breve momento, no
reinado de Salomão, mas ainda como fruto do seu trabalho. Foi só por causa de
Davi que o reino não foi dividido nos dias de Salomão (1Rs 11.12) e foi por causa de
Davi que uma tribo ainda ficou com Roboão (1Rs 11.13 e 11.32). Mais tarde, entrou
em declínio.
Na reflexão sobre os tempos de Davi e a aliança de Iahweh com ele, há palavras
que merecem atenção e que destacamos. O entendimento do significado teológico
delas é fundamental para se entender aspectos do Novo Testamento.

SERVO -Aparecendo mais de trezentas vezes nas Escrituras, este é o termo


mais comum aplicado a Davi. Deus o chamou de “meu servo” (Jr 33.22,26 e muitos
outros). O título é muito mais amplo do que o mero caráter serviçal contido no
significado da palavra pode indicar. O termo hebraico é ´˜ebhedh e significa “uma
pessoa posta à disposição de outra”. O uso religioso do termo é a descrição do
homem que anda com humildade na presença de Deus. A expressão, usada para
alguém, mostra-o como uma pessoa com humildade diante de Deus, o direito total
de Deus sobre esta pessoa, o direito de Deus de usá-la como quer e o compromisso
de Deus em zelar por esta pessoa, que aceita seu cuidado. Na literatura hebraica, o
termo veio a empregar, quando no plural, a comunidade dos piedosos (Sl 135.14).
No início do relacionamento de Iahweh com Israel, este é o filho que serve (Úx
4.23). Na literatura exílica, como se vê na segunda parte de Isaías, Israel estava
agora como servo (Is 49.3) e não mais como filho. Longe de ser um demérito ou um
decréscimo de Israel, o termo sugere um tratamento novo, e na linguagem religiosa,
não inferior a filho. A expressão passou a ter um sentido litúrgico e messiânico.
Israel é visto como alguém que tem uma missão especial para cumprir no mundo.
Nos cânticos do servo, há uma missão a cumprir, a da redenção e de ser bênção. É
por isso que a nação voltará do cativeiro. Falhou no primeiro êxodo. Terá um
segundo êxodo, podendo se recuperar e cumprir a sua missão. É importante
observar que Jesus cumprirá na sua vida o que Israel, como servo não cumpriu.

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Israel passa 40 anos no deserto, Jesus passa 40 dias. Israel peca, pedindo pão.
Jesus não pede pão. Israel sai do deserto e se fecha no exclusivismo religioso.
Jesus volta do deserto e se lança em missão aos perdidos. Os fariseus entenderam
muito bem o perigo que Jesus significava. Ele não era apenas um reformados do
judaísmo, como alguns entendem. Na realidade, ele era o oposto de Israel, cuja
teologia era por eles, fariseus, elaborada. Ele significava o fim de Israel como
mensageiro de Deus aos homens. Significava o fim do sacerdotalismo, do
ritualismo, da vida centrada ao redor de um prédio. Seria o fim do judaísmo e, óbvio,
dos fariseus. Sua declaração de ser o servo era perigosa, pois eles entendiam, em
sua teologia, que o servo era Israel.
O servo é o indivíduo piedoso, o que se entrega à vontade de Deus. Os
chamados cânticos do Servo Sofredor do chamado Segundo Isaías (42.1-4, 49.1-6,
50.4-9 e 52.13 a 53.12) são muito expressivos. O servo é Israel, mas é também Ciro
e, mais tarde, alguém desconhecido, que a tradição cristã viu como Cristo (Is 53). A
apropriação cristã não é indébita, mas tem validade.
Realmente, Davi, como servo, é um modelo do messias. Alguém que ama a
Deus, é por ele amado e é chamado a desempenhar uma missão, e se tornará uma
bênção para o mundo.
Pode se dizer que é com Davi que o conceito de servo alcança um ponto
relevante e marcante no AT. É alguém que, apesar dos seus pecados, ama a Deus,
serve-o, e busca fazer sua vontade. O termo passou, com o tempo, a designar uma
personagem messiânica soteriológica. Davi e servo passaram a ser sinônimos. Por
isso, Davi e messias passaram, também, a ser sinônimos, como em Ezequiel 37.24-
25. Observe-se, no contexto deste texto, que o pacto futuro, o do Novo Testamento,
é um pacto com Davi à frente do povo. “Filho de Davi” é um tratamento respeitoso,
no Novo Testamento, e exclusivamente aplicado a Jesus. E o próprio Salvador se
põe como servo (Mc 10.45).
Resumindo, podemos dizer que servo é um tratamento indigno, na literatura
secular. Na literatura religiosa passou a ter conotação de alguém ou de uma
comunidade especial. Mais tarde, passou a ter uma conotação messiânica. Os
termos servo, Davi e messias acabam se misturando. O servo do futuro (da
perspectiva do AT) é um Davi, mas sem pecado: humilde, amante de Deus e, por
isso vitorioso. As raízes do conceito de servo sofredor e triunfante devem ser
buscadas em Davi, não em Isaías, embora seja neste livro que elas são
explicitadas. E, no contexto do Novo Testamento, ao serem aplicadas a Cristo,
devem ser trazidas a Davi para seu entendimento correto.

CASA -Este é um termo de profunda expressão na cultura hebraica. Para uma


sociedade que tinha no nomadismo uma de suas marcas principais, estabelecer a
casa era um marco relevantíssimo. Lembre-se que a maldição sobre Caim foi ser
“fugitivo e errante” (Gn 4.14). Ou seja, sem raízes, sem estabelecimento. Não que o
nomadismo seja maldição. Na realidade, pode até mesmo ser uma opção, um estilo
de vida. A casa é criar raízes (você consegue entender o que Jesus quis dizer, na
conclusão do sermão do monte, com a parábola das casas sobre a areia e sobre a
rocha?). Deus se agradou de Davi por causa do desejo deste em lhe estabelecer

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casa. Deus não precisa de casa, mas Davi mostrou o desejo de estabelecer, de fixar
Iahweh como o Deus de Israel. O sentido mais profundo é este: dar casa a Deus
seria fixá-lo como o Deus de Israel. É o estabelecimento definitivo de Iahweh como
o Deus nacional. O grande pecado de Salomão foi fazer casas para outras
divindades e estabelecêl-as em Jerusalém. Ele fixou divindades pagãs em
Jerusalém, cidade que Iahweh havia escolhido para si.
Abraão foi o primeiro homem a ser chamado de hebreu (Gn 14.13). A palavra
vem do verbo hebraico ´˜ebher, que significa “atravessar”. É usado no sentido de
atravessar a terra, de passar por ela. Hebreu é sinônimo de peregrino, sem terra. A
promessa que Deus lhe fez incluía uma terra, implícito aí a idéia de habitação, de
fixar-se, de criar raízes. Ele seria estável. Mas durante sua vida foi um hebreu, sem
ver a terra. Toda a terra que Abraão possuiu durante sua vida foi a caverna onde
sepultou Sara. E assim mesmo ele a comprou.
A resposta de Deus a Davi foi a de lhe dar casa, ou seja, de lhe dar estabilidade.
“A casa de Davi” passou a designar o resíduo dos servos fiéis. Mais que residência,
a expressão passou a designar um grupo eleito, o povo de Deus. Quando houve a
divisão do reino unido, nas mãos de Roboão, o Norte, chamado Israel, tonou-se
uma nação à parte. Teve quatro dinastias e uma série de reis avulsos. Em 1 Reis
12.16 está a frase dita por Israel que causa a divisão do reino unido em dois. Preste
atenção no fato de que o Norte renuncia às promessas davídicas, põe-se fora da
aliança com Davi. Preste atenção, ainda, para as palavras “tendas” (que Israel usa
para si) e “casa” (que Israel usa para Judá). Elas não são sem sentido. O próprio
grupo secessionista reconhece que tem (terá) tendas, figura de instabilidade. E que
o adversário tem (terá) casa, figura de estabilidade. Com a ruptura, cada um seguirá
seu destino. Mas Israel saiu perdendo porque renunciou a Davi. Judá, o Sul, teve
apenas uma dinastia, a de Davi. As promessas ficaram com Judá (lembre-se de
Gênesis 49.9-12) e com a casa de Davi. Só houve uma dinastia no Sul, a de Davi.
Se esta fosse substituída, as promessas iriam por água abaixo. Como haver um
novo Davi, se a casa de Davi perdesse o controle da nação? Davi precisava ter
“casa”, ou seja, ter estabilidade, flexibilidade. Deus lhe prometeu uma casa eterna.
A questão não é espiritual, como em salvação eterna, mas de honra: ele teria seu
nome estabelecido para sempre, porque nunca faltaria descendente seu sobre o
trono, até o mais notável de todos, Jesus. O termo “casa” passou a designar,
portanto, de forma messiânica, a dinastia futura de Davi. Ajuda a nossa
compreensão da importância deste termo o fato de que “família, tabernáculo e
templo” são palavras sinônimas para “casa”, na literatura veterotestamentária.
Todas elas são palavras plenas de significado teológico.
O povo de Deus é chamado de “casa”. Moisés foi fiel sobre “a casa” (Hb 3.2).
Aqui, a palavra se aplica a Israel, como povo de Deus. A Igreja do Novo Testamento
também o é (Hb 3.6, 1 Pe 2.5 e 4.17). O sentido aqui é o do cumprimento das
profecias messiânicas. A Igreja é o resíduo de Davi, o resto messiânico, que se
ampliou com a entrada dos gentios. No NT, a nova casa de Deus é a Igreja. É a
casa de Deus estruturada sobre o novo Davi, Jesus Cristo.
Com todas essas considerações, pode-se entender alguma coisa do porquê ter
Deus se agradado de Davi ter querido lhe edificar uma casa, da qual ele não
precisava. E também o que significa Deus estabelecer a casa de Davi para sempre.

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TEMPLO –O significado do templo não pode ser minimizado. Mesmo quando no
deserto, Israel tinha um templo para adorar a Iahweh, o tabernáculo. Era um templo
portátil, mas um templo. O autor de Hebreus mostra que o tabernáculo de Moisés
seguiu uma planta celestial (veja Hebreus 8.5). Esta perspectiva é cristã, e da
segunda geração, não podendo ser provada como aceita na comunidade do Antigo
Testamento, mas deve ser registrada. É a interpretação cristã do templo. O
tabernáculo não surge num vazio, mas dentro de um contexto de que algo já existia,
na mente de Deus.
A primeira tentativa humana de se construir um templo é a de Babel (Gn 11.4).
Embora a torre significasse um lugar onde o homem poderia se encontrar com
Deus, na realidade era uma atitude arrogante, a de que o homem poderia tentar
subir ao céu. Não se trata do céu do astrônomo, mas de uma atitude espiritual. É
uma tentativa, a primeira, de uma religião universal, ao redor dos esforços humanos,
como se vê facilmente no versículo 4. Em vez de se esparramarem pelo mundo,
como na ordem da criação, os homens tentam se concentrar. É o templo do
humanismo.
Entre os pagãos, cada cidade possuía um templo do deus padroeiro. Mas os
patriarcas não se preocuparam em construir templos. Uma razão muito simples:
eles eram nômades. Erguiam altares, apenas. O exemplo de Abraão é o mais
significativo. Com a organização de Israel em nação é que o templo se tornou
necessário. Seu sentido deve ser guardado: ele simbolizava a unidade de Israel em
torno de Iahweh. Ajunte esta idéia com a de Davi querendo uma casa para Iahweh
(Davi queria uma casa para Iahweh, mais que um templo). Ao desejar edificar uma
casa-templo, o rei cantor também estava desejando a unidade de Israel em torno de
Iahweh. Do ponto de vista religioso, a centralização do culto evitaria a perda de
unidade teológica. Isso, a manutenção da unidade teológica, resultaria na
preservação da herança histórica e teológica de Israel. A grande luta com os
samaritanos (desde Neemias até aos tempos de Jesus) foi porque a unidade
teológica se perdeu. E a finalidade do templo era exatamente, evitar isso. O
ingresso dos samaritanos no corpo de Cristo pelo recebimento do batismo no
Espírito Santo, em Atos, mostra que em Jesus a unidade teológica de Israel se
completa.
A comunidade retornada se entregou à tarefa de reconstruir o templo. Quando
voltou do exílio, Israel, na realidade, deixou de ser uma nação. Passou a ser uma
comunidade sacerdotal, vivendo em função de sua religião, do seu templo, e na
expectativa do messias por vir. Deixou de ser uma monarquia e passou a ser uma
hierocracia (quando a liderança é exercida por sacerdotes). Mesmo perdendo a
dinastia davídica a expectativa do messias continuou. Se um novo Davi não
pudesse vir pela realeza, viria pelo lado sacerdotal. O templo se tornou um símbolo
muito profundo dos anelos messiânicos.
Entende-se, à luz disso, porque Jesus referiu-se a si mesmo como “templo”,
como vemos em João 2.2 e outros. Ele é o ponto de unidade do novo povo de Deus,
a Igreja. “E eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a mim” (Jo 12.32).
Lembremos que o Apocalipse termina mostrando uma cidade sem templo (Ap

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21.22). O messias já se revelou em sua plenitude. O templo perdeu a razão de ser.
Além do messias ter vencido, não há mais sacrifícios por fazer. E a unidade do povo
de Deus foi completada e está tão firmada que jamais poderá ser abalada.
Entendemos também o profundo sentido teológico do Novo Testamento em
considerar a comunidade dos fiéis como templo. Na revelação cristã, Deus não
mora mais numa construção, mas na vida das pessoas. O templo de Deus, no
cristianismo, não é uma construção de alvenaria, mas as pessoas. Deus mora nas
pessoas.

REBENTO, RAIZ, RENOVO – Em Apocalipse 22.16, Jesus se declara como “a


raiz de Davi”. A declaração é mais ampla do que dizer que Jesus gerou a Davi (a
raiz dá vida ao tronco). Na realidade, tem a ver com o fato de que ele é o
remanescente de Davi. A ideia de um resto, restante, rebento, remanescente, raiz
de Davi, tem origem em Isaías. A impiedade de reis como Acaz e Manassés
fizeram-no vislumbrar o desastre que se aproximava para Judá. Apesar do cativeiro
(Jeremias também o deu como certo), o fim para a casa de Davi não viria. A Assíria
seria uma vara nas mãos de Iahweh contra Israel, o Norte. (10.5-19). Mas o fim não
viria para Judá. O cativeiro que este experimentaria, na Babilônia, seria uma
necessidade para purgar a nação de elementos pecadores e perdidos.
A doutrina do restante fiel do povo de Deus é um dos ensinos característicos de
Isaías (4.2-4, 10.20-22, 37.30-32). O profeta deu aos dois filhos nomes significativos
para reforçar este ensino. O primeiro nome dá ênfase aos estragos que Judá há de
sofrer pela invasão dos assírios; “Acelera o despojo, apressa a presa” (8.1). O
segundo nome põe em relevo a firme esperança do profeta.“Um restante
voltará”(7.3). Assim o reino de Deus fica divorciado do Estado de Judá. O Estado de
Judá poderia cair, como tinha caído o Estado de Israel, mas o profeta ainda confiava
firmemente que o propósito de Deus na eleição de Israel seria realizado. O reino de
Deus seria estabelecido finalmente pelo restante fiel do povo escolhido. Judá tinha
caído num tal estado de corrupção, que não podia ser mais identificado com o reino
de Deus. Mas permaneceram ainda homens fiéis, que não se esqueceram do amor
e da fidelidade do Senhor no cumprimento das promessas do concerto, e o profeta
tinha certeza de que o Senhor sempre teria o seu restante fiel e o que o propósito
de Deus não podia falhar. Aparentemente Isaías esperava por algum tempo que
Judá seria purificada pelo sofrimento e disciplina, e voltaria arrependido ao Senhor
(37.30-32), mas não havia mais esperança para o Estado como tal .

 OS SALMOS RÉGIOS
É sabido que os salmos eram hinos compostos para momentos de celebração
cúltica, estando sempre associados à vida religiosa. O ponto central do seu ensino é
a elevada concepção de Iahweh que neles se nota. As obras e o caráter de Deus
são anunciados de forma expressiva nesses cânticos. No meio deles se encontram
os salmos régios, que parecem desfocar o livro, pois tratam da entronização do rei
de Judá. Parece que, em primeiro sentido, esses salmos tratavam da consagração
do novo rei. Diferentemente dos pagãos, o rei não era filho do Deus da nação, mas

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em Judá, era representante de Iahweh e um modelo do futuro rei, o messias. Sobre
a figura do rei como representante de Deus, observemos as palavras de Weiser:
“Embora seja representante de Deus na terra, neles (os salmos reais) o rei deve
constante obediência à aliança de Iahweh, sendo por isso responsável perante
Deus” (p. 41). O rei não é um soberano despótico, mas deve obediência a Iahweh,
por isso acaba sendo um tipo do Messias. O rei simboliza o Messias, mas não é o
Messias. Ele prefigura o Grande rei que há de vir.

(Salmos 2, 18, 20, 21, 45, 72, 101, 110, 132 e 144).

 JEREMIAS E A NOVA ALIANÇA


Jeremias é o profeta que mais fala de uma aliança, junto com Ezequiel. Mas ambos
entendem que a aliança, quebrada e desprezada por Israel, será revitalizada em
nova forma e com significativas mudanças em seus aspectos. Não se pode
entender a aliança em Jeremias sem entender antes algumas circunstâncias que
formam um painel social e espiritual da época. Até mesmo a figura do profeta se
torna necessária de compreensão para entendimento de sua mensagem.

O profeta –Jeremias é o profeta sobre quem temos mais informações. Seu


ministério começou no 13° ano de Josias, em 626 a.C. (1.1-2). Uma época de
despertamento, quando a aliança com Iahweh foi revitalizada. Ele é de linhagem
sacerdotal (1.1) e pertence aos sacerdotes proscritos, de Anatote (1Rs 2.26). Isso
significa que suas ligações com o templo, portanto, não são muito fortes. A
religiosidade frenética e vazia de Jerusalém não o iludiu. Tampouco é ele um
homem de vínculos com o poder constituído. Ele não é da corte. Seus atritos com
os profetas e com a liderança política foram, evidentemente, pelos desvios destes.
Mas, do ponto de vista social, não havia nenhuma conexão mais pessoal entre
Jeremias, os profetas, os sacerdotes e a liderança palaciana. Seu ministério durou
cerca de 40 anos. Profetizou cem anos após Isaías. Este tentou salvar o povo de
Deus da Assíria.

No tempo de Josias, o profeta ainda foi ouvido. Após a morte deste rei, a facção
idólatra e o partido pró-Egito assumiram as rédeas do poder e Jeremias foi
hostilizado. A nação começou a se desintegrar rapidamente e as pressões sobre
Jeremias se avolumaram. Na época de Zedequias foi aprisionado. Em 593,
Nabucodonosor o libertou e ordenou que lhe dessem o que ele quisesse, pois viu
em Jeremias um amigo, que aconselhava os israelitas à submissão a ele (39.11-14).
Recusou qualquer honraria (40.1-6). Foi levado para o Egito por um grupo de
fugitivos (43.6-7) e lá profetizou por algum tempo. Lá deve ter morrido.

Panorama mundial –Assíria, Egito e Babilônia lutavam pelo domínio mundial. A


Assíria dominara por 500 anos e declinava. O Egito dominara há mil anos e
pretendia se reerguer. Babilônia, uma simples colônia assíria, se levantava. Em 612
venceu a Assíria. Em 605 venceu o Egito, dominando a região. Em 601, o Egito
venceu Babilônia, em uma batalha, que entusiasmou Jeoaquim a uma aliança com

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o Egito. Jeremias disse que não fizesse assim (27.11-13). Reequipado,
Nabucodonosor destruiu o Egito e marchou contra a Palestina. Por fim, destruiu
Jerusalém (2Cr 36.11-21).
O tema de Jeremias – O esforço final de Deus para salvar Jerusalém é o tema de
Jeremias. Judá quebrara a aliança e estava sendo julgado por causa de seus
pecados. O profeta chamava o povo ao arrependimento para evitar o juízo trazido
pela quebra da aliança. Os sacerdotes e os falsos profetas anunciavam “paz” e
pregavam alianças políticas, mas Jeremias via a destruição iminente. A questão não
era apenas política, via ele. Era moral e espiritual: a aliança fora quebrada.
Uma radiografia do livro de Jeremias –O livro não está em ordem cronológica.
Por isso, seu entendimento histórico se torna complicado. Mas o essencial pode ser
traduzido assim: pouco mais de vinte anos antes de Babilônia destruir Judá,
Jeremias já o dizia. Entendia que era o juízo de Iahweh sobre nação pela quebra da
aliança. Eis uma radiografia do livro:
-Judá será destruído por Babilônia -6.22-26
-Se deixar o pecado, Iahweh livrará a nação (7.5-7). O templo, apesar de todo
o seu significado, não livraria a nação -7.4, 9-11.
-Quando tudo parecia perdido, nova mensagem de Jeremias: Judá deve aceitar o
jugo caldeu e assim será poupado da destruição -21.8-9.
-Judá será destruído e cativo por 70 anos (25.11, conferir com 2Cr 36.22). Depois,
será restaurado (Jr 30 e 31) e dará um grande rei ao mundo (33.15). Aqui, a teologia
do livro sofre uma guinada, pois os vislumbres da nova aliança já se fazem sentir.
-Babilônia será destruída e nunca mais se reerguerá (25.12). Os capítulos 50 e 51
tratam da destruição do poder caldeu.

O castigo pela quebra da aliança –A quebra da aliança traria castigo, como vemos
em Deuteronômio. No início ela veio em forma de escassez e fome (3.3 e 14.1-6).
Confira com o anunciado em Deuteronômio 28.19-24. Numa segunda etapa, vieram
os inimigos políticos. Veja 25.9 e o capítulo 52. Estes textos devem ser conferidos
com Deuteronômio 28.25. Lembre-se que Deuteronômio 28.15 em diante traz as
maldições que sobreviriam ao povo se quebrasse a aliança. O povo a quebrou.
Jeremias mostra que a desgraça de Judá e sua ruína iminente não é por um
processo político, mas pela quebra da aliança. Vendo o castigo, o povo lembrou de
um aspecto da aliança, meramente externo: o templo. Fiou-se nele. Jerusalém era
inviolável, pois a casa de Iahweh estava lá. Jeremias negou isso: 7.4. O povo
confiava muito nas cerimônias religiosas, mas Iahweh as rejeitou (7.21). O profeta e
o sacerdote eram indignos (8.10). A aliança fora quebrada e era inevitável que o
castigo viesse: 7.12-14. Iahweh morava em Jerusalém, mas iria embora. O texto de
3.16 deixa transparecer o desaparecimento da arca, que simbolizava Iahweh
morando com o povo. De modo semelhante, com a morte de Cristo, Iahweh foi
embora de Jerusalém. É esta a mensagem do véu rasgado (Mt 27.51). O véu
guardava o lugar onde Iahweh morava, separando-o de onde o povo entrava.
Rasgado o véu, Iahweh foi embora. O desgosto pela morte de Jesus Cristo fez isso.
Ele não mora mais no templo ou em alguma construção de alvenaria. Mora nas
pessoas: 1Co 3.16 e 6.19.

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A nova aliança –Jeremias cria firmemente que Israel era o povo escolhido, que
fizera uma aliança com Iahweh, que assumira compromissos com Iahweh, e que,
agora, o desprezara, violando a aliança. Ele esperava um arrependimento por parte
do povo. Judá precisava se reaproximar de Iahweh, não mais como uma nação
histórica, em termos de uma comunidade, mas de maneira individual.
É com ele que a aliança começa a assumir um contorno mais espiritual e, ao
mesmo tempo, mais individualizado. O texto de 33.14-26 é o texto clássico sobre a
nova aliança. Observe, na sua leitura, que a base histórica da aliança não é a
aliança abraâmica nem a mosaica, mas a davídica. É por causa de Davi, que a
aliança será reativada. É algo para se pensar que as alianças abraâmica e mosaica
tenham se diluído na davídica. Jeremias descortina o Novo Testamento. O indivíduo
não se aproximará de Iahweh através do grupo, mas em relacionamento pessoal,
em um ato consciente de vontade individual. Uma comparação entre a aliança do
passado e a que se faria agora mostra que elas tinham algumas diferenças bem
significativas entre si. Ei-las:

ANTIGA - NOVA
No aspecto da lei, de passagem de uma realidade externa para uma realidade
interna, compare com as palavras de Jesus em Mateus 5.21-22 e 5.27- 28. Jesus
tirou o pecado do âmbito externo para o interno. No Novo Testamento, a orientação
para o homem não está mais em tábuas da lei, mas no coração, pelo Espírito Santo
que mora em nós. É uma aliança do espírito e não da letra. É isso que Jeremias
profetiza: uma época em que Iahweh não morará numa casa de alvenaria, mas nas
pessoas (1Co 3.16 e 6.19). É a nova aliança que Jesus celebrou na Ceia (veja
Mateus 26.28). É aliança que se amplia. Não mais uma etnia, uma raça, mas uma
multi-etnia, uma multi-raça, a Igreja.

Na realidade, o coração da mensagem de Jeremias era seu ensino com respeito à


nova aliança. Ele abriu espaço para a mensagem do Novo Testamento. Mas há uma
coisa a se notar. Os capítulos 30 a 33 de Jeremias são chamados de “Livro da
Consolação” (à semelhança de Isaías 40-66). Numa leitura destes capítulos se
observa que há um vínculo muito estreito entre a nova aliança e a restauração da
nação judaica. Kaiser faz um excelente esboço dos capítulos 30 e 31, onde
descobriu seis estrofes. Analisando-o, podemos ver este vínculo de maneira bem
clara: 1) 30.1-11 -a grande angústia de Jacó no dia de Iahweh. O núcleo da
argumentação está no v. 7. 2) 30.12 a 31.6 -a ferida incurável de Judá não foi
nem pode ser sarada. O núcleo da argumentação: v. 12. 3) 31.7-14 -os
primogênitos de Deus são devolvidos à Terra Santa. O núcleo da argumentação:
v. 8. 4) 31.15-22 -o choro de Raquel pelos filhos exilados e o consolo
prometido. O núcleo da argumentação: v. 15. Raquel é, aqui, o nome dado à
nação. 5) 31.23-34 -a nova aliança. O núcleo da argumentação: v. 33. 6) 31.35-40,
a aliança inviolável, dada ao povo. O núcleo da argumentação: v. 40. Kaiser
chama a atenção para o fato de que a quinta estrofe é “a maior passagem didática
com respeito à continuidade e descontinuidade entre o Antigo e o Novo Testamento”

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(p. 239). Ou seja, é aqui que se vê que o Novo continua o Antigo e, ao mesmo
tempo, que o Novo rompe com o Antigo. A aliança é nova (vimos as diferenças), o
que significa rompimento. Mas é a mesma aliança do passado, o que significa
continuidade. Ela não deu certo, não por sua culpa, mas por culpa do povo. Na
realidade, o termo “nova” não significa que ela seja diferente em essência ou em
conteúdo, mas que era a antiga promessa sendo restaurada. Jeremias vai antecipar
o autor de Hebreus: as coisas antigas ficaram para trás e uma nova esperança
chegou.

O messianismo da nova aliança –A leitura de 33.14-26 deixa bem claro que a


nova aliança teria aspectos e desdobramentos messiânicos. A diferença entre a
aliança antiga e a nova fica bem definido em 31.33. Ela, a nova aliança, traria uma
época de paz e de esperança, com o messias. Arrependimento, da parte do povo, e
perdão da parte de Iahweh, desencadeariam a nova aliança. Veja-se 31.8, para
mostrar como Iahweh perdoaria o povo. Mas antes do perdão, deveria haver o
arrependimento, como se lê em 31.18-20. É o arrependimento do homem que move
Iahweh. Lembre-se que, quando houve a divisão do reino unido em Norte e Sul,
Israel renunciou à herança davídica. O texto de 33.8 anuncia uma oportunidade
para Efraim (o Norte). Mas esta oportunidade só poderia acontecer dentro da
aliança. Se quando houve a divisão do reino, Israel renunciou a Davi, sua única
esperança de retorno estava em voltar às promessas a Davi, à aliança davídica.
Mais tarde, o que era Israel, o Norte, ou pelo menos onde o Norte estava, acabou se
tornando terra de samaritanos. No Novo Testamento, os samaritanos são
agregados à Igreja (At 8.1-25). Eles entram na aliança feito pelo novo Davi, Jesus
Cristo. Jeremias vê, também, o reinado de Davi como a esperança para Judá.

 EZEQUIEL, A NOVA ALIANÇA


A onipotência de Iahweh - Os hebreus tinham consciência de ser Iahweh o Deus
do universo, mas agora surge a questão: seria mesmo? Não seriam as divindades
caldeias maiores que ele? A visão divina que aparece a Ezequiel, no capítulo 1 e 2,
é em termos da religião local. A visão relata a “chegada da Glória de Deus a
Babilônia”. O tema da glória de Deus aparece três vezes no livro. Primeiro, ela
chega a Babilônia, em 1.1 a 3-15. Segundo, ela deixa o templo de Jerusalém (cap. 8
a 11) e, terceiro, ela volta para o templo renovado (cap. 43). É normal que, sendo
Ezequiel um hebreu e de família sacerdotal, que o lugar da glória de Iahweh seja o
templo de Jerusalém, mas por um momento, ela está em terra estranha. Esta é a
grande mensagem que o livro deixa transparecer: a glória de Iahweh não está ligada
a uma terra, mas a um povo. Na realidade, nem mesmo a um povo, como raça, mas
a um grupo de remanescentes fiéis à aliança. Neste sentido, o Novo Testamento
está bem delineado, em seu eixo, no pensamento de Ezequiel. Ezequiel confirma
que Iahweh é Deus em todos os lugares. É Senhor também na Babilônia. Está
ligado ao seu povo e vai levá-lo de volta. Judá vai voltar para sua terra, como se vê
em 36.16-38. Do capítulo 25 ao 32 aparece o tema do juízo sobre as nações.
Iahweh não faliu. É soberano, restaurará o seu povo e julgará as nações infiéis. Não

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é mais um dos muitos deuses tribais. É o único Soberano, o Senhor de toda a terra
e de todas as nações.
A santidade de Iahweh -Este é outro tema bem presente no livro. Ele está cercado
de querubins. Ezequiel é o livro que mais fala deste tipo de anjos.Normalmente, eles
designam um Deus transcendente, diferente e distinto do homem. Ezequiel se sente
atemorizado diante da Glória (1.28) e entende que o povo ofendeu a Iahweh com a
idolatria (cap. 6 e 44.6-8). Iahweh era o único Deus moral dos tempos antigos, era
santo e esperava santidade do seu povo. A idolatria era uma ofensa abominável que
só seria curada com o cativeiro (caps. 7 a 9). No capítulo 8, por exemplo, o profeta
deixa claro que sabia dos pecados cometidos no templo de Jerusalém: desvios
religiosos, idolatria despudorada, adoração à natureza e o culto ao sol. O texto de
5.6-7 é bem expressivo ao mostrar o desgosto divino para com a nação. O castigo
de Judá e de Jerusalém não estava sucedendo porque Iahweh era mais fraco, mas
porque era o mais santo. O povo precisava formar um novo conceito de Deus e
assim entender melhor sua situação, suas atitudes a tomar e seu futuro destino.

O arrependimento, ponto de partida -O livro traz veementes chamadas ao


arrependimento. Vale a pena ler 18.21-23, 18.30-32 e 33.10-11. O destino do povo
só mudará se houver arrependimento. Não fora Iahweh quem falhara, mas Judá. O
cativeiro era por causa do pecado e seria sustado quando houvesse
arrependimento. Ezequiel viu com muita clareza o evangelho que pregamos, que é
a chamada ao arrependimento. Deus é misericordioso e espera a mudança de
atitude do pecador, para que este viva e não seja condenado. Não tem prazer na
morte do ímpio (33.11), e por isso põe o profeta como atalaia para avisar o povo de
que o adversário vem (33.7). Com Von Rad bem declarou, a posição de Ezequiel
como atalaia “era quase contraditória, visto que é Iahweh que não somente ameaça
a Israel como também, ao mesmo tempo, deseja adverti-lo a fim de que seja salvo”.
Mas a aparente contradição é entendível: o juízo nunca é anunciado sem que haja
oportunidade de arrependimento. E também, mesmo que haja destruição, deve
haver um remanescente, um resto, como já vimos antes. A imensa massa da nação
é idólatra, está perdida e deve ser condenada. Um resto voltaria para a terra, para
reconstruir Judá e seguir com o projeto de Iahweh. Por isso, Ezequiel está avisando
o povo e chamando-o ao arrependimento. É necessário que haja mudança de vida
para evitar o castigo. O arrependimento é o ponto de partida para que uma nova
situação se estabeleça.

O novo coração -Devem ser lidos os textos de 11.19-20 e 36.26. É a proposta do


novo coração. Na psicologia dos hebreus, o coração é o âmago do indivíduo, a fonte
de onde brotam os sentimentos e a vontade. No nosso contexto, coração é emoção.
No contexto bíblico, coração é a volição (vontade) e desejos (sentimentos). É a sede
da interioridade do homem. Iahweh promete um novo coração ao povo. É obra sua.
É ele quem dará. O povo não pode conseguir por si. O povo não pode se mudar por
si mesmo. Neste sentido, Jeremias concorda com ele (Jr 13.23). A auto-
regeneração é impossível. Mas se o povo precisa mudar e não consegue, se só
Iahweh pode fazer isso, porque não o faz logo, para mudar a sorte do povo? No
texto se observa que o novo coração está ligado à volta para a terra. A terra era o

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símbolo mais visível e mais forte da aliança. O novo coração está ligado à aliança.
Esta fora quebrada pela povo e não por Iahweh. Quando o povo se arrependesse,
sua sorte seria mudada, o cativeiro cessado, Judá restaurado. A conexão é bem
clara: o novo coração será a consequência do arrependimento. Quando o povo se
convertesse, Iahweh o transformaria. É o Novo Testamento que aparece em
Ezequiel. Só Deus pode mudar as pessoas. A conversão está sendo antecipada
como doutrina, em Ezequiel.
Neste sentido, 36.26 merece especial atenção. O coração do povo é de pedra.
Iahweh o tirará e porá um de carne em seu lugar. O que é insensível dará lugar a
algo sensível. O coração é novo, mas isso não basta: haverá um espírito novo. E
será Iahweh quem o porá dentro do povo. O que significa isso? O espírito, é o
fôlego da vida. Um coração novo é sinal de vida nova. A conversão é começar uma
nova vida. Judá terá uma nova vida. Da mesma forma, como cristãos, entendemos
que aquele que se arrepende, começa uma nova vida. 2Coríntios 5.17 diz isso muito
bem.

O individualismo -Esta é uma característica da nova aliança, a aliança que viria no


Novo Testamento, com Jesus Cristo. No Antigo Testamento, a ênfase está na
comunidade, na socialidade. Veja-se que Acã pecou e todo o povo pagou. Davi faz
o censo do povo e sobre este cai o juízo divino. A solidariedade racial é bem clara.
Quando Adão caiu, toda a raça caiu. No Novo Testamento, a ênfase é na
responsabilidade individual, vale dizer, a individualidade é acentuada. No Novo
Testamento, Ananias e Safira pecam. Os dois são apenados e a comunidade nada
sofre. Deus dará mais ênfase ao trato individual, é a mensagem bem clara neste
contexto. Mesmo usando a analogia da queda de Adão, que quando ele caiu toda a
raça caiu, há uma diferença na obra de Cristo: sua obra vicária não significa que
toda a raça é salva, mas sim que toda a raça pode ser salva.

 A ESPERANÇA MESSIÂNICA APÓS O EXÍLIO

O cativeiro foi um período de reconstrução da teologia hebraica. Havia uma crença


equivocada na indestrutibilidade de Jerusalém, como lemos em Miquéias 3.11: “Não
está o Senhor no meio de nós? nenhum mal nos sobrevirá”. Jeremias lutou contra
esta fé supersticiosa, como se lê em Jeremias 7.4. Jerusalém não era inviolável e a
única alternativa para escapar do cativeiro era o arrependimento, como diz Jeremias
7.3.

Os pós-exílicos são Ageu, Zacarias e Malaquias. Veremos alguma coisa sobre


eles e sua esperança messiânica. Como encararam a promessa e como
reinterpretaram a aliança.

1. AGEU – Seu momento histórico era de pobreza, desencantamento e até mesmo


de confusão. Judá era uma vila com pouco mais de trinta quilômetros quadrados.
Havia a forte oposição dos samaritanos à reconstrução do templo. Com Zorobabel,
em 537, menos de 50.000 judeus haviam regressado. Começou-se a construção de
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um templo que logo se parou de construir. Por quinze anos a obra permanecera
parada. A luta do profeta é pela reconstrução do templo, mas esta não é sua
mensagem teológica mais importante. No dizer de Schwantes, e com ele concordo,
a idéia teológica mais forte em Ageu é o davidismo. Inclusive diz ele:

Entendo que na profecia de Ageu, o davidismo desempenha papel preponderante.


Nele culmina o livro (2.20-23). Nele está a superação da dominação persa (2.6-7 e
21-22). A mística davídica é mais relevante do que a do templo. O messianismo
davídico, parece-me, pois, decisivo para a hermenêutica de Ageu (p. 15).

O que é davidismo? É a idéia de Davi reinando sobre Judá. O nome de Davi não é
citado, mas as manifestações cósmicas em 2.6-7 e 21-22 mostram, na poesia
hebraica, uma intervenção súbita e decisiva de Deus em uma ocasião escatológica,
para implantar seu reino, cujo trono fora prometido a Davi. Não é dito de maneira
clara para que os persas não leiam. Mas é subentendido pelos judeus, na
linguagem figurada. Schwantes, inclusive, entende que o livro é um panfleto pró-
Zorobabel (o que não me parece). Ele se baseia na mensagem de Iahweh a
Zorobabel (2.21-23), que alude à destruição do poder persa e à exaltação de
Zorobabel, que ocuparia o trono de Davi, como monarca terreno. Mas a idéia de
uma intervenção de Deus, reafirmando a aliança, está na mente do autor, pela
linguagem escolhida. Na visão de Schwantes, a leitura é política. Na minha, é
messiânica. Reafirma-se a aliança com Davi, na palavra a Zorobabel.

Mas o ponto mais forte no texto de Ageu é o que fala da reconstrução do templo. O
de Salomão fora majestoso, construído em época de riqueza, de tal modo que a
prata não tinha valor. O do tempo de Ageu foi feito por uma comunidade pobre. O
templo parecia não ser nada (2.3). Conforme Esdras 3.12, os anciãos, ao verem os
fundamentos do novo templo, choraram de tristeza, pela sua insignificância. Mas
apesar da diferença, Iahweh Sebaôth declara que “a glória desta última casa será
maior do que a da primeira” (2.9). Esta declaração me parece restringir a promessa
de exaltação a Zorobabel.

O templo da época de Ageu foi ampliado e remodelado por Herodes. Foi nele que
Jesus entrou. O templo de Salomão tinha majestade, mas foi no segundo que o
Filho de Deus entrou. Foi lá que embaraçou os doutores da lei, passagem altamente
significativa: o Filho de Deus, trazendo o novo tempo, confunde os doutores do
tempo antigo. O templo é, na ótica, de Ageu, o prenúncio de um novo tempo. A
linguagem de 2.6-7 é mesmo uma linguagem escatológica (não em termos da
segunda vinda, mas da primeira). O templo estava inaugurando um novo tempo que
culminaria no messias. A aliança estava sendo refeita. Em 2.9 se diz que “neste
lugar darei a paz”. O lugar mencionado é o templo. O messias viria trazer a paz. Paz
é sempre um conceito messiânico, obra do messias. Por isso é que o último
testamento de Jesus aos seus discípulos foi “deixo-vos a paz”. Não apenas desejo
de que ficassem calmos. Era a bênção messiânica. Só ele podia dar. Naquele lugar,
naquele templo, Iahweh Sebaôth deu a paz messiânica.
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2. ZACARIAS –

O significativo em Zacarias é que toda esperança de Judá está no messias


vindouro. Ele, só ele, é a esperança da nação. O período pós-cativeiro serve para
refazer a teologia judaica, tirando sua idéia de um reino meramente humano e
remetendo as expectativas nacionais para a época messiânica. As visões de
Zacarias mostram o cuidado de Iahweh pelo seu povo, mas tudo está ligado ao
período do messias. Que trágica a declaração de João: “veio para o que era seu,
mas os seus o rejeitaram…”.

3. MALAQUIAS –Neste profeta a questão mais importante é o conceito do “dia”,


mostrado de forma bem clara em 3.2 e 4.1-3. Trata-se do yom Iahweh, o dia em que
Iahweh exaltaria Israel sobre os pagãos, destruindo-os. Ainda trazia um resquício de
uma era neo-davídica, em que Israel reencontraria sua grandeza e triunfaria sobre
os inimigos. Muito da frustração de derrotas, de cativeiros, de esperanças
derrubadas se projetaram aqui. Mas Malaquias traz uma surpresa para a teologia
popular: o yom Iahweh virá, mas não como esperado pelo povo. Será trazido por um
“anjo da aliança”. Não é tanto um novo Davi, em Malaquias, quem procede a um
refazimento da aliança. Um mensageiro precederá o “Anjo da Aliança”, aquele que
fará o novo pacto com o povo. Mas não será dia de exaltação, como se lê em 3.2.
Será dia de juízo, porque será dia de fogo e fogo sempre é mostrado na Bíblia como
elemento de juízo. Este Anjo, que pode ser muito bem compreendido como sendo o
messias esperado, fará uma obra de purificação (3.3) e assim a oferta dos judeus
(seu culto) será novamente aceitável (3.4). A obra do messias será a de propiciar o
bom relacionamento entre Judá e Iahweh. Ele será o reconciliador. Vemos isso
muito na apresentação que o apóstolo Paulo faz de Jesus, o mensageiro, o portador
da nova aliança, principalmente em 2Coríntios 5.18.

Assim, o Antigo Testamento chega ao fim. Incompleto. A mensagem está em


suspenso. A última palavra ainda não foi dita. Ficou por dizer. Quem o leia e
desconheça o Novo Testamento, ficará pelo meio do caminho. Até que compreenda
onde ele termina: “Havendo Deus, outrora, falado muitas vezes e de muitas
maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem
constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também fez o universo” (Hb 1.1). E
sabedores, que o Filho, Jesus Cristo, é a chave hermenêutica para se compreender
toda a Bíblia, inclusive o Antigo Testamento.

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