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Sobre a Profecia

Santo Tomás de Aquino

Sobre a Profecia
Edição bilíngüe

Volume II

Tradução:
Luiz Astorga
Sobre a Profecia - vol. II, Santo Tomás de Aquino
© Editora Concreta, 2017

Título original:
Quaestiones disputatae de veritate (q. 12)

Os direitos desta edição pertencem à


Editora Concreta
Rua Barão do Gravataí, 342, portaria – Bairro Menino Deus – CEP: 90050-330
Porto Alegre – RS – Telefone: (51) 9916-1877 – e-mail: contato@editoraconcreta.com.br
Editor:
Renan Martins dos Santos
Coordenador editorial:
Sidney Silveira
Tradução:
Luiz Astorga
Revisão:
Deadline Revisões
Capa & Diagramação:
Hugo de Santa Cruz

Ficha Catalográfica
Tomás de Aquino, Santo, 1225?-1274
T655s Sobre a Profecia - vol. II / tradução de Luiz Astorga, edição de Renan Santos. –
Porto Alegre, RS: Concreta, 2017.
112p. :p&b ; 16 x 23cm

ISBN 978-85-68962-05-3

1. Teologia. 2. Profecias. 3. Filosofia medieval. 4. Metafisica. 5. Cristianismo. 6. Catoli-


cismo. 7. Espiritualidade. I. Título.

CDD-231.745

Reservados todos os direitos desta obra. Proibida toda e qualquer


reprodução desta edição por qualquer meio ou forma, seja ela eletrônica
ou mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer meio.

www.editoraconcreta.com.br
C OL EÇ ÃO ESC OL Á S T IC A

F
oram características marcantes do período escolástico a elevação da
dialética a um cume jamais superado – antes ou depois, na história
da filosofia –, o notável apuro na definição de termos e conceitos,
a clareza expositiva na apresentação das teses, o extremo rigor lógico nas
demonstrações, o caráter sistêmico das obras, a classificação das ciências a
partir de um viés metafísico e, por fim, a existência duma abóboda teológica
que demarcava a latitude e a longitude dos problemas esmiuçados pela ra-
zão humana, os quais abarcavam todos os hemisférios da ordem do ser: da
materia prima a Deus.
O leitor familiarizado com textos de grandes autores escolásticos, como
Santo Tomás de Aquino, Duns Scot, Santo Alberto Magno e outros, estranha
ao deparar com obras de períodos posteriores, pois identifica perdas de cunho
metodológico que transformaram a filosofia num enorme mosaico de idéias
esparzidas a esmo, nos piores casos, ou concatenadas a partir de princípios
dúbios, nos melhores. A confissão de Edmund Husserl ao discípulo Eugen
Fink de que, se pudesse, voltaria no tempo para recomeçar o seu edifício feno-
menológico serve como sombrio dístico do período moderno e pós-moderno:
o apartamento entre filosofia e sabedoria – entendida como arquitetura em
ordem ao conhecimento das coisas mais elevadas – acabou por gerar inúmeras
obras malogradas, mesmo quando nelas havia insights brilhantes.
Constatamos isto em Descartes, Malebranche, Espinoza, Kant, Hegel,
Schopenhauer, Nietzsche, Husserl, Heiddegger, Ortega y Gasset, Wittgens-
tein, Sartre, Xavier Zubiri e vários outros autores importantes cujos princípios
filosóficos geraram aporias insanáveis, verdadeiros becos sem saída.
Na prática, o filosofar que se foi cristalizando a partir do humanismo renas-
centista está para a Escolástica assim como a música dodecafônica, de caráter
atonal, está para as polifonias sacras. Em suma, o nobre intuito de harmonizar
diferentes tipos de conhecimento foi, aos poucos, dando lugar à assunção da
desarmonia como algo inescapável. As conseqüências desta atitude intelectual
fragmentária e subjetivista, seja para a religião, seja para a moral, seja para a
política, seja para as artes, seja para o direito, foram historicamente funestas,
mas não é o caso de enumerá-las neste breve texto.
Neste ponto, vale advertir que a Coleção Escolástica, trazida à luz pela editora
Concreta em edições bilíngües acuradas, não pretende exacerbar um anacrônico
confronto entre o pensar medieval e tudo o que se lhe seguiu. O propósito maior
deste projeto é o de apresentar ao público brasileiro obras filosóficas e teológicas
pouco difundidas entre nós, não obstante conheçam edições críticas na grande
maioria das línguas vernáculas. Tal lacuna começa a ser preenchida por iniciati-
vas como esta, cujo vetor pode ser traduzido pela máxima escolástica bonum est
diffusivum sui (o bem difunde-se por si mesmo). Ocorre que esta espécie de bens,
para ser difundida, precisa ser plantada no solo fértil dos livros bem editados.
No mundo ocidental contemporâneo, plasmado de maneira decisiva na lon-
gínqua dúvida cartesiana, assim como nos ceticismos de todos os tipos e matizes
que se lhe seguiram; mundo no qual as certezas são apresentadas como uma es-
pécie de acinte ou ingenuidade epistemológica; mundo que se despoja de suas
raízes cristãs para dar um salto civilizacional no escuro; mundo, por fim, desfigu-
rado pelas abissais angústias alimentadas por filosofias caducas de nascença; em
tal mundo, não nos custa afirmar com ênfase entusiástica o quanto este projeto
foi concebido sem nenhum sentimento ambivalente. Ao contrário, moveu-nos a
certeza absoluta de que apresentar o Absoluto é um bálsamo para a desventurada
terra dos relativismos.
Vários autores do período serão agraciados na Coleção Escolástica com
edições bilíngües: Santo Tomás de Aquino, São Boaventura, Santo Anselmo
de Cantuária, Santo Alberto Magno, Alexandre de Hales, Roberto Grossetes-
te, Duns Scot, Guilherme de Auvergne e outros da mesma altitude filosófica.
Em síntese, a Escolástica é uma verdadeira coleção de gênios. Procurare-
mos demonstrar isto apresentando-os em edições cujo principal cuidado será
o de não lhes desfigurar o pensamento.
Que os leitores brasileiros tirem o melhor proveito possível deste tesouro.

Sidney Silveira
Coordenador da Coleção Escolástica
Sumário

OPÚSCULOS SOBRE A NATUREZA - VOLUME II


Artigo 7 - Se na revelação profética se imprimem de modo
divino na mente do profeta novas espécies das coisas,
ou se se imprime apenas a luz intelectual   11

Artigo 8 - Se toda e qualquer revelação profética


é feita por intermédio de um anjo   25

Artigo 9 - Se o profeta sempre se distancia dos sentidos


quanto o toca o espírito da profecia   31

Artigo 10 - Se a profecia se divide convenientemente em profecia


de predestinação, presciência e cominação  41
Artigo 11 - Se na profecia encontra-se verdade imutável  
57

Artigo 12 - Se a profecia dada somente segundo a visão


intelectual é mais eminente que aquela com visão
intelectual simultânea à visão imaginária  67
Artigo 13 - Se os graus da profecia se distinguem
segundo a visão imaginária  85
Artigo 14 - Se Moisés foi mais excelente que os outros profetas  
97

Bibliografia citada  103


S. Thomae de Aquino Opera Omnia  105
Sobre a Profecia
Vol. II

(Quaestiones disputatae de veritate, q. 12)


10 Santo Tomás de Aquino

ARTICULUS 7
Septimo quaeritur utrum in revelatione prophetica
imprimantur divinitus in mentem prophetae novae
rerum species, vel solum intellectuale lumen
Et videtur quod solum lumen sine speciebus.

1. Quia, ut habetur in Glossa II Corinth. XIV, 2, a sola visione intellec-


tuali dicitur aliquis propheta. Sed visio intellectualis non est de rebus per
rerum similitudines, sed per ipsas rerum essentias, ut ibidem dicitur. Ergo
in visione prophetica nullae species in mente prophetae sunt.
2. Praeterea, intellectus abstrahit a materia et materialibus conditioni-
bus. Si igitur in visione intellectuali, quae facit prophetam, fiant aliquae
similitudines, illae similitudines non erunt admixtae materiae vel condi-
tionibus materialibus. Ergo per eas propheta non poterit cognoscere par-
ticularia, sed universalia solum.
3. Praeterea, earum rerum de quibus fit prophetae revelatio, habent
prophetae aliquas species in mente sua; sicut Ieremias, qui prophetabat
combustionem Ierusalem, habebat in anima sua speciem civitatis illius a
sensu acceptam, et similiter ignis comburentis, quem frequenter viderat.
Si igitur aliae species earumdem rerum menti prophetae divinitus impri-
mantur, sequetur quod sint duae formae eiusdem rationis in eodem su-
biecto: quod est inconveniens.
4. Praeterea, visio qua videtur divina essentia, est potior quam illa qua
videntur quaecumque rerum species. Sed visio qua videtur essentia divina,
non sufficit ad accipiendam cognitionem de rebus quibuscumque: alias
videntes essentiam divinam omnia viderent. Ergo nec species quaecum-
que menti prophetae imprimantur, poterunt prophetam ducere in rerum
cognitionem.
Sobre a Profecia · Artigo 7 11

ARTIGO 7
Se na revelação profética se imprimem de modo
divino na mente do profeta novas espécies das coisas,
ou se se imprime apenas a luz intelectual 1

E parece que só se imprime a luz, sem as espécies.


1. Pois, como se tem na Glosa de II Coríntios [12,2],2 é apenas pela visão
intelectual que alguém é chamado profeta.3 Mas a visão intelectual não versa
sobre as coisas mediante a semelhança delas, e sim mediante suas respectivas
essências, como se diz naquele mesmo ponto. Portanto, na visão profética não
há nenhuma espécie na mente do profeta.
2. Ademais, o intelecto abstrai da matéria e das condições materiais. Por-
tanto, se na visão intelectual (que torna alguém profeta) se produzem algumas
semelhanças, estas não estarão misturadas à matéria ou às condições materiais.
Portanto, não pode o profeta conhecer mediante elas as coisas particulares,
mas tão-somente as universais.
3. Ademais, daquelas coisas sobre as quais se dá a revelação do profeta, têm
os profetas algumas espécies na mente; assim como Jeremias, que profetizava
o incêndio de Jerusalém, tinha na mente – recebida pelo sentido – a espécie
daquela cidade e, de modo semelhante, a espécie do fogo que a queimava, o
qual havia visto com freqüência.4 Portanto, se outras espécies das mesmas coi-
sas são divinamente impressas na mente do profeta, seguir-se-á que existirão
duas formas da mesma razão no mesmo sujeito. E isto é inconveniente.
4. Ademais, a visão pela qual se contempla a essência divina é superior
àquela pela qual se contemplam quaisquer espécies de coisas. Mas a visão
pela qual se contempla a essência divina não é suficiente para que se receba a
cognição sobre quaisquer coisas: doutro modo, os que vêem a essência divina
veriam todas as coisas. Portanto, tampouco quaisquer espécies que se impri-
mam na mente do profeta o poderão conduzir à cognição das coisas.

1 Cf. Suma Teológica, II-II, q. 173, a. 2; Comentário a Isaías, c. 1; Comentário a 1 Coríntios, c. 14,
lect. 1. Neste artigo o Aquinate não se refere, evidentemente, à luz intelectual natural que é nossa
própria potência intelectiva inata, mas à luz profética, que, embora também de tipo intelectivo, é
sobrenatural e superveniente à natural. [N. T.]
2 O original latino do Corpus Thomisticum indica “II Cor 14,2”, um lapso tipográfico. [N. T.]
3 Glosa de Pedro Lombardo (PL 192, 81A-B).
4 Cf. Jeremias 1,13.
12 Santo Tomás de Aquino

5. Praeterea, illud quod quis potest propria virtute efficere, non oportet
quod in propheta divina operatione fiat. Sed quilibet potest rerum qua-
rumlibet in mente sua species formare per virtutem imaginativam, quae
componit et dividit imagines a rebus acceptas. Ergo non oportet quod
aliquae rerum species in animam prophetae divinitus imprimantur.
6. Praeterea, natura operatur breviori via qua potest; et multo magis
Deus, qui ordinatius operatur. Sed brevior via est ut a speciebus quae in
anima prophetae sunt, ducatur in rerum aliqualem cognitionem, quam ex
aliis speciebus de novo impressis. Ergo non videtur quod aliquae species
de novo imprimantur.
7. Praeterea, ut dicit Glossa Hieronymi, Amos I, 2: prophetae utuntur
similitudinibus rerum in quibus conversati sunt. Hoc autem non esset,
si eorum visiones fierent per species de novo impressas. Ergo non impri-
muntur aliquae species in animam prophetae de novo, sed solum lumen
propheticum.

Sed contra.

1. Visus non determinatur ad aliquod determinatum visibile cognos-


cendum per lumen, sed per species visibilis; et similiter intellectus possi-
bilis non determinatur ad intelligibilia cognoscenda per lumen intellectus
agentis, sed per species intelligibiles. Cum ergo cognitio prophetae de-
terminetur ad quaedam quae prius non cognoscebat, videtur quod non
sufficiat luminis infusio, nisi etiam species imprimantur.
2. Praeterea, Dionysius dicit in I cap. caelestis hierarchiae, quod im-
possibile est nobis superlucere divinum radium nisi varietate sacrorum
velaminum circumvelatum. Velamina autem appellat figuras. Ergo pro-
phetae non infunditur lumen intelligibile nisi figurativis speciebus.
Sobre a Profecia · Artigo 7 13

5. Ademais, aquilo que alguém pode realizar por virtude própria não é ne-
cessário que se dê no profeta por operação divina. Mas qualquer pessoa pode,
em sua mente, formar espécies de coisas mediante a potência imaginativa, que
compõe e divide as imagens recebidas delas. Portanto, não é necessário que se
imprimam divinamente certas espécies de coisas na alma do profeta.
6. Ademais, a natureza opera pela via mais breve possível;5 e muito mais o
faz Deus, que opera ainda mais ordenadamente. Mas a via em que o profeta
é conduzido à cognição das coisas a partir das espécies que estão em sua alma
é mais breve que aquela em que tal se faz a partir de novas espécies impressas.
Portanto, não parece que se imprimam novas espécies.
7. Ademais, como diz a Glosa de Jerônimo sobre Amós [1,2]: “os profetas
usam as semelhanças das coisas no meio das quais viveram”.6 Mas isso não seria
assim se suas visões ocorressem por certas espécies impressas novas. Portanto,
não se imprimem novas espécies na alma do profeta, mas apenas a luz profética.
Mas, em sentido contrário:
1. Para conhecer determinado visível, a visão não é determinada pela luz,
mas pelas espécies visíveis. De modo semelhante, para conhecer os inteligíveis
o intelecto possível não é determinado pela luz do intelecto agente, mas pelas
espécies inteligíveis.7 Portanto, dado que a cognição do profeta é determinada
a coisas que não conhecia anteriormente, parece que não basta a infusão da
luz, senão que também é necessário que se imprimam espécies.
2. Ademais, no capítulo I de Sobre a Hierarquia Celeste diz Dionísio que
“é impossível luzir sobre nós o raio divino senão cingido da variedade dos
velames sagrados”.8 Mas ele chama “figuras” aos velames.9 Portanto, não se
infunde nos profetas a luz inteligível senão mediante espécies figurativas.

5 Cf. S. Tomás de Aquino, Comentário às Sentenças, III, d. 23, q. 3, a. 4, qc. 3, sc. 1; IV, d. 2, q. 1,
a. 4, qc. 1, arg. 1.
6 Glossa Ordinaria, ibid.
7 Em resumo, as espécies inteligíveis são o que formalmente atualiza o intelecto agente. Daí o Aqui-
nate preconizar que o intelecto possível se faz inteligente em ato mediante uma espécie inteligível.
“Intellectus autem fit actu intelligens per speciem intelligibilem”. Cf. S. Tomás de Aquino, Super
librum De Causis expositio, Lectio III. Nesta passagem do Artigo 7, o Aquinate está a salientar a cir-
cunstância de que a luz profética se faz acompanhar de espécies – naturais ou infusas – pelas quais o
profeta pode, efetivamente, conhecer o futuro contingente que Deus lhe apresenta. Frise-se apenas
que a profecia não reside nas espécies, mas a interpretação que o profeta faz delas graças à iluminação
divina. [N. C.]
8 Pseudo-Dionísio Areopagita, Sobre a Hierarquia Celeste, c. 1, §2 (PG 3, 121B).
9 Op. cit., c. 1, §3 (PG 3, 124A).
14 Santo Tomás de Aquino

3. Praeterea, in omnibus prophetis infusio luminis est uniformis. Sed


non omnes prophetae uniformem cognitionem accipiunt; cum quidam de
praesenti, quidam de praeterito, quidam de futuro prophetent, ut Glossa
Gregorii dicit super principium Ezech. Ergo non solum lumen prophetis
infunditur, sed aliquae species imprimuntur, quibus prophetarum cogni-
tiones distinguantur.
4. Praeterea, revelatio prophetica fit secundum locutionem interiorem
ad prophetam per Deum vel per Angelum factam; sicut patet omnium
prophetarum scripta intuenti. Sed locutio omnis fit per aliqua signa. Ergo
revelatio prophetica fit per aliquas similitudines.
5. Praeterea, visio imaginaria et intellectualis sunt excellentiores corpora-
li. Sed quando fit visio corporalis supernaturaliter, tunc nova species corpo-
ralis videntis oculis exhibetur, sicut patet de manu scribentis in pariete os-
tensa Balthassari, Daniel. V, 5. Ergo multo amplius oportet quod in visione
imaginaria et intellectuali supernaturaliter factis novae species imprimantur.

Responsio. Dicendum, quod prophetia est quaedam supernaturalis


cognitio. Ad cognitionem autem duo requiruntur; scilicet acceptio cog-
nitorum, et iudicium de acceptis, ut supra dictum est. Quandoque igitur
cognitio est supernaturalis secundum acceptionem tantum, quandoque
secundum iudicium tantum, quandoque secundum utrumque. Si autem
sit secundum acceptionem tantum supernaturalis, non dicetur ex hoc ali-
quis propheta; sicut Pharao non est dictus propheta, qui supernaturaliter
accepit futurae fertilitatis et sterilitatis indicium, sub boum et spicarum
figuris. Si vero habeat supernaturale iudicium, vel simul iudicium et ac-
ceptionem, ex hoc dicetur esse propheta.
Acceptio autem supernaturalis non potest esse nisi secundum tria ge-
nera visionis: scilicet secundum visionem corporalem, quando aliqua cor-
poralibus oculis divinitus demonstrantur, ut manus scribens Baltasar; et
secundum imaginariam visionem, quando divinitus aliquae rerum figurae
prophetis ostenduntur, ut olla succensa Ieremiae, et equi et montes Za-
chariae; et secundum intellectualem, quando aliqua intellectui ostendun-
Sobre a Profecia · Artigo 7 15

3. Ademais, em todos os profetas a infusão da luz é uniforme. Mas nem


todos os profetas recebem cognição uniforme, dado que alguns profetizam
sobre o presente, outros sobre o pretérito e outros sobre o futuro, como diz
a Glosa de Gregório sobre o início de Ezequiel.10 Portanto, nos profetas se
imprime não só a luz, mas também certas espécies, pelas quais se distinguem
suas cognições.
4. Ademais, a revelação profética ocorre segundo a locução interior feita
ao profeta por Deus ou pelo anjo, como se observa nos escritos de todos os
profetas. Mas toda e qualquer locução é feita mediante certos sinais. Portanto,
a revelação profética é feita mediante certas semelhanças.
5. Ademais, a visão imaginária e a intelectual são mais excelentes que a
corporal. Mas quando a visão corporal ocorre de modo sobrenatural, então se
exibe uma nova espécie corporal aos olhos de quem vê, como lemos acerca da
mão do que escreve na parede, mostrada a Baltasar em Daniel [5,5]. Portanto,
com muito mais razão é necessário que na visão imaginária e na intelectual,
quando ocorridas de modo sobrenatural, se imprimam novas espécies.
Respondo. Deve-se dizer que a profecia é certa cognição sobrenatural.
Mas para a cognição se requerem duas coisas, a saber: a recepção das coisas
conhecidas e o juízo das coisas recebidas, como se disse acima.11 Ora, às vezes
a cognição é sobrenatural apenas quanto à recepção, às vezes apenas quanto
ao juízo, e às vezes quanto a ambos. Se ela é apenas sobrenatural quanto à
recepção, não por isso se chama alguém de profeta: não se chamou profeta ao
Faraó, que recebeu de modo sobrenatural o indício da fertilidade e da esteri-
lidade futuras na figura de bois e de espigas. Por outro lado, se alguém tem o
juízo sobrenatural, ou o juízo e a recepção [sobrenaturais] ao mesmo tempo,
por isso há de ser chamado profeta.
Mas não pode haver a recepção sobrenatural senão segundo três gêneros
de visão: segundo a visão corporal, quando certas coisas são divinamente mos-
tradas aos olhos corporais, como a mão que escreve a Baltasar; segundo a
visão imaginária, quando certas figuras de coisas são divinamente mostradas
aos profetas, como a panela sobre o fogo a Jeremias, e os cavalos e os montes
a Zacarias; e, por fim, segundo a visão intelectual, quando certas coisas para
além da faculdade natural são mostradas ao intelecto.12 Dado porém que o

10 Glossa Ordinaria, ibid.


11 Cf. artigo 3 no vol. I, em resposta ao primeiro argumento.
12 Cf. Glosa de Pedro Lombardo (PL 192, 80B-C).
16 Santo Tomás de Aquino

tur supra naturalem facultatem. Cum autem intellectus humanus sit in


potentia naturali ad omnes formas intelligibiles sensibilium rerum, non
erit supernaturalis acceptio, quaecumque species intelligibiles in intellectu
fiant, sicut erat supernaturalis acceptio in visione corporali quando inspi-
ciuntur res quae non sunt secundum naturam formatae, sed solummodo
divinitus ad aliquid ostendendum; et sicut erat supernaturalis acceptio in
visione imaginaria, quando videntur aliquae similitudines non a sensibus
acceptae, sed per aliquam vim animae formatae. Sed tunc solum intellec-
tus supernaturaliter accipit, quando videt ipsas substantias intelligibiles
per essentiam suam, utpote Deum et Angelos, ad quod pertingere non
potest secundum virtutem naturae suae.
Inter has autem tres supernaturales acceptiones haec ultima excedit
modum prophetiae, unde dicitur Num. XI: si quis fuerit inter vos prophe-
ta domini, in somnio aut visione loquar ad eum. At non talis servus meus
Moyses, qui palam, et non per figuras et aenigmata, videt Deum. Videre
igitur Deum in essentia sua, sicut videtur in raptu, vel sicut videtur a
beatis; aut etiam videre alias substantias intelligibiles per essentiam suam,
modum propheticae visionis excedit. Sed prima supernaturalis acceptio,
scilicet quae est secundum corporalem visionem, est infra propheticam
acceptionem; quia per hanc acceptionem non praefertur propheta aliis
quibuscumque; cum speciem divinitus formatam ad videndum, omnes
aequaliter videre possint. Supernaturalis ergo acceptio quae est propria
prophetiae, est acceptio imaginariae visionis. Sic ergo omnis propheta vel
habet iudicium tantum supernaturale de his quae ab alio videntur, sicut
Ioseph de visis a Pharaone; vel habet acceptionem simul cum iudicio se-
cundum imaginariam visionem.
Iudicium igitur supernaturale prophetae datur secundum lumen ei in-
fusum, ex quo intellectus roboratur ad iudicandum; et quantum ad hoc
nullae species exiguntur. Sed quantum ad acceptionem requiritur nova
formatio specierum, sive ut fiant in mente prophetae species quae prius
non fuerunt, utpote si alicui caeco nato imprimerentur species colorum;
sive ut species praeexistentes ordinentur et componantur divinitus tali
modo quod competat significationi rerum quae debent prophetae osten-
di. Et per hunc modum concedendum est, quod prophetae revelatio non
Sobre a Profecia · Artigo 7 17

intelecto humano está em potência natural a todas as formas inteligíveis das


coisas sensíveis, não será uma recepção sobrenatural o surgimento no intelec-
to de quaisquer espécies inteligíveis – como, ao contrário, era sobrenatural a
recepção na visão corporal ao se observarem coisas não formadas segundo a
natureza (mas só divinamente, para evidenciar algo), e como era sobrenatu-
ral a recepção na visão imaginária, quando se viam certas semelhanças não
recebidas pelos sentidos, mas formadas mediante certa potência da alma. O
intelecto só recebe sobrenaturalmente quando vê as próprias substâncias inte-
ligíveis (como Deus e anjos) segundo a essência, o que não pode alcançar pela
virtude de sua natureza.
Todavia, entre estas três recepções sobrenaturais, a última excede o modo
da profecia, donde dizer-se em Números [12,6-8]: “Se alguém entre vós for
profeta do Senhor, hei de falar com ele em sonho ou em visão; mas tal não se
dá com meu servo que, sendo o mais fiel de toda a casa, vê a Deus às claras e
não por figuras e em enigmas”. Portanto, excede o modo da visão profética ver
a Deus em Sua essência (tal qual visto em arrebatamento ou pelos bem-aven-
turados) ou ver em suas essências outras substâncias inteligíveis. Já a primeira
recepção sobrenatural – isto é, a que se dá segundo a visão corporal – está
abaixo da recepção profética; pois por esta recepção o profeta não se antepõe a
nenhuma outra pessoa, uma vez que todas podem igualmente ver uma espécie
que é divinamente formada para ser vista. Portanto, a recepção sobrenatural
que é própria da profecia é a recepção da visão imaginária. Assim, todo profeta
ou tem apenas o juízo sobrenatural das coisas vistas por outro (como José do
que foi visto pelo Faraó), ou tem a recepção simultânea ao juízo segundo a
visão imaginária.13
Assim, o juízo sobrenatural do profeta é dado segundo a luz que lhe é
infundida, com a qual o intelecto se fortalece para julgar; e quanto a este
não se exige nenhuma espécie. Mas, quanto à recepção, requer-se uma nova
formação de espécies, seja para que surjam na mente do profeta espécies que
antes não existiam (como se nalgum cego de nascença fossem impressas as
espécies das cores), seja para que espécies preexistentes se ordenem e se com-
ponham divinamente segundo o modo que convenha à significação das coisas
que devem ser mostradas ao profeta – e é desta [segunda] maneira que se deve

13 O Aquinate introduz sua resposta distinguindo o objeto sobrenatural de cada uma das potências
cognitivas humanas (sensitiva, imaginativa, intelectiva), e qual destas corresponde à profecia em seu
modo mais próprio. Isto não quer dizer que, dando-se estrita atenção ao modo, não se deva qualificar
de “sobrenatural” qualquer infusão divina de conhecimentos que não tenham passado por nossos
sentidos, como o conhecimento sem abstração de uma qüididade qualquer. [N. T.]
18 Santo Tomás de Aquino

solum fit secundum lumen, sed secundum species etiam; quandoque vero
secundum species; quandoque vero secundum lumen tantum.

1. Ad primum igitur dicendum, quod quamvis propheta non dicatur


nisi qui habet intellectualem visionem, non tamen sola visio intellectualis
ad prophetiam pertinet, sed etiam imaginaria, in qua species formari pos-
sunt convenientes etiam ad singularium repraesentationem.
2. Unde patet responsio ad secundum.
3. Ad tertium dicendum, quod illarum rerum quas propheta vidit, non
oportet ut ei denuo species infundantur; sed ut ex speciebus reservatis
in thesauro virtutis imaginariae fiat quaedam ordinata aggregatio, conve-
niens designationi rei prophetandae.
4. Ad quartum dicendum, quod divina essentia, quantum in se est,
expressius repraesentat res quaslibet quam quaelibet species vel figura; sed
ex hoc quod aspectus intuentis vincitur ab eminentia illius essentiae, con-
tingit quod essentiam videns non omnia videt quae repraesentat. Species
vero in imaginatione impressae, sunt nobis proportionatae; unde ex eis in
rerum cognitionem possumus pervenire.
5. Ad quintum dicendum, quod sicut in eo qui ex signis scientiam
accipit, signorum cognitio est via ducens ad res ipsas; ita e converso in
eo qui significat aliquid, cognitio rei significandae praesupponitur ad for-
mationem signorum: non enim potest aliquis rei quam ignorat, congrua
signa adhibere. Quamvis igitur homo quilibet possit quaslibet imagines
formare naturali virtute, tamen quod formentur convenienter rei futurae
significandae, non potest fieri nisi ab eo qui rerum illarum cognitionem
habet et secundum hoc formatio imaginariae visionis in propheta super-
naturalis existit.
Sobre a Profecia · Artigo 7 19

conceder que a revelação ocorre ao profeta não só segundo a luz e segundo as


espécies, mas algumas vezes apenas segundo a luz.14
1. Quanto ao primeiro argumento, portanto, deve-se dizer que, embo-
ra não se chame profeta senão a quem tem visão intelectual, esta não pertence
sozinha à profecia, senão que também o faz a visão imaginária, na qual podem
formar-se espécies que convenham também à representação dos singulares.
2. Faz-se evidente, portanto, a resposta ao segundo.
3. Quanto ao terceiro, deve-se dizer que não é necessário que sejam
novamente infundidas as espécies das coisas que o profeta vê, e sim que das
espécies guardadas no tesouro da potência imaginativa se faça certa agregação
ordenada, conveniente à designação da coisa por profetizar.
4. Quanto ao quarto, deve-se dizer que a essência divina, segundo o que
é em si, representa quaisquer coisas mais expressamente do que o faz qualquer
espécie ou figura. Mas, pelo fato de que a visão do observador é superada pela
eminência daquela essência, ocorre que ele não vê todas as coisas que ela repre-
senta. Já as espécies impressas na imaginação nos são proporcionais;15 donde a
partir delas podermos chegar à cognição das coisas.
5. Quanto ao quinto, deve-se dizer que, assim como no que recebe a ciên-
cia dos signos a cognição de tais signos é a via que conduz às próprias coisas, as-
sim também, em sentido inverso, no que significa se pressupõe, para a formação
de tais signos, a cognição da coisa por significar (pois ninguém pode produzir
signos adequados de uma coisa que ignora). Portanto, embora qualquer homem
possa formar imagens por capacidade natural, o fato de que sejam formadas de
modo conveniente à coisa futura que se deve comunicar não é algo exeqüível
senão por aquele que tem a cognição de tais coisas. E é segundo esta razão que
existe no profeta a formação sobrenatural da visão imaginária.

14 Aqui, dá-se uma divergência entre originais, ante a qual preferimos a Edição Leonina à do Cor-
pus Thomisticum. Nesta última, consta: “e é desta maneira que se deve conceder que ao profeta a
revelação ocorre não só segundo a luz e segundo as espécies, mas algumas vezes apenas segundo as
espécies, e às vezes apenas segundo a luz”. A possibilidade de que a profecia se dê “somente segundo as
espécies” parece carecer de sentido, especialmente pelo que se diz no próprio corpo da resposta: que
a mera recepção de espécies pelo intelecto não caracteriza a profecia, mas antes o juízo das espécies.
A iluminação sobrenatural do intelecto para guiar o juízo é o que se exige sempre, seja com respeito
a espécies preexistentes no profeta, seja com respeito a espécies infundidas simultaneamente à ilumi-
nação. A Leonina, que não contém esta parte, estaria correta. É relevante notar que esta não parece
ser uma diferença entre seleções de manuscritos: nada no aparato crítico leonino indica a existência
da variante em questão. [N. T.]
15 Isto é, são mais acessíveis a nossas capacidades. O lat. proportionatus poderá ser vertido por “pro-
porcional” ou “proporcionado”, mas se terá em mente o mesmo conceito. [N. T.]
20 Santo Tomás de Aquino

6. Ad sextum dicendum, quod species illae quae praeexistunt in vi ima-


ginaria prophetae, prout ibi existunt, non sufficiunt ad significationem
rerum futurarum; et ideo oportet quod divinitus aliter transformentur.
7. Ad septimum dicendum, quod species praeexistentes in imagi-
natione prophetae sunt quasi elementa illius visionis imaginariae, quae
divinitus ostenduntur, cum ex eis quodammodo componatur; et exinde
contingit quod propheta utitur similitudinibus rerum in quibus conver-
satus est.
Sed quia non semper per aliquas species fit revelatio prophetica, ut
dictum est, ideo ad rationes in contrarium adductas respondere oportet.

1. Ad primum igitur dicendum, quod etsi in propheta non determine-


tur cognitio ad aliquid per intellectuale lumen, quando ei datur solummo-
do supernaturale iudicium, determinatur tamen per species ab alio visas;
sicut cognitio Ioseph, per species visas a Pharaone, vel per species a seipso
visas non supernaturaliter.
2. Ad secundum dicendum, quod divini luminis radius superlucet
prophetae semper quidem velatus figuris, non ita quod semper species
infundantur, sed quia radius praedictus speciebus existentibus admiscetur.
3. Ad tertium dicendum, quod prophetarum revelatio distinguitur
etiam ex parte luminis intellectualis, quod quidam plenius aliis percipiunt;
et ex parte specierum, quae vel praeexistunt, vel de novo accipiuntur ab
ipso propheta, aut ab alio.
4. Ad quartum dicendum, quod sicut dicit Gregorius in II Moralium,
Deus ad Angelos loquitur eo ipso quo cordibus eorum occulta sua iudi-
cia ostendit; et similiter subiungit, quod animabus sanctis loquitur, in
Sobre a Profecia · Artigo 7 21

6. Quanto ao sexto, deve-se dizer que as espécies que preexistem na po-


tência imaginativa do profeta, do modo como aí existem, não bastam para a
significação das coisas futuras. E por isso é necessário que, de outra maneira,
sejam transformadas divinamente.
7. Quanto ao sétimo, deve-se dizer que as espécies preexistentes na ima-
ginação do profeta são como elementos da visão imaginária que é divinamente
mostrada,16 dado que esta visão é de certo modo composta a partir delas. Daí
se tem que o profeta use as semelhanças das coisas no meio das quais viveu.
Dado, todavia, que nem sempre a revelação profética ocorre mediante cer-
tas espécies, como ficou dito, é portanto necessário responder aos argumentos
aduzidos em contrário.17
1. Quanto ao primeiro argumento, portanto, deve-se dizer que também
no profeta a cognição não se determina a algo mediante a luz intelectual quando
se lhe dá somente o juízo sobrenatural. Contudo, ela determina-se mediante
espécies vistas por outro; como a cognição de José pelas espécies vistas pelo Faraó
ou pelas espécies vistas por ele mesmo de modo não sobrenatural.
2. Quanto ao segundo, deve-se dizer que sobre o profeta reluz um raio
de luz divina sempre velado por figuras, não no sentido de que sempre se in-
fundam espécies, e sim porque tal raio se mescla às espécies existentes.
3. Quanto ao terceiro, deve-se dizer que a revelação dos profetas se
distingue tanto por parte da luz intelectual (que alguns recebem mais plena-
mente que outros) como por parte das espécies, que ou preexistem, ou são
recebidas uma primeira vez, seja pelo próprio profeta, seja por outra pessoa.
4. Quanto ao quarto, deve-se dizer que, como afirma Gregório no livro
II da Moral,18 Deus fala aos anjos pelo próprio fato de que mostra a seu co-
ração Seus juízos ocultos – e acrescenta,19 de modo semelhante, que Ele fala

16 Preferimos o singular “é mostrada”, ostenditur (referindo-se à visão imaginária), como consta da


Leonina. O Aquinate não se referiria às espécies mostradas divinamente na própria iluminação profé-
tica se estas já fossem espécies preexistentes, no meio das quais o profeta vivera. [N. T.]
17 Poderia confundir o leitor esta preparação para as respostas aos argumentos em contrário, já que
em todas as cinco se continua a afirmar que a visão profética se dá mediante certas espécies. Mas o que
nelas se distingue é antes a ausência de necessidade de que se imprimam novas espécies. E é mais pro-
priamente esta a oposição entre o cabeçalho destes argumentos em contrário e o cabeçalho anterior
(que serve de título a este artigo). Pois de início se pergunta se na profecia concorrem espécies novas,
ou se somente a luz infusa; já os argumentos em contrário exigem a concorrência de espécies novas.
A resposta de S. Tomás é que não basta a luz infusa, e que concorrem espécies; por outro lado, não se
exige que sejam sempre espécies novas. [N. T.]
18 S. Gregório Magno, Moral, II, 7 (PL 75, 559B).
19 Idem ibid. (PL 75, 561A).
22 Santo Tomás de Aquino

quantum eis certitudinem infundit. Sic ergo locutio qua Deus prophetis
locutus esse dicitur in Scripturis, non solum attenditur quantum ad spe-
cies rerum impressas, sed etiam quantum ad lumen inditum, quo mens
prophetae de aliquo certificatur.
5. Ad quintum dicendum, quod ex hoc ipso quod visio intellectualis et
imaginaria dignior est corporali, secundum eas cognoscimus non solum
praesentia, sed etiam absentia, cum visione corporali solummodo prae-
sentia cernantur; et ideo in imaginatione et intellectu reservantur species
rerum, non autem in sensu. Ad hoc ergo quod visio corporalis sit super-
naturalis, semper oportet quod novae formentur species corporales; non
autem hoc requiritur ad hoc quod visio imaginaria vel intellectualis sit
supernaturalis.
Sobre a Profecia · Artigo 7 23

às almas santas na medida em que lhes infunde certeza. Assim, a locução pela
qual se diz que Deus falou aos profetas nas Escrituras não se refere somente às
espécies impressas das coisas, mas também à luz infusa pela qual a mente do
profeta se certifica de algo.
5. Quanto ao quinto, deve-se dizer que, pelo próprio fato de que a visão
intelectual e a imaginária são mais dignas que a corporal, por elas conhece-
mos não só as coisas presentes, mas também as ausentes, ao passo que a visão
corporal tão-somente discerne as coisas presentes. Por isso, na imaginação e
no intelecto se preservam as espécies das coisas, mas não no sentido. Portanto,
para que a visão corporal seja sobrenatural, é sempre necessário que se formem
novas espécies corporais; mas isso não se requer para que sejam sobrenaturais
a visão imaginária ou a intelectual.
24 Santo Tomás de Aquino

ARTICULUS 8
Octavo quaeritur utrum omnis revelatio
prophetica fiat Angelo mediante

Et videtur quod non.

1. Quia, ut dicit Augustinus, VI de Trinit., quorumdam mentes ita


elevantur, ut non per Angelum, sed in ipsa summa rerum arce incommu-
tabiles videant rationes. Hoc autem maxime videtur competere prophetis.
Ergo revelatio eorum non fit Angelo mediante.
2. Praeterea, dona spiritus sancti immediate sunt a Deo, et habitus infu-
si. Sed prophetia est donum spiritus sancti, ut patet I Corinth., XII, 10; et
est etiam quoddam lumen infusum. Ergo est a Deo sine Angelo mediante.
3. Praeterea, prophetia quae ex virtute creata procedit, est prophetia
naturalis, ut supra dictum est. Sed Angelus est creatura quaedam. Ergo
prophetia quae non est naturalis, sed spiritus sancti donum, non perficitur
Angelo mediante.
4. Praeterea, prophetia perficitur secundum infusionem luminis, et
impressionem specierum. Sed neutrum horum videtur posse fieri per An-
gelum; quia vel esset creator luminis vel speciei; cum haec non possint
fieri nisi ex nihilo. Ergo visio prophetica non fit Angelo mediante.
5. Praeterea, in definitione prophetiae dicitur quod prophetia est divi-
na revelatio vel inspiratio. Si autem fieret Angelo mediante, diceretur esse
angelica, non divina. Ergo non fit mediantibus Angelis.
6. Praeterea, Sapient. VII, 27, dicitur, quod divina sapientia per nationes
in animas sanctas se transferens amicos Dei et prophetas constituit. Ergo ab
ipso Deo immediate aliquis propheta constituitur, non per Angelum.

Sed contra.

Est quod Moyses aliis prophetis excellentior fuisse videtur, ut patet


Num. XI, 16 ss., et Deuteron., XXXIV, 10. Sed Moysi facta est divinitus
Sobre a Profecia · Artigo 8 25

ARTIGO 8
Se toda e qualquer revelação profética
é feita por intermédio de um anjo20

E parece que não.


1. Pois, como diz Agostinho no livro VI Sobre a Trindade, as mentes de alguns
homens são de tal modo elevadas, que vêem as razões imutáveis não através de
um anjo, mas no próprio cume das coisas.21 E isso parece competir maximamen-
te aos profetas. Portanto, a revelação destes não é feita por mediação de um anjo.
2. Ademais, os dons do Espírito Santo procedem de Deus sem mediação,
assim como os hábitos infusos. Mas a profecia é dom do Espírito Santo –
como se vê em I Coríntios [12,10] – e é também certa luz infusa. Portanto,
procede de Deus sem a mediação de um anjo.
3. Ademais, a profecia que procede de uma virtude criada é a profecia natural,
como se disse acima.22 Mas o anjo é uma criatura. Portanto, a profecia que não
é natural, mas dom do Espírito Santo, não se perfaz por mediação de um anjo.
4. Ademais, a profecia se perfaz segundo a infusão da luz e a impressão
das espécies. Mas nenhuma destas duas parece poder ser feita por um anjo;
pois ou seria criador da luz, ou o seria da espécie, já que ambas não podem
ser feitas senão do nada. Portanto, a visão profética não se faz por intermé-
dio de um anjo.
5. Ademais, diz-se na definição da profecia que é uma revelação ou ins-
piração divina. Ora, se fosse feita por intermédio de um anjo, dir-se-ia que é
angélica, não divina. Portanto, não é feita mediante anjos.
6. Ademais, diz-se em Sabedoria [7,27] que a sabedoria divina, “transfe-
rindo-se através das nações para as almas santas, constitui amigos de Deus e
profetas”. Portanto, é imediatamente pelo próprio Deus que alguém é consti-
tuído profeta, não mediante um anjo.
Mas, em sentido contrário:
1. Moisés parece haver sido o mais excelente dos profetas, como se lê em
Números [12,6-8] e em Deuteronômio [34,10]. Mas a Moisés foi feita a reve-

20 Cf. Suma Teológica, II-II, q. 172, a. 2; Comentário a Isaías, c. 6.


21 S. Agostinho, Sobre a Trindade, IV, 17 (PL 42, 903).
22 Cf. artigo 3 no vol. I.
26 Santo Tomás de Aquino

revelatio mediantibus Angelis; unde dicitur Galat. cap. III, 19, quod lex
(...) ordinata est per Angelos in manu mediatoris; et Act., VII, 38, dicit
Stephanus de Moyse: hic est qui fuit in Ecclesia in solitudine cum Angelo,
qui loquebatur ei in monte Sinai, et cum patribus nostris. Ergo multo
fortius omnes alii prophetae mediante Angelo revelationem acceperunt.
2. Praeterea, Dionysius dicit IV cap. caelestis hierarchiae quod divinas
visiones gloriosi patres nostri adepti sunt per medias caelestes virtutes.
3. Praeterea, Augustinus dicit in Lib. de Trinit. quod omnes apparitiones
patribus factae in veteri testamento, fuerunt per Angelos administratae.

Responsio. Dicendum, quod in revelatione prophetica duo concur-


runt; scilicet mentis illustratio, et formatio specierum in imaginativa vir-
tute. Ipsum ergo propheticum lumen, quo mens prophetae illustratur,
a Deo originaliter procedit; sed tamen ad eius congruam susceptionem
mens humana angelico lumine confortatur, et quodammodo praeparatur.
Cum enim lumen divinum sit simplicissimum et universalissimum in vir-
tute, non est proportionatum ad hoc quod ab anima humana in statu viae
percipiatur, nisi quodammodo contrahatur et specificetur per coniunc-
tionem ad lumen angelicum, quod est magis contractum, et humanae
menti magis proportionatum. Sed ipsa formatio specierum in imaginativa
virtute proprie Angelis est attribuenda, eo quod tota corporalis creatura
administratur per creaturam spiritualem, ut Augustinus probat in III de
Trinit. Vis autem imaginaria utitur organo corporali; unde specierum for-
matio in ipsa ad ministerium proprie pertinet Angelorum.

1. Ad primum igitur dicendum, quod sicut supra dictum est, verbum


illud Augustini referendum est ad visionem patriae, vel ad visionem rap-
tus, non ad visionem propheticam.
2. Ad secundum dicendum, quod prophetia inter dona spiritus sancti
computatur ratione luminis prophetici: quod quidem a Deo infunditur
immediate, quamvis ad eius congruam receptionem cooperetur ministe-
rium Angelorum.
Sobre a Profecia · Artigo 8 27

lação divina por intermédio de anjos – donde dizer-se em Gálatas [3,19] que
“a lei [...] foi ordenada mediante anjos na mão de um mediador”, enquanto
em Atos [7,38] diz Estêvão acerca de Moisés: “Este é o que ficou na assembléia
no deserto com o anjo, que lhe falava no monte Sinai, e com nossos pais”. Por-
tanto, com muito mais razão todos os outros profetas receberam a revelação
por intermédio de um anjo.
2. Ademais, diz Dionísio no capítulo IV de Sobre a Hierarquia Celeste que
“nossos gloriosos pais compreenderam as visões divinas pelas virtudes celestes
intermédias”.23
3. Ademais, diz Agostinho em Sobre a Trindade que todas as aparições
feitas aos pais no Antigo Testamento foram administradas mediante anjos.24
Respondo. Deve-se dizer que na revelação profética concorrem duas coisas,
a saber: a iluminação da mente e a formação das espécies na potência imaginati-
va. Portanto, a própria luz profética (pela qual é iluminada a mente do profeta)
procede originalmente de Deus; contudo, para sua adequada recepção, a mente
humana é fortalecida pela luz angélica e, de certo modo, por ela preparada. Pois,
dado que a luz divina é a mais simples e a mais universal em sua virtude, não é
proporcionada a ser recebida pela alma humana no estado de via,25 a menos que
de certo modo se contraia e se especifique pela conjunção com a luz angélica, que
é mais contraída e mais proporcionada à mente humana. Mas a própria formação
das espécies na potência imaginativa deve ser precisamente atribuída aos anjos, já
que toda criatura corporal é administrada pela espiritual, como o prova Agostinho
em Sobre a Trindade.26 Ora, a potência imaginativa faz uso de órgão corporal. Por-
tanto, nela a formação de espécies pertence propriamente ao ministério dos anjos.
1. Quanto ao primeiro argumento, portanto, deve-se dizer que ­­– como
afirmado acima27 – aquelas palavras de Agostinho têm de referir-se à visão da
pátria, ou à visão de arrebatamento, não à visão profética.
2. Quanto ao segundo, deve-se dizer que a profecia se conta entre os dons
do Espírito Santo por razão da luz profética, que é infundida por Deus sem
mediação, ainda que o ministério dos anjos coopere para sua adequada recepção.

23 Pseudo-Dionísio Areopagita, Sobre a Hierarquia Celeste, c. 4, §3 (PG 3, 180C).


24 S. Agostinho, Sobre a Trindade, III, 11 (PL 42, 882).
25 Ou seja, pela alma humana que não está no estado glorioso, pois se encontra ainda a caminho da
Pátria Celeste ou, no caso dos réprobos, da condenação. [N. C.]
26 S. Agostinho, Sobre a Trindade, III, 4 (PL 42, 873).
27 Cf. artigo 6 no vol. I, em resposta ao décimo segundo argumento.
28 Santo Tomás de Aquino

3. Ad tertium dicendum, quod illud quod fit a creatura propria virtute,


est quodammodo naturale; sed quod fit a creatura non propria virtute, sed
inquantum est mota a Deo, velut quoddam divinae operationis instru-
mentum, est supernaturale. Unde prophetia, quae habet ortum ab Angelo
secundum naturalem Angeli cognitionem, est prophetia naturalis; sed illa
quae habet ortum ab Angelo, secundum quod Angelus revelationem a
Deo accepit, est prophetia supernaturalis.
4. Ad quartum dicendum, quod Angelus neque lumen in intellectu
humano creat, neque species in vi imaginativa; sed operatione Angeli lu-
men naturale humano intellectui divinitus confortatur, et secundum hoc
hominem Angelus illuminare dicitur. Ex hoc etiam quod habet potesta-
tem Angelus commovere organum phantasiae, potest visionem imaginati-
vam formare, secundum quod competit prophetiae.
5. Ad quintum dicendum, quod actio non attribuitur instrumento, sed
principali agenti; sicut scamnum non dicitur effectus serrae, sed carpen-
tarii. Et similiter cum Angelus non sit causa revelationis propheticae nisi
sicut instrumentum divinum per revelationem a Deo perceptam, prophe-
tia non debet dici revelatio angelica, sed divina.
6. Ad sextum dicendum, quod sapientia divina in animam se transfe-
rens, aliquos effectus facit non mediante ministerio Angelorum, sicut gra-
tiae infusionem, per quam quis amicus Dei constituitur. Nihil autem pro-
hibet quin quosdam alios effectus faciat praedicto ministerio mediante; et
sic in animas sanctas se transferens, prophetas constituit Angelo mediante.
Sobre a Profecia · Artigo 8 29

3. Quanto ao terceiro, deve-se dizer que o que a criatura faz por virtude
própria lhe é de certo modo natural. Já o que a criatura faz não por sua própria
virtude, mas enquanto movida por Deus como certo instrumento da operação
divina, lhe é sobrenatural. Portanto, é uma profecia natural a que se origina do
anjo segundo a cognição natural deste; por outro lado, é uma profecia sobre-
natural a que se origina do anjo na medida em que este recebe uma revelação
de Deus.
4. Quanto ao quarto, deve-se dizer que o anjo não cria a luz no intelecto
humano nem as espécies na potência imaginativa; mas, pela operação do anjo,
a luz natural é fortalecida divinamente para o intelecto humano, e neste sen-
tido se diz que o anjo ilumina o homem. Além disso, porque o anjo é capaz
de mover o órgão da fantasia, pode formar a visão imaginativa segundo o que
compete à profecia.
5. Quanto ao quinto, deve-se dizer que a ação não é atribuída ao instru-
mento, mas ao agente principal; assim como não se diz que o escabelo é efeito
da serra, mas do carpinteiro. E, de modo semelhante, visto que o anjo não é
a causa da revelação profética senão como instrumento divino mediante a re-
velação recebida de Deus, a profecia não se deve chamar “revelação angélica”,
mas “revelação divina”.
6. Quanto ao sexto, deve-se dizer que a sabedoria divina que se transfere
para a alma produz outros efeitos não intermediados por anjos – como a in-
fusão da graça, pela qual alguém é constituído amigo de Deus. Todavia, nada
impede que ela produza alguns outros efeitos mediante o referido ministério.
E assim, transferindo-se para as almas santas, constitui profetas por intermé-
dio dos anjos.
30 Santo Tomás de Aquino

ARTICULUS 9
Nono quaeritur utrum propheta semper quando a
spiritu prophetiae tangitur, a sensibus alienetur

Et videtur quod sic.

1. Quia dicitur Num., XII, 6: si quis fuerit inter vos propheta domi-
ni, in somnio et visione loquar ad eum. Sed, ut dicit Glossa in principio
Psalterii, tunc fit prophetia per somnia et visiones quando fit per ea quae
videntur dici vel fieri. Cum autem apparent ea quae videntur dici vel fieri,
et non dicuntur vel fiunt, homo est a sensibus abstractus. Ergo visio pro-
phetiae semper est propheta a sensu abstracto.
2. Praeterea, quando una virtus multum intenditur in sua operatione,
oportet aliam a sua operatione abstrahi. Sed in visione prophetiae inte-
riores vires maxime in suis operationibus intenduntur, scilicet intellec-
tus et imaginatio, cum hoc sit perfectissimum ad quod pervenire possunt
secundum statum viae. Ergo in visione prophetica semper propheta ab
operatione exteriorum virium abstrahitur.
3. Praeterea, intellectualis visio est nobilior quam imaginaria, et haec
quam corporalis. Sed permixtio ignobilioris detrahit aliquid de perfec-
tione nobilioris. Ergo visio intellectualis et imaginaria, quando visioni
corporali non permiscentur, sunt perfectiores. Cum igitur in prophetica
visione ad summam perfectionem perveniant secundum statum viae, vi-
detur quod tunc nullo modo corporali visioni permisceantur, ut scilicet
propheta cum eis simul corporali visione utatur.
Sobre a Profecia · Artigo 9 31

ARTIGO 9
Se o profeta sempre se distancia dos sentidos
quanto o toca o espírito da profecia28

E parece que sim.


1. Pois se diz em Números [12:6]: “Se alguém entre vós for profeta do
Senhor, em sonho e em visão falarei com ele”. Mas, como diz a Glosa no
princípio do Saltério, uma profecia se dá por sonhos e visões quando ocorre
mediante coisas que parecem ser ditas ou feitas.29 Mas, quando tais coisas se
apresentam a nós30 sem que se digam ou se façam realmente, o homem está
apartado dos sentidos. Portanto, a visão da profecia sempre acontece estando
o profeta apartado dos sentidos.
2. Ademais, quando uma potência31 é muito aplicada em sua operação,
é necessário que outra se afaste da sua própria.32 Mas, na visão da profecia,
as potências interiores (isto é, o intelecto e a imaginação) aplicam-se maxi-
mamente em suas operações, pois tal visão é o que de mais perfeito se pode
alcançar segundo o estado de via. Portanto, na visão profética, o profeta está
sempre afastado da operação das potências externas.
3. Ademais, a visão intelectual é mais nobre que a imaginária, e esta é
mais nobre que a corporal. Mas a mistura com o que é ignóbil retira algo
da perfeição do mais nobre. Portanto, a visão intelectual e a imaginária,
quando não estão mescladas à visão corporal, são mais perfeitas. Assim,
como na visão profética estas duas alcançam a suma perfeição segundo
o estado de via, parece que de nenhum modo elas se misturariam com a
visão corporal, de maneira que com elas o profeta usasse a visão corporal
simultaneamente.

28 Cf. Suma Teológica, II-II, q. 173, a. 3.


29 Glosa de Pedro Lombardo (PL 191, 58C).
30 O lat. apparent refere-se ao dado positivo que se apresenta (“aparece”) à nossa mente. Quando na
escolástica se diz, por exemplo, que “é necessário preservar as aparências sensíveis” (opportet salvare
apparentia sensibilia), “aparências” não significam ilusões ou falhas epistêmicas, mas os dados que
nos aparecem à percepção. No caso, o Aquinate distinguiu entre as aparências (dados positivos da
percepção) provenientes da efetiva existência e presença das coisas ante os sentidos e as aparências
provenientes da potência imaginativa. [N. T.]
31 Lat. virtus. O leitor deve remeter-se à nota 11 do vol. I, em que tratamos dos termos referentes às
capacidades da alma. [N. T.]
32 Avicena, Sobre a Alma, IV, 2.
32 Santo Tomás de Aquino

4. Praeterea, plus distat sensus ab intellectu et imaginatione quam ratio


inferior a superiori. Sed consideratio superioris rationis, qua intenditur
aeternis contemplandis, abstrahit hominem a consideratione inferioris ra-
tionis, qua homo temporalibus inhaeret. Ergo multo fortius visio intellec-
tualis et imaginaria prophetiae abstrahunt a visione corporali.
5. Praeterea, una et eadem vis non potest simul pluribus intendere. Sed
quando aliquis sensibus corporalibus utitur, eius intellectus et imaginatio
illis rebus intendit quae corporaliter videntur. Ergo simul cum hoc non
posset intendere illis, quae apparent absque sensibus corporis in prophe-
tica visione.

Sed contra.

1. Est quod dicitur I Cor., cap. XIV, 32: spiritus prophetarum pro-
phetis subiecti sunt. Hoc autem non esset, si propheta esset a sensibus
alienatus; quia sic non esset sui ipsius compos. Ergo prophetia non fit in
homine alienato a sensibus.
2. Praeterea, secundum visionem prophetiae accipitur certa cognitio
de rebus sine errore. Sed in his qui sunt abstracti a sensibus, vel in somnio,
vel quocumque alio modo, est cognitio permixta errori, et incerta; quia
similitudinibus rerum inhaerent quasi rebus ipsis, ut Augustinus dicit XII
super Gen. ad litteram. Ergo prophetia non fit cum alienatione a sensu.
3. Praeterea, si hoc ponatur, videtur sequi error Montani qui dixit pro-
phetas quasi abreptitios esse locutos, quid dicerent nescientes.
4. Praeterea, prophetia, ut dicitur in Glossa in principio Psalterii, quan-
doque fit per facta et dicta: per facta, sicut per arcam Noe significatur Ec-
clesia; per dicta, sicut ea quae Angeli dixerunt Abrahae. Sed constat quod
Noe arcam constituens, et Abraham Angelis colloquens et eis serviens,
non erant a sensibus abstracti. Ergo prophetia non fit per abstractionem
a sensibus semper.

Responsio. Dicendum, quod prophetia habet duo actus: unum prin-


cipalem, scilicet visionem; alium secundarium, scilicet denuntiationem.
Sobre a Profecia · Artigo 9 33

4. Ademais, mais dista o sentido do intelecto e da imaginação que a razão


inferior da superior.33 Mas a consideração da razão superior, com a qual nos
aplicamos à contemplação das coisas eternas, afasta o homem da consideração
da razão inferior, pela qual o homem se fixa nas coisas temporais. Portanto,
com muito mais razão a visão intelectual e a imaginária da profecia se apartam
da visão corporal.
5. Ademais, uma só e mesma potência não pode aplicar-se simultaneamen-
te a muitas coisas. Mas, quando alguém utiliza os sentidos corporais, o intelec-
to e a imaginação se aplicam às coisas que são corporalmente vistas. Portanto,
não é possível que alguém se aplique ao mesmo tempo às coisas que aparecem
sem os sentidos do corpo na visão profética.
Mas, em sentido contrário:
1. Diz-se em I Coríntios [14,32]: “Os espíritos dos profetas estão subme-
tidos aos profetas”. Ora, isto não seria assim se o profeta estivesse afastado dos
sentidos, pois deste modo não estaria no controle de si mesmo. Portanto, a
profecia não ocorre no homem apartado dos sentidos.
2. Ademais, segundo a visão da profecia recebe-se cognição certeira das
coisas, sem erro. Mas naqueles que estão apartados dos sentidos, ou em sonho,
ou em qualquer outro modo, a cognição está mesclada com o erro e é incerta;
pois se detêm nas semelhanças das coisas como se estas fossem as próprias
coisas, como diz Agostinho no livro XII do Comentário Literal ao Gênesis.34
Portanto, a profecia não ocorre com o afastamento do sentido.
3. Ademais, se afirmássemos isto, pareceríamos seguir o erro de Montano,
segundo o qual os profetas falaram como que arrebatados, desconhecendo as
coisas que diziam.
4. Ademais, a profecia, como se diz na Glosa ao princípio do Saltério,
por vezes se faz por meio de feitos e de ditos: de feitos, assim como pela arca
de Noé se significa a Igreja; de ditos, como as coisas que os anjos disseram a
Abraão. Mas consta que Noé, enquanto construía a arca, e Abraão, enquan-
to falava aos anjos que servia, não estavam apartados dos sentidos. Portanto,
a profecia nem sempre ocorre mediante afastamento dos sentidos.
Respondo. Deve-se dizer que a profecia tem dois atos: um principal, isto
é, a visão; outro secundário, a saber, o anúncio. O anúncio é feito pelo profeta

33 Cf. S. Agostinho, Sobre a Trindade, XII, 7 (PL 42, 1005).


34 S. Agostinho, Comentário Literal ao Gênesis, XII, 25 (PL 34, 475).
34 Santo Tomás de Aquino

Denuntiatio autem fit a propheta vel verbis, vel etiam factis, sicut patet
Ierem., cap. XIII, quod lumbare suum iuxta fluvium posuit ad putrescen-
dum. Utrolibet autem modo denuntiatio prophetica fiat, semper fit ab ho-
mine non abstracto a sensibus, quia huiusmodi denuntiatio per signa qua-
edam sensibilia fit. Unde prophetam denuntiantem oportet sensibus uti
ad hoc quod eius denuntiatio sit perfecta; alias denuntiaret quasi arreptus.
Sed quantum ad visionem prophetiae duo concurrunt, ut ex dictis pa-
tet, scilicet iudicium et acceptio propria prophetiae. Quando igitur pro-
pheta inspiratur divinitus, ut sit tantum iudicium eius supernaturale, et
non acceptio, tunc talis inspiratio abstractionem a sensibus non requirit,
quia iudicium intellectus naturaliter est perfectus in utente sensibus quam
in non utente. Acceptio autem supernaturalis propria prophetiae, est se-
cundum imaginariam visionem, ad quam visionem inspiciendam rapitur
mens humana ab aliquo spiritu, et a sensibus abstrahitur, ut Augustinus
dicit XII super Genes. ad litteram. Cuius ratio est, quia vis imaginativa,
dum quis utitur sensibus, principaliter est intenta his quae per sensus acci-
piuntur; unde non potest esse quod intentio eius principaliter transferatur
ad ea quae aliunde accipiuntur, nisi quando homo est a sensu abstractus.
Unde quandocumque fit prophetia secundum imaginariam visionem,
oportet a sensibus abstractum esse prophetam.
Sed haec abstractio dupliciter contingit: uno modo ex causa anima-
li; alio modo ex causa naturali. A causa quidem naturali quando exte-
riores sensus stupescunt vel propter aegritudinem, vel propter vapores
somni ad cerebrum ascendentes, ex quibus contingit organum tactus
immobilitari. Ex causa vero animali, sicut quando homo ex nimia at-
tentione ad intellectualia vel imaginabilia omnino a sensibus exterio-
ribus abstrahitur.
Sobre a Profecia · Artigo 9 35

ou por palavras ou por feitos (como se lê em Jeremias [13,4], o qual junto ao


rio pôs seu cinto, que haveria de apodrecer). Mas de qualquer dos dois modos
como aconteça o anúncio profético, este sempre é feito por homem não apar-
tado dos sentidos, pois tal anúncio se faz por meio de signos sensíveis. Daí ser
necessário que o profeta que anuncia use os sentidos para que seu anúncio seja
perfeito; doutro modo, anunciaria como que arrebatado.
Mas, como é patente pelo que foi dito,35 duas coisas concorrem quanto à vi-
são da profecia, a saber: o juízo e a recepção própria da profecia. Assim, quando
o profeta é divinamente inspirado para que apenas seu juízo seja sobrenatural
e não a recepção, tal inspiração não requer o afastamento dos sentidos, pois o
juízo do intelecto é naturalmente mais perfeito em quem usa os sentidos do que
em quem não os usa. Já a recepção sobrenatural própria da profecia é segundo a
visão imaginária, para cuja observação a mente humana é arrebatada por certo
espírito36 e afastada dos sentidos, como diz Agostinho no livro XII do Comen-
tário Literal ao Gênesis.37 A razão disso é que a potência imaginativa, enquanto
alguém faz uso dos sentidos, é principalmente voltada para as coisas recebidas
pelos sentidos; portanto, não é possível que sua aplicação se faça principalmente
a coisas recebidas de outras fontes sem que o homem esteja apartado dos sen-
tidos. Logo, todas as vezes que ocorre a profecia segundo a visão imaginária, é
necessário que o profeta esteja apartado dos sentidos.
Mas tal afastamento ocorre de dois modos: de um modo, por causa
anímica;38 de outro, por causa natural. Por causa natural, quando os sentidos
exteriores entorpecem, seja por uma enfermidade, seja pelos vapores do sono
que sobem até o cérebro, pelos quais ao órgão do tato sucede ser imobilizado.39
Já por causa anímica [o afastamento ocorre] quando o homem, devido à exces-
siva atenção às coisas intelectuais ou às imagináveis, se aparta completamente
dos sentidos exteriores.40

35 Cf. artigo 7.
36 Ou seja: o espírito de profecia.
37 S. Agostinho, Comentário Literal ao Gênesis, XII, 13 (PL 34, 464).
38 O adjetivo latino animalis poderia trazer confusão se traduzido simplesmente por “animal”. Com
ele o Aquinate se refere a uma causa relacionada não ao natural amainar das funções da alma (ao qual
chamou “causa natural”), mas aos excessos de sua atividade – e isto especialmente nas funções supe-
riores (como dirá em seguida), nas quais a alma, que é forma, tem razão de causa mais próxima que
a matéria. Faz sentido, portanto, que a estas tenha chamado causas da alma, embora aquele amainar
natural das funções (especialmente das vegetativas mencionadas) também se dê, em última instância,
por perfeições essenciais ditadas pela alma. [N. T.]
39 Aristóteles, Sobre os Sonhos, 3 (461a 15).
40 Avicena, Sobre a Alma, IV, 2.
36 Santo Tomás de Aquino

Nunquam autem fit in propheta abstractio a sensibus corporalibus


per aegritudinem, sicut fit in epilepticis vel furiosis; sed solummodo per
causam naturalem, ordinatam, scilicet per somnum. Et ideo prophetia
quae fit cum visione imaginaria, semper fit vel in somnio, quando scilicet
est abstractio a sensibus per causam naturalem ordinatam, vel in visione,
quando fit abstractio a causa animali.
In hoc tamen differt propheta in sua abstractione a sensibus, sive abs-
trahatur per somnium, sive per visionem, ab omnibus aliis qui abstrahun-
tur a sensibus, quod mens prophetae illustratur de his quae in visione
imaginaria videntur, unde cognoscit ea non esse res, sed aliquarum rerum
similitudines, de quibus certum iudicium habet per lumen mentis.
Sic igitur patet quod prophetiae inspiratio quandoque fit cum abstractio-
ne a sensibus, quandoque non: unde ad utrasque rationes est respondendum.

1. Ad primum igitur dicendum, quod in verbis illis dominus intendit


ostendere praeeminentiam Moysi ad alios prophetas quantum ad acceptio-
nem supernaturalem, quia scilicet Moyses supernaturaliter ad hoc promo-
tus est ut ipsam Dei essentiam in seipsa videret; sed omnia quae prophetae
acceperunt, non acceperunt nisi in similitudinibus somnii vel visionis. Sed
tamen iudicium prophetae non est per similitudines aliquas somnii et vi-
sionis; unde iudicium prophetiae fit sine abstractione a sensibus.
2. Ad secundum dicendum, quod quando vis interior intenditur in
visione sui obiecti, abstrahitur, si sit perfecta attentio, ab exteriori visio-
ne. Sed quantumcumque sit perfectum iudicium interioris virtutis, non
abstrahit ab operatione exteriori, quia ad interiorem virtutem pertinet de
exteriori iudicare; unde iudicium superioris in idem ordinatur cum opera-
tione exteriori; et ideo non mutuo se impediunt.
3. Ad tertium dicendum, quod ratio illa procedit de visione intellec-
tuali et imaginaria, secundum acceptionem, et non secundum iudicium,
ut dictum est.
Sobre a Profecia · Artigo 9 37

O afastamento dos sentidos exteriores nunca ocorre no profeta por causa


de uma enfermidade (como ocorre nos epilépticos e nos loucos), mas tão-
-somente por uma causa natural ordenada (como pelo sono). E por isso a
profecia que ocorre com a visão imaginária sempre se dá ou em sonho (isto é,
quando há o afastamento dos sentidos por uma causa natural ordenada) ou
em visão,41 isto é, quando há tal afastamento por causa anímica.
Contudo, em seu afastamento dos sentidos – seja este movido pelo sonho,
seja-o pela visão –, nisto difere o profeta de todos os outros homens que estão
apartados dos sentidos: a mente do profeta é iluminada acerca das coisas ob-
servadas na visão imaginária, e por isso sabe que não são coisas, mas semelhan-
ças de coisas, das quais tem juízo certeiro pela luz da mente.
É patente, portanto, que a inspiração da profecia às vezes ocorre com afas-
tamento dos sentidos, às vezes não. Daí que se deva responder a ambos os
conjuntos de argumentos apresentados.
1. Quanto ao primeiro argumento, portanto, deve-se dizer que com tais
palavras o Senhor pretende mostrar a preeminência de Moisés com respeito aos
outros profetas quanto à recepção sobrenatural, pois Moisés foi elevado de modo
sobrenatural para que visse a essência de Deus em si mesma; ao contrário, todas
as coisas que os profetas receberam não o foram senão em semelhanças de sonho
e de visão. Contudo, o juízo do profeta não ocorre por semelhanças de sonho
ou de visão, razão por que o juízo da profecia ocorre sem abstração dos sentidos.
2. Quanto ao segundo, deve-se dizer que, quando a potência42 interior
se aplica à visão de seu objeto, está abstraída (se for uma atenção perfeita) da
visão exterior. Mas, por mais que seja perfeito o juízo da potência interior, este
não abstrai da operação exterior, pois pertence à potência interior julgar da
exterior; portanto, o juízo da superior é, em conjunto com a operação exterior,
ordenado à mesma coisa.43 E por isso não se impedem mutuamente.
3. Quanto ao terceiro, deve-se dizer que tal argumento procede quanto
à visão intelectual e à imaginária segundo a recepção, e não segundo o juízo,
como dito.

41 Aqui o termo “visão” não significa o mesmo que a referida visão imaginária, mas (assim como o
sonho) a tem por pressuposto. Refere-se a quando, em vigília, os sentidos externos se obscurecem e a
potência imaginativa recebe tal ou qual conteúdo. [N. T.]
42 O autor emprega vis e, em seguida, virtus. Ver nota 11 do vol. I.
43 Nesta frase, não encontramos disparidade em manuscritos que nos permitisse empregar “interior”
em lugar de “superior”, redação talvez mais harmônica com o restante do argumento. De qualquer
modo, basta-nos observar que as virtudes e as potências interiores são também tidas como superiores
às exteriores. [N. T.]
38 Santo Tomás de Aquino

4. Ad quartum dicendum, quod ex hoc ipso potentiae animae mutuo


se in suis operationibus impediunt, quod in una essentia animae sunt fun-
datae; unde quanto aliquae vires animae sunt sibi magis propinquae, tanto
magis natae sunt se impedire, si ad diversa ferantur; unde ratio non sequitur.
5. Ad quintum dicendum, quod ratio illa procedit quantum ad ac-
ceptionem supernaturalem virtutis imaginariae vel intellectualis; et non
quantum ad iudicium.

1. Ad primum autem in contrarium dicendum, quod apostolus loqui-


tur quantum ad prophetiae denuntiationem, quia suo arbitrio subiacet
denuntiare de quibus inspiratur vel non: quantum autem ad revelatio-
nem, ipse propheta spiritui subiicitur; non enim fit revelatio secundum
arbitrium prophetae, sed secundum arbitrium spiritus revelantis.
2. Ad secundum dicendum, quod hoc est ex lumine prophetiae quod
mens prophetae sic illustratur ut etiam in ipsa abstractione a sensibus ve-
rum iudicium habeat de his quae videt in somnio vel visione.
3. Ad tertium dicendum, quod error Montani fuit in duobus. Primo
quia subtrahebat prophetis lumen mentis, quo de visis verum iudicium
haberent. Secundo quod in ipsa denuntiatione eos a sensibus abstractos
dicebat, sicut in furiosis contingit, vel in his qui loquuntur in dormiendo.
Hoc autem non sequitur ex positione praedicta.
4. Ad quartum dicendum quod hoc quod prophetia dicitur fieri per
dicta vel facta, referendum est ad denuntiationem prophetiae magis quam
ad propheticam visionem.
Sobre a Profecia · Artigo 9 39

4. Quanto ao quarto, deve-se dizer que as potências da alma se impedem


mutuamente em suas operações pelo próprio fato de estarem fundadas em
uma mesma essência da alma. Por isso, quanto mais próximas entre si forem as
potências da alma, tanto mais lhes é inato ser impedidas se conduzidas a coisas
diversas. Portanto, o argumento não procede.
5. Quanto ao quinto, deve-se dizer que este argumento procede quanto
à recepção sobrenatural dada na potência imaginária ou na intelectual, não
quanto ao juízo.
1. Quanto ao primeiro dos argumentos em contrário, deve-se dizer,
porém, que o Apóstolo fala do anúncio da profecia, pois a seu arbítrio está
sujeito o anunciar sobre as coisas acerca das quais é inspirado ou não. Toda-
via, quanto à revelação, o próprio profeta está submetido ao espírito; pois a
revelação não ocorre segundo o arbítrio do profeta, mas segundo o arbítrio do
espírito que revela.
2. Quanto ao segundo, deve-se dizer que é pela luz da profecia que a
mente do profeta é iluminada de modo que tenha, também na abstração dos
sentidos, juízo verdadeiro do que vê em sonho ou em visão.
3. Quanto ao terceiro, deve-se dizer que o erro de Montano consistia
em duas coisas. Em primeiro lugar, em subtrair dos profetas a luz mental pela
qual teriam juízo verdadeiro das coisas vistas. Em segundo, em dizer que os
profetas estavam abstraídos dos sentidos durante o próprio anúncio, como
ocorre nos loucos ou nos que falam enquanto dormem. Contudo, isso não se
segue da supracitada posição.
4. Quanto ao quarto, deve-se dizer que, ao afirmarmos que a profecia
ocorre por ditos ou feitos, com isso nos referimos mais ao anúncio da profecia
que à visão profética.
40 Santo Tomás de Aquino

ARTICULUS 10
Decimo quaeritur utrum prophetia convenienter
dividatur in prophetiam praedestinationis,
praescientiae et comminationis

Et videtur quod non.

1. Quia Glossa in principio Psalterii dividit prophetiam, dicens, quod


alia est secundum praescientiam, quam necesse est omnibus modis imple-
ri secundum tenorem verborum, ut: ecce virgo concipiet; alia secundum
comminationem, ut: quadraginta dies sunt, et Ninive subvertetur; quae
non secundum verborum superficiem, sed tacitae intelligentiae significa-
tione completur. Ergo videtur superfluere tertium membrum, quod Hie-
ronymus apponit, scilicet de prophetia secundum praedestinationem.
2. Praeterea, illud quod consequitur omnem prophetiam, non debet
poni ut membrum dividens prophetiam. Sed omnem prophetiam conse-
quitur esse secundum praescientiam divinam: quia ut, Glossa dicit, Isa.,
XXXVIII, 1, prophetae in libro praescientiae legunt. Ergo prophetia se-
cundum praescientiam non debet poni membrum dividens prophetiam.
3. Praeterea, cum praescientia sit superius ad praedestinationem, quasi
in eius definitione posita, non potest praescientia contra praedestinationem
dividi, nisi quantum ad ea in quibus praescientia praedestinationem excedit.
Sed praescientia excedit praedestinationem in malis: quia de eis est praes-
cientia, et non praedestinatio; de bonis vero praedestinatio et praescientia.
Ergo cum dicitur quod prophetia alia est secundum praescientiam, alia se-
cundum praedestinationem hoc est dictu, alia est de bonis, alia de malis.
Sed bona et mala indifferenter ex libero arbitrio dependent. Ergo nulla est
differentia quam assignat Hieronymus inter has duas prophetias, dicens,
prophetiam praedestinationis esse quae sine nostro impletur arbitrio; pro-
phetiam vero secundum praescientiam, cui nostrum admiscetur arbitrium.
4. Praeterea, praedestinatio, ut dicit Augustinus, est de bonis salutari-
bus. Sed inter bona salutaria etiam nostra merita computantur, quae ex li-
Sobre a Profecia · Artigo 10 41

ARTIGO 10
Se a profecia se divide convenientemente em profecia
de predestinação, presciência e cominação44

E parece que não.


1. Pois a Glosa45 no princípio do Saltério divide a profecia dizendo que “uma
é segundo a presciência, que necessita ser cumprida de todos os modos também
segundo o conteúdo das palavras, como em: ‘Eis que uma virgem conceberá’;
a outra, segundo a cominação, como em: ‘Ainda quarenta dias, e Nínive será
destruída’, a qual se cumpre não segundo a superfície das palavras, mas pelo
significado da inteligência tácita”. Portanto, parece supérfluo o terceiro membro
da divisão que Jerônimo apõe, isto é, o da profecia segundo a predestinação.46
2. Ademais, aquilo que tange a toda a profecia não deve ser posto como
membro que a divide. Mas tange a toda a profecia que ela seja segundo a pres-
ciência divina, pois, como diz a glosa em Isaías [38,1], “os profetas lêem no
livro da presciência”.47 Portanto, a profecia segundo a presciência não deve ser
posta como membro que divide a profecia.
3. Ademais, dado que a presciência se põe acima da predestinação, e quase se
põe na definição desta, não pode a presciência dividir-se da predestinação senão
quanto àquilo em que a presciência excede a predestinação. Mas a presciência
excede a predestinação nas coisas más, pois sobre elas versa a presciência e não a
predestinação; já sobre as boas versam a predestinação e a presciência. Portanto,
quando se diz que uma é a profecia de presciência e outra a de predestinação,
com isto se diz que uma versa sobre as coisas boas, e a outra sobre as coisas más.
Mas as coisas boas e as más dependem indiferentemente do livre-arbítrio. Por-
tanto, não há a diferença que atribui Jerônimo entre estas duas profecias, quan-
do diz que “a profecia de predestinação é a que se cumpre sem nosso arbítrio, ao
passo que a profecia de presciência é aquela com que nosso arbítrio se mistura”.
4. Ademais, a predestinação, como diz Agostinho, versa sobre os bens sal-
víficos.48 Mas entre os bens salvíficos se contam também nossos méritos, que

44 Cf. Suma Teológica, II-II, q. 174, a. 1; Comentário a Mateus, c. 1, lect. 5.


45 Glosa de Pedro Lombardo (PL 191, 59B).
46 Cf. Glossa Ordinaria sobre Mateus 1,22-23.
47 Glossa Ordinaria, ibid.
48 S. Agostinho, A Predestinação dos Santos, 10 (PL 44, 974).
42 Santo Tomás de Aquino

bero dependent arbitrio. Ergo prophetiae, secundum praedestinationem,


nostrum admiscetur arbitrium; et sic Hieronymus male distinguit.
5. Praeterea, in prophetia non possunt considerari nisi tria: scilicet a
quo est, in quo est, et de quo est. Sed penes illud a quo est prophetia, non
distinguitur, quia omnis prophetia est ab uno principio, scilicet spiritu
sancto; nec iterum penes id in quo est, quia prophetiae subiectum est hu-
manus spiritus; ea autem de quibus est prophetia, non sunt nisi bona vel
mala. Ergo prophetia non debet dividi nisi divisione bimembri.
6. Praeterea, Hieronymus dicit, quod illa prophetia: ecce virgo conci-
piet, est secundum praedestinationem. Sed ad impletionem illius prophe-
tiae liberum arbitrium se immiscuit in virginis consensu. Ergo prophetia
secundum praedestinationem habet liberum arbitrium immixtum; et sic
non differt a prophetia quae est secundum praescientiam.
7. Praeterea, omnis enuntiatio de futuro quod nescitur esse futurum,
vel est falsa, vel saltem dubia annuntianti. Sed per prophetiam commi-
nationis praedicitur aliquid esse futurum, utpote destructionem alicuius
civitatis. Cum igitur haec denuntiatio non sit falsa, nec dubia, quia in
spiritum sanctum, qui est prophetiae auctor, nec falsitas nec dubitatio
cadit, oportet hoc futurum, esse ad minus a spiritu sancto praescitum.
Ergo prophetia secundum comminationem non distinguitur a prophetia
secundum praescientiam.
8. Praeterea, cum aliquid praedicitur secundum prophetiam commina-
tionis: aut illa praedictio est intelligenda sine conditione, aut sub conditione.
Si sub conditione, hoc non videtur competere prophetiae quae in quadam
supernaturali cognitione consistit: futura enim praecognoscere quibusdam
conditionibus stantibus, etiam naturalis ratio potest. Ergo oportet ut sine
conditione intelligatur. Aut igitur prophetia est falsa, aut eveniet quod prae-
dicitur; et sic oportet a Deo esse praescitum. Ergo prophetia comminationis
non debet distingui contra prophetiam praescientiae.
9. Praeterea, Ierem. XVIII, 8, similis regula ponitur de divinis commi-
nationibus et promissionibus adimplendis, quia scilicet comminationes
revocantur, quando gens contra quam est facta comminatio, poeniten-
tiam agit a malis; similiter promissio deficit, quando gens cui facta est, ius-
titiam relinquit. Ergo, sicut ponit prophetiam comminationis quoddam
membrum prophetiae, ita debet ponere quartum membrum prophetiam
promissionis.
Sobre a Profecia · Artigo 10 43

dependem do livre-arbítrio. Portanto, à profecia de predestinação se mistura


nosso arbítrio. Assim, Jerônimo faz má distinção.
5. Ademais, na profecia não podem considerar-se senão três coisas, a saber,
de onde procede, onde se encontra e sobre o que versa. Mas a profecia não se
distingue no tocante à procedência, pois toda e qualquer profecia procede de
um só princípio, isto é, do Espírito Santo. Tampouco se distingue no tocante
a onde se encontra, pois o sujeito da profecia é o espírito humano. Quanto
àquilo sobre o que versa, tais coisas ou são bens ou são males; portanto, a pro-
fecia não se deve dividir senão por divisão em dois membros.
6. Ademais, diz Jerônimo que a profecia “Eis que uma virgem conceberá” é
de predestinação. Mas, para a realização da tal profecia, o livre-arbítrio mistura-
-se com o assentimento da Virgem. Portanto, a profecia de predestinação possui
mesclado em si o livre-arbítrio. Assim, não difere da profecia de presciência.
7. Ademais, todo anúncio que, versando sobre o futuro, desconhece o que
há de ocorrer, ou é falso, ou ao menos dúbio ao que anuncia. Mas pela profe-
cia cominatória se prediz que algo há de ocorrer, como a destruição de certa
cidade. Portanto, dado que este anúncio não é falso nem dúbio (pois não
há nem falsidade nem dúvida no Espírito Santo, que é autor da profecia), é
necessário que o que há de ocorrer seja conhecido antecipadamente ao me-
nos pelo Espírito Santo. Portanto, a profecia cominatória não se distingue da
profecia de presciência.
8. Ademais, ao predizer-se algo segundo a profecia cominatória, ou esta
predição deve ser compreendida sem condição, ou deve sê-lo sob alguma con-
dição. Se sob condição, tal não parece competir à profecia, já que consiste
em certa cognição sobrenatural; pois também a razão natural pode conhecer
antecipadamente os futuros, se estão presentes certas condições. Portanto, é
necessário que seja compreendida sem condição. Por isso, ou a profecia é falsa,
ou ocorrerá o que se prediz; e assim é necessário que isto seja conhecido ante-
cipadamente por Deus. Portanto, a profecia cominatória não deve ser distin-
guida da profecia de presciência.
9. Ademais, em Jeremias [18,8] se afirma regra semelhante acerca do cum-
primento das cominações e das promessas divinas, a saber: as ameaças são
revogadas quando o povo contra o qual são lançadas faz penitência dos males.
De modo semelhante, a promessa extingue-se quando o povo ao qual ela é
feita abandona a justiça. Portanto, assim como se propõe a profecia de co-
minação como certa divisão da profecia, assim também se deve propor como
uma quarta divisão a profecia de promessa.
44 Santo Tomás de Aquino

10. Praeterea, Isa. XXXVIII, 1, hoc prophetice Isaias dixit ad Eze-


chiam: dispone domui tuae, quia morieris etc.; haec autem prophetia
non est secundum praedestinationem, quia talem prophetiam necesse est
omnibus modis impleri etiam sine nostro arbitrio: nec iterum secundum
praescientiam, quia hoc futurum Deus non praesciebat, alias praescientiae
subesset falsum: nec iterum secundum comminationem, quia sine con-
ditione praedicebatur futurum. Ergo oportet (ponere) aliquod quartum
genus prophetiae.
11. Sed dicebat, quod hoc praedicebatur esse futurum secundum cau-
sas inferiores, et sic erat prophetia comminationis.- Sed contra, causae in-
feriores mortis hominis aegrotantis, possunt homini esse notae secundum
artem medicinae. Si igitur Isaias hoc non praedixit nisi secundum causas
inferiores futurum, vel non prophetice praedixit, vel prophetica praedictio
non differt a medici praedictione.
12. Praeterea, omnis prophetia est de rebus, vel intuendo causas supe-
riores, vel intuendo causas inferiores. Si igitur praedicta prophetia intelli-
gatur conditionalis, quia est secundum aliquas causas, scilicet inferiores,
pari ratione omnis prophetia conditionalis est; et sic omnis prophetia erit
eiusdem rationis cum comminatoria.
13. Praeterea, prophetia comminationis quamvis non impleatur secun-
dum superficiem verborum, impletur tamen tacitae intelligentiae signifi-
catione, ut Cassiodorus dicit; sicut quod dictum est, per Ionam, Ninive
subvertetur, impletum est secundum Augustinum in Lib. de civitate Dei,
quia quamvis Ninive steterit in moenibus, corruit tamen in pravis mori-
bus. Sed hoc etiam invenitur in prophetia praedestinationis et praescien-
tiae, quod non impletur secundum exteriorem verborum superficiem, sed
secundum spiritualem sensum: sicut quod dictum est Isa., LIV, 11: funda-
bo Ierusalem in saphiris, et Daniel. II, 34: quod lapis abscissus de monte
sine manibus confregit statuam; et multa alia huiusmodi. Ergo prophetia
comminationis non debet distingui contra prophetiam praescientiae et
praedestinationis.
14. Praeterea, si alicui demonstrantur aliquae futurorum similitudines,
non dicitur propheta, nisi intelligat ea quae per illas significantur; sicut
Pharao non est dictus propheta, qui spicas et boves vidit: intelligentia
enim opus est in visione, ut dicitur Daniel. cap. X, 1. Sed illi per quos
Sobre a Profecia · Artigo 10 45

10. Ademais, diz Isaías profeticamente a Ezequias: “Dispõe para tua casa,
pois morrerás, etc.” [Is 38,1] Ora, esta profecia não é de predestinação, pois é
de todos os modos necessário que se cumpra, mesmo sem nosso arbítrio. Tam-
pouco é de presciência, pois Deus não previa este futuro; caso contrário, à Sua
presciência se teria submetido algo falso. Mais uma vez, tampouco é comina-
tória, pois predizia o futuro sem condição. Portanto, é necessário acrescentar
um quarto tipo de profecia.
11. Poderia dizer-se, porém, que o conteúdo de tal profecia haveria de
ocorrer segundo causas inferiores, e que, assim, era uma profecia cominatória.
Mas, em sentido contrário: as causas inferiores da morte de um homem enfer-
mo podem ser conhecidas pelo homem segundo a arte da medicina. Portanto,
se Isaías não predisse que aquilo só haveria de ocorrer segundo causas inferio-
res, ou não predisse de modo profético, ou a predição profética não difere da
predição de um médico.
12. Ademais, toda profecia versa sobre as coisas ou observando as causas
superiores ou observando as inferiores. Se, portanto, a supracitada profecia
é entendida como condicional por dar-se segundo certas causas (isto é, as
inferiores), então por igual razão toda profecia será condicional; e assim toda
profecia será da mesma razão que a cominatória.
13. Ademais, ainda que a profecia de cominação não se cumpra “segundo
a superfície das palavras, é cumprida pelo significado da inteligência tácita,”
como diz Cassiodoro,49 assim como o que foi dito por Jonas (“Nínive será des-
truída” [Jo 3,4]) se cumpriu, segundo Agostinho em A Cidade de Deus, pois,
“embora Nínive estivesse de pé no que tange a seus muros, desabou em seus
costumes perversos”.50 Mas também na profecia de predestinação e na de pres-
ciência ocorre que não se cumpram segundo a superfície exterior das palavras,
mas segundo o sentido espiritual, como o que foi dito em Isaías [54,11]: “Edi-
ficarei Jerusalém em safiras”, e em Daniel [2,34]: “Pois uma pedra arrancada
do monte sem a intervenção de mãos despedaçou a estátua”; e muitas outras
coisas deste tipo. Portanto, a profecia de cominação não deve ser distinguida
da de presciência e da de predestinação.
14. Ademais, se a alguém são mostradas certas semelhanças das coisas futuras,
este não é chamado profeta a não ser que compreenda as coisas que por elas são
significadas; assim não se chama “profeta” ao Faraó, que viu espigas e bois; “pois
é necessária a inteligência na visão”, como se diz em Daniel [10,1] Ora, aqueles

49 Cf. Glosa de Pedro Lombardo (PL 191, 59B).


50 S. Agostinho, A Cidade de Deus, XXI, 24 (PL 41, 739).
46 Santo Tomás de Aquino

comminationes divinae fiunt, intelligunt tantum hoc quod proponunt


secundum verborum superficiem; non autem illuminantur de his quae
per illa significantur, sicut patet de Iona, qui intellexit Ninive materiali-
ter subvertendam; unde ea non subversa, sed correcta, doluit, quasi sua
prophetia non esset impleta. Ergo propheta ex hoc dici non debuit. Et sic
nec comminatio debet poni species prophetiae; unde videtur praedicta
distinctio nulla esse.

Sed contrarium, apparet ex Glossa, quae habetur super illud Matth. I,


23: ecce virgo concipiet; ubi praedicta divisio ponitur et explanatur.

Responsio. Dicendum, quod prophetia a divina praescientia derivatur,


ut supra dictum est. Sciendum est autem, quod Deus alio modo praescit
futura ab aliis qui futura praecognoscunt. Circa futurorum enim cogni-
tionem duo est considerare: scilicet ipsum ordinem causarum ad futuros
effectus; et exitum sive executionem huius ordinis in hoc quod effectus
actu procedunt ex suis causis.
Quaecumque igitur virtus creata aliquam cognitionem habet de futu-
ris, sua cognitio non fertur nisi ad ordinem causarum; sicut medicus se-
cundum hoc dicitur futuram mortem praescire, inquantum scit naturalia
principia esse ordinata ad defectum mortis; et eodem modo astrologus
dicitur praecognoscere futuras pluvias aut ventos.
Unde, si sint tales causae quarum effectus impediri possint, non semper
evenit quod sic praescitur esse futurum. Sed Deus non solum cognoscit
futura ratione ordinis causarum, sed etiam quantum ad ipsum exitum vel
executionem ordinis. Cuius ratio est, quia eius intuitus aeternitate mensu-
ratur, quae omnia tempora in uno nunc indivisibili comprehendit: unde
uno simplici intuitu videt et ad quid causae sunt ordinatae, et qualiter
ordo ille impleatur vel impediatur.
Hoc autem creaturae est impossibile, cuius intuitus limitatur ad ali-
quod tempus determinatum. Unde cognoscit ea quae sunt in illo tem-
pore. Futura vero in tempore quando adhuc sunt futura, non sunt nisi
Sobre a Profecia · Artigo 10 47

pelos quais se fazem as ameaças divinas compreendem somente o que propõem


segundo a superfície das palavras, mas não são iluminados a respeito das coisas sig-
nificadas mediante elas; tal é o caso de Jonas, que entendeu que Nínive havia de ser
destruída materialmente: não tendo sido destruída, mas corrigida, Jonas lamentou
como se sua profecia não houvesse sido cumprida. Segundo tal razão, portanto, ele
não deveria ser chamado profeta; tampouco a cominação deveria ser posta como
espécie de profecia. Logo, parece que não vale nada a supracitada distinção.
Mas, em sentido contrário:
Tem-se a Glosa acerca do que está dito em Mateus [1,23]: “Eis que uma
virgem conceberá”, onde a referida divisão é proposta e explicada.51
Respondo. Deve-se dizer que a profecia deriva da presciência divina, como
se disse acima.52 Contudo, deve saber-se que Deus prevê os futuros de modo
distinto do modo como os demais o fazem. Pois há dois pontos a se considerar
acerca da cognição das coisas futuras, a saber, a própria ordem das causas em
relação aos efeitos futuros e o êxito ou execução desta ordem na medida em
que os efeitos procedem em ato de suas causas.
Qualquer que seja a potência criada que possui cognição dos futuros, tal
cognição não se estende senão à ordem das causas; assim como se diz que o
médico prevê a morte futura na medida em que sabe que os princípios natu-
rais estão ordenados à falha [que conduz à] morte; e do mesmo modo se diz
que o astrólogo prevê as chuvas ou os ventos futuros.
Portanto, se há tais causas cujos efeitos podem ser impedidos, nem sempre
vem a ocorrer o que assim se prevê. Mas Deus conhece os futuros não só pela
ordem das causas, mas também quanto ao próprio êxito ou execução da or-
dem. E a razão disto é que o Seu olhar é medido pela eternidade, que compre-
ende todos os tempos num único agora indivisível.53 Portanto, com um único
e simples olhar Ele vê não somente aquilo a que as causas estão ordenadas, mas
também de que modo tal ordem se cumpre ou se impede.
Todavia, isto é impossível à criatura, cujo olhar é limitado a determinado
tempo; por isso, ela conhece as coisas que se encontram nesse tempo. Ora, as coi-
sas futuras, no tempo em que ainda são futuras, não existem senão na ordem de

51 Cf. Glossa Ordinaria sobre Mateus 1,22-23. (A passagem se refere à conhecida profecia de Isaías
7,14).
52 Cf. artigo 3 no vol. I.
53 Cf. Boécio, Consolação da Filosofia, V, 6 (PL 63, 859A).
48 Santo Tomás de Aquino

in ordine suarum causarum; unde sic solummodo a nobis praecognosci


possunt: ut recte considerantibus appareat, in hoc quod futura praescire
dicimur, magis nos praesentium quam futurorum scientiam habere; et sic
remaneat solius Dei proprium esse vere scire futura. Quandoque igitur a
divina praescientia derivatur prophetia ratione ordinis causarum; quando-
que vero etiam ratione executionis vel impletionis illius ordinis.
Cum ergo fit prophetae revelatio solummodo de ordine causarum, di-
citur prophetia comminationis; tunc enim nihil aliud prophetae revelatur
nisi quod secundum ea quae nunc sunt, talis ad hoc vel illud est ordina-
tus. Impletio vero ordinis causarum fit dupliciter. Quandoque quidem ex
sola operatione divinae virtutis, ut suscitatio Lazari, conceptio Christi, et
huiusmodi; et secundum hoc est prophetia praedestinationis, quia, ut dicit
Damascenus, ea Deus praedestinat, quae non sunt in nobis; unde et prae-
destinatio quasi quaedam Dei praeparatio dicitur. Hoc autem aliquis prae-
parat quod facturus est ipse, non quod alius. Quaedam vero explentur etiam
operatione causarum aliarum sive naturalium sive voluntariarum; et haec,
inquantum per alias causas complentur, non sunt praedestinata, sunt tamen
praescita; unde horum dicitur esse prophetia secundum praescientiam.
Quia tamen praescientia propter homines fit; circa ea quae per homi-
nes fiunt libero arbitrio, praecipue prophetia praescientiae consistit. Unde
praetermissis aliis causis creatis, Hieronymus prophetiam praescientiae
notificans, de solo libero arbitrio mentionem facit.

1. Ad primum igitur dicendum, quod ista trimembris divisio quam


Hieronymus ponit, reducitur ad bimembrem, ut dictum est, quia qua-
edam respicit ordinem causarum, quaedam autem exitum ordinis: et in
hac divisione Cassiodorus stetit. Hieronymus vero alterum membrum
subdivisit: et ideo duo Cassiodorus membra divisionis posuit; Hierony-
mus autem tria. Praescientiam etiam Cassiodorus accepit secundum sui
communitatem: est enim de omnibus eventibus, sive virtute creata sive in-
creata fiant. Sed Hieronymus accepit praescientiam secundum quamdam
restrictionem, prout est de illis tantum de quibus non est praedestinatio
per se loquendo, scilicet de his quae virtute creata proveniunt.
Sobre a Profecia · Artigo 10 49

suas causas; portanto, só assim podem ser previstas por nós. Para que esteja claro
aos que consideram retamente: ao dizermos que antevemos os futuros, temos
mais propriamente a ciência das coisas presentes que das futuras; e assim perma-
nece próprio tão-só de Deus o saber verdadeiramente os futuros. Logo, por vezes
a profecia deriva da presciência divina pela razão da ordem das causas, mas por
vezes também deriva da razão da execução ou do cumprimento de tal ordem.
Quando a revelação da profecia se dá somente segundo a ordem das causas,
diz-se que a profecia é de cominação: pois nela não se revela ao profeta senão
que, segundo aquilo que agora existe, tal coisa está ordenada a esta ou aquela.
Já o cumprimento da ordem das causas ocorre de duas maneiras. Por vezes,
resulta apenas da operação do poder divino, como a ressurreição de Lázaro, a
concepção de Cristo e fatos deste tipo; e segundo isso a profecia é de predes-
tinação, pois, como diz Damasceno, “Deus predestina as coisas que não estão
em nós”;54 daí que a predestinação também seja vista como certa preparação
de Deus. Ora, alguém prepara o que ele próprio haverá de fazer, não o que
será feito por outro. Já certas coisas são cumpridas também pela operação de
outras causas, sejam estas naturais, sejam voluntárias; e estas, na medida em
que são cumpridas por outras causas, não são predestinadas, ainda que sejam
antevistas. E destas se diz que há profecia de presciência.
Todavia, dado que a presciência se dá em razão dos homens, a profecia de
presciência consiste precipuamente nas coisas que ocorrem por intermédio
dos homens, mediante o livre-arbítrio. Daí que, omitindo-se outras causas
criadas, Jerônimo, que assinala a profecia de presciência, faça menção apenas
do livre-arbítrio.
1. Quanto ao primeiro argumento, portanto, deve-se dizer que a divi-
são de três membros exposta por Jerônimo se reduz à divisão de dois, como se
disse, pois que uma considera a ordem das causas, enquanto a outra considera
a execução da ordem – e foi nesta divisão que permaneceu Cassiodoro. Porém
Jerônimo subdividiu outro membro. Por isso, Cassiodoro propôs dois mem-
bros de divisão, enquanto Jerônimo três. Também Cassiodoro compreendeu a
presciência em seu sentido geral, enquanto versa sobre todos os eventos, quer
ocorram pela potência criada, quer ocorram pela incriada. Mas Jerônimo con-
cebeu a presciência segundo certa restrição, na medida em que versa apenas
sobre as coisas de que não há predestinação propriamente falando, ou seja,
sobre as coisas que provêm da potência criada.

54 S. João Damasceno, Sobre a Fé Ortodoxa, II, 30 (PG 94, 971A).


50 Santo Tomás de Aquino

2. Ad secundum dicendum, quod omnis prophetia divinam praescien-


tiam habet quasi radicem. Sed cum in divina praescientia sit cognitio or-
dinis et eventus, quaedam prophetia derivatur ex una parte, quaedam ex
alia. Praescientia vero Dei, secundum hoc proprie praescientiae nomen
habet, quod ad eventum respicit qui futurus est; ordo enim ad eventum
est in praesenti; unde de eo magis est scientia quam praescientia: et sic illa
prophetia quae ordinem respicit, non dicitur secundum praescientiam,
sed solum illa quae est secundum eventum.
3. Ad tertium dicendum quod, praescientia hic accipitur contra prae-
destinationem divisa, quantum ad ea in quibus praescientia praedestina-
tionem excedit; non autem excedit praescientia praedestinationem solum
in malis, si praedestinatio stricte accipiatur, sed etiam in omnibus bonis,
quae non fiunt sola virtute divina; unde ratio non sequitur.
4. Ad quartum dicendum, quod meritum nostrum et est ex gratia et
est ex libero arbitrio; non autem subiacet praedestinationi nisi secundum
quod est ex gratia, quae a solo Deo est; unde id quod ex nostro arbitrio
est, praedestinationi subesse est per accidens.
5. Ad quintum dicendum, quod prophetia hic distinguitur secundum
ea de quibus est, non quidem secundum bona et mala; quia huiusmodi di-
fferentiae per accidens se habent ad futurum quod per prophetiam cognos-
citur, sed secundum quod est de ordine vel de exitu ordinis, ut dictum est.
6. Ad sextum dicendum, quod ad Christi conceptionem intervenit
consensus virginis, non quasi operans, sed sicut impedimentum remo-
vens; non enim invitae tantum beneficium praestari decebat.
7. Ad septimum dicendum, quod aliquid potest dici esse futurum non
solum ex hoc quia ita erit, sed quia ita est ordinatum in causis suis ut
sic sit futurum; sic enim medicus dicit: iste sanabitur vel morietur; et si
aliter contingat, non falsum dixit; sic enim tunc futurum erat ex ordine
causarum, quem tamen possibile est impediri: et tunc quod prius futu-
rum fuerat, consequenter non erit futurum; unde philosophus dicit in II
Sobre a Profecia · Artigo 10 51

2. Quanto ao segundo, deve-se dizer que toda profecia tem a divina


presciência como raiz. Mas, visto que na divina presciência há conheci-
mento da ordem e do evento, uma profecia deriva de uma parte, outra de
outra parte. No entanto, a presciência de Deus só possui propriamente
o nome de “presciência”55 na medida em que considera o próprio evento
que é futuro: pois a ordem ao evento existe no presente, e portanto acerca
dela há mais ciência que presciência. Assim, a profecia que considera a or-
dem não é assim chamada segundo a presciência, mas apenas a que se dá
segundo o evento.
3. Quanto ao terceiro, deve-se dizer que a presciência aqui se compre-
ende como dividida em oposição à predestinação, no que tange àquilo em que
a presciência excede a predestinação; contudo, se a predestinação é tomada
estritamente, a presciência não excede a predestinação apenas nos males, mas
também em todos os bens que não ocorrem somente pelo poder divino. Por-
tanto, o argumento não procede.
4. Quanto ao quarto, deve-se dizer que nosso mérito procede tanto da
graça quanto do livre-arbítrio, mas não subjaz à predestinação senão enquanto
procede da graça, a qual procede apenas de Deus. Portanto, aquilo que proce-
de de nosso livre-arbítrio subjaz per accidens à predestinação.
5. Quanto ao quinto, deve-se dizer que aqui a profecia se distingue se-
gundo as coisas sobre as quais versa, mas não enquanto sejam bens ou males
(pois é per accidens que diferenças deste tipo se referem ao futuro conhecido
por meio da profecia), e sim segundo o que se refere à ordem ou ao êxito da
ordem, como se disse.
6. Quanto ao sexto, deve-se dizer que para a concepção de Cristo in-
tervém o consenso da Virgem, não como operante, mas como removedor do
impedimento. Pois não era decente que tamanho benefício fosse concedido a
uma mulher que não o quisesse.
7. Quanto ao sétimo, deve-se dizer que algo pode ser chamado “futuro”
não só pelo fato de que assim será, mas porque está ordenado em suas causas
de modo que assim ocorra (e desse modo afirma o médico que “este ficará
curado”, ou “[este] morrerá”). Caso os eventos se dêem de outra maneira,
não terá o médico dito algo falso, pois aquele algo [que ele afirmou] havia
então de acontecer segundo a ordem das coisas, ordem esta que, no entanto,
é passível de ser impedida. E então o que antes havia de acontecer conseqüen-
temente não ocorrerá. Donde dizer o Filósofo, no livro II de Sobre a Geração

55 Isto é, “pré”-ciência. [N. T.]


52 Santo Tomás de Aquino

de Generat. quod futurus quis incedere, non incedet; et secundum hoc


denuntiatio prophetae comminantis nec falsa est nec dubia, quamvis non
eveniat quod praedixit.
8. Ad octavum dicendum, quod si prophetia comminationis referatur ad
ordinem causarum quem directe respicit, sic est absque omni conditione;
absolute enim verum est ita ordinatum esse in causis ut hoc contingat. Si
autem referatur ad eventum quem respicit indirecte, sic intelligenda est sub
conditione causae; et tamen supernaturalis est, quia naturali cognitione non
potest sciri etiam causa exstante, utpote iniquitate remanente, quod talis
poena vel talis determinate secundum divinam iustitiam debeatur.
9. Ad nonum dicendum, quod sub prophetia comminationis intelligi-
tur etiam prophetia promissionis, quia de eis est eadem ratio. Ideo tamen
magis exprimitur de prophetia comminationis, quia frequentius invenitur
revocata comminatio quam promissio; Deus enim pronior est ad miseren-
dum quam ad puniendum.
10. Ad decimum dicendum, quod prophetia illa fuit secundum com-
minationem; et quamvis non esset conditio explicite proposita, est tamen
illa denuntiatio sub implicita conditione intelligenda, scilicet tali ordine
rerum remanente.
11. Ad undecimum dicendum, quod causae inferiores non solum sunt
causae naturales quas medici praecognoscere possunt, sed etiam causae
meritoriae, quae ex sola divina revelatione cognoscuntur. Causae etiam
naturales salutis vel mortis multo perfectius divina revelatione quam hu-
mano ingenio cognosci possunt.
12. Ad duodecimum dicendum, quod causae superiores, scilicet ra-
tiones rerum in divina praescientia, nunquam deficiunt ab impletione
suorum effectuum, sicut deficiunt causae inferiores; et ideo in causis su-
perioribus cognoscuntur eventus rerum absolute, sed in inferioribus non
nisi sub conditione.
13. Ad decimumtertium dicendum, quod in prophetia praedestinatio-
nis et praescientiae quamvis proponatur veritas adimplenda sub aliquibus
similitudinibus, tamen ratione illarum similitudinum non attenditur ali-
quis sensus litteralis; sed litteralis sensus attenditur secundum ea quae per
Sobre a Profecia · Artigo 10 53

e a Corrupção,56 que “o que há de caminhar não caminhará”; e segundo isto o


anúncio do profeta que comina não é falso nem dúbio, ainda que não ocorra
o que predissera.
8. Quanto ao oitavo, deve-se dizer que, se a profecia cominatória se referir
à ordem das causas, que ela considera diretamente, ela será sem nenhuma con-
dição: pois é absolutamente verdadeiro que algo está de tal modo ordenado nas
causas para que assim ocorra. Porém, se se refere ao evento, que ela considera
indiretamente, deve ser compreendida sob a condição da causa. Não obstante,
é sobrenatural, pois não pode ser conhecida pela cognição natural, ainda que se
apresente a causa – assim como, por exemplo, permanecendo a iniqüidade, se
faz devida determinadamente esta ou aquela pena segundo a justiça divina.
9. Quanto ao nono, deve-se dizer que sob a profecia cominatória se com-
preende também a profecia de promessa, pois quanto a estas a razão é a mes-
ma. Contudo, exprime-se mais com respeito à profecia cominatória, pois mais
freqüentemente se vê revogada a ameaça do que a promessa – uma vez que
Deus é mais inclinado a ter misericórdia que a punir.57
10. Quanto ao décimo, deve-se dizer que tal profecia se deu segundo
cominação; e, embora não houvesse condição explicitamente proposta, tal
anúncio deve ser compreendido sob uma condição implícita, a saber: “perma-
necendo tal ordem das coisas”.
11. Quanto ao décimo primeiro, deve-se dizer que as causas inferiores não
são somente as causas naturais que os médicos podem conhecer antecipadamen-
te, mas também as causas meritórias, que são conhecidas apenas por revelação
divina. Também as causas naturais da saúde ou da morte podem ser muito mais
perfeitamente conhecidas pela revelação divina do que pelo engenho humano.
12. Quanto ao décimo segundo, deve-se dizer que as causas superiores
(isto é, as razões das coisas na presciência divina) nunca falham no cumpri-
mento de seus efeitos, ao contrário das causas inferiores. Assim, nas causas
superiores se conhecem os acontecimentos das coisas de modo absoluto; já nas
inferiores apenas sob condição.
13. Quanto ao décimo terceiro, deve-se dizer que, na profecia de pre-
destinação e na de presciência, embora a verdade por cumprir-se seja proposta
sob certas semelhanças, na razão destas não se observa nenhum sentido literal;
o sentido literal é observado segundo as coisas significadas pelas semelhan-

56 Aristóteles, Sobre a Geração e a Corrupção, II, 11 (337b 7).


57 Glossa Ordinaria sobre Jeremias, a partir da homilia de Orígenes acerca do mesmo livro (cf. PG
13, 255A).
54 Santo Tomás de Aquino

similitudines significantur, sicut in omnibus metaphoricis significationibus


accidit. Unde in talibus prophetiis nulla veritas invenitur quantum ad si-
militudines, sed solum quantum ad ea quae per similitudines significantur.
Sed in prophetia comminationis sensus litteralis verborum prophetae at-
tenditur secundum illas similitudines rerum quae evenient, quia similitu-
dines illae non tantum proponuntur ut similitudines, sed ut res quaedam.
Unde et illud quod eveniet, significatum per huiusmodi similitudines, non
pertinet ad sensum litteralem, sed ad sensum mysticum; sicut cum dicitur,
Ninive subvertetur, subversio materialis pertinet ad sensum litteralem, sed
subversio a pravis moribus pertinet ad moralem: et in ipso sensu litterali
attenditur aliqua veritas ratione ordinis causarum, ut dictum est.
14. Ad decimumquartum dicendum, quod in somnio Pharaonis spicae
illae et boves non demonstrabantur ut res quaedam, sed solum ut similitu-
dines; et ideo Pharao, qui solum illas similitudines vidit, non habuit alicuius
rei intellectum; et propter hoc propheta non fuit. Sed Ionae, cui dictum est,
Ninive subvertetur, aderat intelligentia alicuius rei, scilicet ordinis merito-
rum ad subversionem, etsi forte alterius rei, scilicet subversionis, praescius
non fuerit; unde quantum ad hoc quod non intelligebat, propheta non fuit.
Sciebat tamen Ionas, et prophetae comminantes, prophetiam quam prae-
dicebant, non esse secundum praescientiam, sed secundum comminatio-
nem: unde dicitur Ionae IV, vers. 2: propter hoc praeoccupavi ut fugerem
in Tharsis; scio enim quod tu clemens et misericors es.
Sobre a Profecia · Artigo 10 55

ças, como ocorre em todos os significados metafóricos.58 Portanto, em tais


profecias não se encontra nenhuma verdade quanto às semelhanças, mas tão-
-somente quanto às coisas significadas pelas semelhanças. Já na profecia de
cominação se observa o sentido literal das palavras do profeta segundo as se-
melhanças das coisas que acontecerão, pois tais semelhanças não são propostas
apenas como semelhanças, mas também como coisas. Portanto, o que ocorrerá
– e é significado por semelhanças deste tipo – tampouco pertence ao sentido
literal, mas ao sentido místico: quando se diz que “Nínive será destruída”,
a destruição material pertence ao sentido literal, ao passo que a destruição
proveniente dos maus costumes pertence ao sentido moral. Assim, no próprio
sentido literal [da profecia de cominação] se observa certa verdade pela razão
da ordem das causas, como se disse.59
14. Quanto ao décimo quarto, deve-se dizer que no sonho do Faraó tais
espigas e bois não eram mostrados como coisas, mas apenas como semelhan-
ças. Portanto, o Faraó, que só viu essas semelhanças, não teve compreensão
de coisa nenhuma, e por isso não foi profeta. Mas em Jonas, a quem se disse:
“Nínive será destruída”, havia a compreensão de uma coisa (a saber, a ordem
de merecimento da destruição), ainda que talvez ele não previsse a outra coisa
(a saber, a conversão).60 Por isso, Jonas não foi profeta quanto ao que não
compreendia. Contudo, assim como os demais profetas que proferiam tais co-
minações, Jonas sabia que a profecia que pregava não era de presciência, mas
de cominação. Por essa razão, disse ele: “Por isso me antecipei em fugir para
Társis; pois sei que Tu és clemente e misericordioso” [Jo 4,2].

58 Cf. Aristóteles, Tópicos, VI, 2 (140a 10). Cf. também S. Tomás de Aquino, Comentário às
Sentenças, I, d. 34, q. 3, a. 1, arg. 2.
59 No sentido literal, a destruição prevista não se realizou, por Nínive haver mudado seus costumes;
o sentido moral desta profecia, porém, revela-nos uma relação causal plenamente válida e verdadeira:
é invariavelmente real que a permanência nos maus costumes teria causado a destruição daquela
cidade. E tal verdade é, de certo modo, também visível no próprio sentido literal não realizado, dado
que a razão que evitou sua realização foi a mudança de costumes. [N. T.]
60 Neste ponto, seguimos a edição Leonina. A edição de Alarcón se ateve à família Phi de manuscri-
tos, em que constava novamente “destruição”. Embora haja certamente razões filológicas que justifi-
quem as duas possibilidades, a segunda parece-nos contrária à concreção do argumento e à própria
narrativa bíblica, na qual a subseqüente conversão da cidade – não prevista por Jonas – previne sua
destruição. [N. T.]
56 Santo Tomás de Aquino

ARTICULUS 11
Undecimo quaeritur utrum in prophetia
inveniatur immobilis veritas

Et videtur quod non.

1. Cum enim immobilis veritas in definitione prophetiae ponatur, si


prophetiae conveniat, oportet ut per se ei conveniat. Sed futura contin-
gentia, de quibus est prophetia, per se non sunt immobilia, sed solum
secundum quod ad praescientiam divinam referuntur, ut dicit Boetius.
Ergo immobilis veritas non debet assignari prophetiae quasi in eius defi-
nitione posita.
2. Praeterea, illud quod non impletur nisi aliqua variabili conditione
existente, non habet immobilem veritatem. Sed aliqua prophetia est, sci-
licet comminationis, quae non impletur nisi variabili conditione existen-
te, scilicet perseverantia iustitiae vel iniquitatis, ut habetur Ierem. XVIII,
8-10. Ergo non omnis prophetia habet immobilem veritatem.
3. Praeterea, Isa. XXXVIII, 1, dicit Glossa, quod Deus prophetis reve-
lat suam sententiam, sed non consilium. Sententia autem eius est varia-
bilis, ut ibidem dicitur. Ergo prophetia non habet immobilem veritatem.
4. Praeterea, si prophetia habet immobilem veritatem; aut hoc est ex
parte prophetae videntis, aut ex parte rei quae videtur, aut a parte speculi
aeterni a quo videtur. Non a parte videntis, quia humana cognitio varia-
bilis est; nec ex parte rei, quae contingens est; nec ex parte divinae praes-
cientiae sive speculi, quia per hoc necessitas rebus non imponitur. Ergo
prophetia nullo modo habet immobilem veritatem.
5. Sed dicebat, quod divina praescientia non imponit necessitatem
quin aliter evenire possit; sed tamen aliter non eveniet quod praescitur, et
hoc modo prophetia habet immobilem veritatem. Immobile enim dicitur,
secundum philosophum, quod non potest moveri, vel quod difficile mo-
vetur, vel quod non movetur.- Sed contra, posito possibili, nihil sequitur
Sobre a Profecia · Artigo 11 57

ARTIGO 11
Se na profecia encontra-se verdade imutável 61

E parece que não.


1. Dado que se põe a verdade imutável na definição da profecia, então é
necessário, se ela convém à profecia, que lhe convenha por si mesma. Ora, os
futuros contingentes sobre os quais versa a profecia não são imutáveis por si
mesmos, mas apenas segundo sua relação com a presciência divina, como diz
Boécio.62 Portanto, à profecia não convém a designação “verdade imutável”
como algo posto em sua definição.
2. Ademais, não possui verdade imutável o que só se cumpre pela presença
de certa condição variável. Mas há certa profecia (a cominatória) que não se
cumpre senão sob certa condição variável, a saber, a perseverança da justiça ou
da iniqüidade, como se tem em Jeremias [18,8]. Portanto, nem toda profecia
possui verdade imutável.
3. Ademais, diz a Glosa sobre Isaías [38,1] que “Deus revela aos profetas
Sua sentença, mas não Seu conselho”.63 Ora, Sua sentença é variável, como
se diz na mesma passagem. Portanto, a profecia não possui verdade imutável.
4. Ademais, se a profecia tem verdade imutável, ou isto procede da parte
do profeta que vê, ou procede da parte da coisa que é vista, ou procede da
parte do espelho eterno, a partir do qual se vê. Ora, não procede da parte do
que vê, pois a cognição humana é variável; nem da parte da coisa, que é con-
tingente; nem da parte da divina presciência (ou “espelho”), pois por ele não
se impõe necessidade às coisas. Portanto, a profecia de nenhum modo possui
verdade imutável.
5. Poderia dizer-se, porém, que de fato a presciência divina não impõe a
necessidade de que algo não possa ocorrer de outra maneira, mas, ainda assim,
este algo (que é previsto) não ocorrerá de outra maneira; e é deste modo que a
profecia possuiria verdade imutável – pois, segundo o Filósofo, diz-se “imutá-
vel” o que não pode ser movido, ou que é dificilmente movido, ou que não é
movido.64 Mas, em sentido contrário: uma vez posto o possível, não se segue nada

61 Cf. Suma Teológica, II-II, q. 171, a. 6.


62 Boécio, Consolação da Filosofia, V, 6 (PL 63, 861A).
63 Glossa Ordinaria, ibid.
64 Aristóteles, Física, V, 4 (226b 10). Claro está, “imutável” e “imóvel” fazem-se aqui sinônimos
no lat. immobilis. O contra-argumento inicial por derrubar nesta quinta objeção tentaria enquadrar
58 Santo Tomás de Aquino

impossibile. Si igitur possibile est id, quod est praescitum et prophetatum,


aliter se habere, si ponatur aliter se habere, nullum sequetur impossibile.
Sequitur autem prophetiam habere mobilem veritatem. Ergo non est ne-
cesse prophetiam habere immobilem veritatem.
6. Praeterea, veritas propositionis sequitur conditionem rei, quia ex
eo quod res est vel non est, oratio vera vel falsa est, ut dicit philosophus.
Sed res de quibus est prophetia, sunt contingentes et mutabiles. Ergo et
prophetica denuntiatio habet mobilem veritatem.
7. Praeterea, effectus denominatur necessarius vel contingens a causa
proxima, non a causa prima. Sed causae proximae rerum de quibus est
prophetia, sunt causae mobiles, quamvis causa prima sit immobilis. Ergo
prophetia non habet immobilem veritatem, sed mobilem.
8. Praeterea, si prophetia habet immobilem veritatem, impossibile est
aliquid esse prophetatum, et illud non fieri. Sed quod est prophetatum,
impossibile est non esse prophetatum. Ergo si prophetia habet immo-
bilem veritatem, necesse est evenire illud quod prophetatum est; et sic
prophetia non erit de futuris contingentibus.

Sed contra.

1. Est quod dicitur in Glossa in principio Psalterii: prophetia est divina


inspiratio vel revelatio, rerum eventus immobili veritate denuntians.
2. Praeterea, prophetia est divinae praescientiae signum, ut dicit Hie-
ronymus. Sed praescita, inquantum subsunt praescientiae, sunt necessa-
ria. Ergo et prophetata, inquantum de illis est prophetia; ergo prophetia
habet immobilem veritatem.
3. Praeterea, scientia Dei potest esse immobilis de rebus mobilibus, quia
a rebus ortum non habet. Sed similiter cognitio prophetica non sumitur a
rebus ipsis. Ergo prophetia habet immobilem veritatem de rebus mobilibus.
Sobre a Profecia · Artigo 11 59

impossível.65 Portanto, se é possível que se dê de outra maneira o que é previsto


e profetizado, então, caso se ponha que isto realmente se deu de outra maneira,
nada impossível se seguirá. Ora, então resulta que a profecia possui verdade
mutável. Portanto, não é necessário que a profecia possua verdade imutável.
6. Ademais, a verdade da proposição é conseqüente à condição da coisa,
pois “o discurso é verdadeiro ou falso pelo fato de a coisa ser ou não ser”,
como diz o Filósofo.66 Mas as coisas sobre as quais versa a profecia são con-
tingentes e mutáveis. Portanto, também o anúncio profético possui verdade
mutável.
7. Ademais, é pela causa próxima que o efeito se diz necessário ou con-
tingente, não pela causa primeira. Mas as causas próximas das coisas sobre as
quais versa a profecia são causas mutáveis, embora seja imutável a causa pri-
meira. Portanto, a profecia não possui verdade imutável, mas mutável.
8. Ademais, se a profecia possui verdade imutável, é impossível que algo te-
nha sido profetizado e não ocorra. Mas é impossível que o que foi profetizado
não tenha sido profetizado. Portanto, se a profecia possui verdade imutável,
é necessário que ocorra o que foi profetizado, e assim a profecia não versará
sobre futuros contingentes.
Mas, em sentido contrário:
1. Está o que se diz na Glosa ao princípio do Saltério: “A profecia é uma inspi-
ração divina que anuncia com verdade imutável os acontecimentos das coisas”.67
2. Ademais, a profecia é “sinal da presciência divina”, como diz Jerônimo.68
Mas as coisas previstas, enquanto submetidas à presciência, são necessárias.
Portanto, também o são as coisas profetizadas, na medida em que sobre elas
versa a profecia. Logo, a profecia possui verdade imutável.
3. Ademais, a ciência de Deus pode ser imutável acerca de coisas mutáveis,
pois não se origina das coisas. Mas, de modo semelhante, a cognição profética
não é tomada das próprias coisas. Portanto, a profecia tem verdade imutável
sobre coisas mutáveis.

o referido adjetivo no terceiro emprego legítimo que Aristóteles indicava, isto é, o de que algo “não
ocorrerá de outra maneira”, mas sem por isso negar a este algo seu caráter contingente. [N. T.]
65 Aristóteles, Primeiros Analíticos, I, 13 (32a 18). Cf. também S. Tomás de Aquino, Comentário
às Sentenças, I, d. 38, q. 1, a. 5, arg. 3.
66 Aristóteles, Categorias, 5 (4b 8), 12 (14b 21).
67 Glosa de Pedro Lombardo (PL 191, 58B-C).
68 Cf. Glossa Ordinaria sobre Mateus 1,22.
60 Santo Tomás de Aquino

Responsio. Dicendum, quod in prophetia duo est considerare; scili-


cet ipsas res prophetatas, et cognitionem quae de illis habetur; et horum
duorum invenitur diversus ordo originis. Ipsae enim res prophetatae sunt
immediate a causis mobilibus sicut a causis proximis, sed a causa immo-
bili sicut a causa remota; cognitio vero prophetica e converso est a divina
praescientia sicut a causa proxima, a rebus vero prophetatis non dependet
sicut a causa, sed est solum sicut earum signum. Omnis autem effectus in
necessitate et contingentia sequitur causam proximam, et non causam pri-
mam. Unde res ipsae prophetatae mobiles sunt; sed prophetica cognitio
est immobilis, sicut et divina praescientia, a qua derivatur ut exemplatum
ab exemplari. Sicut enim ex hoc quod veritas intellectus est necessaria,
sequitur quod enuntiatio, quae est signum intellectus, habeat necessariam
veritatem; ita ex hoc ipso quod divina praescientia est immobilis, sequi-
tur quod prophetia, quae est signum eius, immobilem habeat veritatem.
Quomodo autem praescientia Dei possit esse immobiliter vera de rebus
mobilibus, dictum est in alia quaestione de scientia Dei; unde non oportet
hic repetere, cum immobilitas prophetiae tota dependeat ex immobilitate
divinae praescientiae.

1. Ad primum igitur dicendum, quod nihil prohibet aliquid inesse per


accidens alicui secundum se sumpto, quod eidem per se inest alio addito;
sicut homini per accidens inest moveri, per se vero homini inquantum est
currens. Sic etiam et huic rei quae prophetatur, non per se competit esse
immobilem, sed solum inquantum est prophetata; unde convenienter in
definitione prophetiae ponitur.
2. Ad secundum dicendum, quod prophetia comminationis omnino
habet immobilem veritatem; non enim est de eventibus rerum, sed de
ordine causarum ad eventus, ut dictum est; et hunc ordinem esse quem
Sobre a Profecia · Artigo 11 61

Respondo. Deve-se dizer que na profecia há duas coisas que considerar, a


saber, as próprias coisas profetizadas e a cognição que se tem delas; e é diversa
a ordem de origem destas duas. Pois as coisas profetizadas mesmas procedem
imediatamente das causas mutáveis como de causas próximas, mas da causa
imutável como da causa remota. Já a cognição profética procede da presciência
divina como da causa próxima, mas não depende das coisas profetizadas como
de sua causa: é apenas signo delas. Ora, todo efeito segue, em necessidade e
contingência, a causa próxima, não a causa primeira. Por isso as coisas profe-
tizadas mesmas são mutáveis; mas a cognição profética é imutável, bem como
a presciência divina de que esta deriva à maneira de como o exemplado deriva
do exemplar.69
Pois, assim como o anúncio (que é signo do intelecto) possui verdade neces-
sária por ser necessária a verdade do intelecto, assim também é por ser imutável
a presciência divina que a profecia (que é signo desta presciência) tem verdade
imutável. E já foi explicado em outra questão, acerca da ciência de Deus, de que
forma a presciência de Deus pode ser imutavelmente verdadeira com respeito a
coisas mutáveis.70 Por isso, não convém repeti-lo aqui, dado que toda a imutabi-
lidade da profecia depende da imutabilidade da presciência divina.
1. Quanto ao primeiro argumento, portanto, deve-se dizer que nada
impede que algo se encontre per accidens numa coisa considerada segundo
ela própria, e que se encontre per se nesta mesma coisa se a ela se acrescenta
outra – assim como o mover se encontra per accidens no homem, mas per se
no homem enquanto corredor.71 Igualmente, a esta coisa que se profetiza tam-
pouco compete ser imutável per se, mas apenas enquanto profetizada; por isso,
[imutável] inclui-se convenientemente na definição de profecia.
2. Quanto ao segundo, deve-se dizer que a profecia cominatória possui
sem dúvida verdade imutável; mas esta não se refere aos acontecimentos das
coisas, e sim à ordem das causas aos acontecimentos, como se disse.72 E que

69 Lat. exemplatus. Empregado na Escolástica, o mencionado particípio latino pode traduzir-se li-
vremente por “exemplado”, por referência à ação de tomar a algo como exemplo (neste caso, os
exemplares que são as idéias na mente divina). Preferimos empregar este termo por praticidade, para
salientar tal relação. [N. T.]
70 S. Tomás de Aquino, Sobre a Verdade, q. 2, a. 13.
71 Lit. “na medida em que ele é corrente”, ou seja: realizador da ação de correr. Noutras palavras, a
idéia assim procede: na medida em que se considera apenas o homem, o mover-se cabe-lhe per acci-
dens; já na medida em que consideramos o homem que executa a ação de correr, o mover-se cabe-lhe
per se. [N. T.]
72 Cf. artigo 10, em resposta ao oitavo argumento.
62 Santo Tomás de Aquino

propheta praedicit, necessarium est, quamvis eventus quandoque non


sequatur.
3. Ad tertium dicendum, quod consilium Dei dicitur ipsa aeterna Dei
dispositio, quae nunquam variatur propter quod dicit Gregorius, quod
Deus nunquam mutat consilium. Sententia vero dicitur hoc ad quod ali-
quae causae sunt ordinatae. Sententiae enim in iudiciis ex causarum me-
ritis proferuntur. Quandoque autem hoc ad quod causae sunt ordinatae,
est etiam a Deo ab aeterno dispositum: et tunc idem est Dei consilium et
sententia. Quandoque vero ad aliquid ordinatae sunt causae, quod non
est a Deo ab aeterno dispositum: et tunc Dei consilium et sententia fe-
runtur ad diversa. Ergo ex parte sententiae, quae respicit causas inferiores,
invenitur mutabilitas; sed ex parte consilii invenitur semper immutabili-
tas. Prophetae vero revelatur quandoque sententia consilio conformis: et
tunc prophetia habet immobilem veritatem etiam quantum ad eventum.
Quandoque vero revelatur sententia consilio non conformis: et tunc habet
immobilem veritatem quantum ad ordinem, et non quantum ad even-
tum, ut dictum est.
4. Ad quartum dicendum, quod immobilitas prophetiae est ex parte spe-
culi aeterni, non quod rebus prophetatis necessitatem imponat; sed quia
prophetiam facit necessariam esse de rebus contingentibus, sicut et ipsa est.
5. Ad quintum dicendum, quod posito quod aliquid sit secundum
praescientiam prophetatum, quamvis illud non esse in se sit possibile,
tamen incompossibile posito huic, scilicet quod dicitur esse praescitum;
quia ex hoc ipso quod praescitum ponitur, ponitur ita futurum esse, cum
praescientia ipsum eventum respiciat.
6. Ad sextum dicendum, quod veritas propositionis sequitur conditio-
nem rei, quando scientia veritatem proponentis ex rebus oritur. Sic autem
non est in proposito.
7. Ad septimum dicendum, quod quamvis rei prophetatae causa pro-
xima sit mobilis, tamen ipsius prophetiae causa proxima est immobilis, ut
dictum est; et ideo ratio non sequitur.
Sobre a Profecia · Artigo 11 63

seja esta a ordem que o profeta prediz é necessário, ainda que às vezes o acon-
tecimento não se realize.
3. Quanto ao terceiro, deve-se dizer que “conselho de Deus” se diz da
própria disposição eterna de Deus, que nunca varia; por isso diz Gregório
que Deus nunca muda Seu conselho. Já “sentença” se diz daquilo a que
certas causas estão ordenadas, pois nos juízos as sentenças são proferidas a
partir dos méritos das causas. Ora, por vezes aquilo a que as causas estão
ordenadas foi também disposto por Deus desde a eternidade, e então o
conselho e a justiça de Deus são a mesma coisa. Por vezes, porém, as causas
estão ordenadas a algo que não foi disposto por Deus desde a eternidade, e
então o conselho e a sentença de Deus rumam a pontos diversos. Portanto,
da parte da sentença (que considera as causas inferiores) se encontra a mu-
tabilidade, enquanto da parte do conselho se encontra sempre a imutabili-
dade. Às vezes se revela aos profetas uma sentença conforme ao conselho;
e então a profecia possui verdade imutável também quanto ao evento. Às
vezes, por outro lado, revela-se uma sentença não conforme ao conselho; e
então possui verdade imutável quanto à ordem, mas não quanto ao evento,
como se disse.
4. Quanto ao quarto, deve-se dizer que a imutabilidade da profecia pro-
cede da parte do espelho eterno, não no sentido de que imponha necessidade
às coisas profetizadas, mas porque faz a profecia ser necessária (como ela pró-
pria o é) acerca de coisas contingentes.
5. Quanto ao quinto, deve-se dizer que, uma vez admitido que algo foi
profetizado segundo profecia de presciência, se tem que, embora seja em si
possível que aquele algo não tenha ser, isto não é compossível com o que se
admitiu, isto é, que se diga que ele foi previsto;73 pois, pelo próprio fato de
que o admitimos como previsto, se admite que ele assim ocorrerá, já que a
presciência diz respeito ao próprio acontecimento.
6. Quanto ao sexto, deve-se dizer que a verdade da proposição procede
da condição da coisa apenas quando se origina das coisas a ciência do que
propõe tal verdade. Mas não era este o caso que afirmamos.
7. Quanto ao sétimo, deve-se dizer que, embora a causa próxima da
coisa profetizada seja mutável, é imutável a causa próxima da própria profecia,
como se disse. Portanto, o argumento não procede.

73 Por sua etimologia, praescitum refere-se sobretudo ao profetizado segundo presciência (preascien-
tia). Como já dissemos, equivale literalmente a “pré-conhecido”, que por fluência temos vertido
(salvo quando absolutamente necessário) como “previsto” ou como “antevisto”. [N. T.]
64 Santo Tomás de Aquino

8. Ad octavum dicendum, quod prophetatum non evenire habet simile


iudicium, sicut et praescitum non evenire. Quod qualiter debeat concedi
et qualiter negari, dictum est in quaestione de scientia Dei.
Sobre a Profecia · Artigo 11 65

8. Quanto ao oitavo, deve-se dizer que não ocorrer o profetizado tem ju-
ízo similar a não ocorrer o previsto. E de que modo isso deve ser concedido ou
negado é questão já tratada acerca da ciência de Deus.74

74 Cf. S. Tomás de Aquino, Sobre a Verdade, q. 2, a. 13. A referida questão indaga se a ciência de
Deus é ou não é variável. Na resposta, Santo Tomás demonstra que, sendo a ciência algo intermédio
entre o cognoscente e a coisa conhecida (scientia sit media inter cognoscentem et cognitum), uma va-
riação nela pode dar-se de dois modos: da parte do cognoscente e da parte do conhecido. Da parte
do cognoscente, a ciência de Deus, que se identifica com a Sua substância, é absolutamente invariável;
da parte da coisa conhecida, a ciência varia segundo a verdade e a falsidade, já que, se a coisa muda
e o juízo sobre ela permanece, o que antes era verdadeiro se torna falso, o que no caso de Deus não
pode acontecer porque o conhecimento divino é omniabarcante e se refere às coisas enquanto estão
presentes à Sua inteligência. Sendo assim, também as coisas mutáveis estão sujeitas à perfeitíssima visão
divina. Daí que a ciência de Deus não é variável de nenhuma maneira (et sic scientia Dei nullo modo
variabilis est). Sobre as demais características da ciência divina, é fundamental a leitura da questão
XIV da Primeira Parte da Suma Teológica. [N. C.]
66 Santo Tomás de Aquino

ARTICULUS 12
Duodecimo quaeritur utrum prophetia quae est secundum
visionem intellectualem tantum, sit eminentior ea quae habet
visionem intellectualem simul cum imaginaria visione

Et videtur quod non.

1. Quia illa prophetia quae habet intellectualem visionem cum imagi-


naria, includit eam quae habet intellectualem visionem tantum. Ergo visio
prophetica quae habet utramque visionem, est potior ea quae habet unam
tantum. Quod enim includit aliquid, excedit illud quod ab eo includitur.
2. Praeterea, quanto in aliqua prophetia est abundantius lumen intellec-
tuale, tanto perfectior est. Sed ex plenitudine intellectualis luminis contingit
quod fit redundantia in propheta ab intellectu in imaginationem, ut ibi
formetur imaginaria visio. Ergo perfectior est prophetia quae habet imagi-
nariam visionem adiunctam, quam illa quae habet intellectualem tantum.
3. Praeterea, de Ioanne Baptista dicitur Matth. XI, 9, quod ipse est pro-
pheta, et plus quam propheta. Hoc autem dicitur inquantum Christum
non solum intellectualiter vel imaginarie vidit, ut alii prophetae, sed etiam
corporaliter digito demonstravit. Ergo prophetia cui admiscetur corporalis
visio, est nobilissima; et eadem ratione illa cui adiungitur visio imaginaria,
est nobilior quam illa quae habet intellectualem visionem tantum.
4. Praeterea, tanto aliquid est magis perfectum, quanto plenius in eo
inveniuntur differentiae rationem speciei constituentes. Sed differentiae
constituentes prophetiam sunt visio et denuntiatio. Ergo illa prophetia
quae denuntiationem habet, videtur esse perfectior ea quae non habet.
Sed denuntiatio fieri non potest sine imaginaria visione; quia oportet eum
qui denuntiat, habere imaginatos sermones. Ergo prophetia illa est perfec-
tior quae fit cum visione imaginaria et intellectuali.
5. Praeterea, I Cor., XIV, 2, super illud, spiritus autem loquitur mys-
teria, dicit Glossa: minus est propheta qui rerum significatarum solo
spiritu videt imagines; et magis est propheta qui solo earum intellectu
Sobre a Profecia · Artigo 12 67

ARTIGO 12
Se a profecia dada somente segundo a visão
intelectual é mais eminente que aquela com visão
intelectual simultânea à visão imaginária75

E parece que não.


1. Pois a profecia em que há visão intelectual e imaginária contém aquela
em que há apenas a visão intelectual. Portanto, a visão profética que possui as
duas visões é mais poderosa que a que possui apenas uma; pois o que contém
algo excede o que por ele é contido.
2. Ademais, quanto mais abundante é a luz intelectual numa profecia,
tanto mais perfeita ela é. Devido porém à plenitude da luz intelectual, dá-se
superabundância no profeta que procede do intelecto para a imaginação, para
que ali se forme a visão imaginária. Portanto, é mais perfeita a profecia que
tem agregada a visão imaginária que a que contém apenas a intelectual.
3. Ademais, em Mateus [11,9] se diz de João Batista que ele é “profeta, e
mais que profeta”. Ora, isto se afirma na medida em que ele não só viu a Cristo
de modo intelectual ou imaginário (como os outros profetas), mas também o
mostrou76 corporeamente, com o dedo. Portanto, é a mais nobre a profecia à
qual se mistura a visão corporal; e, pela mesma razão, aquela à qual se mistura
a visão imaginária é mais nobre que a que contém apenas a visão intelectual.
4. Ademais, algo é tanto mais perfeito quanto mais plenamente nele se
encontram as diferenças que constituem a razão da espécie. Mas as diferen-
ças que constituem a profecia são a visão e o anúncio.77 Portanto, a profecia
que possui o anúncio parece ser mais perfeita que a que não o possui. Mas o
anúncio não pode ocorrer sem a visão imaginária; pois é necessário que quem
anuncia tenha imaginados seus discursos. Portanto, mais perfeita é a profecia
que ocorre com a visão imaginária e com a intelectual.
5. Ademais, acerca do que consta em I Coríntios [14,2]: “Todavia, o espí-
rito diz coisas misteriosas”, diz a Glosa: “É menos profeta o que só no espírito
vê as imagens das coisas significadas, e é mais profeta o que só é dotado da

75 Cf. Suma Teológica, II-II, q. 174, a. 2.


76 “(...) corporaliter digito demonstravit”. O sentido é claro: João Batista apontou a Cristo com o
dedo, ou seja, não o conheceu apenas pela fé, mas também o viu com os olhos da carne. [N. C.]
77 Cf. resposta do artigo 9.
68 Santo Tomás de Aquino

praeditus est; sed maxime propheta est qui in utroque praecellit; ergo
idem quod prius.
6. Praeterea, prophetia, ut dicit Rabbi Moyses, inchoatur in intellectu,
et perficitur in imaginatione. Ergo prophetia quae habet visionem imagi-
nariam, est perfectior quam quae habet intellectualem tantum.
7. Praeterea, debilitas intellectualis luminis imperfectionem indicat
prophetiae. Sed ex debilitate intellectualis luminis, videtur contingere
quod visio prophetica non derivetur usque ad imaginationem. Ergo vide-
tur quod illa prophetia, quae habet imaginariam visionem, sit perfectior.
8. Praeterea, maioris perfectionis est cognoscere rem aliquam in se,
et prout est alterius signum, quam cognoscere eam in se tantum. Ergo,
eadem ratione, perfectius est cognoscere aliquam rem ut est significata,
quam cognoscere eam in se tantum. Sed in prophetia quae habet imagina-
riam visionem cum intellectuali, cognoscitur res prophetata non solum in
se, sed etiam prout est imaginibus designata. Ergo prophetia quae habet
imaginariam visionem, est nobilior prophetia quae habet intellectualem
tantum, in qua cognoscuntur res prophetatae in se solummodo, et non
prout sunt signatae.
9. Praeterea, sicut dicit Dionysius, I cap. caelestis hierarchiae, impos-
sibile est nobis aliter superlucere divinum radium nisi varietate sacrorum
velaminum circumvelatum. Velamina autem appellat figuras imaginarias,
quibus puritas intellectualis luminis quasi velatur. Ergo in omni prophetia
oportet esse imaginarias figuras, vel ab homine formatas, vel divinitus im-
missas. Nobiliores autem videntur esse illae quae sunt immissae divinitus
quam quae sunt formatae ab homine. Illa ergo videtur esse nobilissima
prophetia in qua, simul, divinitus infunditur lumen intellectuale et figu-
rae imaginariae.
10. Praeterea, ut dicit Hieronymus in prologo super librum regum,
prophetae contra Agyographas distinguuntur. Sed illi quos ibi prophe-
tas nominat, omnes, aut fere omnes, revelationem acceperunt sub figuris
imaginariis; plures autem eorum quos inter Agyographas nominat, sine
Sobre a Profecia · Artigo 12 69

compreensão delas; mas é maximamente profeta o que excele em ambos”.78


Portanto, tem-se o mesmo que antes.
6. Ademais, a profecia, como diz o Rabi Moisés, começa no intelecto e
perfaz-se na imaginação.79 Portanto, a profecia que possui visão imaginária é
mais perfeita que a que possui apenas a intelectual.
7. Ademais, a debilidade da luz intelectual indica uma imperfeição da
profecia. Mas pela debilidade da luz intelectual parece ocorrer que a visão
profética não se estenda até à imaginação. Portanto, parece ser mais perfeita a
profecia que possui a visão imaginária.
8. Ademais, conhecer alguma coisa em si e enquanto signo de outra é
de maior perfeição que conhecê-la apenas em si. Portanto, pela mesma ra-
zão, conhecer alguma coisa enquanto está significada é mais perfeito do que
conhecê-la apenas em si. Ora, na profecia que contém a visão imaginária e
a intelectual, conhece-se a coisa profetizada não só em si, mas também en-
quanto está significada por imagens. Portanto, a profecia que contém a visão
imaginária é mais nobre que a profecia que contém apenas a intelectual (na
qual as coisas profetizadas são conhecidas tão-somente em si, e não enquanto
estão significadas).
9. Ademais, como diz Dionísio no capítulo I de Sobre a Hierarquia Celeste,
“é impossível luzir sobre nós o raio divino senão cingido da variedade dos ve-
lames sagrados”.80 Ora, ele chama “velames” às figuras imaginárias pelas quais
a pureza da luz intelectual está como que velada.81 Portanto, em toda profecia
é necessário haver figuras imaginárias, ou formadas pelo homem, ou divina-
mente infundidas.82 Mas parecem ser mais nobres as infundidas divinamente
que as formadas pelo homem. Portanto, parece ser maximamente nobre a
profecia em que, em conjunto, se infundem a luz intelectual e as figuras ima-
ginárias.
10. Ademais, como diz Jerônimo83 no prólogo sobre o livro dos Reis, os
profetas se distinguem dos hagiógrafos. Mas todos ou quase todos os que ele
ali chama “profetas” receberam a revelação sob figuras imaginárias, ao passo
que muitos dos que enumera entre os hagiógrafos receberam a revelação sem

78 Glosa de Pedro Lombardo (PL 191, 1664B).


79 Maimônides, Guia dos Perplexos, II, 37.
80 Pseudo-Dionísio Areopagita, Sobre a Hierarquia Celeste, I, 2 (PG 3, 121B).
81 Op. cit., I, 3 (PG 3, 124A).
82 Lat. immissas. Ver nota 107 do vol. I.
83 S. Jerônimo, Prefácio aos livros de Samuel e Malaquias (PL 28, 599).
70 Santo Tomás de Aquino

figuris revelationem acceperunt. Ergo magis proprie dicuntur prophetae


illi quibus fit revelatio secundum visionem intellectualem et imaginariam,
quam illi quibus fit secundum intellectualem tantum.
11. Praeterea, secundum philosophum II Metaph., intellectus noster se
habet ad primas rerum causas, quae sunt maxime notae in natura, sicut se
habet oculus noctuae ad lucem solis. Sed oculus noctuae non potest inspi-
cere solem nisi sub quadam obscuritate. Ergo et intellectus noster divina
sub quadam obscuritate intelligit; ergo videtur quod sub aliquibus simili-
tudinibus; et sic intellectualis visio non erit certior quam imaginaria, cum
utraque sub similitudinibus fiat. Unde videtur quod illa visio imaginaria
intellectuali adiuncta nihil diminuat de eius nobilitate; et sic illa prophetia
quae fit sub utraque visione, vel est dignior, vel ad minus aeque digna.
12. Praeterea, sicut se habet imaginabile ad imaginationem, ita intelli-
gibile ad intellectum. Sed imaginabile non apprehenditur ab imaginatione
nisi mediante similitudine. Ergo nec intelligibile ab intellectu; et sic idem
quod prius.

Sed contra.

Est quod dicitur in Glossa in principio Psalterii: alius prophetiae mo-


dus est ceteris dignior, quando scilicet ex sola spiritus sancti inspiratione,
remoto omni exteriori adminiculo facti vel dicti vel visionis vel somnii,
prophetatur. Illa vero prophetia quae habet imaginariam visionem anne-
xam, est cum adminiculo somnii vel visionis. Ergo prophetia quae est cum
visione intellectuali tantum, est nobilior.
2. Praeterea, omne quod in aliquo recipitur, recipitur in eo per mo-
dum recipientis. Sed intellectus in quo aliquid recipitur in visione intel-
lectuali, est nobilior quam imaginatio, in qua recipitur aliquid in visione
imaginaria. Ergo prophetia quae fit secundum intellectualem visionem,
est nobilior.
3. Praeterea, ubi est intellectualis visio, non potest esse deceptio, quia
qui fallitur, non intelligit, ut dicit Augustinus in libro de vera religione.
Visio autem imaginaria habet plurimum falsitatis admixtum; unde in Lib.
Sobre a Profecia · Artigo 12 71

figuras. Portanto, são mais propriamente chamados profetas aqueles aos quais
ocorre a revelação segundo a visão intelectual e a imaginária do que aqueles
em que se dá apenas a intelectual.
11. Ademais, no livro II da Metafísica diz o Filósofo que nosso intelecto
está para as primeiras causas das coisas maximamente percebidas na natureza
“do mesmo modo que o olho da coruja está para a luz do sol”.84 Mas o olho da
coruja não pode observar o sol senão em certa escuridão. Portanto, também
nosso intelecto compreende as coisas divinas em certa escuridão e – parece,
portanto – sob certas semelhanças. Assim, a visão intelectual não será mais certa
que a imaginária, já que ambas ocorrem sob semelhanças. Portanto, parece
que a visão imaginária acrescentada à intelectual nada diminuiria da nobreza
desta. Destarte, a profecia que ocorre sob ambas as visões ou é mais digna ou
ao menos igualmente digna.
12. Ademais, assim como o imaginável está para a imaginação, assim tam-
bém o inteligível está para o intelecto. Mas o imaginável não é apreendido pela
imaginação senão mediante uma semelhança. Portanto, tampouco o inteligí-
vel o é pelo intelecto. E assim se conclui o mesmo que antes.
Mas, em sentido contrário:
1. Consta da Glosa no princípio do Saltério: “Outro modo de profecia é
mais digno que os demais, a saber, quando se profetiza apenas a partir da ins-
piração do Espírito Santo, estando removido todo auxílio exterior de feitos ou
de ditos, de visões ou de sonhos”.85 Mas a profecia que tem agregada a visão
imaginária se dá com auxílio de sonho ou de visão. Portanto, é mais nobre a
profecia que ocorre apenas com a visão intelectual.
2. Ademais, tudo que é recebido em algo é recebido nele ao modo do re-
cipiente. Mas o intelecto, no qual algo é recebido em visão intelectual, é mais
nobre que a imaginação, na qual se recebe algo em visão imaginária. Portanto,
é mais nobre a profecia que ocorre segundo a visão intelectual.
3. Ademais, onde há a visão intelectual não pode haver engano, pois o
que se engana não intelige, como diz Agostinho no livro Sobre a Verdadeira
Religião.86 Ora, a visão imaginária possui muita mescla de falsidade, e por isso

84 Aristóteles, Metafísica, II, 1 (993b 9).


85 Glosa de Pedro Lombardo (PL 191, 58D).
86 A passagem é mais propriamente de Sobre 83 Diversas Questões, q. 32 (PL 40, 22), embora o tema
de fato se encontre em Sobre a Verdadeira Religião, 34 (PL 34, 150).
72 Santo Tomás de Aquino

IV metaphysicorum, ponitur esse quasi principium falsitatis. Ergo pro-


phetia, quae habet visionem intellectualem, est nobilior.
4. Praeterea, quando una vis animae a sua actione retrahitur, alia in
sua actione roboratur. Si ergo in prophetia aliqua vis imaginaria omnino
vacet, intellectualis visio erit fortior. Ergo et prophetia erit nobilior.
5. Praeterea, sicut se habent potentiae ad invicem, ita et actus poten-
tiarum. Sed intellectus non coniunctus imaginationi utpote angelicus, est
nobilior intellectu imaginationi coniuncto, utpote humano. Ergo et pro-
phetia quae habet visionem intellectualem sine imaginaria, nobilior est
quam illa quae habet utramque.
6. Praeterea, adminiculum actionis designat imperfectionem agentis.
Sed visio imaginaria ponitur in Glossa in principio Psalterii ut admini-
culum prophetiae. Ergo prophetia quae habet imaginariam visionem, est
imperfectior.
7. Praeterea, quanto aliquod lumen est magis remotum ab obscurita-
tibus sive nebulis, tanto est magis clarum. Sed imaginariae figurae sunt
quasi quaedam nebulae, quibus obumbratur intellectuale lumen; ratione
cuius ratio humana quae a phantasmatibus abstrahit, dicitur ab Isaac oriri
in umbra intelligentiae. Ergo prophetia quae habet lumen intellectuale
sine imaginibus, est perfectior.
8. Praeterea, tota nobilitas propheticae cognitionis consistit in hoc
quod Dei praescientiam imitatur. Sed prophetia quae est sine imaginaria
visione, magis imitatur divinam praescientiam, in qua non est aliqua ima-
ginatio, quam quae habet imaginariam visionem. Ergo illa prophetia quae
caret imaginaria visione, est nobilior.

Responsio. Dicendum, quod cum natura speciei consistat ex natura


generis et natura differentiae, ex utroque dignitas speciei potest pensari;
et secundum has duas considerationes inveniuntur aliqua se invicem in
dignitate excedere quandoque. Et quantum pertinet ad rationem speciei,
semper illud participat perfectius speciei rationem in quo differentia for-
maliter speciem constituens nobilius invenitur.
Sed simpliciter loquendo, quandoque est nobilius simpliciter id in quo
natura generis est perfectior, quandoque vero id in quo est perfectior na-
Sobre a Profecia · Artigo 12 73

é descrita na Metafísica quase como princípio da falsidade.87 Portanto, é mais


nobre a profecia que contém [apenas] a visão intelectual.
4. Ademais, quando uma potência da alma se retrai de sua ação, outra se
fortalece na sua própria. Se nalguma profecia, portanto, estiver completamen-
te inativa a potência imaginária, a visão intelectual será mais forte. Portanto,
também esta profecia será mais nobre.
5. Ademais, assim como as potências se dispõem entre si, assim também o
fazem os atos das potências. Ora, o intelecto não unido à imaginação (como o
angélico) é mais nobre que o intelecto unido à imaginação (como o humano).
Portanto, também a profecia que possui a visão intelectual sem a imaginária é
mais nobre que a que contém as duas.
6. Ademais, o auxílio na ação denota a imperfeição do agente. Mas a visão
imaginária descreve-se na Glosa (no princípio do Saltério) como auxílio da pro-
fecia.88 Portanto, a profecia que possui a visão imaginária é mais imperfeita.
7. Ademais, quanto mais uma luz está afastada das escuridões e das névoas,
tanto mais clara é. Mas as figuras imaginárias são como névoas, pelas quais é
obscurecida a luz intelectual. Em razão disso afirmou Isaac que a razão huma-
na, que abstrai dos fantasmas, nasce na sombra da inteligência.89 Portanto, a
profecia que possui a luz intelectual sem imagens é mais perfeita.
8. Ademais, toda a nobreza da cognição profética consiste no fato de que imita
a presciência de Deus. Mas a profecia que ocorre sem a visão imaginária imita mais
a presciência divina, na qual não há nenhuma imaginação, do que a que tem a
visão imaginária. Portanto, é mais nobre a profecia que carece de visão imaginária.
Respondo. Deve-se dizer que, dado que a natureza da espécie consiste
na natureza do gênero e na da diferença, a dignidade da espécie pode ser
ponderada a partir de uma e de outra – e, segundo estas duas considerações,
percebe-se que certas coisas às vezes se excedem entre si quanto à dignidade.
E, no que diz respeito à razão de espécie, sempre participa desta razão mais
perfeitamente aquilo em que se encontra de modo mais nobre a diferença que
constitui formalmente a espécie.
Porém, falando simpliciter, às vezes é mais nobre simpliciter aquilo em que
é mais perfeita a natureza do gênero, enquanto outras vezes o é aquilo em que

87 Aristóteles, Metafísica, IV, 14 (1010b 2).


88 Glosa de Pedro Lombardo (PL 191, 58D).
89 Isaac ben Salomon Israeli, Livros das Definições, p. 313. [J. T. Muckle, “Isaac Israeli, Liber de
Definicionibus” in Archives d'Histoire Doctrinale et Litteraire du Moyen Âge, 1937-8.]
74 Santo Tomás de Aquino

tura differentiae. Cum enim differentia addit aliquam perfectionem supra


generis naturam tunc, praeeminentia quae est ex parte differentiae, facit
aliquid esse simpliciter nobilius; sicut in specie hominis, qui est animal
rationale, simpliciter est dignior ille qui est potior in rationalitate, quam
qui est potior in his quae ad rationem animalis spectant, utpote sunt sen-
sus, et motus, et alia huiusmodi. Quando vero differentia aliquam im-
perfectionem importat, tunc id in quo est completius natura generis, est
simpliciter nobilius; ut patet in fide, quae est cognitio aenigmatica, eorum
scilicet quae non videntur. Qui enim abundat in natura generis, et deficit
in fidei differentia, utpote fidelis qui iam percipit aliquem intellectum
credibilium, et quodammodo ea iam videt, habet simpliciter nobiliorem
fidem eo qui minus cognoscit; et tamen quantum ad rationem fidei perti-
net, magis proprie habet fidem ille qui omnino non videt illa quae credit.
Et sic etiam est in prophetia. Prophetia enim videtur esse quaedam
cognitio obumbrata et obscuritate admixta, secundum id quod habetur
II Petri, I, 19: habetis firmiorem propheticum sermonem, cui bene facitis
attendentes, quasi lucernae lucenti in caliginoso loco. Et hoc etiam ipsum
nomen prophetiae demonstrat, quia prophetia dicitur quasi visio de lon-
ginquo: quae enim clare videntur, quasi de prope videntur.
Si igitur comparemus prophetias quantum ad differentiam quae rationem
prophetiae complet, illa invenitur perfectius rationem prophetiae habere, et
magis proprie, cui imaginaria visio admiscetur; sic enim veritatis propheticae
cognitio obumbratur. Si autem comparemus prophetias secundum id quod
pertinet ad generis naturam, scilicet cognitionem vel visionem, sic videtur
distinguendum. Cum enim omnis cognitio perfecta duo habeat; acceptio-
nem et iudicium de acceptis: iudicium quidem de acceptis in prophetia est
solum secundum intellectum; acceptio vero est et secundum intellectum, et
secundum imaginationem. Quandoque igitur in prophetia non est aliqua
supernaturalis acceptio, sed iudicium tantum supernaturale; et sic solus in-
tellectus illustratur sine aliqua imaginaria visione. Et talis forte fuit inspiratio
Salomonis, inquantum de moribus hominum et naturis rerum, quae natura-
liter accipimus, divino instinctu ceteris certius iudicavit.
Sobre a Profecia · Artigo 12 75

é mais perfeita a natureza da diferença. Pois, dado que a diferença acrescenta


certa perfeição à natureza do gênero, então a preeminência que procede da
diferença faz que algo seja mais nobre simpliciter – assim como na espécie do
homem, que é “animal racional”, é mais digno simpliciter o que é superior em
racionalidade que o que é superior nas coisas que se referem à razão de animal,
como o são os sentidos, os movimentos e as outras coisas deste tipo. Porém,
quando a diferença comporta certa imperfeição, então é mais nobre simpliciter
aquilo em que a natureza do gênero se encontra mais completamente – como
vemos na fé, que é certa cognição enigmática,90 isto é, das coisas que não se
vêem; pois o que abunda na natureza do gênero e carece na diferença da fé
tem simpliciter uma fé mais nobre que o que conhece menos (como o fiel
que já possui certo entendimento das coisas críveis e de certo modo já as vê);
contudo, no que diz respeito à razão da fé, mais propriamente tem fé o que de
nenhum modo vê as coisas em que crê.
E o mesmo se dá na profecia. Pois a profecia parece ser certa cognição obs-
curecida e mesclada com a escuridão, segundo o que se tem em II Pedro [1,19]:
“Tendes uma mais firme palavra profética, que fazeis bem em observar, e que é
como uma lanterna que ilumina um local escuro”. E isto também o próprio ter-
mo “profecia” o demonstra, uma vez que “profecia” significa como uma “visão
de longe”;91 de fato, as coisas vistas claramente são-no como que de perto.
Se, portanto, comparamos as profecias quanto à diferença que completa a
razão de profecia, percebe-se que possui tal razão mais perfeitamente e mais pro-
priamente a profecia que se mescla à visão imaginária; pois assim se obscurece a
cognição da verdade profética. Contudo, se comparamos as profecias no que diz
respeito à natureza do gênero, isto é, à cognição ou à visão, parece que assim de-
vemos distinguir: dado que toda cognição perfeita possui duas coisas – a saber, a
recepção e o juízo da coisa recebida –, tal juízo está na profecia apenas segundo
o intelecto, ao passo que a recepção está segundo o intelecto e segundo a imagi-
nação. Conseqüentemente, às vezes não há na profecia a recepção sobrenatural,
mas apenas o juízo sobrenatural – e deste modo só o intelecto é iluminado, sem
nenhuma visão imaginária (e talvez tenha sido esta a inspiração de Salomão,
porquanto por instinto divino julgou melhor que os demais acerca dos costumes
humanos e da natureza das coisas, os quais se recebem de modo natural).92

90 Isto é, acerca da espécie “fé”, aqui se tem “cognição” como gênero e “enigmática” como diferença.
Sobre esta passagem, cf. Glosa de Pedro Lombardo (PL 191, 1662A). [N. T.]
91 Cf. “procul fans”, na resposta do artigo 1 no vol. I. [N. T.]
92 A passagem remete a I Reis 4,29-34. Quanto à tradução literal “...os quais recebemos de modo
76 Santo Tomás de Aquino

Quandoque vero est etiam acceptio supernaturalis; et hoc dupliciter:


quia vel est acceptio ab imaginatione, utpote quando divinitus in spiritu
prophetae imagines rerum formantur vel est acceptio ab intellectu, ut-
pote quando ita clare veritatis cognitio intellectui infunditur, ut non ex
similitudine aliquarum imaginum veritatem accipiat, immo ex veritate
iam perspecta ipse sibi imagines formare possit, quibus utatur propter
naturam nostri intellectus.
Non autem potest esse aliqua prophetia quae habeat acceptionem sine
iudicio, unde nec imaginariam visionem sine intellectuali.
Sic igitur patet quod visio intellectualis pura, quae habet iudicium tan-
tum sine aliqua acceptione supernaturali, est inferior ea quae habet iudi-
cium et acceptionem imaginariam. Illa vero intellectualis visio pura quae
habet iudicium et acceptionem supernaturalem, est ea nobilior quae cum
iudicio habet acceptionem imaginariam. Et quantum ad hoc conceden-
dum est, quod prophetia quae habet visionem intellectualem tantum, est
dignior ea quae habet imaginariam adiunctam.

1. Ad primum igitur dicendum, quod quamvis illa prophetia quae


in utraque visione consistit, habeat etiam intellectualem visionem, non
tamen includit illam prophetiam quae in sola intellectuali visione con-
sistit, eo quod illa habeat intellectualem visionem excellentiorem quam
Sobre a Profecia · Artigo 12 77

Às vezes, porém, há também a recepção sobrenatural, e isto se dá de dois


modos: ou a recepção procede da imaginação, como quando as imagens das
coisas se formam divinamente no espírito do profeta; ou a recepção procede do
intelecto, como quando a cognição da verdade é tão claramente infundida93 no
intelecto, que o profeta não recebe a verdade mediante a semelhança de imagens
– ao contrário, ele próprio pode, a partir da verdade já contemplada, formar
para si as imagens que emprega por causa da natureza de nosso intelecto.
No entanto, o que não pode haver é uma profecia que contenha recepção
sem juízo, e por isso tampouco a visão imaginária sem a intelectual.
Assim, está claro que a visão intelectual pura que tem apenas o juízo, sem
nenhum tipo de recepção sobrenatural, é inferior à que tem juízo e recepção
imaginária. Por outro lado, a que tem juízo e recepção imaginária é menos no-
bre que a visão intelectual pura que tem juízo e recepção sobrenatural. E por
este aspecto se deve conceder que a profecia que tem apenas a visão intelectual
é mais digna que a que tem a visão imaginária acrescida.94
1. Quanto ao primeiro argumento, portanto, deve-se dizer que, embo-
ra a profecia que consiste nas duas visões contenha também uma visão inte-
lectual, não abarca a profecia que consiste apenas na visão intelectual, pois tal
profecia possui visão intelectual mais excelente: de fato, nela a recepção da luz

natural”, esta apenas traria confusão à frase, já que S. Tomás não se refere a algo que “nós” façamos
e Salomão não. Ao contrário, a primeira do plural tem aqui sentido inclusivo, e equivale ao “se” in-
determinador. A profecia aqui descrita seria uma em que apenas o juízo é iluminado (sem a recepção
de visões) e julga corretamente (por impulso divino) com respeito às coisas naturalmente presentes
a todos nós. [N. T.]
93 Aqui o autor emprega o lat. infundo, mas sem traçar nenhuma distinção. Cf. nota 107 do vol. I.
94 Embora a conclusão do argumento já fosse previsível, a difícil redação deste parágrafo pode trazer
ao leitor certa confusão que, mesmo com alguma liberdade no uso da paráfrase, não foi possível
extirpar por completo. No presente ponto, diz S. Tomás que, na ordem de dignidade simpliciter,
o primeiro tipo de profecia, menos elevado, consiste apenas na iluminação (por Deus ou por Ele
mediante anjos) do intelecto do homem, o que o permite julgar muito mais agudamente das coisas
ao seu redor; e deu-se como exemplo Salomão. O segundo tipo de profecia contém não só certo
fortalecimento do intelecto (todas o têm; não há profecia sem intelecto capaz de compreender sua
mensagem e emitir juízo sobre ela), mas uma recepção sobrenatural de conteúdo inteligível propria-
mente dito, impressa na imaginação. Já a terceira é cognição de modo mais sublime: não só inclui o
fortalecimento do intelecto para a emissão do juízo, mas seu conteúdo é recebido sobrenaturalmente
no próprio intelecto, e quaisquer formações imaginativas subseqüentes se dão somente enquanto o
intelecto do profeta, cuja natureza é operar no corpo, as emprega para poder expressar-se. O que
aumenta a dificuldade do parágrafo é que a primeira tampouco é evento absolutamente natural, já
que a iluminação recebida para a agudeza do juízo é algo que só obtemos mediante influxo, e que
portanto está de certo modo acima de nossa natureza. Não obstante, tal sobrenaturalidade não é de
mesmo grau que a que figura nas duas outras classes de profecia; seu sutil lugar de profecia no limiar
da sobrenaturalidade foi exposto no Artigo 3 do vol. I. [N. T.]
78 Santo Tomás de Aquino

ista; cum in illa intellectualis luminis perceptio sufficiat ad acceptionem et


iudicium, in hac vero ad iudicium tantum.
2. Ad secundum dicendum, quod in utraque prophetia fit derivatio
luminis prophetici ab intellectu ad imaginationem, sed diversimode: quia
in illa prophetia quae dicitur visionem tantum intellectualem habere, tota
plenitudo propheticae revelationis in intellectu percipitur, et exinde se-
cundum intelligentis arbitrium in imaginativa congrue formantur imagi-
nes propter nostri intellectus naturam, qui sine phantasmatibus intelligere
non potest; sed in alia prophetia non tota plenitudo propheticae revelatio-
nis recipitur in intellectu, sed partim in intellectu quantum ad iudicium,
et partim in imaginativa quantum ad acceptionem. Unde in illa prophetia
quae visionem intellectualem tantum continet, est visio intellectualis ple-
nior: ex defectu enim luminis recepti in intellectu contingit quod exinde
quodammodo decidit, quantum ad aliquid, a puritate intelligibili in ima-
ginarias figuras, sicut in somniis accidit.
3. Ad tertium dicendum, quod hoc quod Ioannes Christum digito
demonstravit non pertinet ad visionem propheticam, prout nunc de pro-
phetiae comparatione loquimur, sed magis ad denuntiationem. Hoc etiam
quod Christum corporaliter vidit, non ei dedit prophetiam perfectioris ra-
tionis, sed fuit quoddam munus divinitus concessum amplius quam pro-
phetia; unde dicitur Luc. X, 24: multi reges et prophetae voluerunt videre
quae videtis, et cetera.
4. Ad quartum dicendum, quod denuntiatio per verba vel facta com-
munis est utrique prophetiae; quia et prophetia quae tantum visionem
intellectualem habet, potest denuntiare secundum imagines quas ad libi-
tum format.
5. Ad quintum dicendum, quod Glossa illa loquitur de eo qui secun-
dum intellectum non habet nisi iudicium de his quae ab alio accipiuntur;
sicut Ioseph habuit solummodo iudicium de his quae a Pharaone sunt
visa, non quod ipse acceperit quid esset futurum; et sic ratio concludit
non de illa prophetia intellectualem tantum visionem habente, de qua
nunc loquimur.
6. Ad sextum dicendum, quod in hoc Rabbi Moysi opinio non susti-
netur. Ipse enim ponit quod prophetia David fuit inferior prophetia Isaiae
vel Ieremiae; cuius contrarium dicitur a sanctis. Habet tamen veritatem
quantum ad aliquid eius dictum, quia scilicet iudicium non perficitur nisi
Sobre a Profecia · Artigo 12 79

intelectual é suficiente para a recepção e para o juízo; ao passo que na outra,


somente para o juízo.
2. Quanto ao segundo, deve-se dizer que em uma e em outra profecia
ocorre a derivação da luz profética do intelecto para a imaginação, mas de modo
diverso; pois, na profecia que dizemos ter apenas a visão intelectual, toda a ple-
nitude da revelação profética é recebida no intelecto; e a partir deste, segundo o
arbítrio do que intelige, se formam adequadamente imagens na potência imagi-
nativa, o que se deve à natureza de nosso intelecto, que não pode compreender
sem os fantasmas.95 Na outra profecia, porém, nem toda a plenitude da reve-
lação profética é acolhida no intelecto: parte é acolhida no intelecto quanto ao
juízo, e parte na potência imaginativa quanto à recepção; por isso, na profecia
que contém apenas a visão intelectual, tal visão intelectual é mais plena. É pela
deficiência da luz recebida no intelecto que lhe ocorre “decair”, quanto a algo, da
pureza inteligível às figuras imaginárias – como se dá nos sonhos.
3. Quanto ao terceiro, deve-se dizer que o fato de ter João mostrado
a Cristo com o dedo não pertence à visão profética (no sentido em que ago-
ra falamos da comparação de profecias), mas antes ao anúncio. Tampouco o
fato de ter visto a Cristo corporeamente lhe deu uma profecia de razão mais
perfeita; ao contrário, foi certo dom divinamente concedido, para além da
profecia; daí que se diga em Lucas [10,24]: “Muitos reis e profetas quiseram
ver as coisas que vedes”, etc.
4. Quanto ao quarto, deve-se dizer que o anúncio por palavras ou por
feitos é comum a uma e a outra profecia; pois também a profecia que tem
apenas visão intelectual pode anunciar como quiser, segundo as imagens que
[o profeta] forma livremente.
5. Quanto ao quinto, deve-se dizer que a referida glosa trata daquele
que, segundo o intelecto, tem apenas juízo de coisas recebidas de outro – assim
como José teve juízo apenas sobre as coisas vistas pelo Faraó, pois ele próprio
não recebeu o que havia de acontecer. Assim, o argumento não procede contra
a profecia que possui apenas a visão intelectual, acerca da qual ora falamos.
6. Quanto ao sexto, deve-se dizer que nisto não sustentamos a opinião
do Rabi Moisés, pois ele afirma que a profecia de Davi foi inferior à de Isaías
ou à de Jeremias;96 mas o contrário é dito pelos santos.97 Contudo, o que disse
o Rabi contém verdade quanto a algo, pois o juízo não se perfaz a não ser que

95 Sobre a necessidade dos fantasmas para que se dê o conhecimento humano, cf. nota 84 do vol. I.
96 Maimônides, Guia dos Perplexos, II, 45.
97 Glosa de Pedro Lombardo (PL 191, 59B).
80 Santo Tomás de Aquino

propositis his de quibus est iudicandum. Unde in illa prophetia in qua


percipitur intellectuale lumen solummodo ad iudicandum, est ipsum lu-
men, non determinatam cognitionem alicuius faciens, quousque propo-
nantur aliqua de quibus est iudicandum, vel a se vel ab alio accepta; et sic
intellectualis visio perficitur per imaginariam, sicut commune determina-
tur per speciale.
7. Ad septimum dicendum, quod non semper contingit ex debilitate
intellectualis luminis quod sit prophetia secundum visionem intellectua-
lem tantum; sed quandoque propter plenissimam acceptionem intellectus
ut dictum est; et ideo ratio non sequitur.
8. Ad octavum dicendum, quod signum, inquantum huiusmodi, est
causa cognitionis; signatum vero est id quod est notum per aliud. Sicut
autem nobilius cognoscitur id quod in se notum est et alia cognoscere
facit, eo quod tantum in se notum est; ita etiam e contrario id quod no-
tum est per se, non per aliud, nobilius cognoscitur quam quod per aliud
notum est, sicut principia conclusionibus, et ideo e contrario se habet de
signo et signato; unde ratio non sequitur.
9. Ad nonum dicendum, quod quamvis imagines impressae divinitus
sint nobiliores imaginibus per hominem formatis, tamen acceptio cogni-
tionis quae est in intellectu divinitus, est nobilior illa acceptione quae fit
per imaginarias formas.
10. Ad decimum dicendum, quod ideo illi specialius prophetae nun-
cupantur in distinctione praedicta qui secundum imaginarias visiones
prophetiam habuerunt, quia in eis invenitur plenior ratio prophetiae,
etiam ratione differentiae. Agyographae autem dicuntur qui supernatu-
raliter solum visiones intellectuales habuerunt sive quantum ad iudicium
tantum, sive quantum ad iudicium et acceptionem simul.
11. Ad undecimum dicendum, quod quamvis intellectus noster intelli-
gat divina per aliquas similitudines, tamen illae similitudines sunt nobilio-
Sobre a Profecia · Artigo 12 81

tenham sido propostas as coisas com respeito às quais deve haver juízo. Por isso,
na profecia em que a luz intelectual é recebida apenas para julgar, tal luz não
produz cognição determinada de algo enquanto não lhe sejam apresentadas al-
gumas coisas que hão de ser objeto de juízo, sejam elas provenientes do próprio
profeta, sejam recebidas de outro; e, desse modo, a visão intelectual se perfaz
mediante a imaginária, assim como o comum é determinado pelo específico.
7. Quanto ao sétimo, deve-se dizer que uma profecia ser apenas segundo
a visão intelectual é algo que nem sempre ocorre por debilidade da luz intelec-
tual; ao contrário, às vezes se deve à pleníssima recepção do intelecto, como se
disse. Portanto, o argumento não procede.
8. Quanto ao oitavo, deve-se dizer que o signo, enquanto tal, é causa
da cognição, ao passo que o significado é o que se dá a conhecer mediante
outro. Ora, assim como o que se dá a conhecer em si e faz conhecer outros é mais
nobremente conhecido que o que só se dá a conhecer por si, assim também,
inversamente, o que se dá a conhecer por si e não por outro é mais nobremente
conhecido que o que se dá a conhecer por outro – o que ocorre, por exemplo,
com os princípios e as conclusões. E esta inversa é o que se dá entre signo e
significado. Portanto, o argumento não procede.98
9. Quanto ao nono, deve-se dizer que, embora as imagens impressas
divinamente sejam mais nobres que as imagens formadas pelo homem, a re-
cepção da cognição que se dá divinamente no intelecto é mais nobre que a
recepção que ocorre mediante formas imaginárias.
10. Quanto ao décimo, deve-se dizer que na supracitada distinção se cha-
mam “profetas” de modo mais especial os que tiveram a profecia segundo as
visões imaginárias, pois neles se encontra mais plenamente a razão de profecia,
também pela razão da diferença [específica]. Por outro lado, chamam-se “ha-
giógrafos” os que de modo sobrenatural tiveram apenas visões intelectuais, seja
quanto ao juízo somente, seja quanto ao juízo e à recepção ao mesmo tempo.
11. Quanto ao décimo primeiro, deve-se dizer que, embora nosso in-
telecto intelija as coisas divinas mediante certas semelhanças, aquelas seme-

98 Como vimos acima, a falácia da objeção correspondente a esta oitava réplica era a de que algo seria
mais nobremente conhecido por sê-lo mediante outro do que por sê-lo apenas em si. O argumento
pretendia “roubar” do signo sua riqueza peculiar – a de dar a conhecer a si e também a outro – e
concedê-la ao outro, isto é, o significado, como se ela fosse em verdade uma nobreza deste: a de ser
conhecido em si e mediante outro. Nesta estrita relação cognitiva, atribuir tal nobreza ao significado é
ilusório, e S. Tomás explica-o nesta resposta, mostrando desde a primeira sentença que, entre signo e
significado, é o signo o que tem razão de causa no “dar a conhecer outro”. Ser conhecido mediante ou-
tro (isto é, ser significado) não acrescenta nenhuma nobreza a ser conhecido. A verdade vai em sentido
inverso: é antes dar a conhecer a si e a outro o que é mais nobre que apenas dar a conhecer a si. [N. T.]
82 Santo Tomás de Aquino

res, ex hoc quod sunt immateriales, quam similitudines imaginariae; unde


et visio intellectualis nobilior.
12. Ad duodecimum dicendum, quod non potest esse quod aliqua res
sit imaginabilis per suam essentiam, sicut est per suam essentiam intelli-
gibilis; imaginatio enim non est nisi de rebus materialibus. Nec tamen
potest imaginatio aliquid recipere nisi sine materia; unde semper necesse
est quod imaginatio sit alicuius non per essentiam suam, sed per suam
similitudinem. Intellectus vero immaterialiter recipit, et eo cognoscuntur
non solum materialia, sed etiam immaterialia; unde et quaedam cognos-
cuntur ab eo per essentiam, quaedam autem per similitudinem.

Ad rationes vero quae in contrarium obiiciuntur, de facili patet respon-


sio secundum hoc quod falsum concludunt.
Sobre a Profecia · Artigo 12 83

lhanças são mais nobres (em razão de sua imaterialidade) que as semelhanças
imaginárias; donde também a visão intelectual ser mais nobre.
12. Quanto ao décimo segundo, deve-se dizer que é impossível que uma
coisa seja imaginável por sua essência tal como é inteligível por sua essência.
Pois a imaginação não versa senão sobre coisas materiais, e tampouco pode
receber algo senão sem matéria – por isso é sempre necessário que a imagina-
ção seja de algo, não por sua essência, mas por sua semelhança. Já o intelecto
recebe imaterialmente, e por ele são conhecidas não apenas as coisas materiais,
mas também as imateriais; portanto, também certas coisas são conhecidas por
ele por essência, enquanto outras o são por semelhança.
Quanto aos argumentos que se põem em sentido contrário, é facil-
mente patente a resposta, enquanto concluem falsamente.
84 Santo Tomás de Aquino

ARTICULUS 13
Tertiodecimo quaeritur utrum gradus prophetiae
distinguantur secundum visionem imaginariam

Et videtur quod sic.

1. Nobilior enim est prophetia ubi est nobilior prophetatae rei accep-
tio. Sed quandoque acceptio rei prophetatae est per visionem imaginariam.
Ergo secundum visionem imaginariam possunt gradus prophetiae distingui.
2. Praeterea, perfectius medium cognoscendi facit perfectiorem cogni-
tionem; et exinde est scientia opinione perfectior. Sed similitudines ima-
ginariae sunt medium cognoscendi in prophetia. Ergo ubi est nobilior
imaginaria visio, est altior gradus prophetiae.
3. Praeterea, in omni cognitione quae est per similitudinem, ubi est ex-
pressior similitudo, est perfectior cognitio. Sed figurae imaginatae in pro-
phetia sunt similitudines rerum de quibus fit revelatio prophetiae. Ergo
ubi est perfectior imaginaria visio, est altior gradus prophetiae.
4. Praeterea, cum lumen propheticum descendat ab intellectu in ima-
ginationem; quanto est perfectius lumen in intellectu prophetae, tanto
est perfectior imaginaria visio. Ergo diversi gradus imaginariae visionis
demonstrant diversos gradus intellectualis. Sed ubi est perfectior intel-
lectualis visio, est perfectior prophetia. Ergo et secundum imaginariam
visionem gradus prophetiae distinguuntur.
5. Sed dicebat, quod diversitas visionis imaginariae non distinguit spe-
ciem prophetiae; et ideo nec secundum ipsam gradus prophetiae distin-
guuntur.- Sed contra, omne calidum elementare est eiusdem speciei; et ta-
men apud medicos distinguitur calidum in primo et in secundo aut tertio et
quarto gradu. Ergo distinctio graduum non requirit speciei distinctionem.
6. Praeterea, magis et minus non diversificant speciem. Sed etiam in-
tellectualis visio non distinguitur in prophetis nisi secundum lumen pro-
pheticum perfectius et minus perfecte receptum. Ergo differentia visionis
Sobre a Profecia · Artigo 13 85

ARTIGO 13
Se os graus da profecia se distinguem
segundo a visão imaginária99

E parece que sim.


1. Pois é mais nobre a profecia onde mais nobre é a recepção da coisa
profetizada. Ora, por vezes a recepção da coisa profetizada ocorre por meio da
visão imaginária. Portanto, podem distinguir-se os graus da profecia segundo
a visão imaginária.
2. Ademais, um meio mais perfeito de conhecer torna mais perfeita a cog-
nição; por isso é mais perfeita a ciência que a opinião. Mas as semelhanças
imaginárias são o meio de conhecimento na profecia. Portanto, mais elevado
é o grau da profecia onde é mais nobre a visão imaginária.
3. Ademais, em toda cognição que ocorre por semelhança, mais perfeita
é a cognição onde a semelhança é mais evidente. Mas as figuras imaginadas
na profecia são semelhanças das coisas acerca das quais se dá a revelação da
profecia. Portanto, onde é mais perfeita a visão imaginária, mais alto é o grau
da profecia.
4. Ademais, dado que a luz profética desce do intelecto para a imaginação,
quanto mais perfeita é a luz no intelecto do profeta, tanto mais perfeita é
a visão imaginária. Portanto, os diversos graus da visão imaginária indicam
diversos graus da intelectual. Mas onde é mais perfeita a visão intelectual,
mais perfeita é a profecia. Portanto, também segundo a visão imaginária se
distinguem seus graus.
5. Poderia dizer-se, porém, que a diversidade da visão imaginária não
distingue a espécie da profecia, e que por isso os graus da profecia não se
distinguem segundo tal diversidade. Mas, em sentido contrário: todo calor
elementar é da mesma espécie;100 não obstante, entre os médicos se distingue
o calor em primeiro e em segundo ou em terceiro e quarto graus. Portanto, a
distinção dos graus não requer a distinção de espécie.
6. Ademais, o mais e o menos não diversificam a espécie. Mas também a
visão intelectual só se distingue nos profetas segundo uma luz profética re-
cebida mais ou menos perfeitamente. Logo, a diferença da visão intelectual

99 Cf. Suma Teológica, II-II, q. 174, a. 3.


100 Cf. Aristóteles, Sobre a Geração dos Animais, II, 3 (736b 29 e ss).
86 Santo Tomás de Aquino

intellectualis non diversificat speciem prophetiae; ergo nec gradus secun-


dum responsionem praedictam; et sic non essent in prophetia aliqui gra-
dus si nec secundum visionem intellectivam, nec secundum imaginariam
distinguuntur. Relinquitur ergo gradus prophetiae distingui secundum
imaginariam visionem.

Sed contra.

1. Visio imaginaria non facit prophetam, sed solum intellectualis. Ergo


nec secundum visionem imaginariam gradus prophetiae distinguuntur.
2. Praeterea, illud quod distinguitur per se, distinguitur penes id quod
est ei formale. Sed in prophetia intellectualis visio est formalis, imaginaria
vero quasi materialis. Ergo gradus prophetiae distinguuntur secundum
intellectualem, et non secundum imaginariam visionem.
3. Praeterea, imaginariae visiones etiam in eodem propheta pluries va-
riantur, quia quandoque hoc modo revelationem accipit, quandoque illo.
Ergo non videtur quod secundum imaginariam visionem possint prophe-
tiae gradus distingui.
4. Praeterea, sicut se habet scientia ad res scitas, ita prophetia ad res
prophetatas. Sed scientiae distinguuntur secundum res scitas, ut dicitur in
III de anima. Ergo et prophetia secundum res prophetatas, et non secun-
dum imaginariam visionem.
5. Praeterea, secundum Glossam in principio Psalterii, prophetia con-
sistit in dictis et factis, somnio et visione. Non ergo debent magis prophe-
tiae gradus distingui secundum imaginariam visionem, ad quam pertinet
visio et somnium, quam secundum dicta et facta.
6. Praeterea, etiam miracula ad prophetiam requiruntur; unde Moyses
cum a domino mitteretur, signum petivit, Exod. III, 13; et in Psal. LX-
XIII, 9, dicitur: signa nostra non vidimus; iam non est propheta et cetera.
Sobre a Profecia · Artigo 13 87

não diversifica a espécie da profecia, e, portanto, não diversificaria seus graus,


como se sustentou na resposta acima.101 Assim, não haveria nenhuns graus na
profecia, uma vez que não seriam distinguidos segundo a visão intelectiva nem
segundo a imaginária. Portanto, resta que os graus da profecia se distingam
segundo a visão imaginária.
Mas, em sentido contrário:
1. A visão imaginária não faz o profeta, mas somente a intelectual. Portan-
to, os graus da profecia não se distinguem segundo a visão imaginária.
2. Ademais, o que se distingue por si distingue-se quanto ao que lhe é
formal. Mas na profecia a visão intelectual é formal, ao passo que a imaginária
é como que material. Portanto, os graus da profecia distinguem-se segundo a
visão intelectual, não segundo a imaginária.
3. Ademais, também em um mesmo profeta as visões imaginárias variam
muitas vezes, pois às vezes ele recebe a revelação de certo modo, outras vezes
de outro. Portanto, não parece que os graus da profecia possam distinguir-se
segundo a visão imaginária.
4. Ademais, assim como a ciência está para as coisas conhecidas, assim a pro-
fecia está para as profetizadas. Mas as ciências distinguem-se segundo as coisas
conhecidas, como se diz no livro III Sobre a Alma.102 Portanto, também a profe-
cia se distingue segundo as coisas profetizadas e não segundo a visão imaginária.
5. Ademais, segundo a Glosa no princípio do Saltério, a profecia consiste
em ditos e em feitos, em sonho e em visão.103 Portanto, os graus das profecias
não devem ser distinguidos segundo a visão imaginária (à qual pertencem a
visão e o sonho) mais do que segundo os ditos e os feitos.
6. Ademais, também se requerem milagres para a profecia, razão por que
em Êxodo [3,13] Moisés, como fosse enviado pelo Senhor, Lhe pediu um
sinal; também em Salmos [74,9] se diz: “Não vimos nossos sinais; já não há

101 A frase refere-se ao quinto argumento imediatamente anterior, no qual o interlocutor antecipa
uma possível resposta de S. Tomás (“Poderia dizer-se, porém...”) e a confronta com uma contrarré-
plica. A possível resposta consiste em alegar que a existência de graus na profecia dependeria forçosa-
mente de uma distinção em espécie. Argumenta o interlocutor, portanto, que, se este é o caso tanto
quanto à visão imaginária como quanto à intelectual (como argüi neste sexto ponto), então não
haveria graus distintos de profecia, o que é inaceitável. [N. T.]
102 Aristóteles, Sobre a Alma, III, 13 (431b 24).
103 Glosa de Pedro Lombardo (PL 191, 58C). A divisão nestes pares já foi mencionada por S. Tomás
nesta obra (cf. artigo 9): a profecia realiza-se por ditos e por feitos e por coisas que parecem ditos e feitos
(isto é, por sonhos e por visões). [N. T.]
88 Santo Tomás de Aquino

Ergo non magis debent distingui gradus prophetiae secundum imagina-


riam visionem quam secundum signa.

Responsio. Dicendum, quod quando ad aliquid constituendum duo


concurrunt, quorum unum est alio principalius, in eo quod ex eis consti-
tuitur, potest comparationis gradus attendi et secundum id quod est prin-
cipale, et secundum id quod est secundarium. Sed excessus eius quod est
principale, ostendit eminentiam simpliciter; excessus vero eius quod est
secundarium, ostendit eminentiam secundum quid, et non simpliciter,
nisi secundum quod excessus, in eo quod est secundarium, est signum
excessus in eo quod est principalius. Sicut ad meritum humanum concur-
rit caritas quasi principale, et opus exterius quasi secundarium; meritum
autem, simpliciter loquendo, scilicet respectu praemii essentialis, iudica-
tur maius, quod ex maiori caritate procedit; magnitudo vero operis facit
maius meritum secundum quid respectu alicuius praemii accidentalis,
non autem simpliciter, nisi inquantum demonstrat magnitudinem cari-
tatis, secundum id quod Gregorius dicit: amor Dei magna operatur si est.
Cum ergo ad prophetiam concurrat intellectualis visio quasi principa-
lis et imaginaria quasi secundaria, gradus prophetiae est simpliciter emi-
nentior iudicandus ex eo quod visio intellectualis est eminentior. Ex emi-
nentia vero imaginariae visionis ostenditur eminentior gradus prophetiae
secundum quid, et non simpliciter, nisi inquantum perfectio imaginariae
visionis demonstrat perfectionem intellectualis.
Ex parte autem intellectualis visionis non possunt accipi aliqui deter-
minati gradus, quia plenitudo intellectualis luminis non manifestatur
nisi per aliqua signa: unde penes illa signa oportet distinguere prophetiae
gradus. Sic ergo possunt distingui gradus prophetiae secundum quatuor.
Primo secundum ea quae requiruntur ad prophetiam. Est autem duplex
actus prophetiae: scilicet visio et denuntiatio. Ad visionem autem requi-
runtur duo: scilicet iudicium, quod est secundum intellectum, et acceptio,
quae est quandoque secundum intellectum, quandoque secundum imagi-
nationem. Sed ad denuntiationem requiritur aliquid ex parte denuntiantis;
Sobre a Profecia · Artigo 13 89

profeta”, etc. Portanto, os graus da profecia não devem ser distinguidos segun-
do a visão imaginária mais do que segundo os sinais.
Respondo. Deve-se dizer que, quando duas coisas concorrem para cons-
tituir algo, uma das quais é principal com respeito à outra104 naquilo que é
constituído a partir delas, o grau de comparação pode ser considerado tanto
segundo o que é principal como segundo o que é secundário. Ora, o excesso
do que é principal mostra a eminência simpliciter; já o excesso do que é se-
cundário mostra uma eminência secundum quid e não simpliciter, a não ser na
medida em que o excesso no secundário seja sinal de excesso no principal. Por
exemplo: para o mérito humano, a caridade concorre como o principal e a
obra externa como o secundário; ora, o mérito, falando simpliciter (isto é, com
respeito ao prêmio essencial), é considerado maior enquanto procede de maior
caridade; já a grandeza da obra torna maior o mérito secundum quid (ou seja,
quanto a certo prêmio acidental), mas não simpliciter, a não ser na medida em
que demonstra a grandeza da caridade, como diz Gregório: “Grandes coisas
opera o amor de Deus, se ele está [em nós]”.105
Portanto, como a visão intelectual concorre para a profecia como principal
e a imaginária como secundária, o grau da profecia deve ser considerado mais
eminente simpliciter por ser mais eminente a visão intelectual. Já da eminência
da visão imaginária se mostra grau de profecia mais eminente secundum quid,
não simpliciter, a não ser na medida em que a perfeição da visão imaginária
demonstra a perfeição da intelectual.
Todavia, da parte da visão intelectual não se podem receber graus deter-
minados, pois a plenitude da luz intelectual não se manifesta senão por meio
de certos sinais. Portanto, é necessário distinguir os graus da profecia por tais
sinais. Assim, os graus da profecia podem distinguir-se de quatro modos. Em
primeiro lugar, quanto às coisas que se requerem para a profecia. Pois o ato
da profecia é duplo: consiste na visão e no anúncio. Para a visão se requerem
duas coisas, a saber: o juízo (que é segundo o intelecto) e a recepção (que às
vezes é segundo o intelecto, às vezes segundo a imaginação). Já para o anúncio
se requer algo da parte do anunciante, a saber, certa audácia, para que não se

104 Literalmente, “mais principal que a outra”. [N. T.]


105 S. Gregório Magno, Homilias sobre os Evangelhos, II, 30, 3 (PL 76, 1221B): “Portanto, volvei-
-vos para dentro de vós mesmos, irmãos caríssimos, e investigai se amais a Deus; não se fie alguém no
que, sem obras, responda de si seu espírito. Acerca do amor do Criador indague-se à língua, à mente
e à vida. Nunca é ocioso o amor de Deus. Grandes coisas ele opera, se está lá. Se há a recusa de obrar,
não há amor”. [N. T.]
90 Santo Tomás de Aquino

scilicet quaedam audacia, ut aliquis non terreatur loqui veritatem propter


adversarios veritatis, secundum id quod dominus dixit ad Ezechielem, Eze-
ch., III, 8: dedi faciem tuam valentiorem faciebus eorum, et frontem tuam
duriorem frontibus eorum; et sequitur: ne timeas eos, neque metuas a fa-
cie eorum. Aliud autem requiritur ex parte rei denuntiatae scilicet signum,
per quod veritas rei denuntiatae demonstratur; unde et Moyses a domino
signum accepit, ut ei crederetur. Sed quia denuntiatio in prophetia non
principaliter, sed consequenter se habet in prophetia, ideo infimus gradus
prophetiae est in eo in quo invenitur quaedam audacia vel promptitudo ad
aliquid dicendum vel faciendum, sine hoc quod ei aliqua revelatio fiat; si-
cut si dicamus aliquem gradum prophetiae fuisse in Sampsone, largo modo
accipiendo prophetiam, secundum quod omnis supernaturalis influxus ad
prophetiam reducitur. Secundus vero gradus erit in eo qui habet visionem
intellectualem tantum secundum iudicium, ut in Salomone. Tertius vero in
eo qui habet intellectualem visionem cum imaginaria, ut in Isaia et Ieremia.
Quartus vero in eo qui habet visionem intellectualem plenissimam quan-
tum ad iudicium et quantum ad acceptionem, sicut in David.
Secundo possunt distingui gradus prophetiae ex dispositione prophe-
tantis; et sic cum prophetia fiat in somnio et in visione vigiliae, ut dicitur
Numer., XII, 6, perfectior est gradus prophetiae quae est in vigilia, quam
quae est in somnio: tum quia intellectus est melius dispositus ad iudican-
dum; tum quia etiam evocatio a sensibilibus non est facta naturaliter, sed ex
intensione perfecta interiorum virium, ad ea quae divinitus demonstrantur.
Tertio ex modo accipiendi: quia quanto expressius significatur res
prophetata, prophetiae gradus est sublimior. Nulla autem signa aliquid
expressius significant quam verba; et ideo altior gradus prophetiae est
quando percipiuntur verba expresse designantia rem prophetatam, sicut
de Samuele legitur I regum, III, 4, quam quando demonstrantur aliquae
figurae, quae sunt aliarum rerum similitudines, sicut olla succensa ostensa
est Ieremiae, Ierem., I, 13: ex hoc enim manifeste ostenditur quod lumen
propheticum magis in suo vigore percipitur quando secundum expressio-
rem similitudinem res propheticae demonstrantur.
Quarto ex parte eius qui revelationem facit: eminentior enim gradus
prophetiae est quando videtur ille qui loquitur quam quando verba au-
Sobre a Profecia · Artigo 13 91

atemorize de dizer a verdade por causa dos adversários da verdade – como no


que disse o Senhor a Ezequiel [3:8-9]: “Tornei tua face mais forte que sua face,
e tua fronte mais dura que sua fronte”, e segue: “Não os temas e tampouco
tenhas medo de sua face”. E [ainda para o anúncio] requer-se algo da parte
da coisa anunciada, a saber, o sinal pelo qual se demonstra a verdade da coisa
anunciada – donde também Moisés receber um sinal do Senhor para que nele
cressem. Dado porém que o anúncio não se relaciona com a profecia de modo
principal, mas conseqüencial, há ínfimo grau de profecia naquele em que, sem
que se lhe faça nenhuma revelação, se encontre certa audácia e presteza para
dizer ou fazer algo – como se disséssemos que houve certo grau da profecia
em Sansão, admitindo a profecia em sentido amplo, na medida em que todo
influxo sobrenatural se reduz à profecia. Por sua vez, há um segundo grau de
profecia no que tem a visão intelectual apenas segundo o juízo, como Salo-
mão. Já um terceiro grau há no que tem a visão intelectual acompanhada da
imaginária, como Isaías e Jeremias. O quarto há no que tem a mais plena visão
intelectual quanto ao juízo e quanto à recepção, como se dá em Davi.
Em segundo lugar, os graus da profecia podem distinguir-se a partir da dispo-
sição do que profetiza. E assim, já que a profecia ocorre no sonho e na visão da
vigília, como se diz em Números [12,6], é mais perfeito o grau da profecia que
ocorre na vigília que o da profecia que ocorre no sonho: seja porque [na vigília]
o intelecto está mais disposto para julgar, seja também porque [nela] a evocação
a partir das coisas sensíveis não é feita de modo natural, mas pela concentração106
perfeita das potências internas para aquelas coisas divinamente mostradas.
Em terceiro lugar, quanto ao modo de recepção; pois, quanto mais clara-
mente está significada a coisa profetizada, mais sublime é o grau da profecia.
Ora, nenhum sinal designa algo de modo mais claro que as palavras; portanto,
mais elevado é o grau da profecia quando são recebidas palavras que designam
expressamente a coisa profetizada (como se lê a respeito de Samuel em I Reis [I
Sm 3,4]) do que quando se apresentam figuras que são semelhanças de outras
coisas (como a caldeira sobre o fogo que foi mostrada a Jeremias [1,13]). E assim
se torna manifesto que a luz profética é mais recebida em seu vigor quando as
coisas profetizadas se apresentam segundo uma semelhança mais explícita.
Em quarto lugar, da parte de quem faz a revelação. Pois mais eminente é
o grau da profecia quando se vê quem fala do que quando só se ouvem as pa-

106 Lat. intensio. O termo é de difícil tradução devido à sua abrangência. Refere-se não apenas ao
foco intencional com que a alma se fixa ao objeto, mas (neste contexto) também à intensidade con-
comitante com que necessariamente operam as suas faculdades. [N. T.]
92 Santo Tomás de Aquino

diuntur tantum, sive sit in somnio, sive sit in visione: quia ex hoc ostendi-
tur quod magis accedit propheta ad cognitionem eius qui revelat. Quando
vero videtur ille qui loquitur, altior gradus prophetiae est quando videtur
in specie Angeli, quam quando videtur in specie hominis; et adhuc emi-
nentior, si videatur in figura Dei, sicut Isa. VI, 1, vidi dominum sedentem
etc.: cum enim prophetiae revelatio a Deo descendat in Angelum, et ab
Angelo in hominem, tanto ostenditur plenior prophetiae receptio, quanto
magis acceditur ad primum principium prophetiae.
Rationes illae quae ostendunt quod gradus prophetiae distinguuntur
secundum imaginariam visionem, concedendae sunt secundum modum
praedictum: nec hoc dicendum est, quod diversitas gradus distinctionem
exigat speciei.

Ad rationes vero quae sunt in oppositum, per ordinem respondendum


est. Ad quarum etiam primam patet responsio ex praedictis.

2. Ad secundum dicendum, quod quando aliquid distinguitur secun-


dum speciem, oportet quod fiat distinctio secundum illud quod est formale;
sed si fiat distinctio graduum in eadem specie potest esse etiam secundum
id quod est materiale; sicut animal distinguitur per masculinum et femini-
num, quae sunt differentiae materiales, ut in X Metaphysic. dicitur.
3. Ad tertium dicendum, quod cum lumen propheticum non sit ali-
quid immanens prophetae, sed sit quasi quaedam passio transiens, non
oportet etiam ut propheta semper sit in eodem gradu prophetiae; immo
quandoque fit ei revelatio secundum unum gradum, quandoque secun-
dum alium.
4. Ad quartum dicendum, quod cum aliqua nobiliora quandoque mi-
nus perfecte cognoscantur, sicut cum de divinis habetur opinio et de crea-
turis scientia; non potest ex rebus prophetatis gradus accipi prophetiae; et
praecipue cum ea quae sunt denuntianda, prophetae revelantur secundum
quod exigit eorum dispositio propter quos prophetia datur. Potest etiam
dici, quod etiam secundum res prophetatas gradus prophetiae distinguun-
tur; sed tamen propter nimiam rerum revelatarum diversitatem non pos-
sunt secundum hoc aliqui gradus determinati prophetiae assignari, nisi
Sobre a Profecia · Artigo 13 93

lavras, quer ocorra em sonho, quer ocorra em visão, pois assim se mostra que
o profeta mais se aproxima da cognição daquele que revela. E, quando se vê
quem fala, é mais alto o grau da profecia quando se o vê na forma de um anjo
do que quando se o vê na forma de um homem; e é ainda mais eminente se se
o vê na figura de Deus, como em Isaías [6,1]: “Vi o Senhor sentado”, etc. Pois,
dado que a revelação da profecia desce de Deus para o anjo e do anjo para o
homem, mostra-se que é tanto mais plena a recepção da profecia, quanto mais
se acerca do princípio primeiro desta.
Devem conceder-se, portanto, os argumentos que mostram que os
graus da profecia se distinguem segundo a visão imaginária; mas devem con-
ceder-se segundo o modo que aqui afirmamos. E tampouco se deve dizer que
a diversidade de grau exija distinção de espécie.
Quanto aos argumentos em contrário, porém, devemos responder a
eles ordenadamente.
1. Quanto ao primeiro deles, é patente a resposta a partir do que se disse.
2. Quanto ao segundo, deve-se dizer que, quando algo se distingue segun-
do a espécie, é necessário que haja distinção segundo o que é formal; contudo,
se há distinção de graus numa mesma espécie, também pode dar-se segundo
o que é material, assim como “animal” se distingue em masculino e feminino,
diferenças estas que são materiais, como se diz no livro X da Metafísica.107
3. Quanto ao terceiro, deve-se dizer que, dado que a luz profética não
é algo imanente ao profeta, senão que é como certa paixão transitória, não é
necessário que o profeta sempre se encontre em um mesmo grau de profecia;
pelo contrário: às vezes a revelação lhe é feita segundo um grau, às vezes se-
gundo outro.
4. Quanto ao quarto, deve-se dizer que, já que certas coisas mais nobres
às vezes são menos perfeitamente conhecidas (como quando se tem opinião
acerca das coisas divinas, mas ciência acerca das criaturas), não pode o grau
da profecia tomar-se das coisas profetizadas – sobretudo quando as coisas por
anunciar são reveladas ao profeta segundo o que exige a disposição daqueles
em razão dos quais se dá a profecia. Ou pode ainda dizer-se que segundo as
coisas profetizadas também se distinguem os graus da profecia, mas, por causa
da grande diversidade das coisas reveladas, não se podem segundo este quesito
estabelecer graus determinados de profecia – a não ser talvez genericamente,

107 Aristóteles, Metafísica, X, 11 (1058b 21).


94 Santo Tomás de Aquino

forte in genere; ut si dicatur, quod cum revelatur aliquid de Deo, est emi-
nentior gradus quam cum revelatur de creaturis.
5. Ad quintum dicendum, quod dicta et facta quae ibi tanguntur, non
pertinent ad revelationem prophetiae, sed ad denuntiationem, quae fit se-
cundum dispositionem eorum quibus denuntiatur. Unde secundum hoc
non possunt gradus prophetiae distingui.
6. Ad sextum dicendum, quod gratia signorum est differens a prophe-
tia. Potest tamen reduci ad prophetiam secundum hoc quod per signa
veritas prophetae demonstratur; unde et gratia signorum quantum ad hoc
est potior quam prophetia, sicut et scientia quae demonstrat propter quid,
est potior quam scientia quae dicit quia. Et propter hoc I Corinth., XII,
9-10, praemittitur gratia signorum gratiae prophetiae. Unde et ille pro-
pheta est excellentissimus qui etiam signa facit habens revelationem pro-
pheticam. Si autem signa faciat sine revelatione prophetica, etsi forte sit
dignior simpliciter, non tamen est dignior quantum pertinet ad rationem
prophetiae; sed sic computabitur talis in infimo gradu prophetiae, sicut
ille qui habet audaciam tantum ad aliquid faciendum.
Sobre a Profecia · Artigo 13 95

como se disséssemos que, quando se revela algo a respeito de Deus, o grau é


mais eminente do que quando se revela algo a respeito das criaturas.
5. Quanto ao quinto, deve-se dizer que os ditos e os feitos aí assinalados
não pertencem à revelação da profecia, mas a seu anúncio, que se dá segundo
a disposição daqueles a quem se anuncia. Portanto, não se podem distinguir
os graus da profecia segundo este aspecto.
6. Quanto ao sexto, deve-se dizer que a graça dos sinais é diferente da
profecia, mas pode reduzir-se a esta quanto ao fato de que mediante sinais se
mostra a verdade da profecia. Portanto, também a graça dos sinais é superior
à profecia neste aspecto, assim como a ciência que demonstra propter quid é
superior à ciência que demonstra quia.108 E é por esta razão que em I Coríntios
[12,9] se antepõe a graça dos sinais à graça da profecia. E assim é mais excelen-
te o profeta que, tendo a revelação profética, também produz sinais. Contudo,
se os produz sem revelação profética, não será mais digno no que diz respeito
à razão de profecia, embora possa talvez ser mais digno simpliciter; ele assim
será contado no mais baixo grau da profecia, como aquele que tem somente a
audácia para fazer algo.

108 A graça dos sinais (gratia signorum) é superior no seguinte aspecto à profecia: esta última só se
manifesta mediante sinais, daí a propriedade da analogia feita por Santo Tomás com as demonstra-
ções propter quid (da causa aos efeitos) e quia (dos efeitos à causa), pois a profecia, quando acompa-
nhada dos sinais por cujo intermédio os homens podem dar testemunho dela, assemelha-se à visão
das causas pelas quais o intelecto, raciocinando retamente, chega à verdade pela via dedutiva. O
mesmo não ocorre quando a profecia não é acompanhada de sinais. [N. C.]
96 Santo Tomás de Aquino

ARTICULUS 14
Quartodecimo quaeritur utrum Moyses
fuerit excellentior aliis prophetis

Et videtur quod non.

1. Quia, ut dicit Gregorius, per successiones temporum crevit divinae


cognitionis augmentum. Ergo posteriores prophetae fuerunt excellentio-
res Moyse.
2. Praeterea, Glossa in principio Psalterii dicit quod David dicitur pro-
pheta per excellentiam. Ergo Moyses non fuit excellentissimus.
3. Praeterea, maiora miracula facta sunt per Iosue, qui fecit solem et
lunam stare, Iosue, X, 13, quam per Moysen; et similiter per Isaiam, qui
fecit solem retrocedere, ut habetur Isaiae, XXXVIII, 8. Ergo Moyses non
fuit prophetarum maximus.
4. Praeterea, Eccli., XLVIII, 4, dicitur de Elia: quis poterit tui similiter
gloriari, qui sustulisti mortuum ab Inferis? etc.; et sic idem quod prius.
5. Praeterea, Matth. XI, 11, dicitur de Ioanne Baptista: inter natos
mulierum non surrexit maior Ioanne Baptista. Ergo nec fuit Moyses eo
maior; et sic idem quod prius.

Sed contra.

1. Est quod dicitur Deuter., ultimo: non surrexit propheta ultra in


Israel sicut Moyses.
2. Praeterea, Num., XII, 6-7, dicitur: si quis fuerit inter vos propheta
domini, in somnio aut visione loquar ad eum; at non talis servus meus
Moyses, qui in omni domo fidelissimus est. Ex quo patet quod ipse aliis
prophetis praefertur.

Responsio. Dicendum, quod inter prophetas secundum aliquid di-


versimode diversi possunt maiores reputari. Simpliciter autem loquendo
omnium maximus Moyses fuit; in eo enim quatuor quae ad prophetiam
requiruntur, excellentissime sunt inventa.
Sobre a Profecia · Artigo 14 97

ARTIGO 14
Se Moisés foi mais excelente que os outros profetas109

E parece que não.


1. Pois, como diz Gregório, “através das sucessões dos tempos houve au-
mento da cognição divina”.110 Portanto, os profetas posteriores foram mais
excelentes que Moisés.
2. Ademais, diz a Glosa no princípio do Saltério que Davi é chamado “pro-
feta por excelência”.111 Portanto, Moisés não foi o mais excelente.
3. Ademais, maiores milagres foram feitos por Josué, que fez parar o sol e
a lua (cf. Josué 10,12), do que por Moisés. E também por Isaías, que fez que
o sol retrocedesse, como se vê em Isaías [38,8]. Portanto, Moisés não foi o
maior dos profetas.
4. Ademais, em Eclesiástico [48,4] se diz de Elias: “Quem poderá gloriar-
-se de modo semelhante a ti, que arrancaste um morto dos infernos?”, etc. E
assim se tem o mesmo que antes.
5. Ademais, em Mateus [11,11] se diz de João Batista: “Não surgiu, entre
os nascidos de mulher, ninguém maior que João Batista”. Portanto, Moisés
tampouco foi maior que ele; e assim se tem o mesmo que antes.
Mas, em sentido contrário:
1. Há o que se diz em Deuteronômio [34,10]: “Não mais surgiu em Israel
profeta como Moisés”.
2. Ademais, diz-se em Números [12,6]: “Se alguém entre vós for profeta
do Senhor, hei de falar com ele em sonho ou em visão; mas tal não se dá com
meu servo Moisés, que é o mais fiel de toda a casa”. E assim se faz patente que
ele é anteposto aos demais profetas.
Respondo. Deve-se dizer que, entre os profetas, diversos podem ser consi-
derados maiores de diversos modos, segundo certo aspecto. Contudo, Moisés
foi o maior de todos simpliciter; pois nele se encontram do modo mais exce-
lente os quatro elementos requeridos para a profecia.

109 Cf. Suma Teológica, II-II, q. 174, a. 4.


110 S. Gregório Magno, Homilias sobre Ezequiel, II, hom. 4 (PL 76, 980B).
111 Glosa de Pedro Lombardo (PL 191, 59B).
98 Santo Tomás de Aquino

Primo quidem visio intellectualis in eo excellentissima fuit, secundum


quam tantum meruit elevari, ut ipsam Dei essentiam videret, ut dicitur Nu-
mer. XII, 8: palam, non per figuras et aenigmata, videt Deum. Et haec qui-
dem eius visio non est facta Angelo mediante, sicut aliae visiones prophetales;
unde et ibidem dicitur: ore ad os loquar ei. Et hoc expresse dicit Augustinus
ad Paulinam de videndo Deum et XII super Genesim ad litteram.
Secundo imaginaria visio fuit in eo perfectissima, quia eam quasi ad
nutum habebat; unde dicitur Exod. XXXIII, 11, quod loquebatur ei do-
minus (...) facie ad faciem, sicut homo solet loqui ad amicum suum; in
quo etiam alia eius eminentia quantum ad imaginariam visionem potest
notari: quod ipse scilicet non solum audivit verba revelantis, sed vidit, non
in figura hominis vel Angeli, sed quasi ipsum Deum, non in somnio, sed
in vigilia; quod de nullo aliorum legitur.
Tertio etiam eius denuntiatio fuit excellentissima; quia omnes qui fue-
runt ante eum, instruxerunt familias suas per modum disciplinae; Moy-
ses autem fuit primus qui locutus est ex parte domini, dicens: haec dicit
dominus; et non uni familiae, sed toti populo; nec denuntiavit ex parte
domini ut attenderetur dictis alterius alicuius prophetae praecedentis, si-
cut prophetae denuntiando inducebant ut observaretur lex Moysi; unde
denuntiatio praecedentium fuit praeparatio ad legem Moysi, quae fuit
fundamentum quoddam denuntiationis sequentium prophetarum.
Quarto etiam fuit eminentior quantum ad ea quae ordinantur ad de-
nuntiationem. Quantum ad miracula quidem, quia fecit signa ad con-
versionem et instructionem totius generis; alii vero prophetae fecerunt
particularia signa ad speciales personas, et specialia negotia; unde dicitur
Deuter. XXXIV, 10: non surrexit ultra propheta in Israel sicut Moyses,
quem nosset dominus facie ad faciem. Quantum ad eminentiam revela-
tionis, in omnibus signis atque portentis quae per eum misit, ut faceret in
terra Aegypti Pharaoni et omnibus servis eius, et infra magnaque mirabilia
quae fecit Moyses coram universo Israel. Quantum etiam ad audaciam
apparet eminentissimus, quia in sola virga descendit in Aegyptum, non
Sobre a Profecia · Artigo 14 99

Em primeiro lugar, nele foi a mais excelente a visão intelectual, segun-


do a qual mereceu ser elevado a tal ponto que visse a própria essência de
Deus, como dito em Números [12,8]: “Vê a Deus às claras, não por figuras
ou enigmas”. E certamente esta sua visão não ocorreu por mediação de um
anjo (como as outras visões proféticas), pois se diz no mesmo ponto: “Falar-
-lhe-ei boca a boca”. E isto Agostinho menciona expressamente em Sobre Ver
a Deus112 e no Comentário Literal ao Gênesis.113
Em segundo lugar, a visão imaginária foi nele a mais perfeita, pois a pos-
suía como que à sua disposição; donde o dizer-se em Êxodo [33,11] que “lhe
falava o Senhor [...] face a face, como costuma um homem falar com um
amigo seu”; ponto em que também se pode notar outra eminência sua quanto
à visão imaginária: pois ele não só ouviu as palavras do que revela, mas o viu,
não em figura de homem ou de anjo, mas quase como o próprio Deus, e o
viu não em sonho, mas em vigília; o que não se lê com respeito a nenhum dos
outros profetas.
Em terceiro lugar, também seu anúncio foi o mais excelente, pois todos os
que houve antes dele instruíram suas famílias pelo modo da disciplina; Moi-
sés, contudo, foi o primeiro que falou da parte do Senhor, dizendo: “Isto diz
o Senhor”;114 e não o fez a uma família, mas a todo um povo; e não anunciou
da parte do Senhor para que se desse atenção aos ditos de outro profeta prece-
dente, como os profetas que, ao anunciarem, induziam a que se observasse a
lei de Moisés. Assim, o anúncio dos precedentes foi uma preparação para a lei
de Moisés, e esta foi certo fundamento para o anúncio dos profetas seguintes.
Em quarto lugar, também foi eminente quanto às coisas que se ordenam
ao anúncio: quanto aos milagres, porque fez sinais para a conversão e para a
instrução de toda uma gente, ao passo que os outros profetas fizeram sinais
particulares para pessoas específicas e para assuntos específicos, donde dizer-se
em Deuteronômio [34,10-12]: “Não mais surgiu profeta em Israel como Moi-
sés, a quem o Senhor conheceu face a face”. Quanto à excelência da revelação,
foi-o “em todos os sinais e portentos que por ele [o Senhor] enviou, para que
os fizesse ao Faraó e a todos os seus servos na terra do Egito”, e, mais adiante,
“e grandes maravilhas que fez Moisés diante de toda a Israel”. Quanto à audá-
cia, mostra-se também o mais eminente, pois desceu para o Egito apenas com

112 S. Agostinho, Epístola 147, c. 13 (PL 33, 610).


113 S. Agostinho, Comentário Literal ao Gênesis, XII, 27 (PL 34, 477).
114 Êxodo 4,22.
100 Santo Tomás de Aquino

solum ad denunciandum verba domini, sed etiam ad flagellandum Aegyp-


tum, et populum liberandum.

1. Ad primum igitur dicendum, quod verbum Gregorii est intelligendum


de his quae pertinent ad mysterium incarnationis de quibus aliqui posterio-
res expressius revelationem acceperunt quam Moyses; non autem quantum
ad cognitionem divinitatis, de quo plenissime Moyses instructus fuit.
2. Ad secundum dicendum, quod David dicitur esse excellentissimus
prophetarum, quia expressissime de Christo prophetavit et sine aliqua
imaginaria visione.
3. Ad tertium dicendum, quod quamvis illa miracula fuerint maiora
miraculis Moysi quantum ad substantiam facti, tamen illa Moysi fuerunt
maiora quantum ad modum faciendi, quia facta sunt toti populo, et ad
populi institutionem in nova lege, et liberationem; illa vero fuerunt ad
aliqua particularia negotia.
4. Ad quartum dicendum, quod eminentia Eliae praecipue in hoc at-
tenditur quod a morte immunis conservatus fuit; fuit etiam multis aliis
prophetis eminentior quoad audaciam qua non pertimuit in diebus suis
principes et quoad magnitudinem signorum, ut ex verbis Ecclesiastici ibi-
dem habetur.
5. Ad quintum dicendum, quod cum Moyses aliis praefertur, intelli-
gendum est de his qui fuerunt in veteri testamento; quia tunc praecipue
fuit prophetia in suo statu, quando Christus, ad quem omnis prophetia
ordinabatur, expectabatur venturus. Ioannes autem ad novum pertinet
testamentum; unde Matth. XI, 13: lex et prophetae usque ad Ioannem.
In novo tamen testamento facta est manifestior revelatio: unde dicitur II
Corinth. III, 18: nos autem revelata facie gloriam domini etc., ubi expres-
se apostolus se et alios apostolos Moysi praefert. Et tamen non sequitur, si
Ioanne Baptista nullus fuit maior, quod propter hoc nullus fuerit eo excel-
lentior in gradu prophetiae: quia, cum prophetia non sit donum gratiae
gratum facientis, potest esse potior in prophetia qui est minor in merito.
Sobre a Profecia · Artigo 14 101

seu cajado,115 não somente para anunciar as palavras do Senhor, mas também
para flagelar o Egito e libertar o povo.
1. Quanto ao primeiro argumento, portanto, deve-se dizer que as palavras
de Gregório devem entender-se com respeito às coisas pertinentes ao mistério da
encarnação, acerca das quais alguns profetas posteriores receberam revelação de
forma mais explícita que Moisés; elas não se devem entender quanto à cognição
da divindade, de que Moisés foi instruído do modo mais pleno.
2. Quanto ao segundo, deve-se dizer que Davi é dito o mais excelente
dos profetas porque profetizou do modo mais explícito acerca de Cristo e sem
nenhuma visão imaginária.
3. Quanto ao terceiro, deve-se dizer que, embora tais milagres fossem
maiores que os de Moisés quanto à substância do feito, os de Moisés foram
maiores quanto ao modo de fazê-los, pois foram feitos para todo o povo, e
para a instituição e a libertação do povo na Nova Lei. Já aqueles foram feitos
para assuntos particulares.
4. Quanto ao quarto, deve-se dizer que a eminência de Elias se observa
principalmente no fato de que foi preservado da morte. Foi também mais
eminente que muitos outros profetas quanto à audácia com que “em seus dias
não temeu os príncipes” e quanto à grandeza dos sinais, como também se
deduz das palavras do Eclesiástico.116
5. Quanto ao quinto, deve-se dizer que, quando se afirma que Moisés é
anteposto aos demais, deve entender-se isto quanto aos demais que houve no
Antigo Testamento. Pois então a profecia se encontrava precipuamente em seu
estado próprio, quando se esperava o Cristo vindouro, a quem toda e qualquer
profecia se ordenava. Já João pertence ao Novo Testamento, razão por que se
lê em Mateus [11,13]: “a Lei e os profetas até João”. Ora, no Novo Testamen-
to se fez mais manifesta a revelação, e por isso se diz em II Coríntios [3,18]:
“Todavia, nós, com o rosto descoberto, [observando] a glória do Senhor”, etc.,
onde o Apóstolo antepõe-se a si próprio e os outros apóstolos a Moisés. Ainda
assim, se ninguém foi maior que João Batista, disto não se segue que ninguém
tenha sido mais excelente no grau da profecia; pois, dado que a profecia não é
o dom da graça santificante, pode ser superior na profecia aquele que é menor
no mérito.

115 Êxodo 10,13.


116 Cf. Eclesiástico 48,13-15.
Bibliografia citada

Algazel, Metafísica. Tópicos


Aristóteles Averróis
Categorias. Comentário à Física.
Do Céu e do Mundo. Sobre a Alma.
Ética a Nicômaco. Sobre a Predição por Sonhos.
Física. Avicena, Sobre a Alma.
Metafísica. Battista Mondin, Dizionario Enci-
clopedico del Piensero di San Tommaso
Primeiros Analíticos.
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Sobre a Alma. Domenicano, 2000.
Sobre a Geração dos Animais Boécio
Sobre a Geração e a Corrupção Consolação da Filosofia (PL 63, 547-1073).
Sobre a Predição pelos Sonhos. Sobre as Duas Naturezas, 1 (PL 64,
1338-1412).
Sobre o Sono e a Vigília.
Brian MacCarthy, “El modo do conoci-
Sobre os Sonhos
miento profético y escriturístico en Santo
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Tomás de Aquino”, in Revista Scripta Sobre a Trindade (PL 42, 819-1101).


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Pseudo-Dionísio Areopagita
Sobre a Hierarquia Celeste (PG 3, 119-
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S. Agostinho
A Cidade de Deus (PL 41, 13-805).
A Predestinação dos Santos, 10 (PL 44,
915-959).
Comentário Literal ao Gênesis (PL 34,
215-485).
Epistolarum Classis II (PL 33, 121-471).
Sobre o Livre-Arbítrio (PL 32, 1221-1300).
S. Thomae de Aquino Opera Omnia

I) Obras maiores De principiis naturae


Scriptum super Sententiis De substantiis separatis
Summa contra Gentiles De unitate intellectus
Summa Theologiae b) Opúsculos teológicos
De articulis Fidei
II) Quaestiones De rationibus Fidei
Principium Rigans montes
a) Quaestiones disputatae
Super Decretales
De malo Compendium theologiae
De potentia
c) Opúsculos de combate a favor dos
De spiritualibus creaturis
mendicantes
De veritate
De virtutibus Contra impugnantes
Q. de anima Contra retrahentes
De perfectione
b) Quaestiones de quolibet
d) Censuras
Contra errores Graecorum
III) Opúsculos
De forma absolutionis
a) Opúsculos filosóficos e) Rescripta
De aeternitate mundi Ad Bernardum
De ente et essentia
106 Santo Tomás de Aquino

Ad ducissam Brabantiae Super Ioannem


De emptione Super Matthaeum
De iudiciis astrorum d) Catena aurea
De mixtione elementorum
Catena in Matthaeum
De motu cordis
Catena in Marcum
De operationibus occultis
Catena in Lucam
De regno
Catena in Ioannem
De sortibus
Responsiones e) Às Cartas de S. Paulo
Super Romanos
IV) Comentários Super I ad Corinthios
Super II ad Corinthios
a) A Aristóteles Super Galatas
Expositio libri Peryermeneias Super Ephesios
Expositio libri Posteriorum Analyticorum Super Philipenses
In libros De caelo et mundo Super Colossenses
In libros De generatione et corruptione Super I Thessalonicenses
In libros Physicorum Super II Thessalonicenses
Sentencia libri De anima Super I Timotheum
Sentencia libri De sensu et sensato Super II Timotheum
Sententia libri Ethicorum Super Titum
Sententia libri Metaphysicae Super Philemonem
Sentencia super Meteora Super Epistolam ad Hebraeos
Tabula Ethicorum
Sententia libri Politicorum VI) Conferências e sermões
b) Aos neoplatônicos
a) Conferências
Super De divinis nominibus
In Symbolum Apostolorum
Super librum De causis
Expositio Salutationis angelicae
c) A Boécio De decem praeceptis
Expositio libri De ebdomadibus In orationem dominicam
Super De Trinitate b) Sermões
Attendite a falsis
V) Comentários Bíblicos Emitte spiritum
a) Ao Antigo Testamento Inueni David
Osanna Filio David
Super Iob
Seraphim stabant
Super Psalmos
Ecce Rex tuus venit
b) Commentaria cursoria Exiit qui seminat
Super Isaiam Homo quidem fecit cenam
In Jeremiam Lauda et letare
c) Ao Novo Testamento Puer Jesus
Sobre a Profecia · Bibliografia 107

Veniet desideratos e) Preces


Adoro te deuote
VII) Documentos
a) Acta IX) Obras de autenticidade dúbia

b) Obras coletivas a) Quaestiones


De secreto De immortalitate animae
Ordinationes pro promotione studii De cognitione animae
c) Reportationes Alberti Magni Super b) Opúsculos filosóficos
Dionysium De fallaciis
De ecclesiastica hierarchia De propositionibusmodalibus
Mystica teologia c) Rescripta
Epistulae Consilium de usura
d) De divinis nominibus De sortibus [Recensio brevior]
d) Obras litúrgicas
VIII) Obras De Provável Officium Corporis Christi «Sapientia» et
Autenticidade Missa «Ego sum panis»
a) Lectura Romana in primum Senten- e) Sermões
tiarum Petri Lombardi Anima mea
Index quaestionum Petite et accipietis
Lectura Romana Sapientia confortabit
Tria retinent
b) Quaestiones
f ) Preces
De libro vitae
Concede michi
c) Obras litúrgicas
g) Obras coletivas
Officium Corporis Christi
Officium «Sacerdos» et Missa «Cibavit» Acta Capitulorum Provincialium Provin-
Insertum in Missa «Cibavit» ciae Romanae
d) Sermões h) Reportationes
Abjiciamus opera Alberti Magni Super Ethica commentum
Beata gens et quaestiones
Beati qui habitant
Beatus vir
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Ecce ego
Germinet terra
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Lux orta
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mês obras autores

2017
Novembro O Ser e a Inteligência, vol. 1 S. Alberto Magno
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Dezembro O Ser e a Inteligência, vol. 2 S. Alberto Magno
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2018 '
Janeiro Comentários aos Dez Mandamentos, vol. 1 S. Boaventura
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