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Universidade de Coimbra
Depois da Rua
Dimensões sociais gerais da vinculação adulta na população
sem abrigo
À Professora Doutora Florbela Vitória por todo o apoio no tratamento estatístico dos
dados. Também pelo estímulo, confiança e paciência nos momentos de maior
ansiedade.
À minha família e amigos pelo apoio incondicional. Por serem quem são e terem
feito de mim quem sou. Por terem a segurança de saber esperar.
Muito obrigada.
Índice Geral
Capítulo I ................................................................................................. 5
Sem abrigo............................................................................................. 5
Exclusão social ..................................................................................... 5
Intervenção em rede............................................................................ 41
A Desinstitucionalização Hospitalar.................................................... 48
Capítulo II.............................................................................................. 59
Vinculação ........................................................................................... 59
O conceito de vinculação .................................................................... 59
Transmissão intergeracional................................................................ 89
ASQ.................................................................................................. 139
Homeless
RQ – Relationship Questionnaire
Pág.
Pág.
igualmente, não confiar nos outros. Assim, quer o afastamento, quer a proximidade
do outro são fonte de angústia.
Waal e Rönnlund (2007) defendem que altos valores na sub escala confiança
se relacionam de forma significativa com a vinculação segura. Por sua vez,
Mikulincer e Florian (1995), entendem que a vinculação segura funciona como um
recurso interno para lidar com situações adversas. Assim, os sem abrigo participantes
no estudo, no segundo momento de avaliação, denotam ter criado uma confiança
básica em si e nos outros, que lhes pode permitir maior tolerância ao sofrimento e
activar de forma eficaz a rede de apoio. Os resultados sugerem ainda a probabilidade
destes indivíduos se encontrarem mais capazes de ultrapassar situações adversas do
que no primeiro momento de avaliação.
Finalmente discutem-se em traços gerais as limitações do estudo, suas
implicações para a intervenção junto desta população e novas vias de investigação
neste domínio.
The participants in the study were evaluated individually by the author of the
present study, using questioner of auto answer to the Attachment Style Questionnaire
(ASQ), having the intention to evaluate the linkage of the adults in the following
dimensions, level of confidence, discomfort in relating with others, relationships
with secondary factors, necessity of reinforcement/aprovent and worry with
relationships. Also allows to create values to relevant linkage of anxiety and
avoidant.
In our study, right from the first moment of the evaluation (to the date of
entrance of the structure) the results result in the value of the medium of linkage of
avoidant and anxiety in the target group, are high and self- esteem low. We also find
in the first point of evaluation, that the average values are high in the social
dimensions, uncomfortable with proximity, preoccupation with the relationships and
need of reinforcement and approval. The high levels of preoccupation with the
relationships and the discomfort with proximity may indicate a conflict with the
xxii
target group. They demonstrate that they lack the confidence in their capacity to be
independent and also equally not trusting in others. Therefore, wanting distance from
others or wanting proximity of the others causes a source of anguish.
After twelve months of integration in the CINO, the results indicate a
significant increase in levels on confidence and also shows statistically reduction in
the values of the following general dimensions associated with linkage to adults:
concerns with relations, relationships as a secondary factor, and discomfort with
proximity. However, although there is a significant improvement in overall
dimension related to adult attachment there are no alterations in the patterns of
avoidant and anxiety.
Waah and Ronnlund (2007) defend that high values in the sub scale of
confidence, if they relate significant form with safe entailing. In the other hand,
Mikuliner and Florian (1995), understand that linkage insures functions with one
who refuses to deal with adverse situations. Thus, the homeless participants in the
study, in the second moment of evaluation, have created a denoted basic trust in
themselves and others, it may allow greater tolerance to pain and create the
providing affect to the supporting network. In conclusion, the probability of these
individuals finding capacities to overcome adverse situations is greater than the first
moment of evaluation.
L’échantillon de cet étude est constitué par 30 sujets des deux sexes, 33.3%
du sexe féminin et 66.7% du masculin, entre les 26 et les 55 ans, étant la moyenne
d’âges de 39 ans. L’échantillon se divise en deux : 15 individus du groupe cible (sans
abri) et 15 du groupe de référence (individus qui ont un emploi et un logement). En
ce qui concerne les niveaux d’études, 66.7% de l’échantillon ont étudié jusqu’en
« 6ème année de scolarité ». En ce qui concerne l’état civil du groupe cible, 60% des
individus est célibataire tandis que 40% est divorcé ; 80% est de race blanche et 20%
d’origine africaine.
Dans un premier temps de l’évaluation (le jour de l’entré dans la structure, les
résultats nous suggéraient que la moyenne des valeurs de la dimension social du
groupe cible sont élevées, tandis que les valeurs de la confiance sont bas. Nous avons
aussi constaté l’existence, dans ce premier moment, de valeurs élevées en ce qui
concerne les suivantes dimensions sociales : déconfort avec la proximité,
préoccupation avec les relations et la nécessité de renfort/approbation. Les hauts
niveaux de préoccupation avec les relations et le déconfort avec la proximité peuvent
xxiv
être indicateur d’un conflit du groupe cible qui doit faire face : il nous indique qu’ils
[les individus du groupe cible] ne sont pas assez sûr de leurs capacités pour être
indépendants, mais aussi qu’ils ne font pas confiance aux autres. De cette façon, soit
le rapprochement, soit l’éloignement sont raison d’angoisse.
estudo. Dada a natureza desta pesquisa, a apreciação dos resultados obtidos será, na
globalidade, objecto de comparação entre os grupos.
Por fim apresentaremos as principais conclusões do estudo, tecendo algumas
considerações sobre os resultados significativos e as limitações do mesmo.
Retiraremos elações sobre as implicações práticas do mesmo e sugestões para
investigações futuras.
Em anexo, coligiremos os materiais mais relevantes para o desenvolvimento
da investigação, incluindo o instrumento de avaliação utilizado, a informação que foi
fornecida aos participantes do estudo e a folha de consentimento que foi assinada por
estes de modo a confirmar o seu acordo em participar.
Parte I
Enquadramento Teórico
Eu….Simplesmente
O meu nome?
Chamam-me P. S.
Sem abrigo
Sendo a condição de sem abrigo uma “doença dos laços”, para retomar a
expressão de Vexliard (cit in Xavier, 2000), a intervenção junto destes, nos seus
vários níveis estrutural-sistémico, organizacional e da relação técnico-utente, deve
privilegiar a dimensão relacional e a criação de laços, um dos antídotos centrais para
o síndroma de dessocialização e de exclusão social. O que remete para outro
conceito complexo, que nos parece ser a base desta problemática: o que é afinal a
exclusão social?1
Exclusão social
O conceito de exclusão é hoje de uso generalizado, embora não seja claro que
todos quantos o utilizam tenham a mesma “leitura” do seu significado. Utilizaremos
neste trabalho a noção de exclusão que advém de Robert Castel (2000) e que a define
como a fase extrema do processo de “marginalização”, enquanto um processo
1
Em termos da problemática do desemprego, historicamente, sempre houve a tentativa de diferenciar os que não
trabalhavam por não poder dos que não o faziam por não querer, sendo que os primeiros seriam merecedores de
ajuda e os segundos de castigo. Tal diferença de posturas está bem patente nas diferentes legislações existentes
no país sobre esta temática. Assim:
- 1211- D. Manuel I: Homens bons/homens maus;
- 1349- Afonso IV: autorização para mendigar ou mudar de emprego;
- A lei das sesmarias (1373) decreta a prisão para os mendigos e ociosos, mas permite a mendicidade aos fracos,
velhos e doentes. Para tal eram emitidos alvarás de autorização à mendicidade;
- O código penal de 1886 contempla pena de prisão para o crime de se ser vadio. No entanto exclui desta situação
os “casos de força maior” nomeadamente “o cego e o aleijado” (artigo 261);
- Em 1912 surge a chamada “lei da vadiagem” que permite a mendicidade desde que haja licença para o efeito.
Se não houver pune-a com espaços correccionais de trabalho;
- Em 1947 o Decreto-Lei n.º 36 448 regulamenta a mendicidade, distinguindo os doentes inválidos e menores e
proibindo a existência de mendigos e vadios;
- Em 1976 foi abolida a repressão à mendicidade, no entanto com a ressalva, no preâmbulo da lei, de que 70%
dos residentes em albergues de mendicidade pertenciam a doentes de foro psiquiátrico.
Tendo em conta esta pequena resenha histórica ao nível da legislação portuguesa é bem patente a necessidade do
Estado em clarificar que só é merecedor de apoio e de “estatuto especial” o sujeito que tem alguma justificação
de saúde para não cumprir o seu dever moral e social - de trabalhar. O reconhecimento que damos à
produtividade é desta forma castrador de outra ordem de prioridades que não aquela pela qual o regime se
sustenta. Nem ao próprio filho de Deus foi permitido ser desempregado, era carpinteiro como o pai e essa foi a
ordem da inserção laboral que predominou até à escassos anos no nosso país. Neste momento as profissões já não
são um legado familiar e se para uns esta flexibilidade lhes permite ascender no acesso a novas oportunidades
outros há que ficam fora mercado de trabalho. Perdem assim o emprego, a identidade, o reconhecimento social e
familiar e em última instância o acesso à condição de cidadão.
6
estes doentes ou não têm casa, ou existe um corte relacional com a família
de origem, devido ao longo período de internamento. No entanto, mais
adiante, o processo de desinstitucionalização será alvo de uma análise
detalhada.
Por comportamentos auto-destrutivos, uma vez que algumas pessoas que
se encontram em situação de marginalização são vítimas de um percurso
de auto-exclusão em consequência de comportamentos auto-destrutivos,
tais como, toxicodependência, alcoolismo, prostituição, entre outros.
continuaremos a cuidar mais ou menos porque não somos maus e porque ainda
falamos de solidariedade, mas que renunciaremos a integrar numa plena cidadania”
(Castel, 2000, pp. 36-37).
Segundo Xiberras, “o insucesso numa esfera do social não conduz à exclusão.
No entanto, multiplica a má sorte de um revés noutras esferas, por proximidade.
Assim, o insucesso é vector de insucesso e a acumulação de insucessos, ou a
acumulação de deficiências, torna-se, uma causa certa de exclusão social. Tudo se
passa como se a sociedade de acolhimento pudesse, em rigor, aceitar a diferença ou o
desvio em relação à normalidade, ao menos no que respeita a um ponto, mas a
acumulação, ou a soma, de demasiadas diferenças tornar-se-lhe-ia insuportável”
(Xiberras, 1996, p. 31).
Segundo Esteves (2000) o conceito de exclusão social não se resume ao nível
económico, abrangendo igualmente o plano moral, cultural, educacional, ético e
físico.
Na perspectiva de António Sousa, exclusão social consiste “numa degradação
no campo das trocas sociais e (...) erosão do (...) estatuto de cidadão...” (2000,
p.161).
Porventura será já banal a constatação de que sempre que nos referimos a
uma problemática psicossocial não possamos deixar de penetrar nas suas causas ou
questões de base. Ora, se para contextualizar a problemática da toxicodependência
não podemos deixar de falar das drogas, se para contextualizar a questão do
alcoolismo não podemos esquecer o álcool, se para falarmos de saúde não podemos
esquecer a doença, torna-se evidente que não podemos contextualizar a questão dos
sem abrigo sem falar do abrigo. Qual é o abrigo a que todos nós regressamos no fim
do dia, que nos acolhe, dá segurança e nos confere identidade? A casa. Assim, torna-
se fundamental nesta reflexão sobre os sem abrigo contemplar outra questão que nos
parece basilar: O que significa afinal não ter casa, ou melhor, o que significa, antes
de mais, ter casa e sentirmo-nos em casa?
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Sinto-me em casa….
“Uma casa é um espaço que nós devemos ter desde o nosso início de vida até ao fim
para que a nossa vida seja normal. Nesta podemos fazer a nossa higiene saudável e
adequada, ter a nossa cama para dormir e descansar e ter a nossa família. Podemos ter lá
mais saúde.”
Fernando, sem abrigo de 45 anos2
2
Os nomes constantes neste trabalho serão fictícios para garantir o anonimato dos testemunhos.
11
“À minha casa podia levar os meus amigos a assim sentir-me bem pois eles
poderiam ver que eu também era capaz de ter uma casa”.
João, sem abrigo de 28 anos
“Uma casa não deve ser só quatro paredes com tecto, janelas e portas. Mas sim o
local onde nos sentimos bem, onde nos sentimos em família.”
Joaquim, sem abrigo de 42 anos
abrigo deixará por certo de ser um simples sem abrigo quando passa a fazer parte da
vida de alguém.
“Uma casa para mim significa conforto, aconchego, harmonia. Um lar para eu
poder viver com as minhas filhas.”
Joana, sem abrigo de 27 anos
Sem dúvida que habitar uma casa significa criar com ela uma rede de
vínculos interpessoais que a convertem não já num simples espaço físico mas num
lar.
Permitam-nos ir colocando questões que nos inquietam no decurso destas
linhas, pois pretendemos não só uma reflexão teórica sobre o tema, mas também
induzir ao desconforto de pensar como diariamente contribuímos para a existência de
pessoas sem abrigo.
“Não sei o que é uma casa. É um refúgio. Esqueci-me o que é uma casa. Neste
momento é o quarto onde estou, é um espaço privado. A minha casa é onde me dispo”.
Bruno, sem abrigo de 30 anos
O momento em que o jovem se decide sair de casa dos pais e ter o seu
próprio espaço, é também um momento de conquista de autonomia, de afirmação de
identidade. A partir daí o indivíduo conta com os seus próprios recursos para
enfrentar o mundo e encontrar o seu caminho. Ou seja, a capacidade de separação
psicológica é o factor essencial que a construção da sua própria casa materializa.
A forma como vamos oscilando entre fases nas quais estamos mais tempo em
casa e outras em que por lá passamos, sem perder muito tempo, permite traçar um
paralelismo com as fases de maior procura de interioridade ou de exploração do
exterior. A fase em que o casal passa mais tempo sozinho em casa para a fase em que
passa a receber visitas, também ela caracteriza um paralelismo entre as fases mais
centrípetas e centrífugas da realidade do ciclo familiar3.
3
Fleming (1995) defende que o modelo centrípeto corresponde a famílias altamente aglutinadoras onde
os comportamentos infantis são gratificados, os movimentos de autonomia e afirmação da diferenciação não são
estimulados, o que provoca nos seus elementos sentimentos de culpa face à separação, sentimentos de
incapacidade e de dependência. O modelo centrífugo corresponde a famílias que têm tendência a rejeitar os seus
elementos, empurrando-os precocemente para comportamentos adultos, provocando nos filhos a tendência para
estabelecer relações afectivas precoces com elementos exteriores à família.
A estes dois modelos corresponderiam diferentes modos de transacção patológica do processo de
separação-individuação. As três formas principais definidas por (Madanes, 1982) na patologia da separação são:
a) o encadeamento (binding), que resulta da impossibilidade de obtenção das satisfações fundamentais ou das
seguranças essenciais fora da família; este acorrentamento pode exercer-se a vários níveis (intelectual, cognitivo,
afectivo, moral) sendo que toda a tentativa de separação é vivida pelos pais como “crime número um”; b) na
delegação (delegating) o sujeito é encarregado de uma missão no exterior da família, tornando-se assim, uma
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“Uma casa é o local onde posso viver com a minha família e lá encontrar o carinho
e compreensão de que preciso”
Rita, sem abrigo, 32 anos
simples extensão do self parental; c) a expulsão (expelling) corresponderia ao abandono ou rejeição contínua do
jovem, que nos casos mais graves se traduz pela ideia de que o desaparecimento físico ou emocional do
adolescente é julgado necessário para a resolução da crise parental.
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Por desafiliado entende-se aquele que se libertou das constrições dos laços afiliativos estáveis que, segundo
Bahr (cit in Main, 1998) são de seis tipos: família, escola, trabalho, religião, política e recreação. Embora em
França tenha um significado um pouco diferente, definido por Robert Castel, (2000) como o culminar da ruptura
do laço social, derradeira etapa da vulnerabilidade social.
15
definição do conceito (Bachrach 1984; Milburn & Watts 1986; Rossi, 1990) Mais do
que mera semântica, esta dificuldade reflecte como que uma inabilidade básica.
Para ajudar na confusão, ter uma casa não constitui uma variável que defina
com precisão quem são os sem abrigo, sendo alguns deles frequentemente invisíveis
para os pesquisadores, (Hope & Young 1986; Ropers 1988). Assim passamos a
apresentar um conjunto de definições veiculadas sobre a população sem abrigo no
sentido de clarificar a complexidade do conceito.
Segundo a definição inglesa transmitida no The Housing Act de 1985, “uma
pessoa é sem abrigo se não possui o direito legal ou se encontra impedida de ocupar
uma casa de forma segura ou com razoável conforto” (Munoz & Vasquez, 1998, p.
25).
Conforme a United States Alcohol, Drugs Abuse and Mental Health
Administration (1983) sem abrigo é qualquer pessoa que não dispõe de alojamento,
dos recursos nem dos laços comunitários adequados (Munoz & Vasquez, 1998).
O conselho da Europa (1992) definiu os sem abrigo como pessoas ou famílias
que estão socialmente excluídas de ocupar permanentemente um domicílio adequado
e pessoal (Munoz & Vasquez, 2001).
A Federação Europeia das Associações que Trabalham com os sem abrigo
(FEANTSA), propõe que se adopte uma definição que denominou de ETHOS –
European Typology of Homelessness (Tipologia Europeia sobre Sem abrigo e
Exclusão Habitacional), dado que considera ser esta uma definição abrangente, na
qual as diferentes realidades desta população, por toda a Europa, são integradas
(Spinnewijn, 2005, p. 22). Divide a população em quatro grandes grupos que se
enquadram nas situações de sem abrigo, sem casa, habitação precária e habitação
inadequada, ou mais especificamente: Sem Abrigo – pessoas que vivem na rua ou
pessoas que vivem em alojamentos de emergência; Sem Alojamento – lares de
alojamento provisórios ou em fase de inserção, lares de mulheres, alojamento para
Imigrantes, pessoas que saíram de hospitais ou estabelecimentos prisionais,
alojamentos assistidos; Habitação Precária – habitação temporária/precária, casa de
amigos, familiares, sem arrendamento, ocupação ilegal, pessoas à beira do despejo,
vítimas de violência doméstica; Habitação Inadequada – pessoas que vivem em
estruturas provisórias, inadequadas às normas sociais, pessoas em alojamento
indigno ou com sobrepopulação (Spinnewijn, 2005).
16
5
Entidades que integram o grupo interinstitucional para a definição de estratégias de prevenção,
intervenção e acompanhamento para pessoas sem abrigo: ACIDI, ANM, CIG, DGS, DGSS, IDT, IEFP, IHRU,
PSP, GNR, SCML, CNIS, UMP, REAPN, FNERDM, ISS, LNEC, Observatório da FEANTSA, Escola Nacional
de Saúde Pública, Direcção Geral dos Serviços Prisionais.
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que os podem ajudar a sair das situações de crise em que se encontram. Realça que
maioria destes subsídios não tem carácter retroactivo, pelo que os indivíduos devem
recorrer a eles atempadamente. Apoiando os indivíduos a pagar as suas rendas
diminui a necessidade de recorrer aos abrigos, sendo que, a longo termo, se as
estratégias de prevenção forem bem sucedidas, se reduziria a necessidade de abrigos
no país. Por outro lado, tal estratégia promove a rápida recuperação da capacidade do
indivíduo para tomar decisões e organizar a sua autonomia. Se se verificar a
necessidade de apoio financeiro para a liquidação de rendas, será provido tendo por
base o princípio da “ajuda para a auto-ajuda” Kitzman (2008), desde que sejam
perspectivadas condições dos indivíduos assumirem o pagamento das suas
prestações no futuro.
O estudo feito pelo Centro de Arrendamento Seguro (2007), na Áustria,
demonstrou que prevenir uma situação de sem abrigo teria um investimento de 370
euros mensais, durante cerca de 6 meses, sendo que a reintegração do mesmo
individuo teria um encargo de 460 euros mensais, prevendo-se a necessidade de o
apoiar durante cerca de 12 meses. Kitzman (2008) afirma que, quanto mais
duradoura for a vivência de sem abrigo, mais moroso será o processo de
ressocialização. Defende ainda que a prevenção e a reintegração devem ser respostas
complementares, pois existirão sempre pessoas que necessitam de apoio mais
especializado, podendo beneficiar dele em instituições ou nas suas próprias
residências, prevenindo os fenómenos de dessocialização.
A perda da habitação dificilmente é o ponto de partida de um percurso de
exclusão social, tal como a atribuição da mesma não resolve todos os problemas que
a problemática dos sem abrigo comporta, Pezzana (2008). São assim necessárias
políticas sociais que congreguem intervenções preventivas, de reinserção e de
manutenção da inserção da população mais vulnerável a processos de exclusão
social.
Na Noruega é da responsabilidade dos serviços municipais providenciar
alojamento temporário às pessoas sem abrigo e dar assistência a todos os que não
consigam manter uma casa por si próprios. A atitude face ao direito a uma habitação
deixou de estar dependente do “bom comportamento” dos indivíduos, assumindo-se
como um direito fundamental. Os objectivos da estratégia de intervenção neste país
passam pela prevenção de novos casos; pela melhoria da qualidade dos centros de
abrigo e pela rapidez de atribuição de habitação permanente a esta população.
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Alojamento em pensão
Nº pessoas em pensão
totalmente paga pela SS/autarquia
totalmente paga
acção social
Nº pessoas a receber
subsídio social de
Pessoas a receber
desemprego
subsídio social de SS
Risco acrescido: casal
desemprego
desempregado, doença
crónica
Pessoas
IEFP
desempregadas
Desemprego
Imigrantes Falta de formação
Situação irregular
Quadro 1 - Fontes de informação e grupos de risco face à situação de sem abrigo
25
6
. O principal problema de saúde pública que existia na altura era a sífilis, podendo nós estabelecer algum
paralelismo entre esta e a tuberculose dos dias de hoje, no que concerne ao impacto destas doenças na saúde
pública, bem como, nas medidas de prevenção e controlo necessárias à sua erradicação.
30
tecto (25 %), logo seguida pelos problemas de saúde (23 %) relacionados com a
toxicodependência, o alcoolismo, a doença física ou mental. O desemprego representa 22 %,
a habitação sem condições e a dívida da casa outros 17%.,Instituto da Segurança Social
(2005). Apenas 11 % da amostra recolhida declara estar a trabalhar, 6% nunca exerceu
qualquer actividade laboral (jovens com menos de 30 anos), e 82 % já foram activos
(operários, artífices, serviços, trabalho não qualificado) mas estão desempregados. Os
inquiridos evidenciaram uma trajectória profissional de grande instabilidade e precariedade
de vínculos contratuais. Apenas um terço tinha uma situação mais estável que perdeu devido
a dependências (droga/álcool) ou a rupturas familiares. A maior parte (85 %) não teve direito
a subsídio de desemprego. Apesar da inactividade, 75% não estavam inscritos no centro de
emprego, Instituto da Segurança Social (2005). Sobrevivem sobretudo, através de
actividades pontuais (58%). Uma pequena parte aufere rendimentos do trabalho (6 %), de
pensões (8%), de prestações sociais (7%) ou outras (8%), (12%) alegaram não ter qualquer
tipo de rendimento.
Em termos de redes primárias, a maioria dos inquiridos vive em situação de
isolamento social devido a quebra de laços familiares e sociais, assim, 70 % vivem sozinhos
e 14 % com outras pessoas em igual situação.
Em termos de duração da vivência da condição de sem abrigo, encontraram-se
pessoas sem tecto "crónicos", que vivem há muitos anos na rua em situação de exclusão
social, apresentado maioritariamente debilidade física e mental, e indivíduos sem teto de
forma episódica ou periódica, que se encontram há pouco tempo na rua na sequência de
múltiplas perdas profissionais e familiares.
7
Na Grécia Antiga aquando o nascimento de um filho o pai deveria erguer a criança e dizer publicamente “este é
meu filho”, de forma a confirmar a linhagem. O não reconhecimento da paternidade implicava a expulsão da
criança para fora da cidade, abandonada aos elementos e aos animais para morrer (Burguière, 1996).
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outros e de si próprio, permitindo-lhes viver na rua, com tudo o que tal implica: a
descuidada e precária gestão da higiene, das emoções, das situações de saúde e do
restante conceito de cidadania. Nesta óptica, poderíamos dizer que os sem abrigo
accionam estratégias de aprendizagem que lhes permitem viver no exílio de si e de
todos os outros, apoiando-se frequentemente em condimentos que facilitam o lidar
com esta imensa solidão, nomeadamente o álcool e as drogas.
Em síntese, torna-se evidente que a condição de sem abrigo é precedida de
um longo processo de desenraizamento familiar e social, com rupturas sucessivas. A
abordagem a esta problemática impõe-nos uma análise descentralizada do indivíduo,
abrangendo igualmente a rede relacional envolvente.
“Na verdade acho que a minha família nunca me aceitou nem gostou de mim. A
única pessoa que me ajudava era a minha mãe, mas coitada não podia fazer grande coisa.
Nunca ninguém se preocupou comigo”
José, 36 anos
Uma recolha breve da sua história familiar permite encontrar com frequência
os seguintes dados (Bento & Barreto, 2002, p.99):
No que concerne à família de origem, é habitual encontrarmos pessoas que
foram criadas fora da família nuclear, em instituições ou por outras pessoas
(avós, tios, padrinhos, famílias de acolhimento e de adopção);
São usuais as histórias de perdas precoces de um dos pais, ou de pai
incógnito e, portanto, de um modelo de família monoparental, com a
ausência da figura paterna;
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“Família? Nunca soube o que era isso, sempre fui deixado de lado. Já não sabem
de mim há vários anos e nem querem saber, até agradecem que eu não chateie. Se quando
era miúdo nunca ninguém se preocupou, não é agora que vou contar com eles.”
Rui, 30 anos
que lhes confere, ainda que de forma fantasiada, o sentimento de poder voltar para
casa.
Será legítimo conceber a situação de sem abrigo como um sintoma, portador
de um sentido? Um sintoma, em termos psicológicos, é algo que traz uma solução
para um conflito psíquico, constitui uma formação de compromisso que procura
evitar um mal maior.
Por vezes é quando as coisas parecem estar a melhorar que há retrocessos,
como se não se dessem ao direito de reconquistar a sua autonomia. “São eles
próprios, muitas vezes, que não deixam, que não querem, o que implica uma
dimensão pessoal muito grande…É um trabalho afectivo que não pode ser
desempenhado por um técnico que, de papel e caneta na mão, fale com estas pessoas
e lhe explique os seus direitos. São, na verdade, pessoas muito difíceis de trazer para
a sociedade,...” (Moita, 2004, p.155).
Este é o grande desafio de quem quer estruturar uma intervenção com a
população sem abrigo, onde a arte consiste na relação, precisamente a área de maior
vulnerabilidade desta população. Um trabalho que privilegia a área relacional deverá
envolver para além da esfera individual, um esforço multidisciplinar das várias
instituições (direta ou indiretamente) ligadas ao fenómeno dos sem abrigo. Dada a
relevância que reconhecemos ao trabalho inter-institucional dedicar-lhe-emos o
ponto seguinte.
Intervenção em rede
assumir-se quase como substituto dos serviços sociais, tendo em conta também a
vantagem dos baixos custos da assistência assim possibilitada (Góngora, 1991).
A área do apoio psicossocial, desde cedo, considerou que as redes sociais
deveriam ser tidas em conta no tratamento dos indivíduos com dificuldades
psicossociais. Os tipos de intervenção que criam redes são usados fundamentalmente
quando o indivíduo se encontra isolado socialmente, com um número reduzido de
vínculos, ou quando os vínculos sociais existentes são considerados prejudiciais para
o sujeito (Góngora,1991). O seu objectivo primordial é aumentar o número de
membros da rede, criando novos vínculos. Esta modalidade de intervenção é
realizada por redes secundárias, focalizando e mobilizando o desenvolvimento das
redes primárias (i.e., a esfera dos “conhecidos”), e a optimização do nível de uso dos
serviços disponíveis nas instituições. Os tipos de intervenção que potenciam a rede
funcionam com objectivo de aumentar a eficácia da rede do indivíduo, no sentido de
possibilitar a resolução autónoma dos seus problemas.
A definição de apoio social não é consensual. Segundo Bowling (1997),
Sherbourne & Stewart (1991) e Cohen & Wills (1985), trata-se do grau com que
relações interpessoais correspondem a determinadas funções (por exemplo, apoio
emocional, material e afectivo), com ênfase no grau de satisfação do indivíduo com a
disponibilidade e qualidade dessas funções. Cobb (1976) define apoio social como a
informação que leva o indivíduo a acreditar que é querido, amado e estimado, e que
faz parte de uma rede social com compromissos mútuos. Minkler (1985) ressalta que
apoio social deve ser compreendido como um processo recíproco, isto é, que gera
efeitos positivos tanto para quem recebe como para quem oferece o apoio,
permitindo que ambos tenham maior sensação de controlo sobre as suas vidas.
Embora os mecanismos de acção exercidos pela rede e apoio social nos
sistemas de defesa do organismo humano ainda não tenham sido elucidados, duas
hipóteses básicas são apresentadas: na primeira, actuariam traduzindo a resposta do
organismo na forma de doença, como consequência de grandes perdas ou rupturas
emocionais (Cohen & Wills, 1985); na segunda hipótese, o apoio social poderia
reforçar a sensação de controlo sobre a própria vida, o que por sua vez implicaria
efeitos positivos sobre a saúde (Rodin, 1986).
A forte e consistente associação inversa entre os laços sociais e a taxa geral
de mortalidade, foi um dos primeiros efeitos identificados da rede e apoio social
sobre a saúde (Berkman & Syme 1979). Investigações posteriores confirmaram a
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A Desinstitucionalização Hospitalar
A Re-institucionalização Comunitária
Este estudo demonstrou que para além de uma maior satisfação dos pacientes e
familiares, os custos com o grupo de estudo forma menores.
Carling e colaboradores (1987) afirmam que num estudo relativo à
reintegração comunitária, envolvendo todos os grupos com alguma incapacidade
concluem que: as necessidades de habitação são semelhantes em todos os grupos
embora o apoio necessário possa variar; o apoio técnico é um vector determinante na
capacidade dos indivíduos para manter a sua casa; os problemas habitacionais estão
menos ligados à doença do que a factores económicos e sociais, tais como a pobreza
e a descriminação; existem grandes diferenças de opinião entre os profissionais e os
utentes acerca das necessidades específicas destes últimos, no que concerne ao
alojamento e apoio. Os utentes pretendem estar centralmente envolvidos no
planeamento, organização e manutenção da sua casa e dos serviços, sendo que os
idosos e os indivíduos que apresentam alguma incapacidade estão mais expostos ao
risco de institucionalização.
Conclui-se que o modelo de integração comunitária deveria evitar a
segregação dos utentes, colocando a tónica no reforço das relações entre indivíduos
portadores de alguma incapacidade e indivíduos com maior facilidade de integração,
permitindo assim a diluição da patologia e o fortalecimento da rede de suporte.
Reforçamos a necessidade de estudos orientados para a análise e definição de
conceitos operacionais, bem como estudos que avaliem o impacto nos utentes e suas
famílias, de forma a demonstrar a eficácia destas abordagens (Teixeira, 2006).
Torna-se fundamental a inclusão dos próprios na definição dos seus projectos de
vida. A relação de confiança que esta “co-reinserção” fomenta, poderá facilitar, em
nosso entender, o emergir de uma vinculação segura e reparadora.
Capítulo II
Vinculação
O conceito de vinculação
Sabendo que todo o ser humano tem a propensão para estabelecer vínculos
afectivos com outros, levando a separação ou a quebra desses vínculos a múltiplas
formas de consternação emocional e perturbações várias, teremos de concordar que,
directa ou indirectamente, a qualidade das relações primárias que desenvolvemos
com determinada “figura” ocupa um lugar central em todo o processo de
desenvolvimento do sujeito. Esta propensão resolveu o problema da necessidade de
protecção e suporte imprescindível à sobrevivência do ser humano, munindo a
criança com um sistema de comportamentos que asseguram a proximidade com o
adulto.
Autores tão conhecidos como René Spitz, Anna Freud, James Robertson,
entre outros, deram contributos acerca dos efeitos da privação de cuidados maternos
60
impacto das relações afectivas umas nas outras, ou tentando conhecer a evolução que
uma ou várias relações afectivas específicas têm ao longo do ciclo de vida. Ou seja, "
(…) para qualquer relação interpessoal, os indivíduos trazem consigo memórias de
relações passadas e expectativas sobre relações futuras" (Canavarro, 1997, p.70).
Desta forma, alguns autores sentiram necessidade de postularem a existência
de estruturas cognitivas responsáveis pela representação das relações interpessoais e
pela mediação entre as mesmas. Bowlby, como já referido anteriormente, designou
estas estruturas por working models, enquanto que outros adoptaram a designação de
esquemas interpessoais ou unidades de representação das experiências relacionais
como veremos mais adiante.
A Teoria da Vinculação
de vinculação vai sendo activado com menos frequência e menos intensidade, e pode
ser desactivado por um leque muito mais vasto de condições (Bowlby, 1979; Soares
1992).
Em síntese, se uma criança não tiver oportunidade de se vincular a uma
pessoa específica no decorrer de um período crítico do seu desenvolvimento – os três
primeiros anos, segundo Bowlby, o primeiro ano segundo Sroufe (Montagner, 1993)
– tal poderá levar a uma incapacidade ou inadaptação para formar relações afectivas
satisfatórias com os outros. De forma similar, a perda da figura de vinculação no
decorrer deste período crítico terá, provavelmente, como consequência o
desenvolvimento da ansiedade na criança.
confortada pelo estranho. O gradiente, neste grupo, vai desde uma interacção mais à
distância com a mãe, sem procura activa de proximidade, até à procura
verdadeiramente activa de contacto e proximidade após a ausência.
No Grupo C (inseguro-ambivalente/resistente) coexistem comportamentos de
resistência activa ao contacto e interacção com a mãe e comportamentos de procura
de contacto, mas em que estes últimos inibem a exploração do meio; este grupo
subdivide-se em maior passividade ou maior irritação (Ainsworth, 1982; Machado,
2004; Soares, 1996).
Quanto aos resultados, a autora verificou que a maioria dos bebés foram
classificados como seguros (70%), inseguros-evitantes (20%) e uma pequena
minoria no grupo inseguro-ambivalente/resistente (10%) (Machado, 2004, p.298).
Quanto aos comportamentos das mães, poder-se-á dizer que as mães de
"bebés seguros" mostram receptividade e sensibilidade às estimulações ou pedidos
do seu bebé; as mães dos "bebés evitantes" manifestam mais frequentemente quer
insensibilidade às solicitações do seu bebé, como uma certa relutância de contacto
físico; e as mães dos "bebés ambivalentes" tendem a comportar-se de forma
inconsistente para com as solicitações do seu bebé (Cicchetti et al., 1995; Deklyen &
Speltz, 2001; Machado, 2004; Main & Cassidy, 1988).
Ao encontrar algumas dificuldades na classificação de vários bebés, e após
uma revisão dos mesmos, Mary Main e Solomon identificaram um quarto grupo de
bebés, o Grupo D (desorganizado) caracterizado por sequências de comportamentos
contraditórios, por movimentos despropositados e assimétricos, estereotipias,
posturas anómalas, sinais de apreensão relativamente à figura parental, expressões de
confusão, desorientação e desorganização (Main, 1996; Soares, 1996, 2000).
Deklyen e Speltz (2001) interpretam esta "desorganização" como uma
resposta ao medo; medo suscitado pela presumível fonte de segurança (mãe/pai), ou,
noutros casos, pela ocorrência de algo que ameaçou ou traumatizou o bebé (e. g. no
caso de uma perda).
Main e Cassidy (1988), num estudo longitudinal com crianças com
vinculação D, observam que muitas destas crianças posteriormente (aos 6 anos)
apresentam padrões de vinculação relativamente organizados mas caracterizados por
uma espécie de "inversão de papéis" (e. g. a maioria dessas crianças apresentou
comportamentos de controlo ou punitivos relativamente aos pais). Subjacente a tais
situações da vinculação D parece existir, da parte dos pais dessas crianças, uma
72
nível das relações amorosas (Soares, 1996). Estas relações, dada a sua intensidade,
cumplicidade e grande intimidade física e sexual, revestem-se de uma carga afectiva
ímpar, sendo possível sobrepor-se a certas funções da relação pais-filhos Guedeney,
(2002).
Nesta fase, a função do comportamento de vinculação é essencialmente a de
regulação das emoções, uma vez que a sobrevivência, outrora fundamental, estará já
assegurada. Se no início da adolescência uma das tarefas fulcrais dos pais enquanto
cuidadores, deverá ser a de apoiar os filhos na gestão adequada dos afectos
emergentes do seu movimento de independência, pressupõe-se que,
progressivamente, o adolescente adquira capacidades de regular os afectos sem
distorção, inclusive nas situações emocionalmente mais exigentes. As perspectivas
desenvolvimentais contemporâneas defendem que a existência de relações de
vinculações seguras entre pais e adolescentes são facilitadoras do processo
desenvolvimental, uma vez que se constituem como uma base segura a partir da qual
o adolescente pode explorar o mundo extra familiar (Bowlby, 1988; Kenny, 1987a;
Cárter & McGoldrick, 1988; Berman & Sperling, 1991, Machado, 2004; 2007) Esta
tarefa fundamental permitirá ao indivíduo não só desenvolver uma estratégia
independente de regulação dos seus afectos, bem como, poder fazê-lo de uma forma
distinta da dos seus progenitores. A adolescência representa um período de moratória
psicossocial no qual o adolescente experimenta um conjunto de papéis sociais, de
forma a adquirir competências ao nível da tomada de decisão, resolução de
problemas e aquisição de autonomia (Arnett, 1997, 2004, 2006).
As novas relações estabelecidas podem constituir uma oportunidade de
reavaliação das relações precoces, estabelecidas de modo inseguro, contribuindo
para o processo de reparação dos modelos internos dinâmicos (Main et al., 1985;
Soares, 1996). Hazan e Zeifman (1994) defendem, inclusivamente, que embora os
adolescentes elejam os pares como companhia, quando necessitam de suporte
emocional e conforto recorrem às figuras parentais, cumprindo assim, estas figuras,
funções distintas no desenvolvimento saudável do adolescente.
76
vigilante aos sinais mais ínfimos da ausência de resposta por parte da figura de
vinculação, o que conduz à manutenção do sistema de vinculação hiper activado.
Em suma, o modelo enfatiza simultaneamente: a realidade – o contexto em
que o modelo de vinculação é efectivamente activado; e as fantasias – defesas,
influências cognitivas associadas a padrões, estratégias e estilos específicos de
vinculação.
85
Primeiro Módulo
Continuidade das
Sinais de ameaça actividades em
Não curso
Sim
Activação do sistema
de vinculação
Procura de proximidade
da figura de vinculação
externa ou internalizada
Segundo Módulo
Está a figura de Sentimento de Construção e
vinculação Sim segurança, de reforço do ciclo
disponível, atenta, alívio e efeito de vinculação
responsiva? positivo. segura
Não
Vinculação insegura
(originando
perturbação)
Terceiro Módulo
A procura da Não Distanciamento no
proximidade é uma Estratégias de que toca a indícios
opção válida? desactivação de ameaça à
vinculação
Sim
Estratégias de
hiperactivação
Figura n.º 1: Modelo e funcionamento do sistema de vinculação no adulto (adaptado de Mikulincer &
Shaver, 2007)
86
Estratégias de hiperactivação
Estratégias de desactivação
Transmissão intergeracional
desenvolver o mesmo tipo de defesas que outrora o seu progenitor desenvolveu. Este
fenómeno é denominado por transmissão intergeracional.
A impermeabilidade relacional explica, em grande medida, o porquê dos
indivíduos replicarem os modos de interacção vividos anteriormente, nas novas
relações que estabelecem, quer amorosas, quer parentais. Contudo, esta transmissão
não tem um carácter determinista, havendo a possibilidade, desde que reunidos os
condicionantes necessários (interesse do próprio, ambiente estável e tranquilizador,
relação de segurança, entre outros) para uma revisão dos modelos internos.
Há evidências empíricas de que a dinâmica de relacionamento estabelecida
com os cuidadores numa geração é geralmente recriada na próxima (Kretchmar e
Jacobvitz, 2002). Mulheres que tiveram um relacionamento caracterizado por
proximidade e suporte à sua autonomização, parecem recriar este tipo de relação
com os seus próprios filhos.
Na comparação intergeracional fica evidenciado um papel de maior destaque
da figura materna na contribuição da educação dos filhos, sugerindo que a função da
mãe seja mais sólida e próxima do que a do pai (Vitali, 2004; Monteiro & Pereira,
2008).
Investigadores identificaram que o suporte do companheiro é um dos factores
que contribui para que as mães reestruturem os padrões disfuncionais aprendidos
com a sua família (Egeland & Sroufe, 1981). Identificam igualmente que a
capacidade de reinterpretar a sua história relacional familiar pode contribuir para
identificar e reparar os padrões disfuncionais.
Num estudo desenvolvido por Capaldi e Clarck (1998) concluiu-se que a
agressividade pode ser um dos padrões passíveis de ser transmitidos de geração para
geração. Resultados semelhantes foram encontrados por Ehrensaft e Cohen (2003),
ao seguirem durante vinte anos uma geração de crianças. Concluíram que as crianças
expostas à violência entre os pais durante a infância têm mais riscos de se tornarem
adultos agressivos.
Belsky e Fearon (2002), chamaram a atenção para a importância dos
primeiros relacionamentos de vinculação como organizadores de um possível padrão
de vinculação. Estes estudos sublinham que uma vez alcançada a segurança, está
longe qualquer garantia de mantê-la, e também fomentam a ideia de que a
sensibilidade medeia a transmissão intergeracional da vinculação. A maior parte
destes resultados foram confirmados no estudo do Instituto Nacional de Saúde
91
Com base neste pressuposto Kochanska (1995, 1997) centrou o seu âmbito de
intervenção na aplicação de um programa de desenvolvimento da consciência em
crianças jovens. Constatou que com as crianças tímidas, receosas e as crianças com
temperamento reactivo, uma atitude de poder paternal assertiva não parece promover
a consciência. Mas para as crianças ansiosas, a firmeza é a prática mais eficaz de
lidar com o desenvolvimento de um estreito vínculo emocional da criança e a
responsividade materna. Isso significa que as crianças ansiosas são mais propensas à
socialização, mais capazes de obedecer e sentem mais desconforto interno quando
transgridem (Kochanska, 1997).
Monteiro e Pereira (2008) apresentam um estudo que defende a importância
de estabelecer relações afectivas privilegiadas na adolescência. Uma vinculação
segura (aos pares e aos pais) parece actuar como factor de protecção para a
emergência de psicopatologia, sugerindo que se intervenha terapêuticamente em
jovens com padrões de vinculação inseguros.
Trabalhando aspectos como a análise e avaliação das representações
disfuncionais de si próprios e dos outros, perspectivam que a relação terapêutica
actue como uma experiência desconfirmatória, podendo intervir no sentido da
reelaboração dos modelos internos dinâmicos e da reestruturação dos esquemas
interpessoais, contribuindo para a ruptura de ciclos transgeracionais negativos
(Safran & Segal, 1990, Guidano, 1991).
Tendo em conta que o desenvolvimento vinculativo é um factor
determinante, que pode actuar como factor de protecção para a emergência de
psicopatologia, ou pelo contrário, predispor para esta, apresentamos de forma mais
detalhada a relação entre vinculação e psicopatologia.
Vinculação e Psicopatologia
vinculação segura também não garante, por si só, que tais manifestações não
ocorram, permanecendo a convicção que a vinculação continuará a sofrer
transformações e integrações com novas conquistas relativas a autonomia do sujeito
no decurso do seu desenvolvimento. É ainda de salientar que esta abertura a novas
transformações funciona em ambos os sentidos, ou seja, podem-se adquirir novas
“forças” ou novas “vulnerabilidades”.
Assim sendo, "em qualquer fase (...) mudanças nos cuidados prestados e
acontecimentos da vida como rejeições, separações e perdas, mas também
experiências positivas (…), ou a própria adesão terapêutica, podem provocar
alterações no decurso do desenvolvimento da vinculação" (Van IJzendoorn, 1995, p.
412).
Recentemente vários estudos tentaram compreender a relação existente entre
os vários padrões de vinculação e a saúde mental (Golder et al., 2005;Newcom-
Rekart et al., 2007; Sund & Wickstrom, 2002). No entanto são muitas as limitações
neles encontradas, pois a análise longitudinal e a implicação de outras variáveis no
processo não têm sido contempladas nas diversas investigações. Apesar das variáveis
em causa serem diversas, da constituição da amostra não ser simples, entre outros
factores que tornam esta uma área de investigação complexa, apresentaremos um
conjunto de estudos que consideramos importantes analisar tendo em conta os
objectivos do presente trabalho.
Sroufe e colaboradores (2005) concluíram que, especialmente o padrão de
vinculação desorganizado foi mais fortemente associado com psicopatologia do que
qualquer outro padrão de vinculação. A vinculação insegura foi sobretudo associada
com ansiedade, e a evitante mostrou-se relacionada com problemas comportamentais
e de conduta, mas previu psicopatologia.
Main e colaboradores (2005) postulam que o início da investigação da
representação da vinculação abriu o campo para cognição, emoção e regulação dos
estados de espírito. (Dozier et al., 2004; Grossmann et al., 2005) defendem que a
utilização do AAI como instrumento de avaliação da vinculação na idade adulta,
aprofundou a curiosidade dos investigadores em desvendar o desenvolvimento
através do tempo e do espaço
De facto, foi essa atitude que deixou claro que a criança é construtora da sua
própria realidade e um agente activo do seu desenvolvimento. A construção das
representações orienta a dinâmica do processo de desenvolvimento, e são definidas
97
Sobre os outros
Tipo de vinculação durante a Working-Models
idade adulta
Sobre si próprio
Auto-conceito
Estratégias de Coping
Distorção cognitiva na
percepção de acontecimentos
interpessoais
Mecanismos de regulação do
afecto
Saúde Mental
Equilíbrio Psicopatologia
Emocional
99
Figura n.º 2 - Ligação entre relações de vinculação e saúde mental, de acordo com recentes
desenvolvimentos da Teoria de Vinculação (Bartholomew, 1990; Hazan & Shaver, 1987; Main et al.,
1985; Ruitter, 1995; Sroufe & Fleeson, 1986; Waters et al., 1993) Fonte: Canavarro, 1997, 142
Em estudos recentes (Bartholomew, 1990; Hazan & Shaver, 1987; Main et
al., 1985; Ruitter, 1995; Sroufe & Fleeson, 1986; Waters et al., 1993, Sroufe et al.,
2005) considera-se que a figura de vinculação não serve apenas de base segura mas,
ao ser sensível e responsiva para o indivíduo, permite-lhe a sensação de que ele
próprio é capaz de despertar cuidados por parte dessa figura e de outras. Tal irá
aumentar a sua sensação de auto-eficácia que posteriormente se alargará a outras
esferas da sua vida.
Relativamente às estratégias de coping, os autores defendem que um
indivíduo sente-se ansioso se a sua figura de vinculação não apresenta, de forma
consistente, comportamentos adequados às suas necessidades, organizando respostas
ambivalentes ou de evitamento para minimizar o tipo de respostas percepcionadas,
acabando por generalizá-las a outras áreas da sua vida.
No que concerne às distorções cognitivas na percepção de acontecimentos
interpessoais, constataram que, indivíduos com padrões de vinculação inseguro
tendem a interpretar os acontecimentos interpessoais indutores de stress como
rejeições ou, como mais uma certeza da sua falta de competências sociais, podendo
por tal facto apresentar sintomatologia depressiva.
Relativamente aos mecanismos de regulação do afecto, Rosenstein e
Horowitz (1996) afirmam que a vinculação evitante é característica de perturbações
nas quais a ansiedade é evitada. O afecto será assim contido e a expressão dos
comportamentos disfuncionais direccionam-se ao outro; a vinculação ansiosa é
característica das perturbações em que existe consciência da ansiedade sentida, no
entanto o afecto não é modelado e o comportamento disfuncional é dirigido em
relação ao próprio.
A designação de MOI (modelo operacional interno) é originária do psicólogo
britânico Kenneth CraiK, 1943 (cit in Guedeney, 2002) e foi repescada por Bowlby
na intenção de evidenciar o carácter dinâmico que assumem os modelos mentais que
a criança vai construindo, tendo em conta as interacções que estabelece com os que
lhe são mais próximos. Estes modelos confluem simultaneamente numa imagem
criada de si como sendo mais ou menos merecedor de ser amado e, do outro, como
mais ou menos disponível e sensível às suas necessidades.
100
Síntese
Introdução
ou tratamento ao nível da saúde mental (Farr, Koegel e Bunjam, 1986; Mulkein e Bradley,
1986).
Para os sem abrigo com problemas de saúde mental ou de abuso de substâncias
psicoactivas a vida nas estruturas de acolhimento pode gerar tensões, de modo que, embora
estas possam permitir avaliações e diagnósticos, muitas vezes não conseguem garantir a
permanência nem motivar os residentes para o tratamento (Dockett, 1989).
A adaptação às estruturas residenciais é descrita por Eagle e Grunberg (1990) como
um processo de aculturação endémica à vida nos abrigos. É caracterizada pela diminuição dos
recursos interpessoais, negligência da higiene pessoal, aumentando a passividade e a
dependência. Além disso, o facto de percepcionarem a integração em determinada estrutura
como uma perca de controlo do rumo da sua vida, contribui significativamente para a baixa
auto-estima, ausência de esperança e diminuta auto-valorização. No entanto, antes de integrar
as estruturas de acolhimento estão geralmente sem rede social, uma vez que se relacionam
maioritariamente com pessoas que enfrentam situação similar, sendo frequente o reforço desta
mesma rede nestes dispositivos (Eagle e Grunberg, 1990).
A existência de equipas multidisciplinares nas instituições de apoio introduziu
mudanças fundamentais na orientação dos serviços, passando a centrar-se em processos
individuais para alcançar uma reabilitação psíquica, social e laboral, estimular o
comportamento adaptativo, mudar hábitos e melhorar as competências sociais, reestruturar a
dinâmica relacional familiar (Martín Barroso, Alba, 1985).
Além de prestar cuidados básicos e estadia, as estruturas residenciais podem tornar-se
um lugar seguro para estabelecer relações interpessoais gratificantes e reaprender hábitos de
sociabilidade. Podem ainda facilitar o acesso a redes sociais, apoio emocional, tratamento ou
um lugar para recuperar de fragilidades típicas nos sem abrigo, dadas as suas carências
alimentares, de higiene e exposição a factores ambientais agressivos, Cabrera (2003).
Um fenómeno habitual entre os residentes das estruturas é a "porta giratória", que
permite encontrar, ciclicamente, os indivíduos em diferentes instituições, Cabrera (2003).
Estes indivíduos, normalmente transitam de uma estrutura para outra, sendo que a rotação
ocorre em função das vagas disponíveis e as estadias são relativamente curtas. A decisão de
abandonar a estrutura justifica-se usualmente por um emprego casual ou por receberem algum
dinheiro, expressando o desejo de uma liberdade adolescencial.
Cabrera (2003), afirma que um aspecto realmente inesperado da sua pesquisa refere-se
aos dados sobre a visão de si próprios e do seu futuro. A maioria descreveu a sua condição
como transitória, podendo constatar-se que a esperança é um factor que define a vivência dos
104
sem abrigo. Assim como na maioria das pessoas, na população sem abrigo as ilusões de
autonomia são um componente crítico do seu processo, sendo importante que as estruturas
trabalhem estes aspectos (Avia Vázquez, 1998, Taylor, 1989).
Ao longo deste capítulo iremos apresentar a filosofia de base das comunidades de
inserção e de uma forma mais pormenorizada a metodologia de intervenção da comunidade de
inserção novo olhar. Terminaremos o capítulo com a exposição de algumas das
particularidades das quais de reveste o trabalho com os sem abrigo nesta estrutura.
Reunião Comunitária
Reunião de residentes
Reunião de equipa
efectuada com base na teoria, que se pode reformular novamente a teoria e permitir a
realização de novas aprendizagens. Além do debate, da reflexão individual e conjunta durante
as reuniões, surgem situações de incentivo à pesquisa, leitura e participação em congressos.
Na CINO a reunião de equipa é o espaço em torno do qual gira toda a dinâmica
comunitária, com implicação directa no projecto de todos os residentes, quer do ponto de vista
individual como grupal. Tendo um carácter semanal a reunião de equipa conta com a presença
de todos os profissionais que trabalham na estrutura, promovendo o debate de todas as
questões relevantes da vivência comunitária, desde aspectos funcionais até ao
acompanhamento individual. Embora cada um tenha uma determinada área de saber as
situações são lidas nas mais diversas ópticas e as decisões tomadas em equipa, garantindo que
todos se sentem parte integrante do processo de decisão.
A discussão de casos, para além de uma actualização permanente de toda a informação
considerada pertinente acerca do processo de cada um e constante redimensionamento de
metas terapêuticas, conferindo-lhe um funcionamento dinâmico, permite à equipa desenvolver
uma linha de leitura comum e definir estratégias de intervenção integradas.
Sempre que se avalia como necessário, está presente um supervisor externo que apoia
a equipa a sistematizar procedimentos, analisar casos e delinear intervenções. Semelhante à
estrutura dos Grupos Balint (Salinsky & Sackin, 2007) desenvolve-se uma metodologia de
partilha e escuta, com o apoio de alguém com formação específica, que vai gerindo a dinâmica
do grupo e que, em momentos adequados, clarifica os factores emocionais envolvidos. Esta
técnica aumenta a consciência do desempenho profissional e das emoções presentes em cada
relação técnico-residente. A riqueza deste espaço prende-se com toda a participação
individual, mas também com a dinâmica grupal que induz, permitindo a promoção do bem-
estar e a redução do burn-out.
Rotina diária
O dia na C.I.N.O. começa às 7:30 da manhã e termina às 22:45. É composto por tarefas
de manutenção do espaço, actividades ocupacionais, lúdico-pedagógicas, tempo livre,
aconselhamento individual, dinâmicas de grupo e hábitos de higiene pessoal. A estas
actividades acrescem todas as diligências feitas por cada indivíduo no sentido de tratar de
117
assuntos pessoais que tenham a ver com saúde, segurança social, justiça, formação, emprego,
habitação e família.
A rotina dos fins-de-semana tem um grau de exigência menor, dedicada ao descanso,
lazer e vida social, tendo em conta que o Domingo foi definido como “dia livre”, sendo por
isso gerido pelos próprios. Os residentes tem a possibilidade de acordar mais tarde e a tónica é
colocada nos momentos grupais: Reunião Comunitária ao Sábado e Reunião de Residentes ao
Domingo. A rotina diária comporta um conjunto de actividades planeadas, inter-relacionadas e
projectadas para alcançar objectivos terapêuticos e estruturais, direccionadas especificamente
para fomentar a coesão grupal, sentimento de pertença à estrutura, bem como, reduzir a
ansiedade associada ao tempo livre.
Desta forma, respeitar os horários estabelecidos e o programa de actividades permite
readquirir capacidades de gestão do tempo, fazer uso construtivo do tempo livre pessoal,
planear contactos com outras instituições ou pessoas importantes para o seu projecto de vida
fora da Comunidade de Inserção, ensaiando experiências gratificantes que reforcem o
sentimento de segurança, de pertença e identidade.
O estilo de vida dos residentes da C.I.N.O. foi pautado, até então, por uma falta de
estruturação do seu dia-a-dia. Estão claramente ausentes a estipulação de objectivos, as rotinas
de trabalho, a realização de tarefas e a capacidade de gestão do tempo. De certa forma, esta
falta de estruturação externa culmina numa desorganização interna (défice de auto-controlo,
irresponsabilidade, falta de motivação generalizada).
Esta rotina diária confere aos residentes a aquisição de competências pessoais e
sociais, com vista a uma maior tolerância à frustração, à temporização da satisfação imediata e
à capacidade de estabelecer objectivos a longo prazo, ajustando, desta forma, as suas emoções.
É particularmente esta rotina que permite aos residentes consciencializar-se que a
concretização de metas ocorre passo-a-passo, promovendo um desempenho constante, uma
crescente tolerância à repetição das tarefas, moderar comportamentos extremos, regular
pensamentos e emoções.
A intimidade da vida numa comunidade também acentua a necessidade de injunções
restritas contra a mentira, o roubo, a manipulação, emprestar e pedir emprestado, práticas
sexuais ou a complacência com esses comportamentos noutras pessoas. Assim, torna-se
fundamental a implementação e treino de um código moral explícito, sem o qual a própria
filosofia de base da comunidade estaria ameaçada.
Na CINO o desenvolvimento moral deve ser replicado pelo exemplo dos
companheiros, colegas de casa ou mesmo dos técnicos. Reconhecendo um passado de ruptura
118
com os valores e normas sociais, a Comunidade permite o reaver dessas perdas através de
rotinas e comportamentos estruturantes de modo a vivenciar a honestidade (em palavras e
acções) e a atenção responsável, ou seja, os residentes assumem gradualmente
responsabilidade pelo projecto dos outros (Ottenberg, 1978).
Estes códigos de conduta contrastam com os códigos da rua, da prisão ou das próprias
famílias disfuncionais, nos quais os indivíduos são obrigados a proteger-se e compactuar com
eles.
Privilégios e Sanções
Encaminhamento
A Comunidade de Inserção Novo Olhar não é uma estrutura isolada, fazendo parte
integrante de um conjunto de respostas locais à problemática dos sem abrigo. A forma como
são articuladas as respostas obedece a uma lógica de intervenção, na qual todos os parceiros
actuam de forma organizada e sequencial. Salientamos que embora não exista um manual de
procedimentos escrito sobre as diversas estruturas de resposta à problemática dos sem abrigo,
a CINO não pretende ser uma resposta de emergência, ou de alojamento temporário, mas uma
estrutura que pretende contribuir de forma diferenciada, pelo que o nível de exigência dos seus
critérios de selecção é elevado. Assim, sendo esta uma estrutura de “segunda linha”, não
existe um acesso directo dos beneficiários à mesma. Os utentes que reúnam critérios de
encaminhamento são sinalizados pelas instituições e serviços locais, através de formulário
próprio disponibilizado pela CINO.
De destacar que após um trabalho de proximidade com os diferentes técnicos
interlocutores, existe já um conhecimento aprofundado da metodologia de intervenção da
estrutura e do grau de adequabilidade face aos diferentes casos, o que permite uma avaliação
cuidada no encaminhamento/triagem dos beneficiários. Após a recepção e análise da proposta
de admissão e caso a situação reúna os requisitos, é agendada a entrevista de avaliação pré-
diagnóstica.
Discussão do caso
Admissão
numa primeira fase, o acompanhamento dos residentes a esses serviços. A forma como os
beneficiários lidam com as instituições/serviços que conferem os instrumentos básicos para
uma identidade social e uma cidadania plena (BI, cartão utente, segurança social, numero
contribuinte, entre outros) bem como o modo como estes serviços estão organizados,
transmite-lhes um sentimento de inaptidão, colocando-os por vezes numa situação de maior
vulnerabilidade e fragilidade social (linguagem demasiado complexa nos formulários e no
atendimento, excesso de burocracia, rigidez das regras de utilização dos serviços, tempo útil
dispendido, entre outros).
Outro parâmetro contemplado nos objectivos a contratualizar diz respeito à tentativa de
reparação das relações familiares. Os beneficiários da CINO têm, na sua maioria, relações
conflituosas ou mesmo de ruptura total com as famílias. Usualmente a quebra destes laços é
marcada por uma já muito vincada carência afectiva. Assim, temos constatado que este
trabalho requer, não só um acompanhamento individual, em que sempre que possível e
desejável pelos próprios, se procura uma aproximação à família e/ou a outras relações
estruturantes; mas também um trabalho de desenvolvimento de competências pessoais e
sociais e, nos casos em que se justifique, parentais.
A CINO é, por si só, um meio privilegiado de socialização e de partilha de
experiências que pode, no entanto, ser optimizado com algumas estratégias provocadas de
interacção em grupo. Numa fase inicial os objectivos propostos passam pelo bom
relacionamento com os outros residentes e elementos da equipa, sendo que com o decorrer do
processo se pressupõe que as competências relacionais adquiridas sejam aplicadas num
contexto familiar. Uma atmosfera de confiança e apoio emocional na casa facilita a resiliência
a situações de risco, aumentando a capacidade de gestão de conflitos emocionais dos
residentes. Sempre que necessário são realizadas sessões de família e de casal que visam uma
melhoria na comunicação e o incremento da capacidade de negociação de novos modos de
estar em família, que permitam uma saudável e desejada individualização dos seus membros,
sempre numa perspectiva da mudança, da resolução de conflitos (não os evitando) e do
sentimento de bem-estar.
A concretização do PII avalia-se através do cumprimento dos objectivos definidos e
adaptação dos mesmos tendo em conta a evolução do residente. É monitorizada pelo
acompanhamento individual, pela supervisão da esfera funcional e por intervenções grupais,
quer de carácter pedagógico, quer terapêutico. Os membros do grupo beneficiam dos insights
e do feedback dado pelos restantes elementos e podem aprender novos repertórios
comportamentais por observação directa. As metodologias com maior impacto são as
126
dinâmicas de grupo que, por facilitarem de modo indirecto alguns processos interpessoais não
resolvidos, contribuem para a consistência global da intervenção na CINO. Na implementação
das sessões de dinâmica de grupo, recorre-se a actividades temáticas (discussões, debates),
jogos pedagógicos, actividades lúdicas e role-playing de diversas situações. As sessões, com
uma frequência semanal, duram aproximadamente 1h.30m, de acordo com a vivência grupal
em cada fase.
Autonomização
Follow up
Permitam-nos partilhar alguns dos dilemas do trabalho com a população sem abrigo
que encontrámos na Comunidade de Inserção Novo Olhar:
128
Para Silva (2004), os profissionais das estruturas residenciais têm um importante papel
de educadores, o que requer a profissionalização da área e uma política de recursos humanos
que envolva formação permanente, incentivos e valorização, incluindo remuneração
adequada. A formação continuada desta equipa deve fomentar, ainda, a formação de uma
consciência social em prol do bem-estar desta população, considerando que o trabalho
institucional traz repercussões directamente relacionadas à integração dos seus residentes
(Bazon & Biasoli-Alves, 2000; Yunes, Miranda, & Cuello, 2004). Além disso, estes autores
destacam a importância de um trabalho organizacional de valorização dos funcionários, para
que não seja um trabalho temporário e rotativo. A efectivação destas acções contribuiria para
uma auto valorização da equipa, e consequentemente, diminuiria a possibilidade de uma
constante quebra de vínculos. È fundamental o apoio e supervisão às equipas no sentido de
lhes permitir uma leitura menos carregada da dimensão emocional face a problemas tão
complexos, de forma a garantir uma intervenção adequada.
Foi no sentido de perceber esta capacidade de reparação que realizamos os
questionários apresentados no capítulo seguinte, esperando tecer algumas reflexões que
confluam para o aprofundar de conhecimentos nesta área.
Parte II
Estudo Empírico
aumento da sociabilidade dos sem abrigo pode contribuir para uma efectiva inserção social,
alterando a relação com os outros, com o meio e consigo próprios. Desta forma, a emergência
de padrões de vinculação segura poderá funcionar como um recurso interno para lidar com
situações adversas e ser um factor protector face a futuras situações de vulnerabilidade
(Mikulincer & Florian, 1995).
Assim, a investigação desenvolve-se ao longo de um ano em que decorre a
implementação do programa de inserção. Os dois momentos de avaliação ocorrem no início e
no final desse ano. Foram constituídos dois grupos, um grupo alvo composto por sem abrigo e
um grupo de referência composto por sujeitos “socialmente integrados”. No subponto
referente aos participantes descreveremos com mais pormenor a constituição destes grupos. A
vinculação foi analisada através do Adult Attachment Questionnaire (ASQ) e foram
consideradas as dimensões: confiança; desconforto relativamente à proximidade;
relacionamentos como factor secundário; necessidade de reforço/aprovação; preocupação,
vinculação ansiosa e vinculação evitante.
Grupo de
referência
Participantes
A inclusão ou exclusão dos indivíduos que compõem a amostra foi determinada por
critérios previamente definidos.
O grupo alvo foi composto por 15 indivíduos sem abrigo seleccionados na
Comunidade de Inserção Novo Olhar.
No grupo alvo, os critérios de inclusão foram os seguintes: estar integrado na
Comunidade de Inserção Novo Olhar, durante doze meses; ter vivenciado uma situação de
sem tecto, no mínimo, durante alguns dias; ter mais de dezoito anos; ter aceite, de forma
esclarecida, participar no estudo, ter um bom entendimento da língua portuguesa na sua forma
falada e/ou escrita. Relembramos que esta estrutura tem capacidade para acolher 15 residentes
e que o período definido para a implementação do programa é de 12 meses. Ainda de referir
que, tal como exposto no capítulo I deste estudo, a realização de um trabalho de continuidade
com esta população encontra-se dificultada por vários factores, dos quais: as dificuldades
relacionais, a ausência de um quadro de regras, a intolerância de uma vivência comunitária, a
incapacidade de manter abstinência de substâncias psicoactivas, as frequentes
descompensações psiquiátricas e a ilusão de auto-suficiência logo que beneficiam de uma
qualquer fonte de rendimento (a maioria das vezes o RSI). Assim, o número de indivíduos que
compõem o grupo alvo deste estudo viu-se condicionado, quer pelas dificuldades
anteriormente expostas, quer pelo reduzido número de vagas disponíveis na estrutura.
Como critérios de exclusão foram considerados: evidência de compromisso das
funções cognitivas por razões diversas (e.g., psicopatologia actual ou prévia, consumos de
substâncias psicoactivas no período de realização do estudo).
O grupo de referência foi constituído tendo como critério o emparelhamento com o
grupo alvo nas variáveis idade, género e escolaridade, tendo sido seleccionados em
instituições promotoras de cursos de qualificação escolar para população activa. O nosso
contacto com este grupo foi precedido do seu prévio consentimento, solicitado pelos
coordenadores da formação.
Foram considerados como critérios de inclusão: ter mais de dezoito anos; ter aceite, de
forma esclarecida, participar no estudo; ter um bom entendimento da língua portuguesa na sua
forma falada e/ou escrita. Como critérios de exclusão foram considerados: evidência de
139
compromisso das funções cognitivas por razões diversas (e.g., psicopatologia actual ou prévia,
consumo actual de substâncias psicoactivas).
A amostra deste estudo é constituída por 30 sujeitos de ambos os sexos, 33,3% do sexo
feminino e 66,7% do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 26 e os 55 anos,
M= 38,8; DP= 8,16 (15 indivíduos do grupo alvo e 15 indivíduos do grupo de referência).
Relativamente ao grau de escolaridade, 66,7% da amostra situa-se abaixo do 6º ano de
escolaridade. No tocante ao estado civil do grupo alvo, 60% dos indivíduos são solteiros e
40% divorciados. Relativamente à raça, 80% da amostra é caucasiana e 20% de origem
africana.
ASQ
nenhuma das nuances de relevância dos escritos de Ainsworth. Procuraram ainda descrever os
seus itens de uma forma menos “romântica” do que a encontrada por Hazan e Shaver
(1987,1990), bem como Simpson (1990) e Collins e Read (1990). Para desenvolver o ASQ,
Feeney e colaboradores inspiraram-se no trabalho de Hazan e Shaver (1987) e no modelo de
Bartholomew e Horowitz (1991), que fazem, eles próprios, referência à noção de modelo
interno de si e do outro de Bowlby (1973). Este questionário do tipo Likert oferece ainda a
vantagem de ser composto por itens que não estão especificamente relacionados com um tipo
preciso de relação social, como as relações amorosas ou de amizade. Esta característica, tal
como frisam os próprios autores, oferece a possibilidade de explorar a vinculação de
indivíduos que conheceram poucas experiências amorosas.
Feeney e colaboradores (1994), criaram um questionário inicial de 65 itens e, através
de análises estruturais, reduziram este número para 40 itens. Aos participantes era pedido que
avaliassem, (numa escala de tipo Likert de 6 pontos, desde 1-discordo totalmente ao 6-
concodo totalmente) em que medida cada um dos itens descrevia os seus sentimentos e
comportamentos em relações “próximas”. Os 40 itens organizam-se em cinco dimensões: (1)
confiança (em si próprio e nos outros); (2) desconforto com a proximidade; (3) necessidade de
aprovação/reforço dos outros; (4) preocupação com as relações; e (5) considerar as relações
como secundárias (relativamente a atingir objectivos noutros domínios, tais como escola ou
carreira profissional).
O desconforto com a proximidade ou a percepção da relação como algo secundário
estão, de forma clara, conceptualmente ligadas à vinculação evitante. No estudo de Brennan e
colaboradores (1998), a correlação destas duas escalas com o factor evitante eram de .90 e .61
respectivamente. A preocupação com as relações e necessidade de aprovação/reforço por parte
dos outros estão conceptualmente relacionadas à vinculação ansiosa e obtiveram os valores de
.86 e de .62 respectivamente. A escala de falta de confiança (combinando o julgamento dos
outros em relação a si, mas enfatizando a falta de confiança nos outros) obteve resultados
largamente relacionados com a vinculação evitante .70.
Numa amostra extensa de estudantes pré-universitários Feeney e colaboradores (1994),
encontraram coeficientes alfa de Cronbach para as cinco escalas com valores desde os .76 aos
.84 e coeficientes de estabilidade entre r=67 e r=78 para um período de 10 semanas.
Feeney e colaboradores (1994) validaram originalmente o ASQ junto de estudantes
universitários da Austrália e mais recentemente, Larose, Soucy, Bernier e Duchesne (1999)
validaram-no no Quebeque junto de um grupo de estudantes francófonos do ensino secundário
e pré-universitários.
141
Procedimentos de investigação
Os resultados foram analisados através do programa SPSS versão 17.0. Tal como
referido anteriormente, os dados foram igualmente recolhidos junto de um grupo de
referência, constituído por 15 indivíduos com as variáveis sexo, idade e escolaridade
semelhantes aos do grupo alvo, no sentido de perceber se existiriam diferenças
estatisticamente significativas entre os dois grupos.
Grupo de
referência
variáveis seja intervalar ou nominal, recorremos como método estatístico a uma prova
paramétrica, o Teste t de Student (para o caso de variáveis com distribuição normal) e uma
prova não paramétrica, o teste U de Mann-Whitney (para o caso de varáveis com distribuição
não normal). O teste de Shapiro-Wilk foi utilizado para verificar a proximidade da distribuição
das variáveis com a curva normal. Para avaliar a homocedasticidade entre os grupos
recorremos ao teste de Levene. A prova de Wilcoxon foi utilizada para testar as diferenças
entre médias do mesmo grupo (medidas repetidas).
Quadro n.º3
Médias e Desvios-padrão da idade no grupo alvo.
Amostra dos sem
abrigo (n= 15) n Mínimo Máximo Média DP
Idade 15 26 55 38.80 8.16
Relativamente à idade, a média da amostra dos sem abrigo é de 38.80 anos (DP= 8.16),
sendo o mais novo de 26 anos e o mais velho de 55 (Quadro 3).
Em termos de raça a amostra é composta maioritariamente por indivíduos caucasianos
(80%), existindo um grupo mais restrito de indivíduos de origem africana (20%).
Quadro n.º4
Frequências absolutas e relativas do nível de escolaridade.
Escolaridade n %
4.ª Classe 8 26.7
6.º Ano 12 40.0
9 Ano 2 6.7
10.º Ano 4 13.3
11.º Ano 4 13.3
Total 30 100.0
A amostra revela baixos níveis de escolaridade, a maioria dos indivíduos tem o 6.º ano
de escolaridade (40.0 %). Se acrescermos a esta percentagem a indicativa dos sujeitos com a
145
4.ª classe, percebemos que 66.7% da amostra situa-se abaixo do 6.º ano de escolaridade.
Destacamos ainda que nenhum dos participantes tem mais do que o 11.º ano de escolaridade
(Quadro 4).
Quadro n.º5
Frequências absolutas e relativas do género no grupo alvo (n= 15).
n %
Género Feminino 5 33.3
Masculino 10 66.7
Total 15 100.0
Quadro n.º6
Frequências absolutas e relativas do estado civil no grupo alvo (n= 15).
n %
Estado civil Solteiro 9 60.0
Divorciado 6 40.0
Total 15 100.0
Relativamente ao estado civil, 60 % dos inquiridos são solteiros e os restantes 40% são
divorciados (Quadro 6).
146
Quadro n.º7
Frequências absolutas e relativas do período de tempo que viveram na rua no grupo alvo (n=
15).
n %
Período de tempo em Alguns dias 1 6.7
que viveram na rua Mais de um mês 7 46.7
Mais de meio ano 3 20.0
Mais de um ano 3 20.0
Mais de dez anos 1 6.7
Total 15 100.0
Quanto ao tempo de vivência de sem abrigo, grande parte do grupo alvo refere ter
vivido na rua mais de um mês (46.7%), mais de um ano (20.%), mais de meio ano (20%),
mais de dez anos (6.7%) e apenas uns dias (6.7%) (Quadro 7).
Quadro n.º8
Frequências absolutas e relativas face aos motivos que conduziram à situação de sem abrigo,
no grupo alvo (n= 15).
n %
Motivos que conduziram à Doença 1 6.7
situação de sem abrigo Problemas judiciais 1 6.7
Alcoolismo 5 33.3
Conflito familiar 3 20.0
Toxicodependência 5 33.3
Total 15 100.0
Quanto aos factores que conduziram à situação de sem abrigo os dados apontam para
uma predominância clara das problemáticas aditivas, nomeadamente a toxicodependência
(33%) e alcoolismo (33%). Surge ainda como factor expressivo o conflito familiar (20%).
Nenhum dos inquiridos elege o desemprego ou a imigração ilegal como factores conducentes
à situação de sem abrigo (Quadro 8).
147
Quadro n.º9
Frequências absolutas e relativas dos factores determinantes para sair da rua no grupo alvo
(n= 15).
n %
Factores determinantes para Apoio de amigos 2 13.3
sair da rua Apoio técnico 12 80.0
Apoio da família 1 6.7
Total 15 100.0
No que concerne aos factores determinantes para sair da rua, a maioria dos
participantes identificam o apoio técnico (80%) como forma de “romper” com o ciclo de
degradação a que a exclusão social extrema os conduziu. É ainda referido por alguns
inquiridos o apoio de amigos (13.3%) e o apoio da família (6.7%).
De destacar que nenhum dos sujeitos nomeou o emprego como factor determinante
para a saída da situação de sem abrigo (Quadro9)
Quadro n.º10
Frequências absolutas e relativas da rede relacional do grupo alvo (n= 15).
n %
Pessoas próximas durante o Amigos 2 13.3
tempo em que viveram na rua Colegas de consumo 5 33.3
Outros sem abrigo 1 6.7
Ninguém 6 40.0
Companheiro
1 6.7
amoroso
Total 15 100.0
Quadro n.º11
Frequências absolutas e relativas da relação com a família no grupo alvo (n= 15).
n %
Relação com a família durante Ausência de relação 7 46.7
o tempo em que viveram na rua Distante 4 26.7
Conflituosa 4 26.7
Total 15 100.0
No que concerne à relação com a família durante a vivência na rua 46.7% dos
participantes afirmam a não existência de qualquer relação, 26.7% uma relação distante e
26.7% uma relação conflituosa (Quadro 11).
Quadro n.º12
Frequências absolutas da situação face ao emprego, no grupo alvo, após 12 meses de
institucionalização.
Empregado Quantidade 7
Percentagem 46.7%
Frequentar formação profissional Quantidade 8
Percentagem 53.3%
Total Quantidade 15
Percentagem 100.0%
Quadro n.º13
Frequências absolutas e relativas da institucionalização como factor de aproximação à
família, no grupo alvo (n= 15).
n %
Institucionalização como Muito 5 33.3
factor de aproximação Consideravelmente 4 26.7
familiar
149
Pouco 4 26.7
Nada 2 13.3
Total 15 100.0
Quadro n.º14
Frequências absolutas e relativas da institucionalização como factor de acesso a novos
amigos, no grupo alvo (n= 15).
n %
Institucionalização Muito 6 40.0
como factor facilitador Consideravelmente 5 33.3
do acesso a novos
Pouco 4 26.7
amigos
Total 15 100.0
Quadro n.º15
Teste da normalidade das sub escalas do teste ASQ.
ASQ n Shapiro-Wilk p
Confiança 30 .882 .003
Desconforto 30 .993 .999
Relacionamento 30 .974 .668
Reforço 30 .978 .783
Preocupação 30 .955 .229
Vinculação Evitante 30 .983 .899
Vinculação Ansiosa 30 .966 .448
Quadro n.º16
Média, desvios –padrão e U de Mann-Whitney na sub escala confiança da ASQ, no grupo alvo
e no grupo de referência, no primeiro momento de avaliação.
Grupos n Média DP U p
Grupo alvo 15 2.49 0.40
Grupo de referência 15 4.25 0.53 5.500 .000
Total 30 3.37 1.00
Quadro n.º17
Médias e desvios-padrão do grupo alvo e grupo de referência, na ASQ, no primeiro momento
de avaliação.
Primeiro momento de avaliação Grupo alvo Grupo de referência
Sub escalas n Média DP n Média DP
Desconforto 15 3.93 0.58 15 3.24 0.62
Relacionamento 15 3.73 0.82 15 2.41 0.85
Reforço 15 3.99 0.68 15 3.22 0.83
Preocupação 15 4.35 0.68 15 3.67 0.70
Vinculação Evitante 15 3.92 0.46 15 3.33 0.52
Vinculação Ansiosa 15 3.82 0.60 15 3.53 0.67
No quadro 17 observa-se que o grupo dos sem abrigo apresenta valores mais
elevados na totalidade das dimensões analisadas. A maior diferença situa-se ao nível da sub
escala relacionamento como factor secundário (grupo alvo M= 3.73; DP=0.82; grupo de
referência M=2.41; DP=0.85).
Quadro n.º18
Teste de Levene e t - student nas sub escalas da ASQ em função do grupo.
Levene T- student
ASQ F p t p
Desconforto ,002 ,967 3,108 ,004
Relacionamento ,048 ,827 4,279 ,000
Reforço ,598 ,446 2,732 ,011
Preocupação ,280 ,601 2,675 ,012
Vinculação evitante ,011 ,919 1,567 ,128
Vinculação ansiosa ,465 ,501 1,203 ,239
Como podemos verificar no quadro 18, utilizando o teste t-student constatamos que o
grupo dos sem abrigo apresenta médias significativamente superiores no desconforto
relativamente à proximidade (t(28)=3.108; p=.004); no relacionamento enquanto factor
secundário (t(28)=4.279; p=.000); na necessidade de reforço/aprovação (t(28)= 2.732 p=,
011) e na preocupação com os relacionamentos (t(28)= 2.675; p=.012).
Os grupos não se distinguem nas sub escalas vinculação evitante (t (28)=1.567;
p=.128) e vinculação ansiosa (t(28)=1.203; p=.239), pelo que se assume a igualdade de
variâncias da amostra nestas sub escalas (Quadro 18).
152
Quadro n.º19
Médias, desvios - padrão, valores máximos e mínimos e teste de Wilcoxon entre o primeiro e o
segundo momento de avaliação, em todas as sub escalas da ASQ.
Wilcoxon
ASQ Primeiro momento de avaliação Segundo momento de avaliação Signed Ranks
Test
Sub escalas n Média DP Mínimo Máximo n Média DP Mínimo Máximo Z p
Confiança 15 2.49 0.40 1.88 3.13 15 4.77 0.50 2.30 4,20 -2.897 .001
Desconforto 15 3.93 0.58 2.90 5.00 15 3.20 0.54 3.25 5.38 -3.409 .001
Relacionamento 15 3.73 0.82 2.29 5.43 15 2.16 0.35 1.71 2.71 -3.352 .001
Reforço 15 3.99 0.68 2.71 5.29 15 3.51 0.50 2.71 4.71 -1.934 .053
Preocupação 15 4.35 0.68 3.00 5.25 15 3.48 0.41 2.63 4.13 -3.018 .003
Vinculação -1.319
15 3.62 0.46 2.75 4.38 15 3.41 0.31 2.94 3.88 .187
evitante
Vinculação -1.108 .268
15 3.82 0.60 2.62 4.62 15 3.69 0.35 3.15 4.38
ansiosa
Tal como podemos verificar, na sub escala confiança constatamos um aumento dos
valores médios no segundo momento de avaliação (M=4.77; DP= 0.50), relativamente aos
resultados do primeiro momento de avaliação (M=2.49; DP= 0.40). Esta diferença é
estatisticamente significativa (Quadro 19).
Constatamos igualmente uma diminuição estatisticamente significativa na sub escala
desconforto com a proximidade, tendo obtido no primeiro momento de avaliação uma média
de 3.93 (DP=0.58) e no segundo momento de avaliação uma média de 3.20 (DP=0.54).
Verificamos que nas sub escalas relacionamento como factor secundário e
preocupação com os relacionamentos, surgem médias mais elevadas no primeiro momento de
avaliação. As diferenças são estatisticamente significativas na dimensão do relacionamento
como factor secundário (primeiro momento de avaliação, M=3.73; DP= 0.82 e no segundo
momento de avaliação, M=2.16; DP= 0.35), obtendo o teste de Wilcoxon valores de (Z= -
3.352; p=.001) e na dimensão preocupação com relacionamentos (primeiro momento de
avaliação, M=4.35; DP=.068 e segundo momento de avaliação M=3.48; DP=.041), obtendo o
teste de Wilcoxon valores de (z=-3.018; p=.003).
Nas dimensões necessidade de reforço, vinculação ansiosa e vinculação evitante,
verificam-se descidas das médias, no entanto as variações entre primeiro e o segundo
momento de avaliação não são estatisticamente significativas.
Em resumo, podemos considerar que após doze meses de integração na CINO os
indivíduos aumentam de forma significativa os níveis de confiança e apresentam uma redução
153
Quadro n.º20
Teste da normalidade das sub escalas da ASQ na amostra total.
ASQ
n Shapiro-Wilk p
Confiança 30 .885 .004
Desconforto 30 .989 .985
Relacionamento 30 .931 .052
Reforço 30 .971 .553
Preocupação 30 .964 .388
Vinculação Evitante 30 .964 .385
Vinculação Ansiosa 30 .974 .663
Quadro n.º21
Média, desvios –padrão e U de Mann-Whitney na sub escala confiança da ASQ, no grupo
alvo, no segundo momento de avaliação, e no grupo de referência, no primeiro momento de avaliação.
Grupo n Média DP U p
Grupo alvo 15 4.77 0.50
Grupo de 35.000 .001
15 4.25 0.53
referência
Total 30 4.51 0.58
Tal como podemos constatar no quadro 21, na sub escala confiança o grupo alvo
obteve médias significativamente superiores às do grupo de referência. Desta feita, os sem
abrigo, no segundo momento de avaliação, demonstram ter aumentado os índices de confiança
(M= 4.77; DP=0.50) relativamente ao grupo de referência (M= 4. 25; DP=0.53).
Quadro n.º22
Médias e desvios-padrão do grupo alvo, no segundo momento de avaliação e do grupo de
referência.
ASQ Segundo momento de avaliação Primeiro momento de avaliação
Grupo alvo Grupo de referência
Sub escalas n Média DP n Média DP
Desconforto 15 3.20 0.54 15 3.24 0.62
Relacionamento 15 2.16 0.35 15 2.41 0.85
Reforço 15 3.51 0.50 15 3.22 0.83
Preocupação 15 3.48 0.41 15 3.67 0.70
Vinculação
15 3.41 0.31 15 3.33 0.52
Evitante
Vinculação
15 3.69 0.35 15 3.53 0.67
Ansiosa
Quadro n.º23
Teste de Levene e t- student nas sub escalas da ASQ, em função do grupo alvo, no segundo
momento de avaliação.
Levene t- student
Sub escalas F p t p
Desconforto .149 .703 -.218 .829
Relacionamento 3.94 .057 -1.07 .292
Reforço 3.12 .088 1.13 .264
Preocupação 2.49 .126 -.909 .371
Vinculação evitante 2.03 .165 .501 .620
Vinculação ansiosa 4.61 .040 .,776 .444
Como podemos verificar no quadro 23, o teste de Levene não obteve diferenças
estatisticamente significativas, pelo que se assume a homocedasticidade entre os grupos.
Os grupos não se distinguem em nenhuma das sub escalas avaliadas, sendo que
apresentam os seguintes resultados: na sub escalas desconforto relativamente à proximidade
(t(28)=-.218; p=.829); no relacionamento enquanto factor secundário (t(28) =-1.07; p=.292);
na necessidade de reforço/aprovação (t(28)=1.13; p=.264) e na preocupação com os
relacionamentos (t(28)=-.909;p=.371); vinculação evitante (t(28)=.501; p=.620) e ansiosa
(t(28)=.776; p=.444).
Quadro n.º 24
Comparação entre médias e desvios - padrão no primeiro e no segundo momento de
avaliação, por género, no grupo dos sem abrigo, na ASQ.
ASQ Primeiro momento de Segundo momento de
avaliação avaliação
Sub escalas Género n Média DP n Média DP
Confiança Masculino 10 2.66 0.35 5 3.17 0.55
Feminino 5 2.15 0.25 10 3.26 0.59
Desconforto Masculino 10 3.89 0.63 5 4.68 0.56
Feminino 5 4.02 0.54 10 4.95 0.36
Relacionamento Masculino 10 3.74 0.67 5 2.14 0.39
Feminino 5 3.71 1.17 10 2.20 0.31
Reforço Masculino 10 4.07 0.80 5 3.50 0.55
Feminino 5 3.82 0.40 10 3.54 0.42
Preocupação Masculino 5 4.18 0.67 5 3.43 0.45
Feminino 10 4.67 0.62 10 3.57 0.36
Vinculação Masculino 5 3.64 0.34 5 3.40 0.32
Evitante Feminino 10 3.57 0.69 10 3.43 0.32
Vinculação Masculino 5 3.83 0.70 5 3.63 0.36
Ansiosa Feminino 10 3.78 0.38 10 3.80 0.34
.
Assim, relativamente à sub escala confiança, no primeiro momento de avaliação as
mulheres obtiveram média de 2.15 (DP=0. 25) enquanto os homens obtiveram média de 2.66
(DP=0.35), demonstrando as mulheres menores índices de confiança. No entanto, segundo
momento de avaliação, os homens elevam a sua média para 3.17 (DP=0.55) enquanto as
mulheres elevam para 3. 26 (DP=0.59). No entanto, as diferenças não foram estatisticamente
significativas.
Relativamente à sub escala desconforto com a proximidade, no primeiro momento de
avaliação, as mulheres obtiveram média de 4.02 (DP=0.54) enquanto os homens obtiveram
média de 3.89 (DP=0.63) demonstrando os homens menores níveis de desconforto com a
proximidade. No entanto, no segundo momento de avaliação, os homens elevam sua média
para 4.68 (DP=0.56) e as mulheres para 4.95 (DP=0.36).
No que concerne à percepção dos relacionamentos enquanto factor secundário, os
homens descem a média inicial de 3.74 (DP=0.67) para 2.14 (DP=0.39) e as mulheres descem
a média inicial de 3.71 (DP=1.17) para 2.20 (DP=0.31).
157
Quadro n.º 25
U de Mann Whitney para as sub escalas, por género, no primeiro e o segundo momento de
avaliação.
Tal como anteriormente referido, neste estudo participaram 30 sujeitos com idades
compreendidas entre os 26 e os 55 anos, apresentando uma média aproximada de 39 anos.
Vamos, no entanto, centrar a análise das variáveis sóciodemográficas do grupo alvo (n=15).
Quanto ao estado civil, 60% destes são solteiros e os restantes 40%, divorciados, o que vai de
encontro aos dados encontrados na bibliografia: “…tomada de opção por não constituírem
família, permanecendo solteiros”, Barreto e Bento (2002, p. 99). Relativamente ao género,
75% da amostra pertence ao sexo masculino. Este perfil é coincidente com o encontrado em
vários estudos (Borges, 1995; Bento et al, 1996; Pereira & Silva, 1997; Instituto de Segurança
Social, 2005), sobre os indivíduos sem abrigo: Cidadão de nacionalidade portuguesa, sexo
masculino, solteiro, em idade activa (entre 30 e 59 anos), com baixo nível de escolaridade, em
160
situação de desemprego e/ou com percursos laborais marcados pela instabilidade, registando
frequentemente problemas de saúde (física ou mental), associados a condutas aditivas.
Relativamente aos factores que conduziram à situação de sem abrigo os dados apontam
para uma predominância clara das problemáticas aditivas, nomeadamente a toxicodependência
(33%) e alcoolismo (33%), somando um total de 66%. Surge ainda como factor expressivo o
conflito familiar (20%), dado concordante com as dificuldades relacionais inerentes à
condição de sem abrigo abordadas na contextualização teórica desta investigação. Surgem
ainda como factores conducentes à situação de sem abrigo, a doença (6.7%) e problemas
judiciais (6.7%). Estes dados são concordantes com a análise efectuada por Batista, (2004),
afirmando que, actualmente, toxicodependência e sem abrigo são problemáticas
indissociáveis. Refere ainda, que as necessidades de consumo e a progressiva degradação das
capacidades dos indivíduos conduzem frequentemente à destruição dos laços familiares e
redes de suporte, bem como, à rápida aquisição de comportamentos auto destrutivos.
No estudo efectuado pelo Instituto de Segurança Social em 2005, a ruptura familiar
(conflitos, separações, divórcios e falecimentos) encabeça a lista de problemáticas associadas
à situação de sem tecto (25 %), logo seguida pelos problemas de saúde (23 %) relacionados
com a toxicodependência, o alcoolismo, a doença física ou mental. O desemprego
representava 22 %, a habitação sem condições e a dívida da casa, outros 17% (Instituto da
Segurança Social, 2005). Bento e Barreto (2002), numa amostra de sem abrigo apuraram 32%
de indivíduos com dependência de álcool e 17% com consumos de outras substâncias. Na
consulta bibliográfica foi surpreendente a territorialização da problemática, sendo que a maior
parte dos sem abrigo do Porto têm menos de 39 anos e são toxicodependentes. Já em Lisboa
predominam os indivíduos com mais de 50 anos e com consumos problemáticos de álcool,
(AMI, 2006). No que concerne ao presente estudo, as médias de idades são próximas das
encontradas no norte do país, sendo que, em termos de padrões consumos, a distribuição é
equitativa relativamente ao álcool e outras drogas (33%).
Pesquisas internacionais identificam igualmente que cerca de 50% da população sem
abrigo tem problemas de toxicodependência ou alcoolismo (Goering, Tomiczenko, Sheldon,
Boydell, & Wasylenki, 2002; Wright & Weber, 1987).
Relativamente ao tempo de vivência de sem abrigo, 46.7% da amostra refere ter vivido
na rua mais de um mês, 40.0 % mais de meio ano e outros 6.7% referem uma vivência
prolongada de rua, ou seja, mais de dez anos.
Na contextualização teórica percebemos que os indivíduos sem abrigo podem ser
descritos em termos da duração da sua condição ou do grau de vulnerabilidade, variando
161
desde indivíduos crónicos sem abrigo, indivíduos periodicamente sem abrigo ou de forma
episódica (trabalhadores emigrantes, jovens ou mulheres vitimas de violência doméstica, entre
outros); indivíduos temporariamente sem abrigo devido a “acontecimentos de vida
stressantes” (desemprego súbito, problemas graves de saúde, morte do cabeça de casal ou
perca de casa), Munoz e Vasquez, (2001), até a indivíduos considerados vulneráveis ou “em
situação de risco” (mães solteiras com filhos menores, pessoas de idade, logo mais
fragilizadas, refugiados, vagabundos, e emigrantes ilegais desprotegidos pela lei, entre outros),
(Daly, 1996, Carter, 1990; Crane, 1990, Timmer, 1994, Watson, 1986).
Na amostra do presente estudo constatamos que a maioria dos indivíduos apresentam-
se como temporariamente sem abrigo ou periodicamente sem abrigo. É apenas referenciada
uma situação crónica de sem abrigo – mais de 10 anos, o que em nosso entender poderá ter
contribuído para os resultados do estudo. Nomeadamente, na aproximação verificada entre o
grupo alvo e o grupo de referência, nos valores das dimensões sociais gerais ligadas à
vinculação adulta, bem como, na positiva integração profissional dos sem abrigo, patente no
segundo momento de avaliação deste estudo. Esta leitura é concordante com a investigação de
Kitzman (2008), que afirma que quanto mais duradoura for a vivência de sem abrigo, mais
moroso será o processo de ressocialização.
No que concerne aos factores determinantes para sair da rua, a maioria dos
participantes identificam o apoio técnico como o grande factor para ultrapassar a situação de
sem tecto (80%), o apoio de amigos (13.3%) e o apoio da família (6.7%). Estes valores
deixam transparecer a precariedade das redes primárias e a importância das redes secundárias,
enquanto agentes mobilizadores da mudança. O facto da população sem abrigo participante
deste estudo reconhecer a utilidade das respostas sociais de apoio, valida a estratégia
desenvolvida pelas várias instituições locais no sentido de realizar um trabalho conjunto e
integrado, facilitando uma relação de proximidade com esta população. No que concerne ao
apoio de amigos e da família, o facto da resposta social alvo deste estudo, bem como a
proveniência da esmagadora maioria dos indivíduos se situar em meio rural, onde os laços de
solidariedade típicos das regiões mais pequenas ainda estão preservados, terá de certo a sua
influência. Hipoteticamente, as percentagens relativas ao apoio de amigos e família, enquanto
agentes de mudança do ciclo de exclusão, podem ter ainda menos expressão em investigações
realizadas em zonas urbanas.
Relativamente à existência de pessoas próximas durante o tempo em que viveram na
rua, 40% do grupo alvo afirma não ter tido ninguém próximo, 33,3% ter tido a proximidade de
162
colegas de consumos, 13.3% de pessoas amigas, 6.7% de outros sem abrigo e 6.7% de
companheiro amoroso.
Estes dados confirmam, uma vez mais, o isolamento social com que os sem abrigo se
deparam, apenas descontinuado pela proximidade de colegas de consumo e indivíduos em
semelhante situação, o que reforça as relações meramente funcionais, a manutenção de
comportamentos desviantes e, por sua vez, o afastamento do contacto com a “normalidade”
(Batista, 2004).
No que concerne à relação com a família durante a vivência na rua, a maioria afirma
não ter tido qualquer relação, e os restantes dividem-se entre uma relação distante e
conflituosa. Estes dados são consonantes com os encontrados na bibliografia consultada,
confirmando que a população sem abrigo parece raramente sustentar relações sólidas e de
proximidade: “As relações tendem a ser inconstantes, superficiais e passageiras, numa
combinação paradoxal entre uma sociabilidade fácil, isolamento e desconfiança” (Snow &
Anderson, 1992 cit. in Bento & Barreto, 2002, p.99).
Relativamente à institucionalização ser reconhecida como factor de aproximação à
família, a maioria dos participantes consideram que este factor contribuiu muito para a
aproximação ou consideravelmente. Segundo os dados da AMI (2006), 92% da população
sem abrigo tem familiares vivos, mas apenas 37% se relaciona com eles. O facto da
intervenção familiar ser uma das áreas privilegiadas da estrutura alvo desta investigação,
poderá contribuir, não só para a reestruturação dos laços familiares, como para a percepção do
próprio em relação à disponibilidade que gradualmente a família vai manifestando.
Relativamente à importância da institucionalização no acesso a novos amigos, a
maioria considera que contribuiu muito ou consideravelmente.
Quanto à situação face ao emprego, a totalidade da amostra encontrava-se
desempregada durante o tempo em que viveu na rua, sendo que também a totalidade da
amostra passou a exercer actividade profissional após os doze meses de integração
comunitária. A maioria a frequentar formação profissional (53.3%) e os restantes com
contrato de trabalho (46.7%). Dada a ausência de qualificação profissional e os baixos índices
de escolaridade desta população, a integração em cursos de dupla certificação que permitem,
em simultâneo, garantir uma remuneração acima do ordenado mínimo nacional e aumentar as
competências (académicas e profissionais), torna-se uma necessidade. Só através da
qualificação profissional será possível facilitar o acesso ao mercado de trabalho, quer em
temos presentes quer em termos futuros. Por outro lado, a longa duração destes cursos (cerca
de 18 meses) permite que a fase inicial de autonomização da estrutura ocorra num contexto de
163
grupo de formação, muitas vezes gerador de redes de suporte laborais e sociais. Recordamos,
mais uma vez, que diversos estudos apontam para a frágil sociabilidade dos sem abrigo e para
o facto de apenas acederem a contactos com outros indivíduos em semelhante condição.
A possibilidade de integrarem uma medida de inserção que podemos considerar como
“emprego protegido”, permite a aquisição de competências relacionais e profissionais
(cumprimento de horários, relação interpessoal, entre outros) há muito esquecidas, dados os
longos períodos de desemprego que caracterizam a sua história de vida. Justifica-se assim,
face ao exposto anteriormente, o reconhecimento da integração na CINO como factor
facilitador do acesso ao mercado de trabalho e de uma rede de suporte efectiva. No entanto,
destacamos que é fundamental para o sucesso desta intervenção a continuidade deste processo,
nomeadamente através da colocação em mercado de trabalho, sendo para isso imperativo a
criação de políticas sociais mais eficazes.
Poderíamos, ainda assim, considerar que dado o carácter temporário dos cursos de
formação profissional, estes não se constituíam como resposta efectiva de emprego, no
entanto, também na esfera profissional da população em geral os vínculos são cada vez mais
frágeis e os empregos para “toda a vida” do passado já não fazem parte da constelação actual
do país e quiçá do mundo. Desta forma, a precariedade dos vínculos laborais não é só uma
realidade dos indivíduos com baixa escolaridade e pouca formação profissional. Exemplo
disto são as medidas de inserção para recém licenciados e a alta percentagem de integração
destes através das mais precárias condições. Poderíamos, inclusivamente, pensar o sentido de
todo o investimento em formação profissional, dada a descrença na real integração dos
indivíduos em postos de trabalho. No entanto, poderíamos igualmente equacionar o sentido da
continuidade de cursos superiores para engrossar as fileiras do desemprego qualificado em
Portugal.
Num estudo de Hazen e Shaver (1990), estes autores consideram que nos adultos o
trabalho tem características funcionais similares às do constructo de exploração do meio de
Bowlby (1969, 1973). Esta proposta sugere que os estilos de vinculação adultos poderiam
estar associados a padrões concretos de actividade laboral, do mesmo modo que os estilos de
vinculação precoce estão relacionados com padrões de conduta exploratórios.
Mais concretamente, tal como as crianças evitantes parecem utilizar a conduta
exploratória como um meio para evitar o contacto com as suas mães, os adultos evitantes
poderiam utilizar o trabalho compulsivo como forma de evitar as relações de intimidade. Pelo
contrário, os adultos ansiosos ambivalentes poderiam ver no trabalho uma oportunidade para
satisfazer as suas necessidades de vinculação insatisfeitas, podendo esta tendência interferir
164
com o seu rendimento laboral. De acordo com o esperado, os sujeitos que apresentam uma
vinculação segura demonstram bons índices de satisfação laboral, considerando que são bons
trabalhadores e detêm o reconhecimento dos outros. Raramente têm receio de falhar e não
permitem que as questões de trabalho interfiram na sua saúde ou relações pessoais.
Hardy e Barkham, (1994) investigaram a influência do estilo de vinculação no
desempenho profissional e concluíram que os indivíduos mais ansiosos e evitantes referiam
níveis inferiores de satisfação profissional. Outros estudos concluíram que altos níveis de
ansiedade e evitamento estavam relacionados com o stress e burnout profissional (Pines,
2004). No geral estes estudos indicam que a vinculação insegura contribui para um frágil
ajustamento ao local de trabalho.
Segundo estes dados, podemos considerar que a adaptação saudável ao posto de
trabalho poderá ser mais um factor que contribua para a reparação de padrões de vinculação
inseguros.
A manutenção do emprego será igualmente importante na estabilidade dos vínculos
positivos construídos, sendo fundamental articular esforços para que numa fase inicial de
reinserção estas redes sejam preservadas. Tal como defende Branco (2004), a intervenção
primordial passa por estratégias de afiliação e restabelecimento de laços sociais para garantir o
sucesso da inserção e inclusão social.
Sumariamente, podemos caracterizar os sem abrigo participantes neste estudo, em
termos das necessidades apresentadas, em duas grandes áreas, tal como referido em algumas
investigações (Diblasio, 1995; Greve, 1990, Keyes, 1988): a) indivíduos que vivenciaram
situações de rua mais ou menos prolongadas, no entanto, após estadia em estrutura adequada,
por um espaço de tempo considerável, estarão aptos a viver de forma autónoma; b) indivíduos
que necessitem de cuidados de forma continuada, com aconselhamento e serviços de apoio
adequados.
De destacar ainda, no que concerne às redes relacionais, Costello (2008) defende que a
maioria das pessoas em condição de sem abrigo gostariam permanecer nas suas casas, pois
essa possibilidade representa a manutenção de redes de vizinhança e de redes relacionais vitais
ao seu bem-estar bio-psico-social. Auxiliar as pessoas a manter as suas habitações deveria ser
uma estratégia prioritária ao nível da prevenção, evitando desta forma o sofrimento pessoal
dos indivíduos e a interrupção dos processos de socialização, nomeadamente das crianças.
Em nosso entender, torna-se fundamental, após a autonomização das estruturas
residenciais, a manutenção dos vínculos estabelecidos e o acompanhamento técnico, em
regime de follow-up. Embora os sem abrigo preservem a capacidade de formular desejos e
165
projectos, ainda que de forma frágil, permanece o medo de reincidir nas circunstâncias que os
levaram à exclusão. Medo de não serem capazes e que a sociedade não tenha paciência e não
lhes conceda o tempo que necessitam para reconstruir as suas trajectórias no sentido inclusivo
(Branco, 2004).
Resultados do ASQ
os relacionamentos, que sentem não ter grande valor e, por tanto, não merecer o amor dos
outros. Desejariam estar mais próximos dos outros, inquietam-se quando lhes são indiferentes
e sentem que não são amados. Atribuem muita importância ao que os outros pensam e
preocupam-se em agradar.
Por fim, os indivíduos ambivalentes são aqueles que manifestam traços das duas
tendências. São de certa forma desorganizados e oscilam entre os dois modos de adaptação.
Embora Ainsworth, Blehar, Waters e Wall (1978) utilizem o termo para se referirem às
crianças resilientes (tipo C), iremos utilizá-lo aqui para descrever o adulto que apresente duas
motivações contrárias: evitamento das relações sociais e a busca compulsiva do amor dos
outros.
Segundo os dados recolhidos na bibliografia consultada as dimensões sociais gerais:
desconforto com a proximidade e a percepção da relação como algo secundário estão, de
forma clara, conceptualmente ligadas à vinculação evitante. No estudo de Brennan e
colaboradores (1998), a correlação destas duas escalas com o factor evitante foram de .90 e
.61 respectivamente. Resultados baixos na sub escala da confiança (combinando o julgamento
dos outros em relação a si, mas enfatizando a falta de confiança nos outros) também
obtiveram resultados largamente relacionados com a vinculação evitante, .70.
Assim, a melhoria nestas dimensões sociais (desconforto com a proximidade,
percepção da relação como algo secundário e confiança) poderá influenciar a reparação de
padrões de vinculação evitante.
As dimensões sociais gerais: preocupação com as relações e necessidade de
aprovação/reforço, estão conceptualmente relacionadas à vinculação ansiosa, e obtiveram
valores de .86 e de .62 respectivamente. Logo, a melhoria destas dimensões sociais poderá
influenciar a reparação de padrões de vinculação ansiosa.
Sroufe e colaboradores (2005) concluíram que, a vinculação ansiosa está sobretudo
associada a quadros de depressão e ansiedade; a vinculação evitante mostrou-se relacionada
com problemas comportamentais e de conduta.
Na presente investigação começámos por responder a algumas das hipóteses
levantadas, nomeadamente verificar se existem diferenças significativas nas dimensões sociais
gerais ligadas à vinculação adulta e nos níveis de vinculação ansiosa e evitante, entre o grupo
alvo e o grupo de referência.
Relativamente à hipótese 1 (“O grupo alvo no primeiro momento de avaliação
apresenta médias superiores, nas dimensões sociais gerais ligadas à vinculação adulta -
desconforto relativamente à proximidade; necessidade de reforço/aprovação;
167
resiliência em face a acontecimentos de vida geradores de stress (Mikulincer & Florian, 1995).
Os modelos de vinculação inseguros podem ser entendidos como factores de risco que
diminuem a resiliência dos sujeitos em momentos de angústia. As experiencias de vinculação
precoce destes indivíduos tendem a ser instáveis, existindo frágeis representações de si e do
outro.
No nosso estudo, no primeiro momento de avaliação, embora não seja efectuada a
análise dos indivíduos por grupos de padrão de vinculação, dado o reduzido número de
participantes, constatamos que os valores médios da vinculação evitante e ansiosa são
elevados e os valores da sub escala confiança são baixos. Podemos assim deduzir que a
maioria dos indivíduos do grupo alvo se distribui pelos padrões de vinculação evitante e
ansiosa. Não sendo claro se a co-existência de valores altos de evitamento e ansiedade podem
ser indicadores do padrão de vinculação ambivalente. Constatamos igualmente, na presente
investigação, a existência de valores médios elevados nas dimensões sociais: desconforto com
a proximidade, preocupação com as relações e necessidade de reforço/aprovação.
Segundo alguns autores, as dimensões desconforto com a proximidade e a
preocupação com as relações estão intimamente ligadas ao modelo de quatro grupos de
Bartolomew (1990). Quando se comparam as respostas dos sujeitos entre as medidas de
resposta forçada e as medidas abertas, o desconforto com a proximidade só diferencia os
grupos evitantes dos grupos seguros, obtendo os grupos evitantes maiores pontuações médias;
a preocupação com as relações só diferencia os grupos ansiosos dos grupos seguros, obtendo
os últimos menores pontuações médias, (Feeney, 1995; Feeney, Noller & Hanrahan, 1994).
Estes resultados sugerem que o desconforto com a proximidade está ligado aos
modelos mentais que se têm dos outros e portanto à intensidade do evitamento social. Tendem
a enfatizar a natureza ameaçadora e não confiável dos outros, a necessidade de depender
exclusivamente de si próprios e de manter a distância das relações vivenciadas como
angustiantes (Mikulincer & Florian, 1995).
A preocupação com as relações parece estar intimamente ligada aos modelos mentais
de si mesmo e portanto à intensidade da dependência que se estabelece com os outros,
(Feeney & Noller, 2001). Tendem a exagerar a avaliação das dificuldades como ameaçadoras
e incontroláveis. Podem reagir com intensa angustia que persiste após o término da ameaça,
mantendo a hipervigilancia, ruminando mentalmente sobre pensamentos, memórias e afectos
negativos, com dificuldade em ultrapassar experiências negativas, que facilmente alastram
para outras áreas da vida (Mikulincer & Florian, 1995).
169
Assim, nas dimensões sociais gerais correlacionadas com este padrão, apenas a
preocupação com os relacionamentos verificou uma descida significativa, não se tendo
registado alterações ao nível da necessidade de reforço/aprovação.
Concluímos que, embora não se verifiquem diferenças significativas, entre os dois
momentos de avaliação, no padrão de vinculação ansiosa, uma das dimensões sociais gerais
correlacionadas com este padrão demonstrou alterações significativas, o que poderá ser
indicador da possível reparação de padrões de vinculação inseguros.
No que concerne à mudança de padrões de vinculação a bibliografia suporta a ideia
que os modelos internos têm mais probabilidade de mudar em fases de transição do ciclo de
vida, tais como a adolescência, o casamento, o nascimento de filhos, o divórcio ou a morte de
um ente querido. Estes acontecimentos representam mudanças significativas nas relações
sociais dos indivíduos (Collins & Read, 1994). Os modelos podem igualmente mudar à
medida que os indivíduos interpretam as suas experiências passadas de outra forma,
especialmente as relacionadas com a vinculação. A intervenção terapêutica ao ajudar a
construir novas narrativas acerca de acontecimentos passados pode constituir-se como um
factor de mudança dos modelos internos e por consequência dos padrões de vinculação
(Fenney & Noller, 2001). Assim, com o tempo e com algumas experiencias relacionais
positivas os indivíduos podem voltar a confiar nos outros e em si mesmos, sendo mais
provável a mudança com a congregação de dois factores: novos insights sobre os
acontecimentos e novas experiências relacionais positivas.
Fenney e Noller (2001) defendem que estabilidade dos modelos pode ser influenciada
pela tendência a activar mais rapidamente os modelos mais antigos, especialmente em
momentos de stress. Para que os novos modelos possam activar-se em momentos de crise é
necessário apreende-los e praticá-los frequentemente, sendo que a relação terapêutica pode e
deve estimular este exercício.
Concluímos ainda que, relativamente à hipótese 6 (“Existem diferenças entre géneros,
relativamente à vinculação evitante e vinculação ansiosa, no grupo alvo”) esta é infirmada.
Verificamos que não existem diferenças estatisticamente significativas entre géneros, nas
diversas sub escalas, no grupo alvo, em nenhum dos momentos de avaliação.
De uma maneira geral, seja por entrevista ou questionário, os diferentes instrumentos
da vinculação adulta (entre eles o AAI) não encontram, diferenças sexuais (Crowell et
Treboux, 1995). Pelo contrário, os estudos que utilizaram os instrumentos de Bartholomew
(excepção feita ao recente estudo de Diehl et al. 1998), colocaram em evidência as diferenças
sexuais. Utilizando a Peer Attachment Interview, Bartholomew et Horowitz (1991),
172
demonstraram que as mulheres têm maior tendência a ser preocupadas e os homens a ser
evitantes. Estes resultados contraditórios são surpreendentes, uma vez que a ideia das
diferenças sexuais quanto à procura de intimidade é muito popular.
Ainda que não existam provas de que as mulheres sejam mais sociáveis do que os
homens, parece que estas se empenham mais nos contactos sociais íntimos (Reis, 1998). Têm
ainda maior tendência para verbalizarem as suas emoções enquanto os homens parecem evitar
tais situações (Canary, Emmers-Sommer, e Faulkner, 1997). As pesquisas indicam que esta
tendência das mulheres para a intimidade emerge durante a adolescência (Reis, 1998).
Partindo da conceptualização teórica das dimensões de evitamento e de ansiedade, e
tendo conta que homens e mulheres são alvo de pressões de socialização diferentes, a
explicação para as diferenças de género será facilmente perceptível. Níveis de ansiedade
elevados no sexo masculino poderiam ser interpretados como um sinal de fragilidade e, dessa
forma, seriam menos favoráveis; do mesmo modo, níveis de evitamento elevados no sexo
feminino não corresponderiam ao padrão social desejável de uma mulher carinhosa e
prestadora de cuidados, pelo que seriam igualmente menos favoráveis (Bartholomew, 1994).
Os resultados encontrados por Paquette, (2009) num estudo de validação da ASQ junto
de uma amostra de estudantes, em Montreal, apoiam a ideia das diferenças sexuais na
distribuição dos estilos de vinculação adulta: os homens têm mais tendência para evitar
relações sociais, enquanto que as mulheres se preocupam mais em serem amadas. No entanto,
é interessante observar que o mesmo autor não obteve diferenças entre géneros, na
distribuição dos estilos de vinculação, nos adolescentes e durante a infância. A ausência destas
diferenças em crianças e adolescentes poderá traduzir-se, na óptica de Paquette, num
indicador da busca de identidade não concluída.
Embora o reduzido número de participantes, no grupo alvo, da presente investigação
não permita avaliar a distribuição destes dados, podemos colocar a hipótese da diferença de
géneros, na população sem abrigo não ser expressiva, dada a deficiente construção da
identidade e, como tal, o desempenho dos usuais papeis sociais associados a homens e
mulheres estar hipotecado.
No que se refere à avaliação das hipóteses relativas à aproximação das pontuações
entre o grupo alvo, no segundo momento de avaliação e o grupo de referência, no primeiro
momento de avaliação, concluímos que os resultados infirmam a hipótese 7 (“O grupo alvo
no segundo momento de avaliação mantém médias inferiores, na dimensão social geral ligada
à vinculação adulta - confiança, em relação ao grupo de referência”). O grupo alvo, no
segundo momento de avaliação, demonstrou ter aumentado os índices de confiança
173
confirmada (cf. Quadro 22, capítulo V). Tal como já referido anteriormente e de acordo com
Bakermans-Kranenburg e colaboradores (2003), a análise dos estudos revelou que intervir ao
nível dos padrões de vinculação é complexo e que as intervenções somente fomentam
mudanças relativamente moderadas.
Assim, embora constatando que a intervenção realizada e a existência de relações
significativas poderão ter facilitado a alteração dos valores registados nas dimensões sociais
gerais associadas à vinculação, os padrões de vinculação não sofreram alterações
estatisticamente significativas.
No entanto, em nosso entender, a mudança verificada nas dimensões sociais gerais
associadas à vinculação adulta, poderá, só por si, indicar que “ao logo do tempo”, a
manutenção de relações positivas e a revitalização da rede de suporte, é possível reparar
padrões de vinculação inseguros. Bowlby (1969, 1973) enfatiza que os modelos são
construções activas que podem modificar-se em função das experiências. Segundo a sua teoria
é provável que os esquemas mais predominantes se mantenham praticamente intactos. Collins
e Read, (1994), defendem que os indivíduos podem desenvolver mudanças emocionais e
cognitivas complexas para elaborar novos modelos.
Tal como já referimos anteriormente, os modelos podem sofrer alterações através da
reinterpretação de acontecimentos passados. Defendendo que a integração comunitária pode
desempenhar a função de intervenção terapêutica e simultaneamente, de experiência relacional
positiva. Acreditamos que estão reunidos os factores necessários para que o grupo alvo possa
readquirir a confiança em si e nos outros, permitindo-lhes sentir-se mais do que abrigados
numa casa, abrigados num grupo de pertença.
O início do processo de mudança é, a nosso entender, visível. Resta-nos assim,
continuar o trajecto e manter os laços invisíveis que nos unem e protegem da desagregação
que a exclusão social provoca, para que passo a passo se solidifiquem relações e vínculos
efectivamente seguros.
Conclusões
os relacionamentos, sentem que os outros não lhe reconhecem o devido valor e, por tanto, não
os estimam o suficiente. Desejariam estar mais próximos dos outros, inquietam-se quando lhes
são indiferentes e sentem que não são amados.
Os dados encontrados neste estudo são consonantes com o estudo de Bento e Barreto
(2002), que analisaram o padrão de vinculação de 18 sem abrigo, constatando que nenhum
apresentou um padrão de vinculação seguro, não tendo por isso construído um grau de
confiança básica nos outros e em si próprios, que advém do estabelecimento de uma boa
relação precoce. Os sem abrigo “… não se distinguem por uma atitude auto-suficiente, nem
revelam apenas uma atitude evitante em relação aos outros, mas também uma elevada
preocupação com as relações, nomeadamente em termos de expectativas antecipatórias de
rejeição.” (Bento & Barreto, 2002, p. 198).
Assim, quer na bibliografia recolhida, quer no presente estudo, os dados sugerem que
esta população pode oscilar entre estes dois modos de adaptação (evitante e ansioso),
manifestando, muitas vezes, um comportamento afectivo ambivalente.
Do ponto de vista das dimensões sociais gerais da vinculação no adulto, no grupo alvo,
após os doze meses de institucionalização, os resultados confirmam o aumento dos valores
médios da confiança e diminuição dos valores médios das dimensões sociais: desconforto com
a proximidade, relacionamento como factor secundário e preocupação com as relações.
Relativamente às médias da necessidade de reforço/aprovação, mantêm-se sem alterações
significativas.
Consideramos que os factores facilitadores da inserção descritos no capítulo III
poderão ter contribuído para provocar esta reparação. Nomeadamente, através do exercício da
capacidade de exploração do meio, recorrendo à base de segurança sempre que ocorra uma
situação potenciadora de stress (regime semi aberto e existência de follow up) e da
reconstrução da imagem de si enquanto merecedor da atenção e do carinho dos outros, bem
como, da imagem do outro enquanto disponível e responsivo face às suas necessidades
(Feeney & Noller, 2001). A capacidade de reinterpretar a história familiar relacional pode
igualmente contribuir para a identificação e reparação de padrões de vinculação disfuncionais
(Egeland & Sroufe, 1981), pelo que o acompanhamento psicoterapêutico, a terapia familiar e
toda a intervenção efectuada em torno das relações familiares do sem abrigo, têm igualmente
um papel importante. Tal como já afirmámos anteriormente, trabalhando aspectos como a
análise e avaliação das representações disfuncionais de si próprio e dos outros, perspectiva-se
que a relação terapêutica actue como uma experiência desconfirmatória, podendo intervir no
sentido da reelaboração dos modelos internos dinâmicos e da reestruturação dos esquemas
177
inclusivamente, valores mais elevados do que o grupo de referência. Em nosso entender, este
indicador poderá encontrar explicação nas profundas alterações ocorridas nos últimos doze
meses. A saída da rua, o alargamento da rede social de apoio, o acompanhamento terapêutico,
em alguns casos a reaproximação familiar, o readquirir de hábitos e rotinas saudáveis e a
integração em mercado de trabalho são acontecimentos de vida suficientemente significativos
para que os valores médios da confiança sejam mais elevados. Relembramos, que Waal &
Rönnlund (2007) defendem que altos valores na sub escala confiança se relacionam de forma
significativa com a vinculação segura.
Abordar temas como a vinculação na população sem abrigo é uma tarefa complexa,
quer pela amplitude que a exclusão social comporta nesta população, quer pela própria
exclusão poder funcionar como forma de defesa de uma relação de proximidade. Torna-se
evidente que a condição de sem abrigo é precedida de um longo processo de desenraizamento
familiar e social, com rupturas sucessivas. Tanto os excluídos como a sociedade parecem
comungar da convicção de que existe um «divórcio por mútuo consentimento» que só reforça
a clivagem entre as partes (Emmanuelli, 1998).
Após a vivencia de relações traumáticas, só a emergência de relações seguras,
vivenciadas em ambientes sociais protegidos que resistam aos ataques relacionais que esta
população, por instinto de sobrevivência emocional, utiliza, poderá reparar os danos de uma
frágil confiança em si e uma imagem negativa do outro. A dimensão relacional nesta
população reveste-se de um mundo de paradoxalidades entre o desejo de proximidade e a fuga
para um isolamento que protege da desilusão. Adquirem, assim, algum sentido os movimentos
de auto-exclusão que perpetuam o viver na fronteira entre o “dentro e o fora”, no qual o “fora”
se torna demasiado perigoso por todo o isolamento e abandono que implica, e o “dentro”
demasiado ameaçador pelo nível de compromisso que exige e do qual estes indivíduos tão
arduamente se defendem. Estes desafios traduzem-se frequentemente em situações emocionais
densas que nos fazem oscilar, também a nós, do ponto de vista pessoal e técnico, entre o
desejo de “abrigar” e de “desabrigar” quem persistentemente nos diz que não precisa de
ninguém. A dependência e a autonomia mesclam assim a relação entre técnicos e utentes, que
nem sempre é pacífica. Questionamo-nos se existirá alguma relação cuidadora
emocionalmente pacífica, ou se as relações humanas se compadecem com tal neutralidade.
Por tudo isto, torna-se fundamental privilegiar o trabalho em equipa, no sentido de
ultrapassar as dificuldades inerentes às relações duais.
179
Em suma, ninguém a viver sem casa, pode estabelecer uma relação de confiança com
alguém, ou com a própria vida.
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pp. 399-406. ISSN 1413-294X.
Anexos
Anexo 1
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Protocolo_______________________
Instituição______________________________
Participante_______________________________________
Não hesite em perguntar sempre que haja alguma palavra cujo significado não
compreenda.
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
Informação ao Participante
O presente documento pretende, antes de mais, ser um convite para participar num
estudo de investigação. Contudo, antes que possa decidir se quer colaborar ou não, é
importante que compreenda a razão pela qual o estudo vai ser feito e o que envolve.
Por favor, leve o tempo que necessitar para ler cuidadosamente a seguinte informação.
Se necessitar de algum esclarecimento adicional, não hesite em pedir.
Agradecemos a sua disponibilidade.
1. Dados Biográficos
4. Considera que houve algum factor determinante para sair dessa condição?
Sim Não
Sim Não
Muito Consideravelmente
Pouco Nada
Muito Consideravelmente
Pouco Nada
Muito Consideravelmente
Pouco Nada
Questionário do Estilo de Vinculação
Tradução do Attachment Style Questionnaire (ASQ)
Diga até que ponto concorda ou
discorda com cada uma das 1 2 3 4 5 6
seguintes questões cotando-as Discordo Discordo Discordo Concordo Concordo Concordo
totalmente muito pouco pouco muito totalmente
segundo a seguinte escala:
1 1 2 3 4 5 6
1
De um modo geral, sou uma pessoa que
vale a pena conhecer.
2
Sou mais fácil de conhecer do que a maioria
das pessoas.
3
Sinto-me confiante de que as outras
pessoas estarão lá para me ajudar quando
4
Prefiro depender de mim do que das outras
pessoas.
7
O valor das pessoas devia ser medido pelo
que conseguem alcançar.
8
Conseguir coisas é mais importante do que
construir relações.
9
Fazer o nosso melhor é mais importante do
que darmo-nos bem com os outros.
10
Se há um trabalho para fazer, deve ser feito
independentemente das pessoas que
11
É importante para mim que os outros
gostem de mim.
12
É importante para mim evitar fazer coisas
que não agradem os outros.
13
Tenho dificuldades em tomar uma decisão a
menos que saiba o que os outros pensam.
14
As minhas relações com os outros são,
geralmente, superficiais.
16
Tenho dificuldade em confiar noutras
pessoas.
18
Penso que os outros são relutantes em
aproximar-se de mim tanto quanto eu
19
Penso que é relativamente fácil tornar-me
próximo/a de outras pessoas.
220
21
Sinto-me confortável em depender de outras
pessoas.
22
Receio que os outros não se preocupem
comigo tanto como eu me preocupo com
23
Preocupa-me que as pessoas se
aproximem demasiado.
25
Sinto-me confuso com o estar próximo das
outras pessoas.
26
Embora me queira aproximar dos outros
sinto-me desconfortável em fazê-lo.
27
Questiono-me porque é que os outros
poderiam querer envolver-se comigo.
28
É para mim muito importante ter uma
relação próxima.
29
Preocupo-me muito com os meus
relacionamentos.
30
Questiono-me como iria encarar a vida sem
ter alguém que me amasse.
31
Sinto-me confiante no relacionamento com
os outros.
32
Muitas vezes sinto que sou deixado/a de
parte ou sozinho/a.
33
Muitas vezes preocupo-me que não encaixe
realmente com as outras pessoas.
34
Os outros têm os seus problemas portanto
não os incomodo com os meus.
35
Quando falo dos meus problemas a outras
pessoas geralmente sinto-me
36
Estou demasiado ocupado com outras
actividades para despender muito tempo em
37
Se alguma coisa me incomoda,
normalmente os outros têm consciência
38
Tenho confiança de que os outros gostem
de mim e me respeitem.
39
Sinto-me frustrado/a se os outros não estão
disponíveis quando eu preciso deles.
40
As outras pessoas desapontam-me
frequentemente.