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Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação

Universidade de Coimbra

Depois da Rua
Dimensões sociais gerais da vinculação adulta na população
sem abrigo

Dissertação de mestrado em Psicologia do


Desenvolvimento, apresentada à Faculdade de
Psicologia e de Ciências da Educação da
Universidade de Coimbra sob orientação da
Professora Doutora Teresa Sousa Machado

Luís António Garrido Ferreira


Coimbra 2009
Ao esforço, dedicação e persistência dos
“inseparáveis Três Mosqueteiros”, que ao
longo dos anos resistiram a alguns
“combates” e souberam construír vínculos
seguros que lhes permitem continuar, juntos,
a enfrentar aventuras.
Agradecimentos

À Professora Doutora Teresa Sousa Machado, orientadora desta tese, pela


transmissão de conhecimentos e pela pertinência das críticas. Pelo apoio científico e
disponibilidade demonstrada.

Às coordenadoras deste Mestrado, Professora Doutora Luísa Morgado e Professora


Doutora Conceição Taborda, pela oportunidade de crescimento pessoal e
profissional.

A todos os professores do curso pelo compromisso que assumiram e pelo interesse


que colocaram no desempenho da sua tarefa.

À Professora Doutora Florbela Vitória por todo o apoio no tratamento estatístico dos
dados. Também pelo estímulo, confiança e paciência nos momentos de maior
ansiedade.

Ao Engenheiro Tiago Figueira pela amizade e disponibilidade no apoio gráfico.

À Professora Edite Carla pela amizade e disponibilidade no apoio das traduções.

A todos os que participaram voluntariamente neste estudo e que partilharam


connosco experiências que nos fazem repensar a cada momento a nossa actuação.

À minha família e amigos pelo apoio incondicional. Por serem quem são e terem
feito de mim quem sou. Por terem a segurança de saber esperar.

A todos que directa ou indirectamente participaram neste estudo, o nosso

Muito obrigada.
Índice Geral

Lista de abreviaturas............................................................................. xiv

Lista de quadros ..................................................................................... xv

Lista de figuras ..................................................................................... xvii

Resumo ................................................................................................... xix

Abstract ................................................................................................... xxi

Résumé ................................................................................................. xxiii

Introdução ............................................................................................. xxv

Capítulo I ................................................................................................. 5

Sem abrigo............................................................................................. 5
Exclusão social ..................................................................................... 5

Evolução do conceito de sem abrigo ................................................... 14

Evolução do fenómeno dos sem abrigo ............................................... 25

Abordagem psicossocial dos sem abrigo ............................................. 33

Rede relacional dos sem abrigo ........................................................... 37

Intervenção em rede............................................................................ 41

Saúde Mental e Sem Abrigo................................................................ 45

A Desinstitucionalização Hospitalar.................................................... 48

A Re-institucionalização Comunitária ................................................. 53

Capítulo II.............................................................................................. 59

Vinculação ........................................................................................... 59
O conceito de vinculação .................................................................... 59

Construção da relação de vinculação................................................... 63

A Teoria da Vinculação ...................................................................... 66


xii

Os Esquemas de Vinculação na criança............................................... 69

Mary Ainsworth e a “Situação Estranha” ............................................ 70

Vinculação – da infância à adolescência.............................................. 73

Vinculação na Idade adulta ................................................................. 76

Sistema de vinculação no adulto ......................................................... 82

Estratégias de hiperactivação .............................................................. 86

Estratégias de desactivação ................................................................. 87

Utilização simultânea de estratégias de hiperactivação e de desactivação


....................................................................................................................... 88

Transmissão intergeracional................................................................ 89

Vinculação e Psicopatologia ............................................................... 92

Capítulo III .......................................................................................... 102

Comunidade de Inserção Novo Olhar .......................................... 102


Introdução......................................................................................... 102

Comunidade de Inserção para sem abrigo: bases e influências........... 104

Modelo de Intervenção da CINO....................................................... 107

Fases estruturais do processo na CINO.............................................. 119

Particularidades do acompanhamento dos Sem Abrigo...................... 127

Capítulo IV .......................................................................................... 135


Contexto, Objectivos e Aspectos metodológicos do estudo Empírico 135

Participantes ..................................................................................... 138

Caracterização dos participantes ....................................................... 139

Escolha dos instrumentos.................................................................. 139

ASQ.................................................................................................. 139

Procedimentos de investigação.......................................................... 141

Capítulo V ............................................................................................ 143


Apresentação dos resultados ............................................................. 143
xiii

Capítulo VI .......................................................................................... 159


Discussão dos resultados do estudo empírico .................................... 159

Conclusões ........................................................................................... 175

Bibliografia .......................................................................................... 183

Anexos ................................................................................................... 211


Lista de abreviaturas

AAI – Adult Attachment Interview

AMI – Assistência Médica Internacional

ASQ – Attachment Style Questionnaire

CINO – Comunidade de Inserção Novo Olhar

DGSP – Direcção Geral dos Serviços Prisionais

ETHOS – European Typology on Homelessness and Housing Exclusion

EUA – Estados Unidos da América

FEANTSA – European Federation of National Organisations Working with the

Homeless

IEFP – Instituto do Emprego e formação Profissional

INE – Instituto nacional de Estatística

ISS.IP – Instituto de Solidariedade Social - Instituto Público

PACT – Program for Assertive Community Treatment

PALOP – Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa

POAT – Programa Operacional de Assistência técnica

REAPN – Rede Europeia Anti Pobreza

RQ – Relationship Questionnaire

RSI – Rendimento Social de Inserção

SPSS – Statistical Package for the Social Sciences


Lista de quadros

Pág.

Quadro 1 – Fontes de informação e grupos de risco face à situação de 24


sem abrigo.

Quadro 2 – Diferenças no estilo de vinculação segundo os padrões, a 80


história de vinculação, os modelos mentais e as experiências
amorosas.

Quadro 3 – Médias e desvios-padrão da idade no grupo alvo. 142

Quadro 4 – Frequências absolutas e relativas do nível de escolaridade. 142

Quadro 5 – Frequências absolutas e relativas do género no grupo alvo 143


(n= 15).

Quadro 6 – Frequências absolutas e relativas do estado civil no grupo 143


alvo (n= 15).

Quadro 7 – Frequências absolutas e relativas do período de tempo que 144


viveram na rua no grupo alvo (n= 15).

Quadro 8 – Frequências absolutas e relativas face aos motivos que 144


conduziram à situação de sem abrigo, no grupo alvo (n= 15).

Quadro 9 – Frequências absolutas e relativas dos factores determinantes 145


para sair da rua, no grupo alvo (n= 15).

Quadro 10 – Frequências absolutas e relativas da rede relacional do 145


grupo alvo (n=15).

Quadro 11 – Frequências absolutas e relativas da relação com a família 146


no grupo alvo (n= 15).

Quadro 12 – Frequências absolutas da situação face ao emprego no 146


grupo alvo após 12 meses de institucionalização.

Quadro 13 – Frequências absolutas e relativas da institucionalização 146


como factor de aproximação à família, no grupo alvo (n= 15).

Quadro 14 – Frequências absolutas e relativas da institucionalização 147


como factor de acesso a novos amigo, no grupo alvo (n= 15).

Quadro 15 – Teste da normalidade das sub escalas do teste ASQ. 148


xvi

Quadro 16 – Média, desvios – padrão e U de Mann-Whitney na sub 148


escala confiança do ASQ, no grupo alvo e no grupo de
referência, no primeiro momento de avaliação.

Quadro 17 – Médias e desvios-padrão do grupo alvo e grupo de 149


referência, no ASQ, no primeiro momento de avaliação.

Quadro 18 – Teste de Levene e t - student nas sub escalas do ASQ em 149


função do grupo.

Quadro 19 – Médias, desvios - padrão, valores máximos e mínimos e 150


teste de Wilcoxon entre o primeiro e o segundo momento de
avaliação, em todas as sub escalas do ASQ.

Quadro 20 – Teste da normalidade das sub escalas do ASQ na amostra 151


total.

Quadro 21 – Média, desvios – padrão e U de Mann-Whitney na sub 152


escala confiança do ASQ, no grupo alvo, no segundo
momento de avaliação, e no grupo de referência, no primeiro
momento de avaliação.

Quadro 22 – Médias e desvios-padrão do grupo alvo, no segundo 152


momento de avaliação e do grupo de referência.

Quadro 23 – Teste de Levene e t- student nas sub escalas do ASQ, em 153


função do grupo alvo, no segundo momento de avaliação.

Quadro 24 – Comparação entre médias e desvios - padrão no primeiro e 154


no segundo momento de avaliação, por género, no grupo dos
sem abrigo, no ASQ.

Quadro 25 – U de Mann Whitney para as sub escalas, por género, no 155


primeiro e o segundo momento de avaliação.
Lista de figuras

Pág.

Figura 1 – Modelo e funcionamento do sistema de vinculação no adulto. 83

Figura 2 – Ligação entre relações de vinculação e saúde mental, de 96


acordo com recentes desenvolvimentos da Teoria da
Vinculação.
Figura 3 – Esquema orientador da Investigação. 134

Figura 4 – Esquema orientador das análises 141


Resumo

A presente investigação pretende ser um contributo para a compreensão da


mais valia que a integração em comunidade de inserção pode ser para a população
sem abrigo. Especificamente pretendemos estudar a mudança ocorrida a nível das
dimensões sociais gerais ligadas à vinculação adulta e aos padrões de vinculação
ansiosa e evitante.
A amostra deste estudo é constituída por 30 sujeitos de ambos os sexos,
33,3% do sexo feminino e 66,7% do sexo masculino, com idades compreendidas
entre os 26 e os 55 anos, sendo a média de 39 anos. A amostra subdivide-se em 15
indivíduos do grupo alvo (sem abrigo) e 15 indivíduos do grupo de referência
(indivíduos integrados em termos laborais e habitacionais). Relativamente ao grau de
escolaridade, 66,7% da amostra situa-se abaixo do 6º ano de escolaridade. No
tocante ao estado civil do grupo alvo, 60% dos indivíduos são solteiros e 40%
divorciados. Relativamente à raça, 80% da amostra é caucasiana e 20% de origem
africana.
Os participantes no estudo foram avaliados individualmente pelo autor do
presente trabalho, através de um questionário de auto resposta Attachment Style
Questionnaire (ASQ), que visa a avaliação da vinculação adulta nas seguintes
dimensões: níveis de confiança; desconforto relativamente à proximidade;
relacionamento como factor secundário; necessidade de reforço/aprovação e
preocupação com os relacionamentos. Permite igualmente criar valores
relativamente à vinculação ansiosa e evitante.
No nosso estudo, no primeiro momento de avaliação (à data de entrada na
estrutura), os resultados sugerem que os valores médios da vinculação evitante e
ansiosa, no grupo alvo, são elevados e os valores da sub escala confiança são baixos.
Constatamos igualmente a existência, no primeiro momento de avaliação, de valores
médios elevados nas dimensões sociais: desconforto com a proximidade,
preocupação com as relações e necessidade de reforço/aprovação. Os altos níveis
de preocupação com as relações e de desconforto com a proximidade poderão ser
indicadores de um conflito com o qual o grupo alvo se depara: demonstram não ter
segurança nas suas capacidades para serem independentes, evidenciando,
xx

igualmente, não confiar nos outros. Assim, quer o afastamento, quer a proximidade
do outro são fonte de angústia.

Após doze meses de integração na CINO os resultados indicam um aumento


significativo nos níveis de confiança e apresentam uma redução estatisticamente
significativa nos valores das seguintes dimensões gerais associadas à vinculação
adulta: preocupação com as relações, relacionamento como factor secundário e
desconforto com a proximidade. No entanto, embora se verifique uma melhoria
significativa nas dimensões sociais gerais ligadas à vinculação adulta, os padrões de
vinculação evitante e ansiosa não registam alterações.

Waal e Rönnlund (2007) defendem que altos valores na sub escala confiança
se relacionam de forma significativa com a vinculação segura. Por sua vez,
Mikulincer e Florian (1995), entendem que a vinculação segura funciona como um
recurso interno para lidar com situações adversas. Assim, os sem abrigo participantes
no estudo, no segundo momento de avaliação, denotam ter criado uma confiança
básica em si e nos outros, que lhes pode permitir maior tolerância ao sofrimento e
activar de forma eficaz a rede de apoio. Os resultados sugerem ainda a probabilidade
destes indivíduos se encontrarem mais capazes de ultrapassar situações adversas do
que no primeiro momento de avaliação.
Finalmente discutem-se em traços gerais as limitações do estudo, suas
implicações para a intervenção junto desta população e novas vias de investigação
neste domínio.

Palavras chave: Vinculação, sem abrigo, ASQ, comunidade de inserção,


exclusão social.
Abstract

The purpose of the investigation is a contribution to the comprehension that


it’s a surplus value of the integration in a community of insertion for the homeless.
We specifically intend to study the changes that occur in the levels of the
dimensions in the socials generals that are connected to the linkage of adults with
patterns of anxiety and avoidant.

The group of this study is composed by 30 subjects of both sexes, 33,3 %


being female, and 66,7% being male, with the ages between 26 to 55and the age of
39 being the average. The group subdivides itself in the 15 individuals of the target
group (homeless) and 15 individuals in the group of reference (individuals that are
integrated in the society). Relatively the academics of the groups are inferior to the
6th grade. Regarding the marital status of the target group, 60% of the individuals are
single and 40% divorced. Regarding the race, 80 % of the group is Caucasian and
20% are of African origin.

The participants in the study were evaluated individually by the author of the
present study, using questioner of auto answer to the Attachment Style Questionnaire
(ASQ), having the intention to evaluate the linkage of the adults in the following
dimensions, level of confidence, discomfort in relating with others, relationships
with secondary factors, necessity of reinforcement/aprovent and worry with
relationships. Also allows to create values to relevant linkage of anxiety and
avoidant.

In our study, right from the first moment of the evaluation (to the date of
entrance of the structure) the results result in the value of the medium of linkage of
avoidant and anxiety in the target group, are high and self- esteem low. We also find
in the first point of evaluation, that the average values are high in the social
dimensions, uncomfortable with proximity, preoccupation with the relationships and
need of reinforcement and approval. The high levels of preoccupation with the
relationships and the discomfort with proximity may indicate a conflict with the
xxii

target group. They demonstrate that they lack the confidence in their capacity to be
independent and also equally not trusting in others. Therefore, wanting distance from
others or wanting proximity of the others causes a source of anguish.
After twelve months of integration in the CINO, the results indicate a
significant increase in levels on confidence and also shows statistically reduction in
the values of the following general dimensions associated with linkage to adults:
concerns with relations, relationships as a secondary factor, and discomfort with
proximity. However, although there is a significant improvement in overall
dimension related to adult attachment there are no alterations in the patterns of
avoidant and anxiety.

Waah and Ronnlund (2007) defend that high values in the sub scale of
confidence, if they relate significant form with safe entailing. In the other hand,
Mikuliner and Florian (1995), understand that linkage insures functions with one
who refuses to deal with adverse situations. Thus, the homeless participants in the
study, in the second moment of evaluation, have created a denoted basic trust in
themselves and others, it may allow greater tolerance to pain and create the
providing affect to the supporting network. In conclusion, the probability of these
individuals finding capacities to overcome adverse situations is greater than the first
moment of evaluation.

Finally we discuss in general terms the limitations of the study, its


implications for intervention with the population and new avenues of research in this
field.

Key-words: attachment, homeless population, ASQ, community of insertion,


social exclusion.
Résumé

La présente investigation prétend être un contribue pour comprendre


l’importance que l’intégration en communauté d’insertion a pour la population sans-
abri. Plus précisément nous avons l'intention d'étudier l'évolution du niveau général
des dimensions sociales liées à l'attachement des adultes et des modèles
d'attachement anxieux et d'évitement.

L’échantillon de cet étude est constitué par 30 sujets des deux sexes, 33.3%
du sexe féminin et 66.7% du masculin, entre les 26 et les 55 ans, étant la moyenne
d’âges de 39 ans. L’échantillon se divise en deux : 15 individus du groupe cible (sans
abri) et 15 du groupe de référence (individus qui ont un emploi et un logement). En
ce qui concerne les niveaux d’études, 66.7% de l’échantillon ont étudié jusqu’en
« 6ème année de scolarité ». En ce qui concerne l’état civil du groupe cible, 60% des
individus est célibataire tandis que 40% est divorcé ; 80% est de race blanche et 20%
d’origine africaine.

Les participants de l’étude ont été évalué individuellement par l’auteur de ce


travail, grâce a un questionnaire d’auto-réponse « Attachment Style
Questionnaire (ASQ) », lequel vise l’évaluation de l’attachement adulte dans les
suivant paramètres : niveaux de confiance, déconfort relativement au
rapprochement ; relation comme facteur secondaire ; nécessité de
renfort/approbation et préoccupation avec les relations. Cela leur permet d'établir des
valeurs à l’attachement anxieux et évitant.

Dans un premier temps de l’évaluation (le jour de l’entré dans la structure, les
résultats nous suggéraient que la moyenne des valeurs de la dimension social du
groupe cible sont élevées, tandis que les valeurs de la confiance sont bas. Nous avons
aussi constaté l’existence, dans ce premier moment, de valeurs élevées en ce qui
concerne les suivantes dimensions sociales : déconfort avec la proximité,
préoccupation avec les relations et la nécessité de renfort/approbation. Les hauts
niveaux de préoccupation avec les relations et le déconfort avec la proximité peuvent
xxiv

être indicateur d’un conflit du groupe cible qui doit faire face : il nous indique qu’ils
[les individus du groupe cible] ne sont pas assez sûr de leurs capacités pour être
indépendants, mais aussi qu’ils ne font pas confiance aux autres. De cette façon, soit
le rapprochement, soit l’éloignement sont raison d’angoisse.

Après 12 mois d’intégration à CINO, les résultats indiquent une


augmentation significative des niveaux de confiance et montrent une réduction
statistiquement significatives des valeurs des dimensions générales suivantes
associées à la liaison des adultes : préoccupation avec les relations, le relationnement
comme facteur secondaire et le déconfort avec la proximité. Tandis que l’on
s’aperçoit qu’il y a eu une amélioration significative en ce qui concerne les
dimensions sociales générales liées à l’attachement adulte, on s’aperçoit aussi que les
modèles d'attachement anxieux et évitement ne se sont pas modifiés.

Waal et Rönnlund (2007) défendent que les hauts valeurs de la sous-échelle


confiance se rapporte effectivement avec l’assurance. Mikulincer et Florian (1995),
disent que le facteur assurance fonctionne comme un recours interne pour faire face
à des situations adverses. Ainsi, les sans-abris, lesquels participent à cet étude, au
2ème moment de l’évaluation, montrent avoir développé une confiance basic en soi et
envers les autres, laquelle leur permet d’être d’avantage tolérant à la souffrance et
d’activer de forme efficace un réseau d’appuie. Les résultats nous suggèrent aussi la
probabilité de ces individus être maintenant plus aptes à outrepasser des situations
adverses que lors de la première évaluation.

Enfin, nous discutons en termes généraux les limites de l’études, ses


implications pour l’intervention auprès de cette population et de nouveau moyen de
recherche dans ce domaine.

Mots-chefs : Attachement, sans-abri, ASQ, communauté d’insertion,


exclusion social
Introdução

A escolha do tema que aqui nos propomos explanar, e a escassez de literatura


sobre a problemática dos sem abrigo, impõe-nos algo mais do que uma intensa e
aprofundada pesquisa científica, basilar na edificação de todo constructo teórico,
imprescindível na orientação e planeamento da prática profissional. É, no entanto,
apostados em compreender esta problemática no seu âmago, enfatizando, acima de
tudo, a proximidade relacional, num patamar arriscadamente afectivo, que se situa a
verdadeira razão que ilustra a necessidade de escrever algo sobre o tema que o torne
incontornavelmente prioritário aos olhos de “quem manda”. Numa era em que o
desemprego, a pobreza, a crise de valores e a exclusão social fazem parte do
quotidiano de todos nós, a tolerância à miséria assume estados de indiferença
chocantes. Corremos, de facto, o risco de dar corpo à célebre frase de Fernando
Pessoa – “primeiro estranha-se, depois entranha-se”. Cumpre-nos a nós,
profissionais que trabalhamos com pessoas sem abrigo, adoptar uma postura mais
combativa para que se tornem menos esquecidos, menos “desabrigados”.
Usualmente a literatura sobre sem abrigo é descritiva e de alguma forma vazia de
afectos. Simbólico o facto da “patologia do vínculo” ser escrita de forma tão
defensiva, como se nos referíssemos a uma temática isenta de dor e de perdas. Será
talvez este um movimento de apreensão gerado pela dificuldade que antevemos ao
ousar estabelecer vínculos com quem destes tão arduamente se defende.
Se reflectir sobre a problemática dos sem abrigo se torna desconcertante, não
será menor o desafio de compreender as especificidades dos padrões de vinculação
desta população. Este estudo pretende avaliar o impacto da vivência, em comunidade
de inserção, nas dimensões sociais gerais ligadas à vinculação adulta, dos
“desabrigados”.
De forma honesta temos que assumir que é inimaginável perceber os
contornos que a realidade de se estar sem abrigo comporta. Esperamos que com o
aprofundar dos conhecimentos sobre esta questão nos possamos tornar um pouco
mais próximos de quem não se sente próximo de ninguém.
Em termos de apresentação, este relatório divide-se em duas partes, a
primeira constituída por três capítulos e a segunda por outros três.
xxvi

Na primeira, dedicada à contextualização teórica, faremos uma revisão da


literatura acerca das matérias relevantes para esta pesquisa. No Capítulo I
apresentaremos alguns conceitos fundamentais à compreensão da problemática dos
sem abrigo, iniciando por abordar a exclusão social, a importância de ter uma casa,
analisando a definição do conceito de sem abrigo e evolução deste fenómeno a nível
nacional e internacional. Finalizamos o capítulo com uma sumária apresentação do
processo de desinstitucionalização na área da saúde mental e as necessidades
comunitárias que tal impõe, bem como o seu efeito no aumento de casos de sem
abrigo e no tipo de abordagem necessária nestas situações específicas.
Ao longo do Capítulo II exploraremos a vinculação enquanto processo de
vital importância à sobrevivência física, emocional e psicológica dos indivíduos.
Começaremos por apresentar o modelo desenvolvido por Bowlby, bem como
os pressupostos nos quais se baseia a construção da relação de vinculação.
A perspectiva desenvolvimentista, presente na génese da Teoria da
Vinculação será igualmente abordada, apresentando algumas das investigações
empíricas realizadas no âmbito desta temática, em todo o ciclo de vida.
Assim, apresentaremos a teoria da vinculação na infância (esquemas de
vinculação na criança e a situação estranha), a vinculação na adolescência e idade
adulta, realçando as especificidades inerentes a cada fase.
Dado que o presente estudo foi realizado com população adulta, damos
naturalmente algum destaque ao sistema de vinculação no adulto (estratégias de
hiperactivação, desactivação e uso simultâneo de ambas).
Posteriormente dedicaremos especial atenção ao processo de transmissão
intergeracional e à psicopatologia, uma vez que um dos objectivos do presente
estudo é avaliar a possibilidade da relação terapêutica e o suporte social funcionarem
como factores desconfirmatórios de modelos prévios de vinculação insegura.
O Capítulo III será dedicado à apresentação das comunidades de inserção,
começando por abordar de forma mais pormenorizada os fundamentos e filosofia de
base das comunidades de inserção, enquanto resposta residencial para públicos em
situação de exclusão social. Em segundo lugar e mais particularmente,
apresentaremos a Comunidade de Inserção Novo Olhar, estrutura física onde decorre
a investigação, detalhando o programa de intervenção desta estrutura e finalizando
com a reflexão acerca de algumas particularidades decorrentes do acompanhamento
desta população.
xxvii

O Capítulo IV será dedicado à apresentação do estudo empírico realizado.


Exploraremos os objectivos do estudo, as hipóteses de investigação e o desenho do
estudo. Posteriormente, referimo-nos à selecção dos participantes e à caracterização
da amostra. Finalizamos com os procedimentos levados a cabo na presente
investigação e o instrumento de avaliação utilizado.
Com vista à caracterização das dimensões sociais gerais ligadas à vinculação
adulta nos sem abrigo e à hipótese de alteração das mesmas, entre o primeiro e o
segundo momento de avaliação (data de entrada e doze meses depois,
respectivamente), quinze residentes da comunidade de inserção novo olhar,
responderam à versão portuguesa da ASQ. Os resultados foram analisados através do
programa SPSS versão 17.0. A escala foi igualmente recolhida junto de um grupo da
população em geral, constituído por 15 indivíduos com as variáveis sexo, idade e
escolaridade semelhantes às do grupo dos sem abrigo, no sentido de perceber se
existiriam diferenças estatisticamente significativas entre eles.
Ao longo do Capítulo V apresentaremos os resultados obtidos tendo em conta
as hipóteses de investigação inicialmente formuladas.
As variáveis estudadas resultantes da caracterização sócio demográfica serão
objecto de cotação e classificação para tratamento estatístico dos dados.
Em termos de análise descritiva, serão apresentados os dados obtidos, em
médias, desvios - padrão e percentagens. Quanto à análise inferencial, recorremos
como método estatístico a uma prova paramétrica, o Teste t de Student (para o caso
de variáveis com distribuição normal) e uma prova não paramétrica, o teste U de
Mann-Whitney (para o caso de varáveis com distribuição não normal). O teste de
Shapiro-Wilk foi utilizado para verificar a proximidade da distribuição das variáveis
com a curva normal. Para avaliar a homocedasticidade entre os grupos recorremos ao
teste de Levene e ainda a testes não paramétricos, nomeadamente a prova de
Wilcoxon, utilizado para testar as diferenças entre médias do mesmo grupo (medidas
repetidas).
No Capítulo VI examinaremos os resultados obtidos no estudo empírico. Para
o efeito seguiremos a mesma estrutura de apresentação utilizada no capítulo anterior,
articulando a apresentação com a contextualização teórica. Começaremos por
sintetizar os dados sócio demográficos, efectuando, de seguida, uma leitura crítica
sobre as variáveis e a forma como os seus resultados se foram alterando ao longo do
xxviii

estudo. Dada a natureza desta pesquisa, a apreciação dos resultados obtidos será, na
globalidade, objecto de comparação entre os grupos.
Por fim apresentaremos as principais conclusões do estudo, tecendo algumas
considerações sobre os resultados significativos e as limitações do mesmo.
Retiraremos elações sobre as implicações práticas do mesmo e sugestões para
investigações futuras.
Em anexo, coligiremos os materiais mais relevantes para o desenvolvimento
da investigação, incluindo o instrumento de avaliação utilizado, a informação que foi
fornecida aos participantes do estudo e a folha de consentimento que foi assinada por
estes de modo a confirmar o seu acordo em participar.
Parte I

Enquadramento Teórico
Eu….Simplesmente

Perguntas-me quem sou?


Podia dizer como tantos outros, que sou resultado da sociedade! Tretas!!!
Sou o que sou, resultado do que quis e quero ser ...
Estudante até aos dezoito anos, com o liceu inacabado, desviado da realidade em que se vive, com a desculpa de
ir trabalhar para auto sustento!
"- Para o ano volto lá, e, acabo o liceu.,'."
BulI Shit!!!!!!!!!!!!!!!!
Desculpas para uma desmotivação que me corroía por dentro, e, me fazia pensar que podia tudo. Bastava
querer.
Resultado: nunca voltei... Falta de esforço mental para ser trabalhador-estudante, o trabalho que exercia
ocupava-me o dia todo.
"Feito" numa era de revolução, nascido em tempo de constrangimento e crescido numa confusão
político/religiosa que me inculcou ideias muito próprias e uma revolta sem causa! Aliás como todos os
adolescentes.
Criado sem pais, com uma avó de princípios rígidos, e, que punha em causa todos os princípios - básicos de
vida.
Se não tenho uma boa vida, é porque não me esforcei como fui incentivado a fazer. Se me desviei destes
conselhos úteis de vida, foi porque quis.
Hoje avalio o que, e, onde falhei. .. Se fazia tudo igual? É claro que não!!!!!
Mas independentemente do que fiz, hoje sei o que quero fazer e onde quero chegar! Tudo o que passei fez de
mim o que sou. E, acho que sou uma boa alma. (Tenho-me em boa consideração, em? Há! Há!)

O meu nome?

Chamam-me P. S.

P.S.: sem abrigo, 33 anos.


Capítulo I

Sem abrigo

Sendo a condição de sem abrigo uma “doença dos laços”, para retomar a
expressão de Vexliard (cit in Xavier, 2000), a intervenção junto destes, nos seus
vários níveis estrutural-sistémico, organizacional e da relação técnico-utente, deve
privilegiar a dimensão relacional e a criação de laços, um dos antídotos centrais para
o síndroma de dessocialização e de exclusão social. O que remete para outro
conceito complexo, que nos parece ser a base desta problemática: o que é afinal a
exclusão social?1

Exclusão social

O conceito de exclusão é hoje de uso generalizado, embora não seja claro que
todos quantos o utilizam tenham a mesma “leitura” do seu significado. Utilizaremos
neste trabalho a noção de exclusão que advém de Robert Castel (2000) e que a define
como a fase extrema do processo de “marginalização”, enquanto um processo

1
Em termos da problemática do desemprego, historicamente, sempre houve a tentativa de diferenciar os que não
trabalhavam por não poder dos que não o faziam por não querer, sendo que os primeiros seriam merecedores de
ajuda e os segundos de castigo. Tal diferença de posturas está bem patente nas diferentes legislações existentes
no país sobre esta temática. Assim:
- 1211- D. Manuel I: Homens bons/homens maus;
- 1349- Afonso IV: autorização para mendigar ou mudar de emprego;
- A lei das sesmarias (1373) decreta a prisão para os mendigos e ociosos, mas permite a mendicidade aos fracos,
velhos e doentes. Para tal eram emitidos alvarás de autorização à mendicidade;
- O código penal de 1886 contempla pena de prisão para o crime de se ser vadio. No entanto exclui desta situação
os “casos de força maior” nomeadamente “o cego e o aleijado” (artigo 261);
- Em 1912 surge a chamada “lei da vadiagem” que permite a mendicidade desde que haja licença para o efeito.
Se não houver pune-a com espaços correccionais de trabalho;
- Em 1947 o Decreto-Lei n.º 36 448 regulamenta a mendicidade, distinguindo os doentes inválidos e menores e
proibindo a existência de mendigos e vadios;
- Em 1976 foi abolida a repressão à mendicidade, no entanto com a ressalva, no preâmbulo da lei, de que 70%
dos residentes em albergues de mendicidade pertenciam a doentes de foro psiquiátrico.

Tendo em conta esta pequena resenha histórica ao nível da legislação portuguesa é bem patente a necessidade do
Estado em clarificar que só é merecedor de apoio e de “estatuto especial” o sujeito que tem alguma justificação
de saúde para não cumprir o seu dever moral e social - de trabalhar. O reconhecimento que damos à
produtividade é desta forma castrador de outra ordem de prioridades que não aquela pela qual o regime se
sustenta. Nem ao próprio filho de Deus foi permitido ser desempregado, era carpinteiro como o pai e essa foi a
ordem da inserção laboral que predominou até à escassos anos no nosso país. Neste momento as profissões já não
são um legado familiar e se para uns esta flexibilidade lhes permite ascender no acesso a novas oportunidades
outros há que ficam fora mercado de trabalho. Perdem assim o emprego, a identidade, o reconhecimento social e
familiar e em última instância o acesso à condição de cidadão.
6

“descendente”, ao longo do qual as rupturas na relação do indivíduo com a


sociedade são uma constante.
No entanto não podemos deixar de referir que a noção de exclusão social
advém de duas escolas: a britânica que se ocupa sobretudo de aspectos distributivos,
ou seja da questão da pobreza que a exclusão comporta e a escola francesa que se
dedica mais aos aspectos relacionais da exclusão (Room, 1995).
Estão patentes nestas tradições as duas faces da exclusão social: pobreza e
rupturas ao nível das relações sociais.
De acordo com Bruto de Costa, para além destas duas perspectivas de
entendimento do conceito de exclusão social, mais recentemente a Comunidade
Europeia assimilou a noção de pobreza à de marginalização sob o mesmo chapéu da
exclusão social (Costa, 1998, 2004).
A primeira questão que se nos coloca ao pensar numa definição de exclusão
reside sobre o contexto de referência a que nos reportamos. Excluídos de quê? Todos
nós somos e sentimo-nos excluídos de algum contexto, mas isso fará de nós
excluídos? Ao alargamos a definição da exclusão social passamos a interpretá-la
como estando relacionada com a sociedade.
Segundo Costa (1998) a exclusão pode ter causas imediatas, intermédias e
estruturais, podendo ainda agrupá-la nos seguintes tipos:
 De tipo económico, refere-se fundamentalmente à pobreza, entendida
como uma situação de privação múltipla, por falta de recursos. Como
consequência da pobreza, temos as más condições de vida, baixos níveis
de escolaridade, desemprego ou emprego precário, falta de condições de
saúde e habitação, falta de possibilidade de escolha o que conduz a uma
perca de esperança no futuro e toda a fragilidade psicológica do “pobre”.
De facto com o decorrer do tempo o contexto empobrecedor vai-se
alastrando a dimensões mais internas, sendo que o grau de profundidade
está directamente relacionado com a persistência e intensidade dessa
vivência.
Costa (1998) defende que neste processo em espiral de pobreza
externa e interna, se vão modificando os hábitos e os valores, e as
estratégias iniciais de sobrevivência e revolta vão dando lugar ao
conformismo. Cede-se assim ao contexto, esbatendo-se a capacidade de
iniciativa, declinando a auto-estima e auto-confiança o que conduz a uma
7

alteração da rede de relações, à perca de identidade social e,


eventualmente, à perca da identidade pessoal e do sentimento de pertença
à sociedade. O autor destaca que este processo não é o percurso pelo qual
passam todos os pobres, mas sim a trajectória possível a que a privação
profunda e persistente conduz. Este percurso de degradação se esbate nos
meios rurais devido às solidariedades informais aí existentes.
 De tipo social, que se refere aos casos em que a exclusão se situa no
domínio dos laços sociais. Reporta-se a privações do tipo relacional e
isolamento, por vezes associada à falta de auto-suficiência e autonomia
pessoal. São indicados na literatura enquanto exemplos deste tipo de
exclusão, os idosos, os deficientes e os acamados (Costa, 1999, 2004).
No entanto, questionamo-nos se os sem abrigo não farão parte deste
grupo que sofre de uma exclusão de tipo social. Perderam todo e qualquer
vínculo com a família, não têm emprego, não têm amigos e os que têm
encontram-se na mesma situação, sem aceder aos serviços de apoio. Os
sem abrigo que vemos a dormir nos passeios e pelos quais passamos com
aparente indiferença não serão um dos mais visíveis exemplos da
exclusão de tipo social?
Segundo Costa (1998) esta exclusão pode não ter qualquer relação
com falta de recursos e resultar da falta de serviços de bem-estar, ou de
uma cultura pouco sensível à solidariedade. No entanto também podem
estar sobrepostos os dois tipos de exclusão.
 De tipo cultural, que pode advir de fenómenos como racismo, xenofobia
ou outras formas de segregação de minorias étnico-culturais. Podemos
aqui referir-nos às dificuldades de inserção de um ex-recluso ou alguém
de etnia cigana, como à aparente inserção da população chinesa ou outros
emigrantes que habitam no nosso país sem se integrarem realmente nele.
Podemos eventualmente colocar a hipótese de alguns elementos destes
grupos contribuírem activamente para a sua não inserção.
 De origem patológica, que menciona designadamente os factores de
natureza psicológica ou mental. Uma das causas do aumento de número
de sem abrigo na Europa é a mudança de política dos hospitais
psiquiátricos, uma vez que passaram a privilegiar o tratamento em
ambulatório de alguns doentes institucionalizados (Costa, 1998). Ora
8

estes doentes ou não têm casa, ou existe um corte relacional com a família
de origem, devido ao longo período de internamento. No entanto, mais
adiante, o processo de desinstitucionalização será alvo de uma análise
detalhada.
 Por comportamentos auto-destrutivos, uma vez que algumas pessoas que
se encontram em situação de marginalização são vítimas de um percurso
de auto-exclusão em consequência de comportamentos auto-destrutivos,
tais como, toxicodependência, alcoolismo, prostituição, entre outros.

Surge-nos como algo paradoxal a constatação de que na literatura a


toxicodependência e alcoolismo, muitas vezes, são ainda considerados enquanto
doenças algo diferentes das outras e colocadas num tipo de exclusão que o autor
denomina de “comportamentos auto-destrutivos”, estando bem patente a crença de
que se o indivíduo quisesse, de facto, poderia acabar com a sua doença. Será que no
fundo de nós não reside a convicção de que só é sem abrigo quem o quer ser. Que se
está nesta condição por opção e não por incapacidade de mudar.
Podemos em última instância perguntar de quem será responsável pela
existência de pessoas excluídas? Do próprio, da sociedade ou de ambos? De facto só
nos assumimos como responsáveis pelo que sentimos como pertença. Somos
responsáveis por nós, pelas pessoas que sentimos que “são nossas”, pelo nosso
emprego, pela nossa casa, pela nossa família. Dito de uma forma simples: sentimo-
nos responsável por “tudo o que é nosso”.
Na tentativa de estabilizar um quadro conceptual acerca do crescimento da
população que se admite estar em situação de exclusão, bem como, de evitar a
conotação estigmatizante, Soulet tenta inverter o conceito de exclusão colocando a
seguinte questão: “em que termos é que a sociedade já não parece capaz de integrar a
totalidade dos seus membros?” (Soulet, 2000, p. 15). Formulada deste modo, a
questão da exclusão deixa de ser um problema exclusivamente dos sujeitos, pondo a
descoberto a fragilidade e dificuldade da sociedade no seu conjunto para integrar
todas as pessoas. O mesmo autor avança ainda com uma possível explicação para o
fenómeno, atribuindo vital importância ao esgotamento do trabalho, como “grande
integrador” (Soulet, 2000).
Para Robert Castel, nas sociedades industriais e pós-industriais surgiu uma
nova categoria de pessoas, que o autor apelida de “supranumerária… de quem
9

continuaremos a cuidar mais ou menos porque não somos maus e porque ainda
falamos de solidariedade, mas que renunciaremos a integrar numa plena cidadania”
(Castel, 2000, pp. 36-37).
Segundo Xiberras, “o insucesso numa esfera do social não conduz à exclusão.
No entanto, multiplica a má sorte de um revés noutras esferas, por proximidade.
Assim, o insucesso é vector de insucesso e a acumulação de insucessos, ou a
acumulação de deficiências, torna-se, uma causa certa de exclusão social. Tudo se
passa como se a sociedade de acolhimento pudesse, em rigor, aceitar a diferença ou o
desvio em relação à normalidade, ao menos no que respeita a um ponto, mas a
acumulação, ou a soma, de demasiadas diferenças tornar-se-lhe-ia insuportável”
(Xiberras, 1996, p. 31).
Segundo Esteves (2000) o conceito de exclusão social não se resume ao nível
económico, abrangendo igualmente o plano moral, cultural, educacional, ético e
físico.
Na perspectiva de António Sousa, exclusão social consiste “numa degradação
no campo das trocas sociais e (...) erosão do (...) estatuto de cidadão...” (2000,
p.161).
Porventura será já banal a constatação de que sempre que nos referimos a
uma problemática psicossocial não possamos deixar de penetrar nas suas causas ou
questões de base. Ora, se para contextualizar a problemática da toxicodependência
não podemos deixar de falar das drogas, se para contextualizar a questão do
alcoolismo não podemos esquecer o álcool, se para falarmos de saúde não podemos
esquecer a doença, torna-se evidente que não podemos contextualizar a questão dos
sem abrigo sem falar do abrigo. Qual é o abrigo a que todos nós regressamos no fim
do dia, que nos acolhe, dá segurança e nos confere identidade? A casa. Assim, torna-
se fundamental nesta reflexão sobre os sem abrigo contemplar outra questão que nos
parece basilar: O que significa afinal não ter casa, ou melhor, o que significa, antes
de mais, ter casa e sentirmo-nos em casa?
10

Sinto-me em casa….

“Uma casa é um espaço que nós devemos ter desde o nosso início de vida até ao fim
para que a nossa vida seja normal. Nesta podemos fazer a nossa higiene saudável e
adequada, ter a nossa cama para dormir e descansar e ter a nossa família. Podemos ter lá
mais saúde.”
Fernando, sem abrigo de 45 anos2

“Sentirmo-nos em casa” é provavelmente das sensações de maior conforto e


tranquilidade que conhecemos. Remete-nos para um contexto no qual nos sentimos
seguros quer do ponto de vista interno como do ponto de vista da relação com o
exterior. Não será por acaso que damos sempre um toque pessoal aos espaços nos
quais passamos mais tempo e que sentimos como nossos.
Por vezes podemos retirar elações sobre traços de personalidade do outro
através da observação das características do seu espaço. A casa assume assim um
papel bem mais complexo do que um simples espaço. Aliás, a necessidade de nos
revermos no espaço que ocupamos é tal, que a simples secretária onde trabalhamos
pode espelhar um pouco de nós. Para alguém organizado, uma secretária
desarrumada e sem ordem aparente é desconcertante. Para quem necessita de
estabilidade, a mudança de espaço físico é igualmente desconcertante. Se no nosso
dia-a-dia o espaço físico assume uma importância tão preponderante, como poderão
os sem abrigo relacionar-se de forma indiferente com este? Ou será que não é assim
tão indiferente e o estar sem abrigo é por si só revelador de algo mais do que a
indiferença perante a “casa”?
Ainda que de forma tangencial, ao reconhecer-se que a casa proporciona
maior saúde, atribuímos à rua uma maior vulnerabilidade às doenças e à
precariedade das relações familiares.
Da palavra latina “casa”, enquanto morada, habitação, derivam palavras
como “acasalamento”, “casamento”, que lhe confere o sentido de união entre
pessoas.
A casa é, assim, um dos pilares do nosso mundo e um ponto de união entre
nós e os outros significativos. Enquanto espaço privado, ela estabelece um sentido de

2
Os nomes constantes neste trabalho serão fictícios para garantir o anonimato dos testemunhos.
11

separação e de interioridade, a partir do momento em que nela entramos retomamos


à nossa intimidade. Por outro lado, é também em torno desta que convergem todas as
coisas, fornecendo-lhes um sentido de ligação, de relação e de protecção (Bento e
Barreto, 2002).

“À minha casa podia levar os meus amigos a assim sentir-me bem pois eles
poderiam ver que eu também era capaz de ter uma casa”.
João, sem abrigo de 28 anos

Sobretudo no contexto social actual, ter um espaço físico é sinónimo de


reconhecimento de competência e validade pessoal e social, sendo este associado ao
estatuto de cada um, assumindo uma importância crescente na definição da
identidade e da integração comunitária que se alcança.
Subentende-se igualmente neste testemunho o sentido de valorização pessoal
que emerge do facto de se possuir uma casa. Ora, se idealizando ter uma casa, o sem
abrigo projecta um sentimento de valorização pessoal, podemos depreender que a
ausência desta o fará sentir-se incapaz. No entanto, diz-nos a experiência que estes
sentimentos dificilmente são verbalizados, transmitindo, inclusive com alguma
indiferença, que não precisam de uma casa para nada.
Retomando o exemplo da secretária, facilmente nos identificamos com o
sentimento de desconforto quando alguém altera a ordem das nossas coisas, como se
tal movimento representasse o desrespeito por nós próprios, sendo estes episódios
vivenciados como intrusivos. Como se a forma como o outro se relaciona com o
nosso espaço traduzisse a forma como se relaciona connosco.

“Uma casa não deve ser só quatro paredes com tecto, janelas e portas. Mas sim o
local onde nos sentimos bem, onde nos sentimos em família.”
Joaquim, sem abrigo de 42 anos

Podemos descrever a casa enquanto estrutura, caracterizá-la do ponto de vista


da forma, do conteúdo, das dimensões. Tal como por vezes sentimos que fazemos,
com a realidade dos sem abrigo: quem são, quantos são, que características têm?
Mas isso, embora caracterize a estrutura, deixa de fora o essencial do processo,
porque uma casa não é um simples espaço físico quando nela habitamos; e um sem
12

abrigo deixará por certo de ser um simples sem abrigo quando passa a fazer parte da
vida de alguém.

“Uma casa para mim significa conforto, aconchego, harmonia. Um lar para eu
poder viver com as minhas filhas.”
Joana, sem abrigo de 27 anos

Sem dúvida que habitar uma casa significa criar com ela uma rede de
vínculos interpessoais que a convertem não já num simples espaço físico mas num
lar.
Permitam-nos ir colocando questões que nos inquietam no decurso destas
linhas, pois pretendemos não só uma reflexão teórica sobre o tema, mas também
induzir ao desconforto de pensar como diariamente contribuímos para a existência de
pessoas sem abrigo.

“Não sei o que é uma casa. É um refúgio. Esqueci-me o que é uma casa. Neste
momento é o quarto onde estou, é um espaço privado. A minha casa é onde me dispo”.
Bruno, sem abrigo de 30 anos

Note-se como a casa pode simbolicamente representar o espaço mental. Tal


como este, ela permite estabelecer uma delimitação entre o dentro e o fora, entre um
espaço privado e um espaço público (Bento e Barreto, 2002). É neste “refúgio” que
podemos despirmo-nos e ser quem somos, por oposição ao traje que nos obrigamos a
vestir na exposição ao espaço público, representando o papel social que se impõe.
A forma como o indivíduo se sente pressionado para o desempenho de um
papel social, que muitas vezes não entende ou não aceita, pode toldar a vivência
afectiva da casa, limitando-a ao sentimento de refúgio. Este empobrecimento da
vivência subjectiva do espaço pode remeter-nos igualmente para períodos de risco de
perca de identidade social.
Sem grande noção da continuidade entre o espaço mental e a casa, muitas
vezes verbalizamos em períodos de maturação ou elaboração pessoal, que “estamos a
arrumar a casa”, ou em períodos de maior preocupação podemos dizer que “andamos
com macaquinhos no sótão” (Barreto, 2006, p.2). Dentro da mesma linha de
raciocínio, constatamos que em períodos de mudança pessoal podemos alterar a
13

disposição da casa ou ainda, nas fases de reconstrução tendemos a retirar alguns


objectos. Assim, a remoção do nosso espaço físico, dos objectos que nos vinculam às
pessoas de que nos afastámos materializa o afastamento psicológico e emocional das
mesmas, na mesma medida que as mudanças de disposição da casa simbolizam
alterações comportamentais desejadas. Por outro lado, ao guardar objectos
significativos, dispondo-os de forma ajustada às nossas fantasias, possibilitamos que
outros habitem simbolicamente o nosso espaço. A casa permite-nos não só uma
vivência enquanto sujeitos singulares, como também enquanto sujeitos em ligação e
interdependência com outros.

“Uma casa deve ser um sítio em que te encontres a ti próprio”


Rui, sem abrigo de 30 anos

O momento em que o jovem se decide sair de casa dos pais e ter o seu
próprio espaço, é também um momento de conquista de autonomia, de afirmação de
identidade. A partir daí o indivíduo conta com os seus próprios recursos para
enfrentar o mundo e encontrar o seu caminho. Ou seja, a capacidade de separação
psicológica é o factor essencial que a construção da sua própria casa materializa.
A forma como vamos oscilando entre fases nas quais estamos mais tempo em
casa e outras em que por lá passamos, sem perder muito tempo, permite traçar um
paralelismo com as fases de maior procura de interioridade ou de exploração do
exterior. A fase em que o casal passa mais tempo sozinho em casa para a fase em que
passa a receber visitas, também ela caracteriza um paralelismo entre as fases mais
centrípetas e centrífugas da realidade do ciclo familiar3.

3
Fleming (1995) defende que o modelo centrípeto corresponde a famílias altamente aglutinadoras onde
os comportamentos infantis são gratificados, os movimentos de autonomia e afirmação da diferenciação não são
estimulados, o que provoca nos seus elementos sentimentos de culpa face à separação, sentimentos de
incapacidade e de dependência. O modelo centrífugo corresponde a famílias que têm tendência a rejeitar os seus
elementos, empurrando-os precocemente para comportamentos adultos, provocando nos filhos a tendência para
estabelecer relações afectivas precoces com elementos exteriores à família.
A estes dois modelos corresponderiam diferentes modos de transacção patológica do processo de
separação-individuação. As três formas principais definidas por (Madanes, 1982) na patologia da separação são:
a) o encadeamento (binding), que resulta da impossibilidade de obtenção das satisfações fundamentais ou das
seguranças essenciais fora da família; este acorrentamento pode exercer-se a vários níveis (intelectual, cognitivo,
afectivo, moral) sendo que toda a tentativa de separação é vivida pelos pais como “crime número um”; b) na
delegação (delegating) o sujeito é encarregado de uma missão no exterior da família, tornando-se assim, uma
14

“Uma casa é o local onde posso viver com a minha família e lá encontrar o carinho
e compreensão de que preciso”
Rita, sem abrigo, 32 anos

Evolução do conceito de sem abrigo

Sem abrigo advém da tradução do francês sans abri e do inglês homeless. O


termo sans abri data de 1935 e reporta-se a “uma ideia de falta de habitat mínimo,
que protegeria o homem do frio, do vento ou da chuva, que, da mesma forma que a
alimentação e/ou o vestuário, assegura uma necessidade essencial à sobrevivência
humana” (Thomas, 1997, cit in Bento e Barreto, 2002, p.23). O termo homeless
provém da expressão houseless que refere a simples falta de residência física,
enquanto homeless se refere à pessoa que para além da falta de residência mostra
algum grau de isolamento social ou desafiliação4. Ou seja, a noção de homeless é
mais abrangente e refere-se também à ausência de recursos e laços comunitários que
permitam ao indivíduo reverter a situação de exclusão em que se encontra (Costa,
2004).
Considerando nós importante o significado das palavras, realçamos que o
termo abrigo deriva do latim - “apricus” que significa alperce ou, fruto que
amadurece ao sol (Moita, 2004). Por conseguinte, ter abrigo significa ter direito ao
sol e, não ter abrigo remete-nos para uma situação de vivência sombria. Logo,
abrigar é muito mais do que dar uma casa, é prover condições para a construção de
um lar que nos permita aceder a um leque variado de benefícios – a um “lugar ao
sol”.
Desde as primeiras expressões do interesse profissional sobre os sem abrigo,
o corpo de conhecimentos tem sido dificultado pela ausência de um padrão de

simples extensão do self parental; c) a expulsão (expelling) corresponderia ao abandono ou rejeição contínua do
jovem, que nos casos mais graves se traduz pela ideia de que o desaparecimento físico ou emocional do
adolescente é julgado necessário para a resolução da crise parental.

4
Por desafiliado entende-se aquele que se libertou das constrições dos laços afiliativos estáveis que, segundo
Bahr (cit in Main, 1998) são de seis tipos: família, escola, trabalho, religião, política e recreação. Embora em
França tenha um significado um pouco diferente, definido por Robert Castel, (2000) como o culminar da ruptura
do laço social, derradeira etapa da vulnerabilidade social.
15

definição do conceito (Bachrach 1984; Milburn & Watts 1986; Rossi, 1990) Mais do
que mera semântica, esta dificuldade reflecte como que uma inabilidade básica.
Para ajudar na confusão, ter uma casa não constitui uma variável que defina
com precisão quem são os sem abrigo, sendo alguns deles frequentemente invisíveis
para os pesquisadores, (Hope & Young 1986; Ropers 1988). Assim passamos a
apresentar um conjunto de definições veiculadas sobre a população sem abrigo no
sentido de clarificar a complexidade do conceito.
Segundo a definição inglesa transmitida no The Housing Act de 1985, “uma
pessoa é sem abrigo se não possui o direito legal ou se encontra impedida de ocupar
uma casa de forma segura ou com razoável conforto” (Munoz & Vasquez, 1998, p.
25).
Conforme a United States Alcohol, Drugs Abuse and Mental Health
Administration (1983) sem abrigo é qualquer pessoa que não dispõe de alojamento,
dos recursos nem dos laços comunitários adequados (Munoz & Vasquez, 1998).
O conselho da Europa (1992) definiu os sem abrigo como pessoas ou famílias
que estão socialmente excluídas de ocupar permanentemente um domicílio adequado
e pessoal (Munoz & Vasquez, 2001).
A Federação Europeia das Associações que Trabalham com os sem abrigo
(FEANTSA), propõe que se adopte uma definição que denominou de ETHOS –
European Typology of Homelessness (Tipologia Europeia sobre Sem abrigo e
Exclusão Habitacional), dado que considera ser esta uma definição abrangente, na
qual as diferentes realidades desta população, por toda a Europa, são integradas
(Spinnewijn, 2005, p. 22). Divide a população em quatro grandes grupos que se
enquadram nas situações de sem abrigo, sem casa, habitação precária e habitação
inadequada, ou mais especificamente: Sem Abrigo – pessoas que vivem na rua ou
pessoas que vivem em alojamentos de emergência; Sem Alojamento – lares de
alojamento provisórios ou em fase de inserção, lares de mulheres, alojamento para
Imigrantes, pessoas que saíram de hospitais ou estabelecimentos prisionais,
alojamentos assistidos; Habitação Precária – habitação temporária/precária, casa de
amigos, familiares, sem arrendamento, ocupação ilegal, pessoas à beira do despejo,
vítimas de violência doméstica; Habitação Inadequada – pessoas que vivem em
estruturas provisórias, inadequadas às normas sociais, pessoas em alojamento
indigno ou com sobrepopulação (Spinnewijn, 2005).
16

Construída em torno do conceito de casa, a FEANTSA considera a existência


de três elementos fundamentais, na ausência dos quais se esboçará a situação sem
abrigo: ter uma habitação adequada sobre a qual a pessoa e família podem exercer
uma posse exclusiva; poder manter a privacidade, conseguir relacionar-se e ter um
estatuto legal para ocupação.
Partindo destes elementos foram definidas categorias operacionais de sem
abrigo: Os sem tecto – alguém que se encontra a viver no espaço público, ou fica
num abrigo nocturno mas é forçado a passar várias horas por dia num local público;
Sem casa – que tendo uma acomodação temporária, não tem espaço privado nem
estatuto legal para ocupação; Habitação insegura ou inadequada – ou seja, tem um
espaço para viver, mas não é seguro, não tem condições de habitabilidade e existe a
incapacidade para o manter em termos económicos. A abertura do conceito de sem
abrigo a outras categorias operacionais teve a eficácia de alertar para o fenómeno
que se inicia muito antes de se estar a viver na rua.
Em Portugal a utilização desta terminologia tem vindo, mais recentemente, a
ser debatida procurando ganhar maior impacto na percepção de que está cada vez
menos assente numa linearidade causal explicativa centrada nas características
individuais dos sem abrigo, “sendo urgente promover uma reflexão que permita dar
visibilidade às causas estruturais destes fenómenos de marginalização extrema e que
se encontram, aliás, inscritas nas trajectórias individuais e familiares mais ou menos
explícitas” (Baptista, 2005, p. 60)
No dia 12 de Setembro de 2007, no Auditório do Instituto da Segurança
Social, em Lisboa, decorreu uma reunião extraordinária do grupo técnico5 para a
“Definição da estratégia de Apoio aos Sem abrigo”, em que se estabeleceu consenso
sobre o conceito de “Sem Abrigo”.
Considera-se sem abrigo a pessoa que, independentemente da sua
nacionalidade, idade, género, condição socio-económica e estado de saúde física e
mental, se encontre reiteradamente sem tecto vivendo no espaço público, alojada em
abrigo de emergência ou com parceiro em lugar precário não público, ou sem casa,

5
Entidades que integram o grupo interinstitucional para a definição de estratégias de prevenção,
intervenção e acompanhamento para pessoas sem abrigo: ACIDI, ANM, CIG, DGS, DGSS, IDT, IEFP, IHRU,
PSP, GNR, SCML, CNIS, UMP, REAPN, FNERDM, ISS, LNEC, Observatório da FEANTSA, Escola Nacional
de Saúde Pública, Direcção Geral dos Serviços Prisionais.
17

em alojamento por definição temporário destinado para o efeito, Confederação


Nacional das Instituições de Solidariedade (2007). A reiteração implica que a
condição de sem abrigo prevalece, num período de tempo superior a 3 meses, sobre
outras eventuais condições de vida e de alojamento. A condição de sem abrigo
deverá ainda implicar, desejavelmente, o reconhecimento do próprio ou, em face de
manifesta impossibilidade cognitiva, um consenso de pelo menos três Técnicos (as)
de acção social ou de saúde mental e comunitária, Confederação Nacional das
Instituições de Solidariedade (2007).
Os objectivos deste grupo técnico são: Definição do conceito de sem abrigo a
utilizar a nível nacional; definição de metodologias e estratégias de intervenção a
replicar em todo o território que permitam, nomeadamente, um maior conhecimento
sobre as situações, o trabalho desenvolvido por todas as instituições e a duplicação
de intervenções; organização e funcionamento das estruturas e equipamentos
dirigidos a esta população; reflexão sobre as respostas sociais existentes e
possibilidades da sua rentabilização; monitorização da estratégia adoptada (REAPN,
2009).
Ao nível das metodologias e estratégias de intervenção, consideramos
pertinente introduzir algumas das realidades actuais, nomeadamente no tocante às
recentes reflexões efectuadas pela FEANTSA (2008) acerca dos modelos de
intervenção usados na Europa junto da população sem abrigo. Torna-se notório o
reconhecimento da necessidade de reforçar as estratégias de prevenção a agilizar
junto dos indivíduos em risco de vivenciar tal condição. Assim, o alargamento do
conceito acarreta consequências inevitáveis na mudança de estratégias de
intervenção e de políticas sociais de apoio.
Costello (2008) defende que a maioria das pessoas que ficaram na condição
de sem abrigo gostariam de poder permanecer nas suas casas, pois essa possibilidade
representa a manutenção de redes de vizinhança e de redes relacionais vitais ao seu
bem-estar bio-psico-social. Auxiliar as pessoas a manter as suas habitações deveria
ser uma estratégia prioritária ao nível da prevenção, evitando desta forma o
sofrimento pessoal dos indivíduos e a interrupção dos processos de socialização,
nomeadamente das crianças.
Esta é igualmente a forma de intervenção defendida na Áustria, o reforço das
estratégias de prevenção. Kitzman (2008) defende que maioria das pessoas que ficam
na situação de sem abrigo desconhecem o acesso a benefícios financeiros e subsídios
18

que os podem ajudar a sair das situações de crise em que se encontram. Realça que
maioria destes subsídios não tem carácter retroactivo, pelo que os indivíduos devem
recorrer a eles atempadamente. Apoiando os indivíduos a pagar as suas rendas
diminui a necessidade de recorrer aos abrigos, sendo que, a longo termo, se as
estratégias de prevenção forem bem sucedidas, se reduziria a necessidade de abrigos
no país. Por outro lado, tal estratégia promove a rápida recuperação da capacidade do
indivíduo para tomar decisões e organizar a sua autonomia. Se se verificar a
necessidade de apoio financeiro para a liquidação de rendas, será provido tendo por
base o princípio da “ajuda para a auto-ajuda” Kitzman (2008), desde que sejam
perspectivadas condições dos indivíduos assumirem o pagamento das suas
prestações no futuro.
O estudo feito pelo Centro de Arrendamento Seguro (2007), na Áustria,
demonstrou que prevenir uma situação de sem abrigo teria um investimento de 370
euros mensais, durante cerca de 6 meses, sendo que a reintegração do mesmo
individuo teria um encargo de 460 euros mensais, prevendo-se a necessidade de o
apoiar durante cerca de 12 meses. Kitzman (2008) afirma que, quanto mais
duradoura for a vivência de sem abrigo, mais moroso será o processo de
ressocialização. Defende ainda que a prevenção e a reintegração devem ser respostas
complementares, pois existirão sempre pessoas que necessitam de apoio mais
especializado, podendo beneficiar dele em instituições ou nas suas próprias
residências, prevenindo os fenómenos de dessocialização.
A perda da habitação dificilmente é o ponto de partida de um percurso de
exclusão social, tal como a atribuição da mesma não resolve todos os problemas que
a problemática dos sem abrigo comporta, Pezzana (2008). São assim necessárias
políticas sociais que congreguem intervenções preventivas, de reinserção e de
manutenção da inserção da população mais vulnerável a processos de exclusão
social.
Na Noruega é da responsabilidade dos serviços municipais providenciar
alojamento temporário às pessoas sem abrigo e dar assistência a todos os que não
consigam manter uma casa por si próprios. A atitude face ao direito a uma habitação
deixou de estar dependente do “bom comportamento” dos indivíduos, assumindo-se
como um direito fundamental. Os objectivos da estratégia de intervenção neste país
passam pela prevenção de novos casos; pela melhoria da qualidade dos centros de
abrigo e pela rapidez de atribuição de habitação permanente a esta população.
19

Defende-se, ainda, que ninguém deverá permanecer mais de 3 meses em habitações


temporárias (Sveri, 2008).
O autor considera que esta população necessita de acompanhamento na fase
de adaptação à nova residência, assumido por assistentes sociais em regime de apoio
domiciliário. Inicialmente o contacto é constante, devendo progressivamente
estabelecer-se uma frequência de visitas. As necessidades mais frequentes prendem-
se com o treino de actividades quotidianas e com o acompanhamento ao nível do
tratamento de dependência de álcool ou drogas Sveri (2008).
Ao nível da atribuição de habitação permanente o mesmo autor refere os
benefícios das rendas acessíveis nos bairros sociais, sem deixar de destacar que a
grande concentração de população vulnerável nestas zonas pode traduzir-se num
factor de exclusão, defendendo a necessidade das casas serem construídas em zonas
pouco isoladas, com bom acesso a transportes públicos (Sveri, 2008).
Também Ó Broin (2008) defende a política de prevenção, tanto no que
respeita ao aparecimento de novos casos, como no retorno à situação de sem abrigo,
considerando igualmente fundamental um aumento de investimento na construção de
habitação social.
Retomando os propósitos definidos pelo grupo de trabalho interinstitucional,
embora esta não seja uma problemática recente, o facto é que um dos objectivos
primordiais deste grupo passa pela definição do conceito de sem abrigo a utilizar a
nível nacional, o que exibe, por um lado a ausência de perceptibilidade até então e
por outro, a necessidade imperiosa de se chegar a um consenso relativamente ao
conceito de sem abrigo (REAPN, 2009). Exemplo desta ausência de clareza
conceptual é a identificação dos recentes estudos do Instituto da Segurança Social
realizados entre 2004 e 2005, e publicados em Dezembro de 2005, enquanto estudos
caracterizadores da população sem abrigo, quando efectivamente apenas
caracterizam a realidade de 467 pessoas sem abrigo a viver na rua, ou seja, a
categoria operacional a aplicar seria – sem tecto, Estudo dos sem abrigo (2006).
Para alguns autores o conceito “comporta duas características que se podem
enquadrar na fórmula: perda de casa + perda ou afrouxamento de laços.” (Bento,
2004, p.70) ou “corresponde à perda de casa associada à perda ou frouxidão dos
laços com a família e sociedade.” (Bento & Barreto, 2002, p.26).
Tanto Baptista (2004), como Pereira e colaboradores (2000) integram no
mesmo conceito as questões de habitação, das carências económicas, da dificuldade
20

de inserção no mercado de trabalho, com os problemas de saúde e ausência de redes


de suporte.
Pimenta, opta pelo conceito mais abrangente de sem abrigo, para designar a
situação daqueles “indivíduos que não possuem meios de subsistência, nem
domicílio certo e pernoitam ao relento ou recorrem a alternativas provisórias
(escadas, casas velhas abandonadas, camaratas, albergues) e que estão a viver num
processo de ruptura (ou romperam já) com os principais espaços de referência social
– família, trabalho e comunidade” (Pimenta, 1992, p.24)
No entanto, a indefinição do conceito não é uma realidade unicamente
nacional. Através do levantamento bibliográfico realizado até então, é visível, uma
vez mais, a discrepância de dados relativamente ao número de sem abrigo, tendo em
consideração a definição adoptada nos diferentes estudos (Burt, 1992; Avramov,
1995, Salinas, 1993, Koegel, 1996, Toro, 1997, Munoz & Vasquez, 2001, Martijn &
Sharp, 2006).
Um dos países que revela maiores variações nos dados recolhidos é os E.U.A.
(Link, 1995, 1999, Helvie, 1999), onde os resultados oscilam entre os trezentos mil e
os dois milhões de sem abrigo. Em 1983, a Administração de Saúde Mental estimou
a existência de aproximadamente 2 milhões de pessoas sem abrigo nos Estados
Unidos. Contudo, no ano seguinte, o Departamento de Moradia e Desenvolvimento
Urbano dos Estados Unidos (1984) rejeitou a anterior estimativa e realizou um outro
estudo em que foram identificadas somente 250.000 para 350.000 pessoas sem
abrigo no país. Ambas as estimativas foram metodologicamente falhadas (General
Accounting Office 1988) e mais tarde profundamente criticadas (Rich 1986; U.S.
Congress 1984). Link (1995), conduziu um estudo no qual foi realizado um
exaustivo levantamento telefónico, constatando que 14% da população, cerca de 26
milhões de pessoas, experienciaram ao longo da vida, pelo menos um episódio de
situação de sem abrigo.
Para Santiago (1988), a definição de sem abrigo varia entre o estar
literalmente “sem casa” e “sem casa” pelo menos uma vez nos últimos três meses”.
Costa (1998) afirma que o termo sem abrigo reúne assim várias situações:
Aqueles que vivem na rua; os que ocupam, legal ou ilegalmente casas abandonadas,
barracas, entre outros; os que se encontram alojados em refúgios ou centros de
acolhimento para sem abrigo, quer do sector público quer do privado; os que vivem
em pensões, camaratas ou outros refúgios privados; os que vivem com amigos e
21

familiares, com os quais podem ver-se forçados a coabitar; que residem em


instituições, estabelecimentos de cuidados infantis, hospitais, prisões e hospitais
psiquiátricos, e que não têm domicílio ao sair destas instituições; os que possuem
uma casa que não se pode considerar adequada ou socialmente aceitável,
convertendo-se por isso em pessoas ou famílias mal alojadas. Para este autor, a
definição de sem abrigo abrange um espectro de situações que têm em comum a falta
de meios (pobreza) e dos laços comunitários (exclusão social) para aceder a um
alojamento pessoal adequado (Costa, 1998).
Daily (1996) considera que os sem abrigo englobam uma realidade bastante
heterógena encontrando algumas classificações no que se refere a prováveis causas,
duração e necessidades, que orientam as abordagens teóricas ao tema.
(1) Muitas vezes a condição de sem abrigo é caracterizada em termos das
causas presumíveis ou que precipitam essa condição: a) acidentais (resultantes de
desastres naturais ou acontecimentos exteriores ao próprio); b) estruturais
(relacionadas com problemas de saúde ou pobreza); c) económicas (desemprego,
consequência da quebra na industrialização); d) políticas (refugiados políticos ou de
conflitos étnicos) ou sociais (mães solteiras e outros indivíduos descriminalizados ou
marginalizados) (Bassuk, 1988).
(2) Os indivíduos sem abrigo são também descritos em termos da duração da
sua condição ou do seu grau de vulnerabilidade variando desde indivíduos crónicos
sem abrigo, indivíduos periodicamente sem abrigo ou de forma episódica (ex.
trabalhadores emigrantes, jovens ou mulheres refugiadas devido a situações de
violência doméstica); indivíduos temporariamente sem abrigo devido a
“acontecimentos de vida stressantes” (desemprego súbito, problemas graves de
saúde, morte do cabeça de casal ou perca de casa), (Munoz & Vasquez, 2001), até a
indivíduos considerados vulneráveis ou “em situação de risco” (ex. mães solteiras
com filhos menores, pessoas de idade, logo mais fragilizadas, refugiados,
vagabundos, e emigrantes ilegais desprotegidos pela lei), (Daly, 1996, Carter, 1990;
Crane, 1990, Timmer, 1994, Watson, 1986).
(3) Os sem abrigo podem também ser descritos com base nas suas
necessidades: a) indivíduos que se encontrem numa posição vulnerável ou em risco
de se tornar sem abrigo num futuro próximo, necessitam de ajuda a curto prazo de
forma a prevenir esta situação; b) indivíduos cuja necessidade primária ou única seja
o alojamento. Muitas vezes este grupo é constituído por trabalhadores pobres que se
22

encontram episodicamente ou temporariamente sem abrigo e que podem necessitar


de assistência financeira de forma a reestruturar-se, não apresentando outros
problemas de maior gravidade, desde que a ajuda necessária lhes seja prestada
atempadamente; c) indivíduos que se apresentam em situação crónica de sem abrigo
mas que, com apoio, estarão aptos a viver de forma autónoma ou em estruturas de
apoio. Neste grupo incluem-se os indivíduos que tenham sido abusados ou
institucionalizados e que necessitem de uma estadia numa casa/apartamento de
transição por um espaço de tempo considerável antes de serem capazes de se
autonomizar; d) indivíduos que necessitem de cuidados de forma continuada, com
aconselhamento e serviços de apoio adequados. Alguns destes talvez possam ser
colocados em estruturas de transição ou em casas próprias nas quais continuem a
receber todo o tipo de apoio necessário à sua organização (Diblasio, 1995; Greve,
1990, Keyes, 1988).
Em termos práticos ao nível da investigação realizada em Portugal acerca
desta problemática, constatamos que os principais estudos efectuados têm como
população alvo os sem tecto, permanecendo ainda bastante desconhecida a real
dimensão dos sem abrigo.
Pereirinha (2007) identifica dois tipos de sem tecto: a) Os sem tecto crónicos,
com muitos anos de rua, há muito despojados de regras e de sonhos, onde a doença
mental e a degradação física imperam. Ainda que se conclua que a grande maioria
dos sem tecto recorra aos serviços públicos de saúde (hospitais ou centros de saúde)
existem ainda situações de indivíduos, em grande debilidade física e mental, por
vezes, até mesmo em estados terminais, a viverem na rua e sem quaisquer
mecanismos de assistência médica; b) os novos sem tecto, pessoas que se encontram
há pouco tempo na rua por múltiplas perdas (profissionais, familiares, individuais),
que necessitam de um mecanismo de mediação, que lhes permita reconstruírem o seu
projecto de vida.
No guião para a recolha de indicadores de risco relativos à situação de sem
abrigo (Plano de Desenvolvimento Social, p.15, Instituto de Segurança Social,
2003), são identificados os grupos de risco face a situações sem abrigo. Sendo que a
experiência e os estudos nesta área têm demonstrado que os grupos mais vulneráveis
são aqueles onde, para além de não existir alojamento e rendimentos que possam
garantir o suprimento das necessidades básicas, existem outros problemas
23

associados, relacionados com problemas crónicos de saúde ou relacionais,


nomeadamente a fragilidade de laços familiares ou sociais de suporte.
Os grupos identificados no supra referido Plano e que devem ser tidos em
conta no diagnóstico da problemática dos sem abrigo são: (1) Pessoas que não têm
suporte familiar à saída de um processo de desinstitucionalização – os ex-reclusos
sem suporte familiar, jovens que deixam lares de infância e juventude sem suporte
familiar, doentes mentais que saem dos hospitais psiquiátricos e pessoas que se
encontram em respostas institucionais (equipamentos sociais) de permanência
temporária; (2) Pessoas em risco de despejo – pessoas com ordem de Tribunal para
deixarem as suas habitações por falta de pagamento de rendas ou encargos aos
bancos; (3) Vítimas de desalojamentos – pessoas que, por efeito de calamidades,
perderam as suas habitações; (4) Pessoas com baixos rendimentos e doenças crónicas
que implicam gastos elevados em saúde; (5) Pessoas desempregadas; (6) Pessoas
com dívidas (que recorrem sistematicamente aos serviços sociais com pedido de
ajuda para pagamento de dívidas ou serviços); (7) Imigrantes em situação de
ilegalidade.
A identificação destes grupos, ao nível do diagnóstico, tem subjacente a
necessidade de envolver os “actores sociais” que podem constituir fontes de
informação face a estas realidades. Assim, o ISS-IP considera fundamentais as
seguintes fontes de informação:
24

Grupo de risco Fonte de Indicador de risco Factores agravantes


informação de risco
Falta de habitação a
Nº de pessoas desalojadas custo baixo
Pessoas desalojadas Protecção civil
/mês Ausência/insuficiência
rendimentos
Tribunal, Falta de habitação a
Pessoas em risco de autarquias, Nº pessoas em risco custo baixo
despejo associação despejo/mês Ausência/insuficiência
senhorios rendimentos
Pessoas em vias de desinstitucionalização:
Falta de formação
Nº de jovens que vão
Lares de crianças e profissional
Lares abandonar equipamento
jovens Desemprego
sem suporte social
Nº de doentes que vão
Hospitais
Doentes mentais abandonar hospital sem
psiquiátricos
suporte social
Nº de doentes que vão
Serviços sociais Idade avançada
Altas hospitalares abandonar hospital sem
hospitais Desemprego
suporte social
Nº de pessoas que vão
Comunidades Instituição
abandonar equipamento Idade avançada
terapêuticas responsável
sem suporte social
Nº de pessoas que vão
Instituição
Centros de abrigo abandonar equipamento
responsável
sem suporte social
Nº de pessoas que vão
Instituição
Casas abrigo abandonar equipamento
responsável
sem suporte social
Idade
Nº de pessoas que vão Tempo de pena
Estabelecimentos deixar estabelecimento Doença mental
DGSP
prisionais prisional sem suporte Toxicodependência,
social alcoolismo

Alojamento em pensão
Nº pessoas em pensão
totalmente paga pela SS/autarquia
totalmente paga
acção social
Nº pessoas a receber
subsídio social de
Pessoas a receber
desemprego
subsídio social de SS
Risco acrescido: casal
desemprego
desempregado, doença
crónica
Pessoas
IEFP
desempregadas
Desemprego
Imigrantes Falta de formação
Situação irregular
Quadro 1 - Fontes de informação e grupos de risco face à situação de sem abrigo
25

Apenas uma caracterização exaustiva e detalhada nos permitirá construir


politicas sociais de inserção, adequadas à realidade nacional e criar um plano de
prevenção sustentado em necessidades efectivas da população carenciada.

Evolução do fenómeno dos sem abrigo

Algumas das investigações sobre a evolução deste fenómeno (Bahr, 1973;


Blumberg, 1973; Bogue, 1963; Daly, 1996, Rossi, 1990, Thelen, 2006) apresentam
consideráveis diferenças entre os actuais sem abrigo e os existentes há duas décadas.
Sousa (2001) refere que aos marginalizados clássicos – os mendigos e os
vagabundos – acrescem uma nova geração de excluídos que resultam do
desemprego, do consumo de substâncias, da crise económica, da crise de valores e
das influências das políticas sociais.
Na União Europeia estimava-se em 1995 existirem próximo de 18 milhões de
pessoas em situação de sem abrigo ou mal alojadas (Avramov, 1995).
Brandt (2008) afirma que tal como em toda a Europa, na Dinamarca se
confirma o aumento de jovens adolescentes e o decréscimo do número de sem abrigo
idosos. Dadas estas alterações assiste-se uma transformação das necessidades e,
consequentemente das respostas a implementar. Era usual a disponibilidade de
quartos para idosos em instituições que lhes provessem mais cuidados de saúde, na
actualidade tornam-se imprescindíveis respostas habitacionais para jovens.
Ao nível da realidade Irlandesa, Ó Broin (2008) confirma a existência, em
Dezembro de 2008, de 366 pessoas sem abrigo a viver na cidade de Dublin, o que
representa um aumento de 4% face aos números encontrados em 2005 –
paradoxalmente, encontra um decréscimo de 185 centros de abrigo para 110, em
2008.
Na Suécia o número de sem abrigo aumentou cerca de 15%, de 1999 a 2005.
Em Abril de 2005, foram identificadas cerca de 17.800 pessoas, das quais 75%
homens, tendo ainda assim existido um grande acréscimo de mulheres. De destacar
que 30% da população são pais de jovens com idade inferior a 18 anos. Muito
poucos tinham emprego ou qualquer tipo de ordenado, sendo que 60% apresentava
problemas de dependência de álcool ou drogas e 40% problemas de saúde mental.
No último ano, 35% desta população esteve envolvida em medidas judiciais (e.g.
tratamento correctivo e internamento compulsivo), cerca de 50% recebeu tratamento
26

relacionado com quadros de dependência e 30% tratamento psiquiátrico (Önnevall,


2008).
O significado de sem abrigo tal como utilizado por Bahr (1973), Blumberg
(1973), Bogue (1963) e outros investigadores desta época era algo diferente do de
hoje, fazendo referência a pessoas que se encontravam fora da unidade familiar,
enquanto que actualmente o termo está mais ligado à absoluta falta de condições
habitacionais e ausência de vínculos.
Numa investigação elaborada por Soeiro (1959) em Lisboa, no albergue de
Mitra, durante o período compreendido entre 1947-1948, o autor constatou que dos
192 sem abrigo estudados, 61% eram psicopatas, 58% alcoólicos, 19% apresentavam
debilidades mentais, 25% invalidez física e 16% eram delinquentes. De destacar que
neste estudo a totalidade da amostra era constituída por indivíduos do sexo
masculino. O primeiro estudo que retrata a existência de mulheres sem abrigo em
Portugal data de 1989, levado a cabo por Bento e Marmeleiro, em Albergues da
cidade de Lisboa, bem como junto de sem abrigo que permaneciam nas ruas da
cidade. Neste estudo, Bento (1989), encontra 17% de população feminina, sendo que
a população sem abrigo manifestava as seguintes características disfuncionais: 24%
apresentava consumos de álcool, 10% de drogas e 83% doença psiquiátrica.
Rossi (1990) constata que no início dos anos 80 se assiste ao despontar de um
novo tipo de sem abrigo, exibindo hábitos e características muito particulares e, de
certa forma, distanciando-se dos mendigos de outrora: estão concentrados numa
única zona, dormem em caixas de cartão, carros abandonados e vários locais
públicos que tornam a sua existência óbvia, à qual dificilmente alguém poderá
permanecer indiferente. Uma das questões que causou maior perplexidade foi a
presença de mulheres entre os sem abrigo (25% entre 1985 e 86 em comparação com
os 3% dos anos 60), (Rossi, 1990). Pouco depois, seriam famílias inteiras atraindo a
atenção da opinião pública, tornando-se indispensável criar novas tipologias de
alojamento para acomodar estas famílias. Não restam dúvidas de que o número de
sem abrigo aumentou exponencialmente nas últimas décadas e que a composição
deste grupo é cada vez mais heterogénea.
Vários são os factores apontados como conducentes a situações de sem
abrigo, desde influências socio-económicas à desinstitucionalização, das
problemáticas mentais ao papel desempenhado pelos serviços sociais (Mc Carty,
Argeriou, Huebner, & Lubran, 1991; Solarz & Bogat, 1990; Toro, 1998). Dentro das
27

influências socio-económicas incluem-se os elevados preços do mercado


habitacional (Daly, 1996; Harvey, 1994), a existência de dificuldades económicas
(Koegel, Melamid, & Burnam, 1995), o abuso de substâncias (Johnson, Freels,
Parsons, & Vangeest, 1997) e a influência precursora de conflitos familiares (Koegel
et al., 1996).
Desde 1983 foram desenvolvidos diversos estudos exploratórios (Grella,
1994; Rossi, 1990; Greenblatt & Robertson, 1993; Abdul-Hamid, 1997) nos Estados
Unidos com o objectivo de caracterizar os novos sem abrigo em diferentes cidades,
sendo que destacamos a investigação realizada em Chicago por considerarmos ser
uma das mais abrangentes. Uma das grandes diferenças encontradas entre os antigos
e os novos sem abrigo prende-se com o facto dos primeiros conseguirem, de uma
forma ou de outra, encontrar abrigo para passar a noite, enquanto esta nova vaga
pernoita, na sua grande maioria, na rua e em locais públicos.
Um segundo contraste prende-se com o factor idade, estes estudos revelam
uma média de idades na casa dos 30, apontando para um decréscimo de pessoas
idosas e, muito poucos sem abrigo a usufruir de pensões da Segurança Social.
Rossi (1990) aponta uma terceira diferença que diz respeito aos padrões de
emprego e de rendimento: durante os anos 60, exceptuando-se os pensionistas, mais
de metade dos sem abrigo encontrava-se a trabalhar, ainda que por curtos espaços de
tempo ou em trabalho precário. Os novos sem abrigo de Chicago apresentam apenas
3% de integração em trabalho estável e apenas 39% de integração em qualquer tipo
de trabalho durante o mês prévio ao estudo. De acordo com estes dados, os novos
sem abrigo caracterizam-se por uma maior degradação económica.
Outra diferença encontrada neste estudo prende-se com a composição étnica
dos sem abrigo, uma vez que actualmente o número de indivíduos pertencentes a
minorias étnicas é já bastante significativo.
Apesar dos sem abrigo continuarem a ser maioritariamente homens
(FEANTSA; citada por Avramov, 1995), assiste-se a uma mudança com o surgir de
população feminina (Grella, 1994), famílias (Rossi, 1990), jovens (Greenblatt e
Robertson, 1993) e de idosos (Abdul-Hamid, 1997).
Entre estes podemos contar: mães solteiras com baixos rendimentos,
mulheres vítimas de violência doméstica que fugiram de suas casas, trabalhadores
deslocados devido a mudanças na economia, adolescentes em fuga ou vítimas de
abusos, idosos com pensões fixas muito baixas, indivíduos em trânsito devido a
28

situações de trabalho sazonal, questões domésticas ou crises pessoais. Alguns são ao


mesmo tempo desempregados e portadores de doenças, outros têm problemas do
foro psiquiátrico os quais conduziram à dependência de substâncias. Uma
percentagem considerável já esteve presa ou de outro modo institucionalizada.
Quando devolvidos às suas comunidades, muitos possuem capacidades sociais muito
limitadas sendo que a rede de suporte é também escassa. A maior parte das vezes
vivem em isolamento social sem ter a quem pedir ajuda (Daly, 1996).
Em termos da realidade portuguesa, Fernandes (1993) estimava que
existissem em Lisboa próximo de 4500 pessoas nessa situação. Por seu lado Bento,
Barreto, e Pires (1996) situaram a população sem abrigo entre os 2000 e os 3500
indivíduos. Mais recentemente Pereira e Silva (1998), apontavam para um número
mínimo de 654 e um máximo de 859 indivíduos a pernoitar nas ruas de Lisboa.
Segundo Batista (2004), assiste-se à convulsão de emigrantes de leste a viver
na rua, com forte presença nos abrigos disponíveis. Se alguns existem em que o
recurso a estes abrigos tem uma dimensão puramente instrumental, com o objectivo
de economizar, outros há com graves problemas de alcoolismo. Esta população
apresenta uma dificuldade acrescida que advém do desconhecimento da língua
portuguesa, reforçando o seu isolamento, ao contrário da imigração oriunda dos
países africanos de expressão portuguesa. Estes últimos maioritariamente recorreram
à construção ilegal evitando assim uma situação efectiva de sem tecto.
Relativamente ao crescente número de mulheres em situação de sem abrigo é
consonante com estes dados, embora este fenómeno seja tendencialmente menos
visível que no caso dos homens. Tal justifica-se pela maior facilidade das mulheres
em agilizar os recursos necessários para prevenir uma situação efectiva de ausência
de habitação, entre eles o apoio familiar e o recurso à prostituição, bem como uma
maior flexibilidade de trabalho nomeadamente em actividades domésticas ou de
prestação de cuidados (Baptista, 2004). Ao homem pelo contrário, em termos
culturais é-lhe exigido o sustento da família que lhe advém do êxito profissional
extra domiciliar. Um fracasso profissional será sempre vivido de forma mais
constrangedora, uma vez que a mulher, ainda assim, pode manter a sua função
doméstica e preservar o sentimento de utilidade e reconhecimento social.
Em termos culturais ao homem está associado o papel de trabalhador e de
sustento da casa. “Estar desempregado significa ser «inútil», o que acarreta consigo
para além de dificuldades de natureza material, que afectam frequentemente toda a
29

família, o peso de uma reprovação social individualmente interiorizada e assumida”


(Batista, 2004, p. 37).
Existe contudo uma linha de continuidade entre os sem abrigo de antigamente
e os actuais: ambos vivem em condições de extrema miséria, os seus recursos
económicos são insuficientes para suportar um alojamento. Na verdade, a base da
sua subsistência é acautelada pelos abrigos gratuitos, pela alimentação fornecida nas
misericórdias e outras valências sociais, pelo apoio médico gratuito nas urgências
dos hospitais e distribuição de roupa e calçado pelas entidades de ajuda humanitária.
Perante toda esta situação de pobreza extrema os sem abrigo estão expostos a
problemas de saúde, com uma matriz histórica e, sobejamente conhecidos, como a
subnutrição. No entanto, actualmente, levanta-se uma nova questão de saúde pública
que se prende com o reaparecimento da tuberculose, nomeadamente de um novo e
mais fulminante tipo que surge na sequência das interrupções e falta de adesão à
terapêutica tuberculostática. Referimo-nos pois à tuberculose multi-resistente. Já no
reinado de D. Manuel I, o hospital de todos os santos, único hospital de Lisboa na
altura, criou um regulamento que obrigava o provedor a sair à rua todas as noites,
acompanhado pelo médico do hospital, no sentido de recolher todos os sem abrigo
que estivessem doentes (Sousa, 2004). 6
Observa-se contudo que os sem abrigo de hoje sofrem basicamente das
mesmas patologias dos antigos: alcoolismo, doença física e mental.
Aproximadamente um em cada oito sem abrigo chega a esta condição devido
a problemas crónicos de saúde física e/ou mental (Wright & Weber, 1987; Brickner
et al, 1985; Robertson & Cousineau, 1986). A esperança de vida de um sem abrigo é
de cerca de 50 anos.
Em Lisboa, o Grupo de Ecologia Social do Laboratório Nacional de
Engenharia Civil, entre Fevereiro e Abril de 2000, contabilizou 1366 sem abrigo.
(Grupo de Ecologia Social, 2000, cit por Bento & Barreto, 2002)
O consumo de substâncias ilícitas nesta população é muito frequente (Wright
& Weber, 1987). Em Lisboa, Barreto e Bento (2002) numa amostra de sem abrigo
apuraram 32% de indivíduos com dependência de álcool e 17% com consumos de
outras substâncias.

6
. O principal problema de saúde pública que existia na altura era a sífilis, podendo nós estabelecer algum
paralelismo entre esta e a tuberculose dos dias de hoje, no que concerne ao impacto destas doenças na saúde
pública, bem como, nas medidas de prevenção e controlo necessárias à sua erradicação.
30

Segundo dados do INE, em 2001, cerca de 20% da população portuguesa


encontrava-se numa situação de risco de pobreza. Portugal, conjuntamente com a
Irlanda (21%), Grécia (20%), Espanha e Itália (19%) e Reino Unido (17%),
apresenta uma taxa de risco de pobreza superior à média da UE, que se situa nos
15% (INE, 2001).
Em 2001, segundo os resultados dos últimos Recenseamentos Gerais da
População e Habitação, 81983 pessoas residiam em alojamentos não clássicos, ou
seja, barracas, casas rudimentares de madeira, entre outros; representando 0,8% do
total da população residente em Portugal e dos quais 52,7% eram homens e 47,3%
eram mulheres (INE, 2001).
Num estudo efectuado pelo Instituto de Segurança Social (2005), sobre as
pessoas sem tecto, desenhou-se o seguinte perfil: Cidadão de nacionalidade
portuguesa, sexo masculino, solteiro, em idade activa (entre 30 e 59 anos) e com
baixo nível de escolaridade. Um levantamento feito em 2004 pelos centros distritais
resultou num número global de 2717 pessoas a viver em situação de sem abrigo
(Instituto de Segurança Social, 2005). Financiado pelo Programa Operacional de
Assistência Técnica (PO/AT), este estudo integrou duas fases. A primeira, realizada
em 2004, procurou uma definição conceptual da temática sem abrigo. A segunda,
feita já no final de 2005, procurou obter uma análise abrangente da situação dos sem
tecto residentes em Portugal estudo inédito efectuado pelo Instituto de Segurança
Social (ISS) sobre as pessoas sem-tecto.

Em 2004 foram identificadas 273 pessoas esporadicamente a dormir na rua ou num


albergue devido a pressão intensa no universo familiar, 296 esporadicamente sem abrigo
devido a problemas de foro psiquiátrico ou dependência, 489 com alojamento (casa ou
pensão) mas incapazes de o manter sem ajuda dos serviços sociais, 1044 a pernoitar em
espaço aberto, 170 em centros de acolhimento, 330 em casas abandonadas ou barracas e 115
em arrumos, carros abandonados, varandas cedidas.
Na segunda fase, verifica-se um "afunilamento" para a forma mais severa: a
população que vive sem tecto e sem apoio institucional, Instituto da Segurança Social
(2005). Uma noite, no ano de 2005, cerca de 700 técnicos e voluntários (Segurança Social e
diversas instituições de solidariedade) andaram pelas ruas dos diversos concelhos do
território continental a inquirir todos os indivíduos que encontraram a dormir ao relento ou
em espaços públicos. A esmagadora maioria (75%) das 524 pessoas que responderam ao
inquérito por questionário são portugueses. A ruptura familiar (conflitos, separações,
divórcios e falecimentos) encabeça a lista de problemáticas associadas à situação de sem
31

tecto (25 %), logo seguida pelos problemas de saúde (23 %) relacionados com a
toxicodependência, o alcoolismo, a doença física ou mental. O desemprego representa 22 %,
a habitação sem condições e a dívida da casa outros 17%.,Instituto da Segurança Social
(2005). Apenas 11 % da amostra recolhida declara estar a trabalhar, 6% nunca exerceu
qualquer actividade laboral (jovens com menos de 30 anos), e 82 % já foram activos
(operários, artífices, serviços, trabalho não qualificado) mas estão desempregados. Os
inquiridos evidenciaram uma trajectória profissional de grande instabilidade e precariedade
de vínculos contratuais. Apenas um terço tinha uma situação mais estável que perdeu devido
a dependências (droga/álcool) ou a rupturas familiares. A maior parte (85 %) não teve direito
a subsídio de desemprego. Apesar da inactividade, 75% não estavam inscritos no centro de
emprego, Instituto da Segurança Social (2005). Sobrevivem sobretudo, através de
actividades pontuais (58%). Uma pequena parte aufere rendimentos do trabalho (6 %), de
pensões (8%), de prestações sociais (7%) ou outras (8%), (12%) alegaram não ter qualquer
tipo de rendimento.
Em termos de redes primárias, a maioria dos inquiridos vive em situação de
isolamento social devido a quebra de laços familiares e sociais, assim, 70 % vivem sozinhos
e 14 % com outras pessoas em igual situação.
Em termos de duração da vivência da condição de sem abrigo, encontraram-se
pessoas sem tecto "crónicos", que vivem há muitos anos na rua em situação de exclusão
social, apresentado maioritariamente debilidade física e mental, e indivíduos sem teto de
forma episódica ou periódica, que se encontram há pouco tempo na rua na sequência de
múltiplas perdas profissionais e familiares.

Foi surpreendente a territorialização da problemática, sendo que a maior parte


dos sem abrigo do Porto têm menos de 39 anos e são toxicodependentes, já em
Lisboa predominam os indivíduos com mais de 50 anos e com consumos
problemáticos de álcool.
Ainda relativo a dados nacionais, segundo informações da AMI, desde 1999,
até 2006, em todo o território foram atendidas 5.376 pessoas em situação de sem
abrigo nesta instituição.
Em 2006, pela primeira vez, foi possível caracterizar a população sem abrigo
que frequenta os serviços da AMI, pelo que para além do número total de sem
abrigo, locais de pernoita e tempo de situação sem abrigo, foi possível obter dados
mais específicos como a naturalidade, a idade, o estado civil, a família, a saúde, os
recursos económicos e o motivo pelo qual procuram o apoio da AMI.
Assim, em 2006 foram atendidos pela AMI 789 novos casos que se
enquadram nesta tipologia, mais 180 casos que em 2005. Quanto aos locais de
32

pernoita, 32% da população dormia na rua, seguindo-se albergues com 22% e as


barracas com 6% (AMI, 2006). O recurso económico mais frequente é a
mendicidade (27%), seguindo-se os apoios / subsídios institucionais (22%), os
apoios de amigos e de familiares (13%). O Rendimento Social de Inserção abrange
10% da população sem abrigo. A população apresenta ainda as seguintes
características sócio-relacionais: 89% está desempregada; 28% tem formação
profissional; 92% tem familiares vivos, mas apenas 37% se relaciona com eles; 39%
não tem médico de família; 7% é seropositiva; 28% consome substâncias activas;
43% tem filhos. Quanto à evolução da população sem abrigo do sexo feminino,
verificamos igualmente a existência de um aumento significativo, subindo de 13%
para 31% nos últimos 7 anos (AMI, 2006).
A população imigrante continua a recorrer aos equipamentos sociais. A
população oriunda dos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa)
aumentou acentuadamente em 2006. Quanto à dos países de Leste, a sua incidência
tem vindo gradual e marcadamente a diminuir. Em 2006 foram atendidos 104 novos
casos de Imigrantes de Leste (decréscimo de 62%) e 367 dos PALOP (aumento de
47%) (AMI, 2006).
No total, incluindo novos casos e recorrentes de anos anteriores,
frequentaram os Equipamentos da AMI 258 Imigrantes de Leste e 881 dos PALOP.
Em síntese, as maiores mudanças entre a década de 60 e a actualidade devem-
se ao número crescente de sem abrigo, à heterogeneidade da composição deste grupo
e a uma deterioração da sua condição. Os novos sem abrigo incluem uma maior
percentagem de mulheres, muitas vezes acompanhadas pelos seus filhos. Tal como
antes também hoje se denota o mesmo tipo de problemáticas associadas: doença
mental (33%), alcoolismo (33%), deficiência física (25%) e índice de criminalidade
(20%) (Rossi, 1990). Constata-se ainda que 75% da população sem abrigo apresenta
uma ou mais das problemáticas mencionadas.
Do ponto de vista psiquiátrico Bento e colaboradores (1999) apontam para os
seguintes dados: em mais de 90% dos casos é possível estabelecer um diagnóstico
psiquiátrico com predominância clara para o alcoolismo, seguido das psicoses, a
toxicodependência e as perturbações da personalidade (isto apenas em termos de
diagnósticos primários e excluindo a presença de co-morbilidade). Ou seja, as suas
capacidades psíquicas encontram-se grandemente comprometidas. Os
comportamentos delinquentes são muito frequentes, e por vezes considerados
33

inevitáveis, dada a necessidade de sobrevivência e a prática de comportamentos


desviantes (Martijn & Sharpe, 2006).

Abordagem psicossocial dos sem abrigo

Tal como já referimos anteriormente, os sem abrigo de hoje não são os


mendigos e vagabundos de há umas décadas, surge uma nova geração de excluídos,
resultante da crise económica, do desemprego, do consumo de substâncias e das
influências das políticas sociais (Pimenta, 1992). O termo sem abrigo, utilizado na
actualidade, acentua a questão da habitação, num sentido restrito, da pobreza e
exclusão social num sentido mais alargado. (Bento, 2002)
A condição de sem abrigo afecta um grupo heterogéneo de pessoas que
ultrapassa em larga medida a representação social que tínhamos dos indivíduos nesta
condição. Como vimos, são vários os factores apontados como potenciais condutores
à situação de sem abrigo, desde as influências socio-económicas, às problemáticas
mentais, à desinstitucionalização e o papel desempenhado pelos serviços sociais
(Toro, 1998).
Reportando-nos à realidade portuguesa, ao nível das influências socio-
económicas, Sousa (2001) destaca os elevados preços da habitação, dificuldades
financeiras, abuso de substâncias e a influência de conflitos familiares, precarização
do emprego (nomeadamente para as pessoas com baixas qualificações). A crise
familiar, problemas de saúde e toxicodependência são as principais razões que
justificam o elevado número de sem abrigo em Portugal (ISSS, 2004); ou seja, “os
factores que mais frequentemente conduzem à situação de sem abrigo situam-se nas
áreas da saúde, desemprego, problemas familiares e relacionais” (Costa, 2002, p.79).
Quanto ao percurso profissional, ele é comummente caracterizado por uma
sucessão de trabalhos precários, intermitentes e frequentemente sem descontos para a
segurança social, pelo que uma vez demitidos ou doentes, perduram à margem dos
mecanismos de protecção social relacionados ao emprego.
Tem-se assistido a mudanças também ao nível do papel da escola, existindo
um desfasamento entre o curriculum e as necessidades económicas, o que implica
que “níveis de escolaridade anteriormente considerados facilitadores de entrada no
mercado de trabalho regular e capaz de proporcionar alguma segurança e
estabilidade, se constituam, agora, em meras expectativas defraudadas” (Baptista,
34

2004, p. 35). Independentemente dos factores que conduziram à situação de sem


abrigo, o facto é que esta condição reforça as fragilidades já existentes e inibe o
acesso a contactos facilitadores da resolução da situação, expondo áreas de
vulnerabilidade psicossocial (Martijn & Sharpe, 2006).
A permanência da situação de sem abrigo é um factor que parece ser
proeminente. Se a situação é recente e parece haver evidência de factores externos na
origem das dificuldades, então um apoio específico e a curto prazo (apoio
económico, de alojamento, de orientação profissional, apoio médico e outros) poderá
ser o suficiente para garantir que a pessoa reorganize a sua vida autonomamente. Se
as dificuldades persistem há vários anos, sem que possam ser relacionadas
facilmente com factores recentes e episódicos, se o apoio social falha reiteradamente
na transformação da condição do indivíduo, então cresce a importância do papel dos
padrões de comportamento e atitudes do indivíduo (Ó Broin, 2008).
A própria situação de sem abrigo deve ser compreendida em termos dos seus
efeitos sobre os indivíduos. Tal como referimos, a situação de sem abrigo é por si só
uma condição traumática, exibindo uma conjuntura que acentua sentimentos de
insegurança, impotência e de falta de conexão. Falar de aspectos psicológicos numa
população com tão escassos recursos pode parecer um desvio das questões
essenciais, daquelas que numa primeira impressão emergem como prioritárias.
Contudo, acercar-se dos sem abrigo na complexidade bio-psico-social poderá alargar
o nosso horizonte e evitar dicotomias condescendentes e simplistas.
A importância dos aspectos psicológicos aumenta sempre que as dificuldades
apresentadas requerem mecanismos cada vez mais elaborados e integrados. Não
basta prover soluções para o problema da habitação ou do trabalho para que a
problemática dos sem abrigo se dissolva. A rua dificilmente constitui um espaço
seguro para onde se apartar, para combater emoções aterradoras. “Viver na rua é
vivenciado como descer ao degrau mais baixo da sociedade, uma condição
estigmatizante que acentua o sentimento de desvalorização e de rejeição” (Bento &
Barreto, 2002, p.96).
Legitima-se a interrogação: a rua não resulta já de uma sucessão de perdas e
falhas nas redes sociais de suporte? Diversos estudos robustecem a ideia de que os
sem abrigo são mais isolados do que a população pobre mas com domicílio fixo
(Goodman, Saxe & Harvey, 1991).
35

Numa perspectiva psicológica e relacional surge com especial relevância os


conceitos já anteriormente referidos de afiliação, vinculação e filiação.
Enquanto a vinculação é um sistema de comportamento que estrutura os
afectos e a proximidade/distância relacional, o conceito de filiação relaciona-se com
as estruturas de parentesco e enraíza-se na figuração psíquica e cultural (Bowlby,
1973, 1980, 1982; Mikulincer & Shaver, 2007).
Zamberlan (2002) fez uma revisão das principais posições teóricas sobre a
afiliação. A sua análise permite destacar a presença da mãe como facilitador para um
conjunto significativo de aspectos do desenvolvimento do bebé. A vinculação e
afiliação não são fenómenos idênticos na medida em que uma criança pode estar
mais vinculada a uma figura cuidadora do que aos pais biológicos. O contacto
quotidiano com uma figura cuidadora confiável incrementa um laço afectivo que
pode ser maior que o laço biológico.
O sentimento de filiação envolve a resposta à questão: de quem sou eu filho?
Questão que é fundamental para a estruturação do psiquismo e para o sentimento de
pertença e inclusão social. A não efectivação do desejo de filiação não é um processo
sem sequelas, nomeadamente ao nível da identidade. Uma criança com família sabe
a quem pertence e de onde vem. Terá orgulho no seu nome e na sua linhagem, ou
pelo contrário pode rebelar-se e procurar ser o oposto dos seus pais, mas em todo o
caso possui uma referência face à qual se estruturar. Uma criança que desconhece o
seu percurso familiar terá, provavelmente, maiores dificuldades de se perspectivar no
futuro; “não conhecer a história da sua família e da sua descendência é ficar
amputado de passado e por isso impedido de estruturar o seu tempo. Não saber de
onde vem, de quem se descende, representa uma lacuna ao nível da identidade”
(Bento & Barreto, 2002, p.98).
Ainda hoje, nomeadamente na realidade portuguesa, persistem alguns
estigmas relativamente ao desconhecimento da filiação, no entanto noutras culturas
este facto assume uma dimensão ainda mais penalizadora, com origens na
antiguidade.7 A pessoa atingida nas suas afiliações encontra-se fragilizado ao nível
do sentimento de pertença social, dos laços com os diversos grupos sociais,
destituído de estatuto para aceder a recursos, conduzir e cuidar a sua vida.

7
Na Grécia Antiga aquando o nascimento de um filho o pai deveria erguer a criança e dizer publicamente “este é
meu filho”, de forma a confirmar a linhagem. O não reconhecimento da paternidade implicava a expulsão da
criança para fora da cidade, abandonada aos elementos e aos animais para morrer (Burguière, 1996).
36

A pessoa afectada ao nível da sua vinculação é abalada no seu sentido de


pertença emocional, na segurança e confiabilidade dos seus laços afectivos com as
figuras significativas. São alguns os estudos (Bretherthon, 1996, Feeney, 1999,
Harter, 1990, Allen et al, 1997) que esclarecem a importância das relações de
vinculação enquanto factor determinante da resiliência.
A população sem abrigo raramente parece sustentar relações sólidas e de
proximidade: “As relações tendem a ser inconstantes, superficiais e passageiras,
numa combinação paradoxal entre uma sociabilidade fácil, isolamento e
desconfiança” (Snow & Anderson, 1992 cit. in Bento & Barreto, 2002, p.99).
Thelen (2006) faz uma exploração da temática dos sem abrigo em três países
(França, Portugal e Bélgica), através de metodologias diversificadas, sobressaindo
um trabalho de observação participante como voluntário em associações de suporte
aos sem abrigo e, mais interessante ainda, assumindo-se como um sem abrigo,
participando no mesmo modo de vida. O objectivo da pesquisa centra-se sobretudo
nas transformações identitárias e relacionais que derivam do viver na rua,
defendendo o autor, que esse conhecimento não seria possível sem mergulhar
profundamente no quotidiano dos sem abrigo e tentando entender as necessárias
estratégias de sobrevivência e as inevitáveis opções que derivam deste modo de vida.
Mais do que procurar as causas, o autor procura as estratégias de
sobrevivência exigidas por este modo de vida, encontrando dois elementos centrais:
a adaptação à rua, enraizada na negação dos outros “le déni des autres”, e o exílio de
si “l'exil de soi”, Thelen (2006).
A adaptação à rua é resultado de um longo percurso de falta de afecto, de
insuficiente enraizamento familiar, reforçado pela humilhação inerente à situação de
sem abrigo. A rua emerge como um universo ditado pela máxima “cada um por si e
todos contra todos”, transformando cada um numa ilha, apartada de afectos e de
solidariedades. A “negação dos outros” surge aqui com um duplo significado, a
negação factual e simbólica que os outros atribuem aos sem abrigo e, a reclusão
pessoal dos sem abrigo, como única estratégia que lhes permite viver com toda esta
desvinculação, preservando ainda assim, o que sobra de uma identidade.
O “exílio de si”, segundo o autor, passa pela capacidade de restringir de tal
modo as necessidades e simplificar a sua existência de forma a instrumentalizar a
relação com o mundo exterior, adaptando-se às imposições de um contexto que lhes
é adverso. O exílio de si pressupõe a transformação da percepção do tempo, dos
37

outros e de si próprio, permitindo-lhes viver na rua, com tudo o que tal implica: a
descuidada e precária gestão da higiene, das emoções, das situações de saúde e do
restante conceito de cidadania. Nesta óptica, poderíamos dizer que os sem abrigo
accionam estratégias de aprendizagem que lhes permitem viver no exílio de si e de
todos os outros, apoiando-se frequentemente em condimentos que facilitam o lidar
com esta imensa solidão, nomeadamente o álcool e as drogas.
Em síntese, torna-se evidente que a condição de sem abrigo é precedida de
um longo processo de desenraizamento familiar e social, com rupturas sucessivas. A
abordagem a esta problemática impõe-nos uma análise descentralizada do indivíduo,
abrangendo igualmente a rede relacional envolvente.

Rede relacional dos sem abrigo

Nas histórias de vida desta população são frequentes descrições de violência


familiar, alcoolismo ou doença mental nos pais e não é incomum perceber que
sempre se sentiram a “ovelha ranhosa” ou o “bode expiatório” da família.

“Sempre fui a má da fita, tudo o que fazia era errado.”


Rita, 32 anos

“Na verdade acho que a minha família nunca me aceitou nem gostou de mim. A
única pessoa que me ajudava era a minha mãe, mas coitada não podia fazer grande coisa.
Nunca ninguém se preocupou comigo”
José, 36 anos

Uma recolha breve da sua história familiar permite encontrar com frequência
os seguintes dados (Bento & Barreto, 2002, p.99):
 No que concerne à família de origem, é habitual encontrarmos pessoas que
foram criadas fora da família nuclear, em instituições ou por outras pessoas
(avós, tios, padrinhos, famílias de acolhimento e de adopção);
 São usuais as histórias de perdas precoces de um dos pais, ou de pai
incógnito e, portanto, de um modelo de família monoparental, com a
ausência da figura paterna;
38

 Quando criados por ambos os pais, são vulgares narrações de conflitos


intensos (na relação pais-filhos, no casal) e de alcoolismo, ou outras
perturbações num dos progenitores;
 A saída de casa é frequentemente prematura (9-14 anos), relacionada com
fugas ou com a entrada no mundo do trabalho. Não é invulgar que o
primeiro episódio de rua seja vivenciado com idades inferiores aos 18 anos;
 Pessoas que nunca se autonomizaram dos pais, perdendo a casa após o seu
falecimento.
 Optarem por não constituírem família, permanecendo solteiros, ou então
uma história de casamentos ou uniões de curta duração, instáveis e
conflituais (sendo frequentemente apontados como motivos a traição
conjugal, o alcoolismo e a violência doméstica);
 Com os filhos predomina a falta de ligação. Nos homens o afastamento
surge desde que se separam, ficando os filhos com a mãe; nas mulheres, é
habitual ter-lhes sido retirado a custódia dos filhos para instituições ou
familiares;
 A inexistência de contactos actuais com familiares por perdas,
incompreensibilidade ou conflitos;

“Família? Nunca soube o que era isso, sempre fui deixado de lado. Já não sabem
de mim há vários anos e nem querem saber, até agradecem que eu não chateie. Se quando
era miúdo nunca ninguém se preocupou, não é agora que vou contar com eles.”
Rui, 30 anos

Bento e Barreto (2002), analisaram o padrão de vinculação de 18 sem abrigo,


constatando que nenhum apresentou um padrão de vinculação seguro, não tendo por
isso construído um grau de confiança básica nos outros e em si próprios, que advém
do estabelecimento de uma boa relação precoce. Os sujeitos distribuíram-se entre os
padrões de vinculação inseguro-evitante, o inseguro-ambivalente e, mais de 50%, no
padrão de vinculação inseguro-desorganizado; uma categoria que inclui elementos
de comportamento tanto evitantes como ambivalentes e, consequentemente, de maior
confusão, ansiedade e desorganização (Ainsworth, 1982; Main, 1998).
Esta investigação teve como objecto de estudo a forma como os sem abrigo
representam as relações e os laços afectivos com os outros. Destacamos este trabalho
39

pelo facto de ter sido realizado em Portugal, abordando a temática da vinculação


nesta população. Os resultados sugerem que esta condição não resulta apenas de uma
situação de desabrigo externo mas também interno e que o vazio que caracteriza esta
população é já uma realidade prévia à situação de sem abrigo.
Parece fundamental não só traçar um diagnóstico da situação actual, como
analisar a história de vida, numa perspectiva relacional.
O que se entende por “laços sociais”? Para Costa (2004) esta noção, em
termos sociológicos, entender-se-á no sentido de ligação a diferentes grupos de
pertença: o familiar, o dos amigos, o profissional, o ideológico, o religioso, o
institucional, o comunitário, a pátria, entre outros. Em termos psicológicos,
assumindo o valor de ligação afectiva, enraizada na forma como as pessoas
estruturam a sua afectividade e estabelecem as relações de proximidade ou distância
emocional (Pilisuk & Minkler, 1985).
A relação entre laços sociais e saúde foi sugerida, na década de 70, por
Sidney Cobb (1976) e, de maneira independente, por John Cassel (1976), ao
mostrarem que a ruptura de laços sociais aumentava a susceptibilidade a doenças.
Diversos autores notaram que portadores de enfermidades relatavam com maior
frequência o facto de não estarem (ou não se sentirem) inseridos numa rede de apoio
mútuo, ou ainda de terem experimentado em maior grau perdas importantes de laços
sociais (e.g. viuvez, separação amorosa, desemprego, mudança de morada) (Pilisuk
& Minkler, 1985). Entre as diferentes percepções englobadas na expressão "laços
sociais", destacam-se dois conceitos: rede social e apoio social (que explanaremos
mais detalhadamente adiante).
Os “laços sociais” mais não são que a “moldura humana” que configura a
nossa rede de relações. Na população sem abrigo é invulgar conseguirmos construir
uma narrativa na qual seja descrito um estado anterior de “normalidade” familiar,
social e profissional, onde os laços sociais estejam preservados. Percebemos a
importância deste legado transgeracional quando eles próprios, paradoxalmente,
contribuem para a sua situação, como se tivessem interiorizado um tal isolamento,
necessitando de o recriar constantemente através de comportamentos de auto-
exclusão compulsivos e até de desumanização, parecendo em casos extremos
abandonar-se psíquica e fisicamente, quase indiferentes à dor, ao sofrimento e à
própria morte (Thelen, 2006).
40

No já referido estudo de Bento e Barreto (2002) foi encontrado um claro


predomínio de uma representação de relações de objecto abandónicas, seguindo-se
uma representação significativa das relações como agressivas. Destaca-se também a
dificuldade dos sujeitos abordarem relações triangulares. Tais dados sugerem
dificuldades na construção da identidade e consequente processo de separação-
individuação (Erikson, 1982; Mahler, 1993).
Cupa (2007), numa investigação com pessoas sem abrigo num centro de
acolhimento de Nanterre, sugere que nestas se conjugam perdas reais e um
sofrimento psíquico extremo. A problemática edipiana não existe ou é defeituosa: a
função paternal não aparece, mas as instituições de assistência são integradas como
terceiro termo da relação. A dessocialização resultaria da repetição (imaginária) de
uma ou várias experiências traumáticas que ficaram sem elaboração, levando à
derrocada das estruturas psíquicas anteriores, bloqueando as possibilidades de
vinculação.
Trata-se de um mecanismo de defesa patológico, cuja manifestação clínica
actual é a “reacção abandónica: o indivíduo, para não reviver as experiências
dolorosas passadas de rupturas de laços, antecipa-se e suprime toda a possibilidade
de se estabelecerem novos laços na actualidade. As relações que mantêm entre si são
superficiais e as relações com os serviços demonstram-se esporádicas. Tanto os
excluídos como a sociedade parecem comungar da convicção de que existe um
«divórcio por mútuo consentimento» que só reforça a clivagem entre as partes
(Emmanuelli, 1998).
Embora os dados da literatura, conforme temos vindo a salientar, apontem
para uma escassa relação com a família de origem, surgem alguns dados paradoxais
relativamente ao desejo de restabelecer a relação com as origens. Exemplo disso é a
concentração de sem abrigo junto a terminais de transportes, que parece não ser
aleatória. Para além dos motivos de ordem funcional, tal como o facto destes espaços
nunca se encontrarem fechados e não ser questionada a presença de estranhos, a
impessoalidade que os caracteriza pode permitir maior tolerância à diferença. Bento
e colaboradores (1989, 1996, 1999), sobre a realidade de Lisboa, observam que os
sem abrigo do norte e centro permaneciam preferencialmente na estação de Santa
Apolónia, e os do Alentejo e Algarve no Terreiro do Paço. Não deixa de estar
imbuída de simbolismo a perseverança em permanecer enraizado num espaço físico
41

que lhes confere, ainda que de forma fantasiada, o sentimento de poder voltar para
casa.
Será legítimo conceber a situação de sem abrigo como um sintoma, portador
de um sentido? Um sintoma, em termos psicológicos, é algo que traz uma solução
para um conflito psíquico, constitui uma formação de compromisso que procura
evitar um mal maior.
Por vezes é quando as coisas parecem estar a melhorar que há retrocessos,
como se não se dessem ao direito de reconquistar a sua autonomia. “São eles
próprios, muitas vezes, que não deixam, que não querem, o que implica uma
dimensão pessoal muito grande…É um trabalho afectivo que não pode ser
desempenhado por um técnico que, de papel e caneta na mão, fale com estas pessoas
e lhe explique os seus direitos. São, na verdade, pessoas muito difíceis de trazer para
a sociedade,...” (Moita, 2004, p.155).
Este é o grande desafio de quem quer estruturar uma intervenção com a
população sem abrigo, onde a arte consiste na relação, precisamente a área de maior
vulnerabilidade desta população. Um trabalho que privilegia a área relacional deverá
envolver para além da esfera individual, um esforço multidisciplinar das várias
instituições (direta ou indiretamente) ligadas ao fenómeno dos sem abrigo. Dada a
relevância que reconhecemos ao trabalho inter-institucional dedicar-lhe-emos o
ponto seguinte.

Intervenção em rede

Thelen (2006), no trabalho já referido, traça o retrato de grande diversidade


de pessoas sem abrigo, das instituições e profissionais que lidam com elas
(particularmente nos abrigos nocturnos em Portugal, França e Bélgica). O autor
ressalta a ausência de preparação específica de grande parte do pessoal que trabalha
com esta população (Batista, 2004; Brandt, 2008, Thelen, 2006). É preciso
reconhecer que as diferentes instituições iniciaram com diferentes propósitos e
filosofias o seu trabalho com os sem abrigo. O facto de esta problemática abranger
serviços de diferentes ministérios confere-lhe uma particularidade própria.
Dadas as características da população sem abrigo, não é difícil que um único
caso necessite de intervenções ao nível da saúde mental, da justiça, serviços sociais,
reforço de competências escolares/profissionais e ainda reestruturação de redes
42

informais (Sveri, 2008). Numa tentativa de exemplificar a diversidade de áreas


envolvidas no processo de inserção de um sem abrigo, torna-se visível a necessidade
de um trabalho multidisciplinar e interinstitucional, ou seja, um trabalho de parceria.
Termos como parcerias, sinergias, entre outros, inundam assim o quotidiano das
instituições. E o que será isto de trabalhar em parceria? É suposto que o trabalho em
equipa melhore o desempenho bem como a satisfação profissional de cada elemento.
Não é, no entanto, isento de dificuldades. Talvez a maior das quais se prenda
com o facto de as relações terem de ser estabelecidas por e entre pessoas. Parece-nos
importante neste momento explorar um pouco mais o conceito de rede social uma
vez que, no fundo, é dele que se fala quando nos referimos ao trabalho inter-
institucional. Fazendo uma retrospectiva, é a Barnes (1954, cit in Guédon, 1984),
professor inglês de antropologia, que se atribui o mérito do primeiro estudo que
coloca em relevo a importância das redes sociais na nossa sociedade, constatando a
influência exercida por estas nos fenómenos sociais.
As redes são definidas como "teias" de relações sociais que circundam o
indivíduo bem como suas características (e,g., disponibilidade e frequência de
contacto com amigos e parentes), ou grupos de pessoas com quem há contacto ou
alguma forma de participação social (e.g., grupos religiosos, associações sindicais)
(Berkman,1984; Bowling, 1997). Além desses dois aspectos, Hanson e Ostergren
(1987), referem a "ancoragem social" (social anchorage), que descreve a percepção
do grau de identificação ou vínculo entre o indivíduo e os grupos formais e informais
a que pertence (ambiente de trabalho, área residencial, família).
Se o modelo proposto por Speak e Attneave (1990) se tornou num marco a
nível interventivo, outros acontecimentos vieram despoletar o interesse pelo
aprofundamento do estudo das redes sociais. Embora os Estados Unidos tenham uma
organização social bastante distinta da realidade portuguesa, não deixam de ter
práticas que podemos considerar como viáveis. São disto exemplo as conclusões
retiradas do Movimento de Saúde Mental Comunitária nos Estados Unidos da
América, na década de 60. Kennedy, no seu Programa de Erradicação de Pobreza,
previu a criação de Centros de Saúde Mental Comunitária. Estes enfatizavam o papel
activo da sociedade na prevenção e tratamento dos problemas de saúde das
populações, tendo como referência o modelo de participação social. Implementado
com base nos recursos próprios da comunidade, isto é, das redes sociais, veio a
43

assumir-se quase como substituto dos serviços sociais, tendo em conta também a
vantagem dos baixos custos da assistência assim possibilitada (Góngora, 1991).
A área do apoio psicossocial, desde cedo, considerou que as redes sociais
deveriam ser tidas em conta no tratamento dos indivíduos com dificuldades
psicossociais. Os tipos de intervenção que criam redes são usados fundamentalmente
quando o indivíduo se encontra isolado socialmente, com um número reduzido de
vínculos, ou quando os vínculos sociais existentes são considerados prejudiciais para
o sujeito (Góngora,1991). O seu objectivo primordial é aumentar o número de
membros da rede, criando novos vínculos. Esta modalidade de intervenção é
realizada por redes secundárias, focalizando e mobilizando o desenvolvimento das
redes primárias (i.e., a esfera dos “conhecidos”), e a optimização do nível de uso dos
serviços disponíveis nas instituições. Os tipos de intervenção que potenciam a rede
funcionam com objectivo de aumentar a eficácia da rede do indivíduo, no sentido de
possibilitar a resolução autónoma dos seus problemas.
A definição de apoio social não é consensual. Segundo Bowling (1997),
Sherbourne & Stewart (1991) e Cohen & Wills (1985), trata-se do grau com que
relações interpessoais correspondem a determinadas funções (por exemplo, apoio
emocional, material e afectivo), com ênfase no grau de satisfação do indivíduo com a
disponibilidade e qualidade dessas funções. Cobb (1976) define apoio social como a
informação que leva o indivíduo a acreditar que é querido, amado e estimado, e que
faz parte de uma rede social com compromissos mútuos. Minkler (1985) ressalta que
apoio social deve ser compreendido como um processo recíproco, isto é, que gera
efeitos positivos tanto para quem recebe como para quem oferece o apoio,
permitindo que ambos tenham maior sensação de controlo sobre as suas vidas.
Embora os mecanismos de acção exercidos pela rede e apoio social nos
sistemas de defesa do organismo humano ainda não tenham sido elucidados, duas
hipóteses básicas são apresentadas: na primeira, actuariam traduzindo a resposta do
organismo na forma de doença, como consequência de grandes perdas ou rupturas
emocionais (Cohen & Wills, 1985); na segunda hipótese, o apoio social poderia
reforçar a sensação de controlo sobre a própria vida, o que por sua vez implicaria
efeitos positivos sobre a saúde (Rodin, 1986).
A forte e consistente associação inversa entre os laços sociais e a taxa geral
de mortalidade, foi um dos primeiros efeitos identificados da rede e apoio social
sobre a saúde (Berkman & Syme 1979). Investigações posteriores confirmaram a
44

relação inversa entre a magnitude de índices de rede e apoio social e o risco de


morrer por doença coronária, acidente vascular cerebral e também por neoplasias
malignas (Dressler et al., 1997; Dalgard & Haheim, 1998). Além da forte relação
com a redução da mortalidade, dimensões de rede e de apoio social associam-se
também, de forma directa, com a sobrevida após os diagnósticos de doença
coronária, cancro e acidente vascular cerebral (Vogt et al., 1992), e de maneira
inversa com a incidência de insónia (Hanson & Ostergren, 1987), a frequência de
hipertensão arterial (Strogatz & James, 1986), a aquisição de hábitos como o
tabagismo e consumo de álcool (Westman et al., 1985), e também com o risco de
demência (Fratiglione et al., 2000). Investigações a respeito de rede e apoio social
são extremamente relevantes para o desenvolvimento de políticas e programas de
saúde, apesar das inconsistências conceptuais ainda existentes e das dificuldades de
transformação desses conceitos em variáveis (Dean et al., 1994; O'Reilly, 1988).
Tais dificuldades podem explicar parcialmente a tendência a priorizar a pesquisa de
factores de risco biológico e hábitos relacionados à saúde, na pesquisa etiológica, ao
invés do ambiente psicossocial.
Tendo em consideração os efeitos protectores que a rede social parece prestar
ao indivíduo, consideramos pertinente a avaliação e reforço da rede social de apoio
como metodologia de intervenção junto da população sem abrigo. No entanto,
agilizar a rede de apoio dos sem abrigo comporta diversos constrangimentos, quer
ao nível da rede primária, quer da secundária.
Por um lado, restringe-se a um trabalho mais centrado nas redes secundárias,
pois são escassas as relações familiares e de amizade; e questionamo-nos sobre
quem cumpre o papel de vizinhança do sem abrigo?
Perante uma situação de pobreza extrema, na qual somos meros
espectadores, a indiferença torna-se impossível e o confronto com a nossa própria
fragilidade, constrangedor (Wortman & Lehman, 1985, citadas por Barrón, 1996).
Por outro lado, é fundamental reforçar o trabalho inter-institucional, sendo que os
diferentes tipos de intervenção (político, técnico, voluntário) nem sempre surgem
estruturados de forma a realizarem um trabalho verdadeiramente complementar, o
que se traduz numa dispersão dos recursos disponíveis e ocorrência de dificuldades
ao nível da relação interinstitucional.
Os fins a que cada instituição se propõe nesta área nem sempre são
facilmente conciliáveis, ostentando não raras vezes um cariz bastante distinto umas
45

das outras: religioso, político, social, académico, institucional, entre outros. A


investigação sobre sem abrigo em Portugal está ainda em fase embrionária, não
existindo modelos de boas práticas legitimados pela comunidade científica (a prática
precede a investigação). O facto de ser uma área de investigação em que só agora
são dados os primeiros passos, potencia a emergência de sentimentos de descoberta
e encantamento, criando a sensação de se estar perante um trabalho tanto inovador
quanto especial e único. Quando as práticas se estruturam, e se adquire uma
identidade própria, não é raro surgir a ilusão de se ter criado uma espécie de
comunidade ideal, dificilmente replicável (Bento & Barreto, 2002). Cada uma sente-
se a realizar um trabalho único, que procura justificar e defender. A sua fragilidade
(e susceptibilidade à crítica) fá-las olhar com desconfiança e hostilidade para o
vizinho que “compete” no terreno com eles.
A condução de um processo para a criação de uma “rede” entre instituições
deve respeitar as diferenças e identidade das mesmas (Thelen, 2006). Na realidade
nacional, a área da saúde mental necessita, cada vez mais, de desenvolver uma rede
interinstitucional, permitindo a reorganização de recursos comunitários por forma a
consagrar novas respostas, nomeadamente no que se refere à nova lei de saúde
mental comunitária.

Saúde Mental e Sem Abrigo

São vários, como temos vindo a sugerir, os factores apontados como


conducentes a situações de sem abrigo, desde influências socio-económicas,
desinstitucionalização, às problemáticas mentais ou ao papel desempenhado pelos
serviços sociais (Mc Carty, Argeriou, Huebner, & Lubran, 1991; Solarz & Bogat,
1990; Toro, 1998).
Toro (1998) analisando diversos estudos, homogéneos do ponto de vista da
metodologia e dos conceitos, constatou que a maioria dos indivíduos em situação de
sem abrigo não apresentava problemáticas psiquiátricas, e muitos dos que as
apresentavam nunca haviam sido hospitalizados. Efectivamente, a proporção dos
indivíduos sem abrigo com estas problemáticas não representaria mais do que 1/3 da
população total.
Estudos mais recentes (Buhrich, Hodder, & Tecsson, 2000; Herman, Susser,
Struening & Link, 1997; Kamieniecki, 2001), revelam que, de facto,
46

aproximadamente um terço da população de adultos solteiros em condições de sem


abrigo sofre de desordens mentais graves; este tipo de população, a maioria das
vezes não possui as competências necessárias para procurar e obter alojamento, bem
como benefícios de outras instituições da rede social. Encontram-se também com
frequência distanciados do agregado familiar e dos serviços sociais e comunitários
de ajuda. De destacar que maioria dos serviços de saúde prevê que os doentes
tenham residência e um número de contacto, requisitos alheios à realidade dos sem
abrigo. São assim, regra geral, excluídos dos tratamentos farmacológicos para
indivíduos com um elevado histórico de patologias severas do foro psiquiátrico,
sendo que a própria patologia lhes retira a noção da necessidade de tratamento.
Constatamos na nossa prática profissional uma elevada falta de adesão às
consultas psiquiátricas e a inexistência de estratégias eficazes para ultrapassar tais
constrangimentos. É importante criar respostas para este subgrupo de indivíduos
adultos com desordens mentais que, sofrendo de um longo histórico de patologia
psiquiátrica, se encontram, frequentemente, sem lugar de residência fixo (ou na
eminência de ficar sem abrigo).
A prevalência de problemas de saúde mental na população sem abrigo é
consistentemente verificada nos diversos estudos, existindo na maioria dos
indivíduos, pelo menos uma patologia associada (Buhrich, Hodder, & Tecsson,
2000; Heman, Susser, Struening & Link, 1997; Kamieniecki, 2001). As pesquisas
identificam igualmente que cerca de 50% da população sem abrigo tem problemas de
toxicodependência ou alcoolismo (Goering, Tomiczenko, Sheldon, Boydell, &
Wasylenki, 2002). Também os quadros de alteração de humor, psicóticos e de
ansiedade são significativamente superiores nesta população (Cauce, Paradise,
Ginzler & Embry, 2000; Herman et al, 1997; Kamieniecki, 2001).
A presença de situações de vida geradores de stress na população sem abrigo
é confirmada em vários estudos (Buhrich e tal, 2000). A grande maioria foi alvo de
abusos na infância, quer físicos, quer psicológicos, sendo que 33% revelam ter sido
vítimas de abusos físicos ou sexuais, Ryan et al (2000). Adicionalmente, estudos
confirmam que a existência de histórias de mau trato na infância predispõem o
indivíduo a situações de risco futuras (Noell, Rohde, Seeley, & Ochs, 2001; Stewart
et al. 2004). Craig and Hodson (1998), num estudo realizado com jovens
adolescentes, identificam em relação à probabilidade de ficar em situação de sem
47

abrigo, os seguintes factores: adversidades na infância, existência prévia de


desordens psiquiátricas e dificuldades educacionais.
Resultados semelhantes foram encontrados num estudo conduzido nos
E.U.A. (North et al, 1998), em população sem abrigo adulta, verificando-se a
existência de alta prevalência de desordens psiquiátricas nesta população, prévias à
vivência de sem abrigo. Martijn & Sharpe (2006) desenvolvem um estudo no qual
pretendem identificar experiências de vida na população sem abrigo, que lhes
permita criar um percurso anterior a esta condição. Identificam como factores
habituais os seguintes: (1) o trauma é uma experiência comum entre os jovens antes
do desalojamento em mais de metade da amostra; (2) depois da vivência de sem
abrigo a maioria dos jovens aumenta as manifestações de doença mental,
nomeadamente quadros de dependência de álcool ou drogas; (3) actividades
criminosas não precedem a situação de sem abrigo, no entanto após esta vivência
tornam-se comuns.
O agravamento das fragilidades antecedentes torna fundamental a existência
de planos de intervenção especialmente dedicados a população sem abrigo com
patologia psiquiátrica. É urgente que se investigue o crescente número de desordens
emocionais e distúrbios mentais nas crianças e adolescentes sem abrigo incluindo a
permanência e a natureza dos factores de risco, Martijn & Sharpe (2006).
Providenciar alojamento e estruturas de apoio para indivíduos com problemas
psiquiátricos, especialmente sem abrigo, é um dos maiores desafios da legislação
sobre a saúde mental comunitária. Existe uma mudança de paradigma sendo que
presentemente, estes indivíduos já não são entendidos como incapazes de aceitar
ajuda e conseguir melhorias ou mesmo como meros recipientes de serviços: são
encarados enquanto cidadãos com capacidade de total integração e participação
social.
Urgem sistemas de suporte abrangentes que possam oferecer alojamento,
apoio no acesso a cuidados de saúde, manutenção de consultas de psiquiatria, bem
como apoio na administração da medicação e valências de carácter social que
permitam a inserção comunitária dos doentes e combatam os altos índices de
isolamento que os caracterizam. Esta nova filosofia de desinstitucionalização
hospitalar só representará uma mais-valia para doentes e famílias se as comunidades
estiverem preparadas para a sua efectiva integração. Parece-nos que esta preparação
poderá passar pela criação de estruturas comunitárias e, acima de tudo, pela
48

informação/sensibilização da comunidade acerca da nova lei da saúde mental


comunitária. Não podemos supor que esta mudança de paradigma aconteça sem a
discussão de novas formas de intervenção, incluindo doentes, famílias e profissionais
das mais diversas áreas no debate de todo este processo.

A Desinstitucionalização Hospitalar

Pinel, em 1873, foi o primeiro a considerar o isolamento como uma


necessidade para observar e descrever a sucessão de sintomas. Em meados da década
de 50, as críticas ao carácter fechado, asilar e autoritário do hospital psiquiátrico
tornaram-se intensas, realçando os efeitos negativos da hospitalização, tais como a
apatia, a perda de capacidade de trabalhar, o deficit de competências sociais, a perda
de autonomia, (Bandeira, 1991). Por outro lado, a evolução dos recursos
farmacológicos permitiram o controlo da sintomatologia positiva numa grande
maioria dos doentes.
Nas décadas de 50 e 60 surgem vários trabalhos científicos e políticos que
defendem os tratamentos comunitários na saúde mental, tendo como principais
argumentos a satisfação de viver em liberdade, exercício da cidadania, socialização,
reinserção social e familiar, aumento da qualidade de vida, entre outros. No Quebéc
este movimento de desinstitucionalização ocorreu a par de outros movimentos
sociais, naquela que foi chamada de “revolução tranquila”, (Bandeira,1991).
O factor financeiro, especialmente nos EUA, incentivou a opção pelos
tratamentos comunitários. Os custos com os hospitais psiquiátricos eram elevados e
tornou-se imperioso dar respostas às necessidades dos doentes, de forma menos
onerosa para o estado (Shadish, 1984; Shepper-Hughues, 1988), assistindo-se, entre
1955-1990, nos EUA, a uma quebra de 85% nos internamentos psiquiátricos (Lamb,
1993). No processo de desinstitucionalização, foram criados 600 centros regionais de
saúde mental comunitária, até 1980.
Cada centro comunitário estava destinado a servir uma população de 75.000 a
200.000 pessoas, sendo composto por equipas multidisciplinares com uma média de
4 psiquiatras e 8 psicólogos. Foram igualmente criadas pequenas unidades
psiquiátricas nos hospitais gerais para internamentos de curta duração (Bender,
1978). O governo americano, na tentativa de facilitar o processo de reinserção dos
doentes, propõe o conceito de “case management” (Bandeira, 1998); consistindo
49

num sistema de coordenação e integração de serviços, sob um responsável por cada


caso psiquiátrico que se pretenda integrar na comunidade.
Para além deste modelo o governo norte-americano recorreu a outros
modelos mais abrangentes, tais como o PACT, Program for Assertive Community
Treatment, de Madison, e o Programa de Bridge, de Chicago. Nestes modelos, os
pacientes recebem um acompanhamento individualizado e diário, por uma equipa
multidisciplinar, continuamente e por um período ilimitado. Os estudos avaliativos
destes programas mostram resultados mais positivos do que os do “case
management”.
O Canadá foi outro dos países a adoptar a política de desinstitucionalização.
A partir de 1962 os doentes internados em hospitais asilares foram transferidos para
hospitais gerais. Entre 1962 e 1977 houve uma queda de 78% no número dos
internamentos. Paralelamente expandiram-se as unidades psiquiátricas nos hospitais
gerais. Embora ilusoriamente existisse a sensação de se estar a substituir com
sucesso o tratamento asilar pelo hospitalar, constatou-se que os casos mais graves
não estavam a ter qualquer acompanhamento, ficando ao cuidado das famílias ou em
situação de sem abrigo. Na tentativa de colmatar esta lacuna, em 1976 são
implementados os programas comunitários de saúde mental, contando-se 400 em
1990, (Morgado & Lima, 1994). Estes autores defendem que os programas
comunitários previnem 80 a 90% das hospitalizações e os serviços hospitalares do
Canadá ficam reservados para os pacientes que apresentem recaídas e requerem
hospitalizações de curta duração.
Em Inglaterra o processo de desinstitucionalização iniciou-se em meados de
1955 e em 1959 foi legalizado, conferindo às autoridades locais a responsabilidade
de fornecer assistência aos doentes mentais. A legislação obrigava à existência de
garantias de acompanhamento dos doentes para que se pudessem encerrar os
hospitais psiquiátricos. Observou-se a diminuição de 28% de casos clínicos
hospitalizados entre 1954 e 1971 e os serviços comunitários proporcionados pelas
autoridades locais cresceram de 115 mil em 1960 para 140 mil em 1963 (Bandeira,
1991).
Dados de uma recente investigação de Priebe e Col. (2003), de 6 diferentes
países europeus com diferentes tradições de organização dos cuidados de saúde
mental e que experimentaram todos um processo de desinstitucionalização a partir
dos anos 70 (Inglaterra, Alemanha, Itália, Holanda, Espanha e Suécia), revelaram o
50

seguinte: o número de camas forenses e de lugares em apartamentos protegidos


aumentaram em todos esses países, ao mesmo tempo que o número de camas para a
psiquiatria em hospitais reduziu em 5 dos 6 países. Claro que são possíveis várias
explicações para estes dados. Desde logo, o facto de se poder tratar de um processo
de re-institucionalização compensatória, mas também o facto de poder ser
consequência de uma maior frequência da doença mental, da sua gravidade ou de
ambas, eventualmente influenciadas pelo aumento do uso de drogas ilegais. Mas
uma hipótese que não pode ser descartada de maneira nenhuma tem que ver com a
possibilidade da perda da capacidade de suporte social para doentes mentais graves
em famílias tradicionais, (Teixeira, 2006).
Vários estudos (Braun et al, 1981;Test & Stein, 1980; Knapp, 1994; Kiesler,
1982; Wiersma et al, 1995), indicam que o tratamento comunitário é, na maioria das
vezes, tão ou mais eficaz que o tratamento hospitalar, no sentido em que proporciona
aos indivíduos com psicopatologia a integração no mercado laboral e a recuperação
do seu lugar na comunidade, reduzindo ainda a necessidade de medicação e o
recurso a serviços médicos.
Braun e colaboradores (1981) ressaltam que uma desinstitucionalização
satisfatória depende da disponibilidade de programas apropriados para o tratamento
na comunidade. As experiências internacionais de desinstitucionalização psiquiátrica
são ainda bastante controversas nos seus resultados, mantendo uma discussão acesa
quanto aos factores negativos e positivos de tal experiência. Uma das limitações
apontadas e comum aos países referidos anteriormente diz respeito à insuficiência
dos serviços comunitários criados para dar resposta aos doentes psiquiátricos, quer a
nível de número, quer a nível da capacidade para suprir as necessidades clínicas,
sociais, ocupacionais e assegurar uma integração social dos pacientes (Bandeira et al,
1998).
Outra dificuldade verificada nos países em que a processo de
desinstitucionalização está já numa fase mais avançada, é a nova geração de doentes
mentais crónicos que não são admitidos em internamentos de longa duração nos
hospitais, nem tão pouco se adaptam às exigências da vida comunitária. Segundo
Lamb, (1993), grande parte dos sem abrigo dos EUA provém desta nova geração de
doentes mentais, que acrescentam às limitações descritas a resistência à
administração dos fármacos, o abuso de álcool e outras substancias psicoactivas, o
abandono da família, culminando na incapacidade para lidar com toda a burocracia
51

envolvida no acesso aos serviços comunitários. Uma série de factores no âmbito do


planeamento, execução e financiamento destes programas (e.g. falta de apoio
financeiro suficiente e contínuo, má distribuição de recursos que não acompanham a
reintegração dos doentes, incoerência governamental que promove a
desinstitucionalização ao mesmo tempo que aprova mais verbas para a
hospitalização, falta de formação dos técnicos, ausência de preparação e
envolvimento da comunidade no acolhimento ao doente mental, falta de apoio às
famílias, dificuldade de coordenação dos serviços envolvidos, falta de profissionais
em relação ao número de pacientes, deficiente articulação entre o serviço hospitalar e
comunitário, etc.) (Bandeira, 1991; Bandeira et al, 1998). Como consequência a
qualidade de vida dos doentes desconstitucionalizados tem sido posta em causa.
O perfil do doente mental coincide, na maioria dos casos, com situações de
pobreza, desemprego ou exploração laboral, falta de instrução e isolamento social.
No entanto, com a constante discussão dos fracassos da desinstitucionalização, corre-
se o risco de obscurecer os benefícios do tratamento comunitário para muitos doentes
mentais com longos períodos de internamento. Lamb (1993) propõe que os novos
serviços comunitários para doentes mentais passem a contemplar: a) um adequado
número e vastas opções de alojamentos comunitários supervisionados e estruturados
segundo o grau de autonomia dos pacientes e sua evolução; b) serviços psiquiátricos
e de reabilitação adequados, amplos e acessíveis, fornecidos de forma assertiva e
directiva; c) serviços de contenção de crises disponíveis e acessíveis; d) um esquema
de responsabilização pelo doente crónico que vive em comunidade, que garanta que
cada indivíduo tenha um profissional ou uma equipa multidisciplinar responsável
pelos tratamentos psiquiátrico e medicamentoso por tempo ilimitado (estruturando,
em conjunto com o doente, um plano de reabilitação, incluindo a própria medicação,
monitorizando e garantindo-lhe assistência na procura de emprego ou na articulação
com outros agentes sociais).
O sistema de saúde mental comunitário requer uma boa coordenação entre os
diferentes sectores da rede de serviços, o que nem sempre se atinge. A realidade tem
demonstrado dificuldade de coordenação entre os sectores e ainda lutas de poder
entre os diferentes interventores e profissionais dos diversos serviços (Wallot, 1988).
A humanização do sistema de assistência comunitária descentraliza os
recursos e torna a comunidade no lugar natural e privilegiado da intervenção,
(Lancetti, 1989). Assiste-se, desta forma, a um processo de devolução dos doentes às
52

comunidades e à necessidade destas se organizarem, no sentido de atribuir respostas


que até então eram assumidas exclusivamente pelo estado.
53

A Re-institucionalização Comunitária

Apesar da aparente evidência de um processo de desinstitucionalização em


curso, o que tem acontecido por toda a Europa, é um processo de re-
institucionalização, (Teixeira, 2006). Discorde-se desta interpretação, chame-se-lhe
re-institucionalização ou trans-institucionalização (isto é, uma mera mudança de
colocação dos doentes de uma determinada estrutura para uma outra), é uma
evidência difícil de negar. Investigadores deste campo debatem a tendência actual
para desinstitucionalização, a necessidade de alojamento e a crise dos sem abrigo
(Carling1995); a fraca qualidade dos programas comunitários e de saúde e a
orientação dos mesmos no sentido de manter em lugar de reabilitar (Carling, 1990;
Braun et al, 1981). Por outro lado, estes investigadores reconhecem os progressos
feitos no desenvolvimento de serviços comunitários de apoio, a atenção que deve ser
dada ao paciente, intervenções clínicas respeitáveis e uma ênfase clara nas
necessidades dos doentes em termos de alojamento, emprego e rede de amigos
(Carling, 1990; Hoult, Rosen & Reynolds, 1984).
A natureza recorrente das desordens psiquiátricas conduz a internamentos
repetidos em instituições de saúde e pode também levar à perda de alojamento
(Carling, 1990; Harnois, 2000).
Embora alguns dos indivíduos com desordens psiquiátricas tenham recursos
financeiros e retaguarda familiar, no caso dos mais carenciados, falhando o apoio a
uma habitação estável e decente, resta-lhes permanecer em hospitais psiquiátricos,
desnecessariamente, ou ficar em situação de sem abrigo, (Buhrich, Hodder, &
Tecsson, 2000; Goering, Tomiczenko, Sheldon, Boydell, & wasylenki, 2002).
Historicamente, o campo da saúde mental tem visto o alojamento enquanto
um problema do foro social e definido o seu papel como secundário em relação ao
tratamento (Carling, 1990). Assim, torna-se evidente a necessidade de congregar as
questões de habitabilidade com o apoio clínico especializado, sendo fundamental
envolver a saúde mental na ressocialização dos sem abrigo. Em países como a
Alemanha e a Itália, anteriores enfermarias hospitalares foram transformadas em
dispositivos de cuidados residenciais, verificando-se uma diminuição nos padrões de
54

qualidade dos cuidados estabelecidos pelas autoridades de saúde, e


consequentemente um empobrecimento dos cuidados prestados aos doentes.
Fakhoury e colaboradores (2002) sugerem, no estudo publicado no boletim
da Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology, que alguns doentes crónicos
incluídos nestes dispositivos de cuidados sociais se tornavam tão dependentes da
instituição como o eram anteriormente.
Outro aspecto importante a ser considerado, é o papel da família de origem
no tipo de cuidados a prestar aos doentes com patologias mais graves e socialmente
incapacitantes. O principal objectivo da psiquiatria moderna é devolver ao doente a
autonomia que perdeu com o eclodir da doença. Todos os movimentos organizativos
que assegurem este objectivo são desejados e urgentemente necessários. Mas um
sistema moderno deve igualmente considerar aqueles doentes que, pela natureza da
sua doença, nunca conseguirão atingir esse grau de autonomia. Contudo, não
podemos esquecer a necessidade de dotar as famílias de competências para
assegurarem cuidados continuados a estes doentes, antes de adoptarmos este tipo de
respostas (Left & Vaugham, 1985). Mello (1997), lembra que tanto os familiares
como os profissionais podem beneficiar de programas educacionais que visam ajudar
a reduzir os efeitos do stress ambiental sobre o paciente. Estes programas
contemplam informações sobre a doença e o uso da medicação, ajudando a
identificar fontes de stress e a treinar técnicas para as reduzir, (Brooker, Golberg &
Graham, 1994; Priebe, 2004).
No seu conjunto, estes dados são suficientes para um investimento na
produção científica específica sobre o fenómeno, e na inclusão de um conjunto de
variáveis de outcome que apõem a avaliação contínua ou intercalar do próprio
processo. Sobretudo, porque muitos destes doentes não têm capacidade
reivindicativa para reclamarem os seus direitos como cidadãos de “corpo inteiro”,
(Teixeira, 2006).
Parece claro que os cuidados mentais profissionalizados não podem ser
concebidos sem instituições, mas independentemente das razões para novas formas
de institucionalização, importantes questões permanecem sem resposta: (1) De que
modo estas instituições vão contribuir para a inclusão social dos doentes? (2) Como
vão conseguir manter a autonomia de doentes com graves incapacidades? (3)
Conseguirão fornecer cuidados adequados mesmo para os doentes mais vulneráveis e
menos assertivos?
55

Em síntese, temos todos a obrigação ética de participar num debate


informado sobre os valores que sustentam o processo de re-institucionalização e os
que se dedicam à investigação o dever de proceder a investigação sistemática sobre
as suas razões, custos e efeitos. Assim como aconteceu com a desinstitucionalização,
a investigação sobre a re-institucionalização necessita de ser feita de forma
sistemática e com dados fiáveis e compreensíveis, dados que até ao momento têm
sido muito difíceis de recolher.
Bandeira e colaboradores (1994), num estudo efectuado no Brasil acerca da
eficácia dos programas de reintegração, concluem que os principais problemas
encontrados são: a adaptação social e ocupacional; a habitação inadequada;
desemprego; abuso de álcool ou drogas; roubos e agressões que por vezes conduzem
a detenções; reinternamentos frequentes e abandono da medicação. Verifica-se uma
falta de acompanhamento adequado e regular dos doentes, falta de centros
ocupacionais e ausência de equipas de apoio domiciliário que possam apoiar o
doente em momentos de crise.
Uma das dificuldades identificada como mais frequentemente na tentativa de
reinserir os doentes mentais é o fenómeno da “porta giratória”, ou seja, o aumento da
taxa de re-hospitalizações. Taxas elevadas, entre os 55 e os 75% de re-
hospitalizações são relatadas como resultado da desinstitucionalização (Chase &
Hendry, 1989). As taxas de re-hospitalização parecem igualmente aumentar com o
decorrer dos anos. Após alta clínica, os valores situam-se entre 35 a 50% no primeiro
ano, atingindo os 70% no segundo ano (Dorvil, 1987).
Torna-se incontornável a necessidade de acompanhamento, de supervisão
contínua e permanente, independentemente dos pacientes residirem com a família ou
em habitação protegida, (Harnois, 1987).
Ao nível da habitação protegida Carling e Ridgway (1987) criticaram as
estadias em valências residenciais de transição, apontando-lhes mesmo
responsabilidades, das quais destacam: a aquisição de conhecimentos que apenas são
relevantes para vivências em grupo; deslocação permanente, uma vez que a mudança
de fase de inserção implica a mudança de estrutura física; em última análise um
retorno à casa de familiares, centros de dia, lares ou hospitais ou, na pior das
hipóteses, de novo à condição de sem abrigo. As estruturas de transição requerem
todo um trabalho de parceria, coordenado e eficaz com os serviços de habitação
56

social, auscultando assim as preferências dos indivíduos em causa, tendo em conta as


opções de alojamento e de apoio disponíveis.
A qualidade do ambiente residencial dos doentes deverá incluir a presença de
equipas especializadas que, promovam a participação activa dos pacientes nas
actividades da rotina da casa, estimulem actividades de lazer e ocupacionais,
providenciem uma orientação individualizada, tendo em conta as características
individuais de cada residente (Bandeira, 1994).
Tomando como exemplo a metodologia utilizada no Canadá, as
recomendações a seguir no âmbito do tratamento comunitário passam por: (1)
estabelecer objectivos realistas para cada paciente, tendo em conta os severos deficits
dos mesmos; (2) funcionamento interdisciplinar, incluindo psiquiatria, psicologia,
terapia ocupacional, enfermagem e serviço social; (3) Actividades de readaptação
orientadas tendo em conta a promoção de habilidades sociais e o lazer; (4)
acompanhamento frequente sob a forma de visitas domiciliárias, no sentido de
garantir que os pacientes recebam o apoio que necessitam e prevenir crises ou surtos;
(5) intervenções em momentos de crise, no hospital, a fim de orientar o paciente e
reintegrá-lo o mais rápido possível na comunidade, intensificando o
acompanhamento posterior à crise (Harnois, 1988).
Dois artigos no campo das desordens do foro psiquiátrico (Anthony &
Blanch, 1989; Wilson, in press) concluíram que a patologia de que um indivíduo
possa sofrer não é necessariamente um processo degenerativo para a vida, sendo
possível que as pessoas com problemas do foro psiquiátrico consigam manter uma
casa, um emprego e amigos estáveis.
Num estudo realizado na Austrália, por Hoult, Rosen & Reynolds (1984),
foram avaliados 120 pacientes no momento da sua admissão hospitalar. Foram
excluídos do estudo pacientes com diagnóstico de dependência alcoólica, transtorno
orgânico cerebral ou atraso mental. O grupo foi distribuído em dois, sendo que o
grupo de controlo recebeu cuidados em hospital psiquiátrico e o grupo de estudo foi
apoiado por um serviço de atendimento a pacientes em crise que funcionava 24 horas
por dia. Durante os 12 meses do período de estudo, 96% dos pacientes do grupo de
controlo foram internados (51% mais do que uma vez); do grupo de estudo 60 % não
foram internados e dos 40% internados, somente 8% foram internados mais do que
uma vez. Os pacientes do grupo de controlo ficaram internados em média 53,5 dias,
enquanto os pacientes do grupo de estudo só ficaram internados em média 8,4 dias.
57

Este estudo demonstrou que para além de uma maior satisfação dos pacientes e
familiares, os custos com o grupo de estudo forma menores.
Carling e colaboradores (1987) afirmam que num estudo relativo à
reintegração comunitária, envolvendo todos os grupos com alguma incapacidade
concluem que: as necessidades de habitação são semelhantes em todos os grupos
embora o apoio necessário possa variar; o apoio técnico é um vector determinante na
capacidade dos indivíduos para manter a sua casa; os problemas habitacionais estão
menos ligados à doença do que a factores económicos e sociais, tais como a pobreza
e a descriminação; existem grandes diferenças de opinião entre os profissionais e os
utentes acerca das necessidades específicas destes últimos, no que concerne ao
alojamento e apoio. Os utentes pretendem estar centralmente envolvidos no
planeamento, organização e manutenção da sua casa e dos serviços, sendo que os
idosos e os indivíduos que apresentam alguma incapacidade estão mais expostos ao
risco de institucionalização.
Conclui-se que o modelo de integração comunitária deveria evitar a
segregação dos utentes, colocando a tónica no reforço das relações entre indivíduos
portadores de alguma incapacidade e indivíduos com maior facilidade de integração,
permitindo assim a diluição da patologia e o fortalecimento da rede de suporte.
Reforçamos a necessidade de estudos orientados para a análise e definição de
conceitos operacionais, bem como estudos que avaliem o impacto nos utentes e suas
famílias, de forma a demonstrar a eficácia destas abordagens (Teixeira, 2006).
Torna-se fundamental a inclusão dos próprios na definição dos seus projectos de
vida. A relação de confiança que esta “co-reinserção” fomenta, poderá facilitar, em
nosso entender, o emergir de uma vinculação segura e reparadora.
Capítulo II

Vinculação

O conceito de vinculação

Numa era em que o individualismo impera, em que a competição desenfreada


nos empurra para “cabines telefónicas de corpo e meio”, onde o “outro” é quase
sempre sentido como ameaçador abordar, neste capítulo, um tema em que as
palavras-chave são: relações interpessoais; afecto; sensibilidade; ligações
emocionais; segurança; vínculos afectivos; é no mínimo inspirador.
Comecemos então pelo início…. Pela primeira relação possível de
estabelecer – entre o bebé e a mãe (ou a figura que lhe presta cuidados). Onde surge
e como se forma o vínculo afectivo? Qual a sua natureza e que importância terá no
desenvolvimento da personalidade do sujeito?

(...) o apego íntimo a outros seres humanos é o núcleo em


torno do qual gira a vida de uma pessoa, não só enquanto bebé,
criança pequena ou criança de escola, mas também durante a sua
adolescência e maturidade, até à velhice. É deste apego íntimo que
retiramos a força e o prazer da vida, e proporcionamos também
força e prazer a outros. (Bowlby, 1973, p. 468)

Sabendo que todo o ser humano tem a propensão para estabelecer vínculos
afectivos com outros, levando a separação ou a quebra desses vínculos a múltiplas
formas de consternação emocional e perturbações várias, teremos de concordar que,
directa ou indirectamente, a qualidade das relações primárias que desenvolvemos
com determinada “figura” ocupa um lugar central em todo o processo de
desenvolvimento do sujeito. Esta propensão resolveu o problema da necessidade de
protecção e suporte imprescindível à sobrevivência do ser humano, munindo a
criança com um sistema de comportamentos que asseguram a proximidade com o
adulto.
Autores tão conhecidos como René Spitz, Anna Freud, James Robertson,
entre outros, deram contributos acerca dos efeitos da privação de cuidados maternos
60

no comportamento da criança, fizeram com que o interesse pela área aumentasse,


bem como os estudos sobre a mesma. Pareciam então prevalecer duas ideias: a
importância da perda (temporária ou definitiva) da figura materna no
desenvolvimento de psicopatologia e uma certa continuidade, quer nas acções quer
nas defesas do indivíduo, entre essa experiência de perda ou separação e algumas
perturbações do funcionamento do sujeito.
De acordo com Bowlby, a partir das tendências instintivas do bebé para a
vinculação à mãe (ou à figura que lhe presta cuidados), que se exprimem através de
comportamentos de vinculação (chupar, agarrar, seguir com o olhar, chorar e sorrir),
desenvolve-se um sistema interactivo. O sistema de vinculação é uma fonte de
protecção e de suporte que quando está inacessível desencadeia um estado de tensão
e a procura da anterior protecção e suporte, com a consequente interrupção da
actividade que estaria a ser desenvolvida no momento.
O estudo da vinculação permanece associado a John Bowlby e à sua Teoria
da Vinculação, apresentada pela primeira vez em 1958. O interesse de Bowlby pela
compreensão dos efeitos das múltiplas vertentes das relações significativas no
desenvolvimento iniciou-se nos anos 20, altura em que era médico numa instituição
para crianças consideradas inadaptadas.
Nas suas observações considerou a hipótese de que experiências ocorridas em
contexto familiar tinham um papel determinante em posteriores perturbações da
personalidade, tanto em crianças como em adolescentes.
A figura de vinculação serve de base segura, a partir da qual se explora o
mundo numa interacção entre proximidade e afastamento relativamente aos
cuidadores. Da qualidade dos vínculos iniciais e actuais dependerá a maior ou menor
capacidade de autonomização da criança e, posteriormente, do adolescente e do
adulto (Fleming, 1993). No fundo, é o sistema de vinculação que controla o sistema
exploratório, sendo que ambos são activados de forma alternada, isto é, um sistema
poderá ser activado quando o outro se encontrar num estado de baixa activação: a
exploração de novos estímulos só ocorre quando a acessibilidade da figura de
vinculação está garantida, enquanto que a diminuição da activação do sistema de
vinculação possibilita a activação do sistema de exploração (Soares, 1996). O
sistema de vinculação, ao possibilitar a manutenção da proximidade e a obtenção de
segurança, promove a exploração, favorecendo a aprendizagem e o contacto com o
meio. A criança constrói modelos internos acerca da acessibilidade e responsividade
61

das figuras de vinculação, que constituem verdadeiras estruturas cognitivas, sendo


posteriormente possível a sua correcção por objectivos. Ou seja, para além da
acomodação dos objectivos da criança ou dos seus comportamentos, aos da mãe,
aquela começa também a influenciar e a tentar mudar os planos desta, no sentido de
obter uma maior convergência relativamente aos seus. A criança vai revelando
progressivamente uma maior capacidade em aceitar a separação mais prolongada das
figuras de vinculação, focalizando-se menos na manutenção da proximidade mas
mais na sinalização mútua e na coordenação de planos.
O modelo interno dinâmico da vinculação (internal working model) integra
aspectos dinâmicos, estruturais e funcionais das representações, incluindo
componentes cognitivos e afectivos. Proporciona ao indivíduo um conjunto de regras
que o regulam para a orientação do comportamento e para a avaliação das
experiências, bem como regras para a organização e direcção da atenção e da
memória, reflectindo-se estas últimas na organização do pensamento e da linguagem,
directa ou indirectamente relacionada com a vinculação (Neves, 1995).
Para a criança o principal objectivo da vinculação é garantir a segurança. A
dinâmica entre estes dois objectivos – manutenção da proximidade e obtenção de
segurança – traduz-se na utilização da figura de vinculação como base segura, para
explorar o ambiente em alturas tranquilas, e como refúgio de segurança, em alturas
conturbadas.
A criança elabora um conjunto de expectativas acerca do próprio, dos outros
e do mundo em geral, que correspondem à interiorização de características das suas
interacções com os pais, que Bowlby (1973) designou de “working models” –
modelos representacionais ou modelos internos dinâmicos, descrevendo-os como
representações mentais, conscientes e inconscientes, de si e do mundo externo, que
influem na qualidade da percepção dos acontecimentos e no planeamento do futuro.
Estes modelos actuarão de uma forma quase automática na interpretação e na
antecipação de comportamentos, influenciando os padrões de interacção nas
relações. São sistemas afectivamente carregados que regulam o sistema
comportamental de vinculação, tendem a resistir à mudança e influenciar o
comportamento na vida adulta, embora sensíveis a transformações resultantes de
alterações nas interacções do indivíduo com o meio.
As relações significativas podem ser factores de risco ou de protecção,
consoante promovam o sentimento de segurança e auto-estima contribuindo para o
62

bem-estar global do indivíduo, ou, pelo contrário, gerem condições adversas e


impliquem considerável sofrimento (Canavarro, 1999; Machado 2004).
Relativamente à Teoria da Vinculação, poderemos considerá-la num percurso
evolutivo, sendo a primeira fase relativa à mencionada apresentação de Bowlby,
descrevendo noções e conceitos fundamentais. Entre 1969 e 1980, Bowlby publicou
a famosa trilogia sobre vinculação e perda ("Attachment and Loss: Volume I -
Attachment; Volume II - Separation - anxiety and anger; Volume III - Loss -
Sadness and Depression"), na qual faz uma revisão da sua obra e sustenta a sua
teoria na exploração empírica. Nesta apresentação centrou-se essencialmente na
infância, em colaboração com Mary Ainsworth. Na década de 70 e até meados de 80,
considerada por Soares (1996a) como uma segunda fase, analisa-se a relação entre a
qualidade da vinculação e outras variáveis, nomeadamente o desenvolvimento
cognitivo, a relação com o self, a relação com o jogo. De destacar nesta fase de
desenvolvimento do tema, a elaboração do procedimento experimental conhecido
como Situação Estranha, desenvolvido por Ainsworth e colaboradores, em 1978.
Este permitiu a exploração empírica da teoria da vinculação.
Em meados da década de 80 o foco de análise, inicialmente restrito à
infância, é alargado aos pais, passando do domínio comportamental para o
representacional, no qual se inscrevem os modelos internos dinâmicos, através de
uma reconceptualização da vinculação (Main, Caplan & Cassidy, 1985,Soares 2000).
A elaboração de um instrumento clínico, tipo entrevista biográfica, designado por
Adult Attachment Interview - AAI (George, Kaplan & Main, 1984), cria novas
possibilidades de estudo da vinculação ao longo do ciclo de vida, com semelhanças
significativas entre os padrões encontrados nas diferentes fases do referido ciclo
(Soares, 1996b, 2000).
Em 1985, Mary Main publica uma investigação, com resultados de um estudo
longitudinal que, para além de apresentar uma certa relação entre a vinculação feita
pela criança de doze meses e a dos pais (analisada através do seu discurso), aponta
para a existência de características semelhantes e de continuidade entre crianças e
adultos (Main, 1996).
Assim, desde meados dos anos 80 que o desenvolvimento humano é
analisado numa perspectiva global ao ciclo de vida, conceptualizando as relações
afectivas como ”processos em curso ao longo da ontogénese” (Antonucci, 1976).
Procuram-se identificar sequências típicas ao longo do desenvolvimento, avaliando o
63

impacto das relações afectivas umas nas outras, ou tentando conhecer a evolução que
uma ou várias relações afectivas específicas têm ao longo do ciclo de vida. Ou seja, "
(…) para qualquer relação interpessoal, os indivíduos trazem consigo memórias de
relações passadas e expectativas sobre relações futuras" (Canavarro, 1997, p.70).
Desta forma, alguns autores sentiram necessidade de postularem a existência
de estruturas cognitivas responsáveis pela representação das relações interpessoais e
pela mediação entre as mesmas. Bowlby, como já referido anteriormente, designou
estas estruturas por working models, enquanto que outros adoptaram a designação de
esquemas interpessoais ou unidades de representação das experiências relacionais
como veremos mais adiante.

Construção da relação de vinculação

Como se constroem os laços vinculativos que unem a criança ao cuidador?


Até meados da década de 50, predominavam dois pontos de vista, o
psicalítico e o behaviorista. Ambos defendiam que os laços entre as pessoas se
desenvolviam porque para satisfazer determinados impulsos é necessário outro
indivíduo. Identificam dois tipos de impulsos: o primário (que incluía o alimento e o
sexo) e o secundário ("dependência" e outras relações pessoais). Assim, os laços
afectivos que o bebé estabelece com a mãe resultariam da satisfação das
necessidades alimentares. O interesse do bebé pela mãe seria então consequência da
satisfação oral e da descoberta do objecto que a proporciona – o seio, a mãe.
Contudo, as pesquisas sobre os efeitos negativos da privação dos cuidados maternos
sobre o desenvolvimento da personalidade e as preocupações de Bowlby com a
compreensão e explicação dos mesmos levaram o autor a questionar-se sobre a
adequação desta abordagem (Bowlby, 1969, 1973, 1980).
Insatisfeito com o modelo psicanalítico tradicional acerca da relação de
vinculação mãe-bebé, torna-se sensível aos contributos de outras abordagens
teóricas. É assim que em 1951, toma conhecimento dos estudos de Konrad Lorenz
(1952) sobre imprinting e começa a interessar-se pelos princípios da etologia, como
possíveis contribuições para a compreensão do fenómeno da vinculação no ser
humano. Lorenz (Bowlby, 1969, 1979; Montagner, 1993; Soares, 2007) demonstrou,
em experiências efectuadas com pintos ou patos, que estas aves, após eclosão,
64

seguem automaticamente qualquer objecto móvel ou qualquer indivíduo, mesmo que


este não pertença à sua espécie.
Simultânea e independentemente, Harlow e a sua equipa (Harlow, 1958;
Bowlby, 1969, 1979) publicaram os resultados das pesquisas com filhotes de
macacos rhesus que foram separados das suas mães e criados por dois modelos de
mãe (bonecos). Estes mostraram que as crias preferiam o contacto com a "mãe"
artificial de pano que não fornecia leite, à "mãe" de arame lactante. A importância
desse contacto era evidente não só pela maior quantidade de tempo passado junto
dessa figura como também pelo facto da mesma constituir, por um lado, uma base
(segura) a partir da qual o bebé macaco explorava o meio e, por outro, um refúgio
(seguro) sempre que se deparava com alguma situação de perigo durante as suas
incursões. A partir destas observações, os autores concluíram que o conforto do
contacto é essencial para o desenvolvimento das relações precoces.
A formação do vínculo não é, portanto, um processo automático, uma vez
que a componente que se salienta neste tipo de relação é a da prestação da cuidados.
Se no início, os comportamentos inatos do bebé para promover a proximidade de um
cuidador, são indiscriminados (destacamos que não é inata a propensão para se ligar
à mãe, mas sim a um cuidador), progressivamente o bebé vai discriminando a(s)
figura(s) que cumpre a função de vinculação. Um conjunto de investigações
empíricas levadas a cabo por Klaus e Kennell (1976) mostrou que as mães que têm
oportunidade de estabelecer contacto corporal com os seus filhos, apresentam
melhores práticas de cuidados maternais e os filhos apresentam melhores indicadores
de desenvolvimento, manifestando ambos, mais tarde, menos dificuldades na relação
do que nas situações em que as mães não estiveram tão próximas, e a prestação de
cuidados não pôde efectivar-se logo após o nascimento.
Ainsworth (1994) definiu ligações afectivas, por oposição ao conceito geral
de relações interpessoais, distinguindo os seguintes aspectos particulares:
1) As relações interpessoais são diádicas, triádicas, dependendo do número
de indivíduos que participam na relação, enquanto as ligações afectivas são
características apenas do indivíduo pois, embora se desenvolvam no contexto da
relação, passam a ser representadas na sua organização interna; 2) Enquanto as
relações interpessoais podem ter uma longa ou curta duração, as ligações emocionais
têm, por definição, uma duração prolongada; 3) As relações interpessoais são
65

constituídas por uma série de componentes, muitos deles irrelevantes para a


formação de ligações emocionais.
Ainsworth (1994) acabou por definir as ligações emocionais como uma
ligação relativamente duradoira, em que o parceiro é importante como indivíduo
único, que não poderá ser substituído por nenhum outro.
São apontadas como características das ligações afectivas: o desejo de manter
a proximidade do parceiro (existindo resistência a factores como a ausência ou
separação e o desejo intermitente para restabelecer a proximidade e a interacção); a
percepção da reunião como agradável; as separações inexplicáveis serem causadoras
de stress e a perda permanente ser sentida como dolorosa. A autora fez ainda a
distinção entre ligação afectiva e vinculação, considerando que a vinculação é um
tipo específico de ligação afectiva, não sendo os dois conceitos equivalentes. É de
salientar que uma ou várias relações interpessoais podem ser importantes para o
indivíduo, sem isso implicar relações afectivas, em geral, ou vinculação em
particular. No entanto, as relações interpessoais que possuem características de
ligações afectivas parecem ser as mais relevantes e significantes de toda a esfera
social, pelo papel que desempenham no desenvolvimento humano (Ainsworth, 1994;
Sameroff, 1993; Weiss, 1982).
Três características foram apontadas como critérios de distinção entre
vinculação (na infância) e outras formas de relações interpessoais. Sendo descritas
por Weiss (1991): (a) Procura de proximidade – A criança procura manter-se num
raio de protecção dos seus pais. Esse contexto de protecção encontra-se reduzido, em
situações ameaçadoras ou que se encontram fora dos padrões de rotina habituais. (b)
Efeito de base de segurança – A presença de uma figura a quem a criança esteja
vinculada promove-lhe sentimentos de segurança. (c) Protesto na altura da
separação – Com o objectivo de manter a acessibilidade da figura de vinculação a
criança protesta, de forma activa, tentando impedir a separação.
O mesmo autor refere mais cinco características da vinculação na infância,
que incluem:
1. Ser activada por situações ameaçadoras – Em situações rotineiras, de
segurança, os pais podem ser tratados como companheiros de brincadeira ou mesmo
ignorados. Os comportamentos de vinculação surgem quando a criança se sente
ansiosa.
66

2. Especificidade da figura de vinculação – Depois de estabelecida a


vinculação com uma pessoa particular, só essa figura é objecto de vinculação no
sentido da sua proximidade promover uma base de segurança e o seu afastamento
conduzir a manifestações de protesto.
3. Impossibilidade de controlo consciente – Os sentimentos de vinculação
persistem mesmo quando há a percepção que não poderá haver reencontro com a
figura de vinculação, no caso de morte desta. As manifestações de protesto persistem
mesmo quando se encontra disponível uma pessoa alternativa adequada.
4. Persistência – O grau de vinculação não diminui com a habituação,
parecendo mesmo manter-se na ausência de reforço. A separação permanente da
figura de vinculação traduz-se em ansiedade, que só de forma muito lenta e
imperfeita se esbate. Se a separação acontece de forma contínua, durante um grande
intervalo de tempo, são visíveis sinais de astenia, que gradualmente conduzem a
padrões comportamentais de desespero.
5. Independência de outras características da relação – As relações de
vinculação persistem mesmo quando a figura de vinculação é negligente ou abusiva.
Nestas condições, sentimentos de raiva e cólera podem associar-se às relações de
vinculação, acarretando conflitos. No entanto, em condições de perigo ou ameaça, a
segurança continua a ser procurada através da relação.
De acordo com o exposto, a análise das relações interpessoais é
extremamente importante para o estudo dos fenómenos mentais e do
desenvolvimento, pelo que nos surgem algumas questões: Como se desenvolvem os
indivíduos nas relações com Outros significativos? Em que medida as relações
influenciam ou estão subjacentes a quem nós somos e ao que seremos?
Na procura de respostas a estas e outras questões, analisemos o percurso de
John Bowlby na elaboração da sua teoria e os contributos desta para a compreensão
do processo desenvolvimental do indivíduo.

A Teoria da Vinculação

A principal ideia que Bowlby retira da etologia consiste em considerar que o


stress associado à separação, bem como os comportamentos de vinculação que têm
por objectivo evitar o seu aparecimento, ocorrem em numerosas espécies animais,
sendo de natureza essencialmente instintiva e biológica (contrariamente às hipóteses
67

clássicas da psicanálise e por outro lado comportamentalistas). Bowlby acrescenta


ainda que a propensão para estabelecer vínculos emocionais sólidos com
determinadas pessoas é uma componente fundamental da natureza humana, existindo
desde o nascimento até à velhice (Bailly, 1997).
Bowlby (1980; 1973; 1982) demonstrou que a acessibilidade de figuras
parentais é a única capaz de produzir sentimentos de segurança na criança e utilizou
o termo vinculação para designar este tipo de relação.
Como vimos o autor considera que a necessidade de vinculação do recém-
nascido para com a sua mãe é uma necessidade primária, cuja não-satisfação provoca
o aparecimento de uma angústia primária. Esta angústia é compreendida como o
resultado da impossibilidade da criança encontrar o seu objecto de vinculação
normal. Ou seja, a angústia primária de separação não surge como reacção a uma
situação traumática mas como um sinal activador do comportamento de vinculação.
As experiências de separação (temporal) e de perda (definitiva) em relação à
figura de vinculação são, segundo o autor, mecanismos patogénicos, que
desencadeiam uma sequência de reacções: protesto (que corresponde à angústia de
separação), por vezes intenso e com o objectivo de reencontrar a figura de
vinculação, ao mesmo tempo que o bebé rejeita figuras alternativas; desespero, se a
separação continuar, manifestando o bebé preocupação pela ausência da mãe,
comportamento de desânimo e de pesar através de uma postura passiva e não
envolvida com o meio que o rodeia; e desvinculação, em que a criança parece
recuperar de uma certa letargia, começando a aceitar certas figuras que dela se
aproximem.
Bowlby considera que as diferentes formas de experiência de separação em
relação à figura de vinculação (separação física temporal, perda definitiva, presença
sem disponibilidade ou sem responsividade adequada, ameaça de abandono com fins
educativos, etc.) têm em comum a capacidade de criar situações de stress capazes de
direccionar o desenvolvimento da criança para a saúde mental ou para a
psicopatologia (Bailly, 1997).
No entanto, essa emoção é simultaneamente estruturante para o Eu pois, ao
perceber a dor da solidão, o indivíduo toma consciência da sua própria existência
enquanto ser único e em relação com o outro, diferente dele, pelo que a angústia de
separação funda o sentimento de identidade do Eu e do Outro.
68

Relativamente ao desenvolvimento do comportamento vinculativo, os


trabalhos de Ainsworth e as observações dos etologistas parecem constituir a prova
do que prevê a teoria da vinculação de Bowlby: a qualidade do vínculo afectivo mãe-
bebé vai moldar os outros sistemas relacionais da criança ao longo de todo o seu
desenvolvimento. É de salientar, contudo, que Bowlby prevê a possibilidade de
alterações a este determinismo.
Assim, considera-se que durante o primeiro ano de vida o bebé estabelece
uma relação privilegiada com uma figura específica – a mãe ou o seu substituto. À
medida que a mãe vai sendo identificada com maior precisão, o bebé começa,
progressivamente, a manifestar medo e ansiedade perante indivíduos estranhos. Este
comportamento tem o seu início entre o sexto e o oitavo mês (Spitz, 1979) e deve-se,
segundo Bowlby à ocorrência de uma dupla maturação: o aumento das capacidades
perceptivas da criança que lhe permitem descobrir o carácter novo ou estranho de um
objecto ou pessoa; e o aumento, com a idade, do medo e da ansiedade em relação a
pessoas estranhas. Estas manifestações têm como consequência aumentar a
probabilidade da mãe se aproximar do filho, sendo ela quem fica associada à
diminuição da ansiedade e do medo e às sensações de segurança e protecção.
Bowlby (1969) refere, assim, três tipos de condições de activação do
comportamento de vinculação relativos: a) Ao comportamento da criança; Quando
esta está cansada, doente, com dores, com frio ou com fome, tende a requerer a
proximidade da mãe. O comportamento de vinculação tende, então, a ser desactivado
pelo contacto corporal ou quando as condições expostas desaparecem; b) Ao
comportamento materno; A ausência, partida, ou desencorajamento da proximidade
pela mãe constituem condições de activação do comportamento de vinculação. Pelo
contrário, disponibilidade e a atenção materna são muitas vezes suficientes para
desactivar o comportamento de vinculação e estimular a exploração do meio pela
criança; c) Às condições do meio; As situações de alarme, de susto ou o surgimento
de uma figura estranha ou de um acontecimento não esperado, tendem a activar o
comportamento de vinculação.
Ao longo da vida, as condições de activação e de desactivação do
comportamento de vinculação vão-se alterando. Se no primeiro ano de vida a
presença efectiva da mãe é determinante, a partir do final do segundo ano de vida, é
a confiança ou a antecipação da disponibilidade ou indisponibilidade da figura de
vinculação que assume o papel preponderante. Progressivamente, o comportamento
69

de vinculação vai sendo activado com menos frequência e menos intensidade, e pode
ser desactivado por um leque muito mais vasto de condições (Bowlby, 1979; Soares
1992).
Em síntese, se uma criança não tiver oportunidade de se vincular a uma
pessoa específica no decorrer de um período crítico do seu desenvolvimento – os três
primeiros anos, segundo Bowlby, o primeiro ano segundo Sroufe (Montagner, 1993)
– tal poderá levar a uma incapacidade ou inadaptação para formar relações afectivas
satisfatórias com os outros. De forma similar, a perda da figura de vinculação no
decorrer deste período crítico terá, provavelmente, como consequência o
desenvolvimento da ansiedade na criança.

Os Esquemas de Vinculação na criança

As interacções entre a criança e as pessoas que lhe são próximas organizam-


se, nos primeiros anos de vida, segundo diferentes esquemas de interacção, podendo
os mesmos apresentar-se de acordo com três padrões: inseguro-evitante (A), seguro
(B) e inseguro-resistente/ambivalente (C).
Segundo Ainsworth, a vinculação insegura-evitante caracteriza-se pela
ausência de expectativas por parte da criança em relação à mãe enquanto figura de
segurança, quando aquela se encontra numa situação difícil.
Na vinculação segura a criança mostra-se confiante nos pais, disponíveis e
sensíveis aos seus sinais, pelo que, em situações de percepção de perigo, procura
activamente segurança e protecção junto dos mesmos.
Relativamente à vinculação insegura-resistente ou ambivalente, as reacções
da criança, perante o perigo, traduzem-se pela procura afectiva de protecção dos seus
pais, mas com expressão de uma falta de confiança nos mesmos o que afecta os seus
comportamentos de exploração. É de notar que este esquema é favorecido por
experiências anteriores de incapacidade de resposta por parte dos pais ou por
ameaças de abandono utilizadas como meio de pressão sob a criança (Soares &
Machado, 1993; Soares, 1996a; Bailly, 1997, Machado 2004).
Posteriormente, Mary Main e Solomon identificaram um quarto grupo de
bebés, o Grupo D (desorganizado), caracterizado por sequências de comportamentos
contraditórios, por movimentos despropositados e assimétricos, estereotipias,
posturas anómalas, sinais de apreensão relativamente à figura parental, expressões de
70

confusão, desorientação e desorganização (Soares & Machado, 1993; Main, 1996;


Soares, 1996, 2000).
Deklyen e Speltz (2001) interpretam esta "desorganização" como uma
resposta ao medo; medo suscitado pela presumível fonte de segurança (mãe/pai), ou,
noutros casos, pela ocorrência de algo que ameaçou ou traumatizou o bebé (e. g. no
caso de uma perda).
Como já anteriormente referimos, Bowlby considera que a qualidade da
relação de vinculação na infância tem valor preditivo para o futuro, constituindo-se
os esquemas como mais ou menos fixos já que os mesmos suscitam determinadas
reacções por parte dos pais e do meio que podem facilmente entrar num ciclo
vicioso.
Tendo em consideração esta classificação dos esquemas de vinculação alguns
procedimentos experimentais foram criados para a avaliação dos mesmos, a partir
das idades mais precoces.

Mary Ainsworth e a “Situação Estranha”

Da colaboração entre Bowlby e Ainsworth nasceu um instrumento


experimental denominado situação estranha. Com efeito, trata-se de um
procedimento laboratorial estandardizado, constituído por uma sequência fixa de
vários episódios, potencialmente stressantes, destinados a activar e/ou intensificar o
sistema de vinculação do bebé com cerca de um ano de idade (Ainsworth, 1982;
Soares, 1996). Estes acontecimentos indutores de stress foram escolhidos por
ocorrerem habitualmente na história das crianças, e por serem relativamente pouco
traumáticos, se bem que suficientes para activarem comportamentos de vinculação.
Este procedimento permite definir os três principais tipos de esquemas de
vinculação: Assim, o Grupo A (inseguro-evitante) caracteriza-se pelo
comportamento de evitamento do bebé perante a mãe, principalmente nos momentos
de reunião, ignorando-a ou afastando-se dela; a criança parece não manifestar
resistência nem protestar na sua ausência; por outro lado, o estranho é por ela tratado
de forma semelhante à da mãe, podendo até o evitamento ser menor.
O Grupo B (seguro) caracteriza-se pela procura activa da proximidade e
interacção com a mãe, mantendo-se o contacto após a reunião. Poderão surgir, ou
não, protestos face à ausência da mãe, pelo que a criança pode ser um pouco
71

confortada pelo estranho. O gradiente, neste grupo, vai desde uma interacção mais à
distância com a mãe, sem procura activa de proximidade, até à procura
verdadeiramente activa de contacto e proximidade após a ausência.
No Grupo C (inseguro-ambivalente/resistente) coexistem comportamentos de
resistência activa ao contacto e interacção com a mãe e comportamentos de procura
de contacto, mas em que estes últimos inibem a exploração do meio; este grupo
subdivide-se em maior passividade ou maior irritação (Ainsworth, 1982; Machado,
2004; Soares, 1996).
Quanto aos resultados, a autora verificou que a maioria dos bebés foram
classificados como seguros (70%), inseguros-evitantes (20%) e uma pequena
minoria no grupo inseguro-ambivalente/resistente (10%) (Machado, 2004, p.298).
Quanto aos comportamentos das mães, poder-se-á dizer que as mães de
"bebés seguros" mostram receptividade e sensibilidade às estimulações ou pedidos
do seu bebé; as mães dos "bebés evitantes" manifestam mais frequentemente quer
insensibilidade às solicitações do seu bebé, como uma certa relutância de contacto
físico; e as mães dos "bebés ambivalentes" tendem a comportar-se de forma
inconsistente para com as solicitações do seu bebé (Cicchetti et al., 1995; Deklyen &
Speltz, 2001; Machado, 2004; Main & Cassidy, 1988).
Ao encontrar algumas dificuldades na classificação de vários bebés, e após
uma revisão dos mesmos, Mary Main e Solomon identificaram um quarto grupo de
bebés, o Grupo D (desorganizado) caracterizado por sequências de comportamentos
contraditórios, por movimentos despropositados e assimétricos, estereotipias,
posturas anómalas, sinais de apreensão relativamente à figura parental, expressões de
confusão, desorientação e desorganização (Main, 1996; Soares, 1996, 2000).
Deklyen e Speltz (2001) interpretam esta "desorganização" como uma
resposta ao medo; medo suscitado pela presumível fonte de segurança (mãe/pai), ou,
noutros casos, pela ocorrência de algo que ameaçou ou traumatizou o bebé (e. g. no
caso de uma perda).
Main e Cassidy (1988), num estudo longitudinal com crianças com
vinculação D, observam que muitas destas crianças posteriormente (aos 6 anos)
apresentam padrões de vinculação relativamente organizados mas caracterizados por
uma espécie de "inversão de papéis" (e. g. a maioria dessas crianças apresentou
comportamentos de controlo ou punitivos relativamente aos pais). Subjacente a tais
situações da vinculação D parece existir, da parte dos pais dessas crianças, uma
72

incapacidade em ultrapassar as suas próprias experiências passadas de vinculação


(nomeadamente em casos onde ocorreram perdas, abuso físico ou sexual) (Kaufrnan
& Ziegler, 1987; Main & Cassidy, 1988; Trickett & Susman, 1989). Compreende-se,
neste sentido, que autores como Trickett e Susman (1989) ou Roisman e
colaboradores (2004), por exemplo, refiram a necessidade dos adultos que sofreram
experiências precoces negativas de vinculação de requestionarem a forma como
pensam acerca delas e de rejeitarem (conscientemente) as atitudes e valores dos seus
próprios pais, para que não perpetuem, ao longo das gerações, os maus-tratos (ou
negligência) às crianças.
Relativamente à estabilidade da qualidade da vinculação ao longo da
infância, o resultado das pesquisas sugere que algumas circunstâncias da vida
familiar podem influencia-lá. Entre elas destacam-se: “a) experiências críticas, tais
como separações prolongadas da mãe; b) circunstâncias com efeitos duradouros ou
periódicos, tais como o regresso da mãe ao trabalho e/ou a prestação regular de
cuidados por outras figuras; c) mudanças específicas que influenciam a família como
um todo e que podem ter efeitos menos directos sobre a mãe e o bebé, como por
exemplo a mudança para uma outra casa" (Soares, 1996, p.79-80).
Evidenciando, uma vez mais, o papel dos vínculos iniciais no
desenvolvimento do sujeito convém ainda salientar o papel que terão os modelos do
funcionamento das relações (Beckett et al. 2003), o facto de uma vinculação insegura
não prever necessariamente ulteriores comportamentos perturbados, o facto da
vinculação segura também não garantir, por si só, que tais manifestações não
ocorram, e a ideia de que a vinculação continuará a sofrer transformações e
integrações com novas conquistas relativas à autonomia do sujeito no decurso do seu
desenvolvimento. Esta abertura a novas transformações funciona "nos dois sentidos",
ou seja, podem-se adquirir novas "forças" ou novas "vulnerabilidades" (Cicchetti et
al., 1995). Assim sendo, "em qualquer fase (...) mudanças nos cuidados prestados e
acontecimentos da vida como rejeições, separações e perdas, mas também
experiências positivas como os pais arranjarem um emprego ou os adolescentes
encontrarem um parceiro que dá apoio, ou iniciando terapia, podem provocar
alterações no decurso do desenvolvimento da vinculação" (van IJzendoorn, 1995,
p.412).
73

Vinculação – da infância à adolescência

Embora o bebé, numa fase inicial, promova a proximidade do cuidador de


forma indiscriminada, à medida que se vai desenvolvendo será mais capaz de
identificar a figura que cumpre a função de vinculação, construindo estratégias de
activação em função dessa mesma figura. Sensivelmente no final do primeiro ano, à
medida que cria uma representação de si na relação com o outro, o bebé está
habilitado a descobrir o que fazer para acabar com as situações que lhe causam
desconforto. Podemos então identificar, de forma mais evidente, a presença de
padrões de vinculação tendo em conta a qualidade da relação estabelecida com
diferentes figuras.
A emergência de uma organização de vinculação, em vez de múltiplos
padrões de comportamento face a diferentes cuidadores é uma das mudanças
fundamentais da infância para a adolescência (Steele, Steele, & Fonagy, 1996, Van
Ijzendoorn, 1992, 1995; Waters, Merrick, Albersheim, & Treboux, 1995).
Dentro do que pode ser considerado um desenvolvimento normativo, uma
criança de aproximadamente três anos deverá activar o sistema de vinculação de
forma menos frequente e intensa, permitindo por sua vez a activação, cada vez mais
frequente, do sistema de exploração. Falamos então de uma “conquista
desenvolvimental” progressiva, absolutamente essencial para que a criança possa
experimentar os crescentes períodos de ausência da figura de vinculação, não como
ameaçadores, mas como um processo evolutivo de autonomia, capaz de lidar com a
separação sem temer a perda (Machado, 2007).
Embora as experiências precoces de vinculação não tenham um carácter
determinista no desenvolvimento do sujeito, facto é, que a qualidade das relações
estabelecidas com os cuidadores, e o equilíbrio entre a liberdade e responsabilidade
que é suposto que promovam, são um dos mais fortes preditores da saúde mental na
adolescência (Claes, 2004). O desenvolvimento da autonomia, individualização e
capacidades para estabelecer e lidar com novas relações, são processos
desenvolvimentais particularmente relevantes nesta fase. A qualidade da resolução
destas tarefas está intimamente ligada ao desenvolvimento de uma identidade
própria, coesa e autónoma, capaz de gerir de forma adequada tanto as separações
como o estabelecimento de novas relações significativas (Machado, 2007). Questões
como lidar com o próprio corpo, ser aceite no grupo de pares, a experiência de uma
74

relação amorosa, funcionam como potenciadores da emersão de conflitos internos,


nem sempre passíveis de serem resolvidos de forma satisfatória.
Segundo Bowlby (1973/98), o indivíduo tende a generalizar noutro tipo de
relações o que é apreendido nas relações mais precoces. No período da adolescência
a qualidade da vinculação estabelecida com os cuidadores poderá ser questionada,
permitindo a reorganização da própria estrutura da relação, clarificação e delimitação
de novos papéis, numa tentativa de reequilibrar a estabilidade familiar, tendo em
conta as novas competências adquiridas com o alargamento e complexificação da
teia relacional (Kobak & Cole, 1994).
A qualidade dos modelos internos é essencial para antecipação de
determinadas respostas do outro, podendo estes ocasionar um padrão de
comportamento do sujeito mais ou menos desviante consoante a maior ou menor
disponibilidade prevista da figura de vinculação em particular, e consequentemente,
dos outros em geral. É também ao longo desta fase que surgem novas capacidades
cognitivas, nomeadamente as “operações formais”, que incluem o pensamento lógico
e abstracto (Keating, 1990). O adolescente passa a poder equacionar cenários
possíveis, decorrentes da capacidade de raciocinar correctamente sobre hipóteses,
libertando-se do concreto, e conduzindo frequentemente a oscilações entre duas
necessidades coexistentes e aparentemente paradoxais: separação/dependência.
Simultaneamente o adolescente ganha competências para poder reflectir acerca de si
próprio, da sua história relacional, singularidade e complexidade (Soares, 2004).
Segundo Niemiec e colaboradores (2006), Hauser e Greene (1992), não se trata de
uma oposição entre vinculação/autonomia, mas sim da necessidade de conciliar duas
tendências que activam de forma intensa o sistema de vinculação nesta fase de
desenvolvimento. Para Main (1991), a par da emergência de novas capacidades
cognitivas instala-se, ao longo do processo de autonomização, a distância emocional
necessária para possibilitar uma reavaliação da natureza das relações de vinculação
com os pais, designado por “metacognição do sistema de vinculação”. As
transformações relacionais e desenvolvimentais permitem que surjam novas figuras
de vinculação, nomeadamente os pares, sendo possível tornarem-se eles próprios
figuras de vinculação em relação aos outros, e adquirir um conhecimento mais
abrangente das suas experiências relacionais (Main, Kaplan, & Cassidy, 1985,
Freeman & Brown, 2001; Nickerson & Nagle, 2005). Isto é, o adolescente
desenvolve capacidades que lhe permitem tornar-se um cuidador, nomeadamente ao
75

nível das relações amorosas (Soares, 1996). Estas relações, dada a sua intensidade,
cumplicidade e grande intimidade física e sexual, revestem-se de uma carga afectiva
ímpar, sendo possível sobrepor-se a certas funções da relação pais-filhos Guedeney,
(2002).
Nesta fase, a função do comportamento de vinculação é essencialmente a de
regulação das emoções, uma vez que a sobrevivência, outrora fundamental, estará já
assegurada. Se no início da adolescência uma das tarefas fulcrais dos pais enquanto
cuidadores, deverá ser a de apoiar os filhos na gestão adequada dos afectos
emergentes do seu movimento de independência, pressupõe-se que,
progressivamente, o adolescente adquira capacidades de regular os afectos sem
distorção, inclusive nas situações emocionalmente mais exigentes. As perspectivas
desenvolvimentais contemporâneas defendem que a existência de relações de
vinculações seguras entre pais e adolescentes são facilitadoras do processo
desenvolvimental, uma vez que se constituem como uma base segura a partir da qual
o adolescente pode explorar o mundo extra familiar (Bowlby, 1988; Kenny, 1987a;
Cárter & McGoldrick, 1988; Berman & Sperling, 1991, Machado, 2004; 2007) Esta
tarefa fundamental permitirá ao indivíduo não só desenvolver uma estratégia
independente de regulação dos seus afectos, bem como, poder fazê-lo de uma forma
distinta da dos seus progenitores. A adolescência representa um período de moratória
psicossocial no qual o adolescente experimenta um conjunto de papéis sociais, de
forma a adquirir competências ao nível da tomada de decisão, resolução de
problemas e aquisição de autonomia (Arnett, 1997, 2004, 2006).
As novas relações estabelecidas podem constituir uma oportunidade de
reavaliação das relações precoces, estabelecidas de modo inseguro, contribuindo
para o processo de reparação dos modelos internos dinâmicos (Main et al., 1985;
Soares, 1996). Hazan e Zeifman (1994) defendem, inclusivamente, que embora os
adolescentes elejam os pares como companhia, quando necessitam de suporte
emocional e conforto recorrem às figuras parentais, cumprindo assim, estas figuras,
funções distintas no desenvolvimento saudável do adolescente.
76

Vinculação na Idade adulta

A vinculação no adulto está intimamente ligada à


expressão de Bowlby "do berço ao túmulo", conferindo uma amplitude impar à
teoria da vinculação – em todo o ciclo de vida.
A primeira definição de vinculação no adulto foi proposta por Sperling e
Berman, e sustenta “uma tendência estável do indivíduo para manter a proximidade e
o contacto com uma ou algumas figuras específicas, percepcionadas como potenciais
fontes de segurança física e/ou psicológica” (Berman & Sperling, 1994, p. 8)
Por sua vez, West e Sheldon-Keller (1994) falam-nos de outro conceito, o de
vinculação recíproca do adulto, definindo-o como “relações diádicas, nas quais a
proximidade a uma figura, considerada especial e preferida das outras, é mantida
com o objectivo de sensação de segurança” (p. 19)
Em algumas investigações recentes (Feeney, 1999; Mikulincer & Shaver,
2007) a vinculação no adulto é considerada um traço e é apresentada por “padrões”,
“estilos” ou “perfis”. Os padrões de vinculação reportam-se a modelos internos
dinâmicos específicos que influenciam o comportamento do indivíduo.
O estudo de Skolnick (1987), que teve como objectivo avaliar a presença de
uma associação entre padrão de vinculação na infância e qualidade das relações
interpessoais na idade adulta, concluiu que esta associação embora seja consistente
não é linear, pois “as ligações entre passado e presente aumentam com a
proximidade entre as fases de desenvolvimento; isto é, a infância prediz a
adolescência e a adolescência prediz a idade adulta” (p. 134).
Reforçamos que a grande função do sistema de vinculação é a de permitir a
emergência de um sentimento de segurança constante ao longo do ciclo de vida,
alterando apenas a forma como as relações são estabelecidas e mantidas, “em função
das sucessivas conquistas desenvolvimentais” (Soares, 1996, p.89).
Canavarro (1997) defende que para activar um comportamento de vinculação
na idade adulta são necessários acontecimentos indutores de stress mais fortes e
intensos. Tal deve-se à já referida capacidade de representação que permite “reter” a
figura de vinculação mesmo na sua ausência.
77

Weiss (1982) dedicou-se ao estudo da vinculação nos adultos postulando-a


como um desenvolvimento da vinculação durante a infância. Esta analogia baseou-se
nos seguintes pressupostos: a) Similaridade de características emocionais, ou seja a
direcção da atenção e a presença de protesto no momento de separação é movida por
componentes emocionais; b) Generalização de experiências; c) Ligação temporal,
sendo que a vinculação aos pares na idade adulta é predominante em detrimento da
intensidade dos comportamentos de vinculação com as figuras parentais.
O mesmo autor refere como principais diferenças entre a vinculação na
infância e na idade adulta as seguintes:
- As relações de vinculação no adulto, ao invés de se estruturarem em torno
de relações de protecção, são mais frequentemente estabelecidas entre pares,
remetendo-nos para uma dimensão de reciprocidade, uma vez que os adultos
simultaneamente procuram e garantem segurança. Esta reciprocidade pode incluir
padrões intermitentes de complementaridade, no entanto, estes nem sempre ocorrem
na mesma direcção. Os pares podem ser uma fonte de estabilidade e de conforto, mas
não têm necessariamente de ser percepcionados enquanto tal, podem em vez disso
ser vistos como potenciadores da capacidade do sujeito para aceitar desafios.
- Nos adultos as relações de vinculação não são tão omnipresentes como
noutros sistemas comportamentais. Assim, enquanto as crianças parecem ficar
incapazes de dar atenção ou de se concentrarem noutras dimensões quando a figura
de vinculação não está acessível, os adultos são capazes de dar atenção a outras
relações e outros contextos independentemente das ameaças à vinculação.
- Destacamos ainda a maior capacidade do adulto para suportar a separação
temporária das figuras de vinculação, uma vez que são mais capazes de antecipar o
futuro, são mais auto-confiantes e conseguem representar a figura de vinculação para
além da sua presença física. Esta maior tolerância à separação por parte do adulto é
tanto mais real quanto maior a capacidade do “…sujeito representar mentalmente
essa situação como gratificante para si e para o outro” (Soares, 1996, p.50). No caso
de ocorrência de morte ou divórcio, o adulto dispõe de mais recursos na procura de
segurança junto de outros adultos.
- Em último lugar destacamos uma diferença fundamental que diz respeito ao
facto de, frequentemente, a vinculação nos adultos incluir as figuras com as quais se
possui uma relação sexual.
78

Do mesmo modo que Bowlby, Ainsworth (1985, 1989) sublinhou uma


extensão de vinculação na vida adulta, argumentando que esta é sobretudo visível
nos "affectional bonds". Uma relação específica, insubstituível onde outro desejo de
proximidade assume um papel central.
Exemplo deste tipo de relação é o caso de uma díade amorosa, em que se
entrelaçam uma singular inscrição de três sistemas comportamentais distintos: o
sistema sexual, o sistema de vinculação (procurando o apoio do parceiro) e o sistema
cuidador (fornecendo o cuidado ao parceiro e/ou a prestação de cuidados aos
descendentes). A atracção sexual e a paixão são particularmente intensas nas
primeiras fases da relação conjugal. No entanto, se a relação conjugal prevalecer por
um longo período de tempo, é possível que o sistema de vinculação e o cuidador se
tornem mais activos. Crê-se que dos três sistemas o fundamental é o sistema de
vinculação, porque é o primeiro que surge no curso do desenvolvimento do
indivíduo, desempenha um papel fundamental na formação representação de si e dos
outros sendo, por isso, a base do desenvolvimento dos outros sistemas.
Fenney e Noller (1996), baseadas na investigação de Hazan e Shaver (1987,
1988) postulam que a relação conjugal pode conceptualizar-se como uma relação de
vinculação, uma vez que se baseia em vínculos afectivos duradouros caracterizados
por complexas dinâmicas emocionais. A qualidade da relação conjugal tem
repercussões na saúde dos pais e, por conseguinte, nos cuidados que proporcionam
aos filhos.
Hazan e Shaver (1988) identificam algumas semelhanças de conduta e
emocionais, entre as relações de vinculação e a relação conjugal, destacando o
contacto visual, a frequência de manifestações de afecto (sorrisos, abraços, entre
outras manifestações de afecto), o desejo de partilhar descobertas com o outro e uma
intensa empatia. Também se verificam, em termos de dinâmica relacional, grandes
semelhanças entre a relação de vinculação criança/cuidador e a relação conjugal. Em
ambas a disponibilidade da figura de vinculação transmite segurança e tranquilidade,
pelo contrário a sua indisponibilidade provoca a emissão de sinais na tentativa de
restabelecer o sentimento de segurança.
Lopez (2001) defende que os dados das investigações são concordantes, no
que se refere ao papel da vinculação no comportamento dos adultos, relativamente às
seguintes questões: a) Há uma relação entre a avaliação das relações de vinculação
que se estabelecem na infância e os estilos de vinculação dos adultos; b) Existe uma
79

relação entre os estilos de vinculação, a capacidade de regulação dos afectos e


desenvolvimento das relações pessoais. Os adultos seguros demonstram menor
ansiedade, hostilidade, depressão e menor ansiedade social, bem como níveis de
auto-estima e de confiança mais elevados; c) Denota-se uma interligação entre os
estilos de vinculação nos adultos e o funcionamento em díades. Os indivíduos com
um estilo de vinculação seguro revelam maior capacidade de procurar o outro e
proporcionar-lhe o suporte necessário em situações de stress, evidenciando maiores
aptidões de resolução de problemas e de comunicação empática.
Klein (2007) afirma que a extensão da investigação sobre vinculação no
adulto abrange áreas tão diversas como: relações entre pares e amigos (por exemplo:
Bartolomeu & Hororwitz, 1991; Shaver et al., 2000; Matos, 2002), amor romântico e
relacionamentos (por exemplo, Hazan & Shaver, 1987; Shaver et al., 2000) relações
íntimas (por exemplo, Hazan & Shaver, 1990; Shaver et al., 2000); área clínica (por
exemplo, Golder et al., 2005; Newcom-Rekart et al., 2007; Sund & Wickstrom,
2002), área educativa e académicas (por exemplo, Burge et al., 1997; Perris &
Andersson, 2000), e contexto profissional (por exemplo, Krausz et al., 2001;
Mikulincer et al., 1997).
Apresentamos em seguida alguns estudos que pretendem clarificar as
diferenças entre as relações de vinculação no adulto e outro tipo de relações inter-
pessoais, designadamente nas relações de dependência e relações de afiliação.
Relativamente às relações de dependência West e Sheldon-Keller (1994)
classificaram as principais diferenças relativamente à vinculação através dos
seguintes parâmetros: a) especificidade de ambas (as relações de vinculação são
diádicas enquanto as de dependência são generalizáveis a diversos indivíduos); b)
relativamente à duração constataram que as relações de vinculação são mais
duradoiras; c) quanto ao nível de maturidade, as relações de vinculação são
desejáveis e positivas em qualquer idade, enquanto as relações de dependência
poderão ser reveladoras de imaturidade; d) relativamente às implicações afectivas
constatam que as relações de vinculação são caracterizadas por afectos fortes,
enquanto as relações de dependência se pautam essencialmente por interesses
instrumentais, sendo estes mais superficiais; e) quanto à procura de proximidade,
esta converge para uma pessoa específica na relação de vinculação, sendo típico
algum isolamento na sua ausência; f) quanto à aprendizagem, os autores constatam
80

que as relações de vinculação requerem alguma aprendizagem discriminativa que


não é necessária para as relações de dependência.
Relativamente à distinção entre relações de vinculação e de afiliação
podemos afirmar, tal como já referimos no primeiro capítulo, que relações de
afiliação frágeis colocam em risco o nível de sentimento de pertença social,
encontrando-se a pessoa destituída de um estatuto. Por sua vez, a pessoa fragilizada
ao nível da sua vinculação é afectada em termos emocionais, na segurança e
confiabilidade dos seus laços afectivos com as suas figuras significativas. Numa
relação de vinculação o indivíduo, ao sentir-se ameaçado, procura conforto e suporte
no outro, ao passo que na relação de afiliação, nenhum dos elementos se sente
ameaçado, e a interacção visa o bem-estar ou interesses comuns (Weiss, 1998).
Ou seja, a relação de vinculação remete-nos para a protecção do perigo e
manutenção da segurança, enquanto a relação de afiliação nos remete para a pertença
a uma estrutura e é baseada no desempenho de um determinado papel e estatuto.
Após revisão de alguns estudos acerca da vinculação nos adultos (Dozier &
Kobak, 1992; Roisman, Tsai & Chiang, 2004; Mikulincer & Shaver, 2007)
percebemos que a combinação de estratégias do padrão ansioso com o padrão
evitante origina um quarto padrão, que Bartholomew & Horowits (1991) denominam
por desorganizado ou receoso evitante.
Os indivíduos que possuem um sentimento de vinculação segura, confiam
usualmente nas figuras de vinculação, tem expectativas positivas em relação à sua
disponibilidade e responsividade, sentem-se confortáveis com a proximidade e as
relações de interdependência, demonstrando capacidade para ultrapassar situações
ameaçadoras de forma construtiva.
Os indivíduos com padrão de vinculação ansioso apresentam um forte desejo
de proximidade e protecção, constantemente preocupados com a disponibilidade da
figura de vinculação e com o valor que esta lhes atribui, recorrendo a estratégias de
hiperactivação para lidar com a insegurança.
Os indivíduos com padrões de vinculação evitantes demonstram desconforto
em relação à proximidade e às relações de dependência, preferindo envolvimentos
baseados na auto-confiança e na distância emocional do outro.
Os indivíduos com um padrão de vinculação evitante receoso tem tendência a
sentir desconforto com a proximidade emocional do outro. Têm necessidade de se
81

sentir próximos dos outros, no entanto temem confiar completamente ou depender


deles, receando ser magoados.
De um modo geral, sujeitos classificados como seguros relatam experiências
relacionais mais positivas, caracterizadas por níveis mais elevados de satisfação,
intimidade, confiança, investimento, compromisso e interdependência, por contraste
com os sujeitos evitantes. Por sua vez, os sujeitos ansiosos/ambivalentes tendem a
reportar mais experiências emocionais percepcionadas como negativas, com níveis
mais elevados de conflito e desconfiança.
Também Bifulco, Moran, Ball e colaboradores (2002a; 2002b) verificaram
que os sujeitos com estilo de vinculação inseguro evidenciam maior número de
conflitos no casamento e menos suporte por parte do cônjuge, quando comparados
com os sujeitos com vinculação segura.
Hazan e Shaver (1987) pretenderam identificar os principais traços que
caracterizam os três tipos de padrões de vinculação no adulto. Concluíram que as
frequências relativas dos três padrões de vinculação nos adultos, segundo a avaliação
feita com a medida de resposta forçada, por eles desenvolvida, estão muito próximas
dos encontrados nas crianças. Mais de metade dos sujeitos classificaram-se, eles
próprios, como fazendo parte da categoria dos sujeitos seguros (56%), o número de
sujeitos que se definiram como evitantes (23%) foi ligeiramente superior ao dos
sujeitos que se definiram como ansiosos-ambivalentes (20%). Os indivíduos que se
definem com fazendo parte dos diferentes padrões de vinculação evidenciam
diferenças nas suas histórias de vinculação (percepções das relações familiares
precoces), na selecção dos factores importantes para a construção da representação
de si e das suas relações, bem como das experiências que relatam sobre as suas
relações amorosas, tal como se apresenta no seguinte quadro:
82

Padrão de vinculação Seguro Evitante Ansioso-ambivalente

Relações afectivas As mães são Pais percebidos como


satisfatórias com definidas como injustos
História da vinculação ambos os pais e frias e com
entre os pais tendência à
rejeição

Fáceis de conhecer; O amor conjugal Dúvidas sobre si mesmo;


poucas dúvidas raramente dura; o sentem-se
sobre si mesmo; os amor perde incompreendidos pelos
Modelos mentais outros têm boas intensidade outros; é fácil enamorar-
intenções e o amor se, mas o amor
conjugal é verdadeiro é difícil de
duradouro encontrar; os outros não
se querem comprometer.

Felicidade; amizade Medo da Obsessão e ciúmes;


e confiança intimidade, desejo de união e
Experiências amorosas dificuldade em reciprocidade; forte
aceitar a relação atracção sexual;
extremos emocionais.

Quadro 2 - Diferenças no estilo de vinculação segundo os padrões, história de vinculação, modelos


mentais e experiências amorosas (adaptado de Feeney & Noller, 2001)

Sistema de vinculação no adulto

Para caracterizar a activação e funcionamento do sistema de vinculação no


adulto Mikulincer e Shaver, (2003 e 2007), propuseram um modelo que integrou
contributos da teoria de Bowlby (1969/1982), Ainsworth (1991), Cassidy e Kobak
(1988), e Main (1985). Este modelo comporta os seguintes etapas: 1) Procura de
proximidade após a activação do sistema de vinculação (estratégias primárias do
sistema de vinculação); 2) Sucesso do uso das estratégias para conseguir suporte e
segurança da figura de vinculação; 3) activação de estratégias secundárias
(designadas por hiperactivação ansiosa e desactivação evitante) que ocorrem perante
a não disponibilidade da figura de vinculação. O modelo (quadro n.º 2) também
inclui os objectivos das estratégias de vinculação primárias e secundárias, associados
às crenças e expectativas que o indivíduo tem acerca de si e dos outros, bem como,
formas de lidar com o stress e relações interpessoais.
83

O primeiro componente deste modelo inclui a monitorização e apreciação de


acontecimentos que possam ser tidos como ameaçadores – processo responsável pela
activação do sistema de vinculação. O segundo componente compromete-se com a
monitorização e apreciação da disponibilidade da figura de vinculação. O terceiro
componente envolve a monitorização e apreciação da viabilidade da procura de
proximidade como forma de lidar com a vinculação insegura. Este terceiro
componente representa a possibilidade de utilização de uma estratégia de hiper
activação ou de desactivação, como forma de lidar com a insegurança. A primeira
(hiper activação) relaciona-se com um tipo de vinculação ansiosa enquanto a
segunda (desactivação) demonstra um tipo de vinculação evitante.
Embora os autores do modelo considerem a hiper activação e a desactivação
como estratégias independentes, reconhecem a existência de estratégias
“desorganizadas” ou “evitantes receosas” que envolvem tanto ansiedade quanto
evitamento. Afirmam ainda que a vinculação segura deriva da ausência de
necessidade de recorrer a estratégias, quer de hiper activação quer de desactivação
contudo, consideram igualmente possível que, em algumas ocasiões os indivíduos
recorram a ambas, embora daí possam resultar comportamentos atípicos ou
inconsistentes.
Este modelo é sensível tanto ao contexto quanto às especificidades de cada
indivíduo. Cada um dos componentes do modelo pode ser afectado pelo contexto
(ex. perigos, ameaças, percepção relativa à disponibilidade ou não da figura de
vinculação, e percepção da viabilidade da procura de proximidade e protecção na
figura de vinculação numa situação específica), o que dá origem a influências
invertidas na operacionalidade do sistema de vinculação. Por exemplo, o recorrer a
figuras de vinculação segura, passadas ou presentes, pode auxiliar um indivíduo
inseguro a sentir-se momentaneamente em segurança e, a actuar de acordo com essa
sensação.
Cada componente do modelo é ainda afectada pelos modelos dinâmicos
internos do self e do outro, os quais irão influenciar a percepção das ameaças, da
disponibilidade da figura de vinculação e a viabilidade da procura de proximidade.
Estas influências integram-se num processo - “top-down” - através do qual o estilo
de vinculação de um indivíduo afecta o funcionamento do sistema de vinculação. Por
exemplo, um indivíduo ansioso tenderá a exacerbar o valor da ameaça e a manter-se
84

vigilante aos sinais mais ínfimos da ausência de resposta por parte da figura de
vinculação, o que conduz à manutenção do sistema de vinculação hiper activado.
Em suma, o modelo enfatiza simultaneamente: a realidade – o contexto em
que o modelo de vinculação é efectivamente activado; e as fantasias – defesas,
influências cognitivas associadas a padrões, estratégias e estilos específicos de
vinculação.
85

Primeiro Módulo
Continuidade das
Sinais de ameaça actividades em
Não curso

Sim

Activação do sistema
de vinculação

Procura de proximidade
da figura de vinculação
externa ou internalizada

Segundo Módulo
Está a figura de Sentimento de Construção e
vinculação Sim segurança, de reforço do ciclo
disponível, atenta, alívio e efeito de vinculação
responsiva? positivo. segura

Não

Vinculação insegura
(originando
perturbação)

Terceiro Módulo
A procura da Não Distanciamento no
proximidade é uma Estratégias de que toca a indícios
opção válida? desactivação de ameaça à
vinculação
Sim

Estratégias de
hiperactivação

Hipervigilância no que toca a indícios de


ameaça à vinculação.

Figura n.º 1: Modelo e funcionamento do sistema de vinculação no adulto (adaptado de Mikulincer &
Shaver, 2007)
86

Estratégias de hiperactivação

Mikulincer e Shaver (2007) postulam que o objectivo principal das


estratégias de hiperactivação é conseguir que a figura de vinculação, percepcionada
como indisponível ou insuficientemente responsiva, preste mais atenção, protecção e
suporte ao indivíduo. Esta estratégia traduz-se na dependência do outro para se sentir
confortável; na excessiva necessidade de atenção e cuidado; no forte desejo de
proximidade; na existência de comportamentos controladores destinados a garantir a
atenção do parceiro, bem como, na rejeição de qualquer afastamento físico,
emocional ou cognitivo do parceiro. O recurso a estratégias de vinculação ansiosa
surge porque estas se mostraram eficazes nas suas relações de vinculação primárias.
Infelizmente, embora obtenham sucesso, pelo menos com alguns parceiros, estas
estratégias facilmente se tornam coercivas, geradoras de comportamentos agressivos,
de insatisfação na relação, conduzindo, paradoxalmente, à rejeição e ao abandono.
Para obter a desejada atenção e cuidados, os indivíduos ansiosos tendem a
dramatizar: as ameaças físicas e psicológicas, a sua incapacidade de lidar com as
exigências de vida, as experiências e expressão do stress, os protestos relativamente
à indisponibilidade da figura de vinculação. Desta forma, apresentam-se como algo
infantis e excessivamente necessitados de apoio, ou seja, pessoas com padrão de
vinculação ansioso, frequentemente e de forma deliberada (consciente ou
inconscientemente) enfatizam as suas necessidades e vulnerabilidades, esperançados
que este exagero capte a atenção e preocupação da figura de vinculação (Cassidy e
Berlin, 1994; Mikulincer e Shaver, 2003). Este movimento apelativo de protecção é
vivenciado com culpabilidade, em parte atribuída ao parceiro (visto como alguém
que não é digno de confiança, traidor e maltratante), em parte assumido pelo próprio,
reforçando a representação negativa de si e, a dúvida de ser merecedor do amor do
outro. Assim, as estratégias de hiperactivação têm um impacto negativo ao nível da
estabilidade das relações, sendo pouco provável que indivíduos com padrão de
vinculação ansioso consigam atingir a segurança e calma necessárias a uma boa
saúde mental, autonomia e desenvolvimento pessoal.
De destacar que não são necessárias ameaças reais para que surja a
necessidade de activar o sistema de vinculação, existem igualmente fontes de ameaça
87

internas (pensamentos perturbadores e ruminativos, sonhos, imagens, ideias


catastróficas), não sendo necessário que o individuo se confronte literalmente com a
ameaça.

Estratégias de desactivação

As pessoas adoptam estratégias de desactivação quando a procura de


proximidade é vista como perigosa ou é desvalorizada. Estas estratégias incluem a
negação das necessidades de vinculação, a desvalorização das ameaças e da
necessidade da disponibilidade da figura de vinculação. São estratégias
características de padrões de vinculação evitantes, e têm como principais objectivos:
a) satisfação das necessidades mantendo a distância e o controlo; b) desvalorização
dos sentimentos evitantes negativos que possam activar o sistema de vinculação. O
primeiro objectivo manifesta-se através da tentativa de controlar a distância
psicológica do outro e no evitamento de relações que impliquem proximidade
afectiva e intimidade. O segundo objectivo traduz-se na relutância em pensar na sua
fragilidade para lidar com as tensões relacionais, conflitos e pensamentos acerca da
rejeição, separação, abandono e perda, bem como na incapacidade de lidar com o
desejo de proximidade e segurança manifestado pelo parceiro, Mikulincer e Shaver
(2007)
As estratégias de desactivação afectam igualmente a organização mental do
indivíduo. As pessoas com um padrão de vinculação evitante, ao excluírem
determinadas situações, podem ignorar informações importantes acerca de possíveis
ameaças físicas ou psicológicas, vulnerabilidades pessoais e as próprias respostas das
figuras de vinculação. As memórias relativas aos comportamentos de vinculação são
armazenadas de forma segregada, não permitindo o recurso a uma estrutura mental
integrada e completa. A este processo Bowlby (1980); George e West (2001),
apelidaram de “sistemas segregados”. A activação destes sistemas contribui para a
falta de eficácia que os indivíduos evitantes demonstram para lidar com experiências
negativas.
As estratégias de desactivação associadas a estes processos mentais têm um
efeito de distorção na percepção do próprio e um efeito destrutivo na percepção dos
outros. Indivíduos evitantes, de forma defensiva, inflamam a sua auto-concepção,
88

presumivelmente para se sentirem menos vulneráveis. Tendem a denegrir os


parceiros, menosprezando as suas necessidades e maltratando-os.
Outro efeito das estratégias de desactivação actua directamente sobre a
capacidade de regular as emoções negativas, permitindo que estes indivíduos
mantenham activos sentimentos de fúria e de ressentimento, embora continuem a
esforçar-se para não os exteriorizar.
Estes indivíduos têm igualmente tendência para percepcionar as relações
enquanto pouco satisfatórias, o que lhes permite evitar relações demasiado íntimas,
com um nível de envolvimento emocional demasiado exigente, Mikulincer e Shaver
(2007).

Utilização simultânea de estratégias de hiperactivação e de


desactivação

Nalguns casos, pessoas com altos níveis de insegurança são incapazes de


decidir entre estratégias de desactivação e hiperactivação. Simpsons e Rholes (2002)
constatam que indivíduos receosos evitantes agilizam, simultaneamente, de forma
confusa e caótica as duas abordagens. Tal como os evitantes, frequentemente
mantêm-se distantes das relações de proximidade, mas, ao contrário destes,
manifestam ansiedade e ambivalência relativamente ao desejo de suporte emocional
e de ter um parceiro afectivo. Esta mistura de estratégias de vinculação é identificada
por altos padrões de ansiedade e evitamento, o que a aproxima do padrão de
vinculação desorganizado observado por Ainsworth na situação estranha.
Teoricamente o padrão de vinculação receoso evitante advém da não
concretização dos principais objectivos das estratégias de vinculação: segurança
oriunda da procura da relação de proximidade (estratégia do padrão de vinculação
seguro); desactivação defensiva do sistema de vinculação (estratégia do padrão de
vinculação evitante); ou intensa e crónica activação até que a segurança e a
proximidade seja conseguida (estratégia do padrão de vinculação ansioso). Este
padrão de vinculação é característico de indivíduos com histórias prévias de abuso
sexual na infância, filhos de pais toxicodependentes, sendo a sua condição similar,
em alguns aspectos, às desordens de stress pós traumático (Carlson, 1998).
Shaver e Clark (1994), encontram evidências de que indivíduos receosos
evitantes são os menos seguros, os menos confiantes e os mais problemáticos da
89

amostra estudada. Apresentam uma representação especialmente negativa dos


parceiros sexuais, são mais propensos a envolverem-se em relações conflituosas e
violentas, apresentam alguma rigidez cognitiva, demonstram pouca empatia pelo
sofrimento dos outros e apresentam graves distúrbios de personalidade e uma frágil
saúde mental.
Bowlby (1990) defende que os indivíduos internalizam as experiências com
os seus significantes na forma de modelos de relacionamento e que estes, uma vez
formados, são resistentes a mudanças. Quando as pessoas exploram os
relacionamentos fora da família, provavelmente escolhem parceiros que validam as
suas estratégias internas e, quando se tornam pais, geralmente estabelecem com os
seus filhos um padrão de relacionamento similar ao que conheceram na sua infância.
Tendo em conta a probabilidade de repetição de modelos relacionais, parece-nos
fundamental explorar mais aprofundadamente o processo de transmissão
intergeracional dos padrões de vinculação, de forma a compreender as possibilidades
de intervenção no sentido de quebrar o ciclo de replicação da vinculação insegura
(Safran & Segal, 1990).

Transmissão intergeracional

No decurso da sua prática clínica Bowlby, refere que as informações relativas


às experiências afectivas podem ser armazenadas a dois níveis: nível episódico e
nível semântico. A memória episódica refere-se a recordações, tanto factuais como
emocionais, sobre acontecimentos específicos da vida do indivíduo. Por sua vez, a
memória semântica refere-se às generalizações que o indivíduo faz a partir do
conjunto das suas experiências ou, de outras fontes para além do que é de facto
vivido, em particular, de outrem. Ao contrário do que acontece na memória
episódica, o indivíduo é capaz de se consciencializar desta memória através da
verbalização e da reflexão.
Uma vez que o modelo de funcionamento permanece relacionado com o
estabelecido com as primeiras figuras de vinculação, a capacidade para se ajustar e
responder de forma adequada às solicitações do outro, é limitada. Esta
insensibilidade não intencional conduz à repetição de atitudes pouco
tranquilizadoras, levando a criança a confrontar-se com o mesmo tipo de afectos e a
90

desenvolver o mesmo tipo de defesas que outrora o seu progenitor desenvolveu. Este
fenómeno é denominado por transmissão intergeracional.
A impermeabilidade relacional explica, em grande medida, o porquê dos
indivíduos replicarem os modos de interacção vividos anteriormente, nas novas
relações que estabelecem, quer amorosas, quer parentais. Contudo, esta transmissão
não tem um carácter determinista, havendo a possibilidade, desde que reunidos os
condicionantes necessários (interesse do próprio, ambiente estável e tranquilizador,
relação de segurança, entre outros) para uma revisão dos modelos internos.
Há evidências empíricas de que a dinâmica de relacionamento estabelecida
com os cuidadores numa geração é geralmente recriada na próxima (Kretchmar e
Jacobvitz, 2002). Mulheres que tiveram um relacionamento caracterizado por
proximidade e suporte à sua autonomização, parecem recriar este tipo de relação
com os seus próprios filhos.
Na comparação intergeracional fica evidenciado um papel de maior destaque
da figura materna na contribuição da educação dos filhos, sugerindo que a função da
mãe seja mais sólida e próxima do que a do pai (Vitali, 2004; Monteiro & Pereira,
2008).
Investigadores identificaram que o suporte do companheiro é um dos factores
que contribui para que as mães reestruturem os padrões disfuncionais aprendidos
com a sua família (Egeland & Sroufe, 1981). Identificam igualmente que a
capacidade de reinterpretar a sua história relacional familiar pode contribuir para
identificar e reparar os padrões disfuncionais.
Num estudo desenvolvido por Capaldi e Clarck (1998) concluiu-se que a
agressividade pode ser um dos padrões passíveis de ser transmitidos de geração para
geração. Resultados semelhantes foram encontrados por Ehrensaft e Cohen (2003),
ao seguirem durante vinte anos uma geração de crianças. Concluíram que as crianças
expostas à violência entre os pais durante a infância têm mais riscos de se tornarem
adultos agressivos.
Belsky e Fearon (2002), chamaram a atenção para a importância dos
primeiros relacionamentos de vinculação como organizadores de um possível padrão
de vinculação. Estes estudos sublinham que uma vez alcançada a segurança, está
longe qualquer garantia de mantê-la, e também fomentam a ideia de que a
sensibilidade medeia a transmissão intergeracional da vinculação. A maior parte
destes resultados foram confirmados no estudo do Instituto Nacional de Saúde
91

Infantil e Desenvolvimento Humano (NICHD, 2003), no qual a sensibilidade


materna foi o preditor mais forte de todos os resultados. Quando as mães
apresentavam maior sensibilidade com os seus bebés, estes demonstram maior
competência social e menos comportamentos problemáticos.
A análise dos estudos revelou que intervir ao nível dos padrões de vinculação
é uma tarefa difícil e que as intervenções apenas provocam mudanças relativamente
moderadas (Bakermans-Kranenburg et al., 2003). Além disso, os autores postularam
que a sensibilidade não está directamente dependente da intervenção oferecida aos
pais e mães.
Sagi e colaboradores (1997) constataram que a transmissão da vinculação ao
longo das gerações não é de forma alguma um "fenómeno universal", mas sim fruto
da criação de mecanismos específicos. Analogamente, Tienary e colaboradores
(1994) desenvolveram uma investigação numa grande amostra de crianças adoptadas
na Finlândia, com crianças com mães biológicas esquizofrénicas. Os resultados
mostraram que as crianças em risco foram mais susceptíveis de desenvolver
problemas psiquiátricos, mas apenas quando o seu ambiente foi disfuncional
(Bohman, 1996, encontrou resultados semelhantes quanto a comportamentos
criminosos). Assim, há um ambiente dinâmico e de interacção entre factores
genéticos e ambientais. Todos estes estudos demonstraram que a genética é um
factor a ter em conta, mas por si só, não tem um carácter determinista.
Dixon e colaboradores (2005a) revelaram a presença de três principais
factores de risco envolvidos na transmissão intergeracional, a saber: parentalidade
antes de 21 anos, história de doença mental ou depressão, e residência com um
adulto violento. Numa outra análise, Dixon e colaboradores (2005b) verificaram que
os três factores de risco acrescido de um novo elemento, o estilo parental, explicaram
62% do total do efeito e, como tal, foram incapazes de fornecer uma plena relação de
causalidade da transmissão intergeracional.
Um grande número de investigadores discutiu o processo de transmissão do
comportamento das mães em relação a seus filhos (Perris & Andersson, 2000;
vanIjzendoorn, 1996; Belsky, 2003). Ao estudarem a transmissão intergeracional,
concluíram que há correlação entre os valores experienciados e os que são passados
a futuras gerações. No entanto, esta situação nem sempre se verifica, podendo
mesmo ocorrer transformação dos padrões entre gerações.
92

Com base neste pressuposto Kochanska (1995, 1997) centrou o seu âmbito de
intervenção na aplicação de um programa de desenvolvimento da consciência em
crianças jovens. Constatou que com as crianças tímidas, receosas e as crianças com
temperamento reactivo, uma atitude de poder paternal assertiva não parece promover
a consciência. Mas para as crianças ansiosas, a firmeza é a prática mais eficaz de
lidar com o desenvolvimento de um estreito vínculo emocional da criança e a
responsividade materna. Isso significa que as crianças ansiosas são mais propensas à
socialização, mais capazes de obedecer e sentem mais desconforto interno quando
transgridem (Kochanska, 1997).
Monteiro e Pereira (2008) apresentam um estudo que defende a importância
de estabelecer relações afectivas privilegiadas na adolescência. Uma vinculação
segura (aos pares e aos pais) parece actuar como factor de protecção para a
emergência de psicopatologia, sugerindo que se intervenha terapêuticamente em
jovens com padrões de vinculação inseguros.
Trabalhando aspectos como a análise e avaliação das representações
disfuncionais de si próprios e dos outros, perspectivam que a relação terapêutica
actue como uma experiência desconfirmatória, podendo intervir no sentido da
reelaboração dos modelos internos dinâmicos e da reestruturação dos esquemas
interpessoais, contribuindo para a ruptura de ciclos transgeracionais negativos
(Safran & Segal, 1990, Guidano, 1991).
Tendo em conta que o desenvolvimento vinculativo é um factor
determinante, que pode actuar como factor de protecção para a emergência de
psicopatologia, ou pelo contrário, predispor para esta, apresentamos de forma mais
detalhada a relação entre vinculação e psicopatologia.

Vinculação e Psicopatologia

Bowlby, (1969/1982, 1973, 1980) propôs um modelo de desenvolvimento


numa articulação clara com a psicopatologia. De acordo com este, o
desenvolvimento vinculativo de uma criança com o cuidador é um ponto-chave que
influencia não só as representações que a criança faz do self e do outro, como ainda
as estratégias para processar emoções e pensamentos relativos a processos de
vinculação. Acontecimentos como abandonos e situações de abuso conduzem a
modificações nestas representações internas afectando o processamento de emoções
93

e pensamentos. Bowlby (1973, 1980) sugeriu que, quando as crianças desenvolvem


representações negativas de si próprias e dos outros, ou quando adoptam estratégias
para processar emoções e pensamentos que comprometam abordagens realistas,
tornam-se mais propensos a psicopatologias.
Como vimos Bowlby (1973) considera que a necessidade de vinculação do
recém-nascido é uma necessidade primária, cuja não-satisfação provoca o
aparecimento de uma angústia primária. Esta angústia primária de separação não
surge como reacção a uma situação traumática mas como um sinal activador do
comportamento de vinculação.
Bowlby (1973) considera que as diferentes formas de experiência de
separação em relação à figura de vinculação (separação física temporal, perda
definitiva, presença sem disponibilidade ou sem responsividade adequada, ameaça
de abandono com fins educativos, etc.) têm em comum a capacidade de criar
situações de stress capazes de direccionar o desenvolvimento da criança para a saúde
mental ou para a psicopatologia (Bailly, 1997).
As crianças desenvolvem expectativas relativamente à disponibilidade dos
seus cuidadores através de interacções primárias. De acordo com Bowlby estas
expectativas funcionam como a base dos modelos que a criança adquire para lidar
consigo próprio e com os outros. Quando estas experiências conduzem a
expectativas positivas, que o cuidador seja responsivo e afectuoso, desenvolvem um
modelo do self enquanto passíveis de serem amadas e valorizadas, e do outro,
enquanto capaz de responder de forma eficaz às suas necessidades. Pelo contrário,
quando a figura cuidadora não responde de forma adequada às necessidades da
criança, esta desenvolve estratégias alternativas e inseguras de lidar com situações de
stress. Quando estas crianças usam estratégias de minimização de danos, defendem-
se deslocando a atenção dos seus problemas e da falta de disponibilidade de
cuidador.
Assim sendo, ficam com um acesso bastante limitado aos seus próprios
sentimentos, criando necessariamente uma imagem idealizada da disponibilidade dos
pais. Quando as estratégias utilizadas são de maximização dos danos causados, a
atenção é deslocada e centralizada nos seus problemas e na disponibilidade do
cuidador, não se distanciando, portanto, da falta de responsividade do cuidador.
Estas crianças dificilmente conseguem identificar uma verdadeira ameaça, bem
como a verdadeira disponibilidade do cuidador. Qualquer uma destas estratégias
94

pode conduzir a patologias associadas. Em situação de minimização a criança pode


apresentar patologias de externalização, uma vez que a atenção é deslocada do self
dada a não resolução de representações negativas. Em situações de maximização a
criança pode apresentar patologias de internalização, uma vez que a atenção é
centrada na disponibilidade do cuidador e, as representações negativas mantêm-se
presentes e dolorosas.
Bowlby (1980) sugere que há 3 grandes tipos de circunstâncias que podem
ser causadoras de uma depressão em termos de ciclo vital: a) Quando um dos
progenitores morre e a criança experimenta uma falta de segurança e perda de
controlo em relação à situação, estará mais propensa à desilusão e a desenvolver
sentimentos de desespero relativamente a acontecimentos traumáticos; b) Quando a
criança se sente incapaz, mesmo após várias tentativas, de criar laços estáveis e
seguros com os cuidadores, desenvolve uma auto-imagem de fracasso. Qualquer
perda ou desilusão subsequentes serão sempre percebidas como um reforço do
sentimento de fracasso; c) Quando os pais transmitem à criança que esta não é
merecedora do seu amor, esta criará um modelo interno dinâmico que se irá reflectir
na forma como se percepciona a si própria – pouco merecedora de afecto, e aos
outros – enquanto incapazes de o proporcionar.
Em consequência disto, a criança e, mais tarde o adulto, sempre que
confrontado com uma situação de carência, irá experienciar a hostilidade e a rejeição
por parte dos outros.
Cummings e Cicchetti (1990) sugeriram que experiências de um cuidador
psicologicamente indisponível são semelhantes à perda de facto do cuidador (morte),
no sentido em que a criança experiencia abandonos frequentes ou crónicos do
cuidador. A sensação de incapacidade e de desilusão surge face a acontecimentos
desagradáveis, vivenciados pelo indivíduo como estando fora do seu controlo. Cada
um dos conjuntos de circunstâncias referidos por Bowlby remete para um sentimento
de incapacidade por parte da criança. No segundo e terceiro conjuntos de
circunstâncias a criança experiencia um sentimento de ausência de controlo que
resulta da falta de responsividade dos progenitores. Em circunstâncias que envolvam
a morte da figura cuidadora, a criança sente que não tem controlo sobre a perda dessa
figura e subsequentemente poderá experienciar este sentimento com outros
cuidadores.
95

Diversos estudos longitudinais oferecem provas convergentes de que a morte


de um dos progenitores na primeira infância coloca a criança em risco de mais tarde
vir a sofrer de depressão (Harris, Brown & Bifulco, 1990). Estes autores chegaram à
conclusão de que, quando a mãe da criança morre antes de esta ter atingido os 11
anos o risco para desenvolver depressão futuramente é acrescido. Para além do mais,
a perda por morte encontra-se associada a tipos de depressão mais graves (severos),
os quais se fazem acompanhar por sintomas vegetativos tais como atrasos
psicomotores. A perda por separação associa-se a tipos de depressão menos graves
mas de índole mais violenta (ataques de fúria, manifestações de hostilidade). Bowlby
(1980), esclareceu esta distinção sugerindo que a morte do progenitor pode conduzir
a sentimentos de desespero completo, enquanto a separação pode levar à crença de
que os acontecimentos são reversíveis. Harris, Brown e Bifulco (1986), concluíram
que cuidados inadequados seguidos de perda podem duplicar o risco de depressão na
idade adulta, mais especialmente em casos de separação do que de morte. Cuidados
desadequados, muitas das vezes traduzem-se por negligência, indiferença e índices
baixos de controlo por parte dos pais. Cummings e Cicchetti (1990) sugeriram que o
impacto causado por uma perda também depende da qualidade dos modelos
dinâmicos internos da criança anteriores a esse acontecimento bem como da
qualidade da relação com a figura de vinculação.
São diversos os estudos (Raskin, Boothe, Reatig, Schulterbrandt & Odel,
1971) em que indivíduos com depressão descrevem os seus progenitores enquanto
figuras mais rejeitantes do que os indivíduos sem qualquer distúrbio psicológico
diagnosticado.
Em síntese, se uma criança não tiver oportunidade de se vincular a uma
pessoa específica no decorrer de um período sensível do seu desenvolvimento – os
três primeiros anos, segundo Bowlby (1973), o primeiro ano segundo Sroufe (1978)
– tal poderá levar a uma incapacidade ou inadaptação para estabelecer relações
afectivas satisfatórias com os outros. De forma similar, a perda da figura de
vinculação no decorrer deste período sensível poderá ter como consequência o
desenvolvimento da ansiedade na criança.
No entanto, e sem prejuízo do papel fundamental dos vínculos primários no
desenvolvimento do sujeito, convém subtrair aos modelos de funcionamento das
relações a noção de determinismo que daí possa resultar, uma vez que, a vinculação
insegura não prevê necessariamente ulteriores comportamentos perturbados e a
96

vinculação segura também não garante, por si só, que tais manifestações não
ocorram, permanecendo a convicção que a vinculação continuará a sofrer
transformações e integrações com novas conquistas relativas a autonomia do sujeito
no decurso do seu desenvolvimento. É ainda de salientar que esta abertura a novas
transformações funciona em ambos os sentidos, ou seja, podem-se adquirir novas
“forças” ou novas “vulnerabilidades”.
Assim sendo, "em qualquer fase (...) mudanças nos cuidados prestados e
acontecimentos da vida como rejeições, separações e perdas, mas também
experiências positivas (…), ou a própria adesão terapêutica, podem provocar
alterações no decurso do desenvolvimento da vinculação" (Van IJzendoorn, 1995, p.
412).
Recentemente vários estudos tentaram compreender a relação existente entre
os vários padrões de vinculação e a saúde mental (Golder et al., 2005;Newcom-
Rekart et al., 2007; Sund & Wickstrom, 2002). No entanto são muitas as limitações
neles encontradas, pois a análise longitudinal e a implicação de outras variáveis no
processo não têm sido contempladas nas diversas investigações. Apesar das variáveis
em causa serem diversas, da constituição da amostra não ser simples, entre outros
factores que tornam esta uma área de investigação complexa, apresentaremos um
conjunto de estudos que consideramos importantes analisar tendo em conta os
objectivos do presente trabalho.
Sroufe e colaboradores (2005) concluíram que, especialmente o padrão de
vinculação desorganizado foi mais fortemente associado com psicopatologia do que
qualquer outro padrão de vinculação. A vinculação insegura foi sobretudo associada
com ansiedade, e a evitante mostrou-se relacionada com problemas comportamentais
e de conduta, mas previu psicopatologia.
Main e colaboradores (2005) postulam que o início da investigação da
representação da vinculação abriu o campo para cognição, emoção e regulação dos
estados de espírito. (Dozier et al., 2004; Grossmann et al., 2005) defendem que a
utilização do AAI como instrumento de avaliação da vinculação na idade adulta,
aprofundou a curiosidade dos investigadores em desvendar o desenvolvimento
através do tempo e do espaço
De facto, foi essa atitude que deixou claro que a criança é construtora da sua
própria realidade e um agente activo do seu desenvolvimento. A construção das
representações orienta a dinâmica do processo de desenvolvimento, e são definidas
97

em função das consequências da interacção diária e das experiências. A descoberta


da maior parte desses factos sobre o desenvolvimento humano foi feita ao longo de
estudos longitudinais (Sroufe et al., 2005).
Destacamos que o interesse pelo estudo da relação entre a vinculação e a
psicopatologia é uma consequência natural de todo o império teórico descrito ao
longo da trilogia Bowlby (1969, 1973, 1980). No entanto, este legado não teria
passado da teoria à prática sem alguns estudos, dos quais destacamos os seguintes: a)
problemas sociais durante os anos 70 (por exemplo, Bowlby & Parkes, 1970), a
separação conjugal (por exemplo, Weiss 1973); b) os estudos longitudinais de
Minnesota (Morris, 1982; Sroufe, 2005), e Bielefeld e Ratisbona (Grossmann et al.,
2005) sobre o relacionamento mãe-filho e a transmissão intergeracional da
vinculação.
Os resultados destes estudos destacaram a importância da vinculação no
adulto, e das representações que o indivíduo tem das primeiras experiências de
vinculação, bem como o modo como estas influenciam as relações de vinculação
presentes.
Waters (1994) aponta para vários aspectos para os quais a capacidade de
representação é crucial para a teoria da vinculação. Refere a representação mental da
vinculação e clarifica o peso das relações precoces no desenvolvimento, permitindo
que o indivíduo ao longo da vida (re) interprete o significado de experiências
anteriores e actuais. As representações mentais permitem compreender a forma como
os laços entre as pessoas são mantidos e desenvolvidos no tempo e espaço e, como
tal, fornece uma maneira de compreender o passado e o futuro relacional de cada
indivíduo.
A ideia de Bowlby de que o estudo da vinculação poderia dar importantes
pistas para a compreensão da psicopatologia do adulto ganha sustentabilidade e os
processos dissociativos desde logo se afiguraram como os melhores candidatos a ter
um lugar de destaque nesta relação (Liotti, 1992a, 1995). Os processos dissociativos
surgiriam como uma defesa primária em relação ao trauma.
Para Bowlby os mapas cognitivos, designados por working models são os
melhores mecanismos para analisar a saúde mental dos adultos e caracterizam-se por
incluir componentes afectivas e cognitivas, resultando da generalização de uma
representação. Estes são normalmente estáveis e não conscientes, sendo passíveis de
modificação através de experiências concretas (Perris, 1994).
98

Ao serem considerados relativamente estáveis os working models


determinam o que é importante ou não percepcionar, e estabelecem planos de acção
para lidar com as situações, ou seja, apresentam características de auto-regulação,
pelo que quanto mais precoce for a construção de working models disfuncionais
maiores serão os riscos para a saúde mental.
Embora Bowlby não tenha considerado a existência de factores mediadores
entre a construção de working models e o desenvolvimento de psicopatologia, outros
autores desenvolveram vários estudos neste âmbito. Destacamos Bartholomew
(1990) e Hazan e Shaver (1987) que consideraram que a representação das
experiências de infância influenciariam a integração de experiências relacionais na
idade adulta. Para Belsky (1988) estes factores mediadores eram traduzidos em
expectativas de auto-eficácia ou, mais concretamente de auto-conceito.
De seguida representamos a forma como as estratégias de coping, as
distorções cognitivas na percepção de acontecimentos interpessoais e os mecanismos
de regulação do afecto, podem ser mediadores entre a psicopatologia a os working
models:

Factores genéticos Tipo de vinculação


Factores relacionais durante a infância

Sobre os outros
Tipo de vinculação durante a Working-Models
idade adulta
Sobre si próprio

Auto-conceito

Estratégias de Coping

Distorção cognitiva na
percepção de acontecimentos
interpessoais

Mecanismos de regulação do
afecto

Saúde Mental

Equilíbrio Psicopatologia
Emocional
99

Figura n.º 2 - Ligação entre relações de vinculação e saúde mental, de acordo com recentes
desenvolvimentos da Teoria de Vinculação (Bartholomew, 1990; Hazan & Shaver, 1987; Main et al.,
1985; Ruitter, 1995; Sroufe & Fleeson, 1986; Waters et al., 1993) Fonte: Canavarro, 1997, 142
Em estudos recentes (Bartholomew, 1990; Hazan & Shaver, 1987; Main et
al., 1985; Ruitter, 1995; Sroufe & Fleeson, 1986; Waters et al., 1993, Sroufe et al.,
2005) considera-se que a figura de vinculação não serve apenas de base segura mas,
ao ser sensível e responsiva para o indivíduo, permite-lhe a sensação de que ele
próprio é capaz de despertar cuidados por parte dessa figura e de outras. Tal irá
aumentar a sua sensação de auto-eficácia que posteriormente se alargará a outras
esferas da sua vida.
Relativamente às estratégias de coping, os autores defendem que um
indivíduo sente-se ansioso se a sua figura de vinculação não apresenta, de forma
consistente, comportamentos adequados às suas necessidades, organizando respostas
ambivalentes ou de evitamento para minimizar o tipo de respostas percepcionadas,
acabando por generalizá-las a outras áreas da sua vida.
No que concerne às distorções cognitivas na percepção de acontecimentos
interpessoais, constataram que, indivíduos com padrões de vinculação inseguro
tendem a interpretar os acontecimentos interpessoais indutores de stress como
rejeições ou, como mais uma certeza da sua falta de competências sociais, podendo
por tal facto apresentar sintomatologia depressiva.
Relativamente aos mecanismos de regulação do afecto, Rosenstein e
Horowitz (1996) afirmam que a vinculação evitante é característica de perturbações
nas quais a ansiedade é evitada. O afecto será assim contido e a expressão dos
comportamentos disfuncionais direccionam-se ao outro; a vinculação ansiosa é
característica das perturbações em que existe consciência da ansiedade sentida, no
entanto o afecto não é modelado e o comportamento disfuncional é dirigido em
relação ao próprio.
A designação de MOI (modelo operacional interno) é originária do psicólogo
britânico Kenneth CraiK, 1943 (cit in Guedeney, 2002) e foi repescada por Bowlby
na intenção de evidenciar o carácter dinâmico que assumem os modelos mentais que
a criança vai construindo, tendo em conta as interacções que estabelece com os que
lhe são mais próximos. Estes modelos confluem simultaneamente numa imagem
criada de si como sendo mais ou menos merecedor de ser amado e, do outro, como
mais ou menos disponível e sensível às suas necessidades.
100

Bowlby considera que desde meados do primeiro ano, a criança é já capaz de


formar um modelo interno, depois de ter adquirido um princípio básico que Piaget
(1947,1948) apelidou de “permanência do objecto”. Esta aquisição permite à criança
reconhecer e recordar-se da figura do cuidador mesmo quando este não está presente,
impondo assim a uma representação do “objecto”.
A partir do momento que a criança percepciona que a figura de vinculação
ausente pode voltar, desenvolve estratégias de adaptação do seu comportamento em
função do que imagina ser mais eficaz para retomar o contacto com essa mesma
figura. Esta adaptação comportamental, segundo Main (1990), poderá levar a criança
a accionar duas estratégias distintas: a) estratégia de minimização - o sistema de
vinculação é inibido fruto das frustrações repetidas na procura duma resposta
materna adequada; b) estratégias de maximização – o sistema de vinculação é
hiperactivado, aumentando progressivamente os sinais de vinculação, quando a
criança verifica que só com manifestações de aflição extrema consegue obter a
atenção da mãe.
Bowlby (1973) distingue dois momentos no desenvolvimento de um MOI.
Num primeiro momento assiste-se à constituição do modelo em função das
interacções vividas, ao passo que, num segundo momento, são-lhe assimiladas novas
experiências embora a correspondência possa não ser perfeita. Podem surgir
informações dolorosas das quais a criança se defende utilizando um mecanismo que
Bowlby designou de “exclusão defensiva” impedindo a integração das mesmas no
MOI, bem como a sua representação.
A cristalização do MOI impede a vivência de novos modos de interacção,
condicionando assim a disponibilidade para a construção de padrões relacionais que
se diferenciem dos adquiridos na infância.

Síntese

Tentámos neste capítulo explorar a vinculação enquanto processo de vital


importância à sobrevivência física, emocional e psicológica dos indivíduos.
Começámos por apresentar o modelo desenvolvido por Bolwby, bem como
os pressupostos nos quais se baseia a construção da relação de vinculação.
101

A perspectiva desenvolvimentalista, presente na génese da Teoria da


Vinculação foi igualmente abordada, apresentando algumas das investigações
empíricas realizadas no âmbito desta temática, em todo o ciclo de vida.
Assim, apresentamos a teoria da vinculação na infância (esquemas de
vinculação na criança e a situação estranha), a vinculação na adolescência e idade
adulta, realçando as especificidades inerentes a cada fase.
Dado que o presente estudo foi realizado com população adulta, damos
naturalmente algum destaque ao sistema de vinculação no adulto (estratégias de
hiperactivação, desactivação e uso simultâneo de ambas).
Posteriormente dedicámos especial atenção ao processo de transição
intergeracional e à psicopatologia, uma vez que um dos objectivos do presente
estudo é avaliar a possibilidade da relação terapêutica e o suporte social funcionarem
como factores desconfirmatórios de modelos prévios de vinculação insegura.
Toda a intervenção que vise alterações de comportamento o grande agente de
mudança é a relação. No entanto com a maioria da população sem abrigo a
dificuldade consiste em estabelecer e manter uma relação durante tempo suficiente
para que possa emergir ingredientes tão importantes como a confiança. Assim, ao
longo da vida as relações significantes podem ser factores de risco ou de protecção
consoante promovem o bem-estar global do indivíduo, ou pelo contrário, gerem
condições adversas que impliquem sofrimento (Machado, 2004).
O capítulo que desenvolvemos em seguida tem como objectivos: em primeiro
lugar abordar de forma mais pormenorizada os fundamentos e filosofia de base da
Comunidades de Inserção, enquanto resposta residencial para públicos em situação
de exclusão social. Em segundo lugar e mais particularmente, apresentar a
Comunidade de Inserção Novo Olhar, estrutura física onde decorre toda a
investigação, desde a recolha dos questionários, à observação não participante, no
sentido de melhor percepcionarmos a sua metodologia e a forma como a vivência
num espaço com determinadas características pode contribuir para o emergir de
relações afectivas suficientemente seguras, capazes de reverter um processo, já há
muito enraizado, de abandono de si mesmos e de descrença em dinâmicas sociais
integradoras, capazes de resistir às mais variadas formas de evitamento relacional,
persistindo numa atitude disponível e responsiva.
Capítulo III

Comunidade de Inserção Novo Olhar

Introdução

O desenvolvimento e contexto político-social actual são um factor intrinsecamente


relacionado com o fenómeno da exclusão social, ao qual um conjunto de respostas sociais,
nomeadamente as Comunidades de Inserção (C.I.), pretendem dar uma resposta. Na sua
maioria, os sem abrigo são indivíduos dependentes de substâncias químicas, alcoólicos e/ou
pessoas com problemas de saúde mental, indivíduos com processos jurídicos graves a decorrer
ou pretéritos, o que dificulta a inserção social, familiar e comunitária. Nesse sentido, o único
quadro de referência que lhes é ou era acessível, em termos de estruturas organizacionais,
corresponde ao das prisões, hospitais, as próprias famílias (muitas vezes disfuncionais e
abusivas), centros de acolhimento temporário ou outras respostas de emergência social com
cariz mais imediato e, portanto, menos vocacionados para gerar alterações comportamentais
passíveis de uma reintegração social.
Após revisão bibliográfica sobre as respostas sociais para sem abrigo destacamos a
investigação realizada por Cabrera (2003) dado ter dedicado especial atenção às estruturas
residenciais. O autor faz uma análise das diferentes respostas sociais para esta população, na
cidade de Madrid, reportando-se ao Programa de Suporte Comunitário criado pelo Instituto
Nacional de Saúde Mental, em Espanha, um modelo de prestação de serviços para a
população com problemas de saúde mental. Este programa lançado em 1977 facilita o
tratamento a longo prazo e a reabilitação social. Mais tarde, em 1987, a União Europeia
destacou alguns aspectos da prestação de serviços para população sem abrigo com problemas
de saúde mental, incluindo a extensão da doença e o processo de vinculação aos serviços,
verificando-se a necessidade de expandir as oportunidades habitacionais e de
acompanhamento dos diferentes casos de forma mais prolongada (Hopper, Mauch e Morse,
1989).
Os programas que fornecem alojamento aos doentes mentais geralmente excluem os
consumidores de substâncias psicoactivas e vice-versa. Normalmente procuram apoio na
satisfação das necessidades básicas, tais como alimentação e abrigo, mas raramente, trabalho
103

ou tratamento ao nível da saúde mental (Farr, Koegel e Bunjam, 1986; Mulkein e Bradley,
1986).
Para os sem abrigo com problemas de saúde mental ou de abuso de substâncias
psicoactivas a vida nas estruturas de acolhimento pode gerar tensões, de modo que, embora
estas possam permitir avaliações e diagnósticos, muitas vezes não conseguem garantir a
permanência nem motivar os residentes para o tratamento (Dockett, 1989).
A adaptação às estruturas residenciais é descrita por Eagle e Grunberg (1990) como
um processo de aculturação endémica à vida nos abrigos. É caracterizada pela diminuição dos
recursos interpessoais, negligência da higiene pessoal, aumentando a passividade e a
dependência. Além disso, o facto de percepcionarem a integração em determinada estrutura
como uma perca de controlo do rumo da sua vida, contribui significativamente para a baixa
auto-estima, ausência de esperança e diminuta auto-valorização. No entanto, antes de integrar
as estruturas de acolhimento estão geralmente sem rede social, uma vez que se relacionam
maioritariamente com pessoas que enfrentam situação similar, sendo frequente o reforço desta
mesma rede nestes dispositivos (Eagle e Grunberg, 1990).
A existência de equipas multidisciplinares nas instituições de apoio introduziu
mudanças fundamentais na orientação dos serviços, passando a centrar-se em processos
individuais para alcançar uma reabilitação psíquica, social e laboral, estimular o
comportamento adaptativo, mudar hábitos e melhorar as competências sociais, reestruturar a
dinâmica relacional familiar (Martín Barroso, Alba, 1985).
Além de prestar cuidados básicos e estadia, as estruturas residenciais podem tornar-se
um lugar seguro para estabelecer relações interpessoais gratificantes e reaprender hábitos de
sociabilidade. Podem ainda facilitar o acesso a redes sociais, apoio emocional, tratamento ou
um lugar para recuperar de fragilidades típicas nos sem abrigo, dadas as suas carências
alimentares, de higiene e exposição a factores ambientais agressivos, Cabrera (2003).
Um fenómeno habitual entre os residentes das estruturas é a "porta giratória", que
permite encontrar, ciclicamente, os indivíduos em diferentes instituições, Cabrera (2003).
Estes indivíduos, normalmente transitam de uma estrutura para outra, sendo que a rotação
ocorre em função das vagas disponíveis e as estadias são relativamente curtas. A decisão de
abandonar a estrutura justifica-se usualmente por um emprego casual ou por receberem algum
dinheiro, expressando o desejo de uma liberdade adolescencial.
Cabrera (2003), afirma que um aspecto realmente inesperado da sua pesquisa refere-se
aos dados sobre a visão de si próprios e do seu futuro. A maioria descreveu a sua condição
como transitória, podendo constatar-se que a esperança é um factor que define a vivência dos
104

sem abrigo. Assim como na maioria das pessoas, na população sem abrigo as ilusões de
autonomia são um componente crítico do seu processo, sendo importante que as estruturas
trabalhem estes aspectos (Avia Vázquez, 1998, Taylor, 1989).
Ao longo deste capítulo iremos apresentar a filosofia de base das comunidades de
inserção e de uma forma mais pormenorizada a metodologia de intervenção da comunidade de
inserção novo olhar. Terminaremos o capítulo com a exposição de algumas das
particularidades das quais de reveste o trabalho com os sem abrigo nesta estrutura.

Comunidade de Inserção para sem abrigo: bases e influências

Postulamos serem duas as linhas de pensamento que confluem no trabalho realizado


pelas C.I.: por um lado constituírem-se como um modelo substituto da sociedade e por outro
como modelo hierárquico da família. Em traços gerais, estas estruturas adoptam uma
intervenção centrada na pessoa, na perspectiva de preparar os indivíduos para a reintegração
na sociedade mais ampla.
Alguns residentes referem-se à comunidade como a sua ”família” ou o lugar onde
“cresceram” e aos funcionários como os pais que nunca tiveram, Bratter, Bratter e Radda,
(1986). Outros sentirão a instituição como uma micro-sociedade. Com a proibição do uso de
substâncias e do comportamento anti-social, a instituição assemelha-se à sociedade mais
ampla: uma rotina diária de trabalho e educação, as relações sociais e a progressão individual
pela hierarquia de funções das tarefas quotidianas, compara-se bastante ao percurso do
“mundo real”. O vivenciar das muitas funções ao nível das tarefas rotineiras e dinâmica da
casa proporciona o necessário treino de diversos papeis, de modo a readquirir capacidades
dispersas no processo de exclusão.
A mais-valia da CI é a aprendizagem por tentativas e erros, permitindo que se possa
fracassar num ambiente de segurança. Isso contrasta com o mundo exterior em que existe um
maior risco de perdas, humilhações e punições decorrentes deste fracasso. Por isso, a CI é
considerada uma microssociedade que prepara o indivíduo para uma participação activa na
definição do seu lugar na macrossociedade do “mundo real”, permitindo a emergência do
sentimento de competência e pertença ao nível da organização social.
O período de estadia na CI é um período relativamente breve da vida do indivíduo,
apesar disso, o seu impacto é suposto contrapor-se aos anos de influências negativas anteriores
e posteriores ao projecto. Por esse motivo, as influências externas insalubres são minimizadas
até que o indivíduo esteja melhor preparado para lidar com elas. Estas estruturas pressupõem
105

que o indivíduo permaneça durante aproximadamente um ano, contrariando o carácter


transitório de grande parte das instituições para sem abrigo. A permanência de curta duração
faz com que o interesse e o vínculo estabelecidos sejam breves e superficiais, quando
acreditamos ser necessário, justamente, construir vínculos mais duradouros que lhes permitam
(re)elaborar a sua história e reparar padrões prévios de vinculação inseguros.
As estruturas interpessoais, tais como as formas de interacção na casa, estão
alicerçadas sob três características: reciprocidade, equilíbrio de poder e estabilidade na relação
afectiva (Bronfenbrenner, 1979/1996). Estas características ajudam o indivíduo a manter-se
estruturado a fim de permitir o desenvolvimento saudável. A reciprocidade está centrada no
processo de aproximação que ocorre entre duas ou mais pessoas. Com o seu feedback mútuo,
ela gera um momento próprio que os motiva a investir na relação e a vincularem-se a padrões
de interacção subsequentemente mais complexos (Bronfenbrenner, 1979/1996). Assim, é
preciso incentivar as relações recíprocas nas estruturas de acolhimento, visto que incrementam
os processos de proximidade. Entretanto, mesmo havendo reciprocidade, um dos integrantes
da relação pode ser mais influente do que o outro.
O equilíbrio de poder refere-se à distribuição deste poder na relação. É importante o
estabelecimento do equilíbrio de poder de forma a ajudar a pessoa na aprendizagem e no
desenvolvimento da capacidade de lidar com relações de poder diferenciadas, sendo que o
poder é gradualmente conquistado pelos residentes (Bronfenbrenner, 1979/1996). No
ambiente institucional, os técnicos e os monitores devem possuir mais poder do que os
residentes, embora esta distribuição possa ser alterada gradativamente com o amadurecimento
destes últimos. A relação afectiva estável é estabelecida no envolvimento em interacções
diádicas, possibilitando o desenvolvimento de sentimentos recíprocos, podendo ser positivos,
negativos ou ambivalentes (Bronfenbrenner, 1979/1996). Na medida em que a estrutura
permite a criação de relações afectivas estáveis, positivas e recíprocas, torna-se mais provável
incrementar o ritmo e a ocorrência dos processos desenvolvimentais. Desta forma, as
instituições de acolhimento devem considerar o afecto presente nas relações entre os seus
membros.
A dimensão afectiva é parte inerente das relações humanas, não devendo ser excluída
enquanto elemento propiciador de desenvolvimento e integração. Assim, a instituição consiste
num ambiente ecológico de extrema importância, um microssistema onde os residentes
realizam um grande número de actividades, funções e interacções, como também um meio
potenciador do desenvolvimento de relações recíprocas, de equilíbrio de poder e de afecto.
106

Um dos pilares do trabalho em comunidade de inserção é o próprio grupo de


residentes. O grupo é o espaço de elaboração da identidade pessoal e social, no qual cada um
se vê confrontado com limites e possibilidades que devem ser reflectidos e processados. Isso
leva o indivíduo a compreender-se no conjunto, construindo referências importantes para
adquirir uma auto-imagem favorável e confiança nas relações estabelecidas. Todos precisam
de se sentir membros importantes de um grupo no qual encontrem apoio e aceitação.
Trabalhar em grupo implica aceitar um processo comunicativo de cooperação de diferentes
ideias, críticas e julgamentos que podem emergir. O respeito à opinião e ao contexto do Outro
deve traduzir-se numa acção colectiva solidária e recíproca, reconhecendo e valorizando as
diferenças que podem contribuir para o colectivo. Os residentes formarão os seus sub-grupos
conforme os interesses e a receptividade ou a aceitação que percebam entre os demais.
É o grupo que desenvolve o sentimento de pertença e segurança, porém, há situações
em que a sua constituição deve ser acompanhada e mediada pelos técnicos, para não
prevalecer a imposição da vontade dos mais fortes ou agressivos sobre os mais frágeis. Sem
esta orientação, podem surgir tentativas de uso da força e submissão de alguns aos demais,
com o risco de provocar humilhação e violência, atitudes e comportamentos desviantes,
perpetuando as vivências anteriores de rua, causando prejuízos ao desenvolvimento sócio-
emocional.
O grupo pode constituir-se como uma estratégia privilegiada de promoção da ajuda
mútua, da compreensão da diversidade e de fortalecimento da amizade e do companheirismo.
De acordo com a ênfase dada pela Teoria Ecológica aos processos proximais ocorridos
em contextos de desenvolvimento (Bronfenbrenner, 1979/1996; Bronfenbrenner & Morris,
1998), e sobretudo, de acordo com a importância do afecto mútuo e recíproco das relações
interpessoais, torna-se crucial investir em interacções mais estáveis e afectuosas no ambiente
institucional, tanto nas relações dos funcionários com os residentes, como nas relações entre
pares.
Independentemente da sua história prévia, das causas e da vivência da condição de sem
abrigo, o objectivo último permanece o mesmo para todos os residentes – autonomização –
embora a definição desse processo, suas estratégias e áreas de intervenção tenham um carácter
individual.
107

Modelo de Intervenção da CINO

A Comunidade de Inserção Novo Olhar (CINO) apresenta uma moldura social e


psicológica ampla por serem várias as metodologias oriundas de diferentes escolas, aplicadas
na nossa experiência comunitária: perspectivas desenvolvimentistas (Bowlby 1969, 1973,
1980), Sistémica (Ausloos, 1996; Bronfenbrenner, 1979,1996,1998; Minuchin, 1991; Sluzki,
1996) e cognitivo-comportamentais - Teoria de Aprendizagem Social (Rotter, 1954,1990),
Prevenção da Recaída (Marlatt, 1993; Marlatt, 2005).
A própria designação de Comunidade Terapêutica que serve de modelo base a esta
comunidade, desenvolveu-se para descrever um lugar organizado no qual se espera que todos
contribuam para as metas comuns da criação de uma organização social dotada de
“propriedades de cura” (Rappaport cit. In Leon, 2003)
Não sendo a cura o objectivo último da CINO, mas sim o processo de reabilitação bio-
psico-social da pessoa, é impossível distinguir um fim de outro. Na perspectiva holística do
ser humano, isto é, a pessoa como um todo, procuram-se ultrapassar dificuldades quer
psicológicas, quer de dependência química ou de natureza social, processo fundamental para
uma verdadeira reinserção na comunidade. São várias as características comuns entre o
modelo da comunidade de inserção e o da comunidade terapêutica, recriando programas de
intervenção que se auto-concebem como modelos de referência familiar, ou melhor, famílias
substitutas que corrigem danos históricos causados pelas famílias disfuncionais dos residentes.
Assim, há um empenho em manter as principais características da família: estrutura
hierárquica para proporcionar ordem à vida quotidiana; atenção no afecto por meio da
estabilidade física e psicológica; aceitação da pessoa e estímulo para a participação no
processo pessoal de mudança e transmissão de valores através de uma rotina diária de
actividades voltadas para a aprendizagem social e aquisição de competências. O facto da
CINO acolher também famílias com menores que se encontram na situação de sem abrigo,
proporciona um simulacro mais real e abrangente da vida comunitária, um ambiente mais
familiar, aumentando o número de papéis a desempenhar pelos residentes e uma progressiva
aptidão para lidar com as mais diversas situações.
As características sistematizadas por Kennard (1983) de uma comunidade terapêutica
psiquiátrica segundo o modelo de Maxwell Jones (1952) são visíveis no modelo de
108

intervenção criado na comunidade de inserção alvo deste estudo. Apresentamos de seguida


algumas das características encontradas nesta abordagem: Democratização do funcionamento
institucional com participação de todos nos assuntos que aos residentes dizem respeito,
substituindo as relações rígidas, formais e hierarquizadas; Relevância dos métodos grupais de
tratamento – recurso ao confronto - sendo particularmente importantes as reuniões
comunitárias com a participação dos residentes e equipa técnica; A utilização de ateliers e
práticas educativas que permitem a aquisição de competências pessoais e sociais,
nomeadamente, o desenvolvimento da capacidade de assumir responsabilidades.
Considera-se a organização como um todo, responsável pelo resultado terapêutico. A
organização social é útil para criar um ambiente que maximize os efeitos terapêuticos, em vez
de constituir mero apoio administrativo ao tratamento.
Um elemento nuclear é a democratização: o ambiente social proporciona
oportunidades para que os residentes participem activamente nos assuntos da instituição;
Todos os residentes possuem capacidade de mudança e todos os relacionamentos são
potencialmente reparadores; A atmosfera qualitativa do ambiente social é terapêutica no
sentido em que é fundada numa combinação equilibrada de aceitação, controlo e tolerância
com respeito a comportamentos disruptivos. Atribui-se um alto valor à comunicação e aos
espaços dedicados à análise da metacomunicação do grupo, bem como das relações
interpessoais; Usam-se técnicas educativas e a pressão do grupo para propósitos construtivos;
A autoridade difunde-se entre responsáveis, funcionários e residentes.
Este modelo permite o desenvolvimento de limites, expectativas morais e éticas de
desenvolvimento pessoal, utiliza o reforço positivo, a vergonha, a punição, o sentimento de
culpa, o exemplo e o modelo de comportamento para promover mudanças e desenvolvimento
pessoal.
Visto que os residentes, na sua larga maioria, experimentaram o sofrimento produzido
pelo isolamento, são comuns as manifestações de indiferença perante o outro, sendo
progressiva a permissão de aproximação e a aquisição de confiança nas relações interpessoais
bem como na estrutura de acolhimento.
Na esteira do desenvolvimento pessoal e da reinserção que se deseja, potencia-se uma
aprendizagem que é transversal a todo o processo, desde a entrevista de avaliação pré-
diagnóstica até ao acompanhamento em registo de follow-up. As actividades da vida
quotidiana, as relações interpessoais, os espaços terapêuticos, a possibilidade de experimentar
novos papéis sociais, o contacto gradual com o exterior e a oportunidade de entrar no mercado
109

de trabalho de forma protegida/supervisionada, oferecem todo um currículo fundamental, com


metas atingíveis que culminarão no objectivo basilar da autonomização.
O perfil da população-alvo desta Comunidade, para além dos mais variados contextos
psicossociais, económicos e demográficos, compreende habitualmente experiências de
rejeição, desconsideração, isolamento, desilusão e desespero (muitas vezes, destituídos de
esperança na própria capacidade de sucesso com base no fracasso ou impotência passados, na
perda do auto-controlo, de confiança e auto-estima).
Os indivíduos socialmente excluídos encontram-se pouco capazes de levar uma vida
organizada ou a identificar-se com os valores comuns da sociedade. Desconfiam de si
mesmos, das autoridades, dos profissionais de ajuda e do “sistema”, o qual rejeitam e se auto-
excluem. Em consequência destas vivências, são pessoas desmotivadas, psicologicamente
frágeis e com frequência fazem um uso pouco apropriado dos serviços sociais, médicos e de
saúde mental convencional.
Na perspectiva da filosofia de intervenção da Comunidade de Inserção Novo Olhar,
apoiar os residentes neste esforço de agregação é um primeiro passo essencial à preparação
para se (re)inserir no mundo exterior. A abstinência estabilizada, o aumento gradual do nível
de responsabilidade pessoal e social, o envolvimento efectivo na própria estrutura, deve
ocorrer antes do contacto regular com os vários serviços sociais, educacionais e profissionais.
Parte considerável dos residentes possuem uma história de vida prévia com alguma
estabilidade, apresentando capacidades sociais e vínculos familiares e comunitários positivos,
mas os consumos, comportamentos desviantes ou outros episódios traumáticos, potenciadores
de crises pessoais, conduziram à situação de sem abrigo.
Para estes a recuperação envolve reabilitação ou reaprendizagem da sua capacidade de
manter um estilo de vida adequado, bem como a recuperação da saúde física, emocional e
social. No entanto, outros nunca chegaram a adquirir estilos de vida funcionais, sendo comum
que a integração na CINO seja o primeiro contacto com uma vida organizada, que privilegia a
recuperação ou a aprendizagem de capacidades, atitudes e valores comportamentais
associados à vida em comunidade.
O projecto de reinserção envolve ainda a mudança do modo como os indivíduos se
percebem a si mesmos no mundo, ou seja, a sua identidade. A mudança de estilo de vida e de
identidade para aqueles que vivenciam a condição de sem abrigo não são características únicas
desta estrutura. No entanto, esta comunidade distingue-se pelo enfoque dado à componente
terapêutica, distanciando-se da maioria das estruturas criadas para dar resposta aos sem
abrigo, que se situam maioritariamente na prestação de serviços, o que na nossa perspectiva
110

pode alimentar o circuito dependente, no qual as relações são instrumentalizadas em função


das necessidades emergentes.
A comunidade é tanto contexto como método no processo de mudança, constituindo-se
ela própria como factor diferenciador de outras respostas de reabilitação. Contém uma
“cultura” feita a partir da estrutura organizacional, de regras formais e normas informais, dos
valores e crenças, da adesão e investimento dos seus participantes.
Tal como já referimos, os utentes da CINO constituem uma população heterogénea em
termos das suas características sócio-demográficas, problemáticas apresentadas, bem como
dos seus percursos de vida. Assim, as necessidades apresentadas por esta população são
extremamente diversificadas e vão sofrendo alterações ao longo da relação que estabelecem
com os serviços, Antunes (1998). Com vista à sua (re)inserção social e profissional, a
estrutura desenvolveu um modelo de intervenção faseado e que contempla três graus de
necessidades: Grau 1 – Necessidades básicas e Estabilização Clínica; Grau 2 – Área
relacional/ocupacional; Grau 3 – Reinserção social/profissional/familiar.
Em função das necessidades, as respostas devem ser igualmente diferenciadas: ao nível
das necessidades básicas e estabilização clínica as respostas têm um carácter imediato e
paliativo; a intervenção aos níveis relacional/ocupacional e da reinserção
social/profissional/familiar implica respostas com horizontes temporais mais longos, tendo em
vista uma mudança real e sustentada, Antunes (2003).
O projecto de reinserção na CINO desenrola-se como um processo de
desenvolvimento, envolvendo a passagem sequencial por estágios de aprendizagem
incrementada. A aprendizagem que ocorre num dado estágio facilita a mudança no estágio
seguinte. Cada estágio de aprendizagem recorre à maturidade, à socialização e à autonomia
pessoal. Os residentes costumam caracterizar o seu projecto como um “crescimento - vêm
como bebés ou adolescentes e partem como adultos”. Este crescimento envolve mudança tanto
de comportamento como da compreensão de si mesmo.
Os residentes devem adquirir a capacidade de reconhecer os factores e as influências
externas que desencadearam a situação de sem abrigo ou de utilização de drogas, mas também
têm de reconhecer os pensamentos, sensações e sentimentos (influências internas) que
provocam a utilização de comportamentos autodestrutivos.
O reconhecimento das influências (internas e externas) presentes no seu
comportamento facilita a aprendizagem do controlo destas e posteriormente da descoberta de
modos alternativos de resposta para as situações catalisadoras de angústia, reforçando uma
percepção de auto-eficácia. A auto-compreensão envolve ainda o aumento da consciência das
111

circunstâncias passadas que moldaram os actuais sentimentos, percepções e comportamentos.


Compreender-se a si mesmo no contexto da sua história passada proporciona aos residentes
algum grau de leitura real da sua vida, ajudando a mitigar parte das auto-acusações, da culpa e
da vergonha associadas ao passado, aumentando consideravelmente a sua motivação para a
mudança, Vieira (2007).
O ambiente envolvente da comunidade, a sua equipa técnica, os demais residentes, a
rotina diária de trabalho, as sessões de grupo, as reuniões e intervenções específicas são
agentes indutores de mudança e da aquisição de responsabilidade pessoal. A aprendizagem é
um processo experiencial que ocorre por meio da observação, participação activa e da acção,
ou seja, adquire-se um papel socialmente responsável por meio do desempenho desse papel.
Pretende-se que os residentes participem plenamente na rotina diária, estimulando o uso da
estrutura – relação interpessoal, experiências pessoais, rotinas, quadro de regras, actividades
que a compõem e responsabilização progressiva, no sentido de promover uma vinculação
segura e a emergência de um sentimento de pertença, consolidando o processo de mudança.
Usualmente, o empenho no projecto individual depende de pressões positivas e
negativas para mudar. Algumas pessoas procuram ajuda por pressão das instituições, de
conhecidos, de familiares, por ordens judiciais ou problemas legais pendentes, por temer a
doença ou a violência (doméstica ou das ruas) ou o receio inerente à fragilidade da condição
de sem abrigo. Outras são impelidas por factores mais internos – profunda fadiga emocional
ou física com o estilo de vida marcado pelo uso de drogas ou álcool e o desejo expresso de
mudar de vida. A motivação baseada na sua maioria em pressões externas, ainda que
suficientes para levar o indivíduo a procurar ajuda numa Comunidade, não basta para manter o
projecto a longo prazo. O alívio da pressão externa (a ténue reaproximação à família,
resolução de problemas com a justiça), a ilusão da capacidade de autonomia, fazem muitas
vezes com que o sujeito abandone prematuramente a comunidade, caso não tenham surgido
fontes de motivação internas (elaboração do sofrimento pelo qual passou o indivíduo no
tocante aos aspectos negativos da sua vida e as esperanças e expectativas positivas em relação
ao futuro).
A maioria dos residentes da comunidade de inserção indica que a sua motivação para a
mudança é um composto de pressões externas e internas, mas relativamente poucos estão de
facto preparados para o longo e árduo esforço envolvido na mudança pessoal.
Sob o signo da marginalidade, estas vidas pontuam-se pelos rótulos de rebeldes,
viciados, vagabundos, criminosos, pessoas fracas, perdedoras ou mesmo de loucos. Esses
vários rótulos sociais reflectem o estigma social da toxicodependência, da doença mental, do
112

alcoolismo, frequentemente reforçado pelo comportamento característico dos próprios


indivíduos sem abrigo. Este estigma negativo reforça a auto percepção que têm da sua
identidade social e pessoal. A abordagem da estrutura oferece as oportunidades e o contexto
do desenvolvimento de elementos de uma identidade social positiva. Incluem-se neste
processo individual a constituição do próprio enquanto modelo de comportamento para outras
pessoas, a aquisição progressiva de responsabilidades nas áreas de funcionamento da casa e
nas várias fases do seu processo de inserção.
Surge-nos a necessidade de apresentar de forma mais detalhada alguns dos espaços
sócio-terapêuticos que consideramos mais importantes na intervenção: reunião comunitária;
reunião de residentes; reunião de equipa; rotina diária da casa.
É notório o destaque que atribuímos aos momentos de grupo, acreditando que grande
parte da aprendizagem e crescimento pessoal se adquire por meio das interacções sociais.
Apesar de tudo o que se faz na CINO poder ter uma componente terapêutica, porque a
experiência de vida em grupo é o método terapêutico em si, existem contextos específicos que
são o cerne do programa. Permitem que as experiências de vivência interna e externa na CINO
possam ser elaboradas, num contexto reflexivo por excelência, em que os indivíduos se
confrontam a si próprios, são confrontados por outros e confrontam outros com as
experiências partilhadas de vida, com as suas próprias trajectórias, do passado, do presente e
das expectativas de mudança para o futuro. São cerca de 15 horas semanais de grupos psico e
socioterapêuticos, onde se pode denotar a intensidade do programa, cunho que o diferencia de
outras respostas para sem abrigo. Estes grupos vão desde grupos de preparação e avaliação das
actividades, a grupos com carácter terapêutico, terapia familiar e reuniões de grupo. Estas
últimas são centrais na vida da CINO, realizando-se duas vezes por semana, num total de 7
horas. Para estas confluem todas as situações vividas, pensadas, sentidas, quer internamente
por cada um, quer na vida quotidiana da casa.
Contando com a presença de todo o grupo de residentes e, pelo menos, dois técnicos
que orientam o mesmo, estes espaços funcionam como um ambiente emocional propício à
mudança de comportamentos, mas também de suporte e apoio entre os elementos do grupo.
Estes momentos são considerados experiências marcantes, proporcionando um confronto
directo consigo próprios, numa perspectiva realista das dificuldades e problemas mas também
dos recursos, das capacidades e competências que possuem.
113

Reunião Comunitária

As reuniões comunitárias revestem-se de grande importância pela possibilidade de


metacomunicação acerca das dinâmicas relacionais e experiências pessoais. A intervenção é
focalizada nas questões individuais que cada residente queira abordar, bem como na dinâmica
relacional que o grupo evidenciou durante a semana. Estas questões podem ser verbalizadas
pelos residentes ou apresentadas pela equipa, promovendo o debate das mesmas.
Leon (2003) defende que a natureza pública da partilha de experiências tem
características terapêuticas para o próprio e para os outros. O momento e a forma de trazer a
público questões pessoais são sempre decisão do próprio, no entanto, a partilha de questões
íntimas relevantes para a vivência comunitária (consumo de alguma substância, roubo,
mentiras, envolvimentos físicos) é fundamental para a manutenção da segurança e
credibilidade da estrutura. O momento de reunião comunitária é o espaço de excelência para
que estes assuntos sejam partilhados e discutidos, envolvendo os próprios residentes nas
decisões, permitindo a emergência de valores morais e códigos de conduta. Com o objectivo
de manter as percepções positivas dos residentes em relação à Comunidade, enquanto
autêntica e digna de crédito, deve ser fomentado um constante exercício de reflexão
desenvolvendo a capacidade autocrítica do comportamento dos residentes e da própria equipa.
Todos têm um papel activo no confronto e na correcção das situações menos positivas, para
que a estrutura se mantenha sólida.
Este espaço inclui a comunicação da distribuição dos residentes por sectores de
trabalho, previamente analisada em reunião de equipa. É privilegiada a atribuição de funções
de acordo com a motivação dos residentes, no entanto, esta distribuição pode igualmente ser
utilizada de forma a trabalhar algumas competências, como a capacidade de trabalhar em
equipa, espírito de liderança, organização, bom relacionamento inter-pessoal, entre outros.

Reunião de residentes

Neste espaço a liderança é assumida pelos residentes, confinando-se a equipa a um


papel de mediador em eventuais conflitos ou dificuldade de tomada de decisão.
114

Na sequência de uma participação desigual dos residentes nas várias tarefas e


actividades da casa, surge a proposta dos próprios para definirem um regulamento interno de
residentes. Este documento pretendia regulamentar, sistematizar e ordenar as regras para o
saudável convívio e participação social entre os residentes, bem como estipular as
consequências procedentes do incumprimento das referidas regras.
Em termos funcionais foi eleita uma equipa de residentes, constituída por três
elementos que supervisionam o cumprimento das regras. No decorrer de cada semana, esta
equipa tem o dever de assinalar e informar os residentes dos incumprimentos praticados. Estes
incumprimentos são discutidos e avaliados por todo o grupo na reunião de residentes, que
acontece todos os domingos às 18h. Após apresentação das várias situações o residente em
causa expõe ao grupo a sua interpretação dos factos e o grupo decide por votação a validação
do incumprimento ou a sua anulação, tendo em conta a argumentação apresentada e o
julgamento de cada um.
A validação dos incumprimentos traduz-se no pagamento de uma coima, cujo
montante está definido no regulamento interno dos residentes e é do conhecimento geral. As
verbas acumuladas revertem para um “fundo de maneio” gerido pelos próprios, também ele
com algumas regras de utilização: os elementos que ainda não dispõem de qualquer fonte de
rendimento podem solicitar um empréstimo ao grupo, justificando a finalidade do mesmo.
Dependendo do fim a que se destina o empréstimo o grupo valida determinadas situações:
aquisição de medicação prescrita, deslocações previamente estruturadas com a equipa,
produtos alimentares específicos, produtos de higiene pessoal, entre outros, e avalia como
indevidos empréstimos para: tabaco, café, e outros gastos pessoais não considerados como
estritamente necessários.
Os residentes apoiados pelo fundo de maneio responsabilizam-se por repor o
empréstimo logo que disponham de fonte de rendimento. Esta estratégia agiliza o espírito de
participação activa dos residentes na vivência comunitária, estimula as redes de solidariedade,
a capacidade de tomada de decisões e de se colocar no lugar do outro, bem como permite o
exercício da democracia.
Wandersman e Florin (2000) reviram a literatura existente sobre características
individuais e ambientais que promovem a participação dos cidadãos em organizações de
vizinhança e de desenvolvimento comunitário. Os autores postulam que a participação social
conduz à redução da deterioração física e de atitudes criminosas, promove os laços informais
de vizinhança e estimula posturas positivas, como a confiança, a sensação de eficácia pessoal
115

e política e o sentimento de comunidade. As organizações comunitárias influenciam, não só, o


sentimento de empowerment psicológico mas, também, a capacidade de decisão.

Reunião de equipa

A constituição da equipa técnica de uma Comunidade de Inserção, tendo em conta os


objectivos a que se propõe deve contemplar profissionais com formação multidisciplinar, nas
áreas de serviço social, psicologia, psiquiatria e monitores/ajudantes de lar.
A CINO é constituída por dois monitores, um assistente social, dois psicólogos, um
psiquiatra e o coordenador. Os objectivos específicos que esta equipa pretende atingir, do
ponto de vista terapêutico, podem sintetizar-se em três níveis de intervenção: ao nível do
comportamento, ao nível emocional/ afectivo e ao nível cognitivo (Portugal et al, 1995; s/n,
1996). (Modelo do projecto oportunidades)
Podemos afirmar que, no sentido de cumprir tais objectivos, é necessário agilizar
vários domínios de saber, e se o saber teórico se pode, em grande parte, adquirir pela
formação formal, o saber ser e o saber fazer passa essencialmente pela experiência e
interacção entre as pessoas e a situação, (Cabrito, 1999).
Ao abordar a importância da formação em contexto de trabalho, Charue (1992) refere
que numa organização o indivíduo constrói permanentemente representações do
funcionamento do seu trabalho através das acções que vai desenvolvendo. Assim, vai
reflectindo sobre a experiência e assimilando o mais relevante das situações de trabalho,
adquirindo capacidades que lhe irão permitir dar resposta a novos problemas. De facto, o
contexto de trabalho pode ser considerado como um espaço educativo fundamental porque os
actores interagem, reagem a acontecimentos, participam e tomam decisões (Pain, 1990).
Torna-se fundamental encontrar espaços de reflexão e partilha que possibilitem o
envolvimento de toda a equipa no projecto de cada residente e a troca de conhecimentos e
experiências, (Alves, 2008).
A reflexão é um meio que permite aos sujeitos desenvolver uma aprendizagem
permanente nas situações profissionais e através delas, dentro de um quadro de uma
organização autoformativa (Canário, 1994). Nestas circunstâncias, o trabalho em equipa e a
comunicação das experiências em grupo é de crucial importância, já que possibilita
problematizar, dando sentido aos saberes construídos a partir do olhar pensado sobre as
experiências de cada um (Sousa, 2000). É através desta consideração sobre a prática,
116

efectuada com base na teoria, que se pode reformular novamente a teoria e permitir a
realização de novas aprendizagens. Além do debate, da reflexão individual e conjunta durante
as reuniões, surgem situações de incentivo à pesquisa, leitura e participação em congressos.
Na CINO a reunião de equipa é o espaço em torno do qual gira toda a dinâmica
comunitária, com implicação directa no projecto de todos os residentes, quer do ponto de vista
individual como grupal. Tendo um carácter semanal a reunião de equipa conta com a presença
de todos os profissionais que trabalham na estrutura, promovendo o debate de todas as
questões relevantes da vivência comunitária, desde aspectos funcionais até ao
acompanhamento individual. Embora cada um tenha uma determinada área de saber as
situações são lidas nas mais diversas ópticas e as decisões tomadas em equipa, garantindo que
todos se sentem parte integrante do processo de decisão.
A discussão de casos, para além de uma actualização permanente de toda a informação
considerada pertinente acerca do processo de cada um e constante redimensionamento de
metas terapêuticas, conferindo-lhe um funcionamento dinâmico, permite à equipa desenvolver
uma linha de leitura comum e definir estratégias de intervenção integradas.
Sempre que se avalia como necessário, está presente um supervisor externo que apoia
a equipa a sistematizar procedimentos, analisar casos e delinear intervenções. Semelhante à
estrutura dos Grupos Balint (Salinsky & Sackin, 2007) desenvolve-se uma metodologia de
partilha e escuta, com o apoio de alguém com formação específica, que vai gerindo a dinâmica
do grupo e que, em momentos adequados, clarifica os factores emocionais envolvidos. Esta
técnica aumenta a consciência do desempenho profissional e das emoções presentes em cada
relação técnico-residente. A riqueza deste espaço prende-se com toda a participação
individual, mas também com a dinâmica grupal que induz, permitindo a promoção do bem-
estar e a redução do burn-out.

Rotina diária

O dia na C.I.N.O. começa às 7:30 da manhã e termina às 22:45. É composto por tarefas
de manutenção do espaço, actividades ocupacionais, lúdico-pedagógicas, tempo livre,
aconselhamento individual, dinâmicas de grupo e hábitos de higiene pessoal. A estas
actividades acrescem todas as diligências feitas por cada indivíduo no sentido de tratar de
117

assuntos pessoais que tenham a ver com saúde, segurança social, justiça, formação, emprego,
habitação e família.
A rotina dos fins-de-semana tem um grau de exigência menor, dedicada ao descanso,
lazer e vida social, tendo em conta que o Domingo foi definido como “dia livre”, sendo por
isso gerido pelos próprios. Os residentes tem a possibilidade de acordar mais tarde e a tónica é
colocada nos momentos grupais: Reunião Comunitária ao Sábado e Reunião de Residentes ao
Domingo. A rotina diária comporta um conjunto de actividades planeadas, inter-relacionadas e
projectadas para alcançar objectivos terapêuticos e estruturais, direccionadas especificamente
para fomentar a coesão grupal, sentimento de pertença à estrutura, bem como, reduzir a
ansiedade associada ao tempo livre.
Desta forma, respeitar os horários estabelecidos e o programa de actividades permite
readquirir capacidades de gestão do tempo, fazer uso construtivo do tempo livre pessoal,
planear contactos com outras instituições ou pessoas importantes para o seu projecto de vida
fora da Comunidade de Inserção, ensaiando experiências gratificantes que reforcem o
sentimento de segurança, de pertença e identidade.
O estilo de vida dos residentes da C.I.N.O. foi pautado, até então, por uma falta de
estruturação do seu dia-a-dia. Estão claramente ausentes a estipulação de objectivos, as rotinas
de trabalho, a realização de tarefas e a capacidade de gestão do tempo. De certa forma, esta
falta de estruturação externa culmina numa desorganização interna (défice de auto-controlo,
irresponsabilidade, falta de motivação generalizada).
Esta rotina diária confere aos residentes a aquisição de competências pessoais e
sociais, com vista a uma maior tolerância à frustração, à temporização da satisfação imediata e
à capacidade de estabelecer objectivos a longo prazo, ajustando, desta forma, as suas emoções.
É particularmente esta rotina que permite aos residentes consciencializar-se que a
concretização de metas ocorre passo-a-passo, promovendo um desempenho constante, uma
crescente tolerância à repetição das tarefas, moderar comportamentos extremos, regular
pensamentos e emoções.
A intimidade da vida numa comunidade também acentua a necessidade de injunções
restritas contra a mentira, o roubo, a manipulação, emprestar e pedir emprestado, práticas
sexuais ou a complacência com esses comportamentos noutras pessoas. Assim, torna-se
fundamental a implementação e treino de um código moral explícito, sem o qual a própria
filosofia de base da comunidade estaria ameaçada.
Na CINO o desenvolvimento moral deve ser replicado pelo exemplo dos
companheiros, colegas de casa ou mesmo dos técnicos. Reconhecendo um passado de ruptura
118

com os valores e normas sociais, a Comunidade permite o reaver dessas perdas através de
rotinas e comportamentos estruturantes de modo a vivenciar a honestidade (em palavras e
acções) e a atenção responsável, ou seja, os residentes assumem gradualmente
responsabilidade pelo projecto dos outros (Ottenberg, 1978).
Estes códigos de conduta contrastam com os códigos da rua, da prisão ou das próprias
famílias disfuncionais, nos quais os indivíduos são obrigados a proteger-se e compactuar com
eles.

Privilégios e Sanções

Os privilégios e sanções constituem um sistema integrado de administração terapêutica


e comunitária visando um treino comportamental. Os privilégios são recompensas explícitas
concedidas pela equipa técnica, com base tanto em mudanças de comportamento e de atitudes
como no progresso individual e grupal. Embora os privilégios concedidos na C.I.N.O. sejam
bastante triviais, é a sua relevância comunitária e psicológica que lhe confere importância
como método eficaz de regulação comportamental.
Os privilégios são usados para promover a socialização individual e o crescimento
pessoal, transmitindo aos residentes que a participação produtiva numa comunidade se baseia
na conquista, por meio do esforço, e não em direitos adquiridos, como é característico desta
população. Os privilégios adquirem relevância e valor porque são conquistados, o que exige
investimento, mudança comportamental e exposição à probabilidade de fracasso e desilusão.
Ainda que o seu valor material seja insignificante, os privilégios são símbolos concretos de
evolução no programa e de autonomia pessoal.
Por sua vez, o termo sanções abrange todas as manifestações de desaprovação de
comportamentos e atitudes que não atendam às expectativas da Comunidade de Inserção,
distinguindo-se entre sanções verbais e disciplinares: as primeiras materializam-se, sobretudo,
em repreensões verbais decorrentes de comportamentos e atitudes negativas, que embora não
sejam infracções claras das regras, não se enquadram no bom funcionamento da C.I.N.O.; as
segundas consistem em punições aplicadas aquando da ocorrência de comportamentos e
atitudes que constituam infracções ou violações de regras explícitas nos Regulamentos
Internos da C.I.N.O.
As repreensões verbais podem ser, por um lado, informais e ditas espontaneamente, no
próprio momento em que ocorrem os comportamentos a que se referem, e por outro lado,
119

formais e ocorrem de forma planeada, em local específico, com a participação de todos os


técnicos e por vezes, também na presença do restante grupo. As diferenças em termos de
sanções reflectem a gravidade e a persistência do comportamento ou atitude reprovada e, de
um modo particular, a fase do projecto em que o residente se encontra.
Assim, as sanções oferecem experiências de aprendizagem aos outros elementos, ao se
constituírem como exemplos dissuasores à violação das regras, servindo subsequentemente
como símbolos de segurança e integridade que fortalecem a coesão da comunidade.

Fases estruturais do processo na CINO

Encaminhamento

A Comunidade de Inserção Novo Olhar não é uma estrutura isolada, fazendo parte
integrante de um conjunto de respostas locais à problemática dos sem abrigo. A forma como
são articuladas as respostas obedece a uma lógica de intervenção, na qual todos os parceiros
actuam de forma organizada e sequencial. Salientamos que embora não exista um manual de
procedimentos escrito sobre as diversas estruturas de resposta à problemática dos sem abrigo,
a CINO não pretende ser uma resposta de emergência, ou de alojamento temporário, mas uma
estrutura que pretende contribuir de forma diferenciada, pelo que o nível de exigência dos seus
critérios de selecção é elevado. Assim, sendo esta uma estrutura de “segunda linha”, não
existe um acesso directo dos beneficiários à mesma. Os utentes que reúnam critérios de
encaminhamento são sinalizados pelas instituições e serviços locais, através de formulário
próprio disponibilizado pela CINO.
De destacar que após um trabalho de proximidade com os diferentes técnicos
interlocutores, existe já um conhecimento aprofundado da metodologia de intervenção da
estrutura e do grau de adequabilidade face aos diferentes casos, o que permite uma avaliação
cuidada no encaminhamento/triagem dos beneficiários. Após a recepção e análise da proposta
de admissão e caso a situação reúna os requisitos, é agendada a entrevista de avaliação pré-
diagnóstica.

Entrevista de avaliação pré-diagnóstica


120

Esta entrevista é sempre realizada por mais do que um técnico e divide-se


essencialmente em dois momentos: um visando a recolha de informação sobre o utente, sua
história clínica, social, familiar, judicial e laboral, bem como os factores de motivação para
integrar a estrutura; e outro visando a disponibilização de informação sobre o quadro de
normas institucionais (exemplar do regulamento interno da CINO, em versão reduzida.), e de
toda a dinâmica comunitária. Após esta fase a equipa reflecte com o utente sobre o grau de
adequabilidade da resposta ás suas necessidades/expectativas, bem como os principais
constrangimentos que poderão surgir numa eventual integração. A entrevista permite rever e
actualizar as informações da proposta de encaminhamento, bem como avaliar as expectativas
do candidato, a sua motivação e condições apresentadas para admissão na casa.
Avaliações mais específicas são também conduzidas nesta fase. Um rastreio de
problemas de saúde mental é importante para decidir se a CINO corresponde às necessidades
do candidato, ou se necessita de um internamento prévio no sentido da sua estabilização
clínica. Do mesmo modo, se o candidato apresenta um historial de alcoolismo ou
toxicodependência, deverá ser avaliada a situação actual, garantindo que se encontre
abstinente à data de entrada na CINO. Após a entrevista o utente é convidado a fazer uma
visita guiada à casa, acompanhado pelo monitor, de forma a familiarizar-se com o espaço
físico. A experiência tem-nos evidenciado que este é um momento que se reveste de particular
importância para a motivação dos potenciais residentes, talvez devido ao facto do espaço
físico se assemelhar a um espaço familiar, facilitando a emergência de um sentimento de
segurança e protecção. O possível desconforto de um espaço físico institucional é
desmistificado e transmitida a noção de espaço relacional por excelência.
Embora existam algumas pressões institucionais para a integração dos mais diversos
utentes, a equipa tem especial cuidado na avaliação minuciosa de futuros residentes dada a
implicação directa que estes terão no projecto dos demais. Esta necessária avaliação justifica a
presença de mais do que um técnico neste momento, no sentido de permitir diferentes
abordagens e percepções do caso.

Discussão do caso

Os técnicos que realizaram a entrevista apresentam, em reunião de equipa o caso,


permitindo a análise global das suas especificidades: história clínica, expectativas, motivação,
situação actual, bem como o impacto da eventual integração deste no grupo, tendo em conta o
121

momento em que o grupo se encontra e as suas capacidades de acolhimento a um novo


residente.
Considera-se fundamental para a integração na estrutura a estabilidade clínica do
utente, bem como o diagnóstico de doenças que representem risco para a saúde pública,
nomeadamente tuberculose e hepatite B em fase activa.
Caso o utente reúna condições para ser integrado é marcada data de entrada e
comunicada ao técnico que referenciou o caso, no sentido de este organizar os procedimentos
necessários à efectivação da integração. Caso estas condições não estejam reunidas é dado
conhecimento das razões que justificam a não integração do utente ao técnico que o
referenciou.
De destacar que nenhuma admissão é efectivada sem que o grupo de residentes seja
auscultado e se sinta parte integrante desta decisão.
122

Admissão

No momento da entrada o residente assina uma declaração de admissão, nos termos da


qual aceita as disposições constantes do regulamento interno da estrutura. Num segundo
momento, já com todo o grupo reunido, os residentes mais velhos assumem a responsabilidade
de dar as boas vindas e esclarecer o residente recém chegado acerca do regulamento interno
criado por eles próprios, centrado no funcionamento quotidiano da estrutura, permitindo a
aquisição de competências pessoais e comunitárias, e incutindo-lhes a prática da cidadania
cuja discussão e avaliação das várias situações deverá funcionar como um exercício de auto-
gestão e disciplina.
Tendo em conta as características da população alvo, esta foi considerada uma
condição fundamental para atingir o objectivo de promover a aprendizagem de estilos de vida
organizadores e estruturantes. Ora, a própria existência de normas que devem ser cumpridas
na CINO é uma forma de supervisão dos residentes. A vigilância dos residentes deve ter em
vista o cumprimento destas normas e a monitorização/avaliação do progresso do indivíduo.
Na primeira fase residencial, ou seja, após admissão na comunidade, o residente
permanece temporariamente em regime fechado. Com a duração aproximada de um mês, o
residente permite-se apreender o funcionamento da instituição, do corpo técnico e dos colegas.
A definição desta fase de regime fechado pretende proporcionar uma adaptação à estrutura e
ao grupo, bem como simbolizar um corte com o percurso prévio e a definição de um novo
projecto de vida. É marcada pela ausência de contactos exteriores, ficando o residente mais
predisposto a investir em si e a procurar fontes de motivação interna para a mudança.
O processo de integração do residente é preponderante para o êxito do seu projecto.
Neste período, a atenção é dirigida para as questões relacionais, com vista a estabelecer laços
de proximidade, facilitadores deste processo. Se durante este período o residente não se
adaptar, deve ser realizada uma avaliação, identificando os factores que conduziram à
inadaptação do mesmo e procurar superá-los, estabelecendo se oportuno, novos objectivos de
intervenção. Se a situação de inadaptação persistir, poderá conduzir ao término do projecto.
Após esta fase inicial, prevê-se a transição para um regime semi-aberto, que se
caracteriza por saídas ao exterior com acompanhamento técnico, ou numa fase posterior, do
residente mais velho. Estas saídas usualmente comportam a procura de emprego, organização
123

de documentação, acesso a outros serviços, entre outras actividades necessárias ao projecto de


inserção individual.

Definição do plano de intervenção individual (PII)

Gradualmente o residente passa a ter acesso ao exterior, ainda que de forma


programada, sem qualquer acompanhamento. Nesta fase podem ocorrer incidentes que
impliquem algum retrocesso no processo individual, nomeadamente consumo de álcool ou
drogas, não cumprimento dos objectivos delineados na saída ao exterior, idealização de uma
possível autonomização, que quando efectivada, com facilidade os recoloca numa situação de
vulnerabilidade e ambivalência. A idealização de uma autonomização precoce é mais
premente para os residentes que se encontram na fase de reinserção, existindo o risco do
abandono do projecto de forma precipitada. Podemos aqui assistir a uma certa analogia entre a
forma como se relacionaram com as suas famílias de origem e a replicação desse mesmo
funcionamento com CINO, simbolizando estes acting outs dificuldades na
separação/individuação (Ausloos, 1996).
Minuchin (1979) chama a atenção para o facto das pessoas oriundas de agregados
familiares mais desfavorecidos terem adquirido práticas de aprendizagem inconstantes, que se
pautam pelo emaranhamento, quando fisicamente próximos, e pelo desligamento e
desresponsabilização quando fisicamente distantes. O autor denomina este processo de
inconstância objectal, dificuldade constatada nas primeiras saídas ao exterior.
A ideia é fornecer aos residentes um nível progressivamente decrescente de supervisão
e apoio, ao longo das fases nas quais vão ganhando cada vez mais autonomia. Foi com estes
pressupostos que se integrou no modelo de funcionamento da CINO uma intervenção faseada
com os residentes, tendo-se definido 3 fases, embora não exista qualquer demarcação de
passagens de fase, mas sim um padrão caracterizador do processo de intervenção: 1)
Acolhimento e adaptação; 2) Intervenção sócio-terapêutica e 3) preparação da autonomização.
A duração destas fases foi também alvo de discussão, variando consoante as necessidades
específicas de cada residente, capacidade de mudança, factores externos à estrutura (recursos
locais) e o próprio tempo de permanência. As metas contratualizadas no PII são previamente
acordadas entre o beneficiário e os técnicos, como forma de participação activa do próprio no
seu projecto de vida e assinado por ambos. A incerteza quanto ao futuro desequilibra o
124

presente e faz emergir reacções de isolamento, emudecimento, revolta ou agressividade,


Guará (1998).
Os planos de intervenção incidem nas áreas: Habitação; Empregabilidade; Formação
escolar/profissional; Desenvolvimento de competências; Redes de apoio sócio-familiar; Apoio
económico; Saúde e programas específicos de reabilitação e prevenção de recaída no que toca
a consumos de substâncias psicoactivas.
Para cada residente existe um processo individual, onde constam os seguintes dados:
Caracterização biográfica; Percurso escolar e profissional; Situação socio-económica;
Caracterização das redes de relações sociais; Situação judicial; Situação de saúde; Plano de
inserção; Avaliação do balanço de competências pessoais, sociais, académicas e profissionais;
Para além de um processo individual em suporte de papel, existe um processo
individual em suporte informático, diariamente actualizado, onde consta o diagnóstico de
necessidades, o registo das intervenções/acompanhamentos nas várias áreas e a assiduidade
dos beneficiários na participação das actividades que fazem parte do respectivo plano de
intervenção.

Contratualização e concretização dos objectivos do PII

No âmbito do acompanhamento individual, a contratualização de objectivos surge após


a fase de integração à estrutura. Usualmente, priorizando as questões de saúde, quer pelas
debilidades orgânicas que apresentam fruto da exposição mais ou menos prolongada à
condição de sem abrigo (falta de hábitos de higiene, alimentação deficitária, problemas de
pele, doenças respiratórias, doenças infecto-contagiosas, entre outras) quer pelas patologias
psiquiátricas, maioritariamente alcoolismo, toxicodependência e quadros psicóticos. Outra
dimensão da concretização dos objectivos passa pela integração profissional dos beneficiários,
dificultada pelos baixos níveis de escolaridade, défice de competências pessoais e sociais, a
inexistência de hábitos e rotinas de trabalho, dificuldade em manter uma atitude persistente,
deficiente gestão do dinheiro, dificuldade em estabelecer prioridades, dificuldade em lidar
com as normas e hierarquias. Esta dimensão requer da parte da CINO a estruturação de
actividades internas (ateliers) fomentadoras da aquisição de hábitos de trabalho, sendo a
participação dos residentes nestas actividades obrigatória.
Outra necessidade identificada, que usualmente integra os objectivos contratualizados
prende-se com a acessibilidade das respostas sociais e dos serviços públicos, implicando,
125

numa primeira fase, o acompanhamento dos residentes a esses serviços. A forma como os
beneficiários lidam com as instituições/serviços que conferem os instrumentos básicos para
uma identidade social e uma cidadania plena (BI, cartão utente, segurança social, numero
contribuinte, entre outros) bem como o modo como estes serviços estão organizados,
transmite-lhes um sentimento de inaptidão, colocando-os por vezes numa situação de maior
vulnerabilidade e fragilidade social (linguagem demasiado complexa nos formulários e no
atendimento, excesso de burocracia, rigidez das regras de utilização dos serviços, tempo útil
dispendido, entre outros).
Outro parâmetro contemplado nos objectivos a contratualizar diz respeito à tentativa de
reparação das relações familiares. Os beneficiários da CINO têm, na sua maioria, relações
conflituosas ou mesmo de ruptura total com as famílias. Usualmente a quebra destes laços é
marcada por uma já muito vincada carência afectiva. Assim, temos constatado que este
trabalho requer, não só um acompanhamento individual, em que sempre que possível e
desejável pelos próprios, se procura uma aproximação à família e/ou a outras relações
estruturantes; mas também um trabalho de desenvolvimento de competências pessoais e
sociais e, nos casos em que se justifique, parentais.
A CINO é, por si só, um meio privilegiado de socialização e de partilha de
experiências que pode, no entanto, ser optimizado com algumas estratégias provocadas de
interacção em grupo. Numa fase inicial os objectivos propostos passam pelo bom
relacionamento com os outros residentes e elementos da equipa, sendo que com o decorrer do
processo se pressupõe que as competências relacionais adquiridas sejam aplicadas num
contexto familiar. Uma atmosfera de confiança e apoio emocional na casa facilita a resiliência
a situações de risco, aumentando a capacidade de gestão de conflitos emocionais dos
residentes. Sempre que necessário são realizadas sessões de família e de casal que visam uma
melhoria na comunicação e o incremento da capacidade de negociação de novos modos de
estar em família, que permitam uma saudável e desejada individualização dos seus membros,
sempre numa perspectiva da mudança, da resolução de conflitos (não os evitando) e do
sentimento de bem-estar.
A concretização do PII avalia-se através do cumprimento dos objectivos definidos e
adaptação dos mesmos tendo em conta a evolução do residente. É monitorizada pelo
acompanhamento individual, pela supervisão da esfera funcional e por intervenções grupais,
quer de carácter pedagógico, quer terapêutico. Os membros do grupo beneficiam dos insights
e do feedback dado pelos restantes elementos e podem aprender novos repertórios
comportamentais por observação directa. As metodologias com maior impacto são as
126

dinâmicas de grupo que, por facilitarem de modo indirecto alguns processos interpessoais não
resolvidos, contribuem para a consistência global da intervenção na CINO. Na implementação
das sessões de dinâmica de grupo, recorre-se a actividades temáticas (discussões, debates),
jogos pedagógicos, actividades lúdicas e role-playing de diversas situações. As sessões, com
uma frequência semanal, duram aproximadamente 1h.30m, de acordo com a vivência grupal
em cada fase.

Autonomização

Segundo o Guião Técnico das Comunidades de Inserção (2004), o período de


permanência não deverá exceder os 12 meses, prorrogáveis por mais 6 meses em casos
devidamente justificados. A passagem para esta fase resulta do acordo entre o residente e a
equipa, mediante a avaliação positiva do percurso realizado e das condições apresentadas,
com vista a um processo de reinserção com autonomia. Antes da saída efectiva da estrutura,
devem estar garantidas condições de habitabilidade adequadas e uma actividade laboral que
lhe permita assegurar a subsistência e dar continuidade ao processo de reintegração na
sociedade que se pretende abrangente. O beneficiário é apoiado na regularização de eventuais
situações burocráticas necessárias à mudança de residência e é estabelecido um plano de
follow-up, para que seja mantido o acompanhamento.
Pretende-se que a mudança aconteça de forma gradual e sustentada, e neste sentido, o
facto do residente começar a trabalhar ou a frequentar um curso de formação profissional
remunerado, não implica obrigatoriamente a sua saída imediata. É importante que o indivíduo
fortaleça as rotinas de trabalho, o cumprimento de um horário mais exigente, a gestão de
dinheiro e novas prioridades e reforce a sua rede relacional antes de se concretizar a sua
autonomização, de modo a minimizar os riscos de recaídas, quer em padrões de consumo,
quer em situação de exclusão social.

Follow up

Tal como já afirmámos anteriormente, durante todo o acompanhamento aos residentes


procura-se fomentar a participação activa de cada indivíduo na definição e concretização do
seu processo. A autonomização é o momento exponencial da responsabilização do residente,
inversamente proporcional ao nível de intervenção da equipa técnica, uma vez que se pretende
127

pôr em prática todas as competências adquiridas ao longo do processo sócio-terapêutico. São


comuns verbalizações acerca do medo de falhar, da possibilidade de recaída no que toca ao
consumo de substâncias, revivenciar experiências de rejeição, desconsideração, isolamento,
desilusão e desespero. Constatam-se assim a necessidade da manutenção de um
acompanhamento regular e próximo, que na concepção da CINO ultrapassa a questão da
manutenção de abstinência, das condições de habitabilidade ou laborais, abrangendo um estilo
de vida e de identidade (Kooyman, 1993).
Por tal razão é estruturado um plano de acompanhamento em registo de follow up, que
prevê a continuidade do acompanhamento individual, usualmente com uma periodicidade
quinzenal, e participação em algumas dinâmicas da casa, no sentido de manter os vínculos
estabelecidos com a estrutura e que esta permaneça parte integrante da rede de suporte do
indivíduo. Esta proximidade permite a reciprocidade de vínculos, no sentido em que confere
ao ex-residente uma função importante na dinâmica da estrutura – a de referência positiva na
conquista de um projecto de vida autónomo, validando todo o investimento do residente, da
equipa e do grupo, num processo de mudança que reitera o poder de quebrar o ciclo de
exclusão.
O contacto com pares, na mesma condição prévia de vida, pode configurar um apoio
social e afectivo, operando como factor de protecção. Ao serem reforçados por estes, podem
envolver-se em parcerias, compartilhar sentimentos positivos e negativos, apoiando-se
mutuamente. Martins e Szymanski (2004) salientam que comportamentos de cuidado
recíproco e auxílio, em várias situações de vida, são observados nas interacções entre
residentes de estruturas residenciais. Os indivíduos institucionalizados precisam interagir
efectivamente com pessoas, objectos, símbolos e com um mundo externo acolhedor
(Bronfenbrenner, 1996). Assim, a estrutura de acolhimento precisa fazer parte da rede de
apoio social e afectivo, fornecendo recursos para enfrentar situações negativas do mundo
externo, funcionando como modelos de identificação positivos, segurança e protecção.
Somente assim oferecerá um ambiente propício para o pleno desenvolvimento cognitivo,
social e afectivo dos indivíduos inseridos neste contexto e poderá contribuir para a eventual
reparação de padrões de vinculação inseguros.

Particularidades do acompanhamento dos Sem Abrigo

Permitam-nos partilhar alguns dos dilemas do trabalho com a população sem abrigo
que encontrámos na Comunidade de Inserção Novo Olhar:
128

Numa fase inicial da integração na estrutura a importância dada às questões de saúde


torna-se não só uma questão central na vida dos residentes, como reaparecem todas em
catadupa, impossibilitando-os mesmo de realizar algumas actividades, bem como de se
concentrarem noutros objectivos da sua estadia. Durante o tempo de rua foi negligenciada a
fome, o frio, a solidão, o desconforto e a própria doença (Thelen, 2006), como se não
sentissem. No entanto, aquando a entrada numa estrutura passam a sentir todos estes
desconfortos e doenças já existentes, que nunca tinha sido alvo da sua preocupação, passam
agora a assumir uma posição central nas suas vidas.
Assim, a doença surge como uma das primeiras “exigências” e passa a ser gerida como
moeda de troca com os serviços, de quem se espera a capacidade de curar e delega a
responsabilidade de cuidar. O próprio passa a pressupor ser alvo de cuidados qual “pequeno
tirano” que dá indicações explicitas das suas reais vontades e necessidades. Surge um dos
primeiros dilemas de quem se propõe trabalhar nesta área: dar uma resposta imediata pode
reforçar o estabelecimento de relações meramente funcionais, nas quais a satisfação das
necessidades assume o papel central das relações; não dar resposta imediata pode reforçar o
sentimento de não investimento na relação e a culpabilização do técnico por mais um
“abandono”.
Após a satisfação das necessidades básicas, torna-se vital (para nós e para eles)
explicar o fundamento da não gratificação imediata das necessidades enquanto factor de
crescimento pessoal e de resistência à frustração. A imagem do outro está, nesta população,
demasiado dependente da função que pode desempenhar na satisfação das suas próprias
necessidades. Como se a inexistência da “mãe boa” (Winnicott, 1987) na primeira infância
perpetuasse a procura desta nas relações que vão estabelecendo.
O dinheiro (a ausência ou acesso facilitado a este) é outro dos factores de gestão
complicada na casa. É curioso perceber-mos a percentagem de residentes que, depois de uma
primeira etapa de integração muito positiva na estrutura, com todas as limitações financeiras
inerentes a esta fase e que desencadeiam inclusivamente movimentos grupais de apoio e
solidariedade, reagem de forma desorganizadora a um repentino acesso a dinheiro. O
recebimento de somas mais avultadas, provenientes de um primeiro ordenado ou de prestações
sociais, cria normalmente, uma ilusão de autonomia que muitas vezes conduz ao abandono do
processo, ou à passagem por uma fase mais tumultuosa. Assim, constatamos que também o
acesso ao dinheiro ou ao emprego tem que ser gradual, sob o risco de não estar ainda
garantida a sustentabilidade do processo de mudança, nomeadamente a identificação dos
factores de risco de repetição dos padrões de comportamentos disfuncionais prévios.
129

Embora o objectivo último da intervenção seja a autonomização dos indivíduos, esta


não pode ser entendida como algo passível de atingir em tempo padrão, prioridade imediata
para os técnicos, com a ilusão do cumprimento dos indicadores e a superação das metas
estabelecidas e, para os próprios, sob pena de esgotar a réstia de alento em mais uma tentativa
falhada.
De um modo geral autonomizações precoces sem sustentabilidade (logo que
perspectivem uma reaproximação familiar, uma entrada em mercado de trabalho ou recebam
um somatório de dinheiro), podem antecipar o abandono do projecto recolocando, a curto
prazo, os indivíduos em nova situação de exclusão. Este ciclo de recaída, abandono ou mau
trato é reconhecido por todos, à excepção do próprio que reage de forma surpresa e revoltada a
cada repetição de histórias passadas e à incapacidade de fazer diferente, reforçando a imagem
negativa de si e dos outros. Fazendo a analogia entre a autonomização da estruturas de apoio e
da casa da família podemos afirmar que todas as saídas em corte relacional (por abandono ou
expulsão) ou precipitadas (por ilusões de capacidade de autonomização) correm o risco de não
ser sustentadas no tempo. Não deixa de ser curioso verificar algumas semelhanças na forma
como estes dois momentos de autonomização são vivenciados.
Outra das reacções típicas depois da integração na estrutura é o súbito interesse pelos
filhos que, de repente, passam a ser a razão pela qual vivem. Durante todo o tempo de
vivência de rua os filhos são colocados em segundo plano estando a maioria com familiares ou
institucionalizados, surgindo subitamente a necessidade premente de desempenhar o papel
parental.
De destacar que a totalidade dos beneficiários do projecto, com filhos, não detinham o
poder paternal, por decisão da CPCJ ou do tribunal, o que é consonante com os dados
encontrados no estudo realizado por Bento e Barreto, 2002. Nesta área é igualmente usual a
equipa realizar um trabalho de contenção a este imediatismo, não só pelos próprios residentes
que apenas com algum tempo de casa, idealizam a possibilidade de reaproximação e a
capacidade de desempenharem um papel parental adequado, mas e acima de tudo, pelos
menores, no sentido de os proteger de mais uma desilusão em relação às figuras parentais.
Uma outra área que aparece com alguma regularidade no processo de
acompanhamento destes utentes é a necessidade de ter uma relação amorosa, como se esta os
retirasse de todo o isolamento em que vivem. Tal ânsia conduz a um reinvestimento em
relações disfuncionais passadas ou impulsiona ao iniciar de novas relações de forma
adolescencial e precipitada.
130

Se numa primeira fase enunciámos os constrangimentos da intervenção em unidade


residencial com esta população, consideramos importante destacar algumas das mais valias
que encontrámos, na recolha de informação junto dos beneficiários. Destacam como factores
facilitadores da inserção: a) o facto de terem ao seu dispor uma equipa multidisciplinar,
constituída por profissionais experientes e especializados nas várias áreas que estão
directamente implicadas nesta problemática, nomeadamente psiquiatra, psicólogo, assistente
social, terapeuta familiar e monitores; b) situações facilitadoras da aquisição de competências
pessoais e sociais, nomeadamente a organização da casa, a existência de regras e papéis bem
definidos, a promoção de momentos grupais, quer de carácter terapêutico como lúdico,
possibilitando que as relações deixem de ser vivenciadas como factor secundário, (Feeney &
Noller, 2004); c) Situações potenciadoras da construção da identidade, nomeadamente, o facto
dos residentes poderem dispor de quarto no qual tenham os seus objectos pessoais; existência
de momentos nos quais se desenvolvem actividades com carácter mais individual permitindo a
gestão do conforto/desconforto em relação à proximidade; d) situações facilitadoras da
aquisição de competências laborais, nomeadamente a existência de formações internas, de
actividades ocupacionais e de integração gradual em desempenho de cargos de
responsabilidade na dinâmica quotidiana da casa, nas quais existe se promove um progressivo
desuso do reforço/aprovação dos comportamentos da parte da equipa, para a aquisição da
capacidade do próprio em reforçar os seus pares; e) situações facilitadoras do corte com
comportamentos disfuncionais, nomeadamente a proibição de qualquer tipo de consumo de
substâncias psicoactivas, e a fase inicial de regime fechado à qual é atribuída uma dimensão
de protecção face à vivência de rua e de todos os riscos que tal comporta; f) situações
facilitadoras de autonomia, nomeadamente o acesso progressivo ao exterior, o facto da gestão
financeira ser feita com acompanhamento/supervisão da equipa, a aproximação à família ser
programada de forma a reconquistar a confiança e a aquisição de um novo estatuto; g)
situações facilitadoras da aquisição de confiança, nomeadamente a preparação da
autonomização de forma progressiva e a manutenção dos vínculos garantidos através de um
acompanhamento em follow up; h) situações facilitadoras do desempenho de vários papeis,
nomeadamente a atribuição de funções especificas a cada residente tendo em conta o
progresso do seu processo e a possibilidade de existirem crianças na casa o que permite a
assunção de sentimentos de protecção e o desempenho do papel de cuidadores.
Assim, os objectivos de uma intervenção sustentada e profunda junto da população
sem abrigo, visa para além da satisfação das necessidades básicas, a mudança de
comportamentos e das expectativas que o sem abrigo tem de si e do meio que o rodeia.
131

A nível do comportamento os objectivos são: interrupção de padrões de


comportamento auto e hetero destrutivos; responsabilização pelas atitudes tomadas em relação
a si próprio e aos outros; reaprendizagem de hábitos de regularidade, concentração e
persistência no quotidiano; promover o prazer da produtividade reconhecida pelo próprio e
pelos outros.
Em termos emocionais-afectivos os objectivos são: corte e luto do consumo de
drogas/álcool e do estilo de vida a ele associado; passagem do isolamento emocional afectivo
ao desenvolvimento do interesse por si e pelo outro, à partilha, construção e reconstrução de
laços; capacidade de expressar e tolerar os sentimentos e emoções, sem “passagens ao acto”;
promoção do sentimento de bem-estar; aceitação de si e do outro.
Cognitivamente procura-se: aumento de auto-conhecimento e da capacidade
elaborativa de pensar e se pensar a si próprio; reparação da auto-imagem e da auto-estima;
retomar o processo de construção/reconstrução da identidade; apropriação, pelo indivíduo, da
sua própria história permitindo-lhe integrá-la no seu trajecto e projecto de vida.
Justifica-se, assim, a necessidade de uma revisão constante de cada caso, permitindo
uma melhor compreensão da problemática, evitando julgamentos precipitados, um diagnóstico
inadequado e uma exigência incompatível com as suas histórias de vida. Se acreditarmos que
as relações são resultado de construções afectivas, onde ser compreendido, ser aceite, ser
respeitado, ser gostado é a base necessária para um percurso satisfatório, então poderemos
pensar a instituição de uma forma diferente, tornando-a uma alternativa viável.
Apesar de ser um contexto possível de desenvolvimento, para Bronfenbrenner
(1979/1996), a instituição não fornece um equivalente funcional da família, no entanto
aproxima-se deste. A relação estabelecida com os técnicos desempenha um papel central na
vida dos residentes, na medida que serão estes adultos que assumirão o papel de orientação e
protecção, constituindo, em determinado momento, os seus modelos de identificação.
Estudos apontam para a importância de cursos de formação, oficinas de reciclagem, ou
mesmo um espaço de trocas destinado a estes profissionais, visto que a satisfação profissional
está directamente relacionada à qualidade de seu trabalho na instituição (Bazon & Biasoli-
Alves, 2000).
As comunidades de inserção devem possuir uma estrutura física e humana adequada às
problemáticas de intervenção a que são destinadas, bem como uma capacidade de actualização
e adaptação permanente, face às necessidades individuais e condicionantes sócio-culturais,
Yunes, Miranda e Cuello (2004).
132

Para Silva (2004), os profissionais das estruturas residenciais têm um importante papel
de educadores, o que requer a profissionalização da área e uma política de recursos humanos
que envolva formação permanente, incentivos e valorização, incluindo remuneração
adequada. A formação continuada desta equipa deve fomentar, ainda, a formação de uma
consciência social em prol do bem-estar desta população, considerando que o trabalho
institucional traz repercussões directamente relacionadas à integração dos seus residentes
(Bazon & Biasoli-Alves, 2000; Yunes, Miranda, & Cuello, 2004). Além disso, estes autores
destacam a importância de um trabalho organizacional de valorização dos funcionários, para
que não seja um trabalho temporário e rotativo. A efectivação destas acções contribuiria para
uma auto valorização da equipa, e consequentemente, diminuiria a possibilidade de uma
constante quebra de vínculos. È fundamental o apoio e supervisão às equipas no sentido de
lhes permitir uma leitura menos carregada da dimensão emocional face a problemas tão
complexos, de forma a garantir uma intervenção adequada.
Foi no sentido de perceber esta capacidade de reparação que realizamos os
questionários apresentados no capítulo seguinte, esperando tecer algumas reflexões que
confluam para o aprofundar de conhecimentos nesta área.
Parte II

Estudo Empírico

“A ciência investiga; Não Prova”.


Gregory Bateson, 1987
Capítulo IV

Contexto, Objectivos e Aspectos metodológicos do estudo Empírico

O quarto capítulo é dedicado à apresentação do estudo empírico realizado. Iniciamos


pela exposição dos objectivos, as hipóteses de investigação e desenho do estudo.
Posteriormente, referimo-nos à selecção e caracterização dos participantes. Finalizamos com a
apresentação dos instrumentos de avaliação utilizados e dos procedimentos levados a cabo na
persecução deste estudo.
A presente investigação pretende ser um contributo para a compreensão da mais valia
que a integração em comunidade de inserção pode ser para a população sem abrigo.
Especificamente pretendemos estudar a mudança ocorrida a nível das dimensões sociais gerais
ligadas à vinculação adulta e dos padrões de vinculação ansiosa e evitante.
Recapitulando algumas ideias anteriormente explanadas no enquadramento teórico
deste estudo, uma das dificuldades da intervenção com esta população é a tendência que
demonstra para percepcionar as relações enquanto pouco satisfatórias. Este funcionamento
conduz, normalmente, a um evitamento das relações demasiado próximas, com um nível de
envolvimento emocional exigente (Mikulincer & Shaver, 2007). A sua história prévia de
vinculações inseguras e a negativa percepção de si e do outro são ingredientes comuns nos
seus relatos, legitimando o recurso a estratégias de desactivação que actuam directamente
sobre a capacidade de regular as emoções negativas. Esta abrangente constelação de rupturas
culmina, como apelida Thelen (2006), num exílio de si e das suas necessidades, que leva o
próprio, em última análise, a contribuir activamente para o seu processo de exclusão social.
Tendo em conta que os dados encontrados na recolha bibliográfica sobre sem abrigo
apontam para a predominância de padrões de vinculação evitantes e ansiosos (Bento &
Barreto 2002), e que o programa de inserção utilizado incidiu sobre a sociabilidade do
indivíduo, a escolha do Attachment Style Questionaire pareceu-nos pertinente. A sua
utilização pode ser particularmente útil em populações com altos índices de evitamento e
ansiedade (Fossati & colab. 2003) e permite a avaliação das dimensões sociais gerais
associadas à vinculação adulta.
Tal como defendem Feeney e Noller (2001), a melhoria destas dimensões pode
reflectir uma mudança real nos padrões de vinculação ao longo do tempo. Por sua vez, o
136

aumento da sociabilidade dos sem abrigo pode contribuir para uma efectiva inserção social,
alterando a relação com os outros, com o meio e consigo próprios. Desta forma, a emergência
de padrões de vinculação segura poderá funcionar como um recurso interno para lidar com
situações adversas e ser um factor protector face a futuras situações de vulnerabilidade
(Mikulincer & Florian, 1995).
Assim, a investigação desenvolve-se ao longo de um ano em que decorre a
implementação do programa de inserção. Os dois momentos de avaliação ocorrem no início e
no final desse ano. Foram constituídos dois grupos, um grupo alvo composto por sem abrigo e
um grupo de referência composto por sujeitos “socialmente integrados”. No subponto
referente aos participantes descreveremos com mais pormenor a constituição destes grupos. A
vinculação foi analisada através do Adult Attachment Questionnaire (ASQ) e foram
consideradas as dimensões: confiança; desconforto relativamente à proximidade;
relacionamentos como factor secundário; necessidade de reforço/aprovação; preocupação,
vinculação ansiosa e vinculação evitante.

1º Momento Intervenção 2º Momento


de avaliação (12 meses) de avaliação

Grupo alvo Programa de Grupo alvo


M1 inserção M2

Grupo de
referência

Figura 3- Esquema orientador da investigação

Mais especificamente, o presente estudo tem em vista os seguintes objectivos:

1. Verificar a relação existente entre as dimensões sociais gerais ligadas à vinculação


adulta na população sem abrigo (confiança, desconforto com a proximidade, relações
como factor secundário, necessidade de reforço/aprovação, preocupação com as
relações, vinculação evitante e vinculação ansiosa) e a exposição durante 12 meses a
um programa de intervenção estruturado.
137

2. Avaliar se as possíveis alterações nas dimensões sociais gerais ligadas à vinculação


adulta no grupo alvo, entre o primeiro e o segundo momento de avaliação, conduzem a
uma aproximação dos valores encontrados, no grupo de referência.

Tendo como base os dados recolhidos na bibliografia consultada e os objectivos a que


nos propomos na presente investigação, apresentamos em seguida as hipóteses de trabalho
estabelecidas:
H.1 – O grupo alvo no primeiro momento de avalição apresenta médias superiores, nas
dimensões sociais gerais ligadas à vinculação adulta - desconforto relativamente à
proximidade; necessidade de reforço/aprovação; relacionamentos enquanto factor
secundário e preocupação com os relacionamentos, em relação ao grupo de referência;
H.2 – O grupo alvo, no primeiro momento de avaliação, apresenta médias inferiores na
dimensão social geral ligada à vinculação adulta - confiança, em relação ao grupo de
referência;
H.3 – O grupo alvo, no primeiro momento de avaliação, apresenta valores de
vinculação ansiosa e evitante mais elevados do que o grupo de referência;
H.4 – Existem diferenças nos valores médios das dimensões sociais gerais ligadas à
vinculação adulta entre o primeiro e o segundo momento de avaliação, no grupo alvo;
H.5 – Não existem diferenças estatisticamente significativas entre o primeiro e o
segundo momento de avaliação, no grupo alvo, nas médias relativas à vinculação evitante e
ansiosa;
H.6 – Existem diferenças entre géneros relativamente às dimensões - vinculação
evitante e vinculação ansiosa, no grupo alvo;
H.7 – O grupo alvo, no segundo momento de avaliação, mantém médias inferiores na
dimensão social geral ligada à vinculação adulta - confiança, em relação ao grupo de
referência;
H.8 – O grupo alvo, no segundo momento de avaliação, mantém médias superiores nas
dimensões sociais gerais ligadas à vinculação adulta - desconforto relativamente à
proximidade; necessidade de reforço/aprovação; relacionamentos enquanto factor
secundário e preocupação com os relacionamentos, em relação ao grupo de referência;
H.9 – O grupo alvo, no segundo momento de avaliação, mantém médias de vinculação
ansiosa e evitante superiores às do grupo de referência.
138

Participantes

A inclusão ou exclusão dos indivíduos que compõem a amostra foi determinada por
critérios previamente definidos.
O grupo alvo foi composto por 15 indivíduos sem abrigo seleccionados na
Comunidade de Inserção Novo Olhar.
No grupo alvo, os critérios de inclusão foram os seguintes: estar integrado na
Comunidade de Inserção Novo Olhar, durante doze meses; ter vivenciado uma situação de
sem tecto, no mínimo, durante alguns dias; ter mais de dezoito anos; ter aceite, de forma
esclarecida, participar no estudo, ter um bom entendimento da língua portuguesa na sua forma
falada e/ou escrita. Relembramos que esta estrutura tem capacidade para acolher 15 residentes
e que o período definido para a implementação do programa é de 12 meses. Ainda de referir
que, tal como exposto no capítulo I deste estudo, a realização de um trabalho de continuidade
com esta população encontra-se dificultada por vários factores, dos quais: as dificuldades
relacionais, a ausência de um quadro de regras, a intolerância de uma vivência comunitária, a
incapacidade de manter abstinência de substâncias psicoactivas, as frequentes
descompensações psiquiátricas e a ilusão de auto-suficiência logo que beneficiam de uma
qualquer fonte de rendimento (a maioria das vezes o RSI). Assim, o número de indivíduos que
compõem o grupo alvo deste estudo viu-se condicionado, quer pelas dificuldades
anteriormente expostas, quer pelo reduzido número de vagas disponíveis na estrutura.
Como critérios de exclusão foram considerados: evidência de compromisso das
funções cognitivas por razões diversas (e.g., psicopatologia actual ou prévia, consumos de
substâncias psicoactivas no período de realização do estudo).
O grupo de referência foi constituído tendo como critério o emparelhamento com o
grupo alvo nas variáveis idade, género e escolaridade, tendo sido seleccionados em
instituições promotoras de cursos de qualificação escolar para população activa. O nosso
contacto com este grupo foi precedido do seu prévio consentimento, solicitado pelos
coordenadores da formação.
Foram considerados como critérios de inclusão: ter mais de dezoito anos; ter aceite, de
forma esclarecida, participar no estudo; ter um bom entendimento da língua portuguesa na sua
forma falada e/ou escrita. Como critérios de exclusão foram considerados: evidência de
139

compromisso das funções cognitivas por razões diversas (e.g., psicopatologia actual ou prévia,
consumo actual de substâncias psicoactivas).

Caracterização dos participantes

A amostra deste estudo é constituída por 30 sujeitos de ambos os sexos, 33,3% do sexo
feminino e 66,7% do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 26 e os 55 anos,
M= 38,8; DP= 8,16 (15 indivíduos do grupo alvo e 15 indivíduos do grupo de referência).
Relativamente ao grau de escolaridade, 66,7% da amostra situa-se abaixo do 6º ano de
escolaridade. No tocante ao estado civil do grupo alvo, 60% dos indivíduos são solteiros e
40% divorciados. Relativamente à raça, 80% da amostra é caucasiana e 20% de origem
africana.

Escolha dos instrumentos

A pesquisa bibliográfica revelou vários instrumentos que permitiriam avaliar a


vinculação. Documentados sobre as suas características psicométricas optámos por utilizar o
instrumento de avaliação que passamos a descrever.
Para avaliar as dimensões sociais gerais ligadas à vinculação adulta foi utilizado a
Attachment Style Questionnaire (ASQ) desenvolvido por Feeney, Noller e Hanrahan (1994),
traduzido por nós como questionário de estilos de vinculação. Este é um instrumento de fácil
utilização que avalia as dimensões sociais gerais ligadas à vinculação adulta (Anexo 4).
Foram igualmente recolhidas algumas variáveis caracterizadoras da vivência de sem
abrigo (Anexo 3), nomeadamente a duração da vivência na rua, rede de suporte e factores
conducentes à inserção sócio laboral e familiar.

ASQ

O ASQ é um questionário composto por 40 itens concebido para avaliar a vinculação


adulta. Observando as limitações no instrumento inicial de medição concebido por Hazan e
Shaver (1987, 1990), Feeney, Noller e Hanrahan (1994) reviram a literatura relativa à
vinculação e tentaram construir um instrumento de medição “de raiz”, de forma a não perder
140

nenhuma das nuances de relevância dos escritos de Ainsworth. Procuraram ainda descrever os
seus itens de uma forma menos “romântica” do que a encontrada por Hazan e Shaver
(1987,1990), bem como Simpson (1990) e Collins e Read (1990). Para desenvolver o ASQ,
Feeney e colaboradores inspiraram-se no trabalho de Hazan e Shaver (1987) e no modelo de
Bartholomew e Horowitz (1991), que fazem, eles próprios, referência à noção de modelo
interno de si e do outro de Bowlby (1973). Este questionário do tipo Likert oferece ainda a
vantagem de ser composto por itens que não estão especificamente relacionados com um tipo
preciso de relação social, como as relações amorosas ou de amizade. Esta característica, tal
como frisam os próprios autores, oferece a possibilidade de explorar a vinculação de
indivíduos que conheceram poucas experiências amorosas.
Feeney e colaboradores (1994), criaram um questionário inicial de 65 itens e, através
de análises estruturais, reduziram este número para 40 itens. Aos participantes era pedido que
avaliassem, (numa escala de tipo Likert de 6 pontos, desde 1-discordo totalmente ao 6-
concodo totalmente) em que medida cada um dos itens descrevia os seus sentimentos e
comportamentos em relações “próximas”. Os 40 itens organizam-se em cinco dimensões: (1)
confiança (em si próprio e nos outros); (2) desconforto com a proximidade; (3) necessidade de
aprovação/reforço dos outros; (4) preocupação com as relações; e (5) considerar as relações
como secundárias (relativamente a atingir objectivos noutros domínios, tais como escola ou
carreira profissional).
O desconforto com a proximidade ou a percepção da relação como algo secundário
estão, de forma clara, conceptualmente ligadas à vinculação evitante. No estudo de Brennan e
colaboradores (1998), a correlação destas duas escalas com o factor evitante eram de .90 e .61
respectivamente. A preocupação com as relações e necessidade de aprovação/reforço por parte
dos outros estão conceptualmente relacionadas à vinculação ansiosa e obtiveram os valores de
.86 e de .62 respectivamente. A escala de falta de confiança (combinando o julgamento dos
outros em relação a si, mas enfatizando a falta de confiança nos outros) obteve resultados
largamente relacionados com a vinculação evitante .70.
Numa amostra extensa de estudantes pré-universitários Feeney e colaboradores (1994),
encontraram coeficientes alfa de Cronbach para as cinco escalas com valores desde os .76 aos
.84 e coeficientes de estabilidade entre r=67 e r=78 para um período de 10 semanas.
Feeney e colaboradores (1994) validaram originalmente o ASQ junto de estudantes
universitários da Austrália e mais recentemente, Larose, Soucy, Bernier e Duchesne (1999)
validaram-no no Quebeque junto de um grupo de estudantes francófonos do ensino secundário
e pré-universitários.
141

Vários investigadores utilizaram o ASQ para avaliar o estilo de vinculação em adultos


e adolescentes e deste modo contribuíram para atestar a sua solidez e validade. Um estudo
efectuado por Fossati e colaboradores (2003) reforçou a estrutura de cinco factores da versão
italiana do ASQ tanto em amostras clínicas quanto em amostras não clínicas, ao mesmo tempo
que concluía que as cinco escalas confluíam em dois grandes factores: vinculação ansiosa e
evitante. O ASQ pode revelar-se particularmente útil em estudos nos quais facetas específicas
de ansiedade e de evitamento sejam relevantes.

Procedimentos de investigação

Os dados foram recolhidos junto dos participantes no período compreendido entre


Novembro de 2007 e Maio de 2009, na Comunidade de Inserção Novo Olhar, no que toca à
população sem abrigo e, na região centro, no que toca ao grupo de referencia. Tal como já
referimos, a investigação comportou dois momentos de avaliação: o primeiro momento à data
da integração na estrutura e o segundo, doze meses após.
Relativamente ao grupo de referência seleccionámos 15 indivíduos garantindo a
correspondência entre o número de participantes nos dois grupos.
Os indivíduos que fazem parte deste estudo foram avaliados individualmente pelo
autor do presente trabalho. Através de um questionário de auto resposta (ASQ), pretendemos
um levantamento de variáveis classificatórias caracterizadoras da amostra, de acordo com as
seguintes etapas:
1.º) Pedido de autorização aos autores;
2.º) Tradução e adaptação do instrumento;
3.º) Pedido de colaboração voluntária; explicação sobre a natureza do estudo e do tipo
de tratamento de dados; garantia da estrita confidencialidade das respostas (consultar anexo 1
e 2);
4.º) Recolha, pelo investigador, dos dados demográficos no preenchimento da ASQ,
permitindo assim o esclarecimento de possíveis dúvidas inerentes à escala e efectuar uma
caracterização sóciodemográfica da população em estudo.
Relativamente aos procedimentos no instrumento a utilizar, após a concessão da
autorização pelas autoras do questionário, procedemos à sua tradução e adaptação de acordo
com a seguinte metodologia: tradução do questionário para o idioma português; retroversão
para a língua inglesa por um tradutor independente; comparação das duas versões do
questionário, discussão e correcção das diferenças existentes entre elas.
142

Para garantir a compreensão, facilidade de preenchimento e pertinência das questões,


da versão final de consenso, realizou-se um estudo piloto a dez sem abrigo não pertencentes à
amostra do estudo. Foi-lhes solicitado que indicassem dificuldades e sugerissem alterações.
Após as modificações propostas, foi obtida uma versão final em português, posteriormente
submetida a uma retroversão para o inglês. O resultado desta foi depois comparado com o
original. Repetiu-se este procedimento até se alcançar formas concordantes e satisfatórias.
Capítulo V

Apresentação dos resultados

Os resultados foram analisados através do programa SPSS versão 17.0. Tal como
referido anteriormente, os dados foram igualmente recolhidos junto de um grupo de
referência, constituído por 15 indivíduos com as variáveis sexo, idade e escolaridade
semelhantes aos do grupo alvo, no sentido de perceber se existiriam diferenças
estatisticamente significativas entre os dois grupos.

1º Momento de avaliação 2º Momento de avaliação

Grupo alvo Grupo alvo


M1 M2

Grupo de
referência

Figura 4- Esquema orientador das análises

No primeiro momento de avaliação pretendemos avaliar as diferenças entre o grupo


alvo e o grupo de referência, no que toca aos valores das dimensões sociais gerais ligadas à
vinculação adulta. Posteriormente e durante o período de um ano o grupo alvo foi sujeito a um
programa de inserção, exposto no terceiro capítulo desta tese. No segundo momento de
avaliação pretendemos avaliar as mudanças verificadas no grupo alvo, estabelecendo a
comparação entre os dois momentos de avaliação. Depois de avaliar o impacto da intervenção
no grupo alvo, pretendeu-se verificar em que medida este grupo se aproximou dos valores
encontrados no grupo de referência, no primeiro momento de avaliação.
Em termos de análise descritiva, serão apresentados os dados obtidos, em médias,
desvios - padrão e frequências relativas e absolutas, consoante o nível de mensuração seja
intervalar ou normal. Quanto à análise inferencial, consoante o nível de mensuração das
144

variáveis seja intervalar ou nominal, recorremos como método estatístico a uma prova
paramétrica, o Teste t de Student (para o caso de variáveis com distribuição normal) e uma
prova não paramétrica, o teste U de Mann-Whitney (para o caso de varáveis com distribuição
não normal). O teste de Shapiro-Wilk foi utilizado para verificar a proximidade da distribuição
das variáveis com a curva normal. Para avaliar a homocedasticidade entre os grupos
recorremos ao teste de Levene. A prova de Wilcoxon foi utilizada para testar as diferenças
entre médias do mesmo grupo (medidas repetidas).

Caracterização sócio demográficas

A média de idades da amostra total (n= 30) é de aproximadamente 39 anos e a maioria


dos sujeitos desta investigação pertence ao sexo masculino (66.7%).

Quadro n.º3
Médias e Desvios-padrão da idade no grupo alvo.
Amostra dos sem
abrigo (n= 15) n Mínimo Máximo Média DP
Idade 15 26 55 38.80 8.16

Relativamente à idade, a média da amostra dos sem abrigo é de 38.80 anos (DP= 8.16),
sendo o mais novo de 26 anos e o mais velho de 55 (Quadro 3).
Em termos de raça a amostra é composta maioritariamente por indivíduos caucasianos
(80%), existindo um grupo mais restrito de indivíduos de origem africana (20%).

Quadro n.º4
Frequências absolutas e relativas do nível de escolaridade.
Escolaridade n %
4.ª Classe 8 26.7
6.º Ano 12 40.0
9 Ano 2 6.7
10.º Ano 4 13.3
11.º Ano 4 13.3
Total 30 100.0

A amostra revela baixos níveis de escolaridade, a maioria dos indivíduos tem o 6.º ano
de escolaridade (40.0 %). Se acrescermos a esta percentagem a indicativa dos sujeitos com a
145

4.ª classe, percebemos que 66.7% da amostra situa-se abaixo do 6.º ano de escolaridade.
Destacamos ainda que nenhum dos participantes tem mais do que o 11.º ano de escolaridade
(Quadro 4).

Dadas as especificidades da população sem abrigo, passamos a apresentar a sua


caracterização sócio-demográfica.

Quadro n.º5
Frequências absolutas e relativas do género no grupo alvo (n= 15).
n %
Género Feminino 5 33.3
Masculino 10 66.7
Total 15 100.0

A maioria dos sujeitos do grupo alvo pertence ao género masculino (66.7%) e os


restantes 33.3% ao género feminino (Quadro 5).

Quadro n.º6
Frequências absolutas e relativas do estado civil no grupo alvo (n= 15).
n %
Estado civil Solteiro 9 60.0
Divorciado 6 40.0
Total 15 100.0

Relativamente ao estado civil, 60 % dos inquiridos são solteiros e os restantes 40% são
divorciados (Quadro 6).
146

Quadro n.º7
Frequências absolutas e relativas do período de tempo que viveram na rua no grupo alvo (n=
15).
n %
Período de tempo em Alguns dias 1 6.7
que viveram na rua Mais de um mês 7 46.7
Mais de meio ano 3 20.0
Mais de um ano 3 20.0
Mais de dez anos 1 6.7
Total 15 100.0

Quanto ao tempo de vivência de sem abrigo, grande parte do grupo alvo refere ter
vivido na rua mais de um mês (46.7%), mais de um ano (20.%), mais de meio ano (20%),
mais de dez anos (6.7%) e apenas uns dias (6.7%) (Quadro 7).

Quadro n.º8
Frequências absolutas e relativas face aos motivos que conduziram à situação de sem abrigo,
no grupo alvo (n= 15).
n %
Motivos que conduziram à Doença 1 6.7
situação de sem abrigo Problemas judiciais 1 6.7
Alcoolismo 5 33.3
Conflito familiar 3 20.0
Toxicodependência 5 33.3
Total 15 100.0

Quanto aos factores que conduziram à situação de sem abrigo os dados apontam para
uma predominância clara das problemáticas aditivas, nomeadamente a toxicodependência
(33%) e alcoolismo (33%). Surge ainda como factor expressivo o conflito familiar (20%).
Nenhum dos inquiridos elege o desemprego ou a imigração ilegal como factores conducentes
à situação de sem abrigo (Quadro 8).
147

Quadro n.º9
Frequências absolutas e relativas dos factores determinantes para sair da rua no grupo alvo
(n= 15).
n %
Factores determinantes para Apoio de amigos 2 13.3
sair da rua Apoio técnico 12 80.0
Apoio da família 1 6.7
Total 15 100.0

No que concerne aos factores determinantes para sair da rua, a maioria dos
participantes identificam o apoio técnico (80%) como forma de “romper” com o ciclo de
degradação a que a exclusão social extrema os conduziu. É ainda referido por alguns
inquiridos o apoio de amigos (13.3%) e o apoio da família (6.7%).
De destacar que nenhum dos sujeitos nomeou o emprego como factor determinante
para a saída da situação de sem abrigo (Quadro9)

Quadro n.º10
Frequências absolutas e relativas da rede relacional do grupo alvo (n= 15).
n %
Pessoas próximas durante o Amigos 2 13.3
tempo em que viveram na rua Colegas de consumo 5 33.3
Outros sem abrigo 1 6.7
Ninguém 6 40.0
Companheiro
1 6.7
amoroso
Total 15 100.0

Relativamente à existência de pessoas próximas durante o tempo de rua, o grosso dos


inquiridos afirma não ter tido ninguém próximo, 33.3% refere a proximidade de colegas de
consumos, 13.3% refere os amigos, 6.7% outros sem abrigo e o companheiro amoroso.
Destacamos o facto de nenhum dos inquiridos ter referido algum elemento familiar como
figura próxima durante a vivência de sem abrigo (Quadro 10).
148

Quadro n.º11
Frequências absolutas e relativas da relação com a família no grupo alvo (n= 15).
n %
Relação com a família durante Ausência de relação 7 46.7
o tempo em que viveram na rua Distante 4 26.7
Conflituosa 4 26.7
Total 15 100.0

No que concerne à relação com a família durante a vivência na rua 46.7% dos
participantes afirmam a não existência de qualquer relação, 26.7% uma relação distante e
26.7% uma relação conflituosa (Quadro 11).

Quadro n.º12
Frequências absolutas da situação face ao emprego, no grupo alvo, após 12 meses de
institucionalização.
Empregado Quantidade 7
Percentagem 46.7%
Frequentar formação profissional Quantidade 8
Percentagem 53.3%
Total Quantidade 15
Percentagem 100.0%

A situação laboral da totalidade dos intervenientes nesta pesquisa, durante o tempo em


que viveram na rua, era o desemprego, tendo a totalidade da amostra passado a dispor de
actividade profissional após a institucionalização. A maioria passou a frequentar formação
profissional (53.3%) e os restantes detêm contrato de trabalho (46.7%) (Quadro 12).
A totalidade da amostra reconhece a integração institucional como factor muito
facilitador do acesso ao mercado de trabalho.

Quadro n.º13
Frequências absolutas e relativas da institucionalização como factor de aproximação à
família, no grupo alvo (n= 15).
n %
Institucionalização como Muito 5 33.3
factor de aproximação Consideravelmente 4 26.7
familiar
149

Pouco 4 26.7
Nada 2 13.3
Total 15 100.0

Relativamente à institucionalização ser reconhecida como factor de aproximação à


família, 60% dos participantes consideram contribuir muito ou consideravelmente (Quadro
13).

Quadro n.º14
Frequências absolutas e relativas da institucionalização como factor de acesso a novos
amigos, no grupo alvo (n= 15).
n %
Institucionalização Muito 6 40.0
como factor facilitador Consideravelmente 5 33.3
do acesso a novos
Pouco 4 26.7
amigos
Total 15 100.0

Quanto à importância da institucionalização no acesso a novos amigos, 40% dos


intervenientes considera que contribuiu muito, 33.3% dos intervenientes, consideravelmente e
26. 7%, pouco (Quadro14).

A normalidade da amostra foi testada através da prova do teste Shapiro-Wilk, usado


para verificar a proximidade da distribuição das variáveis com a curva normal. Tal como
podemos verificar no quadro 15, apenas a sub-escala confiança obteve valores
estatisticamente significativas (p=.003), logo, a sua distribuição não pode ser considerada
normal. Nas restantes sub-escalas foi assumida a normalidade.
Desta feita, sempre que a distribuição das variáveis for considerada não normal,
utilizaremos uma prova não paramétrica (U Mann-Whitney). Contrariamente, quando a
distribuição das variáveis for considerada normal, utilizar-se-á uma prova paramétrica (t -
student).
150

Quadro n.º15
Teste da normalidade das sub escalas do teste ASQ.

ASQ n Shapiro-Wilk p
Confiança 30 .882 .003
Desconforto 30 .993 .999
Relacionamento 30 .974 .668
Reforço 30 .978 .783
Preocupação 30 .955 .229
Vinculação Evitante 30 .983 .899
Vinculação Ansiosa 30 .966 .448

Quadro n.º16
Média, desvios –padrão e U de Mann-Whitney na sub escala confiança da ASQ, no grupo alvo
e no grupo de referência, no primeiro momento de avaliação.

Grupos n Média DP U p
Grupo alvo 15 2.49 0.40
Grupo de referência 15 4.25 0.53 5.500 .000
Total 30 3.37 1.00

No primeiro momento de avaliação, relativamente à sub escala confiança o grupo de


referência apresenta média superior (M=4. 25; DP=0.53) à do grupo do grupo alvo (M=2.49;
DP=0.40). Foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre as amostras (U=
5.500, p=.000). Assim, os sem abrigo demonstram, no primeiro momento de avaliação, ter
índices de confiança inferiores aos do grupo de referência (Quadro 16).
Relativamente a todas as restantes sub escalas, prosseguimos o estudo recorrendo a
uma prova paramétrica (t-test).
151

Quadro n.º17
Médias e desvios-padrão do grupo alvo e grupo de referência, na ASQ, no primeiro momento
de avaliação.
Primeiro momento de avaliação Grupo alvo Grupo de referência
Sub escalas n Média DP n Média DP
Desconforto 15 3.93 0.58 15 3.24 0.62
Relacionamento 15 3.73 0.82 15 2.41 0.85
Reforço 15 3.99 0.68 15 3.22 0.83
Preocupação 15 4.35 0.68 15 3.67 0.70
Vinculação Evitante 15 3.92 0.46 15 3.33 0.52
Vinculação Ansiosa 15 3.82 0.60 15 3.53 0.67

No quadro 17 observa-se que o grupo dos sem abrigo apresenta valores mais
elevados na totalidade das dimensões analisadas. A maior diferença situa-se ao nível da sub
escala relacionamento como factor secundário (grupo alvo M= 3.73; DP=0.82; grupo de
referência M=2.41; DP=0.85).

Quadro n.º18
Teste de Levene e t - student nas sub escalas da ASQ em função do grupo.
Levene T- student
ASQ F p t p
Desconforto ,002 ,967 3,108 ,004
Relacionamento ,048 ,827 4,279 ,000
Reforço ,598 ,446 2,732 ,011
Preocupação ,280 ,601 2,675 ,012
Vinculação evitante ,011 ,919 1,567 ,128
Vinculação ansiosa ,465 ,501 1,203 ,239

Como podemos verificar no quadro 18, utilizando o teste t-student constatamos que o
grupo dos sem abrigo apresenta médias significativamente superiores no desconforto
relativamente à proximidade (t(28)=3.108; p=.004); no relacionamento enquanto factor
secundário (t(28)=4.279; p=.000); na necessidade de reforço/aprovação (t(28)= 2.732 p=,
011) e na preocupação com os relacionamentos (t(28)= 2.675; p=.012).
Os grupos não se distinguem nas sub escalas vinculação evitante (t (28)=1.567;
p=.128) e vinculação ansiosa (t(28)=1.203; p=.239), pelo que se assume a igualdade de
variâncias da amostra nestas sub escalas (Quadro 18).
152

Posteriormente, tentamos responder a outra hipótese do nosso estudo: verificar se


existem diferenças estatisticamente significativas, entre o primeiro e o segundo momento de
avaliação no grupo dos sem abrigo.

Quadro n.º19
Médias, desvios - padrão, valores máximos e mínimos e teste de Wilcoxon entre o primeiro e o
segundo momento de avaliação, em todas as sub escalas da ASQ.
Wilcoxon
ASQ Primeiro momento de avaliação Segundo momento de avaliação Signed Ranks
Test
Sub escalas n Média DP Mínimo Máximo n Média DP Mínimo Máximo Z p
Confiança 15 2.49 0.40 1.88 3.13 15 4.77 0.50 2.30 4,20 -2.897 .001
Desconforto 15 3.93 0.58 2.90 5.00 15 3.20 0.54 3.25 5.38 -3.409 .001
Relacionamento 15 3.73 0.82 2.29 5.43 15 2.16 0.35 1.71 2.71 -3.352 .001
Reforço 15 3.99 0.68 2.71 5.29 15 3.51 0.50 2.71 4.71 -1.934 .053
Preocupação 15 4.35 0.68 3.00 5.25 15 3.48 0.41 2.63 4.13 -3.018 .003
Vinculação -1.319
15 3.62 0.46 2.75 4.38 15 3.41 0.31 2.94 3.88 .187
evitante
Vinculação -1.108 .268
15 3.82 0.60 2.62 4.62 15 3.69 0.35 3.15 4.38
ansiosa

Tal como podemos verificar, na sub escala confiança constatamos um aumento dos
valores médios no segundo momento de avaliação (M=4.77; DP= 0.50), relativamente aos
resultados do primeiro momento de avaliação (M=2.49; DP= 0.40). Esta diferença é
estatisticamente significativa (Quadro 19).
Constatamos igualmente uma diminuição estatisticamente significativa na sub escala
desconforto com a proximidade, tendo obtido no primeiro momento de avaliação uma média
de 3.93 (DP=0.58) e no segundo momento de avaliação uma média de 3.20 (DP=0.54).
Verificamos que nas sub escalas relacionamento como factor secundário e
preocupação com os relacionamentos, surgem médias mais elevadas no primeiro momento de
avaliação. As diferenças são estatisticamente significativas na dimensão do relacionamento
como factor secundário (primeiro momento de avaliação, M=3.73; DP= 0.82 e no segundo
momento de avaliação, M=2.16; DP= 0.35), obtendo o teste de Wilcoxon valores de (Z= -
3.352; p=.001) e na dimensão preocupação com relacionamentos (primeiro momento de
avaliação, M=4.35; DP=.068 e segundo momento de avaliação M=3.48; DP=.041), obtendo o
teste de Wilcoxon valores de (z=-3.018; p=.003).
Nas dimensões necessidade de reforço, vinculação ansiosa e vinculação evitante,
verificam-se descidas das médias, no entanto as variações entre primeiro e o segundo
momento de avaliação não são estatisticamente significativas.
Em resumo, podemos considerar que após doze meses de integração na CINO os
indivíduos aumentam de forma significativa os níveis de confiança e apresentam uma redução
153

estatisticamente significativa nos valores das seguintes dimensões gerais associadas à


vinculação adulta: preocupação com as relações, desconforto com a proximidade e
relacionamento como factor secundário. Não obstante, as mudanças não são estatisticamente
significativas na sub escala necessidade de reforço, vinculação ansiosa e vinculação evitante
(Quadro 19).

Pretendemos de seguida avaliar se o grupo alvo, no segundo momento de avaliação,


aproximou as suas pontuações às do grupo de referência, no primeiro momento de avaliação.

Quadro n.º20
Teste da normalidade das sub escalas da ASQ na amostra total.

ASQ
n Shapiro-Wilk p
Confiança 30 .885 .004
Desconforto 30 .989 .985
Relacionamento 30 .931 .052
Reforço 30 .971 .553
Preocupação 30 .964 .388
Vinculação Evitante 30 .964 .385
Vinculação Ansiosa 30 .974 .663

A normalidade da amostra foi testada através da prova do teste Shapiro-Wilk, usado


para verificar a proximidade da distribuição das variáveis com a curva normal. Neste caso
considerando as pontuações do grupo de referencia e as pontuações do grupo alvo no segundo
momento de avaliação. Tal como podemos verificar no quadro 20, mais uma vez, apenas a
sub-escala confiança obteve diferenças estatisticamente significativas (p=.004), logo a sua
distribuição não pode ser considerada normal. Nas restantes sub-escalas foi assumida a
normalidade.
Assim, relativamente à sub escala confiança, voltamos a recorrer à prova não
paramétrica U de Mann- Whitney para avaliar os resultados.
154

Quadro n.º21
Média, desvios –padrão e U de Mann-Whitney na sub escala confiança da ASQ, no grupo
alvo, no segundo momento de avaliação, e no grupo de referência, no primeiro momento de avaliação.
Grupo n Média DP U p
Grupo alvo 15 4.77 0.50
Grupo de 35.000 .001
15 4.25 0.53
referência
Total 30 4.51 0.58

Tal como podemos constatar no quadro 21, na sub escala confiança o grupo alvo
obteve médias significativamente superiores às do grupo de referência. Desta feita, os sem
abrigo, no segundo momento de avaliação, demonstram ter aumentado os índices de confiança
(M= 4.77; DP=0.50) relativamente ao grupo de referência (M= 4. 25; DP=0.53).

Quadro n.º22
Médias e desvios-padrão do grupo alvo, no segundo momento de avaliação e do grupo de
referência.
ASQ Segundo momento de avaliação Primeiro momento de avaliação
Grupo alvo Grupo de referência
Sub escalas n Média DP n Média DP
Desconforto 15 3.20 0.54 15 3.24 0.62
Relacionamento 15 2.16 0.35 15 2.41 0.85
Reforço 15 3.51 0.50 15 3.22 0.83
Preocupação 15 3.48 0.41 15 3.67 0.70
Vinculação
15 3.41 0.31 15 3.33 0.52
Evitante
Vinculação
15 3.69 0.35 15 3.53 0.67
Ansiosa

Relativamente às dimensões gerais apresentadas no quadro 22, recorremos a uma


prova paramétrica (t-test), podendo constatar que o grupo alvo se aproxima das médias do
grupo de referência.
Assim, relativamente ao desconforto com a proximidade o grupo alvo apresenta uma
média de 3.20 (DP=0.54) e o grupo de referência apresenta uma média de 3.24 (DP=0.35). No
relacionamento como factor secundário o grupo alvo apresenta uma média de 2.16 (DP=0.35)
e o grupo de referência de 2.41 (DP=0.85). Em relação à necessidade de reforço/aprovação o
grupo alvo tem os seguintes valores (M=3.51; DP=0.50) face às médias do grupo de referência
155

(M=3.22;DP=0.83); Em relação à vinculação evitante, o grupo alvo apresenta a média de 3.41


(DP=0.31), relativamente ao grupo de referência, cuja média foi de 3.33 (DP=0.52).
Relativamente à vinculação ansiosa, o grupo alvo apresenta média de 3.69; (DP=0.35) em
relação ao grupo de referência cujas médias foram de 3.55 (DP=0.67).
Os resultados são igualmente semelhantes no que concerne às médias de preocupação
com os relacionamentos (grupo alvo M=3.48; DP=0.41, grupo de referência M=3.67;
DP=0.70).

Quadro n.º23
Teste de Levene e t- student nas sub escalas da ASQ, em função do grupo alvo, no segundo
momento de avaliação.
Levene t- student
Sub escalas F p t p
Desconforto .149 .703 -.218 .829
Relacionamento 3.94 .057 -1.07 .292
Reforço 3.12 .088 1.13 .264
Preocupação 2.49 .126 -.909 .371
Vinculação evitante 2.03 .165 .501 .620
Vinculação ansiosa 4.61 .040 .,776 .444

Como podemos verificar no quadro 23, o teste de Levene não obteve diferenças
estatisticamente significativas, pelo que se assume a homocedasticidade entre os grupos.
Os grupos não se distinguem em nenhuma das sub escalas avaliadas, sendo que
apresentam os seguintes resultados: na sub escalas desconforto relativamente à proximidade
(t(28)=-.218; p=.829); no relacionamento enquanto factor secundário (t(28) =-1.07; p=.292);
na necessidade de reforço/aprovação (t(28)=1.13; p=.264) e na preocupação com os
relacionamentos (t(28)=-.909;p=.371); vinculação evitante (t(28)=.501; p=.620) e ansiosa
(t(28)=.776; p=.444).

Passamos agora a avaliar se existem diferenças estatisticamente significativas entre


géneros, no grupo alvo, nas diversas sub escalas. Apesar do número reduzido de sujeitos, 10
do género masculino e 5 do género feminino, pareceu-nos relevante, com base na revisão da
literatura realizar esta análise. Testamos se homens e mulheres tinham obtido médias
diferentes no primeiro e no segundo momento de avaliação dos estilos de vinculação. Esta
análise tem um carácter complementar no nosso estudo e não foram por isso redigidas
hipóteses.
156

Quadro n.º 24
Comparação entre médias e desvios - padrão no primeiro e no segundo momento de
avaliação, por género, no grupo dos sem abrigo, na ASQ.
ASQ Primeiro momento de Segundo momento de
avaliação avaliação
Sub escalas Género n Média DP n Média DP
Confiança Masculino 10 2.66 0.35 5 3.17 0.55
Feminino 5 2.15 0.25 10 3.26 0.59
Desconforto Masculino 10 3.89 0.63 5 4.68 0.56
Feminino 5 4.02 0.54 10 4.95 0.36
Relacionamento Masculino 10 3.74 0.67 5 2.14 0.39
Feminino 5 3.71 1.17 10 2.20 0.31
Reforço Masculino 10 4.07 0.80 5 3.50 0.55
Feminino 5 3.82 0.40 10 3.54 0.42
Preocupação Masculino 5 4.18 0.67 5 3.43 0.45
Feminino 10 4.67 0.62 10 3.57 0.36
Vinculação Masculino 5 3.64 0.34 5 3.40 0.32
Evitante Feminino 10 3.57 0.69 10 3.43 0.32
Vinculação Masculino 5 3.83 0.70 5 3.63 0.36
Ansiosa Feminino 10 3.78 0.38 10 3.80 0.34
.
Assim, relativamente à sub escala confiança, no primeiro momento de avaliação as
mulheres obtiveram média de 2.15 (DP=0. 25) enquanto os homens obtiveram média de 2.66
(DP=0.35), demonstrando as mulheres menores índices de confiança. No entanto, segundo
momento de avaliação, os homens elevam a sua média para 3.17 (DP=0.55) enquanto as
mulheres elevam para 3. 26 (DP=0.59). No entanto, as diferenças não foram estatisticamente
significativas.
Relativamente à sub escala desconforto com a proximidade, no primeiro momento de
avaliação, as mulheres obtiveram média de 4.02 (DP=0.54) enquanto os homens obtiveram
média de 3.89 (DP=0.63) demonstrando os homens menores níveis de desconforto com a
proximidade. No entanto, no segundo momento de avaliação, os homens elevam sua média
para 4.68 (DP=0.56) e as mulheres para 4.95 (DP=0.36).
No que concerne à percepção dos relacionamentos enquanto factor secundário, os
homens descem a média inicial de 3.74 (DP=0.67) para 2.14 (DP=0.39) e as mulheres descem
a média inicial de 3.71 (DP=1.17) para 2.20 (DP=0.31).
157

Relativamente à preocupação com os relacionamentos, houve igualmente descidas em


ambos os sexos: mulheres, M=4.67 (DP=0.62) no primeiro momento de avaliação e M=3.57
(DP=0.36) no segundo momento de avaliação; homens, M=4.18 (DP=0.67) no primeiro
momento de avaliação, para M=3.43 (DP=0.45) no segundo momento de avaliação (Quadro
24).

Quadro n.º 25
U de Mann Whitney para as sub escalas, por género, no primeiro e o segundo momento de
avaliação.

ASQ Primeiro momento de avaliação Segundo momento da avaliação


Sub escalas U p U p
Confiança 11.000 .099 19.000 .513
Desconforto 21.500 .679 24.000 .953
Relacionamento 22.500 .768 19.000 .513
Reforço 15.000 .254 21.000 .679
Preocupação 15.500 .254 20.500 .594
Vinculação 22.500 .768 20.500 .594
evitante
Vinculação 20.500 .594 22.500 .768
ansiosa

Como podemos verificar, não existem diferenças estatisticamente significativas entre


géneros nas diversas sub escalas, em nenhum dos momentos de avaliação (Quadro 25).
Capítulo VI

Discussão dos resultados do estudo empírico

“Visto de perto ninguém é normal”


Leon Tolstoi

Neste capítulo examinaremos os resultados obtidos no estudo empírico. Para o efeito


iremos seguir a mesma estrutura de apresentação utilizada no capítulo anterior, cuidando,
contudo, de articular a apresentação com a contextualização teórica. Hierarquizando os
elementos em observação, começaremos por sintetizar os dados sócio demográficos,
efectuando, de seguida, uma leitura crítica sobre as variáveis e a forma como os seus
resultados se foram alterando ao longo do estudo.
Procuraremos discutir as hipóteses de investigação inicialmente formuladas, dando
lugar também aos resultados não contemplados, mas que julgamos serem merecedores da
nossa atenção.

Variáveis sócio demográficas

Tal como anteriormente referido, neste estudo participaram 30 sujeitos com idades
compreendidas entre os 26 e os 55 anos, apresentando uma média aproximada de 39 anos.
Vamos, no entanto, centrar a análise das variáveis sóciodemográficas do grupo alvo (n=15).
Quanto ao estado civil, 60% destes são solteiros e os restantes 40%, divorciados, o que vai de
encontro aos dados encontrados na bibliografia: “…tomada de opção por não constituírem
família, permanecendo solteiros”, Barreto e Bento (2002, p. 99). Relativamente ao género,
75% da amostra pertence ao sexo masculino. Este perfil é coincidente com o encontrado em
vários estudos (Borges, 1995; Bento et al, 1996; Pereira & Silva, 1997; Instituto de Segurança
Social, 2005), sobre os indivíduos sem abrigo: Cidadão de nacionalidade portuguesa, sexo
masculino, solteiro, em idade activa (entre 30 e 59 anos), com baixo nível de escolaridade, em
160

situação de desemprego e/ou com percursos laborais marcados pela instabilidade, registando
frequentemente problemas de saúde (física ou mental), associados a condutas aditivas.
Relativamente aos factores que conduziram à situação de sem abrigo os dados apontam
para uma predominância clara das problemáticas aditivas, nomeadamente a toxicodependência
(33%) e alcoolismo (33%), somando um total de 66%. Surge ainda como factor expressivo o
conflito familiar (20%), dado concordante com as dificuldades relacionais inerentes à
condição de sem abrigo abordadas na contextualização teórica desta investigação. Surgem
ainda como factores conducentes à situação de sem abrigo, a doença (6.7%) e problemas
judiciais (6.7%). Estes dados são concordantes com a análise efectuada por Batista, (2004),
afirmando que, actualmente, toxicodependência e sem abrigo são problemáticas
indissociáveis. Refere ainda, que as necessidades de consumo e a progressiva degradação das
capacidades dos indivíduos conduzem frequentemente à destruição dos laços familiares e
redes de suporte, bem como, à rápida aquisição de comportamentos auto destrutivos.
No estudo efectuado pelo Instituto de Segurança Social em 2005, a ruptura familiar
(conflitos, separações, divórcios e falecimentos) encabeça a lista de problemáticas associadas
à situação de sem tecto (25 %), logo seguida pelos problemas de saúde (23 %) relacionados
com a toxicodependência, o alcoolismo, a doença física ou mental. O desemprego
representava 22 %, a habitação sem condições e a dívida da casa, outros 17% (Instituto da
Segurança Social, 2005). Bento e Barreto (2002), numa amostra de sem abrigo apuraram 32%
de indivíduos com dependência de álcool e 17% com consumos de outras substâncias. Na
consulta bibliográfica foi surpreendente a territorialização da problemática, sendo que a maior
parte dos sem abrigo do Porto têm menos de 39 anos e são toxicodependentes. Já em Lisboa
predominam os indivíduos com mais de 50 anos e com consumos problemáticos de álcool,
(AMI, 2006). No que concerne ao presente estudo, as médias de idades são próximas das
encontradas no norte do país, sendo que, em termos de padrões consumos, a distribuição é
equitativa relativamente ao álcool e outras drogas (33%).
Pesquisas internacionais identificam igualmente que cerca de 50% da população sem
abrigo tem problemas de toxicodependência ou alcoolismo (Goering, Tomiczenko, Sheldon,
Boydell, & Wasylenki, 2002; Wright & Weber, 1987).
Relativamente ao tempo de vivência de sem abrigo, 46.7% da amostra refere ter vivido
na rua mais de um mês, 40.0 % mais de meio ano e outros 6.7% referem uma vivência
prolongada de rua, ou seja, mais de dez anos.
Na contextualização teórica percebemos que os indivíduos sem abrigo podem ser
descritos em termos da duração da sua condição ou do grau de vulnerabilidade, variando
161

desde indivíduos crónicos sem abrigo, indivíduos periodicamente sem abrigo ou de forma
episódica (trabalhadores emigrantes, jovens ou mulheres vitimas de violência doméstica, entre
outros); indivíduos temporariamente sem abrigo devido a “acontecimentos de vida
stressantes” (desemprego súbito, problemas graves de saúde, morte do cabeça de casal ou
perca de casa), Munoz e Vasquez, (2001), até a indivíduos considerados vulneráveis ou “em
situação de risco” (mães solteiras com filhos menores, pessoas de idade, logo mais
fragilizadas, refugiados, vagabundos, e emigrantes ilegais desprotegidos pela lei, entre outros),
(Daly, 1996, Carter, 1990; Crane, 1990, Timmer, 1994, Watson, 1986).
Na amostra do presente estudo constatamos que a maioria dos indivíduos apresentam-
se como temporariamente sem abrigo ou periodicamente sem abrigo. É apenas referenciada
uma situação crónica de sem abrigo – mais de 10 anos, o que em nosso entender poderá ter
contribuído para os resultados do estudo. Nomeadamente, na aproximação verificada entre o
grupo alvo e o grupo de referência, nos valores das dimensões sociais gerais ligadas à
vinculação adulta, bem como, na positiva integração profissional dos sem abrigo, patente no
segundo momento de avaliação deste estudo. Esta leitura é concordante com a investigação de
Kitzman (2008), que afirma que quanto mais duradoura for a vivência de sem abrigo, mais
moroso será o processo de ressocialização.
No que concerne aos factores determinantes para sair da rua, a maioria dos
participantes identificam o apoio técnico como o grande factor para ultrapassar a situação de
sem tecto (80%), o apoio de amigos (13.3%) e o apoio da família (6.7%). Estes valores
deixam transparecer a precariedade das redes primárias e a importância das redes secundárias,
enquanto agentes mobilizadores da mudança. O facto da população sem abrigo participante
deste estudo reconhecer a utilidade das respostas sociais de apoio, valida a estratégia
desenvolvida pelas várias instituições locais no sentido de realizar um trabalho conjunto e
integrado, facilitando uma relação de proximidade com esta população. No que concerne ao
apoio de amigos e da família, o facto da resposta social alvo deste estudo, bem como a
proveniência da esmagadora maioria dos indivíduos se situar em meio rural, onde os laços de
solidariedade típicos das regiões mais pequenas ainda estão preservados, terá de certo a sua
influência. Hipoteticamente, as percentagens relativas ao apoio de amigos e família, enquanto
agentes de mudança do ciclo de exclusão, podem ter ainda menos expressão em investigações
realizadas em zonas urbanas.
Relativamente à existência de pessoas próximas durante o tempo em que viveram na
rua, 40% do grupo alvo afirma não ter tido ninguém próximo, 33,3% ter tido a proximidade de
162

colegas de consumos, 13.3% de pessoas amigas, 6.7% de outros sem abrigo e 6.7% de
companheiro amoroso.
Estes dados confirmam, uma vez mais, o isolamento social com que os sem abrigo se
deparam, apenas descontinuado pela proximidade de colegas de consumo e indivíduos em
semelhante situação, o que reforça as relações meramente funcionais, a manutenção de
comportamentos desviantes e, por sua vez, o afastamento do contacto com a “normalidade”
(Batista, 2004).
No que concerne à relação com a família durante a vivência na rua, a maioria afirma
não ter tido qualquer relação, e os restantes dividem-se entre uma relação distante e
conflituosa. Estes dados são consonantes com os encontrados na bibliografia consultada,
confirmando que a população sem abrigo parece raramente sustentar relações sólidas e de
proximidade: “As relações tendem a ser inconstantes, superficiais e passageiras, numa
combinação paradoxal entre uma sociabilidade fácil, isolamento e desconfiança” (Snow &
Anderson, 1992 cit. in Bento & Barreto, 2002, p.99).
Relativamente à institucionalização ser reconhecida como factor de aproximação à
família, a maioria dos participantes consideram que este factor contribuiu muito para a
aproximação ou consideravelmente. Segundo os dados da AMI (2006), 92% da população
sem abrigo tem familiares vivos, mas apenas 37% se relaciona com eles. O facto da
intervenção familiar ser uma das áreas privilegiadas da estrutura alvo desta investigação,
poderá contribuir, não só para a reestruturação dos laços familiares, como para a percepção do
próprio em relação à disponibilidade que gradualmente a família vai manifestando.
Relativamente à importância da institucionalização no acesso a novos amigos, a
maioria considera que contribuiu muito ou consideravelmente.
Quanto à situação face ao emprego, a totalidade da amostra encontrava-se
desempregada durante o tempo em que viveu na rua, sendo que também a totalidade da
amostra passou a exercer actividade profissional após os doze meses de integração
comunitária. A maioria a frequentar formação profissional (53.3%) e os restantes com
contrato de trabalho (46.7%). Dada a ausência de qualificação profissional e os baixos índices
de escolaridade desta população, a integração em cursos de dupla certificação que permitem,
em simultâneo, garantir uma remuneração acima do ordenado mínimo nacional e aumentar as
competências (académicas e profissionais), torna-se uma necessidade. Só através da
qualificação profissional será possível facilitar o acesso ao mercado de trabalho, quer em
temos presentes quer em termos futuros. Por outro lado, a longa duração destes cursos (cerca
de 18 meses) permite que a fase inicial de autonomização da estrutura ocorra num contexto de
163

grupo de formação, muitas vezes gerador de redes de suporte laborais e sociais. Recordamos,
mais uma vez, que diversos estudos apontam para a frágil sociabilidade dos sem abrigo e para
o facto de apenas acederem a contactos com outros indivíduos em semelhante condição.
A possibilidade de integrarem uma medida de inserção que podemos considerar como
“emprego protegido”, permite a aquisição de competências relacionais e profissionais
(cumprimento de horários, relação interpessoal, entre outros) há muito esquecidas, dados os
longos períodos de desemprego que caracterizam a sua história de vida. Justifica-se assim,
face ao exposto anteriormente, o reconhecimento da integração na CINO como factor
facilitador do acesso ao mercado de trabalho e de uma rede de suporte efectiva. No entanto,
destacamos que é fundamental para o sucesso desta intervenção a continuidade deste processo,
nomeadamente através da colocação em mercado de trabalho, sendo para isso imperativo a
criação de políticas sociais mais eficazes.
Poderíamos, ainda assim, considerar que dado o carácter temporário dos cursos de
formação profissional, estes não se constituíam como resposta efectiva de emprego, no
entanto, também na esfera profissional da população em geral os vínculos são cada vez mais
frágeis e os empregos para “toda a vida” do passado já não fazem parte da constelação actual
do país e quiçá do mundo. Desta forma, a precariedade dos vínculos laborais não é só uma
realidade dos indivíduos com baixa escolaridade e pouca formação profissional. Exemplo
disto são as medidas de inserção para recém licenciados e a alta percentagem de integração
destes através das mais precárias condições. Poderíamos, inclusivamente, pensar o sentido de
todo o investimento em formação profissional, dada a descrença na real integração dos
indivíduos em postos de trabalho. No entanto, poderíamos igualmente equacionar o sentido da
continuidade de cursos superiores para engrossar as fileiras do desemprego qualificado em
Portugal.
Num estudo de Hazen e Shaver (1990), estes autores consideram que nos adultos o
trabalho tem características funcionais similares às do constructo de exploração do meio de
Bowlby (1969, 1973). Esta proposta sugere que os estilos de vinculação adultos poderiam
estar associados a padrões concretos de actividade laboral, do mesmo modo que os estilos de
vinculação precoce estão relacionados com padrões de conduta exploratórios.
Mais concretamente, tal como as crianças evitantes parecem utilizar a conduta
exploratória como um meio para evitar o contacto com as suas mães, os adultos evitantes
poderiam utilizar o trabalho compulsivo como forma de evitar as relações de intimidade. Pelo
contrário, os adultos ansiosos ambivalentes poderiam ver no trabalho uma oportunidade para
satisfazer as suas necessidades de vinculação insatisfeitas, podendo esta tendência interferir
164

com o seu rendimento laboral. De acordo com o esperado, os sujeitos que apresentam uma
vinculação segura demonstram bons índices de satisfação laboral, considerando que são bons
trabalhadores e detêm o reconhecimento dos outros. Raramente têm receio de falhar e não
permitem que as questões de trabalho interfiram na sua saúde ou relações pessoais.
Hardy e Barkham, (1994) investigaram a influência do estilo de vinculação no
desempenho profissional e concluíram que os indivíduos mais ansiosos e evitantes referiam
níveis inferiores de satisfação profissional. Outros estudos concluíram que altos níveis de
ansiedade e evitamento estavam relacionados com o stress e burnout profissional (Pines,
2004). No geral estes estudos indicam que a vinculação insegura contribui para um frágil
ajustamento ao local de trabalho.
Segundo estes dados, podemos considerar que a adaptação saudável ao posto de
trabalho poderá ser mais um factor que contribua para a reparação de padrões de vinculação
inseguros.
A manutenção do emprego será igualmente importante na estabilidade dos vínculos
positivos construídos, sendo fundamental articular esforços para que numa fase inicial de
reinserção estas redes sejam preservadas. Tal como defende Branco (2004), a intervenção
primordial passa por estratégias de afiliação e restabelecimento de laços sociais para garantir o
sucesso da inserção e inclusão social.
Sumariamente, podemos caracterizar os sem abrigo participantes neste estudo, em
termos das necessidades apresentadas, em duas grandes áreas, tal como referido em algumas
investigações (Diblasio, 1995; Greve, 1990, Keyes, 1988): a) indivíduos que vivenciaram
situações de rua mais ou menos prolongadas, no entanto, após estadia em estrutura adequada,
por um espaço de tempo considerável, estarão aptos a viver de forma autónoma; b) indivíduos
que necessitem de cuidados de forma continuada, com aconselhamento e serviços de apoio
adequados.
De destacar ainda, no que concerne às redes relacionais, Costello (2008) defende que a
maioria das pessoas em condição de sem abrigo gostariam permanecer nas suas casas, pois
essa possibilidade representa a manutenção de redes de vizinhança e de redes relacionais vitais
ao seu bem-estar bio-psico-social. Auxiliar as pessoas a manter as suas habitações deveria ser
uma estratégia prioritária ao nível da prevenção, evitando desta forma o sofrimento pessoal
dos indivíduos e a interrupção dos processos de socialização, nomeadamente das crianças.
Em nosso entender, torna-se fundamental, após a autonomização das estruturas
residenciais, a manutenção dos vínculos estabelecidos e o acompanhamento técnico, em
regime de follow-up. Embora os sem abrigo preservem a capacidade de formular desejos e
165

projectos, ainda que de forma frágil, permanece o medo de reincidir nas circunstâncias que os
levaram à exclusão. Medo de não serem capazes e que a sociedade não tenha paciência e não
lhes conceda o tempo que necessitam para reconstruir as suas trajectórias no sentido inclusivo
(Branco, 2004).

Resultados do ASQ

A vinculação desempenha um papel de grande importância na compreensão do


processo de adaptação do indivíduo ao seu meio social. A investigação postula que a
vinculação desenvolvida durante a primeira infância poderá influenciar a personalidade do
indivíduo a longo prazo, mais precisamente a confiança em si mesmo e nos outros, e
consequentemente a profundidade das suas relações sociais. De facto, parece existir uma
continuidade do modelo de vinculação desde a infância até à idade adulta (Rothbard e Shaver,
1994; Stein, Jacobs, Ferguson; Allen e Fonagy, 1998). No entanto, Bowlby (1969), tinha já
sugerido que as relações de vinculação podem transformar-se ao longo da vida adulta em
função de novas experiências emocionais, como também por via da reinterpretação das
experiências passadas e presentes.
O ASQ, tal como anteriormente exposto, é um questionário de auto resposta, composto
por quarenta perguntas, que através de um processo de cotação se converte em cinco itens
referentes às dimensões sociais gerais ligadas à vinculação adulta e dois itens referentes à
vinculação evitante e ansiosa. Na presente investigação é feita uma análise destes sete itens,
em dois momentos de avaliação. Passamos de seguida a apresentar o entendimento que os
autores da escala atribuem aos itens: vinculação ansiosa e evitante.
De acordo com as dimensões que constituem a vinculação evitante, uma pontuação
elevada nesta sub escala corresponde a indivíduos que se sentem pouco à vontade na presença
dos outros. Afirmam a falta de confiança nos outros e revelam estar insatisfeitos com as suas
relações interpessoais. Não conseguem perceber porque as outras pessoas haveriam de gostar
deles ou desejar estabelecer relações. Têm tendência a não investir nas suas relações sociais, a
não criar laços de proximidade com os outros, em suma, a evitar qualquer situação que
pressuponha níveis altos de compromisso e intimidade. Dizem ser independentes, exprimindo
frequentemente sentimentos de rejeição e de isolamento.
De acordo com as dimensões que constituem a vinculação ansiosa, pontuações
elevadas nesta sub escala corresponde a indivíduos que apresentam grande preocupação com
166

os relacionamentos, que sentem não ter grande valor e, por tanto, não merecer o amor dos
outros. Desejariam estar mais próximos dos outros, inquietam-se quando lhes são indiferentes
e sentem que não são amados. Atribuem muita importância ao que os outros pensam e
preocupam-se em agradar.
Por fim, os indivíduos ambivalentes são aqueles que manifestam traços das duas
tendências. São de certa forma desorganizados e oscilam entre os dois modos de adaptação.
Embora Ainsworth, Blehar, Waters e Wall (1978) utilizem o termo para se referirem às
crianças resilientes (tipo C), iremos utilizá-lo aqui para descrever o adulto que apresente duas
motivações contrárias: evitamento das relações sociais e a busca compulsiva do amor dos
outros.
Segundo os dados recolhidos na bibliografia consultada as dimensões sociais gerais:
desconforto com a proximidade e a percepção da relação como algo secundário estão, de
forma clara, conceptualmente ligadas à vinculação evitante. No estudo de Brennan e
colaboradores (1998), a correlação destas duas escalas com o factor evitante foram de .90 e
.61 respectivamente. Resultados baixos na sub escala da confiança (combinando o julgamento
dos outros em relação a si, mas enfatizando a falta de confiança nos outros) também
obtiveram resultados largamente relacionados com a vinculação evitante, .70.
Assim, a melhoria nestas dimensões sociais (desconforto com a proximidade,
percepção da relação como algo secundário e confiança) poderá influenciar a reparação de
padrões de vinculação evitante.
As dimensões sociais gerais: preocupação com as relações e necessidade de
aprovação/reforço, estão conceptualmente relacionadas à vinculação ansiosa, e obtiveram
valores de .86 e de .62 respectivamente. Logo, a melhoria destas dimensões sociais poderá
influenciar a reparação de padrões de vinculação ansiosa.
Sroufe e colaboradores (2005) concluíram que, a vinculação ansiosa está sobretudo
associada a quadros de depressão e ansiedade; a vinculação evitante mostrou-se relacionada
com problemas comportamentais e de conduta.
Na presente investigação começámos por responder a algumas das hipóteses
levantadas, nomeadamente verificar se existem diferenças significativas nas dimensões sociais
gerais ligadas à vinculação adulta e nos níveis de vinculação ansiosa e evitante, entre o grupo
alvo e o grupo de referência.
Relativamente à hipótese 1 (“O grupo alvo no primeiro momento de avaliação
apresenta médias superiores, nas dimensões sociais gerais ligadas à vinculação adulta -
desconforto relativamente à proximidade; necessidade de reforço/aprovação;
167

relacionamentos enquanto factor secundário e preocupação com os relacionamentos, em


relação ao grupo de referência”), verificamos que esta é confirmada pelo nosso estudo (cf.
Quadro 17, capitulo V).
Quanto à hipótese 2 (“O grupo alvo, no primeiro momento de avaliação, apresenta
médias inferiores na dimensão social geral ligada à vinculação adulta - confiança, em relação
ao grupo de referência”), constatamos que esta hipótese é igualmente confirmada. De facto, o
grupo alvo demonstrou, no primeiro momento de avaliação, índices de confiança inferiores
aos do grupo de referência (cf. Quadro 16, capitulo V). De destacar que as médias de
confiança do grupo de referência (M=4.25) sugerem a existência de padrões de vinculação
seguros.
Também a hipótese 3 (“O grupo alvo, no primeiro momento de avaliação, apresenta
valores de vinculação ansiosa e evitante mais elevados do que o grupo de referência”), se
confirma nesta investigação. O grupo alvo apresenta valores mais elevados nas sub escalas
vinculação evitante e vinculação ansiosa, no primeiro momento de avaliação.
Como anteriormente exposto no capítulo I, a vivência de rua é o culminar de um longo
processo de perdas e rupturas com a sociedade e consigo próprio. Dada a proximidade
temporal e emocional de um contexto de vivência de rua, as fragilidades relacionais do grupo
alvo, no primeiro momento de avaliação, tornam-se aqui evidentes. Tal como refere o estudo
realizado por Bento e Barreto (2002), com uma amostra de dezoito indivíduos sem abrigo,
estes apresentam baixos níveis de confiança e metade da amostra revelou um modelo misto
em termos de vinculação, tanto evitante como ansiosa, acentuando a ausência de recursos
internos e a existência de modelos negativos de si e do outro.
Paquette (2009) num estudo de validação da ASQ em Montreal, com população em
geral, (com idades compreendidas entre os 14 e os 44 anos) verificou que 35% da amostra
demonstra um padrão seguro nas suas relações sociais. Aproximadamente 37% da amostra é
constituída por indivíduos com padrão de vinculação ansioso e cerca 20% dos indivíduos são
evitantes nas suas relações sociais. O último grupo é constituído por 8% de indivíduos ditos
ambivalentes, isto é, indivíduos que se caracterizam por resultados elevados nas duas escalas,
evitamento e ansiedade.
Tal como dito por Mikulincer e Florian (1997), os modelos de vinculação funcionam
como estruturas internas a partir das quais organizamos as nossas experiências e lidamos com
a angústia. No padrão de vinculação seguro o indivíduo criou uma confiança básica em si e
nos outros que lhe permite tolerar o sofrimento e iniciar acções instrumentais construtivas de
procura de apoio. Assim, o modelo de vinculação segura pode ser visto como um factor de
168

resiliência em face a acontecimentos de vida geradores de stress (Mikulincer & Florian, 1995).
Os modelos de vinculação inseguros podem ser entendidos como factores de risco que
diminuem a resiliência dos sujeitos em momentos de angústia. As experiencias de vinculação
precoce destes indivíduos tendem a ser instáveis, existindo frágeis representações de si e do
outro.
No nosso estudo, no primeiro momento de avaliação, embora não seja efectuada a
análise dos indivíduos por grupos de padrão de vinculação, dado o reduzido número de
participantes, constatamos que os valores médios da vinculação evitante e ansiosa são
elevados e os valores da sub escala confiança são baixos. Podemos assim deduzir que a
maioria dos indivíduos do grupo alvo se distribui pelos padrões de vinculação evitante e
ansiosa. Não sendo claro se a co-existência de valores altos de evitamento e ansiedade podem
ser indicadores do padrão de vinculação ambivalente. Constatamos igualmente, na presente
investigação, a existência de valores médios elevados nas dimensões sociais: desconforto com
a proximidade, preocupação com as relações e necessidade de reforço/aprovação.
Segundo alguns autores, as dimensões desconforto com a proximidade e a
preocupação com as relações estão intimamente ligadas ao modelo de quatro grupos de
Bartolomew (1990). Quando se comparam as respostas dos sujeitos entre as medidas de
resposta forçada e as medidas abertas, o desconforto com a proximidade só diferencia os
grupos evitantes dos grupos seguros, obtendo os grupos evitantes maiores pontuações médias;
a preocupação com as relações só diferencia os grupos ansiosos dos grupos seguros, obtendo
os últimos menores pontuações médias, (Feeney, 1995; Feeney, Noller & Hanrahan, 1994).
Estes resultados sugerem que o desconforto com a proximidade está ligado aos
modelos mentais que se têm dos outros e portanto à intensidade do evitamento social. Tendem
a enfatizar a natureza ameaçadora e não confiável dos outros, a necessidade de depender
exclusivamente de si próprios e de manter a distância das relações vivenciadas como
angustiantes (Mikulincer & Florian, 1995).
A preocupação com as relações parece estar intimamente ligada aos modelos mentais
de si mesmo e portanto à intensidade da dependência que se estabelece com os outros,
(Feeney & Noller, 2001). Tendem a exagerar a avaliação das dificuldades como ameaçadoras
e incontroláveis. Podem reagir com intensa angustia que persiste após o término da ameaça,
mantendo a hipervigilancia, ruminando mentalmente sobre pensamentos, memórias e afectos
negativos, com dificuldade em ultrapassar experiências negativas, que facilmente alastram
para outras áreas da vida (Mikulincer & Florian, 1995).
169

Assim, os altos níveis de preocupação com as relações e de desconforto com a


proximidade encontrados no nosso estudo poderão ser indicadores de um conflito permanente
com o qual o grupo alvo se depara: demonstram não ter segurança nas suas capacidades para
serem independentes, evidenciando, igualmente, não confiar nos outros. Assim, quer o
afastamento, quer a proximidade do outro é fonte de angústia.
Investigação proveniente do campo de pesquisa da vinculação em adultos sugere que a
vinculação insegura se associa positivamente à depressão (Murphy & Bates, 1997), à
ansiedade (Canavarro, 1999, Hazen & Shaver, 1990, Shaver & Brennan, 1992) e,
negativamente à auto estima (Bartholomew & Horowitz, 1991).
Relativamente à hipótese 4 (“Existem diferenças nos valores médios das dimensões
sociais gerais ligadas à vinculação adulta, entre o primeiro e o segundo momento de avaliação,
no grupo alvo”), concluímos que após doze meses de integração na CINO os indivíduos
aumentam de forma significativa os níveis de confiança e apresentam uma redução
estatisticamente significativa nos valores das seguintes dimensões gerais associadas à
vinculação adulta: preocupação com as relações, relacionamento como factor secundário e
desconforto com a proximidade. Relativamente à necessidade de reforço, verifica-se uma
diminuição dos valores médios, no entanto, a variação não é estatisticamente significativa.
Assim verificamos que a hipótese é confirmada.
No que concerne à hipótese 5 (Não existem diferenças estatisticamente significativas
entre o primeiro e o segundo momento de avaliação, no grupo alvo, nas médias relativas à
vinculação evitante e ansiosa), verificamos que esta é confirmada. Constatamos descidas das
médias, no entanto as variações entre o primeiro e o segundo momento de avaliação não são
estatisticamente significativa.
Tal como referimos no capítulo II a análise dos estudos revelou que intervir ao nível
dos padrões de vinculação não é uma tarefa simples e que as intervenções apenas provocam
mudanças relativamente moderadas (Bakermans-Kranenburg et al., 2003). Estes dados são
consonantes com os resultados obtidos, pois embora exista uma melhoria significativa nas
dimensões sociais gerais ligadas à vinculação adulta não houve alteração dos padrões de
vinculação evitante e ansiosa.
Feeney e Noller (2001) defendem que a melhoria nas dimensões sociais gerais
associadas à vinculação adulta pode reflectir uma mudança real nos padrões de vinculação ao
longo do tempo, reconhecendo que as experiências relacionais significativas e outros
acontecimentos de vida importantes, podem alterar os padrões de vinculação e os modelos
mentais de si e do outro, associados.
170

Tendo em conta as correlações encontradas por Brennan e colaboradores, (1998), entre


vinculação evitante e as dimensões sociais ligadas à vinculação adulta – confiança;
desconforto em relação à proximidade e relacionamento como factor secundário, importa
agora analisar as alterações ocorridas nestas sub escalas. Neste sentido (cf. Quadro 19,
capítulo V), no segundo momento de avaliação, o desconforto com a proximidade apresenta
valores médios mais baixos do que no primeiro momento de avaliação. O relacionamento
como factor secundário, apresenta igualmente uma descida significativa nos valores médios
do segundo momento de avaliação.
Assim, ao diminuir os valores relativos ao desconforto com a proximidade, os modelos
mentais que se têm dos outros serão mais positivos e logo a intensidade do evitamento social
menor. O que poderá contribuir para que a necessidade de depender exclusivamente de si
próprios (Mikulincer & Florian, 1995) e de manter a distância das relações vivenciadas como
angustiantes seja menor.
Os valores médios da preocupação com as relações também apresentou uma
diminuição logo, estando esta sub escala intimamente ligada aos modelos mentais de si
mesmo (Feeney & Noller, 2001), poderá implicar que a intensidade da dependência que se
estabelece com os outros também tenha diminuído.
Logo, se a confiança em si mesmo e no outro aumentou, se diminuiu a necessidade de
dependência do outro e os níveis de evitamento social, podemos deduzir que no segundo
momento de avaliação os sem abrigo obtenham melhores visões do mundo social e por tal
razão reajam de formas menos hostis, ansiosas e evitantes. Ou seja, a diminuição dos valores
médios destas dimensões sociais gerais associadas à vinculação adulta, poderá influenciar a
reparação de padrões de vinculação inseguros.
Por último, analisando as alterações ocorridas no grupo alvo constatamos que no
primeiro momento de avaliação os valores médios de confiança (cf. Quadro 21, capítulo V),
são de 2,49 (DP=0,40) e no segundo momento de avaliação encontramos valores médios na
sub escala confiança de 4,77 (DP=0,50) o que se poderá relacionar com a aquisição de padrões
de vinculação segura. Waal & Rönnlund (2007) defendem que altos valores na sub escala
confiança se relacionam de forma significativa com a vinculação segura.
Relativamente às alterações ocorridas ao nível da vinculação ansiosa, no grupo alvo,
entre os dois momentos de avaliação, constatamos que se verifica uma descida, ainda que não
significativa, nos valores médios da vinculação ansiosa, (cf. Quadro 19, capítulo V).
171

Assim, nas dimensões sociais gerais correlacionadas com este padrão, apenas a
preocupação com os relacionamentos verificou uma descida significativa, não se tendo
registado alterações ao nível da necessidade de reforço/aprovação.
Concluímos que, embora não se verifiquem diferenças significativas, entre os dois
momentos de avaliação, no padrão de vinculação ansiosa, uma das dimensões sociais gerais
correlacionadas com este padrão demonstrou alterações significativas, o que poderá ser
indicador da possível reparação de padrões de vinculação inseguros.
No que concerne à mudança de padrões de vinculação a bibliografia suporta a ideia
que os modelos internos têm mais probabilidade de mudar em fases de transição do ciclo de
vida, tais como a adolescência, o casamento, o nascimento de filhos, o divórcio ou a morte de
um ente querido. Estes acontecimentos representam mudanças significativas nas relações
sociais dos indivíduos (Collins & Read, 1994). Os modelos podem igualmente mudar à
medida que os indivíduos interpretam as suas experiências passadas de outra forma,
especialmente as relacionadas com a vinculação. A intervenção terapêutica ao ajudar a
construir novas narrativas acerca de acontecimentos passados pode constituir-se como um
factor de mudança dos modelos internos e por consequência dos padrões de vinculação
(Fenney & Noller, 2001). Assim, com o tempo e com algumas experiencias relacionais
positivas os indivíduos podem voltar a confiar nos outros e em si mesmos, sendo mais
provável a mudança com a congregação de dois factores: novos insights sobre os
acontecimentos e novas experiências relacionais positivas.
Fenney e Noller (2001) defendem que estabilidade dos modelos pode ser influenciada
pela tendência a activar mais rapidamente os modelos mais antigos, especialmente em
momentos de stress. Para que os novos modelos possam activar-se em momentos de crise é
necessário apreende-los e praticá-los frequentemente, sendo que a relação terapêutica pode e
deve estimular este exercício.
Concluímos ainda que, relativamente à hipótese 6 (“Existem diferenças entre géneros,
relativamente à vinculação evitante e vinculação ansiosa, no grupo alvo”) esta é infirmada.
Verificamos que não existem diferenças estatisticamente significativas entre géneros, nas
diversas sub escalas, no grupo alvo, em nenhum dos momentos de avaliação.
De uma maneira geral, seja por entrevista ou questionário, os diferentes instrumentos
da vinculação adulta (entre eles o AAI) não encontram, diferenças sexuais (Crowell et
Treboux, 1995). Pelo contrário, os estudos que utilizaram os instrumentos de Bartholomew
(excepção feita ao recente estudo de Diehl et al. 1998), colocaram em evidência as diferenças
sexuais. Utilizando a Peer Attachment Interview, Bartholomew et Horowitz (1991),
172

demonstraram que as mulheres têm maior tendência a ser preocupadas e os homens a ser
evitantes. Estes resultados contraditórios são surpreendentes, uma vez que a ideia das
diferenças sexuais quanto à procura de intimidade é muito popular.
Ainda que não existam provas de que as mulheres sejam mais sociáveis do que os
homens, parece que estas se empenham mais nos contactos sociais íntimos (Reis, 1998). Têm
ainda maior tendência para verbalizarem as suas emoções enquanto os homens parecem evitar
tais situações (Canary, Emmers-Sommer, e Faulkner, 1997). As pesquisas indicam que esta
tendência das mulheres para a intimidade emerge durante a adolescência (Reis, 1998).
Partindo da conceptualização teórica das dimensões de evitamento e de ansiedade, e
tendo conta que homens e mulheres são alvo de pressões de socialização diferentes, a
explicação para as diferenças de género será facilmente perceptível. Níveis de ansiedade
elevados no sexo masculino poderiam ser interpretados como um sinal de fragilidade e, dessa
forma, seriam menos favoráveis; do mesmo modo, níveis de evitamento elevados no sexo
feminino não corresponderiam ao padrão social desejável de uma mulher carinhosa e
prestadora de cuidados, pelo que seriam igualmente menos favoráveis (Bartholomew, 1994).
Os resultados encontrados por Paquette, (2009) num estudo de validação da ASQ junto
de uma amostra de estudantes, em Montreal, apoiam a ideia das diferenças sexuais na
distribuição dos estilos de vinculação adulta: os homens têm mais tendência para evitar
relações sociais, enquanto que as mulheres se preocupam mais em serem amadas. No entanto,
é interessante observar que o mesmo autor não obteve diferenças entre géneros, na
distribuição dos estilos de vinculação, nos adolescentes e durante a infância. A ausência destas
diferenças em crianças e adolescentes poderá traduzir-se, na óptica de Paquette, num
indicador da busca de identidade não concluída.
Embora o reduzido número de participantes, no grupo alvo, da presente investigação
não permita avaliar a distribuição destes dados, podemos colocar a hipótese da diferença de
géneros, na população sem abrigo não ser expressiva, dada a deficiente construção da
identidade e, como tal, o desempenho dos usuais papeis sociais associados a homens e
mulheres estar hipotecado.
No que se refere à avaliação das hipóteses relativas à aproximação das pontuações
entre o grupo alvo, no segundo momento de avaliação e o grupo de referência, no primeiro
momento de avaliação, concluímos que os resultados infirmam a hipótese 7 (“O grupo alvo
no segundo momento de avaliação mantém médias inferiores, na dimensão social geral ligada
à vinculação adulta - confiança, em relação ao grupo de referência”). O grupo alvo, no
segundo momento de avaliação, demonstrou ter aumentado os índices de confiança
173

relativamente ao grupo de referência, tendo inclusivamente superado os seus resultados. Esta


alteração, em nosso entender, poderá fundamentar-se pela intensidade da intervenção,
existência de relações de proximidade positivas e alterações estruturais relevantes no decurso
dos últimos doze meses. A aquisição de competências, a conquista de objectivos
progressivamente delineados, tais como o acesso ao mercado de trabalho, a reaproximação
familiar e alargamento da rede social em geral, são factores que influenciaram, certamente, os
índices de confiança em si mesmos, nos outros e na possibilidade de uma reinserção efectiva.
Relativamente às restantes dimensões gerais associadas à vinculação adulta
constatamos que o grupo alvo se aproximou das médias do grupo de referência, (cf. Quadro
22, capítulo V), assim a hipótese 8 (“O grupo alvo, no segundo momento de avaliação,
mantém médias superiores, nas dimensões sociais gerais ligadas à vinculação adulta -
desconforto relativamente à proximidade; necessidade de reforço/aprovação;
relacionamentos enquanto factor secundário e preocupação com os relacionamentos, em
relação ao grupo de referência”) é também infirmada. Apenas a sub escala - necessidade de
reforço/aprovação, mantém médias superiores às do grupo de referência.
Egeland e Sroufe (1981), defendem que a capacidade de reinterpretar a história pessoal
pode contribuir para a identificação e reparação de padrões de vinculação disfuncionais pelo
que o acompanhamento psicoterapêutico, a terapia familiar e toda a intervenção efectuada em
torno da relação familiar do sem abrigo têm um papel importante na possibilidade de alteração
das dimensões sociais gerais associadas à vinculação adulta. Tal como já afirmámos
anteriormente, trabalhar aspectos como as representações disfuncionais de si próprios e dos
outros, pode intervir no sentido da reelaboração dos modelos internos dinâmicos e da
reestruturação dos esquemas interpessoais, contribuindo para a ruptura de ciclos
transgeracionais negativos (Safran & Segal, 1990, Guidano, 1991).
Waal e Rönnlund (2007) num estudo realizado com uma amostra de 132 estudantes
universitários, utilizaram a ASQ e obtiveram os seguintes resultados nas diferentes sub escalas
associadas à vinculação adulta que constituem o teste: confiança M=4.43 (DP=0.92);
desconforto com a proximidade M=3.05, (DP=0.88); relacionamento enquanto factor
secundário M=2.10; (DP=0.64); necessidade de reforço M=3.24, (DP=0.96); preocupação
com os relacionamentos M=3.26, (DP=0.90). Comparando estas médias com as encontradas
na presente investigação percebemos que, no segundo momento de avaliação, o grupo alvo se
aproxima dos valores recolhidos por Waal & Rönnlund (2007).
Relativamente à hipótese 9 (“O grupo alvo, no segundo momento de avaliação,
mantém médias de vinculação ansiosa e evitante superiores às do grupo de referência”), esta é
174

confirmada (cf. Quadro 22, capítulo V). Tal como já referido anteriormente e de acordo com
Bakermans-Kranenburg e colaboradores (2003), a análise dos estudos revelou que intervir ao
nível dos padrões de vinculação é complexo e que as intervenções somente fomentam
mudanças relativamente moderadas.
Assim, embora constatando que a intervenção realizada e a existência de relações
significativas poderão ter facilitado a alteração dos valores registados nas dimensões sociais
gerais associadas à vinculação, os padrões de vinculação não sofreram alterações
estatisticamente significativas.
No entanto, em nosso entender, a mudança verificada nas dimensões sociais gerais
associadas à vinculação adulta, poderá, só por si, indicar que “ao logo do tempo”, a
manutenção de relações positivas e a revitalização da rede de suporte, é possível reparar
padrões de vinculação inseguros. Bowlby (1969, 1973) enfatiza que os modelos são
construções activas que podem modificar-se em função das experiências. Segundo a sua teoria
é provável que os esquemas mais predominantes se mantenham praticamente intactos. Collins
e Read, (1994), defendem que os indivíduos podem desenvolver mudanças emocionais e
cognitivas complexas para elaborar novos modelos.
Tal como já referimos anteriormente, os modelos podem sofrer alterações através da
reinterpretação de acontecimentos passados. Defendendo que a integração comunitária pode
desempenhar a função de intervenção terapêutica e simultaneamente, de experiência relacional
positiva. Acreditamos que estão reunidos os factores necessários para que o grupo alvo possa
readquirir a confiança em si e nos outros, permitindo-lhes sentir-se mais do que abrigados
numa casa, abrigados num grupo de pertença.
O início do processo de mudança é, a nosso entender, visível. Resta-nos assim,
continuar o trajecto e manter os laços invisíveis que nos unem e protegem da desagregação
que a exclusão social provoca, para que passo a passo se solidifiquem relações e vínculos
efectivamente seguros.
Conclusões

Ao longo desta investigação foram abordados diversos aspectos que demonstram a


profunda ligação existente entre a problemática dos sem abrigo e as lacunas de um processo
de vinculação, construído de forma frágil. Na sua história de vida, os sem abrigo transportam
um rol de afectos, medos, angústias de abandono, isolamento, ruptura emocional, ausência de
um sentimento de pertença familiar, empobrecimento da rede primária de suporte, enfim, uma
sucessiva e abrangente constelação de vinculações inseguras em todas as dimensões: pessoal,
familiar, social, laboral, institucional.
Pretendemos assim, através da análise das dimensões sociais gerais ligadas a
vinculação adulta, contribuir para a compreensão da possível relação existente entre a
problemática dos sem abrigo e teoria da vinculação.
Para além de viver fora da protecção de quatro paredes a população sem abrigo parece
sobreviver fora da protecção das relações afectivas. A “doença dos laços” ou a “patologia do
vínculo”, mais do que terminologias utilizadas por diversos autores na abordagem desta
problemática, são amplos conceitos que põem em evidência o impacto da esfera afectiva e das
dinâmicas relacionais estabelecidas ao longo do ciclo de vida, nos processos de exclusão
social.
Relativamente ao instrumento utilizado neste estudo, podemos afirmar que o ASQ
fornece uma avaliação da sociabilidade do indivíduo (isto é, a sua capacidade de interagir
positivamente com os outros), mais precisamente a capacidade de estabelecer e manter com os
outros contactos sociais íntimos e satisfatórios. Tendo em conta os objectivos do estudo, este
instrumento demonstrou-se adequado, revelando ser facilmente compreendido.
Os resultados obtidos num primeiro momento de avaliação sugerem que a população
sem abrigo parece corresponder a indivíduos que se sentem pouco à vontade na presença dos
outros. Afirmam uma falta de confiança generalizada e revelam-se insatisfeitos com as suas
relações interpessoais. Dificilmente percebem porque as pessoas hão-de gostar deles ou
desejar estabelecer relações. Têm tendência a não investir nas relações sociais, a não criar
laços de proximidade, em suma, a evitar qualquer situação que pressuponha níveis altos de
compromisso e intimidade. Reiteram a sua independência, exprimindo frequentemente
sentimentos de rejeição e de isolamento. Por ouro lado, apresentam grande preocupação com
176

os relacionamentos, sentem que os outros não lhe reconhecem o devido valor e, por tanto, não
os estimam o suficiente. Desejariam estar mais próximos dos outros, inquietam-se quando lhes
são indiferentes e sentem que não são amados.
Os dados encontrados neste estudo são consonantes com o estudo de Bento e Barreto
(2002), que analisaram o padrão de vinculação de 18 sem abrigo, constatando que nenhum
apresentou um padrão de vinculação seguro, não tendo por isso construído um grau de
confiança básica nos outros e em si próprios, que advém do estabelecimento de uma boa
relação precoce. Os sem abrigo “… não se distinguem por uma atitude auto-suficiente, nem
revelam apenas uma atitude evitante em relação aos outros, mas também uma elevada
preocupação com as relações, nomeadamente em termos de expectativas antecipatórias de
rejeição.” (Bento & Barreto, 2002, p. 198).
Assim, quer na bibliografia recolhida, quer no presente estudo, os dados sugerem que
esta população pode oscilar entre estes dois modos de adaptação (evitante e ansioso),
manifestando, muitas vezes, um comportamento afectivo ambivalente.
Do ponto de vista das dimensões sociais gerais da vinculação no adulto, no grupo alvo,
após os doze meses de institucionalização, os resultados confirmam o aumento dos valores
médios da confiança e diminuição dos valores médios das dimensões sociais: desconforto com
a proximidade, relacionamento como factor secundário e preocupação com as relações.
Relativamente às médias da necessidade de reforço/aprovação, mantêm-se sem alterações
significativas.
Consideramos que os factores facilitadores da inserção descritos no capítulo III
poderão ter contribuído para provocar esta reparação. Nomeadamente, através do exercício da
capacidade de exploração do meio, recorrendo à base de segurança sempre que ocorra uma
situação potenciadora de stress (regime semi aberto e existência de follow up) e da
reconstrução da imagem de si enquanto merecedor da atenção e do carinho dos outros, bem
como, da imagem do outro enquanto disponível e responsivo face às suas necessidades
(Feeney & Noller, 2001). A capacidade de reinterpretar a história familiar relacional pode
igualmente contribuir para a identificação e reparação de padrões de vinculação disfuncionais
(Egeland & Sroufe, 1981), pelo que o acompanhamento psicoterapêutico, a terapia familiar e
toda a intervenção efectuada em torno das relações familiares do sem abrigo, têm igualmente
um papel importante. Tal como já afirmámos anteriormente, trabalhando aspectos como a
análise e avaliação das representações disfuncionais de si próprio e dos outros, perspectiva-se
que a relação terapêutica actue como uma experiência desconfirmatória, podendo intervir no
sentido da reelaboração dos modelos internos dinâmicos e da reestruturação dos esquemas
177

interpessoais, contribuindo para a ruptura de ciclos transgeracionais negativos (Safran &


Segal, 1990, Guidano, 1991).
Em estudos recentes (Bartholomew, 1990; Hazan & Shaver, 1987; Main et al., 1985;
Ruitter, 1995; Sroufe & Fleeson, 1986; Waters et al., 1993, Sroufe et al., 2005) considera-se
que a figura de vinculação não serve apenas de base segura mas, ao ser sensível e responsiva
para o indivíduo, permite-lhe a sensação de que ele próprio é capaz de despertar cuidados por
parte dessa figura e de outras. Tal irá aumentar a sua sensação de auto-eficácia que
posteriormente se alargará a outras esferas da sua vida.
Em suma, suportamo-nos na bibliografia para fundamentar a conclusão geral de que a
integração numa estrutura de apoio, que vá para além da relação dual técnico-indivíduo, capaz
de gerar sentimentos de segurança e estabilidade, pode provocar alterações nas dimensões
sociais gerais ligadas à vinculação adulta. Reiteramos a ideia de que, "em qualquer fase (...)
mudanças nos cuidados prestados e acontecimentos da vida como rejeições, separações e
perdas, mas também experiências positivas (…), ou a própria adesão terapêutica, podem
provocar alterações no decurso do desenvolvimento da vinculação" (Van IJzendoorn, 1995, p.
412). Ao longo da vida as relações significantes podem ser factores de risco ou de protecção
consoante promovem o bem-estar global do indivíduo, ou pelo contrário, gerem condições
adversas que impliquem sofrimento (Machado, 2004).
No entanto, destacamos ainda que a análise dos estudos revelou que intervir ao nível
dos padrões de vinculação é uma tarefa difícil e que as intervenções apenas provocam
mudanças relativamente moderadas (Bakermans-Kranenburg et al., 2003), o que é consonante
com os resultados obtidos, pois embora se verifique uma melhoria significativa nas dimensões
sociais gerais ligadas à vinculação adulta, não houve alteração dos padrões de vinculação
evitante e ansiosa.
Relativamente ao facto da sub escala necessidade reforço/aprovação se manter
elevada, os dados do nosso estudo poderão, em nosso entender, ser indicadores da necessidade
de manutenção/continuidade do apoio, nomeadamente no momento de autonomização. Sveri
(2008) postula que na fase de adaptação à nova residência, deve ser proporcionado um
acompanhamento técnico em regime de apoio domiciliário. Identifica como necessidades mais
prementes o treino de actividades quotidianas e o acompanhamento ao nível da prevenção de
recaída em consumos de álcool e/ou drogas.
A presente investigação revelou ainda que o grupo alvo, no segundo momento de
avaliação, aproximou as médias das dimensões sociais gerais ligadas à vinculação adulta, às
do grupo de referência. No que concerne à dimensão confiança, o grupo alvo apresentou,
178

inclusivamente, valores mais elevados do que o grupo de referência. Em nosso entender, este
indicador poderá encontrar explicação nas profundas alterações ocorridas nos últimos doze
meses. A saída da rua, o alargamento da rede social de apoio, o acompanhamento terapêutico,
em alguns casos a reaproximação familiar, o readquirir de hábitos e rotinas saudáveis e a
integração em mercado de trabalho são acontecimentos de vida suficientemente significativos
para que os valores médios da confiança sejam mais elevados. Relembramos, que Waal &
Rönnlund (2007) defendem que altos valores na sub escala confiança se relacionam de forma
significativa com a vinculação segura.
Abordar temas como a vinculação na população sem abrigo é uma tarefa complexa,
quer pela amplitude que a exclusão social comporta nesta população, quer pela própria
exclusão poder funcionar como forma de defesa de uma relação de proximidade. Torna-se
evidente que a condição de sem abrigo é precedida de um longo processo de desenraizamento
familiar e social, com rupturas sucessivas. Tanto os excluídos como a sociedade parecem
comungar da convicção de que existe um «divórcio por mútuo consentimento» que só reforça
a clivagem entre as partes (Emmanuelli, 1998).
Após a vivencia de relações traumáticas, só a emergência de relações seguras,
vivenciadas em ambientes sociais protegidos que resistam aos ataques relacionais que esta
população, por instinto de sobrevivência emocional, utiliza, poderá reparar os danos de uma
frágil confiança em si e uma imagem negativa do outro. A dimensão relacional nesta
população reveste-se de um mundo de paradoxalidades entre o desejo de proximidade e a fuga
para um isolamento que protege da desilusão. Adquirem, assim, algum sentido os movimentos
de auto-exclusão que perpetuam o viver na fronteira entre o “dentro e o fora”, no qual o “fora”
se torna demasiado perigoso por todo o isolamento e abandono que implica, e o “dentro”
demasiado ameaçador pelo nível de compromisso que exige e do qual estes indivíduos tão
arduamente se defendem. Estes desafios traduzem-se frequentemente em situações emocionais
densas que nos fazem oscilar, também a nós, do ponto de vista pessoal e técnico, entre o
desejo de “abrigar” e de “desabrigar” quem persistentemente nos diz que não precisa de
ninguém. A dependência e a autonomia mesclam assim a relação entre técnicos e utentes, que
nem sempre é pacífica. Questionamo-nos se existirá alguma relação cuidadora
emocionalmente pacífica, ou se as relações humanas se compadecem com tal neutralidade.
Por tudo isto, torna-se fundamental privilegiar o trabalho em equipa, no sentido de
ultrapassar as dificuldades inerentes às relações duais.
179

Cumpre-nos destacar que algumas leituras resultantes da presente investigação devem


ser apresentadas com prudência na interpretação e generalização dos resultados, e nas
conclusões enunciadas.
A primeira limitação do estudo advém do facto do instrumento utilizado ser de auto
registo, sendo que a utilização destas medidas implica considerar aspectos como a
desejabilidade social, a falsificação ou o estilo de resposta na análise das respostas (Pais
Ribeiro, 2007). Como fonte de informação, o auto relato, tem numerosas vantagens, das quais
destacamos o acesso à informação de forma relativamente fácil, com baixos custos em termos
de tempo e de esforço dispendido pelos investigadores. Contudo, o auto relato está sujeito a
enviesamentos e a imprecisões. Por exemplo, alguns indivíduos podem querer auto apresentar-
se de um modo positivo subvalorizando aspectos que consideram ser inconvenientes e
sobrevalorizando outros que imaginam ser desejáveis.
Outro limite que apontamos à investigação prende-se com o facto do instrumento de
avaliação não estar aferido à população portuguesa. Ainda a propósito deste instrumento, não
podemos deixar de considerar as críticas apontadas ao recurso a medidas de auto registo na
avaliação da vinculação (Belsky, 2002; Bernier & Dozier, 2002; Waters et al, 2002). No
entanto, as associações significativas encontradas entre as medidas de auto resposta e as
entrevistas que avaliam os padrões de vinculação (Feeney & Noller, 1991; Bartolomew &
Horowitz, 1991; Bartolomew & Shaver, 1998; Griffin & Bartolomew, 1994b; Shaver et al,
2000), bem como a economia de tempo necessária na administração dos instrumentos de
avaliação justificam a sua utilização.
O tamanho da amostra é, indubitavelmente, outra das limitações do presente estudo.
Ainda a este propósito, tal como já o referimos anteriormente, consideramos pertinente
chamar a atenção para um aspecto procedimental que influenciou o reduzido número de
participantes. Como mais detalhadamente explicámos no capítulo III, a lotação da estrutura
alvo da investigação (15 vagas), a metodologia utilizada e a própria duração do programa (12
meses) justificam, entre outros motivos, o reduzido número de sem abrigo envolvidos no
estudo.
Outro constrangimento inerente à investigação é o facto da amostra ser seleccionada
unicamente na Comunidade de Inserção Novo Olhar, no entanto, fundamentamos esta opção,
pela heterogeneidade de metodologias adoptadas nas diferentes estruturas de apoio residencial
aos sem abrigo, o que podia conduzir a enviesamento dos dados recolhidos.
Finalmente, apesar da natureza longitudinal da investigação, estamos perante um
estudo pré-experimental, pelo que não é possível delinear inferências causais inequívocas
180

acerca do impacto da institucionalização nas dimensões sociais gerais na vinculação adulta,


nem nos padrões da vinculação ansiosa e evitante.
O facto de o autor da investigação manter uma relação profissional com os
participantes do estudo, pode constituir-se como um factor de enviesamento nas respostas, no
entanto, poderá também ter contribuído para uma maior adesão ao estudo.
As limitações identificadas não impedem, no entanto, em nosso entender, que alguns
dos resultados a que chegámos neste trabalho sejam considerados. A convergência de alguns
destes resultados com os descritos na literatura, sugere que os sem abrigo podem melhorar as
dimensões sociais gerais ligadas à vinculação adulta e desta forma provocar mudanças nos
seus padrões de vinculação, usufruindo de um suporte social de proximidade, reinterpretando
histórias prévias de vinculação insegura e vivenciando acontecimentos de vida positivos.
Em termos de contribuição prática da presente investigação, para além dos dados já
abordados anteriormente, os resultados são claros quanto ao aumento das médias de
confiança, à melhoria das dimensões sociais gerais associadas à vinculação adulta e à
manutenção da necessidade de reforço/aprovação que o grupo alvo demonstra. Tais
resultados confirmam que a intervenção apresentada pode provocar mudanças nas dimensões
sociais gerais e consecutivamente nos níveis de evitamento e ansiedade desta população à data
da sua autonomização da estrutura de apoio. O aumento verificado nas médias de confiança
sugere a emergência de padrões de vinculação seguros. Retiramos ainda dos resultados a
importância de manter o acompanhamento destes indivíduos, em regime de follow up, no
sentido de responder à sua necessidade de reforço/aprovação que, a nosso ver irá
progressivamente diminuindo. Seria, no entanto, útil repetir o processo de avaliação no
sentido de perceber quais as alterações verificadas com o decurso do tempo, após os
indivíduos readquirirem um quotidiano autónomo.
Assim, tendo em conta os resultados, eticamente impõe-se questionar que tipo de
inserção estamos a promover, quando por um lado atribuímos subsídios mensais sem
acompanhamento efectivo dos beneficiários, e por outro não investimos suficientemente na
criação e manutenção de respostas sociais com equipas multidisciplinares capazes de efectuar
um trabalho de proximidade, sustentado no tempo. Para além do reforço de investimento
parece-nos fundamental uma estreita articulação entre os vários ministérios envolvidos,
nomeadamente no que concerne à área da saúde, emprego, habitação, justiça e segurança
social. Realçamos ainda a necessidade de construção de habitação a baixos custos para
população carenciada e a garantia do acesso e manutenção de uma habitação e condições de
vida condignas. Urge a criação de medidas de formação e emprego protegido específicas para
181

esta população e que respondam às suas particularidades. Eventualmente, tendo em atenção as


dificuldades de gestão económica, parte do ordenado poderia ser directamente direccionado
para o pagamento da renda da casa e o restante recebido com uma periodicidade semanal, tal
como acontece em Inglaterra. Poderíamos ainda garantir o acesso a bens essenciais através de
talões de compra em superfícies comerciais. Talvez estas medidas possam parecer demasiado
paternalistas, no entanto, a realidade vai-nos consciencializando da existência de uma franja
da população que carece destes cuidados e da qual não nos podemos continuar a alhear, sendo
fundamental a criação de políticas sociais adequadas, sob pena da seriedade profissional e
cívica ser hipotecada. A perda da habitação dificilmente é o ponto de partida de um percurso
de exclusão social, tal como a atribuição da mesma não resolve todos os problemas que a
problemática dos sem abrigo comporta, Pezzana (2008).
Tendo em conta o âmbito deste estudo ficaram alguns dados por explorar, que podem
vir a constituir-se como pontos de partida para futuras investigações.
Seria fundamental validar o ASQ à população portuguesa, uma vez que este é um
instrumento de fácil uso e que se tem demonstrado válido para a caracterização das dimensões
sociais gerais na vinculação adulta, nomeadamente em populações nas quais manifestações de
evitamento e ansiedade são expectáveis.
Tal como referido anteriormente, seria importante em futuras investigações avaliar as
diferentes metodologias de intervenção utilizadas nas estruturas residenciais para sem abrigo,
avaliando resultados e impacto de cada uma, permitindo a criação de guide lines e
uniformizando procedimentos.
Uma vez que o presente estudo utilizou uma amostra reduzida, constituída apenas por
residentes da comunidade de inserção novo olhar, seria interessante para investigações futuras
a replicação deste trabalho em amostras de sem abrigo mais alargadas e provenientes de outras
estruturas de apoio residencial, com vista à confirmação ou infirmação dos resultados obtidos.
Seria ainda útil, cruzar os dados obtidos neste estudo com informações recolhidas
junto de sem abrigo considerados casos extremos ou marginais, no sentido de melhor perceber
os limites dentro dos quais as variáveis podem oscilar e a forma como estes processos, tal
como tudo o que é humano, são invariavelmente únicos.
Podemos afirmar que mais do que um ponto de chegada esta investigação pretende ser
um ponto de partida para futuras investigações neste domínio.

Em suma, ninguém a viver sem casa, pode estabelecer uma relação de confiança com
alguém, ou com a própria vida.
182

Trabalhar nesta esfera obriga ao desenvolvimento da capacidade inter-relacional e


estimula-nos a viver com uma consciência social mais aguda. Poderemos assim dizer que
quem não tem casa nos pode ensinar, de alguma forma, a valorizar tudo o que as quatro
paredes comportam, quem elas abrigam e o quanto esta moldura nos define.
Se pudermos reforçar as estruturas de apoio aos sem abrigo e dotá-las de condições e
equipas que promovam a vinculação de quem não está vinculado a quase nada, talvez
possamos contribuir para que os rostos de quem (sobre)vive à experiencia de viver na rua
deixem de retratar o silêncio, o abandono e a solidão que os caracteriza.
O fundamental parece ser, mais do que garantir a satisfação das necessidades básicas,
dotar os indivíduos de competências facilitadoras do desempenho dos diversos papeis que a
vivência em sociedade comporta. Proporcionar a mudança de comportamentos e expectativas
de si e do meio que o rodeia. Permitir a partilha e a reconstrução de laços, a capacidade de
expressar e tolerar os sentimentos e emoções e a aquisição de um sentimento de bem-estar.
Assume igual importância facilitar o acesso a relações sólidas que lhes permitam
reorganizar as representações mentais de si e do outro. Mas para que tudo isto seja possível, a
estrutura e o seu corpo técnico têm de “permitir” que o indivíduo possa fracassar em
segurança. Isto é, ao contrário do que muito provavelmente aconteceu nas suas histórias
prévias de vinculação, e do que sucede numa sociedade elitista, marcada pela incapacidade de
abrandar o ritmo frenético de produção/consumo, onde não resta espaço para dificuldades de
adaptação, os sem abrigo necessitam da possibilidade de explorar o meio e regressar à “base
segura” sempre que se depararem com uma situação para qual ainda não estão preparados. É
necessário que aprendam a lidar com a frustração do fracasso e, ainda assim, encontrar
motivos para continuar a acreditar que vale a pena… que é possível.
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pp. 399-406. ISSN 1413-294X.
Anexos
Anexo 1

UNIVERSIDADE DE COIMBRA

FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CIENCIAS DA EDUCAÇÃO

Protocolo de Recolha de Dados

Protocolo_______________________
Instituição______________________________
Participante_______________________________________

Data da aplicação do questionário_____/________/_____________

Os questionários que se seguem destinam-se a um estudo sobre vinculação em


pessoas sem abrigo.
Pedimos-lhe que responda com a máxima sinceridade e precisão para que os
resultados tenham interesse efectivo.
As respostas serão estritamente confidenciais e anónimas. Para que o anonimato possa
ser garantido, por favor, não escreva o seu nome em nenhuma das folhas do questionário.

Não hesite em perguntar sempre que haja alguma palavra cujo significado não
compreenda.

Muito agradecemos a sua disponibilidade


Anexo 2

UNIVERSIDADE DE COIMBRA

FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CIENCIAS DA EDUCAÇÃO

Informação ao Participante

O presente documento pretende, antes de mais, ser um convite para participar num
estudo de investigação. Contudo, antes que possa decidir se quer colaborar ou não, é
importante que compreenda a razão pela qual o estudo vai ser feito e o que envolve.

Por favor, leve o tempo que necessitar para ler cuidadosamente a seguinte informação.
Se necessitar de algum esclarecimento adicional, não hesite em pedir.
Agradecemos a sua disponibilidade.

1. Quem promove o estudo?


Esta pesquisa decorre no contexto da realização, por parte do investigador, do curso de
mestrado em Psicologia do Desenvolvimento criado sob a proposta da Faculdade de Psicologia
e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra.

2. Qual é o objectivo do estudo?


Este estudo pretende avaliar o impacto da vivência em comunidade de inserção no
padrão de vinculação da população sem abrigo, bem como caracterizar os seus padrões de
vinculação prévios.

3. Porque sou convidado a participar?


Uma vez que é/foi residente numa comunidade de inserção e nos parece ser
fundamental a sua participação activa no seu processo de reinserção. A sua participação é
fundamental porque sabendo a sua opinião poderemos adequar o nosso modo de agir
enquanto técnicos.
Gostaríamos que participassem cerca de 30 pessoas neste estudo.

4. Tenho que participar?


A sua participação é voluntária e só deve aceitá-la depois de devidamente
esclarecido, podendo para tal colocar quaisquer questões que lhe pareçam pertinentes.
216

No caso de não querer participar do estudo ou de querer abandonar esta


investigação em qualquer momento do seu curso isso não trará qualquer consequência para
si, continuando a receber todo o apoio e a ser acompanhado como foi até aqui. Caso assim
decida não terá de apresentar qualquer motivo ou explicação.

5. O que terei que fazer se decidir participar?


Depois de ler este folheto, pedir-lhe-emos que forneça alguns dados sobre si e
sobre a sua situação. Seguidamente solicitamos que preencha alguns questionários que
dizem respeito à forma como se relaciona com os outros.

6. A minha participação neste estudo será mantida confidencial?


Os dados obtidos com a sua participação neste estudo serão sempre mantidos
totalmente confidenciais, sendo a sua identidade protegida por um número.

7. O que acontece aos resultados do estudo?


Não será divulgada a sua identidade em qualquer relatório ou publicação que
resulte deste estudo. Depois de concluída a investigação poderá ter acesso aos resultados
através de consulta pública do relatório ou contactando directamente o investigador.

8. Contacto para informação adicional


Se tiver qualquer questão ou preocupação, agora ou em qualquer altura, sobre este
estudo, poderá entrar em contacto com o investigador.
Nome do investigador: Dr. Luís Ferreira
Contacto: 233 425504
Anexo 3

1. Dados Biográficos

Idade Sexo Habilitações literárias

Tempo de Institucionalização (Meses / Anos)

2. Durante quanto tempo permaneceu na rua?

Alguns dias > 1 mês > 1 ano Mais de 5 anos

3. Quais os motivos que o conduziram à situação de sem-abrigo?

Desemprego Alcoolismo Uso de S.P.A

Doença Conflito Familiar Imigração Ilegal

Prob. Judiciais Outro

4. Considera que houve algum factor determinante para sair dessa condição?

Sim Não

Se sim, indique quais:

Emprego Apoio Técnico Apoio da Família

Apoio de amigos Outro

5. Relação com a família durante o tempo que viveu na rua?

Próxima Distante Conflituosa

Ausência de relação Outro

6. Teve alguém próximo nesta fase da sua vida?

Sim Não

7. Esta institucionalização contribuiu para uma aproximação à sua família?

Muito Consideravelmente

Pouco Nada

8. Esta institucionalização contribui para o acesso a novos amigos?

Muito Consideravelmente

Pouco Nada

9. Esta institucionalização contribui para o acesso ao mercado de trabalho?

Muito Consideravelmente

Pouco Nada
Questionário do Estilo de Vinculação
Tradução do Attachment Style Questionnaire (ASQ)
Diga até que ponto concorda ou
discorda com cada uma das 1 2 3 4 5 6
seguintes questões cotando-as Discordo Discordo Discordo Concordo Concordo Concordo
totalmente muito pouco pouco muito totalmente
segundo a seguinte escala:

1 1 2 3 4 5 6

1
De um modo geral, sou uma pessoa que
vale a pena conhecer.

2
Sou mais fácil de conhecer do que a maioria
das pessoas.

3
Sinto-me confiante de que as outras
pessoas estarão lá para me ajudar quando

4
Prefiro depender de mim do que das outras
pessoas.

5 Prefiro guardar as coisas para mim próprio.

6 Pedir ajuda é admitir que se é um falhado.

7
O valor das pessoas devia ser medido pelo
que conseguem alcançar.

8
Conseguir coisas é mais importante do que
construir relações.

9
Fazer o nosso melhor é mais importante do
que darmo-nos bem com os outros.

10
Se há um trabalho para fazer, deve ser feito
independentemente das pessoas que

11
É importante para mim que os outros
gostem de mim.

12
É importante para mim evitar fazer coisas
que não agradem os outros.

13
Tenho dificuldades em tomar uma decisão a
menos que saiba o que os outros pensam.

14
As minhas relações com os outros são,
geralmente, superficiais.

15 Às vezes penso que não valho nada.

16
Tenho dificuldade em confiar noutras
pessoas.

17 Tenho dificuldade em depender dos outros.

18
Penso que os outros são relutantes em
aproximar-se de mim tanto quanto eu

19
Penso que é relativamente fácil tornar-me
próximo/a de outras pessoas.
220

20 Tenho facilidade em confiar nos outros.

21
Sinto-me confortável em depender de outras
pessoas.

22
Receio que os outros não se preocupem
comigo tanto como eu me preocupo com

23
Preocupa-me que as pessoas se
aproximem demasiado.

24 Preocupa-me não estar à altura dos outros.

25
Sinto-me confuso com o estar próximo das
outras pessoas.

26
Embora me queira aproximar dos outros
sinto-me desconfortável em fazê-lo.

27
Questiono-me porque é que os outros
poderiam querer envolver-se comigo.

28
É para mim muito importante ter uma
relação próxima.

29
Preocupo-me muito com os meus
relacionamentos.

30
Questiono-me como iria encarar a vida sem
ter alguém que me amasse.

31
Sinto-me confiante no relacionamento com
os outros.

32
Muitas vezes sinto que sou deixado/a de
parte ou sozinho/a.

33
Muitas vezes preocupo-me que não encaixe
realmente com as outras pessoas.

34
Os outros têm os seus problemas portanto
não os incomodo com os meus.

35
Quando falo dos meus problemas a outras
pessoas geralmente sinto-me

36
Estou demasiado ocupado com outras
actividades para despender muito tempo em

37
Se alguma coisa me incomoda,
normalmente os outros têm consciência

38
Tenho confiança de que os outros gostem
de mim e me respeitem.

39
Sinto-me frustrado/a se os outros não estão
disponíveis quando eu preciso deles.

40
As outras pessoas desapontam-me
frequentemente.

Obrigado pela colaboração

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